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1 O quadro comunicacional e a produção da subjetividade em uma campanha de segurança no trânsito Agmar Bento Teodoro Centro Federal de Educação Tecnológica de MG Departamento de Linguagem e Tecnologia (DELTEC) Palavras-chave: campanhas de trânsito; Subjetividade; Midiatização. RESUMO EXPANDIDO O processo de globalização, bem como, a convergência tecnológica tem dado novas dimensões aos meios de comunicação e consequentemente isso vem alterando significativamente as relações entre os atores sociais individuais e coletivos na atualidade. Pode se afirmar que o processo de midiatização se dá nesse contexto, no qual, as linguagens das mídias penetram e passam a fazer parte da dinâmica de vários campos sociais. O individuo, enquanto receptor, passa a fazer parte do processo de comunicação, interagindo e, muitas vezes, intervindo e é nesse processo que ele elabora seu discurso. E é notório que o processo de midiatização se potencializou com a difusão das novas formas de se interagir, sobretudo, com as tecnologias ligadas a internet. Apoiado nesse novo cenário, de facilidades de transmissão de informações, como uma forma de sanar um grande problema enfrentado pela maioria das grandes cidades brasileiras, os acidentes de trânsito, o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito) em parceria com o Ministério das Cidades tem produzido várias campanhas de conscientização e educação de trânsito, veiculadas em diferentes mídias. Essas campanhas surgem em atendimento ao chamado doa ONU (Organização das Nações Unidas), que, em Assembleia Geral, no dia 02 de março de 2010, sancionou oficialmente o período de 2011 a 2020 como sendo a Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito com o objetivo de estimular esforços em todo o planeta para conter e reverter a tendência crescente de fatalidades e ferimentos graves em acidentes no trânsito no mundo. Para fortalecer o chamado da ONU o Brasil lançou em 11 de maio de 2011 o programa PARADA “Pacto Nacional pela Redução de Acidentes no Trânsito” que tem por objetivo

O quadro comunicacional e a produção da subjetividade em ... fileO rapaz chega até a praia, estaciona o carro e retira sua prancha de surf, e se direciona correndo ao mar (som de

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O quadro comunicacional e a produção da subjetividade em

uma campanha de segurança no trânsito Agmar Bento Teodoro

Centro Federal de Educação Tecnológica de MG

Departamento de Linguagem e Tecnologia (DELTEC)

Palavras-chave: campanhas de trânsito; Subjetividade; Midiatização.

RESUMO EXPANDIDO

O processo de globalização, bem como, a convergência tecnológica tem dado novas

dimensões aos meios de comunicação e consequentemente isso vem alterando

significativamente as relações entre os atores sociais individuais e coletivos na atualidade.

Pode se afirmar que o processo de midiatização se dá nesse contexto, no qual, as

linguagens das mídias penetram e passam a fazer parte da dinâmica de vários campos

sociais. O individuo, enquanto receptor, passa a fazer parte do processo de comunicação,

interagindo e, muitas vezes, intervindo e é nesse processo que ele elabora seu discurso. E

é notório que o processo de midiatização se potencializou com a difusão das novas formas

de se interagir, sobretudo, com as tecnologias ligadas a internet.

Apoiado nesse novo cenário, de facilidades de transmissão de informações, como uma

forma de sanar um grande problema enfrentado pela maioria das grandes cidades

brasileiras, os acidentes de trânsito, o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito)

em parceria com o Ministério das Cidades tem produzido várias campanhas de

conscientização e educação de trânsito, veiculadas em diferentes mídias.

Essas campanhas surgem em atendimento ao chamado doa ONU (Organização das

Nações Unidas), que, em Assembleia Geral, no dia 02 de março de 2010, sancionou

oficialmente o período de 2011 a 2020 como sendo a Década Mundial de Ação pela

Segurança no Trânsito com o objetivo de estimular esforços em todo o planeta para conter

e reverter a tendência crescente de fatalidades e ferimentos graves em acidentes no

trânsito no mundo.

Para fortalecer o chamado da ONU o Brasil lançou em 11 de maio de 2011 o programa

PARADA “Pacto Nacional pela Redução de Acidentes no Trânsito” que tem por objetivo

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buscar o engajamento dos poderes executivo, legislativo e judiciário, nos três níveis de

governo, e da sociedade civil na redução dos acidentes e violência no trânsito.

O objeto das campanhas de educação de trânsito é conscientizar, informar e educar os

usuários do sistema trânsito. Essas campanhas são produzidas em folders (panfletos),

distribuídos em blitzen educativas, outdoors, fixados em áreas urbanas e em áreas rurais

próximos a rodovias e também vídeos veiculados na TV e na internet.

O objetivo deste trabalho é apresentar a análise de um vídeo de uma campanha de

segurança e educação no trânsito produzido pelo DENATRAN e veiculado no período da

Semana Nacional de Trânsito em 2011 (18 a 25 de setembro).

O vídeo escolhido tem 30 segundos de duração e é composto por imagens, sons e legendas

e narração, conforme descrição a seguir: No início do vídeo, é mostrado um rapaz sobre

a direção de um carro branco. Esse engata a marcha no veículo e pisa fundo no acelerador,

(som de ruído do motor) é dado um close em seus pés e mostra que ele esta usando um

tênis nas cores e forma da bandeira da formula 1.

Na sequencia ele realiza uma conversão (som de derrapagem) à esquerda em um local

proibido, onde há uma placa de “proibido virar à esquerda”, e quase colide com um carro

vermelho que vinha na pista contrária (som de buzina e frenagem). Em seguida, é focado

em uma placa de “velocidade máxima permitida”, de 60 km/h. É mostrado o carro se

movimentando em alta velocidade, e o velocímetro marcando 80 km/h. O motorista se

direciona até um cruzamento, onde há uma placa de “PARE”. Ele não obedece a

sinalização, e por pouco não bate em outro veículo que entrava no cruzamento, que freia

bruscamente. O rapaz chega até a praia, estaciona o carro e retira sua prancha de surf, e

se direciona correndo ao mar (som de ondas).

Ele avista na areia uma placa, onde está escrito “PERIGO” e abaixo a imagem de um

tubarão. Vendo que aquele lugar não era próprio para surfar, devido ao risco de ataque de

tubarões, o jovem rapaz faz cara de tristeza, dá meia volta e retorna ao veículo.

Em seguida, a tela fica preta, (musica triste) e é mostrada a frase “Se você acredita numa

placa que protege sua vida, por que não fazer o mesmo no trânsito?”. Ao final da

campanha, passa-se a cena do surfista se retirando do local. Uma tela preta é retomada

(musica triste) e aparece a frase na tela PARE – PENSE – MUDE, juntamente com a

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logomarca do programa PARADA, uma mão estendida sobre um losango amarelo com a

frase PARADA Pacto Nacional Pela Redução de Acidentes.

O objetivo principal da propaganda escolhida é conscientizar jovens motoristas sobre a

importância de se respeitar as placas de sinalização de trânsito. A opção por analisar esse

vídeo se deveu ao fato de ser o primeiro vídeo produzido após a ONU instituir o decênio

de 2011 a 2020 como a Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito.

Procurou mostrar, por meio da análise, como se dá o caráter informativo da campanha

com base na teoria comunicacional de Patrick Charaudeau e também mostrar como se

constroem as estratégias enunciativas com base na produção de subjetividade proposta

por Félix Guattari, bem como, a influência da midiatização no processo de recepção da

mensagem transmitida pelo vídeo.

Foi possível observar na campanha dois circuitos de comunicação formados pelo agente

enunciador, comunicante e interpretante. Sob a ótica da subjetividade foi possível

identificar na campanha, em análise, nuances que são capazes de reforçar, no jovem

motorista, a subjetivação imposta pelo capitalismo e pela midiatização.

A campanha utiliza recursos para se tornar atrativa ao público alvo. No entanto esse

jovem, alvo da campanha, não está isento das forças externas produzidas pelo processo

de midiatização, ao qual ele está exposto, representado em várias instâncias. E os recursos

apresentados na campanha em tela podem reforçar, no jovem, essas forças externas,

reforçando uma subjetivação que conduz a um caminho oposto ao desejado pela

campanha.

A mídia, enquanto representante da força capitalista, (força externa) exerce sobre os

indivíduos certa influência com a finalidade de impor e formar um padrão de

comportamento (sociedade midiatizada). As campanhas publicitárias de automóveis, por

exemplo, apresentam veículos potentes e rápidos capazes de vencerem grandes distâncias

em um tempo curto.

A sinalização de trânsito é mostrada no vídeo, como algo que pode retardar o tempo de

deslocamento, pois o veículo é capaz de se locomover muito mais rápido do que a

sinalização preconiza. Dessa forma, respeitar as placas de sinalização, que informam que

se devem dirigir mais devagar do que o automóvel permite, passa ser um desafio, o

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condutor passa a fazer algo contra a sua vontade e contra as premissas do automóvel, que

lhe permite alcançar uma alta velocidade em um tempo mínimo, fazer conversões bruscas,

graças ao seu sistema inovador de direção, paradas quase instantâneas devido ao seu

robusto sistema de freios.

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Zero Hora e seus “3 projetos para o Rio Grande”:

Jornalismo construindo realidades na sociedade em

midiatização

Antônio Rogério Rolim Cândido Unisinos — São Leopoldo/RS

Palavras-chave: Jornalismo. Midiatização. Cultura participativa. Circulação. Contrato

de leitura.

RESUMO EXPANDIDO

A midiatização provoca turbulências na comunicação. Esta complexificou-se

como campo, ao mesmo tempo em que seus processos de mediação vêm sofrendo

transformações. As rotinas do jornalismo foram alteradas, das práticas discursivas à

identidade dos profissionais, assim como a relação com o público. A apropriação de

regras de trabalho jornalístico por parte de outros campos levou os meios a buscarem

diferentes formas de relacionar-se com estes e, especialmente, com seu público. Com

muitas e diversas opções para buscar as informações que lhes interessem, os leitores,

ouvintes e telespectadores tornaram-se alvo de acirrada disputa. Nessa concorrência, as

mídias constroem as mais diferentes maneiras de atrair e manter seus consumidores.

