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RAFAEL COSTA SANTOS O PRONOME EN QUANTITATIVO, SUTIL ESTRUTURA DOS SISTEMAS QUANTITATIVO E PRONOMINAL DA LÍNGUA FRANCESA Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Letras Francês Bacharelado em Estudos Lingüísticos da Universidade Federal do Paraná - UFPR. Orientador: Prof. Eduardo Nadalin CURITIBA 2007

O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

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Page 1: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

RAFAEL COSTA SANTOS

O PRONOME EN QUANTITATIVO, SUTIL ESTRUTURA DOS SISTEMAS QUANTITATIVO E PRONOMINAL DA LÍNGUA FRANCESA

Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Letras Francês – Bacharelado em Estudos Lingüísticos da Universidade Federal do Paraná - UFPR.

Orientador: Prof. Eduardo Nadalin

CURITIBA

2007

Page 2: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

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Dedico esta monografia a minha família e à minha namorada Scheila.

AGRADECIMENTOS À minha família, pelo carinho e apoio de sempre. Ao meu orientador Eduardo Nadalin, pelo norte fundamental que me deu, pela amizade, pela ajuda e pela enorme paciência. Às minhas professoras Nathalie Mendonça, Lucia Cherem, Sandra Monteiro e Sandra Novaes, pelos ensinamentos, pela paciência, pelo incentivo que me deram em tantas ocasiões. À minha querida Scheilinha.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................Erro! Indicador não definido. 1 COMO ALGUMAS GRAMÁTICAS E FORUM (LIVRO DIDÁTICO DE FLE) APRESENTAM O PRONOME EN ...........................................................................4 1.1 Le bon usage.........................................................................................................4 1.1.1 Valor adverbial ...................................................................................................5 1.1.2 Valor de pronome pessoal..................................................................................5 1.1.2.1 Complemento de um verbo .............................................................................5 1.1.2.2 Complemento de um nome .............................................................................5 1.1.2.3 Complemento de um adjetivo..........................................................................5 1.1.2.4 Complemento de um advérbio de quantidade.................................................5 1.1.3 Significado partitivo .................................................Erro! Indicador não definido. 1.1.4 Pronome neutro.......................................................Erro! Indicador não definido. 1.1.5 Expressões de quantidade .................................................................................8 1.2 Grammaire Structurale du Français: nom et pronom ..........................................10 1.3 Grammaire pour l’enseignement/apprentissage du FLE .....................................12 1.3.1 Os pronomes de terceira pessoa “complementos” do verbo ............................13 1.3.2 A quantificação: retomada do nome quantificado pelo pronome en .................13 1.3.3 A situação no espaço .......................................................................................15 1.4 Forum..................................................................................................................15 2 DUAS ABORDAGENS LINGÜÍSTICAS SOBRE O EN QUANTITATIVO.............22 2.1 Determinantes complexos de quantidade ...........................................................22 2.2 En quantitativo e en adnominal ...........................................................................24 2.3 A proposta de Kalmbach .....................................................................................26 2.3.1 O pronome en pode substituir um COD introduzido por um determinante indefinido ....................................................................................27 3 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O EN QUANTITATIVO ...................................34 3.1 Ponderações sobre as dificuldades dos aprendizes brasileiros com o pronome en ......................................................................................................34 3.2 Considerações sobre a nomenclatura relativa ao pronome en ...........................42 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................48 REFERÊNCIAS ........................................................................................................50

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INTRODUÇÃO GERAL

Nos anos em que vimos trabalhando no ensino de francês como língua

estrangeira (FLE), dando aulas para estudantes universitários oriundos de diversas

áreas de conhecimento, entre outras pessoas envolvidas em outros tipos de

atividades, tivemos a oportunidade de observar as aptidões e dificuldades

apresentadas pelos falantes da língua portuguesa do Brasil no aprendizado da

língua francesa.

Dentre as dificuldades, uma ganha grande destaque e relevo: a

dificuldade para entender o funcionamento e para utilizar com propriedade uma

pequena partícula, sem equivalente na língua portuguesa: o pronome en.

Mesmo em níveis bastante avançados de estudo da língua, é bastante

raro encontrar aprendizes que utilizem regular e corretamente o pronome en, em

qualquer das suas várias acepções.

O autor de uma das principais fontes bibliográficas consultadas para este

trabalho, Kalmbach (2005), debruçou-se atentamente sobre as particulares

dificuldades apresentadas no entendimento e uso efetivo do pronome en por

aprendizes de FLE falantes do finlandês.

Acreditamos poder corroborar, a partir de nossa própria experiência de

ensino, as palavras de Kalmbach no que se refere à relação entre a utilização

automática de en e à proficiência na língua francesa:

Nous estimons personnellement d’après notre expérience d’enseignement que l’utilisation automatique de en est une des marques d’une bonne maîtrise du français et que tant qu’elle n’est pas automatique, l’apprenant a encore du chemin à faire, quel que soit son niveau par ailleurs. (KALMBACH, 2005, p. 131)

Um problema relacionado ao ensino do pronome en é o fato de que a

descrição de sua natureza e funções não é feita de maneira uniforme nas diversas

gramáticas da língua francesa e livros didáticos de FLE. Ao contrário, encontra-se

variedade de abordagens, de classificações, de nomenclatura, de tipologias. Cada

publicação trata em maior ou menor detalhe de um ou outro uso, um ou outro

aspecto, com mais ou menos acerto.

Estes fatos parecem ser também verdadeiros na Finlândia, se

considerarmos o que diz Kalmbach a esse respeito: “La présentation de en et y se

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fait de manière très disparate selon les manuels et il est difficile de dégager des

lignes d’approche communes.” (KALMBACH, 2005, p. 141)

Diante dessa variedade no modo de apresentação de en nas diferentes

obras, os professores de FLE com freqüência se encontram em apuros no momento

em que devem escolher a melhor forma de explicar os usos do pronome, ou os

melhores materiais teóricos ou didáticos por meio dos quais apresentá-lo.

É comum a situação em que um professor, havendo, por exemplo,

selecionado um documento original para trabalhar junto a seus alunos, depare-se ali

com uma ocorrência de en sobre a qual não encontre explicação em nenhuma das

gramáticas e livros a que tenha acesso.

Por outro lado, em trabalhos acadêmicos de lingüística podem-se encontrar

respostas ou encaminhamentos de soluções para os problemas e dúvidas

concernentes ao assunto.

O objetivo geral deste trabalho, portanto, é o de propor uma reflexão sobre

alguns modos de apresentar gramatical, didática e lingüisticamente o pronome en.

Mais especificamente, pretendemos ponderar sobre as dificuldades dos aprendizes

brasileiros de FLE, como também o modo de exposição conferido por diferentes

autores para a acepção quantitativa do pronome.

Devido à complexidade apresentada pelo conjunto dos empregos desse

pronome, decidimos abordar em maior detalhe uma das suas acepções, o en dito

quantitativo (capítulo 2), e propor uma reflexão geral sobre o seu caráter pronominal,

as vicissitudes do seu uso no quadro mais amplo dos sistemas quantitativo e

pronominal do francês, em conexão com os motivos para as dificuldades

encontradas pelos aprendizes brasileiros de FLE em dominar o seu funcionamento.

Para dar início a essa empreitada, em nosso primeiro capítulo,

procedemos a uma análise de conjunto dos modos de apresentação propostos para

os vários empregos de en em algumas gramáticas, e no livro didático de FLE

utilizado atualmente (dezembro de 2007) pelo Centro de Línguas e Interculturalidade

(CELIN) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A proposta principal desta análise é o de identificar pontos fracos e fortes,

aportes interessantes e lacunas, e ilustrar a disparidade das interpretações que se

pode encontrar para essa importante estrutura da língua francesa.

Ao longo de nossa exposição das explicações e sistematizações

encontradas nas diferentes publicações, vamos tecendo reflexões, levantando

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problemas e contrastando as interpretações ali presentes com soluções propostas

por outros autores, gramáticos ou lingüistas.

Com a exposição que empreendemos no primeiro capítulo, pretendemos

apresentar uma visão geral dos usos do pronome en, pela ótica dos materiais que,

de costume, formam as percepções que professores e aprendizes de FLE dele têm,

de um modo geral.

Como o emprego de en de que nos ocupamos nos capítulos

subseqüentes é o quantitativo, neste primeiro capítulo, cotejamos interpretações

propostas nas gramáticas e em Forum com as de lingüistas no tocante, sobretudo,

às demais acepções do pronome, ao mesmo passo em que nos abstemos de

apresentar em maior detalhe as visões dos lingüistas sobre o en quantitativo, o que

reservamos para o segundo capítulo.

Neste segundo capítulo, então, conforme dissemos acima, enfocamos o

emprego quantitativo do pronome en, apresentando as contribuições de dois

lingüistas que trataram do pronome com perspectivas diferentes, mas

complementares: Kalmbach (2005) e Véronique Lagae (2001).

Confrontando as percepções desses dois autores com os

questionamentos suscitados e problemas levantados no primeiro capítulo, pelas

exposições gramaticais e didáticas do en quantitativo, fazemos então algumas

considerações e indicamos aquelas que nos parecem ser boas soluções para o

tratamento do pronome en dito quantitativo.

No terceiro capítulo fazemos uma reflexão sobre o funcionamento dos

sistemas pronominal e quantitativo da língua francesa em geral, contrastando-os

com os do português, de modo a identificar alguns dos motivos que permitem

explicar dificuldades particulares dos aprendizes brasileiros de FLE no trato com

pronomes, quantificadores e determinantes indefinidos franceses, e em especial com

en.

A seguir, fazemos considerações gerais sobre alguns dos termos

presentes na nomenclatura utilizada na descrição de en quantitativo, entre eles o

próprio termo “quantitativo”, e sugerimos determinadas escolhas para a

denominação adequada de en, com fins didáticos.

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1 COMO ALGUMAS GRAMÁTICAS E FORUM (LIVRO DIDÁTICO DE FLE) APRESENTAM O PRONOME EN

O pronome en é abordado de maneira variada e freqüentemente um tanto

confusa e/ou incompleta em muitas gramáticas do francês e livros didáticos de

francês como língua estrangeira (FLE).

Como se trata de uma estrutura essencial da língua francesa que não tem

um equivalente exato na língua portuguesa para nenhuma de suas variadas

acepções, os professores e aprendizes brasileiros do FLE, ante a deficiência das

abordagens gramaticais e didáticas no tocante a esse pronome, com freqüência se

deparam com dificuldades no ensino/aprendizado de cada um dos seus empregos.

Neste primeiro capítulo, procederemos a uma exposição e faremos alguns

questionamentos críticos acerca do tratamento dado a en por três gramáticas

francesas, com perspectivas diferentes entre si, e por Forum, o livro didático de FLE

utilizado atualmente pelo Centro de Línguas e Interculturalidade da Universidade

Federal do Paraná.

O objetivo desta exposição é o de proporcionar uma visão do tipo de

material a partir do qual, de costume, professores e aprendizes formam a sua

percepção do pronome en.

Como essas publicações abordam o assunto de maneira diversa, cada qual

tratando em maior ou menor detalhe de uma ou outra de suas especificidades,

nossa exposição pretende, por um lado, mostrar as lacunas de cada publicação no

que se refere a en, mas, por outro lado, também pretende proporcionar uma visão

mais ampla sobre o pronome. A despeito de apresentarem lacunas, essas obras

trazem informações importantes e esclarecedoras, que não podem nem devem ser

negligenciadas e, em certa medida, se complementam.

