39
O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO NA SUA RELEVÂNCIA PARA OS DIREITOS SOCIAL, FINANCEIRO E FISCAL RITA CALÇADA PIRES Citação como: PIRES, Rita Calçada. O que é a inovação social? Aproximação ao conceito na sua relevância para os Direito Social, Financeiro e Fiscal. Paper n.º 1/BD/iLab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/artigos-dogmaticos/ Paper n.º 1/BD/iLab/Cedis/2015 Setembro de 2015

O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

 

     

       

             

O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL?

APROXIMAÇÃO AO CONCEITO NA SUA RELEVÂNCIA PARA

OS DIREITOS SOCIAL, FINANCEIRO E FISCAL

RITA CALÇADA PIRES

Citação como: PIRES, Rita Calçada. O que é a inovação social? Aproximação ao conceito na sua relevância para os Direito Social, Financeiro e Fiscal. Paper n.º 1/BD/iLab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/artigos-dogmaticos/

       

Paper n.º 1/BD/iLab/Cedis/2015  

Setembro de 2015  

Page 2: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

2  

O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO NA SUA RELEVÂNCIA PARA OS DIREITOS SOCIAL, FINANCEIRO E

FISCAL

WHAT IS SOCIAL INNOVATION? UNCOVERING ITS RELEVANCE FOR SOCIAL, FISCAL AND TAX LAW

RITA CALÇADA PIRES1-2

RESUMO

A inovação social surge contemporaneamente como uma figura presente na narrativa política, na linguagem económica, tanto quanto se evidencia na construção normativa. Compreender o que é a inovação social e quais as implicações para o Direito Público, em especial nas áreas do Direito Social, Financeiro e Fiscal é o objectivo do presente estudo. Trabalha-se a conceptualização da inovação social para identificar os espaços em que é necessário o Direito investigar, normativizar e regular. Demonstra-se que a inovação social tem profundo impacto nos modelos de governação pública, nos conteúdos e formas exigidas ao Estado Legislador nas áreas financeira, fiscal e social, bem como no tipo de Estado Regulador a que conduz, enfatizando-se, ainda, a influência que a inovação social pode ter na revitalização do Estado Social. PALAVRAS-CHAVE: Inovação Social; Direito; Finanças Públicas; Fiscal; Social; Segurança Social

ABSTRACT

Nowadays social innovation is part of the political narrative, of economic language and is also present on Law. Understanding what social innovation is and its implications for Public Law, specially for Social Law, Public Finances and Tax Law is the main goal of this study. It starts with the social innovation concept in order to identify where Law has to research, to legislate and to regulate. It establishes that social innovation has an impact on public government models and on contents and forms demanded to the Legislator - mainly on social, financial and taxation areas. The study also calls for the impact that social innovation can have, on how control of social value is made and how social innovation can establish a connection and influence the revitalization of the Social/Welfare State. KEY-WORDS: Social Innovation; Law; Public Finances; Taxation; Social Security

                                                                                                               1 Doutora em Direito. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Coordenadora e Investigadora do iLab – Laboratório de Ideias sobre a Inovação Social nos domínios financeiro, tributário, da seguranças social e da economia social, pertencente ao CEDIS - Centro de Investigação & Desenvolvimento em Direito e Sociedade. Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa – Campus de Campolide, 1099-032 Lisboa. [email protected] 2 Por vontade da autora, o texto é escrito utilizando o Acordo Ortográfico de 1945

Page 3: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

3  

ESQUEMA DO ESTUDO

1. Explicar para provocar reflexão... 2. Inovação Social: a difícil definição de um conceito

multidimensional ainda em construção 3. A separação conceptual da construção económica do

conceito: inovação tecnológica vs inovação social 4. Identificação dos elementos essenciais ao conceito de

inovação social 5. Cultura de inovação como marca distintiva do agora: da

necessidade à oportunidade. Compósito da Sociedade do Conhecimento

6. Iniciar o diálogo: a inovação social e a sua intrínseca relação com o Direito Social e com o Direito Financeiro e Fiscal

6.1. O significado de Inovação Social para o modelo de governação pública 6.2. O significado de Inovação Social para o Estado Legislador 6.3. O significado de Inovação Social para o Estado Social 6.4. O significado de Inovação Social para o Estado Regulador

1. Explicar para provocar reflexão... O olhar mais tradicional certamente não concede, ao menos de modo imediato e

reflexivo, a inovação social como o motor central de uma investigação jurídica,

sobretudo no que se refere aos domínios financeiros públicos. Porém, o ponto de partida

do iLab é precisamente esse: assumir o desafio de reconhecer a inovação social como

um elemento nuclear na forma como o Direito Público, em especial o Direito Financeiro

Público, o Direito Fiscal3 e o Direito Social4, constrói a sua presença na sociedade e

reflecte a realidade contemporânea.

A justificação está no reconhecimento do que é hodierno. Quantos de nós não ouviu

                                                                                                               3 No presente texto a expressão Direito Financeiro Público é utilizada para incorporar a lógica jurídica das finanças públicas. A referência incorpora, assim, o domínio fiscal, assumido este como um dos ramos de Direito que estuda um dos tipos de receitas públicas, os impostos. Todavia, uma vez que o trabalho do iLab implica uma abordagem especializada também na área fiscal, o Direito Fiscal surge como referência autónoma, a par do Direito Financeiro Público. 4 Ao longo do presente estudo, a expressão Direito Social é utilizada como ramo jurídico que trabalha a área social nos seus domínios públicos, i.e., partindo dos direitos sociais, em especial do direito à segurança social, assume as políticas públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo de Bem-Estar, onde o Estado, em relação activa e participativa com os privados e com os agentes sociais (Economia Social), desenvolve as respostas sociais necessárias à realização dos direitos sociais. Ou seja, referenciar Direito Social implica, necessariamente referir o sistema público de segurança pública, mas igualmente a presença dos agentes da Economia Social, assumidos como elementos de um sector que incorpora a concretização das políticas sociais, em parceria ou autonomamente, em face do Estado.

Page 4: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

4  

falar em inovação e em criatividade como necessidades do nosso tempo e premências

para o nosso espírito? Quantos não encontram expressões repetitivas, quer nas

palavras dos governantes, quer nos meios de comunicação social, quer nas redes

sociais, quer na publicidade, invocando a necessidade de mudar e de sermos nós

também os responsáveis por essa mudança? Seja em que modelo de acção pública ou

privada, a sociedade que habitamos demonstra, crescentemente, a presença do

imediatismo e a premente busca de soluções inovadoras, soluções que sejam capazes de

acompanhar o nascimento de novas realidades e de novas necessidades económicas e

sociais, satisfazendo-as e não gerando acumulação de problemas estruturais de impacto

sócio-económico. Seja em resposta à crise financeira, económica e social, seja no

rescaldo desta. É essa percepção que traz a necessidade de procurar estimular a

resposta oferecida pelos domínios jurídico, económico e social, sendo crucial investigar

esta realidade, tendo por base um modelo integrado e sistematizado. Este é o motor de

arranque do iLab.