Conforme Braga (2012, p.37), “todas as áreas e setores da sociedade passaram a

desenvolver práticas e reflexões [...], testando possibilidades e inventando processos

interacionais para participar segundo suas próprias perspectivas e interesses”.

Esses processos interacionais afetam os processos de produção e recepção na

sociedade em midiatização, reforçam a cultura participativa e criam a necessidade de que

novos vínculos sejam estabelecidos entre meios de comunicação e seus públicos. O artigo

vai abordar esse cenário a partir do estudo de uma iniciativa de Zero Hora.

Para comemorar seus 45 anos, em maio de 2009, ZH lançou a promoção "3

projetos para o Rio Grande". Oferecia ao público a possibilidade de escolher, em uma

lista de 15 obras, a que considerasse mais relevante. As três mais votadas (uma da Região

Metropolitana de Porto Alegre e duas do interior) teriam sua importância analisada e seu

andamento acompanhado por meio de reportagens especiais.

Por meio de uma eleição direta, o cidadão rio-grandense ajudará a selecionar

três grandes obras (poderá votar em apenas uma entre 15) que gostaria de ver

implantadas para melhorar sua vida. A partir da escolha popular, o jornal se

dedicará a detalhar a importância de cada uma e dará início a uma campanha

para transformar antigas promessas em realidade. Após subir ao pódio definido

pela vontade dos leitores, essas obras vão migrar para as páginas de ZH na

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forma de reportagens especiais e de fiscalização do andamento de cada uma.

(ZERO HORA, 2009, p. 27).

Zero Hora construiu, ao mesmo tempo, uma circunstância para interagir com seus

leitores e uma oportunidade de fazer intermediação jornalística entre Estado e atores

sociais. Propõe uma parceria com seu leitorado, chama seus leitores a participarem da

definição da pauta de uma série de reportagens sobre grandes obras no Rio Grande do

Sul. No mesmo momento, demarca o espaço inicial em que o público atuará — como

eleitor/pauteiro. A produção ficará a cargo dos peritos jornalistas.

Na sociedade em midiatização, os meios buscam preservar sua autonomia para

falar para a sociedade. O protagonismo do jornalismo está em apresentar ofertas de

intervenção na realidade, em construir realidades. Ao criar — sem pedir autorização a

ninguém — um processo eleitoral informal, cujo resultado aponta para uma intervenção

na sociedade, ZH demonstra o poder do campo jornalístico.

O resultado imediato da participação do público provoca a ocorrência de um fato

a ser noticiado. A operação que o jornal oferece vai além do colocado pela leitura, é uma

proposta de união de forças — adiante do ambiente interno midiático. Ao dar a

oportunidade de decisão ao seu leitorado, Zero Hora o empodera. E capitaliza esse

empoderamento, pois o apoio do leitorado à sua iniciativa, o voto, daria suporte à ZH para

batalhar pelas obras selecionadas, fortalecendo a personalidade do jornal.

As condições para essa iniciativa foram desenhadas por Verón (1997, p. 15) em

sua representação esquemática sobre a complexidade dos fenômenos da midiatização.

Como meio de comunicação, ZH tem relações específicas, de mão dupla, com instituições

e atores individuais. E afeta, também em duplo sentido, a relação direta existente entre

ambos.

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Esquema para análise da midiatização

A intermediação proposta por ZH afeta a sociedade de modo complexo, visa

produzir efeitos de sentido para o leitorado, para o poder público e para si mesma. É de

natureza simbólica, sendo que Zero Hora mostra-se como elo de contato ativo e faz com

que a relação com os acontecimentos seja explicitada por operações produzidas pelo

próprio meio.

Mas essa afetação não é um processo linear, deve ser analisada pelo viés das

transformações que a midiatização provocou nas relações entre produção e recepção,

como foi dito no início deste texto. O que nos leva à necessidade de analisar o tema da

circulação — em que oferta e apropriação têm gramáticas e lógicas próprias. Seu encontro

se dá num local que não é nem uma, nem outra — é um terceiro, o da circulação. É uma

zona de contato em que essas diferenças produzem sentidos. É essa interdiscursividade

que faz a comunicação. Como diz Fausto Neto (2010, p. 9), na circulação “as intenções

de origem perdem força, uma vez que são entregues a outras dinâmicas que fazem com

que produção e recepção não possam mais controlá-las, bem como os efeitos que

presumem estabelecer sobre discursos”.

Esse cenário entrópico, por sua vez, remete à necessidade dos meios de

estabelecerem laços com seus públicos. O que Verón (2004, p. 249, grifo do autor), define

como construção da personalidade do jornal “através de uma estratégia enunciativa

própria, ou seja, construindo um certo vínculo com seus leitores”. Uma visão convergente

com a de Fausto Neto (2007a, p. 20),

[...] a constituição de um contrato de leitura pelo qual o jornal pede

reconhecimento, depende cada vez menos de operações de sentido definidas

apenas pelo mundo das regras internas ao campo produtor da noticiabilidade.

Depende de outras complexas estratégias, que procedendo de diferentes

campos sociais, fariam lembrar a inevitável incompletude dos ‘contratos’ e dos

próprios processos de comunicação. E, porque não dizer, de um processo de

vinculação que não se estruturaria mais apenas na em lógicas regulatórias, na

convicção e nas próprias operações tecno-organizacionais jornalísticas.

O artigo vai problematizar os efeitos da midiatização na imprensa, afetando sua

representatividade e os vínculos existentes com seu leitorado, situação tensionada pelo

desenvolvimento de uma cultura participativa e a nova condição produtiva dos atores

sociais. Analisar as estratégias e operações enunciativas que os jornais desenvolvem para

manter sua identidade e preservar sua autonomia numa sociedade marcada por

atravessamentos e processos interacionais.

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Referências

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M. A. et AL.

(Org.). Mediação & Midiatização. Salvador: UFBA, p. 31-52, 2012. Disponível em:

<https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6187/1/MIDIATIZACAO_repositorio.pdf>.

Acesso em 08 abr. 2016

FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização, prática social – prática de sentido. In:

ENCONTRO DA REDE PROSUL, Comunicação, Sociedade e Sentido. São

Leopoldo: Unisinos/PPGCC, 2005.

______. Contratos de leitura: entre regulações e deslocamentos. XXX Congresso

Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos, SP: Unisanta, Unisantos, Unimonte,

2007a. Disponível em:

<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1528-2.pdf>. Acesso

em: 03 mai. 2016

______. A midiatização jornalística do dinheiro apreendido: Das fotos furtadas à fita

leitora. Dossier de Estudios Semióticos, La Trama de la Comunicación. Rosario: UNR

Editora, v. 12, 2007b. p. 117-132. Disponível em:

<www.latrama.fcpolit.unr.edu.ar/index.php/trama/article/download/129/pdf>. Acesso

em 11 jun. 2016.

______. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, A. et al. (Org).

Mediatización, Sociedad y Sentido: diálogos entre Brasil y Argentina. Rosario,

Argentina: Universidad Nacional de Rosario, p. 2-15, 2010. Disponível em:

<http://www.fcpolit.unr.edu.ar/wpcontent/uploads/Mediatizaci%C3%B3n-sociedad-y-

sentido.pdf>. Acesso em 08 abr. 2016.

VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos de La

Comunicación, Buenos Aires, n. 48, out. 1997. Disponível em:

<https://comycult.files.wordpress.com/2014/04/veron_esquema_para_el_analisis_de_la

_mediatizacion.pdf>. Acesso em 25 mar. 2016.

______. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.

ZERO HORA. Porto Alegre. Diário. Disponível em:

<http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2496

684.x ml&template=3898.dwt&edition=12224&section=1003>. Acesso em: 3 mai.

2009.

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Lógicas de midiatização na cidade: apontamentos sobre usos e

apropriações dos APPS WAZE e NIKE+

Daniel Bittencourt UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DO SINOS

Palavras-chave: Midiatização, territórios, práticas sociais, usos e apropriações

RESUMO EXPANDIDO

A popularização da Internet e a configuração de um ambiente de mídia programável

- um dos desdobramentos da rede, a web possui uma espécie de funcionamento orgânico

cuja dinâmica é abastecida por milhões de programadores - constituem um terreno

propício para novos experimentos e relacionamentos entre pessoas, tecnologias e

territórios. Diferentemente de outros meios de comunicação, cuja possibilidade de

recombinação e refundação é mais lenta e difícil, a Internet (e o que se faz dela)

experimenta usos e apropriações de práticas comunicacionais que remodelam a paisagem

midiática. Seja pela adoção do público e/ou pela popularização de tecnologias como

georreferenciamento, interfaces de programação de aplicativos (API) e de conexão com

redes sociais, existem hoje elementos acessíveis ao público para que ele - e não apenas os

grandes conglomerados midiáticos - possa propor novas dinâmicas interacionais. É nesta

ambiência que surgiram novos atores que extravasaram seus papéis iniciais, voltados à

comunicação, para interferir em dinâmicas sociais, econômicas e culturais. A Internet e a

cultura digital que a acompanha forneceram elementos para a emergência de plataformas

colaborativas, cujo papel do público extrapola os limites da recepção e do consumo -

gerando dinâmicas próprias e singulares no campo da circulação midiática, ao reprocessar

e reprogramar circuitos comunicacionais a partir de novas lógicas.. Antes terreno de quem

dominava linguagens de programação, a redução da barreira de entrada aos códigos

facilitou a criação na web de sites de mapeamentos de crimes, de ciclovias, de feiras

orgânicas e de áreas com acesso wi-fi livre. Esta primeira onda sugere a formação de

territórios informacionais (LEMOS, 2007) com forte relação com a ambiência física

marcada pelas cidades. O crescimento deste tipo de comunidade virtual e a apropriação

dos usuários permitiram a eclosão de aplicações que deixaram a web e invadiram

smartphones para ajudar o público a estabelecer rotas de trânsito mais inteligentes, a

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propor novas modalidades de transporte e de dinâmicas esportivas orientadas à coleta de

dados e ao fornecimento de fórmulas de melhoria de performance atlética.