1.1 Le bon usage (Maurice Grevisse, 1953)

Nessa obra (p. 386), o autor diz que en é um advérbio pronominal, ou um

pronome adverbial, que possui:

1.1.1 Valor adverbial quando significa “de là, de l’endroit dont il s’agit”.

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[1] De ce lieu-ci je sortirai, après quoi je t’EN tirerai. (La F., F., III, 5, citado

em GREVISSE, 1953, p. 386)

1.1.2 Valor de pronome pessoal quando representa um nome construído com a

preposição de, que pode ser:

1.1.2.1 Complemento de um verbo:

[2] On a voulu lui donner une mission officielle, il s’EN est dispensé. (Ac.,

citado em GREVISSE, 1953, p. 386)

Diferentemente do que, conforme veremos adiante, fazem outros autores,

Grevisse não usa o termo objeto indireto (doravante COI, do francês complément

d’objet indirect) para se referir ao complemento de verbo a que se refere.

1.1.2.2 Complemento de um nome:

[3] J’aime beaucoup Paris et j’EN admire les monuments (Ac., citado em

GREVISSE, 1953, p. 386)

1.1.2.3 Complemento de um adjetivo:

[4] C’est un fâcheux événement: j’EN suis tout triste. (GREVISSE, 1953, p.

386)

1.1.2.4 Complemento de um advérbio de quantidade: Grevisse não dá um exemplo do que entende por esse uso de en como

substituto de um nome complemento de advérbio de quantidade. De todo modo, não

aprofundaremos aqui este ponto, pois o faremos no início do capítulo 2.

Como veremos, o uso a que o autor parece estar se referindo é um tanto

controverso e recebe interpretações diversas em diferentes autores, sendo descrito

por meio de uma nomenclatura distinta por cada um deles.

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1.1.3 Significado partitivo:

[5] Avez-vous des fruits? J’EN ai beaucoup. Donnez-m’EN quelques-uns.

(GREVISSE, 1953, p. 386)

A definição de en como tendo um significado partitivo é controversa, como

também o é a noção de artigo partitivo, e está relacionada à complexidade do

próprio sistema de quantificação do francês.

Geneviève-Dominique de Salins (1996, p. 66), ao comentar sobre as

dificuldades dos estrangeiros em dominar esse sistema, diz que gramáticas e

professores nem sempre estão de acordo em suas explicações, e que o ponto de

vista de cada gramática ou de cada professor traz informações diversas e variadas

que tornam essa questão gramatical muito confusa. Alguns distinguem duas

categorias gramaticais: os partitivos e os indefinidos. Entre os partitivos, alguns

classificam du, de la, de l’ e des. Outros excluem des, que é justamente o artigo

implicado no exemplo [5] de Grevisse.

Kalmbach (2005) questiona a validade da própria idéia de partitividade, e,

sobretudo, a sua adequação para a descrição do funcionamento do pronome en,

como veremos no segundo capítulo.

Além do que foi dito acima sobre a controvérsia acerca da associação desse

emprego do pronome com a noção de partitividade, achamos importante ressaltar

aqui que, como no caso do uso de en descrito no item 1.1.2, neste outro uso ele

também pode ser entendido como tendo o valor de um pronome pessoal, com a

diferença de que no caso do item 1.1.2 se trata do valor de um pronome pessoal em

função de COI, ao passo que no item 1.1.3 trata-se de um pronome pessoal em

função de objeto direto (doravante COD, do francês complément d’objet direct).

1.1.4 Pronome neutro:

Grevisse diz ainda que en é um pronome neutro quando significa de cela,

caso em que representa uma idéia ou uma oração:

[6] Il a été clément jusqu’à être obligé de s’EN repentir. (Boss, Reine d’Angl.

citado em GREVISSE, 1953, p. 386)

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Grevisse não relaciona o emprego de en como substituto de oração com

aqueles descritos nos itens 1.1.2.1, 1.1.2.2 e 1.1.2.3 acima, o que, a nosso ver, seria

o caso.

Na realidade, para que se pudesse fazer essa relação, seria preciso

modificar um detalhe: esses itens se referem somente à representação por en de um

nome, quando no item 1.1.4 se trata da representação de uma oração.

Vejamos, através de alguns exemplos, como o complemento construído com

a preposição de, seja de um verbo, seja de um nome, seja de um adjetivo, pode ser

representado por en, tanto se for um nome (cf. itens 1.1.2.1, 1.1.2.2 e 1.1.2.3),

quanto se for uma oração (cf. item 1.1.4).

[7] Corinne se souvient très bien d’avoir été jeune un jour. Elle s’en souvient

très bien.

[8] Corinne se souvient de sa jeunesse. Elle s’en souvient même très bien.

Em [7] e [8], respectivamente, d’avoir été jeune un jour, uma oração, e de sa

jeunesse, um nome, são ambos complementos, construídos com a preposição de,

do verbo se souvenir. Na segunda frase de cada exemplo esses complementos,

estão representados por en, ilustrando, respectivamente, os usos evocados nos

itens 1.1.4 e 1.1.2.1).

[9] Corinne a honte de se montrer nue devant son mari. Elle en a très honte.

[10] Corinne a honte de sa nudité. Elle en a très honte.

Em [9] e [10], respectivamente, de se montrer nue devant son mari, uma

oração, e de sa nudité, um nome, são ambos complementos, construídos com a

preposição de, do nome honte. Na segunda frase de cada exemplo esses

complementos estão representados por en, ilustrando, respectivamente, os usos

evocados nos itens 1.1.4 e 1.1.2.2.

[11] Corinne est contente de s’être mariée avec un homme si patient. Elle en

est si contente qu’elle s’en félicite tous les jours.

Page 11: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

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[12] Corinne est contente de son mariage. Elle en est si contente qu’elle s’en

félicite tous les jours.

Em [11] e [12], respectivamente, de s’être mariée avec un homme si patient,

uma oração, e de son mariage, um nome, são ambos complementos, construídos

com a preposição de, do adjetivo contente. Na segunda frase de cada exemplo,

esses complementos estão representados por en, ilustrando, respectivamente, os

usos evocados nos itens 1.1.4 e 1.1.2.3).

Como podemos ver, bastaria que se incluísse o termo oração ao lado do

termo nome na descrição dos empregos de en referidos nos itens 1.1.2.1, 1.1.2.2 e

1.1.2.3, para que o uso descrito no item 1.1.4 estivesse previsto.

O mesmo não se pode dizer do uso descrito no item 1.1.2.4. De fato, o

complemento de advérbio de quantidade não pode ser uma oração, o que pode

servir de argumento para incluí-lo numa outra categoria de emprego de en, como

veremos no segundo capítulo.

1.1.5 Expressões de quantidade

Grevisse diz que as expressões de quantidade un, deux, quelques-uns,

beaucoup, plusieurs, peu, plus d’un, un autre, d’autres, une foule, un grand nombre,

etc., quando utilizadas como sujeitos reais com as formas impessoais, como

atributos ou ainda como objetos diretos, apóiam-se no pronome en que as precede.

Nos exemplos seguintes, fornecidos por Grevisse, un (no primeiro exemplo),

un autre e quelques-uns, são, respectivamente, sujeito real, atributo e objeto direto:

[13] Et s’il n’EN reste qu’un, je serai celui-là! (Hugo, Châtim. VII, 16, citado

em GREVISSE, 1953, p. 386)

[14] Pierre est un savant; vous EN êtes un autre. (GREVISSE, 1953, p. 386)

[15] Oh, les beaux fruits que vous avez, donnez-m’EN quelques-uns. (Ac.

citado em GREVISSE, 1953, p. 386)

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Kalmbach (2005) explica esse fato lingüístico de um modo mais simples e

completo, a nosso ver, ao mostrar:

- que en pode substituir um grupo nominal (GN) precedido por um

determinante indefinido.

- que en pode substituir um GN com a função sintática de complemento

de objeto direto (COD), de atributo do sujeito ou de sujeito real (e isso, mesmo na

ausência das expressões de quantidade mencionadas acima por Grevisse).

- que, quando o determinante indefinido que precede o GN substituído

por en não é um artigo indefinido iniciado em d-, caso das expressões de quantidade

mencionadas por Grevisse, esse determinante deve ser retomado, na sua forma

pronominal, após o verbo.

Como veremos, outros autores associam o uso de en descrito no item 1.1.5

ao descrito no item 1.1.3. Trataremos disso em mais detalhe no segundo capítulo,

quando estivermos falando sobre o objeto central de nosso estudo, que é o uso de

en descrito no item 1.1.3 acima.

No item 1.1.2.4, onde Grevisse fala no uso de en para representar o

complemento de um advérbio de quantidade sem, no entanto, dar um exemplo

desse uso, parece-nos que também se trate de um uso em conexão com o descrito

no item 1.1.5 acima, como veremos no segundo capítulo.

Grevisse (1953 p. 386) diz que en, utilizado como pronome pessoal,

representa, principalmente, animais, coisas ou idéias abstratas, mas que, às vezes,

é usado também para designar pessoas (1953 p. 387):

[16] Trois fois par semaine elle EN recevait une lettre (de sa fille) (Flaub.,

Trois Contes, p. 35, citado em GREVISSE, 1953, p. 387)

Para representar pessoas, diz Grevisse, o mais das vezes, utiliza-se o

pronome pessoal propriamente dito:

[17] Les services que j’ai reçus DE LUI. (GREVISSE, 1953, p. 387)

Exceto, segundo o autor, quando en tem um valor partitivo:

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[18] A-t-il des amis? Il n’EN a qu’un seul. (Ac. , citado em GREVISSE, 1953,

p. 387)

Do modo como Grevisse formula essas regras, pode-se ter a impressão de

que a representação de uma pessoa pelo pronome en é excepcional.

Como veremos no segundo capítulo, quando en substitui um COD, um

atributo do sujeito, ou um sujeito real, pode representar pessoas. É a este emprego

do pronome que Grevisse está aludindo quando fala em en com valor partitivo.

Além disso, a distinção entre “en utilizado como pronome pessoal” e um

“pronome pessoal propriamente dito” talvez não seja muito esclarecedora. O uso de

en como substituto de COD, atributo do sujeito, e sujeito real, pelo menos, também

pode ser entendido como o de um pronome pessoal.

Vejamos agora como um outro autor descreve as funções desempenhadas

pelo pronome en.

1.2 Grammaire Structurale du Français: nom et pronom (Jean Dubois, 1965)

Nesta obra (p. 137), Dubois afirma que en é um substituto como os demais

pronomes pessoais. Ora, como vimos, Grevisse fala em en como um advérbio

pronominal, ou um pronome adverbial, que pode ser “utilizado como um pronome

pessoal”, e parece distingui-lo de um “pronome pessoal propriamente dito”. Dubois,

por sua vez, fala em um en “como os demais pronomes pessoais”, sem mais.

Dubois (1965, p. 139) diz que o pronome en substitui um grupo nominal (GN)

precedido pela preposição de, qualquer que seja a exploração semântica desse GN.

Conforme a gramática que se consulte, diz o autor, as explorações semânticas de en

podem ser descritas como adjunto adverbial de lugar, COI, COD com artigo partitivo,

etc. Segundo Dubois, não é a função semântica que determina o emprego de en,

mas a correspondência com o GN precedido pela preposição de.

Ora, a regra formulada por Dubois parece sugerir que um GN precedido por

de que seja inclusive um sujeito pode ser substituído por en, o que não é verdade, a

não ser no caso de um sujeito real, como veremos no segundo capítulo.

Não nos aprofundaremos nesse ponto, por não ser o nosso objetivo neste

trabalho, mas desejamos mencionar, para mostrar como o ponto não é unânime, que

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Kalmbach (2005) discorre longamente sobre a adequação de se considerar de como

uma preposição quando entra na composição de artigos indefinidos (neste caso,

segundo o autor, de poderia ser considerado como um artigo).

Como os GN em qualquer função semântica desde que precedidos pela

preposição de, a que se refere Dubois, incluem aqueles que são determinados por

artigos indefinidos iniciados em d-, talvez o termo preposição não seja adequado

para a formulação de uma regra geral de substituição por en, como a que Dubois

parece estar propondo.

