19
O Próximo Item da Lista Romance Jill Smolinski Tradução Ludmila Hashimoto

O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Com 34 anos, June ingressa no Vigilantes do Peso decidida a emagrecer de qualquer jeito. Saindo de uma das sessões, ela oferece carona para a recém-conhecida Marissa Jones, de 24 anos. Contudo, o que poderia ser uma amizade duradoura, acaba num acidente de carro fatal para a mais nova. Sentindo-se culpada, a protagonista decide cumprir as tarefas de uma lista feita por Marissa com “20 Coisas a Fazer Antes do Meu Aniversário de 25 Anos.” Por exemplo, completar uma corrida de cinco quilômetros, ver o sol nascer, sair sem sutiã e até mudar a vida de alguém.

Citation preview

Page 1: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

O

Próximo Item

da

ListaRomance

Jill Smolinski

Tradução

Ludmila Hashimoto

3a prova - O proximo item da lista.indd 3 19/10/2011 14:37:49

Page 2: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Capítulo 1

P róximo item da lista: Beijar um estranho.— Que tal ele? — Susan apontou para um homem tão

deslumbrante que era estranho vê-lo num bar do centro de Los Angeles, de camisa social e gravata, e não num comercial de roupa íntima, como claramente faria mais sentido. — Sejamos realistas. — Por quê? É só um beijo. Falar é fácil — não era ela quem ia beijar. Era quinta-feira, depois do trabalho, e o Brass Monkey estava bombando. Susan e eu já estávamos no bar havia uma hora, examinando o local e bebericando o especial da noite: margaritas de dois dólares, que, infelizmente, eram fracas demais para me ajudar a criar coragem. — O que você acha... Na boca? — perguntei. — Com certeza, mas a língua depende de você. Após muito debate, decidi que seria um dos três caras diante de uma mesa alta do outro lado do bar. Na faixa dos trinta e tantos, com roupas de trabalho casuais, pareciam inofensivos, o principal atrativo para mim. Lá vai. Levantei-me da cadeira com determinação, como se marchasse para uma batalha. Meu

3a prova - O proximo item da lista.indd 7 19/10/2011 14:37:49

Page 3: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski8

plano era me aproximar, explicar minha situação e esperar que um deles tivesse pena de mim e se oferecesse para a tarefa. Caso isso não desse certo... bem, eu não queria pensar no que aconteceria se não desse certo. Imagino que o jeito seria sair de fininho, humilhada. Virei o resto da margarita, respirei fundo e parti em direção à mesa. Os três caras olharam para mim com uma curiosidade evidente. Uma mulher que não era garçonete se aproximando não deixava de ser uma cena interessante. Além disso, eu estava com o decote certo para a ocasião. Usava um terninho justo sobre uma camiseta e tinha passado delineador. Meu cabelo caía em ondas insanas sobre os ombros como de costume. — Oi! Meu nome é June! — exclamei, ousada. Após um momento, talvez achando que eu fosse tentar vender alguma coisa, um deles disse: — Eu sou Frank, esse é o Ted, e ele é o Alfonso. — Prazer em conhecê-los! — Em seguida, fui falando sem pensar. — Vim aqui porque queria ver se podem me ajudar. Tenho uma lista de coisas que preciso fazer. — Mostrei a lista, prova do crime, que estava escrita à mão numa folha de caderno. — Um dos itens aqui diz que preciso beijar um estranho. Então, queria saber se... — Quer beijar um de nós? — perguntou Alfonso, ansioso. Frank entrou na conversa. — Você está o quê... participando de uma gincana? — Não exatamente — respondi. — E o beijo seria na boca? — Sim. — De língua? — Opcional.