E porque uma investigação séria e profunda constrói-se ao ritmo de uma maratona e

não de um sprint, este é o primeiro de uma série de estudos e reflexões que almejam

enquadrar a dinâmica da inovação social na academia jurídica. Com a natural e

imprescindível base interdisciplinar, reconhecendo a necessidade de o Direito se

envolver com outras áreas do saber, mesmo que sem o domínio completo das mesmas.

E porque ainda inicial, esta aproximação revela que os trabalhos a apresentar não se

assumem como uma investigação que esgota os temas. São trabalhos em progresso,

numa lógica de descoberta das novas relações do Direito com as ciências circundantes e

com as temáticas em que a sociedade impõe uma resposta jurídica, sob pena da missão

de regulador da sociedade não ser cumprida.

É por isso que este estudo se assume como um princípio de discussão, aberto ao diálogo

e ao crescimento conceptual. E é o primeiro de uma série de estudos que, numa

tentativa de estabilização axiológica e dogmática, procura revelar a base do trabalho do

grupo de investigação. Tal assume-se como necessário por forma a compreender a ratio

e a direcção que a investigação pretende efectuar ao longo dos anos vindouros. A

seriedade científica do projecto impõe-no.

E tentando apresentar, num breve parágrafo, o objectivo último da investigação do

Page 5: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

5  

iLab, invoca-se o apresentado no website do grupo5: o objectivo da investigação nas áreas identificadas – financeira, tributária, segurança social e economia social – passa por reflectir sobre os novos modelos de intervenção pública e pela forma como os instrumentos tradicionais podem ser readaptados, reconstruídos ou substituídos por modelos inovadores de intervenção económica, financeira e social, capazes de satisfazer novas necessidades e de evidenciar inovação nos instrumentos de política pública.

Explica o porquê de pensar e de tentar apreender a conceptualização do que é a

inovação social e do que implica para o sistema jurídico.

2. Inovação Social: a difícil definição de um conceito multidimensional ainda em construção

Ao serem procuradas as raízes históricas sobre o conceito de inovação social é comum

encontrar referências a Max Weber e a Emile Durkheim, nos domínios sociológicos, e a

Joseph Schumpeter, nos domínios económicos.6 Enquanto para os dois primeiros a

inovação social é assumida como realidade conexionada à organização do trabalho e da

sociedade, Schumpeter promove a relação entre inovação social e mudança estrutural

na organização da sociedade, cabendo um papel determinante ao empreendedor que é,

de facto, para o autor, o condutor do desenvolvimento.7-8 Historicamente é ainda

possível encontrar referência à inovação social enquanto sistema fundado na

solidariedade e na reciprocidade, baseado na dinâmica desenvolvida pelos actores da

Economia Social que promovem e desejam a mudança, tal como Robert Owen e

Proudhon a encaravam.9 Contudo, a construção da inovação social no desenho que hoje

lhe é comummente concedido inicia o seu processo nos anos 90 do século XX, fruto do

contexto económico e social de então, reafirmado com a(s) crise(s) financeira(s) e

económica(s) subsequente(s).10

                                                                                                               5 http://ilab.cedis.fd.unl.pt 6 Hillier Jean et al., Trois essais sur le rôle de l'innovation sociale dans le développement territorial, ! pág. 131  7 Cfr. Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 31 e ss 8 Sobre o pensamento de Schumpeter e a sua interpretação possível, e.g. Dennis Harrisson, L’innovation sociale et l’entrepreneur schumpétérien : deux lectures théoriques 9 Cfr. Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 31 e ss 10 Sobre as abordagens ao conceito de inovação social cfr. ainda trabalho do iLab, de Jorge de Sá, Inovação Social, Capital Social E Desenvolvimento , disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/base-dogmatica/

Page 6: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

6  

O BEPA11, no seu relatório de 201112, refere que os anos 90 permitiram um

alargamento do conceito de inovação social, potenciando uma reconfiguração do

sentido actualmente atribuído. Se, por um lado, se destacam aspectos como o

desenvolvimento tecnológico e seu impacto no mercado laboral, bem como a crescente

polarização entre sector público-antiquado e sector privado-dinamizado, enfatizando a

maximização dos efeitos com as sucessivas crises que, embora tragam menos

disponibilidades financeiras públicas, revelam aumento das necessidades sociais e por

isso da inovação social, por outro lado, reconhece-se que, desde o final do século XX, se

assiste à propagação de modelos de acção em rede e em lógicas de cooperação, contendo

em si abertura para mudança de paradigma, sendo essa realidade reveladora de um

processo inovador.13 E quando procura explicar a mudança conceptual, não por acaso

surge no citado relatório a invocação de dois autores que persistentemente aparecem

na revisão de literatura como nomes que impulsionaram o estudo da inovação social:

Nussbaumer e Moulaert. Estes autores defendem um conceito lato de inovação social,

um conceito que permite adaptação à realidade de mutações constantes que vivemos,

tanto quanto permite olhares diferentes, consoante os actores envolvidos no processo.

Aliás, já em 2004, HILLIER, MOULAERT e NUSSBAUMER defenderam, após um exercício de

revisão da literatura científica sobre o tema, um conceito multidimensional de inovação

social.14 E se é certo que a referida multidimensionalidade oferece a possibilidade de

albergar as variadas abordagens, efectuadas pelos diferentes ciências, o facto é que tal

gera um conceito algo indeterminado. Como POL e VIILE afirmam, a inovação social é um

                                                                                                               11 Bureau of European Policy Advisers 12 Cfr. Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 31 a 33 13 No relatório citado não se apresentam, de modo completo, os elementos que, ao longo do final do milénio passado, foram geradores da mudança. A indicação é algo simplista, é certo. Contudo, não é esse o escopo do presente trabalho, não havendo aqui espaço para trabalhar as dinâmicas de mudanças da sociedade contemporânea, identificando-as e explicando-as. Sobre esta temática seria necessário trabalhar profundamente o pensamento de autores como Manuel Castells, Joseph Stiglitz, Thomas Friedman, Anthony Giddens, Alvin Tofler, Gilles Lipovetsky ou Mireille Delmas-Marty, para invocar apenas alguns nomes que, em várias áreas do saber, reflectiram sobre o fenómeno da globalização e seus impactos nas estruturas sociais, económicas e políticas. Contudo, não se pode deixar de identificar os aspectos evidenciados no relatório citado – relatório promovido pela Comissão Europeia - como elementos conducentes à mudança e à necessidade de revigorar e reconstruir o conceito de inovação social. Foi aquilo que a narrativa política europeia aceitou por bem evidenciar. 14 “ ... une recension des écrits sur le thème depuis les années 1990 apporte les éléments analytiques nécessaires pour construire une définition multidimensionnelle de l’innovation sociale, en liant le lancement d’idées créatives à des actions innovatrices, ou des changements organisationnels à des initiatives individuelles, y compris en termes de leadership, en montrant également la dialectique entre l’histoire et le changement contemporain, ou encore le besoin de transformation de dynamiques de gouvernance à plusieurs échelles de la société. Hillier Jean et al., Trois essais sur le rôle de l'innovation sociale dans le développement territorial, ! pág. 134