Quanto a outro ponto que implica em dificuldades para a formulação de uma

regra tão geral, como a que propõe Dubois, devemos considerar o que se pode

observar no exemplo seguinte, tirado de Kalmbach (2005, p. 28):

[19] Je n’ai pas envie qu’on vienne me reprocher un jour de ne pas m’être

occupée de mes enfants.

Podemos imaginar a pronominalização abaixo:

[20] Je n’en ai pas envie.

Ora, neste caso, aparentemente, en não está substituindo um GN

introduzido pela preposição de, ainda que, normalmente, a locução verbal avoir

envie tenha o seu complemento introduzido por essa preposição (aqui, mesmo para

Kalmbach, se trata, de fato, de uma preposição).

A questão é que, no caso, outra regra está interferindo: a da supressão da

preposição de diante de uma oração completiva.

Na realidade, as explicações de Grevisse para as funções de en vistas na

parte 1.1 acima também não dão conta desse caso.

Podemos imaginar ainda outra pronominalização para aquela frase:

[21] Je n’ai pas envie qu’on vienne me le reprocher un jour.

Ora, nesse caso se poderia perguntar, em vista das regras expostas na

maior parte dos livros didáticos e gramáticas, porque o complemento de ne pas

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m’être occupée de mes enfants do verbo reprocher não é substituído por en, e sim

por le.

Kalmbach mostra que um complemento como esse não é um COI

introduzido pela preposição de. O verbo reprocher, por sinal, é transitivo direto. De,

aí, segundo Kalmbach, é um marcador de infinitivo, e não uma preposição, e a

oração infinitiva, apesar de introduzida por de, é substituída pelo pronome neutro le,

e não por en.

Mas tornemos à exposição do que diz Dubois.

Se não é a função semântica do GN que determina que ele possa ser

substituído por en, segundo o autor, sintaticamente, ele pode ser:

- a expansão de um verbo.

- a expansão de um nome.

Dubois (1965, p. 137) não explica o que seja a expansão de um verbo ou de

um nome, mas exemplifica: respectivamente, Je mangerai des cerises e Je connais

la fin de cette histoire.

Não parece ser contemplada a acepção em que en substitui o complemento

de um adjetivo, mencionada por Grevisse no item 1.1.2.3 acima.

Também não se fala na expansão de um advérbio de quantidade, de que

fala Grevisse no item 1.1.2.4 acima. Mas se interpretarmos esses advérbios

construídos com de como determinantes indefinidos complexos, como o faz

Kalmbach, podemos entender os GN determinados por eles como expansões do

verbo (COD).

Vamos à terceira e última gramática que abordamos:

1.3 Grammaire pour l’enseignement/apprentissage du FLE (Geneviéve-Dominique de Salins (1996)

A autora trata das acepções do pronome en em três seções: os pronomes de

terceira pessoa “complementos” do verbo, a quantificação e a situação no espaço –

sendo a segunda e a terceira dessas acepções incluídas entre os pronomes

pessoais de terceira pessoa (P3) na concepção de Kalmbach (2005). Vejamos o que

Salins diz sobre en em cada seção:

Page 16: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

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1.3.1 Os pronomes de terceira pessoa “complementos” do verbo (SALINS, 1996, p. 37):

O pronome en retoma um nome não humano (coisa ou idéia) que seja o COI

de um verbo ou de um grupo verbal regido pela preposição de (como em “avoir

besoin de cela”). Pode-se questionar se o verbo retomar é sempre adequado para

descrever a operação de en. Salins fala também em pronome de retomada.

Conforme desenvolveremos em maior detalhe no terceiro capítulo, a idéia de

que o que o pronome faça (ou seja) uma retomada parece implicar que o referente

do pronome precisa haver aparecido anteriormente no discurso, o que nem sempre

é verdade.

Salins (1996, p. 37) observa ainda que, embora, do ponto de vista normativo,

haja uma efetiva diferença de emprego entre en e de lui/d’eux/d’elle(s), estes últimos

usados para representar pessoas, os locutores franceses às vezes neutralizam essa

diferença e empregam en para um nome humano (um substantivo que representa

uma pessoa), sobretudo na oralidade.

A nenhum dos dois tipos de pronome se atribui a função de representar, por

exemplo, um animal. Kalmbach (2005), porém, observa a confusão freqüente, na

formulação desta regra, entre o caráter [+ humano] e o caráter [+ animado], que

inclui animais e objetos personificados ou determinados e individualizados. De

acordo com este autor, o en COI pode representar o caráter [+ animado] quando o

nome “animado” do GN tem um valor genérico: Les amis, on en a toujours besoin.

1.3.2 A quantificação: retomada do nome quantificado pelo pronome en (SALINS, 1996, p. 65)

Segundo a autora, en retoma a noção de quantidade. Poderíamos nos

perguntar o que significa exatamente retomar uma noção, e se grupos nominais

como les trois kilos de raisins ou l’énorme quantité de morues seriam considerados

como nomes quantificados, visto que não poderiam, normalmente, ser substituídos

por en.

A autora não especifica que, para poder ser substituído por en, um GN deve

ser introduzido por um determinante indefinido.

Page 17: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

14

Salins prossegue dizendo (1996, p. 65) que, no caso de um contável

determinado por un/une, a retomada pelo pronome en pede, em eco, o emprego de

un/une, ou de um número apropriado.

“Em eco” ao que, exatamente?

Acreditamos que a autora esteja evocando a regra que diz que, se o

determinante indefinido do GN substituído por en não é um artigo indefinido

introduzido por d-, esse determinante deve ser retomado, na sua forma pronominal,

após o verbo.

Assim, em je veux un morceau, o complemento un morceau pode ser

substituído por en, e o artigo indefinido un (não iniciado em d-) deve ser retomado

após o verbo na sua forma pronominal: j’en veux un.

E o que seria o “número apropriado” cujo emprego pode ser, segundo a

autora, pedido “em eco” no caso da “retomada” por en de um contável determinado

por un/une?

Neste caso, acreditamos que a regra evocada esteja exposta de uma

maneira um pouco confusa, mas podemos fazer uma idéia do que a autora queira

dizer a partir do exemplo com que ela ilustra o ponto:

[22] - (...) une banque? Il y en a une dans le coin?

- Il y en a même deux ou trois.

A nosso ver, há certa confusão na formulação da regra acima.

Na “retomada” de une banque, os “números apropriados” que “ecoam”

seriam deux ou trois?

A regra que Salins parece estar procurando descrever é a mesma que

mencionamos acima e repetimos aqui: se o determinante indefinido do GN

substituído por en não é um artigo indefinido introduzido por d-, esse determinante

deve ser retomado, na sua forma pronominal, após o verbo. E esse determinante

pode ser um numeral cardinal (un, deux, trois...).

Essa regra também dá conta de esclarecer a afirmação de Salins (1996, p.

65), segundo a qual, as quantidades “retomadas” pelo pronome en podem ser

especificadas por um quantificador.

No exemplo acima, então, a quantidade “retomada” une banque estaria

sendo especificadas pelos quantificadores deux ou trois?

Page 18: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

15

É curioso notar ainda que, à página 60, Salins diz que os quantificadores são

de dois tipos:

- os que servem para contar ou adicionar os seres contáveis: o artigo

indefinido un, une, des, e os números.

- os que servem para quantificar massas e volumes de seres incontáveis: os

artigos partitivos de l’, du, de la.

E depois, falando da possibilidade de se precisar “as quantidades retomadas

pelo pronome en”, fornece exemplos com “quantificadores” que não apareciam

naquela definição: plusieurs, quelques-uns e très peu.

Quais são, afinal, os quantificadores de Salins?

1.3.3 A situação no espaço (SALINS, 1996, p. 134):

A autora lembra que o pronome adverbial en permite retomar um adjunto

adverbial de lugar (lugar de onde se vem, de proveniência).

[23] - Les Durand reviennent de la Réunion?

- Non, ils n’en reviennent pas (...)(SALINS, 1996, p. 134)

A autora diz que en é freqüentemente chamado de pronome adverbial, bem

como faz Grevisse (1953, p. 386), na expressão da situação no espaço.

Vimos brevemente como três gramáticas da língua francesa tratam de en.

Passaremos agora a uma breve exposição de como um livro didático de FLE aborda

esse pronome.

1.4 Forum (BAYLON et al.., 2000)

Na unidade 7 do primeiro volume do livro de FLE, en é apresentado,

primeiramente, como pronome substituto de uma expressão de lugar.

O documento D, à página 138, consiste em um diálogo gravado em CD e

destinado a servir à descoberta de en pelos aprendizes. O pronome aparece apenas

uma única vez no diálogo.

Page 19: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

16

[24] -(...) Pour être ici vers 8 heures, vous devez quitter le parc vers 6

heures et demie. Mais n’en partez pas trop tôt... (BAYLON et al., 2000, p. 138)

O exercício 4, referente ao diálogo, pede que se levante as ocorrências do

pronome (no caso, única) e pergunta quais são as expressões de lugar que ele

substitui e se a preposição que introduz as expressões é à, de ou outra.

Talvez uma única ocorrência do pronome seja pouco para que se faça essa

descoberta. Nas unidades imediatamente anteriores, o aprendiz foi exposto aos

pronomes COD e COI, mas esses são bastante fáceis de entender, pois têm

correspondentes em português (embora, para um brasileiro, sejam difíceis de usar,

visto que os usamos muito pouco na oralidade). É relativamente fácil para o aprendiz

entender que elle substitui um nome feminino enquanto sujeito de um verbo. Um

pouco menos fácil, talvez, ele entender que la substitui um nome feminino enquanto

complemento de objeto de um verbo transitivo direto (COD). O aprendiz precisa,

para entender como opera o pronome na sua função de evitar a repetição, perceber

que o tipo de pronome a ser utilizado em determinado contexto frástico depende da

função sintática que o referente do pronome exerce na frase.

Um forte complicador, no caso de en, o pronome em foco, é o fato de o

português não possuir nenhum pronome correspondente, e raramente utilizar

alguma coisa nos casos em que o francês utiliza en: de fato o lugar de

origem/proveniência não é objeto de pronominalização em português.

No exercício 4, que mencionamos acima, para responder à pergunta sobre a

preposição que introduz a expressão substituída por en, o aprendiz precisaria

conseguir elaborar a frase intermediária ne partez pas trop tard du parc..

Na seção gramatical (BAYLON et al.., 2000, p.142), a regra diz que o

pronome en substitui expressões de lugar introduzidas pela preposição de, indicação

da origem, do lugar de onde se vem.

[25] Je viens du Canada. J’en viens. (BAYLON, 2000, p. 138)

Nenhuma observação é feita a respeito da elisão da preposição de com o

artigo definido le, formando du, o que pode confundir o aprendiz (a regra só fala em

expressões de lugar introduzidas pela preposição “de”).

Page 20: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

17

Nada se diz sobre a relação de en com um verbo cujo complemento é

introduzido pela preposição de, e um aprendiz, seguindo a regra à risca, poderia

formular uma substituição errônea como a que vemos no exemplo seguinte:

[26] De Toulouse à Paris, la distance n’est pas bien grande.

[27] *En à Paris, la distance n’est pas bien grande.

Na unidade 8 apresenta-se o pronome en na expressão da quantidade.

A seção gramatical (BAYLON et al.., 2000, p. 159) diz que o pronome en

substitui um nome precedido por um artigo partitivo ou por uma outra expressão de

quantidade que contenha de.

Exemplifica-se:

[28] - Tu veux du lait?

- Oui, j’en veux. (BAYLON et al.., 2000, p. 159)

Acrescenta-se que é possível especificar a quantidade.

[29] -Tu as pris du gâteau?