Este resumo expandido é parte da pesquisa de doutoramento e se propõe a discutir

plataformas colaborativas que formam parte da paisagem emergente do que é chamado

provisoriamente de cidade midiatizada, onde os processos de circulação se dão através de

novas zonas comunicacionais - com filtros e mediações diferentes de filtros e mediações

usados por meios de comunicação convencionais -, dotados de algoritmos sistêmicos

auto-organizados (JOHNSON, 2001). Para tanto, analisamos usos e apropriações de

colaborativos expoentes da Nova Economia, Waze e Nike+, ancorados na constituição de

comunidades de usuários, são estudados na busca de inferências iniciais para checagem

da hipótese que está em estudo. Este texto pretende investigar dois dos três objetos

estudados na pesquisa por entender que fornecem indícios distintos e complementares

entre si e de grande valia para o que se pretende investigar: os traços digitais que

fornecemos ao usar aplicativos colaborativos de georreferenciamento. Mais: o que isso

nos diz em relação ao território que habitamos. Waze e Nike+ tem características comuns:

são plataformas digitais que rodam preferencialmente em smartphones - mas podem ser

usadas em tablets e acessadas na web -, baseiam-se em dados do usuário para fornecer

respostas pró-ativas relativas ao seu serviço proposto e valem-se da contribuição das

pessoas para que seus algoritmos computacionais não só respondam às necessidades das

pessoas como se aperfeiçoem e "aprendam" através da interação de seus usuários.

O Waze1 é um dos mais populares aplicativos de mapas e navegação do mundo.

Através de dispositivos celulares, o usuário pode traçar rotas de deslocamentos e planejar

seu melhor caminho no trânsito a partir de informações disponibilizadas pelo aplicativo.

Um dos maiores diferenciais do Waze é ser um dispositivo comunicacional de mão dupla:

o usuário não apenas recebe informações, como pode fornecer dados sobre ocorrências

no trânsito, que servirão para auxiliar outros motoristas. Nike+2 é um aplicativo que

rastreia a corrida de desportistas profissionais e amadores e armazena informações como

ritmo das passadas, ritmo médio, tempo de percurso, distância percorrida, duração e

calorias gastas. Através de sua interface gráfica, Nike+ mostra o percurso do usuário com

o trajeto realizado entre dois pontos, indicando em zonas quentes e frias momentos em

1 Waze. Disponível em <http://www.waze.com>. Acesso em 8 de setembro de 2016.

2 Nike+. Disponível em <https://www.nike.com/us/en_us/p/activity>. Acesso em 8 de setembro de 2016.

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que o usuário imprimiu maior ou menor velocidade na corrida. A partir da leitura destes

dados, o app fornece métricas para a melhoria de desempenho do usuário. Ao conectar

sua conta Nike+ com sites de redes sociais, o atleta pode receber mensagens de incentivo

de seus amigos, além de áudios gravados previamente com áudios pré-gravados de atletas

de ponta.

Neste sentido, a pesquisa avança na perspectiva de investigar como as lógicas de

consumo e circulação de aplicativos colaborativos resultam em novas dinâmicas de

consumo e apropriação de territórios físicos. Assim, pretende-se estudar os processos

comunicacionais que levam à midiatização da cidade e a complexificação do papel do

usuário, que assume a posição de coautor dos apps ao utilizarem os dispositivos não

apenas em suas lógicas de consumo, mas inclusive de (re)produção e circulação. Busca-

se, assim, otimizar este processo e tensionar estes objetos a partir da perspectiva da

midiatização. Nas duas aplicações investigadas, são estudadas com maior profundidade

as relações que se estabelecem entre tecnologias, redes sociais e pessoas para o

apontamento de lógicas de consumo e circulação no ambiente territorial das cidades,

dentro de um complexo processo comunicacional inserido nas práticas decorrentes de

uma sociedade em vias de midiatização (BRAGA, 2012; FAUSTO NETO, 2010;

HJARVARD, 2012, 2014; VERÓN, 2014). E, ainda, como esses apps redesenham nossa

relação com o território físico e estabelecem - a partir de mediações com outras aplicações

- uma cidade que se estabelece em um território simbólico, construído através das

interações simultâneas do real com o virtual, cuja semantização é atribuída por lógicas

algorítmicas de sentimentalização territorial (o espaço que é ocupado, que é visível ou

que foi mapeado pelos app versus o espaço periférico, distante das nuvens de conexão

wifi ou dos smartphones mais potentes; o território seguro versus o território do medo).

De alguma forma, a constituição desse território informacional simbólico chamado de

cidade midiatizada é afetado e impõe afetações pelo modo como os softwares "leem" e

processam o que se faz na ambiência física.

Um das linhas de investigação adotada, a partir das primeiras coletas de indícios e

inferências na relação com o empírico é que as lógicas de usos, consumos e apropriações

que os usuários dos apps Waze e Nike+ fazem resultariam na constituição da cidade

midiatizada - uma interface interpolada entre o território físico, o informacional e o

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simbólico. Dito de outra forma, as lógicas de midiatização analisadas até este momento

apontam para uma nova possibilidade de vetor de interação entre a comunidade de

usuários e os apps, a partir da seguinte direção: invenção → uso → apropriação →

adoção, em que cada elemento implica em diferentes níveis de apropriação.

BIBLIOGRAFIA

BRAGA, José Luiz. Uma teoria tentativa. In: Revista da Associação Nacional dos

Programas de Pós-Graduação em Comunicação, E-Compós, Brasília, v. 15, n.3, set./dez.,

2012

FAUSTO NETO, Antônio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO,

Antônio; VALDETTARO, Sandra (ORGs.) Mediatización, Sociedad y Sentido: diálogos

entre Brasil y Argentina. Programa de Cooperación Científico Tecnológico MINCYT-

CAPES, 2010.

HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social

e cultural. Matrizes, vol. 5, núm. 2, janeiro-junho, 2012, pp. 53-91 Universidade de São

Paulo: São Paulo, Brasil

_________. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Editora Unisinos,

2014.

JOHNSON, Steven. Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e

softwares. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. 231 p.

LEMOS, André. Cidade e Mobilidade. Telefones Celulares, Funções pós-massivas e

territórios informacionais. Matrizes (USP. Impresso), v. 1, p. 121-138, 2007.

VERÓN, Eliseo. Teoria da midiatização: uma perspectiva semiantropológica e

algumas de suas consequências. In: Matrizes., v.8, nº1, São Paulo, jan./jun. 2014. p. 13-

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O museu como elemento transformador da cidade:

Da forma/função ao museu imagem na sociedade do

hiperespetáculo. Fabiano D Alessio Ferrara

RESUMO EXPANDIDO

No ritmo acelerado de transformações que atingem todas as cidades

contemporâneas, impõe-se a conservação do patrimônio edificado e daquilo que deve ser

considerado como índice de valor de uma cidade e memória histórica. Porém, assim como

no caso da coleta, conservação e exposição dos objetos, ao tratar da cidade é necessário

decidir aquilo que deve ser conservado supõe definir o que é digno daquela memória.

Considerando que a cidade é um organismo vivo em constante mudança no fluxo

das suas gerações, realizações, atuações, valores e cultura, a conservação dos índices

memoráveis exige a sensibilidade de perceber que aquela conservação não significa,

apenas, renovar ou conservar espaços urbanos que necessitam ser recuperados. Ao

contrário, a eleição daquela memória supõe identificar os caminhos que, conservando o

passado, permita a descoberta de outros espaços urbanos que introduzam a possibilidade

de descoberta de novos usos. Ou seja, conservar a memória de uma cidade significa

redesenhar o uso do espaço urbano.

Com a proximidade do segundo centenário da Revolução Francesa, a esquerda

francesa, recém-chegada ao poder, lança um grande pacote de projetos culturais. A

construção de um grande centro cultural que possibilitasse a revitalização de um

importante bairro nas proximidades da Sena, o Marrais apresentou-se como espaço

suficientemente notável como história que justificava sua recuperação. No final dos anos

70, a França vivia um momento de recuperação de uma indústria que, competente e

inovadora, sugeria igual ou semelhante empresa na área da cultura. A proposta de um

grande expoente reformulador do espaço público surge como possibilidade de renovação

do decadente Marrais e o Centro Georges Pompidou se oferece como espaço novo para

reapresentar o velho. O Museu surge como espaço que não mais guarda a memória da

cidade, mas a apresenta com novas configurações e outros interesses. A implantação do

Beaubourg marcou o início de grandes transformações urbanas e culturais que oferecia

Paris à descoberta do mundo.

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Inaugurado em 1977, o Centro Cultural Georges Pompidou surge como um

espaço híbrido e contínuo, onde artes plásticas, artes visuais, cinema, dança e outras

vertentes artísticas convivem em harmonia. Projetado por Richard Rogers e Renzo Piano,

o edifício joga todas suas “entranhas” para o exterior a fim de resguardar o espaço interno

que se reservava para selecionadas exposições temáticas, enquanto o espaço externo

transforma o museu em objeto de arte no contexto da cidade.

A premissa básica foi a criação de grandes áreas de convívio tanto no exterior

quanto no interior do prédio, exigia-se um projeto que contasse com grandes estruturas

para suportar enormes vãos: surge uma grande estrutura de metal colorido e fora da escala

das casas do bairro. Marcava-se o desejo de assinalar um novo tempo na cultura da cidade

de Paris e o projeto surgia como um “ser intruso” que usando suas cores e formas se

contrapunha às construções cinzentas do entorno. No final dos anos 70, o edifício era a

imagem da vanguarda francesa no campo das artes e cultura, mas também nos campos da

engenharia e da indústria metalúrgica. No final dos anos 70, o Beaubourg era o museu

em transformação: superava-se o espaço interno onde se recolhia a memória da cidade

para transformá-la em lugar público que deve ser visto.