Page 7: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

7  

termo que quase todas as pessoas gostam, mas que ninguém está absolutamente certo

do que significa.15-16

É por isso necessário ter em atenção as direcções assumidas pelos trabalhos científicos

sobre o que se entende por inovação social. E da revisão de literatura efectuada por

vários estudos parece resultar, em traços gerais:

• a consciencialização de que a temática da inovação social tende a ser

trabalhada de modo diferente consoante a área do investigador e os

objectivos desse saber;

• não é comum encontrar um tratamento integrado e completamente

sistematizado da temática.

No que se refere ao primeiro aspecto verifica-se uma ocupação científica do tema

sobretudo por parte da Gestão e da Economia, da Sociologia e da Psicologia, das

Ciências Artísticas e da Criatividade e, finalmente, por parte da Ciência Política.17 Tal

delimitação faz caracterizar a investigação da inovação social como um domínio

emergente, ainda mal conhecido, que carece de múltiplas abordagens,

aprofundamentos e descobertas, atendendo a que se apresenta como realidade alargada

que se conexiona com múltiplas áreas, não estando tal relação amplamente

investigada.18

                                                                                                               15 Eduardo Pol e Simon Ville. Social Innovation: Buzz word or enduring term?, pág. 881 16 Explorando a dinâmica conceptual da inovação social e procurando retirar pesos inadequados que afectam a construção de um conceito científico objectivo, cfr. Jonathan D. Linton, De-babelizing the language of innovation. Technovation, n.º 29, 2009, pág. 729-737. Sobre a temática linguística e o seu impacto conceptual, cfr do iLab o artigo de Rosalice Pinto, A raiz linguística da inovação social e o seu impacto na sociedade global: a base para a aproximação por parte do sistema jurídico Paper n.º 3/BD/iLab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/artigos-dogmaticos/ 17 Sobre o tema, e como forma de compreender as reflexões congregadoras de cada objectivo de cada uma destas áreas de saber, apreendendo as bases de como a inovação social é trabalhada pela doutrina, cfr. e.g. Hillier Jean et al., Trois essais sur le rôle de l'innovation sociale dans le développement territorial, ! pág. 132 a 137; Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 31 a 33; Anderson Sasaki Vasques Pacheco; Maria João Santos; Karin Vieira da Silva. Social Innovation: a bibliometric research 18 “This is because social innovation is an emerging field; it remains ill-understood and poorly researched in comparison to its counterparts in business, science and technology. Much of the literature on social innovation draws from economics (especially around public finance); management studies (especially in the US); business and technology innovation (especially with regards to knowledge diffusion and the process of innovation); and social anthropology, sociology and politics (especially as relates to social movements and power). In part this is because social innovation does not have fixed boundaries; it cuts across all sectors (the public sector, private sector, third sector and household) and cuts across fields as diverse as energy, health and housing.” Young Foundation, Study on Social Innovation, A

Page 8: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

8  

Porém, é também desta diversidade e das ausências de tratamento detectadas que se

abre a discussão sobre se será possível, necessário e até recomendável a construção de

uma Teoria Geral da Inovação Social, questão crucial para compreender a segunda das

conclusões há pouco apresentadas: não ser comum encontrar um tratamento integrado

e completamente sistematizado da temática. Igualmente na resposta a esta questão se

encontra divergência. Se há quem defenda a possibilidade e a necessidade, há

igualmente quem o rejeite. HEISKALA e HÄMÄLÄINEN defendem que a construção de uma

Teoria Geral da Inovação Social é algo premente, sobretudo se se pretende maximizar o

seu papel de motor das mudanças sistemáticas. Assumem os autores que essa é uma

tarefa que deveria ser considerada pelas ciências sociais, pois seria uma ferramenta

fundamental para auxiliar o desenho e a execução das políticas públicas.

Fundamentam a sua posição no facto de a inovação social envolver, em todas as suas

potencialidades, dimensões e acções, um processo colectivo de acção e aprendizagem

que determina a possibilidade de evidenciar aspectos gerais partilhados.19-20 Já outros

pretendem enfatizar que a variedade e a multiplicidade de dinâmicas, ritmos e lógicas

contidas na inovação social não abonam a favor de uma Teoria Geral que seja capaz de

conter, unificadamente, a variedade que a caracteriza.21

Independentemente da aceitação e da defesa da edificação de uma Teoria Geral da Inovação Social, o certo é que há uma potencialidade inequívoca de alargamento do

estudo e construção por parte de outras ciências que não as classicamente

dominantes. 22 O Direito tem aqui inegável espaço de acção. A este propósito,

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               paper prepared by the Social Innovation eXchange (SIX) and the Young Foundation for the Bureau of European Policy Advisors, pág. 14 19 “We believe that it is possible to develop a general theory of social innovation which could be applied at various analytical levels because, at their core, all social innovations involve collective learning processes of human communities. […] Despite their different theoretical approaches and institutional contexts, the empirical similarities between our case studies suggest that the possibility of a general theory should be taken seriously in social sciences. Such a theory would be a real breakthrough in social sciences as well as private and public policy making.” Risto Heiskala and Timo J. Hämäläinen. Introduction: Historical transformation challenges established structures, pág. 2 20 Igualmente assumindo a existência e a possibilidade de construir uma Teoria sobre a Inovação Social, o livro de Hans-Werner Franz, Josef Hochgerner e Jurgen Howaldt (Ed.), Challenge Social Innovation. Potentials for Business, Social Entrepreneurship, Welfare ans Civil Society apresenta um capítulo intitulado On Social Innovation Theory, págs. 17 a 104 21 Young Foundation e Social Innovation eXchange, referenciado por Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 32 22 Sobre algumas potencialidades, cfr. Report BEPA, Social Innovation. A decade of change, pág 9, referindo, e.g. os transportes e a mobilidade como áreas de potencial inovação com forte impacto social, a inovação no sector de auxílio humanitário, bem como refere a necessidade de melhorar o conhecimento sobre inovação social e sua investigação,

Page 9: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

9  

procurando apresentar os espaços de abertura ao saber jurídico, retomarei a questão

no ponto 6 do presente estudo.