- Oui, j’en ai pris deux parts. (BAYLON, 2000, p. 159)

A que corresponderia essa outra expressão de quantidade que contenha

de?

Se considerarmos que a seguir fala-se na possibilidade da especificação da

quantidade, podemos nos perguntar em qual das duas regras se encaixariam

determinantes indefinidos que contêm de, como beaucoup de, peu de, trop de,

assez de, plus de, moins de, autant de, tellement de, une dizaine de, un tas de, etc.

Se entendermos que essas expressões de quantidade se classificam na

regra da possibilidade de especificação da quantidade, então aquela «outra

expressão de quantidade que contenha de” consistiria somente no artigo indefinido

plural des e na forma de que o artigo indefinido tem diante do COD de um verbo na

negativa ou de um adjetivo anteposto a um nome plural?

Page 21: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

18

É interessante ressaltar que, na unidade 3 de Forum, onde se examina a

expressão da quantidade, primeiramente, num quadro gramatical, des é enquadrado

entre os artigos partitivos, ao lado de du, de la, de l’. Mas a seguir, na continuidade

da mesma exposição gramatical, ele aparece novamente, agora entre os artigos

indefinidos que substituem “uma quantidade que se pode contar”.

Além disso, na regra, novamente, nada se diz sobre a relação de en com o

verbo (sua função de COD), e um aprendiz poderia formular, segundo a regra

exposta, a seguinte substituição:

[30] Du vin rouge qui vient de Bordeaux.

[31] *En qui vient de Bordeaux.

O exercício 9 (p. 159) pede que se complete um diálogo onde Marie pede ao

marido que compre itens no supermercado. Deve-se completar com en (por vezes

especificando quantidades), de, des, artigos partitivos e numerais.

Nesse exercício os aprendizes são convidados a fazer várias substituições

um tanto difíceis em vista da regra exposta, por implicarem o uso de en em relação

com combien, e, em uma réplica, com combien de bouteilles:

[32] - Il ......... faut combien?

- J’......... achète combien de bouteilles?

Nada foi explicado sobre o uso de combien, nem sobre a substituição por en

de um complemento nominal. Deve-se pensar então «de bouteilles» como «uma

outra expressão de quantidade» que contém de”? Nada é dito tampouco sobre a

possibilidade de substituição de um nome de pessoa por esse tipo de en.

Em resumo, toda a exposição desses dois pontos (a expressão da

quantidade em geral e o uso de en para essa expressão) é um tanto confusa e

incompleta.

Vejamos agora como Forum trata outro uso de en.

O pronome en como substituto de um COI, é abordado na unidade 9 de

Forum 1. Na seção de gramática (BAYLON et al.., 2000, p. 178) diz-se que en

substitui uma expressão complemento de um verbo seguido pela preposição de.

Page 22: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

19

Ressalta-se que não se pode utilizar en para substituir um nome referente a

uma pessoa, e que, neste caso, emprega-se o pronome tônico precedido pela

preposição. Exemplifica-se:

[33] - J’ai rencontré mon professeur de français hier. Je pense souvent à lui

et je parle souvent de lui.

Nada é dito sobre os casos em que en pode retomar nomes de pessoas. Na

mesma unidade, estuda-se o pronome relativo dont, mas não se faz qualquer

referência às semelhanças e diferenças entre os dois pronomes.

Na parte gramatical sobre os pronomes relativos (BAYLON et al.., 2000, p.

177) é dito que eles permitem que se acrescentem informações sobre os nomes que

eles substituem, e que têm o valor de um adjetivo. Sobre dont, especificamente, diz-

se que ele substitui um complemento introduzido pela preposição de.

[34] C’est une région dont on m’a beaucoup parlé. (parler de)

Somente no exemplo acima, fornecido pelo livro didático, pode-se ver a

relação com o verbo, mas ainda assim, não fica claro que o complemento substituido

por dont é sempre o complemento de um verbo transitivo indireto regido por de. Um

aprendiz poderia pensar, por exemplo, num complemento nominal introduzido por

de, e formular substituições absurdas:

[35] Je connais la solution du problème.

[36] *Je dont connais la solution.

Afora os exemplos, nada é dito sobre a função do pronome relativo na

formação da oração relativa, ou sobre a função desta na formação de períodos

compostos.

Na ficha G19 do «Carnet de Route» (livreto que contém fichas gramaticais a

serem completadas pelos aprendizes), onde se fala nos pronomes pessoais, pede-

se para completar o seguinte enunciado:

Page 23: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

20

«En remplace le complément d’un verbe dont les compléments sont toujours

introduits par la préposition______________.

Avoir besoin de + complément:

Il faut apprendre plusieurs langues: on________ besoin pour voyager.»

O exemplo dado utiliza a locução verbal avoir besoin de, e não um verbo

simples, mas não se faz essa observação.

O verbo penser pode ter o seu complemento introduzido pela preposição de,

mas nem sempre é assim. Penser pode também ter o seu complemento introduzido

pela preposição à, ou um complemento direto, sem preposição alguma, ou ainda,

penser pode funcionar como um verbo intransitivo.

Certo complemento introduzido por de do verbo penser pode ser substituído

por en, mas não se pode dizer que se trate de um verbo «dont les compléments sont

toujours introduits par la préposition de». No mais, nada é dito sobre en enquanto

pronome de substituição do complemento de um substantivo ou de um adjetivo

(complemento nominal).

Na unidade 5 de Forum 2, onde se faz a revisão dos usos de en

apresentados em Forum 1, o exercício 2 da seção gramatical (BAYLON et al.., 2000,

p. 91) pede que se complete:

«En remplace un nom précédé par un article partitif, un article indéfini ou par

une autre expression de quantité contenant de:

L’été, je ne regarde pas beaucoup de films, et vous?

Si, _________________________.

Nenhuma instrução é dada no sentido de facultar ao aprendiz a provável

resposta si, j’en regarde beaucoup (je regarde beaucoup de films). Sem maiores

explicações, o aprendiz provavelmente completará com si, j’en regarde, o que

corresponderia à uma resposta um tanto incompleta em vista da pergunta: je regarde

des films. É que, na verdade, sozinho, en substitui apenas um complemento

introduzido por de, o que pode incluir apenas os artigos indefinidos du, de la, de l’ e

des.

Page 24: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

21

Como vimos, a variedade de formas de apresentação, nomenclatura, regras,

perspectivas, não permitem que se tenha, considerando as obres citadas

separadamente, uma imagem muito unificada do pronome en.

No segundo capítulo, veremos que as interpretações de dois lingüistas

conseguem proporcionar uma visão mais coesa sobre um dos usos do pronome en,

o en quantitativo.

Page 25: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

22

2 DUAS ABORDAGENS LINGÜÍSTICAS SOBRE O EN QUANTITATIVO

Neste capítulo e no próximo, vamos enfocar o pronome en na acepção que

vamos chamar de en quantitativo. No terceiro capítulo discutiremos a pertinência

deste termo, em comparação com outros. Por ora, veremos como dois lingüistas,

Véronique Lagae (2001) e Kalmbach (2005) resolvem alguns pontos confusos sobre

o emprego desse pronome. Para começar, vamos nos remeter a um tópico

mencionado, mas não aprofundado, no primeiro capítulo.

Conforme vimos no item 1.1.2.4 do primeiro capítulo, Grevisse (1953, p. 386)

diz que en pode representar um nome construído com a preposição de, que seja o

complemento de um advérbio de quantidade. Grevisse fala nesse uso no mesmo

item em que trata de en enquanto substituto de um complemento de verbo ou de

nome construído com a preposição de. Como veremos, essa interpretação talvez

não seja a mais adequada.

2.1 Determinantes complexos de quantidade

Embora Grevisse não forneça um exemplo desse emprego, está se

referindo, ao que parece, a um uso de en que outros autores interpretam de modos

bastante diversos, e que exemplificamos abaixo:

[37] Je n’ai pas l’argent qu’ils demandent pour la voiture, mais j’en ai assez

pour m’acheter un vélo. (j’ai assez d’argent pour m’acheter un vélo)

Em [37], assez seria, na perspectiva de Grevisse, o advérbio cujo

complemento d’argent é substituído por en. Entretanto, esse uso de en é descrito

diferentemente por Kalmbach (2005, p. 97), em sua tese de doutoramento “De de à

ça: enseigner la grammaire française aux finnophones”. Nesse trabalho, o autor fala

em advérbios que podem se combinar com a preposição de para formar

determinantes complexos de quantidade, cujo complemento pode ser

pronominalizado por en, e lista alguns desses advérbios: beaucoup de, peu de, trop

de, plus de, moins de, tant de, autant de, guère de, énormément de, pas mal de, etc.

Page 26: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

23

A diferença fundamental é que Kalmbach chama esses advérbios de

determinantes indefinidos complexos, e diz que eles podem determinar três tipos de

GN: complemento de objeto direto (COD), atributo do sujeito, ou sujeito real.

Ou seja, Grevisse vê esse uso de en como substituição de um complemento

de advérbio, e o classifica junto aos usos de en enquanto complemento de objeto

indireto do verbo (COI), complemento nominal, e complemento de adjetivo ao passo

que Kalmbach o considera como a substituição de um COD, um atributo do sujeito,

ou um sujeito real.

Para poder ser pronominalizado por en, de acordo com Kalmbach, um GN

precisa ser introduzido por um determinante indefinido. Quando esse determinante

não é iniciado em d-, quando se substitui o nome no GN por en, o seu determinante

deve ser retomado, em sua forma pronominal, após o verbo.

Desta perspectiva, na oração j’en ai assez do exemplo acima, assez é

encarado como sendo a forma pronominal do determinante complexo assez de, o

qual introduziria o GN, caso este não fosse pronominalizado. O nome argent é

substituído por en e o seu determinante assez de é mantido, na sua forma

pronominal assez, em sua posição após o verbo.

Grevisse, por sua vez, parece ver a presença de assez após o verbo como

sendo determinada pela mesma lógica que implica a preservação do nome após o

verbo quando se substitui o seu complemento nominal por en.

Vejamos um exemplo com en substituto de complemento nominal:

[38] Ce village, nous en visiterons les jardins.

Na frase acima, les jardins é o nome cujo complemento nominal ce village é

substituído por en. O nome é mantido após o verbo, na mesma posição, portanto,

que ocuparia caso o seu complemento nominal não fosse pronominalizado: nous

visiterons les jardins de ce village.

Outra indicação de que o en que substitui um complemento de advérbio de

quantidade seja mais próximo dos quantificadores é o fato, já observado

anteriormente, de esse complemento não poder ser uma oração, como o podem os

complementos de verbo, nome e adjetivo descritos por Grevisse (1953)

Page 27: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

24

2.2 En quantitativo e en adnominal

Passemos agora a uma terceira interpretação dos fatos. Véronique Lagae

(2001), da Université de Valenciennes et du Hainaut-Cambrésis, em seu texto “Des

compléments adnominaux aux syntagmes quantificateurs”, procede a um estudo

comparativo de dois usos do pronome en, os quais chama de en quantitativo e en

adnominal. O primeiro, diz a autora, remete a uma quantidade indefinida de algo. O

segundo, a um complemento nominal, que Lagae define como sendo o elemento N2

de um sintagma binominal N1 de N2 (dois nomes: o segundo sendo o complemento

nominal do primeiro).

O exemplo [39] abaixo ilustra o en quantitativo (acompanhado, no dizer da

autora, por um quantificador de tipo nominal: deux cents):

[39] Pour Noël, je vais en faire environ deux cents [des biscuits] (ex. oral,

GARS, citado por LAGAE)

O exemplo [40] ilustra o en adnominal (substituto do complemento nominal

do N1 détails):

[40] Il y a une disposition (...), vous en connaissez mieux les détails que moi.