3a prova - O proximo item da lista.indd 8 19/10/2011 14:37:49

Page 4: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

9O Próximo Item da Lista

Três pares de olhos me examinaram de cima a baixo, mas — ponto para eles — tentaram disfarçar. — Puxa vida — disse Alfonso, e pareceu lamentar de verdade —, somos todos casados. — Não sou tão casado assim — acrescentou Ted. — Quer dizer, se for para ajudar a moça... — Tudo bem — respondi, começando a me afastar. Por que não pensei em verificar alianças? — Não, queremos ajudar. Nenhum de nós pode, mas temos um amigo do trabalho aqui que talvez possa. Ei, Marco! — Frank gritou para alguém do outro lado do bar, e quem se virou foi o modelo de roupas íntimas. Fantástico. — Tem uma moça aqui precisando de uma mãozinha! Marco veio rápido. É, parecia bastante disposto a ajudar. Tentando não corar — e sabendo que Susan provavelmente estava caindo da cadeira de tanto rir —, repeti minha história. Sem me dar tempo de terminar, ele arrancou a folha da minha mão e começou a ler em voz alta. — Vamos ver que lista é essa — disse Marco com a voz alta e grave. — “Vinte Coisas a Fazer Até o Meu Aniversário de Vinte e Cinco Anos.” — Depois parou e olhou para mim com um sorriso malicioso. — Aniversário de vinte e cinco anos? Ah, que ótimo! Tive vontade de dizer que posso ter trinta e quatro, mas que, dependendo da luz, ainda me pedem para provar que sou maior de idade. — Me dá isso. — Tentei recuperar a lista. Ele pôs o ombro na minha frente e continuou lendo. — Vamos ver o que está escrito. Ah, sim, aqui está: Beijar um estranho...

3a prova - O proximo item da lista.indd 9 19/10/2011 14:37:49

Page 5: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski10

Com medo de que a lista rasgasse, caso eu tentasse recupe-rá-la de novo, fiquei parada, de braços cruzados, irritada. Ted tentou me defender. — Cara, não seja um babaca. — Completar uma corrida de cinco quilômetros... Aparecer na TV... Ah, espera, a melhor de todas: Perder 45 quilos. Já foi gordinha, hein? É, está super em forma agora, querida, dá para entender por que essa já foi riscada. — Olha — não me contive. — A lista não é minha. — É, sei. — Não é. Mas acontece que preciso fazer as coisas que estão aí. Alfonso perguntou com toda inocência: — E por quê? Suspirei. — É uma longa história. Por favor... — Estendi a mão. — Devolve.

era verdade. A lista não era minha. Era de Marissa Jones. Embora não estivesse assinada, tenho certeza de que era dela. Eu sei porque eu mesma encontrei a lista dias depois de tê-la matado. Estava limpando o sangue de sua bolsa para poder devolvê-la a seus pais, e lá estava. Dobrada e guardada dentro da carteira. É claro que devolvi tudo o que era dela — até os óculos escuros que encontrei perto do local da cena e que achei que talvez fossem meus. Mas fiquei com a lista. Não disse nada a eles a respeito. Imagine a dor de verem que a lista de sonhos da filha de vinte e quatro anos nunca seria realizada.

3a prova - O proximo item da lista.indd 10 19/10/2011 14:37:49

Page 6: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

11O Próximo Item da Lista

Dos vinte itens, ela realizara apenas dois: Perder 45 quilos e Usar sapatos sexy. O primeiro já tinha sido riscado. O segundo eu mesma tive que riscar. Ao ver o item escrito ali, entendi o porquê dos sapatos prateados de salto agulha que ela estava usando quando morreu. É óbvio que todo mundo insistiu que a culpa não tinha sido minha. As pessoas quase caíam em cima de mim no funeral, todas querendo me confortar e abraçar — o que aceitei como parte da penitência. Meu corpo todo era um grande hematoma. O toque mais suave era um sofrimento. E a pior parte: ela estava magra havia menos de um mês. Um mísero mês. Após uma vida inteira sem saber o que era não ser gorda. Como se para não me deixar esquecer, encarando-me na frente da igreja, havia uma foto ampliada de Marissa numa calça jeans tamanho 60 — seu corpo cabia em uma perna, e ela puxava a cintura da calça para o lado. Seu sorriso dizia clara-mente: Ok, mundo, aí vou eu! Pois é. Durante todo o tempo em que o pastor permaneceu no púlpito, mal ouvi o que ele disse. Em vez disso, pensava em um modo de mentir aos pais de Marissa a respeito das últimas palavras dela. Eles iam querer saber, afinal. E eu não ia dizer a verdade de jeito nenhum: que ela estava me dando uma receita de sopa do Vigilantes do Peso. Acabou que não precisava ter me preocupado. Minha inte-ração com eles limitou-se a um aperto de mão e um “sinto muito por sua perda”. Não fui ao velório, por sentir que minha presença ali — com a clavícula quebrada e o olho roxo — seria