3. A separação conceptual da construção económica do

conceito: inovação tecnológica vs inovação social A temática da inovação é algo reconhecido no domínio económico. A expressão

inovação tecnológica tem sido o termo utilizado para caracterizar o fenómeno no

domínio empresarial e económico em geral. Não tendo este estudo a pretensão de

analisar a temática da inovação numa visão holística, mas antes alinhar os aspectos

essenciais à compreensão da inovação social e a sua relação com o Direito, surge, ainda

assim, a necessidade de invocar a inovação tecnológica para se atender à presença de

dois espaços distintos, ainda que relacionados.

É curioso encontrar nas leituras efectuadas a indicação de que, em muita ciência

económica, defende-se que o aparecimento da inovação social é feita a partir da

inovação tecnológica. Ou seja, o olhar económico tende a assumir a criação de valor

social como decorrência natural da inovação no domínio económico. Porém, SIMON

KUZNETS23 parece ter sido um autor crucial no alerta para a necessária distinção de

espaços entre a inovação tecnológica e a inovação social, enfatizando o facto de nem

todas as inovações tecnológicas gerarem inovação social, demonstrando que as

inovações sociais também têm o seu espaço de acção autónomo, para lá do espaço

integrado e articulado com a inovação tecnológica.24 O que daqui resulta é uma relação

de espaços comuns, integrados, partilhados, mas igualmente de espaços individuais e                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                plataformas e redes de investigadores nas áreas da educação, da cultura, da saúde, do consumo, da comunicação e da tecnologia. 23 Simon Kuznets, em 1972, apresentou um estudo onde expressamente abordava o papel da inovação no crescimento económico, distinguindo, através dos resultados provocados, as inovações tecnológicas das inovações sociais. No quadro da sua construção de um pensamento que articula os factores conducentes ao crescimento económico e ao combate da desigualdade, um dos aspectos que enfatiza é a relação que pode haver de influência entre esses dois tipos de inovação, referindo que as inovações tecnológicas podem precisar de ajustamentos complementares para poderem efectivamente ocorrer. E precisamente alguns desses ajustamentos mais necessários implicam a acção nas instituições legais e sociais, desenhando, assim, também múltiplas inovações legais e sociais, na expressão utilizada pelo prémio Nobel. Defende Kuznets, assim, que o caminho para o crescimento económico está na interligação entre as inovações tecnológicas e as inovações sociais. Ou seja, para o economista a inovação social é iminentemente vista numa perspectiva institucional e, por tal, compreende-se que igualmente refira a importância imensa que os decisores públicos têm na construção dessa inovação social, por ser a partir dos Governos que o quadro normativo e de acção tem ocorrer. Em relação a este aspecto, deixar a nota da discutibilidade da aposta numa lógica top-down em detrimento de um modelo bottom-up, pelo menos em relação com todo o processo de criação da inovação social globalmente considerado. Cfr. o ponto 6 do presente estudo para mais desenvolvimentos. Cfr. Simon Kuznets. Innovations and Adjustments in Economic Growth, especialmente págs. 440 - 443 24 Sobre a temática e num tratamento mais contemporâneo, cfr, e.g., Cagri Bulut, Hakan Eren e Duygu Seckin Halac, Which One Triggers the Other? Technological or Social Innovation

Page 10: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

10  

autónomos. A noção de que o conceito de inovação tecnológica não alberga toda a

dinâmica de impacto social e de que a inovação social deve ser dessa autonomizada é

algo que deve ser assumido, por forma a não se construir a partir de premissas não

reveladoras da realidade efectiva. O esquema proposto por POL e VIILE 25 demonstra

bem a ideia aqui expressa: a inovação social pode ser uma consequência da inovação

económica, a inovação social pode abrir espaços para o desenvolvimento de uma

inovação económica, porém espaços autónomos igualmente existem e são esses espaços

autónomos que demonstram a necessidade de compreender as características

diferenciadas e específicas da inovação social, concedendo-lhe o tratamento distinto

devido.

 Esquema  1  -­‐  Relação  entre  Inovação  Social  e  Inovação  Tecnológica  

apresentada  por  Eduardo  Pol  e  Simon  Ville,  Social  Innovation:  Buzz  word  or  enduring  term?  pág.  884 Inclusivamente a diferenciação de finalidades lucrativas e não lucrativas pode auxiliar

a compreender a realidade agora exposta. POL e VIILE deixam-no subentendido quando

invocam a lógica da Qualidade de Vida/Bem-Estar da Sociedade, do lado da inovação

social, por oposição ao carácter lucrativo das novas ideias, do lado da inovação

tecnológica.26

                                                                                                               25 Eduardo Pol e Simon Ville. Social Innovation: Buzz word or enduring term?, pág. 884 26 Os autores defendem ser a inovação social apenas inovação social se a finalidade for o aumento da qualidade de vida numa perspectiva macro. Ou seja, defendem que a inovação social não tem o dever de aumentar, em concreto, individualmente, a qualidade de vida de determinado cidadão (qualidade de vida micro), mas antes e somente aumentar

Page 11: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

11  

Porém, a separação entre fins lucrativos e fins não lucrativos, entre fins económicos e

fins sociais, entre valor económico gerado e valor social construído, assume

crescentemente aspectos delicados que dificultam, inequivocamente, o tratamento

científico e legal das figuras individualmente.

Um primeiro exemplo de conceito legalmente desenvolvido e crescentemente assumido

na narrativa política que demonstra esta intersecção da dinâmica económica com a

social é o do desenvolvimento sustentável. Neste conceito o esbatimento das fronteiras

entre economia, social e ambiente é um facto incontornável, pois a promoção de

soluções sustentáveis implica a assunção integrada dos três domínios.27

Contudo, naquilo que agora releva, um segundo exemplo de conceito, também

legalmente desenvolvido e crescentemente assumido pela narrativa política,

designadamente a europeia, é necessário invocar para relevar o entrosamento das

realidades económica e social e o surgimento das realidades híbridas: Economia Social

de Mercado.28 Refiro-me, assim, às intersecções possíveis e crescentes entre economia

e aspectos sociais, aquelas que esbatem as diferenças e aproximam essas realidades,

tornando-as híbridas. Precisamente algo com que o Direito tem de se relacionar

crescentemente, em todas as suas áreas de acção, e que coloca em causa os paradigmas

e os instrumentos tradicionais disponíveis, gerando pressão para a assunção de novos