(ex. oral, AUV, citado por LAGAE)

Lembremos novamente que Grevisse considera a substituição por en do que

ele descreve como sendo um complemento de advérbio enquanto um caso particular

daquilo que Lagae chama de en adnominal1, ao passo que Kalmbach percebe a

mesma substituição como um caso do que a autora denomina en quantitativo.

Ora, há casos em que, segundo Lagae, as fronteiras entre en quantitativo e

en adnominal não são absolutas, mas graduais. Nesses casos, en pode,

teoricamente, receber ambas as interpretações, como no exemplo [41]:

[41] On va en retrouver en quatrième année peut-être un peu moins de la

moitié des étudiants. (ex. oral, AUV, citado por LAGAE)

1 Não estamos afirmando que Lagae a encare como Grevisse.

Page 28: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

25

Como critérios para a sua comparação, Lagae apresenta seis propriedades

que diferenciam en quantitativo de en adnominal, a saber:

1) possibilidade de comutação do elemento pós-verbal com combien:

- possível com en quantitativo.

- impossível com en adnominal.

2) possibilidade de pronominalização em um nível superior do conjunto

constituído por en e o elemento pós-verbal:

- possível com en adnominal.

- impossível com en quantitativo.

3) possibilidade de substituir um sujeito.

- possível com en adnominal.

- improvável com en quantitativo2.

4) caráter + humano do referente.

- possível com en quantitativo.

- raro com en adnominal3.

5) possibilidade de substituição de en pelo pronome relativo dont.

- possível com en adnominal.

- no caso do en quantitativo a aceitabilidade da substituição varia

conforme o quantificador4:

i. inaceitável com numerais e com quantificadores como beaucoup, (un) peu,

plusieurs ou un paquet.

ii. mais aceitável com certains, quelques-uns e un certain nombre.

iii. perfeitamente aceitável com une quarantaine.

2 Lagae ressalva que, em certas circunstâncias, o en quantitativo pode ser sujeito: “(...) à cette tristesse s’en ajoute une autre” (G. Brée). Segundo Kalmbach, como veremos adiante, esse pronome pode substituir um sujeito real: Il vient des trains. Il en vient. 3 Lagae afirma que Pinchon (1972: 122-128) demonstrou não se tratar de uma impossibilidade estrita, e que, conforme assinalaram Blanche-Benveniste e al. (1984 : 47-50) e Lamiroy (1991), a substituição por en adnominal de um referente humano tem geralmente um efeito desindividualizante. Kalmbach fala em “valor genérico”. 4 Segundo Lagae, Milner (1978: 76), Godard (1988: 175) e Kupferman (1999 : 35) demonstraram esse fato.

Page 29: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

26

6) comportamento da concordância do verbo de uma oração relativa com

pronome sujeito qui acrescentada à direita do N1 cujo complemento nominal é

pronominalizado por en.

- en adnominal: a concordância do verbo da relativa se faz sempre

com N1.

- en quantitativo: a concordância do verbo da relativa se faz

normalmente com N25.

A partir dos resultados da aplicação dos seus critérios aos exemplos de seu

corpus, Lagae procura definir se a substituição por en dos complemento nominal de

diversos tipos de N1 se aproxima mais do emprego de en quantitativo ou do de en

adnominal, segundo partilhem de tais e tais propriedades com um e/ou o outro.

A autora conclui que certas formas, que têm a aparência de um sintagma

nominal, como deux cents, un paquet, un tas, une foule, une infinité, une masse, e

as formas que contêm a palavra nombre (un certain nombre, un nombre important,

etc), na realidade, partilham de todas as seis características dos quantificadores do

tipo de beaucoup, e se comportam como estes. Também as formas da série de une

dizaine6 (une vingtaine, une trentaine, une quarantaine, etc) se portam

fundamentalmente da mesma maneira. Lagae conclui também que o en que

substitui o complemento dessas formas é do tipo quantitativo.

2.3 A proposta de Kalmbach (2005)

Quanto à análise sintática do en substituto de complemento de advérbio,

consideramos a perspectiva de Kalmbach (en quantitativo) como mais acertada que

a de Grevisse (en adnominal), em vista de um ponto esclarecido pelo trabalho de

Lagae, a saber: que o en que pode substituir o complemento de um advérbio do tipo

de beaucoup está mais próximo do en quantitativo.

Esquematizamos abaixo as regras que Kalmbach formula para esse

emprego dito “quantitativo” do pronome en. Os exemplos apresentados são nossos: 5 Como vemos já nos parágrafos seguintes, segundo Lagae, o en quantitativo pode pronominalizar o N2 de certo tipo de sintagma binominal. 6 Somente em relação à quinta daquelas seis propriedades essas formas se comportam diferentemente dos quantificadores do tipo de beaucoup.

Page 30: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

27

2.3.1 O pronome en pode substituir um COD introduzido por um determinante indefinido. (a) COD introduzido por um artigo indefinido iniciado em d- (todos os artigos

indefinidos exceto un/une): pode ser substituído pelo pronome en sozinho.

Kalmbach não nos deixa esquecer de incluir, entre os artigos indefinidos

iniciados por d-, duas formas freqüentemente esquecidas nos livros didáticos e

gramáticas, quando enumeram as formas desses artigos:

- a forma de que o artigo definido plural des assume diante de um adjetivo

anteposto;

- a idêntica forma de que assumem todos os artigos indefinidos diante do COD de

um verbo na negativa.

A estas, devemos acrescentar ainda, a bem da completude da norma, a

também coincidente forma de que os artigos indefinidos assumem depois de

combien. Não devemos esquecer, além disso, que de elide-se, resultando na forma

d’ diante de vogal e “h” não aspirado.

No exemplo abaixo, du pain é o COD com artigo em d- do verbo “prendre”7:

[42] - Tu as acheté du pain au supermarché?

- Oui, j’en ai pris pour le petit déjeuner. (j’ai pris du pain pour le petit

déjeuner)

Kalmbach menciona que essa maneira de apresentar a regra não consta de

nenhum manual de gramática francês. No entanto, segundo o autor, ela permite que

se simplifique também uma outra regra de substituição. Observemos as duas regras

abaixo:

- um COD determinado por um artigo indefinido iniciado em d- pode ser substituído

por en sozinho.

7 Vale salientar aqui, para fins de acuidade descritiva, que o COD de “prendre” é o GN du pain que só se vê “por extenso” em nossa reconstituição “didática”, entre parênteses, da frase sem a pronominalização, pois, na frase-resposta, esse COD está representado por en. A despeito da identidade de forma e função, não se deve confundi-lo, descritivamente, com o COD de “acheter” na frase-pergunta.

Page 31: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

28

- com um verbo na forma negativa os artigos indefinidos assumem, diante do COD, a

forma única de. (uma forma de artigo indefinido iniciada em d-)

Em decorrência dessas duas regras temos que, se numa oração na negativa

o COD tem por determinante um artigo indefinido8, este pode ser substituído por en

sozinho.

[43] - Tu as acheté de la bière?

- Non, je n’en ai pas acheté, ils n’en avaient plus. (je n’ai pas acheté de

bière)

Kalmbach fala na simplificação que decorreria da supressão do artigo

partitivo na nomenclatura gramatical. Segundo o autor, é inútil considerar dois casos,

um com o artigo indefinido e outro com o partitivo, bastando a noção de artigo

indefinido (que deve, no caso, incluir os “de massa”).

(b) COD introduzido por determinante indefinido não iniciado em d-, en

pronominaliza o nome no COD, e o determinante é retomado, na sua forma

pronominal, após o verbo. Entre esses determinantes indefinidos não iniciados em d-

podemos encontrar:

- os artigos indefinidos singulares un, une.

- advérbios de quantidade, adjetivos: plusieurs, certains, quelques,

beaucoup de, (un) peu de, assez de, trop de, plus de, moins de, (au)tant de,

tellement de, un(e) autre, d’autres, etc.

- numerais cardinais (sem artigo definido).

- quantificadores nominais: un kilo de, une quinzaine de, un tas de, un

paquet de, un grand nombre de, etc.

No exemplo abaixo, quelques pamplemousses é o COD com determinante

não iniciado em d- do verbo “prendre”, quelques é o determinante indefinido que é

retomado, na sua forma pronominal (quelques-uns), após o verbo.

[44] - Tu as acheté des pamplemousses?

- J’en ai pris quelques-uns. (j’ai pris quelques pamplemousses)

8 Inclusive, neste caso, un/une, se artigo, - mas não se numeral.

Page 32: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

29

Na oração negativa, quando o determinante indefinido do COD não é um

artigo indefinido, o determinante deve ser retomado após o verbo na sua forma

pronominal.

Quando un/une são numerais, e não artigos indefinidos, devem ser

retomados enquanto pronomes indefinidos un/une, após o verbo.

[45] - Tu as acheté une poire pour le petit Michel?

- Je n’en ai pas pris une, seulement, mais toute une dizaine. (je n’ai pas

pris une poire seulement)

Na resposta, pelo menos, pelo fato de sua presença pronominal após o

verbo, podemos perceber que une é assumido como um numeral.

(c) COD introduzido por um determinante indefinido, e cujo nome vem

acompanhado por um adjetivo, quando se pronominaliza somente o nome9, mas

não o adjetivo, este adjetivo é retomado após o verbo e precedido por aquele

determinante, o qual apresenta a mesma forma que teria antes do conjunto do GN

[substantivo+adjetivo] no COD não pronominalizado.

(c’) Em conformidade com a regra exposta no item (c), no caso de um COD introduzido por um artigo indefinido iniciado em d- e cujo nome vem

acompanhado por um adjetivo posposto, o artigo mantém a sua forma: du, de la,

de l’, des, conforme o gênero, o número e o caráter de incontável ou contável do

nome determinado por ele. É como se somente o nome houvesse sido extraído do

COD na forma do pronome en, os demais elementos permanecendo em seus

lugares e formas. No exemplo abaixo podemos ver a operação:

[46] - Tu as acheté des fraises?

- Oui, j’en ai trouvé des énormes. (j’ai trouvé des fraises énormes)

(c’’) Também em conformidade com a regra em (c), no caso de um COD introduzido por um artigo iniciado em d- e cujo nome vem acompanhado por um

9 Quando o adjetivo é pronominalizado juntamente com o nome, aplica-se, ao conjunto do GN formado por eles, a regra “geral” apresentada nos itens (a) e (b) acima.

Page 33: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

30

adjetivo anteposto, o artigo indefinido des assume a forma de10. Isso explica o que

ocorre em j’en connais d’autres, por exemplo, onde autres é o adjetivo/pronome.

Como no caso anterior, é como se o nome houvesse sido extraído do COD na forma

do pronome en, sem qualquer outra alteração. Os demais artigos, du, de la, de l’,

mantém suas formas antes do adjetivo.

[47] - Tu as acheté des fraises?

- Oui, j’en ai pris de belles. (j’ai pris de belles fraises)

(c’’’) No caso de um COD introduzido por um determinante indefinido não iniciado em d-, e cujo nome vem acompanhado de um adjetivo, caso se

pronominalize o nome, mas não o adjetivo, aquele determinante indefinido deve ser

retomado na sua forma pronominal diante do adjetivo, e entre os dois deve ser

inserido um de. É o que vemos no exemplo abaixo:

[48] - Tu as regardé des films intéressants à New York?

- Oui, j’en ai regardé plusieurs de bons. (j’ai regardé plusieurs bons

films)

(d) O pronome en pode também substituir um atributo do sujeito.

Neste caso, se aplicam as mesmas regras relativas a en COD enunciadas

nos itens (a) a (c’’’):

- Se o determinante é um artigo iniciado em d-, en pode substituir sozinho o

atributo.

[49] - Ce qu’il y a dans la casserole, c’est du riz?

- Oui, c’en est. (c’est du riz)

- Quando, por sua vez, o atributo é precedido por um determinante

indefinido não iniciado em d-, o nome é pronominalizado por en, e o determinante é

retomado, na sua forma pronominal, após o verbo.