Notadamente o Pompidou criou uma imagem de diálogo e perfeição entre forma

e função, tudo no edifício e essencial e estrutural, e por isso uma das premissas do projeto

é deixar todo o processo construtivo “a mostra”.

Certamente, o Centro Pompidou é um marco em relação à mudança de concepção

no espaço expositivo do museu: transforma o espaço em imagem com a qual o público

interage antes de chegar às exposições. O equipamento cultural museu, deixa de ser

endógeno e se expande pelos seus arredores criando uma visualidade que começa há

vários metros de distância, antes que se possa acessar o espaço. O caso Centro Pompidou

é emblemático como inserção de espaço onde o novo e diferente vem para colorir e

humanizar áreas urbanas decadentes. O museu se transforma em lugar irradiador de

cultura e requalificação do espaço urbano. Já não se sabe o que se expõe: o acervo, o

museu ou a própria cidade.

Em contexto mais recente de requalificação e redesenho urbano através de um

museu como edifício imagem, a cidade de Bilbao, na Espanha, foi uma grande

protagonista. A construção do Museu Guggenhein foi responsável pela transformação de

uma decadente cidade industrial no norte da Espanha, transformando-a em local dos mais

visitados no país e do mundo. De modo emblemático, o museu transforma o entorno e

15

transforma a cidade, e se torna exemplo econômico-cultural de recuperação urba

Ao contrário do Centre Georges Pompidou, o Museum Guggenhein explora as

formas complexas e até pouco compreensíveis, e chega à cidade de Bilbao como um

grande barco do futuro. Construído com placas de titânio e outra ligas metálicas, sua

forma complexa e inusitada é um elemento de atração internacional e atrai milhões de

visitantes por ano. Neste caso, a atração é o próprio museu enquanto edifício imagem,

projetado e planejado para ser amplamente midiatizado. Parecendo ser cidade, esse

museu projeta a imagem daquilo que poderia ser uma hiperealidade urbana, uma

imagem/simulacro que, autorreferencial, vale por si mesma:

“ A metrópole, ao contrário, é dominada pela imagem que, reproduzida aos

milhões, se torna o simulacro do mundo, assim como o espaço por ela criado

invade, sem cerimônia, todos os espaços privados, fazendo-os parecer

públicos e, portanto, simulacros de uma representação. O início da segunda

metade século XX, marcado pela amarga realidade de duas grandes guerras,

viu nascer a metrópole e, com ela, se expande e se multiplica a cidade simulada

que se reproduz ao lado e através da televisão, enquanto seu espaço é visto a

distância através de um tubo catódico: a metrópole elege seus “lugares

iluminados” através dos quais conhecemos os lugares da cidade, ao mesmo

tempo em que se cria uma outra raiz para a visualidade do espaço social...” (

Ferrara, 2008, 66)

Nas imagens acima fica claro que o edifício tem uma força simbólica tão grande

como objeto que não comporta a exposição de um acervo clássico, os espaços pedem

para serem ocupados por instalações e grandes objetos que compõe esse “gigante de

titânico”. Nesse contexto, fica clara a estranha relação do museu com a cidade:

constituindo um aplique que se alojou na cidade, ela é exposta pelo museu que, porém, a

esconde como visualidade de lugar urbano. Mesmo sem transparência que revele seu

interior e que produza uma experiência exógena, o Guggenhein Bilbao deixa clara a sua

vocação de museu como imagem e como objeto de contemplação. A cidade exibe o museu

como se ele fizesse parte de uma grande exposição em escala urbana.

No final dos anos 70, o Centro Pompidou foi um marco que iniciou os primeiros

movimentos da arquitetura pós-moderna propondo novas integrações entre espaços e

lançando um desafio de investigação e pesquisa de novas técnicas construtivas.

Notadamente faz-se uma crítica à arquitetura moderna que se valeu da plástica do

concreto armado durante décadas, e avançou muito pouco no campo de pesquisa de novas

técnicas. Renzo Piano e Richard Rogers vencem o concurso para a instalação do novo

centro cultural justamente pela ousadia projetiva, considerada extremamente arrojada na

16

época. Cria-se através de um desejo projetivo um ciclo que se inicia no desenvolvimento

de novas técnicas construtivas e se finaliza no “edifício máquina” colorido que se destaca

no skyline parisiense.

Já no final dos anos 90, o Guggenhein Bilbao destaca-se também, pela ousadia no

projeto. Ao contrário do aconteceu na França dos anos 70, a técnica construtiva em si já

estava dominada e a quantidade de materiais à disposição era infinitamente maior. O

grande desafio de Frank Gehry nessa empreitada foi justamente usar a técnica como

ferramenta projetiva já que a técnica enquanto construção estava dominada. Para

conseguir calcular todas as curvas e ângulos do edifício complexo que se pretendia criar,

foram usados softwares CAD usados no projeto de objetos industriais. O resultado foi a

criação de uma grande escultura de placas de titânio que é exibida no meio da cidade.

Claramente não se tentou criar um diálogo com o entorno, mas sim uma ruptura total e o

resultado do contraste entre o velho e o novo, o ortogonal e o orgânico é sensacional.

Se fizermos uma comparação entre o Pompidou e o Guggenhein Bilbao, é possível

dizer que o Pompidou representa o momento das imagens técnicas, enquanto o

Guggenhein representa era das imagens tecnológicas e espetaculares. Para Gilles

Lipovetsky os dois exemplos de requalificação urbana entram na mesma categoria:

“Não se trata mais de maravilhar e subjugar o público por meio da expressão

da grandeza das finalidades, trata-se de impressionar à maneira de um ícone

publicitário, de criar umas espéciede logo ou de anúncio luminoso de luxo

capaz de animar a cidade e os turistas sedentos de imagens e divertimento.

Desde os anos 1970-80 – O Centro Pompidou é inaugurado em 1977 – não se

constroem mais museus cujo modelo é o templo grego ou a villa do

Renascimento cuja a função é conferir uma elevação espiritual às obras,

expressar quase a divindade das Belas-Artes. Não mais templos que visem

criar uma aura, mas museus de formas espetaculares que celebram antes o

universo do lazer e do divertimento do que a “Sacralidade” da arte à moda

antiga. A arquitetura da inciação espiritual é substituída por uma arquitetura

voltada para o consumo turístico de acontecimentos distrativos” (Lipovetsky,

2015, 275)

A lógica espetacular exige que um número crescente de exposições e museus se organize

como fontes de acontecimentos midiáticos, que são destinados a aumentar receitas e

número de visitantes. A própria museografia, representada por meio da montagem e da

apresentação das exposições passou dar um valor muito grande ao espetáculo onde

arquitetos, designers e cenógrafos de renome atraem o público tanto quanto a obra de arte

em si.

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“ Na era do capitalismo criativo, até os museus integram em seu

funcionamento as lógicas do espetacular, do sensacional, do cinema e dos

parques temáticos. ” (Lipovetsky, 2015, 288)

Vivemos na era das imagens espetaculares e isso não terá mais volta, desde o final

dos anos 70 investem-se muitos recursos na tentativa de criar equipamentos culturais que

vão além de guardar e expor a história da cultura do homem. Se por um lado podemos

pensar no lado fútil de criar um “museu imagem” para atrair mais visitantes e dinheiro

para determinado lugar, por outro, essa necessidade de criação de edifícios espetaculares

são a oportunidade de sair do lugar comum, de ousar, de criar novos paradigmas para os

usos, formas e processos construtivos.

18

Enquadramentos e cobertura do jornal Folha de São Paulo

acerca das midiatizadas manifestações sociais de junho de

2013: crise jornalística e o papel das pesquisas Datafolha

Ivan Daniel Müller

Gustavo Roese Sanfelice

Palavras-chave: manifestações sociais; midiatização; mídia impressa.

RESUMO EXPANDIDO

O presente artigo evidencia uma análise acerca da cobertura do Jornal Folha de

São Paulo a respeito das Midiatizadas Manifestações Sociais de Junho de 2013 e, a partir

de tal análise procedimental, denota uma crise jornalística experimentada pela Folha à

época e o papel das pesquisas DataFolha na reinserção de uma “legitimidade discursiva”

por hora rompida pela crise.

Sob a ótica de enquadramentos (frames) de Goffman analisou-se distintos

fragmentos de registros veiculados na Folha de São Paulo dos dias 07 de junho de 2013

ao dia 02 de julho de 2013 que faziam referência às Manifestações Sociais de Junho de

2013. A partir dessa análise procedimental identificou-se três fases distintas de

enquadramentos do Jornal, referidas como: “Os vândalos da Folha de São Paulo!?”, “A

violência e o abuso policial em destaque” e “Ressignificando os enquadramentos:

destaques do campo político”.

“Os vândalos da Folha de São Paulo!?”

A primeira fase de enquadramentos intitulada: “Os vândalos da Folha de São

Paulo!?”, se estendeu do dia 07 ao dia 13 de junho de 2013, semana que cobriu os

momentos iniciais das Manifestações de Junho de 2013; aqui, os frames da Folha foram

massivamente depreciativos em relação às manifestações e manifestantes. O Movimento

Passe Livre (MPL), movimento social que liderou os primeiros protestos na Cidade de

São Paulo foi maculado, os manifestantes classificados deliberadamente como vândalos

e as manifestações deslegitimadas. Notadamente a Folha promoveu uma definição

particular da realidade, possibilidade derivada dos enquadramentos, pois havia, segundo

o Jornal, um lado ruim da história, e esse lado sem dúvida era o dos manifestantes.