paradigmas e para a criação de novos instrumentos jurídicos capazes de lidar com

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               o número de opções possíveis para o todo social, permitindo alargar e tornar efectiva a maior possibilidade de escolhas, ainda que essa não seja aferível, individualmente (qualidade de vida macro). Para mais desenvolvimentos, cfr. Eduardo Pol e Simon Ville. Social Innovation: Buzz word or enduring term?, especificamente pág. 882 27 Sobre Desenvolvimento Sustentável e a caracterização integrada dos três domínios, cfr., e.g. ONU, Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future; ONU, Resolução A/RES/55/2 8 de Setembro de 2000 – Declaração do Milénio - apenas como indicação inicial e geral, tendo por base documentos internacionais assumidos como dinamizadores na matéria. Sobre a relação do desenvolvimento sustentável e a inovação social cfr., e.g., Nigel John Roome, Sustainable Development: Social Innovation at the Interface of Business, Society and Ecology e Mathias S. Fifka e Samuel O. Idowu, Sustainability and Social Innovation 28 A designação Economia Social de Mercado tem uma conotação histórica com a Alemanha do pós-segunda guerra mundial e a renovação social e económica necessária, tendo por base as construções não totalmente convergentes de Alfred Muller-Armack e do Ordoliberalism de Eucken, Rustow e Bohm (cfr. análise simplificada em Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, págs. 17 e 18). Contudo, a União Europeia absorveu conceito e está a desenvolvê-lo como uma das respostas à crise. Observe-se o artigo 3.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia (A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico. – sublinhado pessoal) e a presença dominante quer na Comunicação Europa 2020 - COM (2010) 2020 - quer a Comunicação que estabeleceu a estratégia de revitalização e desenvolvimento do Mercado Único - COM (2011) 206, Acto para o Mercado Único.

Page 12: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

12  

estas realidades, caracterizadas como ambíguas se utilizarmos o código clássico de

compreensão do jurista. Tal evidencia que, para o Direito tratar a inovação social

correctamente, compreendendo-a e activando os mecanismos necessários à sua

protecção e promoção, é fundamental absorver a realidade em que essa se envolve e

estar alerta para as interdisciplinariedades naturais que o conceito em si alberga.

O caminho está ainda por percorrer.

Não é, por tal, de estranhar que HILLIER, MOULAERT e NUSSBAUMER29 tenham afirmado

que a teorização da inovação esteja monopolizada pelas ciências da gestão, da economia

e da sociologia da organização, conferindo-se, ainda, um papel predominante à inovação

tecnológica, o que deve ser alterado, por forma a conceder espaços autónomos e

necessários ao desenvolvimento da reflexão sobre a inovação social. Ao fim e ao resto,

as finalidades da inovação social são objectivos centrais da renovação sócio-económica

que hoje atravessamos. E o Direito tem um importante papel quer reflectindo a imagem

quer operando o contexto da transformação.

4. Identificação dos elementos essenciais ao conceito de inovação social

A identificação de uma definição de inovação social não é simples. Do atrás exposto

compreende-se já esta afirmação como sendo uma evidência. Não apenas para tal

contribui o facto de a investigação em inovação social não ser longínqua e estar

espraiada por uma multiplicidade de áreas que ainda começam a congregar a realidade

e as suas problemáticas, todas com o seu olhar específico30 e em processo de conquista

do diálogo interdisciplinar necessário, como acrescendo à infância da investigação na

área, a linguagem utilizada não é, em si, unânime e não parece existir nem um modelo

                                                                                                               29 Hillier Jean et al., Trois essais sur le rôle de l'innovation sociale dans le développement territorial, ! pág. 132 – “débat sur l’innovation dans les sciences économiques, discipline qui, en interaction avec la gestion et la sociologie de l’organisation, a monopolisé la théorisation de l’innovation dans les entreprises…” […] “…. cette vision canonise le rôle prédominant de l’innovation technologique. Mais le progrès dans l’économie de l’innovation, allant des modèles épidémiques insistant sur la diffusion mécanique des inventions, à travers les comportements stratégiques de l’innova- tion et au sein des systèmes d’innovation, vers — aujourd’hui — la reconnaissance du rôle des systèmes multi-agents, souligne clairement la reconnaissance de la nature sociale de l’innovation par les entreprises et l’autonomisation croissante de l’innovation sociale.” 30 Como HÄMÄLÄINEN e HEISKALA atestam, “Unlike the well-developed literature on technological innovations, research on social innovation processes is both scarce and scattered among various academic disciplines” cfr. Risto Heiskala e Timo J. Hämäläinen. Introduction: Historical transformation challenges established structures, pág. 2

Page 13: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

13  

conceptual objectivo nem uma utilização linguística a ser assumida uniformemente.31

Não é, por tal, de estranhar a existência de várias definições do que pode ser

considerado como inovação social.

Apresento em seguida quatro exemplos de definições de inovação social avançadas por

instituições e doutrina, como forma de auxiliar a identificar os elementos que são,

apaziguadamente, encontrados e podem ser assumidos como os elementos essenciais

do conceito de inovação social.32

De entre o trabalho desenvolvido pela Stanford Social Innovation Review, destaco o

conceito apresentado por PHILLS, DEIGLMEIER e MILLER. Estes presentam a inovação

social como uma nova solução para um problema social, solução essa que se apresenta como mais efectiva, eficiente, sustentável ou apenas melhor do que as soluções existentes, sendo que através desta nova solução é criado valor que atinge, primeiramente, a sociedade como um todo e não um indivíduo em concreto. A inovação social pode ser um produto, um processo de produção, uma tecnologia (à semelhança da inovação em geral), mas pode igualmente ser um princípio, uma ideia, uma legislação, um movimento social, uma intervenção ou uma combinação de todos estes elementos.33

Trabalhando a inovação social nos domínios da criatividade e dos exemplos históricos,

MUMFORD apresenta-a como criação e implementação de novas ideias sobre como as pessoas devem organizar as actividades interpessoais ou as interacções sociais, por forma a alcançar objectivos comuns. Num dos limites do continuum encontra-se o desenvolvimento de novas ideias acerca da organização social ou dos relacionamentos sociais, podendo envolver a criação de novas formas de instituições sociais, de novas ideias de acção governamental ou o desenvolvimento de novos movimentos sociais.

                                                                                                               31 “Part of the problem lies in the fact that many use the term to describe things which are neither ‘social’ nor ‘innovative’. In many cases, terms such as improvement, reform, modernisation and efficiency saving are used interchangeably with the term social innovation.” The Young Foundation, Study on Social Innovation, A paper prepared by the Social Innovation eXchange (SIX) and The Young Foundation for the Bureau of European Policy Advisors, pág. 14. Sobre a temática linguística e o seu impacto conceptual, cfr do iLab o artigo de Rosalice Pinto, A raiz linguística da inovação social e o seu impacto na sociedade global: a base para a aproximação por parte do sistema jurídico Paper n.º 3/BD/iLab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/artigos-dogmaticos/ 32 Para a apresentação de um maior leque de exemplos de definições, cfr, e.g., The Young Foundation, Social Innovation Overview: A deliverable of the project: “The theoretical, empirical and policy foundations for building social innovation in Europe” (TEPSIE) 33 J. A. Phills Jr., K. Deiglmeier e D. T. Miller, Rediscovering Social Innovation, pág. 39. Tradução pessoal

Page 14: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

14  

Exemplos deste tipo de inovação social podem ser encontrados nas vidas de Martin Luther, Henry Ford e Karl Marx. No outro limite do continuum, a inovação social pode envolver a criação de novos processos e procedimentos para a estruturação do trabalho colaborativo, a introdução de novas práticas sociais num grupo ou o desenvolvimento de novas práticas nos negócios.34

No contexto da acção da UK’s National Endowment for Science, Technology and the Arts (NESTA), em colaboração com a The Young Foundation, MURRAY, CAULIER-GRICE e

MULGAN, criaram o Open Book of Social Innovation, onde se apresentam as inovações sociais como novas ideias (produtos, serviços e modelos) que simultaneamente satisfazem necessidades sociais e criam novos relacionamentos ou colaborações sociais. Por outras palavras, são inovações que são boas tanto para a sociedade como potenciam a capacidade de a sociedade actuar.35

A OCDE, em 2011, publicou um documento abordando especificamente os desafios e as

oportunidades que a inovação social contém para o crescimento e o desenvolvimento.