3a prova - O proximo item da lista.indd 11 19/10/2011 14:37:49

Page 7: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski12

no mínimo deselegante. Além disso, Marissa e eu nem éramos amigas. Eu a conheci na noite em que morreu. Ela e eu estávamos na mesma reunião dos Vigilantes do Peso. Eu acabara de entrar, na esperança de perder os cinco quilos que insistiram em voltar depois da última vez em que perdi cinco quilos. Ela recebera o broche de membro vitalício (vejo agora a ironia da palavra vitalício). Oferecer carona a um estranho é algo que, normalmente, não faço, mas a vi seguindo para o ponto de ônibus, tentando equilibrar-se naqueles “sapatos sexy”. Achei fantástico que ela tivesse conseguido perder tanto peso e disse a mim mesma: Por que não? Quem sabe sua força não me contagia? Assim, lá estávamos, seguindo pela Centinela Boulevard e batendo papo sobre dietas. Fiz um comentário do tipo “tenho medo de não conseguir porque sinto muita fome quando faço dieta”. Então, Marissa disse: — Tenho a receita de uma sopa que dá uma boa sustentada. E eu disse: — Não cozinho muito bem. E ela disse: — Essa é superfácil. E eu disse: — Sério? E ela disse: — Estou com a receita aqui. Juro, é tão simples... É só abrir um monte de latas. E eu disse: — Ah, ótimo, vamos ver! E ela se virou para o banco de trás do carro para pegar a bolsa; por isso estava sem o cinto de segurança no momento do impacto.

3a prova - O proximo item da lista.indd 12 19/10/2011 14:37:49

Page 8: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

13O Próximo Item da Lista

A sopa de taco de Marissa4 latas de feijão-branco ou preto1 lata de molho de tomate mexicano1 lata de tomate em pedaços1 lata de milho1 pacote de tempero de taco1 pacote de mistura para molho ranch sem gordura

Misturar os ingredientes numa panela grande. Aquecer e servir.

rende 8 porções.

O máximo que consigo lembrar (levei uma pancada feia na cabeça, então minha memória anda instável) é que o bascu-lante de um caminhão tombou na nossa frente, e virei o volante rápido para desviar o carro. O resto é obscuro. Testemunhas relataram que subimos o meio-fio com uma inclinação que fez o carro capotar. — Parou com as quatro rodas para o alto — ouvi um para-médico dizer a outro ao empurrar minha maca para dentro da ambulância. Outra coisa que ouvi: — Sem pressa com aquela ali, está morta. Morta? Toquei meu corpo com as mãos. Não estava certa à qual das duas ele se referia. Não era eu. O que significava... Merda. Merda, merda, merda.

3a prova - O proximo item da lista.indd 13 19/10/2011 14:37:49

Page 9: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski14

Depois do acidente, tentei voltar à minha vida normal. Não consegui. Parece que deixei de levar em consideração um fato simples, mas irrefutável: saber que você matou uma pessoa é muito deprimente. Honestamente, não consigo entender como pessoas como Scott Peterson* podem recompor-se e sair para pescar. Mal tive energia para comparecer ao escritório e realizar um trabalho que tenho demorado tanto para terminar que ninguém notaria se eu estivesse em coma. As semanas se arrastaram. Os hematomas foram desapare-cendo, mas, ainda assim, incapaz de afastar o desespero que me envolvia como uma nuvem carregada, restou-me concluir que existem dois tipos de acontecimento horrível: o que dá uma sacudida e faz a pessoa agarrar a vida pelo pescoço e nunca mais subestimá-la; e o que faz a pessoa ficar deitada na cama, assistindo a reality shows. O meu foi do segundo tipo. Sem ninguém por perto para testemunhar meu desmorona-mento progressivo, eu estava livre para me afundar. Sem ma-rido e filhos. Sem dividir o apartamento com ninguém. Sem namo rado — Robert terminara o relacionamento no fim de agosto, um mês após o acidente. Já estávamos prestes a nos separar mesmo, empacados naquele estágio em que os dois já sabiam que tinha acabado. Mas, como um carro, a relação não estava pronta para ser colocada à venda, e ficamos fazendo remendos, pagando por pequenos consertos, à espera de que algo bem maior, como a engrenagem, estourasse. Acabou que o

* Scott Peterson foi acusado de assassinar a esposa grávida em 2002. Sua prisão e seu julgamento tiveram grande repercussão na mídia americana. Ele foi condenado à morte. (N. T.)