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Figura 1: Exemplos dos enquadramentos “Os Vândalos da Folha de São Paulo!?” (Folha de São

Paulo - 12 de junho de 2013)

“A violência e o abuso policial em destaque”

A segunda fase por sua vez recebeu o título de: “A violência policial em destaque”,

sendo que tais enquadramentos estiveram presentes na edição do dia 14 de junho, onde a

Folha passou deliberadamente a enxergar o outro lado da história. Após uma ação

desmedida da polícia militar paulista e da tropa de choque, o Jornal mudou seus

enquadramentos bruscamente. Cabe lembrar que a PM e a tropa de choque se utilizaram

de bombas de efeito moral, spray de pimenta e sobremaneira disparos com bala de

borracha para conterem manifestantes, sendo que houve inúmeros feridos, alguns

gravemente, dentre eles, jornalistas da própria Folha de São Paulo.

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Figura 2: Exemplos dos enquadramentos “A violência e o abuso policial em destaque” (Folha de

São Paulo - 14 de junho de 2013)

“Ressignificando os enquadramentos: destaques do campo político”

Já a terceira fase de enquadramentos denominou-se: “Ressignificando os

enquadramentos: destaques do campo político”. Essa fase compreendeu o período que vai

do dia 15 de junho ao dia 02 de julho, onde há uma nova ressignificação dos frames do

Jornal, e o que se percebe é um maior cuidado da Folha no que diz respeito a classificações

do campo social (manifestantes e manifestações) e uma maior promoção de notícias no

que tange o campo político, sobremodo em relação às disputas partidárias que se

desenhavam para as eleições presidenciais do ano seguinte. Vale aqui a disposição de

que, nesse terceiro momento dos enquadramentos, as Manifestações haviam mudado seu

rumo e seu modo, foram excessivamente midiáticas, assumido diversas demandas e

desvinculando-se unicamente do MPL. O perfil dos participantes a partir de então também

estava modificado.

21

Figura 3: Exemplos de “Ressignificando os enquadramentos: destaques do campo político”

(Folha de São Paulo - 20 e 30 de junho de 2013, respectivamente)

Esses três distintos períodos de enquadramentos adotados pelo Jornal Folha de

São Paulo durante a sua cobertura acerca das Manifestações de Junho de 2013, permitem

a melhor visualização da própria crise jornalística experimentada, visto que a mesma

atinge seu ápice a partir da mudança brusca entre a primeira e a segunda fase de

enquadramentos realizada pela Folha.

Tal crise jornalística está inserida ainda em um contexto de complexificação

social, e é somente a condição de Manifestação em massa midiatizada atribuída às

Manifestações de Junho de 2013 que permite a compreensão mais ampla dessa crise

experimentada, isso porque há a centralidade do papel midiático e a busca constante da

significação e ressignificação através das redes sociais, as quais compõem os fluxos

diferenciados que caracterizam o processo de midiatização da sociedade contemporânea.

Os fluxos diferenciados e as novas ferramentas tecnológicas por sua vez, tencionam

disputas de poder em distintos campos sociais, as quais englobam conjuntamente toda a

sociedade e, portanto, a própria crise jornalística experimentada.

O papel das pesquisas do Instituto DataFolha ao longo do período analisado

também se mostrou extremamente relevante, visto que a partir do ápice da crise jornalística

desenhada a Folha de São Paulo passou a se utilizar mais desse recurso, o qual transparece

empiricamente noções de cientificidade e de transparência na captação da opinião pública.

Agora já não é mais a Folha de São Paulo quem está falando “isso ou aquilo”, “assim ou

assado”; há nas pesquisas a própria ideia de uma isenção da opinião jornalística em si, visto que

ela se utiliza de métodos científicos na captação da “opinião pública”, e o faz através de

22

um Instituto. Sendo assim, a partir do momento em que o seu Instituto vai às ruas

“verificar a opinião pública” através de métodos científicos de análise, a possibilidade de

reinserção da própria Folha de São Paulo na construção discursiva sobre os fatos sociais

se mostra válida novamente. Nesse sentido, as pesquisas utilizadas pelo Instituto

DataFolha auxiliaram na reinserção de uma “legitimidade discursiva” da Folha, por hora

rompida pela crise experimentada.

23

Praça, espaço virtual e plateia: o cartaz e suas ambiências Manoella M. P. Moreira das Neves

Palavras-chaves: Midiatização - Circulação - Ambiência - Cartaz – Manifestação

RESUMO EXPANDIDO

Esta proposta de artigo é o registro de parte de uma pesquisa de tese em

desenvolvimento que consiste em observar as posses e apropriações dos cartazes nas

manifestações contemporâneas, com foco nas jornadas de junho de 2013 no Brasil. Para

organizar o argumento de pesquisa e deste artigo em desenvolvimento constituíram-se

algumas inferências. Uma delas é a de que os cartazes apresentam uma lógica de

midiatização própria. O cartaz parece ser utilizado como ‘voz’ de quem o porta, tais como

os balões das histórias em quadrinhos. Confeccionado unicamente para aquele evento, o

cartaz se multiplica quando registrado e postado em uma rede social digital, apresentando-

se como suporte responsivo, ativo no processo comunicacional, como dispositivo da

circulação interacional nas ruas e nas redes. Para tanto, partiu-se da observação de alguns

cartazes que foram registrados nas coberturas de sites jornalísticos e que também se

encontraram nas mídias sociais digitais, principalmente no Facebook.

Em artigo anterior foi feito um registro sobre as manifestações no mundo desde

2010 até junho de 2013 no Brasil, a partir da observação das formas de organização, lemas

e imagens que as constituíram. Desta narrativa, destacou-se a presença das redes sociais

digitais e a dos cartazes e suas mensagens que viram hashtags. Neste processo de

comunicação, mais que ferramentas, as redes de internet e de telefonia configuraram-se

como formas organizacionais, cujos cartazes com suas mensagens constituíram-se como

marcadores da circulação nas redes e nas ruas. Como ensina Deleuze (FOUCAULT,

1990), desmaranhar as linhas de um dispositivo é traçar um mapa e percorrer terras

desconhecidas. E o ponto de partida do traçado deste trabalho é a compreensão de que o

cartaz das manifestações contemporâneas é de natureza midiatizada.

A partir da observação feita anteriormente e sendo resultante de uma pesquisa

de doutorado em andamento, em seguida, em outro artigo o cartaz foi analisado em seu

valor de signo. Este compreendido em Pierce e Bakhtin, no que suas concepções se

aproximam, a saber, o valor do signo para além do objeto que representa. Entende-se que

o cartaz da rua, ao ser fotografado passa às redes sociais digitais sendo usado a revelia de

24

quem o criou, de modo a apresentar-se como suporte marcador de circulação. No entanto,

em posse de outrem, o cartaz não somente registra um movimento, mas também gera e

recebe sentido em processo de semiose, no qual se entende que este objeto, além de ser

suporte marcador é indício sobre os sentidos que pairam nesta circulação.

Agora, neste artigo, o cartaz é observado nas ambiências por onde passa, sendo

adaptado, ajustado conforme as técnicas, regras e intenções de cada espaço: na rua, na

mídia tradicional, na mídia social. Sendo suporte físico, sendo imagem, sendo postado ou

transformando-se em hashtag, as ambiências são traçadas, rastreadas pela passagem do

cartaz.

O cartaz nasce sintético, sendo parte de um discurso que já surge fragmentado,

uma vez que é individualizado. Cada um segura o seu cartaz e diz nele o que deseja sem

a necessidade de regulação prévia de um discurso institucionalizado. O novo movimento

social traz a marca da autonomia da comunicação, permitindo que tal movimento se forme

sem o controle total e centralizado do poder desta comunicação. Diante disto, o caráter

distinto dos conteúdos dos cartazes se dá na forma específica da respondibilidade de cada

manifestante. Há uma conversação entre vários, respondendo a questões postas por outro

circuito midiático. Um exemplo é o que foi dito em uma matéria jornalística na TV é

respondido, contestado em cartaz, nas ruas. A resposta é a parte mais visível da circulação

em fluxo (BRAGA, 2006).

Os conteúdos dos cartazes aparecerem comumente calibrados a partir da

existência de outros meios, os conteúdos estavam sempre mudando a partir da existência

destes outros, expressando valores articulados em atos. No cartaz entre a rua, a mídia

tradicional e a rede moldou-se a construção de uma atividade arquitetônica da autoria,

constituindo-se em pequenos textos (diferidos e difusos) nas sucessivas manifestações em

junho de 2013 e que é a própria constituição destas manifestações.

O diálogo forma a arquitetônica, ele é uma unidade, mas não a difusividade de

uma única ideia ou tema, mas certa coesão expressiva inerente às relações dialógicas,

interacionais entre várias ideais e vozes. Dai pode-se afirmar que a arquitetônica

constituída é a arquitetônica do valor, dos valores em jogo, apreendidos ao jogar o jogo,

ao ingressar nas manifestações. Cada um segura o seu cartaz e diz nele o que deseja, mas

sempre a partir de um dado contexto e de sua compreensão sobre este momento, sem a

regulação prévia de um discurso institucionalizado.

A partir da forma de organização e atuação das manifestações, estando entre a

rua e a rede, remete-se ao texto de Mata (1992) ‘Entre la plaza y la platea’ no qual a autora

25

se refere à imagem de um movimento que revela novos espaços de produção de sentido

político. Embora o texto date do início dos anos de 1990 e a autora refira-se aos meios

físicos e de massa, sua concepção de movimento dos espaços de interação e circulação

midiáticas – portanto, um modo de pensar o campo da comunicação – cabe com ajuste,

às manifestações de rua ocorridas nestes tempos de redes sociais digitais, como as

jornadas de junho de 2013 no Brasil. Rubim (2000) refere-se ao estudo da autora dizendo

que rua e tela não se eliminam ou se sobrepõem, mas realizam tensas interações.

A praça, compreendida como lugar onde ocorrem as trocas diretas, lugar de ação.