Aí, se, por um lado, se encontra, persistentemente, a expressão inovação para

responder a desafios sociais, igualmente se encontra uma definição expressa de

inovação social, afirmada como mais completa do que as então existentes: inovações sociais referem-se a grupos de estratégias, conceitos, ideias e padrões organizacionais que têm em vista expandir e fortalecer o papel da sociedade civil nas respostas às diversas necessidades sociais (educação, cultura, saúde). O termo abrange, inter alia: novos produtos e serviços, novos padrões organizacionais (e.g. métodos de gestão, organização do trabalho), novas formas institucionais (e.g. mecanismos de distribuição de tarefas, discriminação positiva através de quotas), novas funções e tarefas ou novos mecanismos de coordenação e governança.36 Dando corpo ao conceito e à actividade

necessária para a sua concretização, atenda-se que a OCDE criou um programa

específico para abordagem do desenvolvimento local, a sua relação com o trabalho e a

inovação nas respostas aos problemas sociais, o LEED Programme. Este instrumento

procurou desenvolver o conceito de inovação social, clarificando-o. Afirma

assertivamente que o núcleo do conceito de inovação tem de estar no bem-estar social,

assumido como objectivo e não como mera consequência que pode ocorrer de

                                                                                                               34 Michael D. Mumford, Social Innovation: Ten Cases From Benjamin Franklin, pág. 253. Tradução pessoal 35 Robin Murray, Julie Caulier-Grice e Geoff Mulgan, The Open Book of Social Innovation, pág. 3. Tradução pessoal 36 OCDE, Fostering Innovation to Address Social Challenges. WORKSHOP PROCEEDINGS, pág. 13. Tradução pessoal

Page 15: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

15  

intervenções e acções efetuadas.37

Ainda que cada uma das definições apresentadas invoque certa área do saber, com o

interesse enfatizado por essa área, e seja alvo de críticas e insuficiências por quem tem

outro olhar sobre a mesma realidade ainda emergente38, o certo é que é possível

detectar aspectos comuns, que vão sendo apresentados em persistência, revelando os

elementos essenciais daquilo que é a inovação social.

Das leituras efectuadas e da reflexão posterior avanço com a seguinte fórmula:

Inovação Social = Ideia + Processo + Resultado

Estes três elementos estão associados, devendo actuar de modo integrado, por forma a,

de modo compósito, construir a realidade que invocamos como sendo a inovação social.

Evidenciar a IDEIA é corporizar a necessidade de construção, de experimentação, de

invenção. Tende a encontrar-se a ideia como a reacção à necessidade social, i.e., em face

de problemas sociais há a necessidade de resposta(s) inovadora(s), resposta(s) essa(s)

que parte da ideia. Atenda-se, no entanto, que nas várias definições apresentadas a

forma com que a ideia surge é variada, podendo estar corporizada em produtos, como

em serviços, tal como em modelos de acção. E tal ideia tem de assumir-se como

melhoria (pelo menos, potenciar a melhoria), conferindo a presença de um desígnio de

utilidade à ideia. Ou seja, a inovação social pode surgir quer do vazio quer de algo pré-

                                                                                                               37 “The OECD LEED Forum on Social Innovations has endeavoured to clarify the situation and provide a common understanding of innovation to address social challenges. The key principle of this definition is that social well-being is a goal, not a consequence. Thus, «there is social innovation wherever new mechanisms and norms consolidate and improve the well-being of individuals, communities and territories in terms of social inclusion, creation of employment, quality of life».” OCDE, Fostering Innovation to Address Social Challenges. WORKSHOP PROCEEDINGS, pág. 13 38 Por isso é comum encontrar-se o alerta para as diferenças contidas nas várias definições que se analisem, aproveitando para imediatamente a seguir apresentar uma definição que se afirma mais aprimorada. Expressamente tal é apresentado no Study on Social Innovation, A paper prepared by the Social Innovation eXchange (SIX) and The Young Foundation for the Bureau of European Policy Advisors, pág. 17 e 18, referindo-o por identificar algumas das definições que atrás apresentei: “We see problems with the definitions above, though all have been useful in helping to define an emerging field. The Stanford definition for example could be very wide. It might be taken to include the Google search engine (which arguably has created more value for society than even the value that has accrued to shareholders and founders). The Harris/Albury definition focuses on motivations, which are rarely easy to know with any certainty. The OECD definition is in some respects too narrow, focusing primarily on labour market changes. Instead of these we have adopted a simpler and sharper alternative. Social innovations are innovations that are social both in their ends and in their means. Specifically, we define social innovations as new ideas (products, services and models) that simultaneously meet social needs (more effectively than alternatives) and create new social relationships or collaborations. In other words they are innovations that are both good for society and enhance society’s capacity to act.”

Page 16: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

16  

existente. Ou seja, a inovação social pode ser fruto de uma completa ruptura com o

existente, criada a partir do inexistente, como pode apresentar-se como uma

construção sobre outra construção actual, acrescentando valor à resposta existente.

Por isso se fala em inovação social radical e em inovação social incremental39,

concedendo espaço para compreender que a ideia capaz de gerar inovação social é uma

ideia com amplitude suficiente que almeja, mais do que a novidade absoluta, a

capacidade de mudar a resposta social ao problema social, de uma forma qualitativa,

não desprestigiando nem o contexto nem o sistema em que surge. Assim, inovar

socialmente tanto é fruto de uma novidade absoluta como de uma novidade relativa. E

tal gera, automaticamente a conexão da ideia base à inovação social com a finalidade

para a qual essa é criada. Ou seja, a ideia tem de integrar o RESULTADO, outro dos

elementos da equação caracterizadora da inovação social. Se o fim da ideia não for o de

resolver problemas e necessidades sociais que, com os actuais instrumentos, não

conseguem ser resolvidos, então não se poderá afirmar a existência de uma inovação

social. A inovação social parte da ideia com a finalidade última de alcançar o Bem-

Estar, capacitando a solução aos desafios societais prementes. Ao referir-se a finalidade

da ideia socialmente inovadora, não pode deixar de ser apontada a criação de valor

social. 40 Esse é o resultado efectivo buscado pela inovação social.