10 Forma que o artigo indefinido plural des normalmente assume diante de um adjetivo anteposto.

Page 34: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

31

[50] - C’était trop de chocolat, pour toi toute seule?

- Oui, c’en était trop, en fait. (c’était trop de chocolat)

- Se o nome no atributo vem acompanhando de um adjetivo, esse adjetivo é

retomado após o verbo, precedido do determinante indefinido na forma que este

teria no atributo substituído.

[51] - Ce sont des yeux gris qui te regardent dans ces rêves?

- Oui, c’en sont des gris.

Neste ponto, convém observar que, na oralidade, algumas alterações podem

ocorrer:

i) en é freqüentemente omitido na oralidade.

ii) a concordância em número de c’est (ce sont) com o atributo com freqüência

não é realizada.

iii) a transformação do artigo indefinido plural des em de diante de um adjetivo

anteposto pode não ocorrer.

O resultado é que se tem dois sistemas concorrentes:

LÍNGUA ESCRITA

- Ce sont de beaux yeux, non?

- Oui, c’en sont de beaux

LÍNGUA FALADA

- C’est des beaux yeux, non?

- Oui, c’est des beaux.

Diante de um atributo, mesmo no caso de uma oração negativa, o artigo

indefinido não tem somente a forma de, e a substituição ocorre de acordo com as

regras enunciadas nos itens de (a) a (c’’’).

[52] - Ce sont des gâteaux?

- Non, ce n’en sont pas. (ce ne sont pas des gâteaux)

Page 35: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

32

[53] - C’est un gâteau?

- Non, ce n’en est pas un. (ce n’est pas un gâteau)

(e) Finalmente, um uso problemático para os aprendizes brasileiros do FLE é o caso

da pronominalização por en de um sujeito real (caso em que en pode substituir um

sujeito).

O sujeito é dito real quando é posposto ao verbo, e no lugar que ocuparia na

ordem normal da frase vem um pronome il impessoal, que não tem referente. Esse

tipo de sujeito só ocorre com verbos intransitivos.

No exemplo abaixo, des nuages é o sujeito real do verbo “passer”.

[54] Il passe des nuages par la fenêtre de l’avion. Allons voir s’il en passe

aussi de l’autre côté. (s’il passe des nuages aussi de l’autre côté)

Em português, a mera inversão de posições entre o sujeito e o verbo produz

o efeito em questão, e o verbo concorda em número e pessoa com esse sujeito

posposto.

Na tradução a seguir, nuvens é o sujeito do verbo passar, com que este

concorda em número e pessoa.

Estão passando nuvens pela janela do avião. Vamos ver se estão passando

também do outro.

No caso de uma oração negativa, as mesmas regras que funcionam para a

substituição por en de um COD se aplicam para a de um sujeito real com

determinante indefinido, e pelas mesmas razões (os artigos todos tomam a forma

de, e somente en retoma o nome, a não ser com outros determinantes que não

artigo em d- e/ou adjetivo).

[55] - Il passe des nuages?

- Non, il n’en passe pas. (il ne passe pas de nuages)

[56] - Il passe beaucoup de nuages?

Page 36: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

33

- Non, il n’en passe pas beaucoup. (il ne passe pas beaucoup de

nuages)

Neste capítulo, vimos, através das contribuições de dois lingüistas à

interpretação do uso quantitativo de en, que é possível sistematizar as regras do seu

uso, conquanto seja uma empreitada complexa.

Para empreendê-la, é preciso integrar aportes de vários sistemas da língua

francesa: o pronominal, o de quantificação, o dos artigos.

É preciso que se compreenda o que seja um objeto direto de verbo, um

atributo, um sujeito real (funções sintáticas do grupo nominal), um determinante

indefinido de vários tipos (artigos indefinidos, quantificadores complexos de tipo

nominal e de tipo adverbial). É importante também, para utilizar corretamente o

pronome, as contrapartes desses elementos: sujeitos, objetos indiretos, e sobretudo

pronomes sujeito, pronomes COI, determinantes definidos, entre eles os artigos,

sem o que é provável que se cometam muitos erros ainda.

No próximo capítulo faremos, primeiramente, uma série de reflexões sobre

algumas dessas categorias gramaticais referidas acima em conexão com en. A

seguir, faremos algumas considerações a respeito da nomenclatura conferida ao

pronome en neste seu emprego tão específico e característico da língua francesa,

que é o da quantificação.

Page 37: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

34

3 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O EN QUANTITATIVO

Neste terceiro capítulo, propomos pensar sobre quais sejam os motivos que

estão por trás da dificuldade que os aprendizes brasileiros de FLE freqüentemente

manifestam no aprendizado do emprego quantitativo do pronome en, procedendo a

algumas reflexões sobre certas diferenças fundamentais entre os sistemas

pronominais e de quantificação do francês e do português. Também abordaremos a

questão das nomenclaturas que “concorrem” na descrição de en e, por fim,

apresentarmos, dentre as classificações e regras, algumas daquelas que nos

parecem adequadas para descrever os usos ditos “quantitativos” de en.

3.1 Ponderações sobre as dificuldades dos aprendizes brasileiros com o pronome en.

Primeiramente, é preciso lembrar que en não tem um correspondente exato

no português, no sentido de que nenhum pronome cumpre o papel de fazer

referência a qualquer um dos tipos de segmentos discursivos substituídos por esse

pronome francês.

Certamente, não é inviável propor uma “tradução”, ou, antes, uma

“paráfrase”, para fins didáticos, do significado quantitativo de en: “disso (a respeito

do que se falou há pouco)”.

Mas, na maior parte dos contextos em que o francês utiliza en, o português

não usa nada em seu lugar. Pode-se dizer que o português, normalmente, substitui

en pela marca zero.

Examinemos a frase no exemplo [57] e sua tradução em português:

[57] (du beurre) J’en ai mis trop dans les sandwichs.

(manteiga) Eu pus demais nos sanduíches.

Como se pode observar, nem o artigo du, nem o pronome en têm qualquer

equivalente na tradução. Uma tradução que tentasse substituir en pelo termo disso

decerto soaria um tanto inusitada e “atrapalhada”:

Page 38: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

35

[58] Manteiga, eu pus demais disso nos sanduíches.

Além do mais, essa tradução poderia ser a de uma outra frase em francês, a

saber (du beurre) J’ai mis trop de ça dans les sandwichs, frase que não é

perfeitamente equivalente àquela em que o COD du beurre é pronominalizado por

en, e que talvez soasse um pouco inusitada em francês.

O que é preciso entender é que os tipos de GN que podem ser substituídos

por en não são objeto de pronominalização na língua portuguesa. O sistema

pronominal da língua portuguesa possui, como o da francesa, pronomes de 3a

pessoa que são empregados para fazer referência a um COD, ou a um atributo do

sujeito. É o caso dos pronomes do caso oblíquo o, a, os, as, os quais, em francês,

encontram correspondência em le, la, l’ e les. É curioso, aliás, notar que, em ambas

as línguas, as formas básicas desses pronomes e as dos artigos definidos

correspondentes a eles são idênticas. Mas esses pronomes, tanto os franceses

quanto os portugueses, só podem substituir um COD introduzido por um

determinante definido.

Vejamos um exemplo da operação em questão:

[59] Eu comi o queijo.

Eu o comi.

Na frase acima, o nome queijo no COD é determinado pelo artigo definido o,

e pode, por conseguinte, ser substituído, conforme a regra, pelo pronome do caso

oblíquo o.

A tradução de [59] para o francês em [60] permite observar que, no que se

refere à possibilidade de pronominalização de um COD introduzido por um

determinante definido, as duas línguas operam de modo bastante semelhante.

[60] J’ai mangé le fromage.

Je l’ai mangé.

Do mesmo modo que, em português, o COD definido o queijo pode ser

representado pelo pronome o, em tradução para o francês, pode-se remeter a le

fromage por meio do pronome le.

Page 39: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

36

É importante que atentemos, neste ponto, para o fato de que, a despeito da

semelhança dos sistemas das duas línguas no que se refere à possibilidade de

pronominalização de um COD introduzido por um artigo definido, os aprendizes

brasileiros de FLE freqüentemente demonstram ter dificuldade, sobretudo na

produção oral e escrita, para efetuar essa operação.

Isso se deve, pelo menos em parte, ao fato de que, no português

contemporâneo do Brasil, os pronomes do caso oblíquo o, a, os, as, raramente são

utilizados na oralidade e, quando o são, é sobretudo na formas não padrão ele, ela,

eles, elas11, calcadas na forma dos pronomes do caso reto correspondentes. Em

[61], vemos os dois casos: elipse e uso das formas ele, ela, eles, elas:

[61] - Você comeu o queijo?

- Comi. E a Scheila comeu ele também, junto comigo.

Em francês, nenhum desses dois expedientes é aceitável: o pronome le

evocaria o COD fromage a cada aparição de verbo transitivo direto que o tivesse por

objeto: je l’ai mangé, onde l’ é o pronome oblíquo que retoma le fromage.

O fato de não se costumar, na língua falada do Brasil, pronominalizar o COD

em casos como esse, certamente ajuda a compreender a dificuldade experimentada

pelos aprendizes.

O uso de ele para substituir um nome com função de COD é muito comum

na língua falada no Brasil hoje, e pode levar os aprendizes a utilizarem o pronome

francês il para pronominalizar um COD, o que não se costuma fazer em francês.

Se os aprendizes brasileiros de FLE apresentam semelhantes dificuldades

com pronomes que têm correspondência com pronomes portugueses, com o

pronome en essas dificuldades são ainda maiores, por razões bem compreensíveis.

Para entendermos como uma e outra língua operam na referência a um

COD, um atributo do sujeito, ou um sujeito real, com determinante indefinido,

observemos o exemplo a seguir:

11 Embora agramaticais, essas formas normalmente não são estigmatizadas na oralidade da linguagem familiar.

Page 40: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

37

[62] - Você comeu queijo hoje?

- Comi. (comi queijo)

Na pergunta em [62], o nome queijo, um COD, não vem precedido por

nenhum determinante. Normalmente, em português, não se faz referência a um

COD desse tipo por meio de nenhuma estrutura.

Na resposta, esse COD, queijo, também é um GN sem determinante, como

na pergunta, e portanto ele não precisa ser substituído por qualquer estrutura. Pode-

se dizer que esse COD esteja em elipse.

Em francês, ao contrário do que ocorre em português, em um contexto

análogo, o nome vem normalmente introduzido por um artigo indefinido. Um nome

em função COD com determinante indefinido, em francês, normalmente, não pode

ficar em elipse, precisa ser anaforizado. O pronome en é a estrutura da língua

francesa que permite que essa anáfora se dê com o maior grau de economia da

palavra, e o menor grau de alteração semântica12. Nesse sentido, o uso desse

pronome equivale, justamente, à elipse do COD no português.

Apresentamos a seguir a tradução do exemplo [62] em francês, para ilustrar

essa diferença entre as línguas:

[63] - Tu as mangé du fromage aujourd’hui?

- Oui, j’en ai mangé.

Na pergunta em [63], o nome fromage vem determinado pelo artigo

indefinido de massa du, um determinante indefinido. Na resposta j’en ai mangé ele é

pronominalizado por en. Essa estrutura permite que a referência se dê com o menor

grau de alteração semântica possível, e o maior grau de economia da palavra13.

Diversamente do que ocorre na língua portuguesa contemporânea do Brasil,

a estrutura da língua francesa exige, normalmente, que os complementos diretos e

indiretos de um verbo sejam realizados na superfície textual.