A plateia, como espaço de mediação cujos meios de comunicação de massa são os

principais ambientes entre os espaços clássicos da política e a cidadania. Seguindo o

raciocínio de Mata (op.cit.) observa-se que as manifestações ocorrem em locais públicos,

onde sucedem interações diretas, articularam-se cidadãos, havendo reconhecimento e

confrontação de interesses envolvidos num mesmo espaço de ação - a rua, a praça. Por

outro lado, a mesma sociedade que se dá em espetáculo na rua, reflete-se nas mídias onde

se constitui a plateia – a cidadania se contempla como espectadores de si. Landowski

(1992) em seu estudo sobre sociossemiótica, fala sobre ‘sociedade refletida’ e a explica

dizendo ser um conceito relacionado à reflexividade cuja comunidade social se dá em

espetáculo a si mesma, e assim fazendo, dota-se das regras necessárias ao seu próprio

jogo. É a encenação de si nas interações cotidianas que contribuem para a construção de

um espaço social de significação.

Partindo-se da concepção de Mata e agregando os processos midiáticos sócio-

técnicos dados, sobretudo pela forte presença das mídias sociais, agregou-se ao trabalho

o espaço virtual - lugar constituído em cooperação por ambas as estratégias: da praça e

da plateia, e espaço de acirramento da polarização. Seguindo o raciocínio de Rubim, os

espaços não se substituem, mas se conectam tensa e intensamente.

Em relação às manifestações, a praça se fez na ocupação das ruas, das avenidas

das cidades, ascendendo a um espaço de representação privilegiado, pois público e, lugar

de contemplação para quem observa o que se passa, sem dela participar diretamente.

Praça ainda por ser o domínio do espetáculo, da atuação pelo contato presencial. Fez-se

também plateia na sociedade que se dá em espetáculo, vendo-se refletida e refratada pelos

meios de comunicação que faz isto aos meus modos e processos. As manifestações

conclamadas, organizadas e em parte ocorrida nas mídias sociais, constitui-se ainda,

espaço virtual de ação/atuação.

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O cartaz passa por todos estes ambientes sendo adaptado, ajustado conforme as

técnicas, regras e intenções de cada espaço. O cartaz cartolina, o cartaz mediatizado, o

cartaz postado são as várias performances deste suporte, que não somente sustenta e

sinaliza uma mensagem, mas mostra-se adaptativo ao meio, comunicando e sendo

comunicado. Refere-se aqui, portanto não somente a questão da ‘tecnologia em cartaz’ -

escrita (na rua), imagem (na mídia), postagem (no espaço virtual) -, mas também a

evidenciação dos modos como se processa uma manifestação contemporânea.

27

Charges na Rua: política, mídia contra-hegemônica e

midiatização

Marcelo Rodrigo da Silva

Tamires Ferreira Coêlho

Renato Ítalo da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Palavras-chave: Charges; Política; Mídia Contra-Hegemônica; Midiatização.

RESUMO EXPANDIDO

Desenvolvemos uma reflexão sobre o processo de midiatização na relação entre os

campos da mídia e da política, mais especificamente a partir de uma análise do projeto

Charges na Rua, um meio alternativo e contra-hegemônico. O Charges na Rua é um

projeto criado em 1997 por Reginaldo Soares Coutinho, mais conhecido como Régis

Soares. Consiste na publicação semanal de charges em uma placa de aproximadamente

dois metros de largura por um metro e meio de altura, localizada na Rua Etelvina Macedo

de Mendonça, número 265, no bairro da Torre, em João Pessoa, capital paraibana. A placa

fica na calçada do próprio ateliê do artista. A referida rua é a continuação da Avenida

Dom Pedro II, uma das principais e mais movimentadas avenidas da Capital paraibana.

A cada semana, as charges novas são pintadas sobre as anteriores, numa forma de

palimpsesto. Antes de serem apagadas e cobertas com uma nova produção, entretanto, as

charges produzidas são fotografadas e disponibilizadas digitalmente no site do projeto

(www.chargesnarua.com.br). Régis Soares desenvolve esse trabalho há mais de 30 anos.

A mídia, em formato de outdoor, chama atenção pelo conteúdo, pela forma e pelas

conexões estabelecidas entre o que é publicado e o cenário urbano que o circunda,

interagindo e ressignificando, simultaneamente, cada charge exposta. Assim, a cidade não

só abriga diversos tipos de mídia, mas torna-se mídia potente, constituindo-se enquanto

dispositivo de enunciação (RODRIGUES, 2016). O Charges na Rua foi escolhido como

corpus de análise para o desenvolvimento da presente pesquisa, primeiramente, por ser

uma manifestação que traduz um processo curioso, inusitado e distinto de apropriação do

espaço urbano e para uma produção midiática; posteriormente, pelo reconhecimento e

respaldo locais atribuídos ao trabalho do artista; e, por fim, pela condição de singularidade

do modelo de publicização de charges na cidade de João Pessoa. A partir desse objeto de

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análise, são observadas as relações entre mídia e política que embasarão a discussão,

observadas em dois níveis: 1) as relações políticas do “Charges na Rua” enquanto prática

social, que resulta da manifestação e do lugar de fala do artista enquanto ator social, sua

postura de enfrentamento, contestação e resistência e 2) as relações políticas no interior

do discurso, envolvidas no processo de produção de sentido, que resulta das construções

semânticas e semióticas no interior da arquitetura da narrativa das charges. Neste nível

são adotadas as contribuições da Análise do Discurso (VAN DIJK, 1992;

MAINGUENEAU, 2002) e da Semiótica (PLAZA, 2003; SANTAELLA, 2004). Para

tanto, foram selecionadas as quatro charges mais recentes produzidas pelo cartunista até

setembro de 2016 e que tivessem seu discurso diretamente relacionado ao contexto da

crise política brasileira. Depois de estabelecidos esse critérios mínimos, foram

selecionadas no site do projeto os seguintes trabalhos: charge número 1.454, que foi

publicada no dia 24 de agosto; charge número 1.453, publicada no dia 12 de agosto;

charge número 1.450, que foi publicada no dia 13 de julho; e charge número 1.445, que

foi publicada em 18 de maio. As reflexões sobre mídia e política são conduzidas tendo

em seu cerne os conceitos e discussões sobre política propostos por Néstor García

Canclini (2005) e Jacques Rancière (2009). O que se pretende, a partir da adoção das

contribuições dos referidos autores, é desenvolver a discussão englobando os pontos de

vista distintos e complementares sobre política oferecidos pelos teóricos. Dessa forma, de

um lado, serão consideradas as contribuições teóricas de Canclini, a partir de suas

percepções sobre o campo político e suas relações partidárias, de luta de classes e forças

entre grupos diversos de atores político-partidários. De outro, serão consideradas as

proposições de Rancière, com suas reflexões sobre a política enquanto articulação e

negociação social, que determinam os “lugares” a partir das tensões entre o lugar social

que é oferecido e o lugar social que é escolhido pelos atores. As duas formas de reflexão

sobre política são consideradas em ambos os níveis de observação que conduziram a

discussão deste texto. Tendo base na partilha do sensível rancieriana, o campo midiático

é também político (não restrito ao seu âmbito partidário), à medida que instaura cenas de

dissenso, rupturas e questionamentos. Ao mesmo tempo, outros campos (o político está

aí incluso) aparelham-se comunicacionalmente diante de um contexto de “presença

constante das mídias imersas no âmbito das relações pessoais cotidianas” (MARTINO,

2014, p. 270). Analisar as charges do projeto selecionado implica também considerar o

papel das representações na construção de seu discurso, os modelos mobilizados e os

implícitos, dentre outros elementos. O discurso da crise, construído entre os campos

29

político e midiático, toma forma dentro e fora da mídia hegemônica, sendo (re)apropriado

por mídias populares, como no projeto Charges na Rua. As instituições políticas e os

atores sociais, como o idealizador do projeto paraibano, apropriam-se de lógicas

midiáticas, estão inseridos no bios midiático proposto por Sodré (2002), agindo de

maneira cada vez mais complexa, a partir da articulação de “invenções sociais de

direcionamento interacional” (BRAGA, 2012, p. 36). Assim, os fluxos comunicativos e

os sentidos da crise política em 2016 circulam em diversos suportes (constitutivos de

meios digitais ou “tradicionais”, hegemônicos ou alternativos), a partir de temporalidades

e espacialidades múltiplas, que geram pontos de fuga atrelados às matrizes sociais

culturalmente acionadas (BRAGA, 2012). O dispositivo outdoor, uma tecnologia3

bastante utilizado pela publicidade, é utilizada em outro contexto, para outra finalidade:

a crítica social. A circulação de mensagens por meio dessas charges põe em movimento

sentidos que não são necessariamente inaugurados neste suporte e que alimentam

circuitos de feedback (VERÓN, 1997). A publicação das charges no site do projeto torna

mais complexas as formas de (inter)mediação, multiplica possibilidades de brechas

simbólicas e de novas relações entre mídia e política, evidenciando o caráter transversal

e relacional de uma comunicação que não se encerra ou se resume a processos lineares de

produção e recepção (FAUSTO NETO, 2006). E, mesmo que não houvesse o site, a

interferência de lógicas digitais estaria atravessando a produção das obras de Régis

Soares; o processo de midiatização está nas mudanças quanto à forma de apropriação da

mídia outdoor, na forma de expor e consumir charges, na forma de articular charges e

espaço urbano. E as relações entre mídia e política que resultam dessas processualidades

são o cerne das discussões aqui propostas.

REFERÊNCIAS

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATOS, Maria Angela;

JANOTTI JR, Jeder; JACKS, Nilda. Mediação e Midiatização. Livro Compós 2012.

Salvador/Brasília: UFBA/COMPÓS, 2012. p.31-52.

CANCLINI, Néstor García. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro:

Editora UFRJ, 2005.

DIJK, Teun A. Van. Cognição, Discurso e Interação. São Paulo: Contexto, 1992.

3 O termo tecnologia é aqui empregado para além das inovações técnicas recentes no campo

comunicacional. Uma tecnologia é possuidora de lógicas (com postulados e subversões), é uma nova mídia

digital, mas pode também ser a imprensa (VERÓN, 1997).