Contudo, a mera ideia direccionada à criação de valor social não é suficiente para

qualificar determinado factor como pertencendo à categoria da inovação social. A

assunção do conceito de modo amplo e capaz de abranger as variadas realidades e os

                                                                                                               39 “As with innovation in technology or business, social innovation is distinct from ‘improvement’ or ‘change’ and from ‘creativity’ and ‘invention’. These last two are both crucial to innovation but overlook the important stages of implementation and diffusion which make new ideas useful. Nevertheless, there is a substantial overlap between innovation and improvement, change and creativity. Some social innovations are incremental (they build on what went before) and others are radical (they provide entirely new models for thinking and doing). Innovations can be disruptive and generative – that is, they can disrupt patterns of production, consumption and distribution and generate further ideas and innovations (like the move to a low carbon economy or the creation of a preventative system of criminal justice).” The Young Foundation, Study on Social Innovation, A paper prepared by the Social Innovation eXchange (SIX) and the Young Foundation for the Bureau of European Policy Advisors, pág. 15 40 A temática do valor social surge com complexidades densas que exigem tratamento individualizado, como em futuros estudos do iLab ocorrerá. Surge quer na perspectiva do triple bottom line e dos novos modelos de negócios orientados para tal, como surge enquanto finalidade das políticas públicas sociais. E a questão da sua medição é matéria controversa e com variadas posições existentes. Contudo, como proposta de leitura inicial sobre o que é o valor social, qual a relevância desse e quais as problemáticas envolvidas na medição do impacto social, cfr. os recentes estudos e.g. Cheryl Kiser, J. Janelle Shubert e Deborah Leipziger, Creating Social Value: A guide for leaders and change makers e Laurie Mook, Acounting For Social Value; Arne Kroeger e Christiana Weber, Developing A Conceptual Framework For Comparing Social Value Creation; Filipe Santos, A Positive Theory Of Social Entrepreneurship. Cfr ainda sobre a medição da inovação social, Werner Wobbe, Measuring Social Innovation and Monitoring Progress of EU Policies e Andrea Bassi, How to Measure the Intagibles? Towards a System of Indicators (S.A.V.E) for the Measurement of the Performance of Social Enterprises.

Page 17: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

17  

diferentes stakeholders envolvidos implica mais. Implica a existência de uma alteração

inovadora no PROCESSO do desenho e da execução da ideia, por forma a que,

efectivamente, o valor social possa ser gerado. Se o elemento processo poderia ser

desconsiderado e secundarizado na equação, como algo adjectivo e, por tal, secundário,

o facto é que tal não parece ser defensável. E a ratio de tal posição está no facto de a

inovação, para ser absorvida e reproduzida, implicar impacto profundo e qualitativo.

Inovar implica uma relação de longo-prazo. Inovar implica atender a tempos diferentes

do tempo imediato. Por ter de provocar mudança de paradigma(s). E tal,

necessariamente, não pode ser feito através da imposição, necessita de aceitação e de

incorporação. Ou seja, implica envolver todos os actores abrangidos no processo,

implica a construção de um novo processo de criação que seja capaz de congregar os

vários actores sociais, dinamizando e potenciando o sucesso da resposta inovadora à

necessidade social sentida. Sem a adesão dos beneficiários, sem a aceitação dos agentes

de proximidade, sem a presença dos cultores da mudança, como é possível gerar essa

inovação? 41 Como já defendido, a inovação social implica a delimitação e a

consciencialização de um processo de interacções sociais, participativo, capacitador

dos beneficiários e gerador de capital social. Implica a mobilização do cidadão.42 É por

isso que há doutrina que defende, com a qual concordo, que as inovações sociais são

acontecimentos pontuais, difusos, que envolvem uma multiplicidade de presenças e que

implicam longos períodos de tempo e vasta experimentação para alcançar o sucesso.43

Porém, não posso deixar de afinar esta última afirmação. O exposto pode parecer

indicar que apenas será inovação social uma inovação de carácter macro, revelada no

                                                                                                               41 Algo sufragado por J. A. Phills Jr., K. Deiglmeier e D. T. Miller, Rediscovering Social Innovation, pág. 43, que inclusivamente apelam à mudança de paradigma na relação e na construção da inovação social: “Most difficult and important social problems can´t be understood, let alone solved, without involving the non-profit, public, and private sectors. [...] Increasingly, innovation blossoms where the sectors converge. At these intersections, the exchanges of ideas and values, shifts in roles and relationships, ante the integration of private capital with public and philanthropic support generate new and better approaches to creating social value. To support cross-sector collaborations we have to examine policies and practices that impede the flow of ideas, values, capital, and talent across sector boundaries and constrain the role and relationships among sectors. The world needs more social innovation – and so all who aspire to solve the world’s most vexing problems – entrepreneurs, leaders, managers, activists, and change agents – regardless of whether they come from the world of business, government, or non-profits, must shed old patterns of isolation, paternalism, and antagonism and strive to understand, embrace, and leverage cross-sector dynamics to find new ways of creating social value”. 42 Cfr. Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 10 e 30 respectivamente 43 “Social innovations, even more limited scope innovations, are relatively rare events. Social innovations moreover, are typically diffuse events involving interactions among multiple parties over rather long periods — characteristics making traditional experimentation difficult although not necessarily impossible.” Michael D. Mumford, Social Innovation: Ten Cases From Benjamin Franklin, pág. 254

Page 18: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

18  

impacto sistémico. E tal é preciso aprimorar, pois aceita-se igualmente a possibilidade

de se reconhecer a existência de inovações sociais ao nível micro, inovações geradoras

de impacto local e não sistémico. E tal não se traduz numa incoerência.44 As inovações

sociais podem ser inovações sociais de base (grassroots social innovations),

caracterizadas por constituírem respostas a necessidades sociais prementes, cujo

mercado não tem interesse em responder, estando dirigidas a grupos específicos de

cidadãos mais vulneráveis. Porém, as inovações sociais de nível alargado igualmente

são detectáveis. Dirigidas à sociedade como um todo, mas ainda assim especificamente

orientadas para um concreto problema, demonstram os espaços de intersecção

existente entre a intervenção social e a económica, sendo a acção conduzida pela Cruz

Vermelha um bom exemplo. E não pode deixar de ser reconhecida a existência de

inovações sociais sistemáticas, aquelas que promovem mudanças nas atitudes, nos

valores, nas estratégias e políticas, nas estruturas organizacionais e nos processos, nos

sistema de entrega e de prestação de serviços. São inovações sociais que na sua maioria

são iniciadas por instituições e assumem-se como instrumentos de remodelação da

sociedade através de ferramentas de participação.45 Compreende-se que através das

inovações sociais sistémicas as pessoas são capacitadas, o ensino e a formação são

fundamentais, tanto quanto o apuramento do impacto é efectuado numa lógica de longo

prazo. Ou seja, a inovação social pode acontecer tanto a partir de um indivíduo ou

pequeno grupo de indivíduos, como pode assumir-se como impulso gerado de uma

instituição de maior capacidade, onde o Estado assume lugar de destaque, por ter as

características de acção macro que permitem injectar no sistema forças ou sinais de

mudança e de inovação. Naturalmente conforme o tipo de inovação social com que se

estiver a lidar, dependerá o formato da resposta jurídica necessária e os instrumentos

de suporte.