3a prova - O proximo item da lista.indd 14 19/10/2011 14:37:49

Page 10: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

15O Próximo Item da Lista

namoro sofreu perda total. Robert não suportava ver o estado lamentável em que eu me encontrava e, para ser sincera, foi um alívio quando ele foi embora. Mal notei quando levou a escova de dentes e o par de sapatos reserva que deixava debaixo da minha cama, ainda mais com a nova temporada de seriados começando. Se pelo menos Marissa não tivesse feito aquela lista... Ou se a dela fosse mais parecida com as minhas listas de coisas a fazer: um monte de nada que, no entanto, havia ocupado meu tempo durante as últimas três décadas e alguns anos. Pegar a roupa na lavanderia. Correr para a academia. Encontrar uma amiga para almoçar. Algumas das tarefas eram riscadas... outras eram transferidas de um papel ao outro, até que eu finalmente conseguisse realizá-las ou decidisse que não eram tão impor-tantes quanto eu pensava. Se eu morresse, o que poderia constar no meu obituário? June Parker, namorada de idas e vindas, funcionária de nível médio que passou a vida toda com desempenho abaixo do poten-cial, morreu esperando algo acontecer. Deixa um pacote de meias novas, cuja aquisição foi seu maior feito, ao ser riscada de uma lista de coisas a fazer. Eu havia lido a lista de Marissa apenas uma vez antes de escondê-la na gaveta da escrivaninha. Nem tinha certeza do motivo pelo qual ficara com ela. É claro que, para mim mesma, disse que seria triste para a família... mas ainda assim, por que me incomodava tanto? Um dia, finalmente, banhada pela luz generosa da TV, pude suportar admitir a verdade a mim mesma: Por mais horrível que fosse o fato de ter matado alguém, sentia-me aliviada por não ter morrido. Qualquer que fosse o motivo, eu recebera uma segunda chance.

3a prova - O proximo item da lista.indd 15 19/10/2011 14:37:49

Page 11: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski16

Por isso me sentia tão culpada por desperdiçá-la. Os deuses que me pouparam deviam estar sentados nas nuvens, coçando a cabeça e dizendo coisas do tipo: “E a gente achou que resgatá-la de uma pilha de destroços de ferro seria o suficiente! O que é preciso fazer para mexer com essa mulher? Uma epidemia? Ataque de gafanhotos?” O problema era que eu não fazia ideia de como mudar. Eu não era e nunca fui uma pessoa capaz de sentar, escrever uma lista de coisas que queria fazer e, depois, colocá-la em prática de fato. Eu realmente precisava ser contagiada pela força de Marissa Jones. Nem tanto a parte dela que conseguiu perder peso, mas a parte que pelo menos tinha uma noção do que queria, sem hesitar. Achei que seria necessário um milagre para me alavancar do mal-estar e me colocar em nova rota. No fim das contas, foi preciso apenas um cara no cruzamento da Pico Boulevard com a Eleventh Street, vendendo buquês de rosas a dez dólares.

foi no dia 20 de janeiro, exatamente seis meses depois da morte de Marissa. Senti um embrulho no estômago ao notar a data no meu calendário e me dar conta de que meio ano havia se passado. A sensação era de que tinha sido ontem e, ao mesmo tempo, havia uma eternidade. Meu plano para honrar a ocasião era voltar para casa depois do trabalho e... bem, eu não tinha planos. Mas quando parei no sinal, perto de um homem que vendia rosas, tive uma ideia de imediato. Eu ia visitar o túmulo. Pediria perdão e, com isso, talvez fosse libertada. Com as flores no banco do passageiro, parei para pedir informação ao lado de uma cabine na entrada do cemitério. Uma mulher me deu um mapa xerocado e marcou com uma