30

FAUSTO NETO, Antônio. Midiatização: prática social, prática de sentido. In: Anais do

Encontro da Rede PROSUL – Comunicação, Sociedade e Sentido, Unisinos, São

Leopoldo, v.1, p. 15, 2006. São Leopoldo: Unisinos, 2006.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo – SP:

Cortez, 2002.

MARTINO, Luis Mauro Sá. Teoria da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2014.

PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003.

RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: EXO; Ed. 34, 2009.

RODRIGUES, Adriano Duarte. Afinal, o que é mídia? Disponível em:

<http://www.ciseco.org.br/index.php/artigos/279-afinal-o-que-e-a-midia#voltar1>

Acesso em: 04 abr. 16.

SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo – SP: Pioneira Thomson Learning,

2004.

SODRÉ, Muniz. O ethos midiatizado. In: _____. Antropológica do Espelho. Petrópolis:

Vozes, 2002.

VERÓN, Eliséo. Esquema para el analisis de la mediatización. In: Diálogos de la

Comunicación, Lima, n.48, out. 1997.

31

A ressignificação dos territórios urbanos através de novos

processos de midiatização nas cidades

Sergio Roberto Trein

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)

Palavras-chave: cidade; midiatização; ressignificação; território.

RESUMO EXPANDIDO

As cidades sempre mexeram com a imaginação popular. Em todos os momentos

da vida, seja na infância, na adolescência, na fase adulta e, mesmo na fase madura, em

algum instante, de alguma forma, as pessoas criam relações emocionais e de raízes com

as suas cidades e têm, guardadas em suas memórias, alguma lembrança especial do lugar

onde moram ou moraram um dia. Não é impróprio e nem exagerado dizer que a cidade

está na alma das pessoas.

Mais do que uma simples hipótese, esta ligação entre alma e cidade pode ser

identificada através de vários aspectos. O primeiro deles se manifesta pela ideia de

reflexão. E isso está construído em nossas cidades sob a forma de piscinas, lagos, galerias,

sombras e janelas onde ocorrem reflexos. Ou seja, as pessoas precisam se enxergar nos

espelhos da cidade e, assim, perceber a sua alma presente no espaço urbano. Um segundo

aspecto está ligado à ideia de profundidade. Precisamos de níveis, tais como níveis de

iluminação ou de materiais contrastantes, para que possamos nos perceber e nos localizar

na cidade. Um terceiro ponto, que evidencia esta ligação entre alma e cidade, é que a alma

tende a ser imaginada por meio de imagens e símbolos. Sem imagens, corremos o risco

de perder o caminho. Isso acontece, por exemplo, nas ruas e nas estradas, através das

placas.

A alma precisa tanto de imagens que, quando não as encontra, elabora substitutos,

como os cartazes de rua e os grafites, por exemplo. Porém, um dos aspectos mais

importantes que explicam esta ligação da alma com as cidades é a ideia de que alma tem

a ver com memória emotiva. As pessoas transitam pelo território, de forma repetitiva ou

não, e, assim, criam uma identidade e uma relação com o lugar. Porém, mesmo que façam

isso de forma individual, não se pode pensar ruas, praças, avenidas, passeios, casas ou

prédios como elementos autônomos, mas como fatores de um conjunto. Ou seja, a cidade

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é resultado da atividade do conjunto que dinamiza suas estruturas e, a isso, denominamos

de contexto urbano.

É justamente esse contexto urbano que contribui para o significado da cidade.

Bem como, toda mudança no contexto implica alteração daquele significado. Isso ocorre

porque mesmo entendida como unidade de percepção, a cidade não é um dado, mas, sim,

um processo contextual onde tudo é signo, é linguagem. Ruas, avenidas, praças,

monumentos, edificações configuram-se como uma realidade sígnica que informa sobre

seu próprio objeto: isto é, o contexto. O elemento que aciona essa percepção global e

contínua, que estabelece seleções e relações em um repertório contextual é o usuário e o

uso é sua fala, sua linguagem. O uso é uma leitura da cidade na relação humana das suas

correlações contextuais. Logo, uma praça, por exemplo, só encontra seu espaço

contextual no momento em que é flagrada numa seleção de usos que lhe atribui

significado.

O mesmo vale para outros elementos do mobiliário urbano. O usuário processa a

leitura do mutante espaço contextual, ao mesmo tempo, que nele inscreve sua linguagem:

o uso que flagra e é flagrado na cidade. Isso faz com que cada indivíduo, através de sua

alma, de sua linguagem e de seu contexto, perceba no urbano, ao mesmo tempo,

imundícies e êxtases, atrações e repulsões. A justificativa para este fenômeno está no fato

de que, na cultura urbana, cada um comunica-se com edifícios, ruas, árvores, lojas,

pontes, cenários, ambientes etc, conforme seus próprios interesses, suas relações com o

território e da sua maneira.

Na verdade, a própria configuração do espaço urbano contribui para isso, pois a

paisagem urbana pode ser definida como a percepção individual, espacial e temporal da

composição de todos os seus elementos fixos (edificações, árvores, pavimentação, ruas),

semifixos (anúncios, comércio ambulante) e móveis (automóveis, pessoas). Todo esse

contexto urbano acaba tornando-se um locus dinâmico de atividades, exercidas por

pessoas, de acordo com suas necessidades sociais.

Quando se fala no contexto urbano, devemos analisá-lo através de dois pontos de

vista: primeiro, tomando como base uma categoria a quem denominamos de produtor,

que necessitará de equipamentos de infraestrutura, de informação, de inovação, de amplas

instalações. Em geral, quem ocupa este papel de produtor nas cidades são os gestores

públicos. O segundo ponto de vista diz respeito a quem classificamos como consumidor,

que usará o espaço fundamentalmente por questões de sobrevivência: o habitar e o

trabalho, mas que para tal necessita de equipamentos de lazer, oferecimento de

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determinados bens e serviços coletivos, de cultura etc. Este espaço, em que os indivíduos

acabarão conformando sua identidade e suas relações de poder, é definido como território.

Necessariamente, o território não possui fronteiras visíveis. Nem mesmo o processo de

formação territorial ocorre por meio de expressões concretas sobre o espaço. Pode haver,

inclusive, múltiplas territorialidades no mesmo espaço. Bem como os territórios podem

possuir um caráter cíclico, que varia com o tempo; móvel, que se desloca nos mais

diferentes espaços; ou que se organiza a partir de redes interligadas pelo fluxo de

informações ou contatos.

Tudo vai depender da relação dos indivíduos com o território e de que forma eles

percebem os artefatos e como eles os utilizam como mediadores na interação com outras

pessoas e seus ambientes físicos e sociais. Desta forma, passa-se a gerenciar o território

como um sistema-produto, tratando dos seus aspectos materiais e imateriais e gerando

sentido e valor para o espaço em si, os produtos e a cidade como um todo. Especialmente

quando há uma recriação do território ou intervenções urbanas que ressignifiquem este

espaço.

Especialmente na última década, uma quantidade bastante considerável de ações

e iniciativas coletivas passou a ocupar territórios como ruas, avenidas, praças, parques,

áreas verdes e terrenos vazios nas cidades. Os territórios ocupados por estas ações são

espaços públicos, muitas vezes, degradados ou esquecidos, com os quais não se criam

memórias afetivas e sem um uso maior dentro do contexto urbano. No máximo, são

territórios que se apresentam como um ponto ou marco nodal dentro da cidade. Todas

estas ações coletivas, desenvolvidas nestes territórios, tais como os food-trucks, espaços

móveis de comércio de alimentos; as novas perspectivas de ambiência, circulação e

interação de mensagens produzidas pelo coletivo e promovidas através de novos moldes

de sinalização e publicização destas mensagens; as intervenções artísticas; a criação de

hortas comunitárias; além de cursos livres, shows e teatros nas praças e nas ruas das

cidades, representaram uma ressignificação dos territórios, transformando-os em

sistemas-produto. Ou seja, procuram recriar as cidades construídas pelas almas dos

indivíduos, em resposta a uma profunda crise de desconfiança em relação aos

governantes, que não conseguem cumprir o seu papel estabelecido no contrato social e,

por consequência, gerar sentido e valor para os espaços públicos.

Com isso, a comunicação urbana produzida pelos usuários dos territórios e

veiculada no próprio mobiliário urbano, bem como a comunicação veiculada nas redes

sociais para gerar a mobilização social necessária e atrair os usuários para as ações

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desenvolvidas nos territórios, permite que as práticas sociopolíticas ganhem uma nova

dinâmica e uma intensividade e diversidade de processos. Ou seja, cria-se uma ruptura

com os tradicionais canais de comunicação nas cidades, tais como a grande mídia, que

escolhe de que parte da cidade quer falar e comunicar. O resultado destes novos processos

de midiatização nas cidades possibilita uma alteração nos regimes de expressão e de

interação sociopolítica, a partir de lógicas, operações e estratégias comunicacionais que

instalam na sociedade um novo regime de estruturação de vínculos. Desta maneira, estas

mídias e formatos alternativos de comunicação produzidos pelos usuários dos territórios

deixam de se constituir apenas como um campo e assumem um papel de reordenação, de

reorganização e de transformação na estrutura social e política.

Com base nisso, nosso estudo se enquadra no campo das metodologias

qualitativas, que são caracterizadas pela descrição, compreensão e interpretação de fatos

e fenômenos. Sendo ainda mais específico, as pesquisas qualitativas têm, por objetivo,

investigar o significado das relações humanas e sociais, tornando possível compreender

os fenômenos com dados não quantificáveis. Entre as opções de pesquisa existentes,

nossa escolha foi pela pesquisa exploratória e empírica, por convidar o pesquisador a

voltar o seu olhar para acontecimentos de práticas, processos e circuitos, na tentativa de

estabelecer um contato maior com a situação pesquisada, para descrever e perceber

fenômenos a ela relacionados.