12 Se a resposta a ‘Você comeu queijo hoje?’ fosse ‘Comi aquela “maravilha” ’, o segmento “aquela maravilha” estaria fazendo referência a queijo, mas com óbvia alteração semântica. 13 Podemos supor que mesmo a referência por repetição do sintagma (Oui, j’ai mangé du fromage), além de pouco “econômica”, implicaria num grau maior de alteração de sentido, em razão do próprio fato de haver uma estrutura como en, tão freqüentemente utilizada para pronominalizar um sintagma do gênero.

Page 41: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

38

De modo a evitar a repetição dos grupos nominais que são complementos

de verbos ao longo de um enunciado, os mesmos podem, no caso do francês, ser

substituídos por pronomes complementos, e isso quer sejam eles introduzidos por

determinantes definidos ou indefinidos. Contudo, a língua portuguesa possui

pronomes pessoais que podem substituir complementos introduzidos por

determinantes definidos, mas não indefinidos.

Quando um COD é determinado por um artigo indefinido, a língua francesa

pode substituí-lo por en. Se esse artigo for o singular un/une, ele precisa ser

retomado, na sua forma pronominal, que é idêntica, após o verbo14.

[64] - Tu as acheté une pomme?

- Oui, j’en ai acheté une. (COD=une pomme)

Em português, um nome contável no singular pode ser determinado pelo

artigo indefinido singular um/uma (por exemplo, uma maçã), equivalente a un/une,

em francês. Mas não há em português um pronome equivalente a en para substituir

um COD precedido por um/uma, e também não é preciso repetir um/uma após o

verbo para que se entenda que o objeto do verbo é um singular indefinido.

Traduzindo [64] para o francês, temos:

[65] - Comprou uma maçã?

- Comprei. (COD=uma maçã)

Vejamos como funciona o sistema dos artigos indefinidos no português, pois

das diferenças desse sistema em relação ao do francês decorre parte da dificuldade

dos aprendizes brasileiros em usar en.

No caso de um nome contável no plural, não é necessário usar nada, em

português, no lugar em que o francês usa o artigo indefinido plural des, plural

comum a un e une.

[66] - Vous avez cueilli des fraises?

[67] - Vocês colheram morangos?

14 Mas já não recebe a mesma análise sintática: nessa posição, ele é considerado como um pronome indefinido.

Page 42: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

39

No caso de um nome incontável, algo semelhante ocorre. O GN de l’eau, em

que o nome eau é determinado pelo artigo indefinido de massa de l’, corresponde,

em português, a água, pura e simplesmente, sem nenhum determinante, e a frase Je

bois de l’eau pode ser traduzida por Bebo água.

Assim, é plausível afirmar que a noção de parte, associada em francês aos

artigos partitivos, pelo menos segundo a nomenclatura tradicional, em português é

expressa pela ausência de marca.

Para mencionar mais um caso em que as duas línguas se comportam de

maneiras bastante diferentes, devemos considerar que, diante do COD ou do

atributo do sujeito de um verbo na forma negativa, todas as formas de artigo

indefinido francês assumem normalmente a forma de.

Exemplificamos este fenômeno passando para a negativa duas das frases

anteriormente utilizadas para ilustrar o emprego dos artigos indefinidos de massa e

do plural des:

[68] Nous ne mangeons pas de pommes.

[69] Je ne bois pas d’eau.

Se traduzirmos essas frases para o português, temos:

[70] Não comemos maçãs.

[71] Não bebo água.

Como se pode observar, em português, nenhuma estrutura ocupa o lugar,

nos termos de Kalmbach, do artigo indefinido negativo de do francês. A diferença

entre a forma afirmativa e a negativa, em português, consiste tão somente na

presença do advérbio de negação não antes do verbo.

Esse fenômeno da transformação dos artigos indefinidos em de diante do

COD de um verbo na negativa ocorre inclusive no caso dos artigos indefinidos

singulares un e une:

Page 43: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

40

[72] Elle a regardé un film hier soir.

[73] Elle n’a pas regardé de film hier soir.

Ora, o que era mesmo que tudo isso sobre os artigos indefinidos tinham a

ver com o pronome en?

A questão é que esses artigos são justamente algumas das estruturas que,

quando determinam um GN COD, atributo do sujeito, ou sujeito real, facultam a sua

substituição por en, para evitar que se precise repetir o nome (ou substituí-lo por

uma paráfrase) sempre que ele seja mobilizado por um verbo em uma dessas três

funções sintáticas.

Outro aspecto importante de ser mencionado a respeito das vicissitudes da

pronominalização é o que se pode ilustrar através do exemplo [74], tirado de Brown

& Yule (1983, p. 201):

[74] Kill an active, plump chicken. Prepare it for the oven, cut it into four

pieces and roast it with thyme for one hour.

Mate um frango forte e gordo. Prepare-o para o forno, corte-o em quatro

pedaços e asse-o com tomilho por uma hora.

Como podemos perceber, o “objeto do discurso” desse exemplo num

primeiro momento é ‘an active, plump chicken’. Entretanto, não se pode negar que

esse objeto sofre sensíveis mudanças ao longo do texto. Na segunda frase ele é

“retomado” por ‘it’ como um frango a ser preparado para o forno. Em seguida, o

mesmo pronome ‘it’ faz referência ao frango, agora cortado em pedaços. Será que

podemos entender as sucessivas “retomadas” do “objeto do discurso” por ‘it’ como

representando o mesmo frango ativo e gordo do início?

No nosso entender, o frango do início, aqui o “objeto do discurso”, vai sendo

construído e reconstruído ao longo do texto, de tal forma que as sucessivas

ocorrências do pronome “it” foram “retomando” o dito frango ao mesmo tempo iam

reinvestindo-o de novas características, sempre provisórias, já que podem sofrer

alterações se assim desejarem os “construtores” desse objeto do discurso, os

interlocutores. Nesse sentido, se poderia talvez falar de progressão referencial, isto

Page 44: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

41

é, o referente vai sendo retomado, mas vai sendo também reconstituído, reinvestido

de significado.

De fato, os autores citados observam: “The context of a text is not merely an

enumeration of referents; an important part of the content is the relations that the text

establishes between the referents.”

Esse fenômeno, embora ocorra também com pronomes do português, nem

sempre parece claro para os aprendizes. Estes, muito freqüentemente, buscam

antecedentes para os pronomes sem levar em conta as relações entre os referentes

nem as transformações que os referentes sofrem ao longo do texto. Eles consideram

simplesmente que o pronome “retoma” um antecedente, tal qual ele se apresentava

quando apareceu no texto na qualidade de nome, de substantivo.

Aliás, os termos “retomar” e “retomada” são utilizados com freqüência para

descrever a função pronominal. Preferimos, contudo, evitá-los a maior parte do

tempo neste trabalho, ainda que acreditemos que o pronome, por vezes, “retome”,

de um certo modo, um “antecedente” (reconstituindo-o, bem entendido, numa

determinada função sintática).

Assim, damos preferência para verbos como “substituir”, “pronominalizar”,

“remeter”, “referir-se”, “representar”, “evocar”, e para substantivos como

“substituição”, “pronominalização”, “referência” e “anáfora”, para designar a ação do

pronome.

Já para o grupo nominal (GN) a que en se refere em cada caso, usamos o

termo “referente”.

O termo “antecedente” parece-nos sugerir que o GN necessariamente

anteceda o pronome no enunciado, o que não daria conta da pronominalização que

vemos no exemplo abaixo:

[75] J’en ai vu, moi, des malheurs!

Essa forma de referência, em que o pronome “antecipa” um grupo nominal

que só “aparece” mais “adiante” no enunciado, recebe geralmente o nome de

“catáfora”.

Além de anafórico e catafórico, o pronome en pode funcionar ainda como um

dêitico, isto é, indicar algo que está “fora” do enunciado, um referente que se

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42

encontra “no mundo”, algo que alguém, por exemplo, aponta com o dedo enquanto

diz “isto”.

Vimos acima quais são alguns dos motivos que acreditamos estarem por

trás da dificuldade que os aprendizes brasileiros do FLE manifestam ao estudarem o

pronome en.

3.2 Considerações sobre a nomenclatura relativa ao pronome en

Passamos agora a fazer considerações sobre a nomenclatura que descreve

en, para sugerir que se evitem determinadas palavras, sugerindo o recurso a outras.

Para começar, acreditamos que a designação geral, aplicada a todos os

usos de en, por exemplo por Grevisse (1953) e Salins (1996) como um advérbio

pronominal, não é interessante como etiqueta sob a qual se possa apresentar en

quantitativo. Ambos os autores mencionam que o pronome recebe esse nome em

função de sua origem no vocábulo latino inde. Uma tal denominação poderia ser

adequada para um uso adverbial de en, mas não nos parece que acrescente nada

de positivo para o entendimento do en quantitativo.

A classificação de en entre os pronomes pessoais, por sua vez, nos parece

adequada, na medida em que permite que se faça a relação desse emprego de en

com o dos pronomes pessoais em função COD le, la, l’, les.

Mas concordamos com Kalmbach (2005), que classifica en como um

pronome de terceira pessoa (P3), e questiona se deveriam ou não ser considerados

como pronomes pessoais do mesmo modo que o são os de primeira e segunda

pessoa, na medida em que só estes últimos participam de fato “pessoalmente” da

interação conversacional enquanto interlocutores.

Os P3, segundo Kalmbach, partilham entre si de propriedades que os

distinguem dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoas, e o autor

propõe que para, fins didáticos, faça-se essa distinção.

Em sua exposição dos modos de apresentação dos pronomes nos manuais

de FLE finlandeses, Kalmbach diz o seguinte: “la plupart du temps, les auteurs

présentent ensemble y et en à antécédent GN et à antécédent non GN (neutre),

parfois d’ailleurs sous le titre de ‘Pronoms neutres’.” (2005, p. 141)

Page 46: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

43

Como vemos na citação, Kalmbach parece concordar com o uso do termo

neutro para nomear somente o emprego em que en representa um referente que

não é um grupo nominal, ou seja, uma frase. Trata-se do mesmo uso que Grevisse

(1953, p. 386) chama de neutro.

No entanto, em conformidade com o relato de Kalmbach, também já nos

deparamos, em gramáticas e livros didáticos que consultamos, com a designação

pelo termo pronome neutro aplicada ao conjunto dos empregos de en.

No nosso ver, o termo pronome neutro, aplicado a outro emprego de en que

não aquele em que substitui uma frase, pode confundir o aprendiz. E isso por uma

série de razões, a saber:

- A acepção de en freqüentemente dita adverbial, em que o pronome

representa um lugar de origem ou proveniência, é pertinente somente para verbos

intransitivos e, assim sendo, sequer coloca a questão da concordância que, no caso

de um verbo intransitivo, nunca se faz com o objeto. Essa ausência de concordância

pode evocar a idéia de uma neutralidade.

- No emprego de en em função COI predominam restrições à representação

do caráter [+ animado]14, o que poderia dar a impressão de que, de algum modo,

seja uma espécie de neutro no sentido em que o é o pronome it do inglês.

- Em associação com a lembrança de que existem tais restrições, e em meio

à multiplicidade de regras que o conjunto dos empregos de en implica, o termo

neutro, aplicado ao conjunto dos usos, pode ter o efeito de dar a crer que a

neutralidade do pronome signifique que ele não possa substituir um GN com o

caráter [+ animado]. Sabemos que en quantitativo pode fazê-lo.

Essa idéia falsa que um aprendiz poderia formar, de que en fosse neutro, em

todas as suas acepções, porque não pudesse pronominalizar um GN com o caráter

[+ animado] (na realidade, só en quantitativo pode fazê-lo praticamente sem

restrições) pode ser reforçada pelo fato de não haver concordância verbal com en

14 Kalmbach (2005) observa que, nas gramáticas e livros, freqüentemente se fala em caráter [+

humano], quando se deveria falar em caráter [+ animado], o que permitiria incluir animais e objetos

personificados ou determinados e individualizados ao lado dos humanos, nas restrições à

pronominalização. Segundo o autor, o en COI só costuma representar o caráter [+ animado] quando

tem valor genérico: Les amis, on en a toujours besoin. (KALMBACH, 2005)

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44

quantitativo em função COD, como haveria no caso de um pronome da série le15, la,

les.