3a prova - O proximo item da lista.indd 16 19/10/2011 14:37:49

Page 12: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

17O Próximo Item da Lista

caneta Sharpie o caminho até o local do túmulo de Marissa. Estacionei e andei o restante do caminho até onde ela estava enterrada. Em sua lápide, um marcador simples e de bom gosto, estava escrito: Marissa Jones, filha, irmã e amiga adorável, com as datas de nascimento e morte. — Desculpe — disse e depositei as flores. Fiquei ali por algum tempo, esperando uma sensação de paz que não veio, quando alguém atrás de mim disse: — June? Virei e me vi numa situação que todo mundo odeia: Não reconheci o homem. Mas era agradável aos olhos. Tinha uma aparência de adulto surfista. Trinta e poucos anos. Alto, mas não alto demais, cabelo loiro queimado pelo sol, nariz forte e maxilar que ficava bem no conjunto. Calças jeans e uma cami-seta da Billabong. — Oi, tudo bem? — tentei passar a impressão de que sabia quem era. — Você provavelmente não se lembra de mim. Sou Troy Jones. Irmão da Marissa. — É claro que me lembro de você. Ok, talvez não de imediato. Estava com roupas mais formais no funeral. E o cabelo estava mais curto antes. Além disso, estive com ele só durante um aperto de mãos. — Achei que poderia ser você, mas não tinha certeza. Você vem sempre aqui? — Assim que disse isso, balançou a cabeça. — Nossa, isso sempre soa como cantada. Daqui a pouco vou perguntar o que uma moça tão legal como você está fazendo num lugar desses. Para evitar a resposta óbvia — visitando sua irmã, que está morta por minha causa —, eu disse:

3a prova - O proximo item da lista.indd 17 19/10/2011 14:37:49

Page 13: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski18

— Se está tentando lembrar as cantadas, posso te poupar o trabalho: sou de escorpião. — Bom saber. — E, para responder à sua pergunta, não, não venho sempre aqui. Mas como hoje faz seis meses... — É. Eu também... Pareceu que tínhamos decidido fazer um minuto de silêncio, porque ficamos ali, sem falar, e, quando eu estava prestes a dar uma desculpa para ir embora, ele disse: — Quer andar um pouco? Por que eu não tinha largado as flores ali e saído enquanto era tempo? — Claro — respondi, sem querer ser mal-educada. — Seria ótimo. Seguimos devagar por um caminho de terra que fazia curvas pelo cemitério. — Você parece estar bem — comentou ele, olhando-me com atenção. — Estava bem machucada a última vez que te vi. — Sim — disse eu, num tom reservado, e para o meu alívio, a partir dali, batemos um papo sobre coisas sem impor-tância. Falamos que vinha chovendo muito ultimamente e que os cachorros latem antes de terremotos. Ele lembrava muito a irmã. Isso mexeu com algo que eu havia tentado deixar escon-dido lá no fundo — a vergonha que eu sentia e que era tão feia, como se eu ainda estivesse com o olho roxo. Senti medo de falar demais e que, com isso, ele fosse capaz de ver o que eu tinha conseguido esconder dos outros durante meses. Que eu aparentava estar bem por fora, mas que, por dentro, ainda estava inchada, dolorida e frágil. Acabamos voltando ao início do trajeto, perto de onde eu deixara o carro.