Através da pesquisa exploratória e empírica, o objetivo deste estudo será o de

compreender de que forma é possível (e se é, de fato, possível) promover a ressignificação

destes territórios urbanos através de novos processos de midiatização. Para isso, como

corpus de pesquisa, serão analisadas cinco ações de ressignificação dos territórios: “Que

ônibus passa aqui”, um projeto de sinalização colaborativa de pontos de ônibus; “Passo a

passo”, um projeto de sinalização para informar a distância a pé até os principais pontos

da cidade e, com isso, tentar diminuir o trânsito de carros; “Paraíso do golfe”, para mostrar

o péssimo estado das ruas da cidade; “Dorme com essa”, uma coleção de frases famosas

de pessoas, promovendo questionamentos pelos muros, postes e tapumes na cidade; e “A

natureza recarrega”, um espaço móvel em que a pessoa pode sentar, descansar e

recarregar a energia do corpo e do celular.

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As relações e a virtualização das cidades através do aplicativo

UBER

Tiago Guimarães

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

Palavras-chave: cibercultura, cibercidade, mobilidade, virtualização

RESUMO EXPANDIDO

A computação ubíqua e sua onipresença no cotidiano das pessoas tem como

maior objetivo tornar comum, corriqueiro e simples o uso de computadores a ponto de

seus usuários não perceberem a sua presença (JANDL, 2011). Essa sensação de

invisibilidade das novas tecnologias permite uma introdução mais fluida de novos

serviços e/ou produtos que se fundamentam nesse aspecto. Além disso, a computação

ubíqua “deve possibilitar que os dispositivos detectem alterações em seus ambientes,

adaptando-se automaticamente e atuando conforme tais mudanças, considerando

também as preferências ou necessidades dos usuários” (JANDL, 2011 p.80).

Sendo assim, a computação móvel torna-se um dos maiores expoentes da

ubiquidade computacional. Dentro desse ecossistema, os aplicativos são os principais

protagonistas, oferecendo uma diversidade de serviços e facilidades para seus usuários.

É compreensível, portanto, que cada vez mais o mundo corporativo volte seus olhos

para o crescente movimento tecnológico apresentado, destacando-se, nesse aspecto, as

empresas chamadas de disruptivas. Christensen (2001) cunhou esse termo ao definir

organizações que originam novos mercados e modelos de negócio, apresentando

soluções mais eficientes do que as existentes, causando uma ruptura no mercado e

alterando suas bases de competição. Ao inovar o serviço de transporte particular a Uber

Technologies se tornou um dos grandes exemplos desse modelo de negócio.

Mas como se dá a relação e a comunicação entre motoristas e clientes do Uber e

seu aplicativo? A fim de tentar responder esta questão, propomos, neste artigo de caráter

bibliográfico e documental, analisar essas interações à luz das teorias de Lévy (1996,

1999), Negroponte (1995) e Lemos (2004, 2009), com base nas telas virtuais do

aplicativo e na usabilidade do serviço.

No momento em que se tornam parceiros do Uber, os motoristas da empresa

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iniciam uma relação virtual com a organização e seu aplicativo. Desde sua relação

trabalhista até a troca de informações, para sua melhor produtividade e execução de

tarefas (pegar e largar passageiros com maior eficiência), se dá a partir do ciberespaço

pela virtualização de dados (LÉVY, 1996;1999).

Para Lévy (1999, p.12), a virtualização é “um processo de transformação de um

modo de ser num outro”. Distanciando dos conceitos do virtual como falso, ilusório ou

imaginário, assim como sua empregabilidade para definir a ausência de existência “a

virtualização é a dinâmica mesma do mundo comum, é aquilo através do qual

compartilhamos uma realidade” (LÉVY, 1996 p.148).

Ao problematizar a distinção entre átomos e bits, Negroponte (1995) flerta com

os conceitos de virtualização apontados por Lévy (1999). Para o autor, a matéria formada

por átomos se diferencia daquilo que é virtual, traduzido de maneira binária (zero e um)

pelos bits (NEGROPONTE, 1995).

Sendo assim, ao instalarem o aplicativo do Uber em seus smartphones e ativá-lo,

tanto o motorista quanto o passageiro passam a transmitir uma variedade de subsídios

para o sistema, como seus dados pessoais, sua localização e trajeto a ser percorrido, sem

precisarem interagir diretamente com o aplicativo para cada uma dessas informações.

Existe, portanto, diversas camadas nessa relação e o usuário “não precisa conhecer a

complexidade subjacente ao aplicativo que está manipulando ou a heterogeneidade da

rede que percorre” (LÉVY, 1999 p.43).

Levando em consideração que “os processadores disponíveis tornam-se, a cada

ano, menores, mais potentes, mais confiáveis e mais baratos” (LÉVY, 1999 p.33), a

acessibilidade à tecnologias e serviços como os oferecidos pela empresa Uber fora

amplificada. Essa disseminação do uso de smatphones possibilita uma maior cultura da

mobilidade. Como explica Lemos (2009, p.29), “com a atual fase dos computadores

ubiquos, portateis e moveis, estamos em meio a uma ‘mobilidade ampliada’ que

potencializa as dimensões física e informacional”.

As mídias de geolocalização, em que o aplicativo Uber se insere, são “serviços e

tecnologias baseadas em localização onde um conjunto de dispositivos, sensores e redes

digitais sem fio e seus respectivos bancos de dados agem informacionalmente de forma

‘atenta’ aos lugares” (LEMOS, 2009 p.33). Existe, dessa forma, uma relação dinâmica

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entre os smatphones (tanto do cliente, como do motorista), suas informações transmitidas

e suas localizações a partir de trocas infocomunicacionais contextualizadas (idem, ibdem).

Ao categorizar a relação entre os participantes da comunicação, Lévy (1999)

designa três grandes conjuntos de dispositivos comunicacionais, são eles: um-todos, um-

um, todos-todos. A primeira compreende os meios de comunicação de massa, como a

imprensa, o rádio e a televisão, em que um emissor central envia suas mensagens a um

grande número de receptores passivos e dispersos. A segunda categoria é de reciprocidade

entre os interlocutores, mas apenas para contatos de indivíduo a indivíduo ou ponto a

ponto, como ocorre em ligações telefônicas ou troca de mensagens entre dois pontos. Por

fim, “o ciberespaço torna disponível um dispositivo comunicacional original, já que ele

permite que que comunidades constituam de forma progressiva e de maneira cooperativa

um contexto comum” (LÉVY, 1999 p.63), esse dispositivo é chamado de todos-todos.

A partir das categorias de dispositivos comunicacionais expostas por Lévy (1999),

pode-se propor uma nova relação entre os participantes ativos do Uber: todos-um/um-

todos. Como pode ser visto na Figura 1, em um primeiro momento todos os usuários

(motoristas e clientes) transmitem suas informações de localização e dados pessoais para

o aplicativo. Posteriormente, com todas as informações digitalizadas, o aplicativo

transmite aquilo que é relevante para cada usuário de forma massiva.

Figura 1 - Relação todos-um/um-todos

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Fonte: O autor (2016)

Essa nova relação, possibilitada pelo uso e disseminação dos smartphones,

amplifica a cultura da mobilidade e fortalece o conceito de cibercidade proposto por

Lemos (2004), que compreende cidades nas quais há um avanço na infraestrutura de

telecomunicações e tecnologias digitais.

No entanto, as cibercidades não devem ser interpretadas como a criação de uma

nova cidade em detrimento das existentes. Pelo contrário, deve-se “reconhecer a

instauração de uma nova dinâmica de reconfiguração que faz com que o espaço e as

práticas sociais das cidades sejam reconfiguradas com a emergência das novas

tecnologias de comunicação e das redes telemáticas” (LEMOS, 2004 p.21). Assim, o

espaço urbano não é suprimido pelo ciberespaço, mas ambos se encontram em uma

dinâmica relação de trocas comunicacionais e de transporte através da ação à distância e

da ação local, proporcionada pela infraestrutura tecnológica. Sendo assim, “as

cibercidades devem potencializar trocas entre seus cidadãos e a ocupação de espaços

concretos da cidade real, ao invés de ser uma simples substituição” (LEMOS, 2004 p.22).

Através da transmissão de dados e sua virtualização as cibercidades se constituem

em um espaço eletrônico onde trafegam bits e bytes (MORAES in LEMOS, 2004). É

através das “interfaces” dos aparelhos utilizados que se permite a interação entre o

universo da informação digital e o mundo corriqueiro (LÉVY, 1999). Dessa forma, a

cibercidade, segundo Morais (in LEMOS, 2004),

[...] deve reivindicar uma “narrativa” da cidade e não sua transposição literal

ou espacial. A cibercidade é uma descrição/narração onde os olhos não vêm

coisas, mas simulações de quase-objetos; ícones e símolos gráficos como

praças, ruas, monumentos. (MORAIS in LEMOS, 2004 p.30)

Sendo assim, através de sua interface, o aplicativo Uber apresenta para seus

usuários uma narrativa da cidade em que está inserido. É através dos dados gerados por

inúmeros motoristas em constante deslocamento e clientes ativos que pode ser vista em

sua tela uma representação simbólica do contexto da cidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHRISTENSEN, Clayton M. O Dilema da Inovação - Quando as Novas Tecnologias

Levam Empresas ao Fracasso. São Paulo: Saraiva, 2012.

JANDL JUNIOR, P.. Computação, Ubiquidade e Transparência. Revista Ubiquidade,

v. 1, p. 8, 2011.

LEMOS, Andre. Cibercidades: Um modelo de inteligência coletiva. In: LEMOS,

Andre (Org.). Cibercidade: A cidade na cibercultura. Rio de Janeiro: E-Papers

Serviços Editoriais, 2004.

______________. Cultura da Mobilidade (2009). Disponivel em:

http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/6314/

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LEVY, Pierre. Cibercultura. Sao Paulo: Ed. 34, 1999.

__________. O que e o virtual? Sao Paulo: Ed. 34, 1996.

MORAIS, Patrícia Barros. Propostas e desafios nas cidades digitais. In: LEMOS,

Andre (Org.). Cibercidade: A cidade na cibercultura. Rio de Janeiro: E-Papers

Serviços Editoriais, 2004.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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