Em vista dessas considerações, preferimos não aplicar e mesmo

desaconselhar o termo pronome neutro para descrever outro emprego de en que

não aquele em que substitui uma frase.

Com Kalmbach (2005), preferimos não aplicar o termo partitivo a en

quantitativo, pois a aceitação das implicações do termo não é tranqüila.

Como o autor, preferimos o termo artigo indefinido ao termo partitivo, para

nomear as formas du, de la, de l’, des, de.

Kalmbach propõe que a supressão do artigo partitivo da nomenclatura

gramatical, em prol da classificação das formas ditas partitivas entre os artigos

indefinidos, traria uma simplificação das regras concernentes ao emprego

quantitativo de en.

De acordo com este autor, como vimos no segundo capítulo, este emprego

consiste na pronominalização de um GN introduzido por um determinante indefinido,

o que inclui os artigos indefinidos.

Kalmbach acredita ser inútil considerar dois casos, um com o artigo

indefinido (un/une, e des, dependendo do autor que se consulte), outro com o

partitivo (du/de la/de l’, e des, dependendo do autor que se consulte), bastando que

se reúnam os dois sob a etiqueta “GN com artigo indefinido”.

Poderíamos falar em en COD, mas estaríamos em falta com a nomeação do

seu uso enquanto atributo e sujeito real.

Embora aconselhemos que, para fins didáticos, apresente-se aos aprendizes

inicialmente apenas en em função de COD, acreditamos que o aprendiz deva ser

apresentado, em tempo não muito posterior, a en em função de atributo, e, em um

nível já mais avançado do estudo da língua francesa, a en em função de sujeito real,

aproveitando-se a ocasião de cada nova apresentação para a revisão dos usos

anteriores, visto aplicarem-se praticamente as mesmas regras aos três tipos.

O termo quantitativo, que vimos utilizando desde o início do segundo

capítulo para nos referirmos ao objeto principal deste trabalho, também não foi uma

escolha simples.

15 Lembramos aqui que le também é chamado de neutro quando o seu referente é uma frase.

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45

Em resumo, escolhemos esse termo por ele revelar inequivocamente a

conexão fundamental deste emprego de en com o complexo sistema de

quantificação do francês. Mas, como outros, o termo também não facilita totalmente

a compreensão de professores e aprendizes.

Pode-se entender, por exemplo, a partir do uso deste termo e da regra de

substituição de uma quantidade de algo, que um aprendiz cogite pronominalizar por

en um GN como les trois kilos de carottes, o qual de fato não é “pronominalizável”

por en.

De modo a explicar porque les trois kilos de carottes, mesmo se for o COD

de um verbo, não pode ser substituído por en, um professor poderia falar em

quantidade indefinida. Mas o aprendiz, diante de um exemplo em que um GN como

trois kilos de carottes (sem artigo) esteja pronominalizado por en, poderia objetar

que trois kilos não é uma quantidade indefinida. A questão é que a indefinição de

que se trata não é propriamente a da quantidade, mas sim a do GN enquanto

tematizado como algo de que já se falou antes (definido: le, ce, mon, etc.) ou como

algo de que ainda não se falou (indefinido: un, quelques, certains, etc). É preciso,

então, que se entenda esse emprego de en em conexão, não somente com os

sistemas quantitativo e pronominal do francês, mas também com os determinantes

indefinidos, que apresentam no discurso um GN enquanto não especificamente

mencionado em um momento anterior.

Ora, uma expressão de quantidade não é sempre apresentada no discurso

como uma coisa de que ainda não se falou antes: em les trois kilos de pommes, a

quantidade trois kilos é apresentada como conhecida pelo interlocutor, como algo de

que já se estava falando anteriormente. Já em trois kilos de pommes, sem o artigo

indefinido, a quantidade é apresentada como algo de que não se havia falado antes,

e é a um tal estado de coisas que se refere a noção de indefinição.

Mas vejamos outro aspecto que poderia contra-indicar o termo quantitativo.

Quando se usa essa palavra para descrever o uso de en para substituir, por

exemplo, um COD com determinante indefinido, pode-se ter a impressão de que,

quando se usa o pronome, coloque-se sempre de algum modo em questão a

quantidade de algo. Mas em um exemplo como o [76] abaixo, não é fácil crer que um

brasileiro, mesmo francófono, por exemplo, ou mesmo até um francês, convidado a

se expressar meta-lingüisticamente sobre os conteúdos inerentes à frase, fosse

seguramente evocar a noção de quantidade.

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46

[76] - Tu as vu des maisons à vendre alors?

- Oui, J’en ai vu.

[77] - Você viu casas à venda, então?

- Vi, sim.

Quando se trata de um GN incontável, talvez especialmente de um alimento,

determinado por algum quantificador mais específico, é mais fácil perceber a

expressão da quantidade:

[78] Du lait? Oui, j’en ai bu beaucoup.

[79] Leite? Sim, tomei muito.

A escolha que fizemos de chamar esse emprego de en, sobretudo para fins

didáticos, de quantitativo, implica, a nosso ver, em que se exponham essas questões

para os alunos. Deve-se explicar que a denominação serve para lembrá-los de que o

pronome se relaciona com o sistema de quantificação do francês, mas que não

basta que se tenha em vista a noção de quantidade.

Nesse sentido, é importante levar os aprendizes de FLE a observar que,

embora esse en seja chamado de quantitativo, as regras de substituição que dão

conta de descrevê-lo podem até mesmo dispensar o uso desse termo, embora seja

interessante que se aplique o termo quantificadores para os determinantes

indefinidos.

O essencial na formulação dessas regras é que se tenha em mente, como

ensina Kalmbach (2005):

a) as funções que um GN pode ter no enunciado para que possa ser

substituído por en: COD, atributo do sujeito ou sujeito real.

b) que esse GN deve ser introduzido por um determinante indefinido.

Como vimos, a complexidade dos sistemas pronominal e quantitativo do

francês, as relações pragmáticas entre os usos dos pronomes, artigos e

quantificadores, brasileiros e franceses, não facilitam a vida dos aprendizes

brasileiros da língua francesa.

Page 50: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

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Também não facilitam a descrição gramatical, lingüística, e a exposição

didática do pronome en quantitativo, estrutura que se correlaciona de maneira

complexa com esses dois sistemas.

Na primeira parte deste capítulo, procuramos fazer reflexões a respeito das

vicissitudes pragmáticas do uso de en, as quais, esperamos, possam esclarecer

algum ponto obscuro para algum professor ou aprendiz disposto ao embate com a

complexidade do tema.

Esperamos igualmente que as considerações que fizemos acerca da

pertinência de uns e outros termos utilizados para qualificar o pronome possam ser

de alguma serventia didática.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso primeiro capítulo, mostramos como o pronome en do francês é

tratado em três gramáticas francesas e no livro didático Forum de francês como

língua estrangeira (FLE). Pode-se perceber ali que o modo de sua apresentação não

é nada unívoco, havendo bastante variação nos termos usados para descrevê-lo, na

classificação dos seus empregos, nas regras formuladas. Se as diferentes

gramáticas até certo ponto se complementam em termos de informação sobre o

pronome en, é certo que restam lacunas e problemas a serem resolvidos.

No segundo capítulo, apresentamos contribuições dos lingüistas Kalmbach

(2005) e Véronique Lagae (2001), para a descrição do uso quantitativo do pronome

en, e as soluções que elas representam para algumas das lacunas e problemas

identificados nas exposições gramaticais do primeiro capítulo.

No terceiro capítulo, fizemos reflexões gerais acerca dos sistemas

pronominal e quantitativo do francês e do português, e indicamos alguns dos

motivos para as dificuldades apresentadas pelos aprendizes brasileiros de FLE em

lidar com os pronomes franceses em geral, e com en em particular.

Encontramos grande dificuldade para localizar obras que explicassem o uso

quantitativo de en de uma maneira que desse conta de ocorrências que sabíamos

existir, inclusive graças à nossa atividade de ensino de FLE, mas que não se

revelavam compatíveis com as regras apresentadas pelas gramáticas tradicionais.

Após muita pesquisa na internet à procura de bibliografia que fosse

abrangente sobre o assunto, encontramos a tese de doutoramento de Kalmbach

(2005), “De de à ça: enseigner la grammaire française aux finnophones” que norteou

o nosso trabalho.

Mas foi ali também que encontramos o que, a nosso ver, coloca outra

questão muito interessante sobre o pronome en. Não abordamos essa questão em

nosso trabalho, pois não se tratava da acepção de en que constitui nosso objeto, e

abordá-la, devido à complexidade do tema, significaria um grande desvio de

percurso em nossos objetivos. Contudo, consideramos interessante observar isso

aqui, na medida em que essa questão certamente poderia constituir um ponto de

partida para futuras pesquisas sobre o assunto. A questão pode ser resumida como

segue:

Page 52: O pronome en quantitativo, sutil estrutura dos sistemas quantitativo

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Há um uso de en comumente associado à representação de um grupo

nominal com valor adverbial (GREVISSE, 1953/SALINS, 1996). Em [80], d’Avignon é

analisado por Grevisse entre outros como sendo um adjunto adverbial de lugar de

origem.

[80] Avignon? Oui, nous en venons, justement. (nous venons d’Avignon)

Kalmbach (2005) acena com uma hipótese que nega esta interpretação,

afirmando que en só retoma complementos diretos ou indiretos de verbo, mas não

adjuntos adverbiais, mesmo na acepção referida. Deste modo, Kalmbach tende a

alinhar esse emprego de en, tradicionalmente associado a um valor adverbial, com o

emprego de en para substituir um complemento de objeto indireto de verbo. No

entanto, os exemplos de que o autor lança mão para argumentar sobre o seu ponto

de vista deixam várias questões sem resposta. De qualquer forma, as questões

colocadas são instigantes e poderiam perfeitamente ser retomadas num outro

estudo sobre o pronome en.

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REFERÊNCIAS

BAYLON, C. et al. Forum: Méthode de Français. Paris : Hachette : 2000. BROWN, G.; YULE, G. Discourse analysis. Cambridge: Cambridge

University Press, 1983. p. 201-204 CAMPÀ, À. et al. Forum 2: Méthode de Français. Paris : Hachette : 2001. DUBOIS, J. Grammaire structurale du français: nom et pronom. Paris :

Larousse : 1965. GREVISSE, M. Le bon usage: grammaire française. Gembloux : Duculot :

1953. SALINS, G.-D. Grammaire pour l’enseignement/appentissage du FLE. Paris :

Didier : 1996. KALMBACH, J.-M. De de à ça: enseigner la grammaire française aux

finnophones. 214 f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Letras, Universidade de Jyväskylä. Jyväskylä, 2005. Disponível em:<URLhttp://ebooks.jyu.fi/9513921166.pdf>. Acesso em: 29/11/2007.

LAGAE, V. Le pronom en: des compléments adnominaux aux syntagmes

quantificateurs. Travaux de linguistiques, Duculot, Louvain-La-Neuve, n°42-43, pp 111-120. 2001. Disponível em:<URLhttp://www.cairn.info/revue-travaux-de-linguistique-2001-1-page-43.htm>. Acesso em: 29/11/2007.

Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas. Citações e notas

de rodapé. Curitiba: Ed. da UFPR, 2007. Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas. Redação e

editoração. Curitiba: Ed. da UFPR, 2007. Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas. Referências.

Curitiba: Ed. da UFPR, 2007. Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas. Teses,

Dissertações, Monografias e Trabalhos acadêmicos. Curitiba: Ed. da UFPR, 2000.