3a prova - O proximo item da lista.indd 18 19/10/2011 14:37:50

Page 14: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

19O Próximo Item da Lista

— Estacionei bem ali. Ele me acompanhou pelo resto do caminho. Eu estava com as chaves em uma das mãos, e levei a outra à maçaneta, quando ele disse: — Posso fazer uma pergunta? Droga. Já estava prestes a ir embora... — Claro que sim. — É que... você foi a última pessoa que esteve com Marissa. Alarmes dispararam na minha cabeça quando ele continuou: — Meus pais e eu sabemos os detalhes do acidente, mas a única coisa que não conseguimos entender é... por que ela não estava usando o cinto de segurança? Ela sempre usava o cinto. Não faz nenhum sentido. Detesto perturbá-la, mas isso nos tem incomodado demais. Pronto. Eu ia ter que revelar os últimos momentos dela. É claro que poderia dizer que não sabia, mas isso parecia mais cruel que a verdade. — Ela estava pegando uma receita para mim na bolsa. — Uma receita? — De sopa de taco. — Uma receita. — Ele passou a mão na nuca. — Essa era minha irmã. Sua decepção era tão evidente, que acrescentei: — Parecia ser uma delícia. — Tenho certeza de que sim. Ai, por que não menti? Não podia ter dito que ela estava me contando que adorava a família... especialmente aquele irmão? — Sinto muito que não tenha sido algo melhor — descul-pei-me, inutilmente. — Tudo bem. Não sei o que eu estava esperando. Mas é que... — Ele enfiou as mãos no bolso e apoiou-se no meu carro.

3a prova - O proximo item da lista.indd 19 19/10/2011 14:37:50

Page 15: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski20

— Tem tanta coisa que não sei... que nunca vou saber. É o que tira o nosso sono. Não é só a falta que a gente sente da pessoa. É o arrependimento por não ter feito as perguntas importantes enquanto ainda ela estava aqui. — Olhou na direção do túmulo da irmã e continuou: — Algumas semanas antes da morte dela, Marissa e eu fomos jantar na casa dos nossos pais. Estávamos de bobeira no quintal, fazendo um jogo de perguntas. Perguntei no que a vida dela tinha mudado depois que emagreceu, sem contar o fato de que agora podia acabar comigo no basquete. Ela me disse que queria fazer muitas coisas. E pareceu animada quando perguntei que coisas eram essas. Mas aí minha mãe nos chamou para jantar, depois fizemos outras coisas e acabei não dando continuidade à conversa. Você pensa, para que ter pressa, sabe? Tínhamos todo o tempo do mundo. Meu Deus. Minhas entranhas ferviam e espumavam en-quanto ele falava. Devolver a lista não teria sido indelicado. Eu estava errada em ficar com ela, principalmente agora que esse cara tão bacana na minha frente estava sofrendo ainda mais graças ao meu egoísmo. — Hum... na verdade... — arrisquei, sem saber ao certo o que dizer, mas sentindo que tinha que dizer algo — tem mais uma coisa. Ela tinha uma lista. — Como ele não respondeu de imediato, soltei sem pensar: — Sua irmã tinha feito uma lista das coisas que queria fazer antes do aniversário de vinte e cinco anos. Está comigo. Seu olhar mudou de direção para me encarar, e — brrrr — a temperatura despencou de repente? Porque a expressão dele era mais fria do que eu jamais poderia esperar. — Você ficou com a lista? Havia uma lista... e você ficou com ela?

3a prova - O proximo item da lista.indd 20 19/10/2011 14:37:50

Page 16: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

21O Próximo Item da Lista

Bem, colocando desse jeito... — Tive que ficar — tentei me defender. — Por quê? É, por quê? O pânico estava tomando conta de mim, quando, por sorte, pensei numa mentira tão genial que parecia ser a verdade. — Porque estou realizando a lista para ela. A mudança na expressão dele foi como a de um quebra-ca-beça simples em que bastava empurrar as peças para colocá-las no lugar. A figura ainda não tinha se formado, e, como eu não sabia qual seria, continuei falando. — Concluí que, como Marissa não ia mais poder realizá-la, bem... nada mais certo do que eu fazer isso. Era eu quem dirigia quando o acidente aconteceu. Eu me senti responsável. Pronto: A frieza havia derretido e foi substituída por uma expressão que não consegui interpretar muito bem, mas gostei. O olhar dele me elevou, me fez flutuar no céu. Eu não era mais June Parker, assassina por acidente e presa no limbo da ocio-sidade. Eu era o tipo de mulher que encontrava uma lista de sonhos não realizados e assumia a responsabilidade de concluir o trabalho. Eu era foda. — Isso é tão... incrível — ele conseguiu dizer, e depois, para o meu horror, acrescentou: — Você está com a lista? Pode me mostrar? — Está em casa — respondi às pressas. — E, infeliz-mente, acho que você ficaria decepcionado. Poucos itens foram riscados... porque ainda faltavam meses para o aniversário dela. — Doze de julho, eu me lembrei de ter visto na lápide. Dali a menos de seis meses. — Na verdade, se pudéssemos não exagerar a importância disso, eu ficaria agradecida. Já estou

3a prova - O proximo item da lista.indd 21 19/10/2011 14:37:50

Page 17: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski22

bastante nervosa com o fato. Prefiro não comentar o assunto, se não se importa. — Entendo. — Ele acenou com a cabeça. — Tudo bem. Olhei para o relógio sem disfarçar, então ele disse: — É melhor eu ir andando. — Claro. Enquanto eu entrava no carro, ele pegou a carteira e pro-curou alguma coisa. Entregou-me um cartão de visitas. — Se tiver qualquer coisa que eu possa fazer para ajudar, me ligue. Qualquer coisa mesmo. Ocorreu-me que havia algo que ele poderia fazer. — Provavelmente ajudaria se eu soubesse mais coisas sobre Marissa. Não quero incomodar demais. Será que você pode me enviar anuários da turma dela ou álbuns de foto? Qualquer coisa que possa esclarecer o que a teria motivado a escrever as coisas que estão na lista. Ele concordou sem hesitar, e dei a ele o meu cartão, antes de sair dirigindo, com o sangue bombeando com tanta força nas veias, que pareciam latejar de modo visível. Eu ia fazer aquilo. Ia realizar os itens da lista de Marissa. Se não era capaz de fazer alguma coisa da minha própria vida, pelo menos faria algo da vida dela. Pela primeira vez em muito tempo — desde o acidente e até mesmo antes — senti uma onda de emoção tão pouco familiar que levei o trajeto inteiro até minha casa para entender o que era. Esperança. Senti esperança.

o que me levou àquele lugar: a um bar, percebendo que não havia nada que me fizesse beijar aquele imbecil, por mais que eu quisesse riscar o item da lista.

3a prova - O proximo item da lista.indd 22 19/10/2011 14:37:50

Page 18: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

23O Próximo Item da Lista

— Então — disse ele, com um enorme sorriso branco e radiante, enquanto me devolvia o papel (e, peço licença para acrescentar, existe, sim, limite para branqueamento dental) —, que tipo de beijo? Seu amigo Frank respondeu por mim: — Na boca... língua é opcional. — Deixa pra lá, eu vou é... Antes de terminar a frase, a boca dele estava na minha, a língua empurrando meus lábios. Não foi horrível. Minhas primeiras tentativas com Grant Smith no colegial com certeza foram muito mais atrapalhadas. Mas com Grant tinha sido muito mais intenso. Este beijo, francamente, teria sido o mesmo se eu estivesse paralisada da cintura para baixo. Quando se afastou, ele disse num tom artificial: — De nada. Ah, faça-me o favor. Queria que tivesse dito isso enquanto me beijava, porque aí eu teria vomitado na sua boca. — Infelizmente — respondi, fingindo lamentar —, a lista diz de modo específico que eu tenho que dar o beijo... sabe, beijar e não ser beijada. Sinto muito, mas esse não valeu. Mas, olha — pisquei para os caras da mesa antes de me virar e sair, —, agradeço o esforço. Na volta, quase trombei com um ajudante de garçom. Humm. Ele parecia ter uns dezessete anos e tinha a mesma altura que eu — o que era conveniente. — Me permite? — perguntei. Puxei-o para perto pelo cola-rinho e, fazendo uma pausa de alguns segundos para lhe dar a chance de sair correndo, se quisesse, beijei sua boca. Sem língua, mas bem quente e úmido, e... sim! ...rolou aquela intensidade de que eu estava falando.

3a prova - O proximo item da lista.indd 23 19/10/2011 14:37:50

Page 19: O próximo item da lista - Primeiro Capítulo

Jill Smolinski24

Então, ao som dos rapazes dando gargalhadas da história toda, peguei Susan e disse: — Vamos embora daqui. Afinal, eu ainda tinha muito o que riscar da lista. E, como dizia minha avó, para os maus não há descanso.

3a prova - O proximo item da lista.indd 24 19/10/2011 14:37:50