O elemento da equação processo, albergando, como visto, a lógica de congregação de

actores envolvidos, a sua coordenação, cooperação, parceria e modelos de

relacionamento afins, seja em dimensão mais ou menos abrangente, fornece igualmente

duas característica à inovação social que não devem ser ignoradas, muito menos pelo

                                                                                                               44 Segue-se a sistematização apresentada por Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 10 45 Enfatiza-se. Segue-se a sistematização apresentada por Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 10

Page 19: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

19  

estudioso jurista: a inovação social será, inevitavelmente, um espaço para conflitos46,

tanto quanto implica uma lógica de step-by-step na sua concretização. E estas

características, parte do ADN da inovação social, podem ser igualmente condicionantes

à sua concretização, actuando como limites.47 Por isso, alguns parágrafos acima referi

haver doutrina que defende que as inovações sociais são acontecimentos pontuais,

difusos, que envolvem uma multiplicidade de presenças e que implicam longos períodos

de tempo e vasta experimentação para alcançar o sucesso.

Numa tentativa de sistematização final, almejando a identificação complementar dos

desafios suscitados pelos elementos componentes da inovação social, enfatizando tanto

a amplitude do conceito como a multiplicidade de espaços necessariamente a serem

trabalhados, apresento as oito conclusões que MUMFORD 48 apresentou, após a

construção da sua definição de inovação social e da análise de 10 casos concretos:

! A definição ou a identificação do problema social, base da

necessidade da inovação social, parece ser fundado na lógica da

experimentação;

! Evidenciando a lógica experimentalista, deve ser expectável que a

inovação social surja da acção de indivíduos talentosos e

marginais que prosseguem caminhos de vida próprios com tipos

de experiências não comuns;

! A base das ideias e das soluções para a inovação social estará na

identificação de um número limitado de causas-chave, por forma a

permitir uma gestão efectiva dos factores e dos agentes;

! Uma solução viável para as configurações sociais em causa tende

a ser uma solução aberta, que permita futuros ajustamentos

                                                                                                               46 No mesmo sentido, Risto Heiskala e Timo J. Hämäläinen. Introduction: Historical transformation challenges established structures, pág. 3: “Social innovations are not smooth and conflict-free processes that benefit all stakeholders equally.” 47 “Innovation that aims directly to address social challenges must cope with specific barriers that cause under-investment and hinder their development and diffusion. Most of these barriers relate to the multidimensional and multistakeholder nature of social challenges.” OCDE, Fostering Innovation to Address Social Challenges. WORKSHOP PROCEEDINGS, pág. 9 48 Michael D. Mumford, Social Innovation: Ten Cases From Benjamin Franklin, pág. 263 e 264

Page 20: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

20  

O que reforça a necessidade de um conceito de inovação

social aberto e ajustável ao caso concreto, permitindo

maleabilidade nos instrumentos construídos;

! O núcleo da inovação social é, por inerência, uma actividade

prática onde o benefício gerado deve ser demonstrado num

período de tempo relativamente curto

Contudo, pessoalmente não julgo dever ser confundida a

demonstração do benefício produzido com a longevidade e,

por tal, longo prazo, do processo de construção da inovação

social e de impacto real e solucionador. Ou seja, embora o

resultado precise de ser demonstrado numa lógica de curto

prazo, já o processo para chegar ao resultado pode ser, e

tenderá sempre a sê-lo, de longo prazo;

! Financiamento à inovação social é necessário.

Tal abre a porta à necessidade tanto de construir novos

instrumentos financeiros como a imprescindibilidade de os

disciplinar em face dos interesses em causa;

! Mecanismos de persuasão são parte clara e inequívoca do

processo de inovação social, persuasão essa exercida através de

uma variedade de mecanismos

O que renova a necessidade de processos próprios e

especialmente orientados para a participação e

congregação de esforços, como anteriormente abordado;

! Implica a vontade para rearranjar ou reestruturar as existentes

relações

O que parece evidenciar o lado humano do processo,

centrado na pessoa, enfatizando a finalidade da criação de

valor social, e a lógica de participação e partilha.

Estas oito conclusões, com os pequenos comentários que procedi, demonstram que o

Page 21: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

21  

processo da inovação social é um processo centrado na Pessoa, com tantas

potencialidades como desafios à sua concretização. É parte da viragem crescente que se

tem vindo a construir para a sociedade contemporânea. Centralizar a Pessoa e não o

Capital. Focagem no Capital Humano. Ou se preferirmos, humanização da economia.49 E

tal parece deixar a ideia de uma missão quase impossível. Contudo, como Victor Hugo

escreveu, a utopia de hoje pode ser a realidade de amanhã. E a História conta-nos que o

Cabo das Tormentas não foi dobrado sem uma dose de loucura, de medo, de incerteza,

quanto de coragem...e por isso da conquista do Adamastor surgiu o Cabo da Boa

Esperança e o Novo Mundo.

5. Cultura de inovação como marca distintiva do agora: da necessidade à oportunidade. Compósito da sociedade do conhecimento

Do até agora exposto poder-se-ia defender que a temática da inovação social poderia

não ser mais do que uma nova ideologia defendida por cientistas sociais. Poderia dizer-

se que, em face ao seu conhecimento embrionário, não constituiria mais do que um uma

palavra e tema de moda que cientificamente ocuparia alguns investigadores. Contudo,

tal não surge como a realidade.

De facto, a inovação social está ainda na sua versão inicial de estudo, apreensão e

modelação por parte da doutrina em geral. Mas o certo é que a inovação social surge

como uma resposta já assumida por sectores e actores da sociedade como contendo a

força transformativa de gerar alteração daquilo que, não estando bem e sendo

insuficiente, carece de reforma.

Como fundamentar esta posição?

A primeira paragem é feita no espaço da União Europeia e na narrativa política,

normativa e financeira que tem sido construída com base na inovação social. A resposta

estratégica oferecida pela Comissão Europeia à crise e à busca de uma Europa mais

competitiva e capaz de ultrapassar os obstáculos existentes assentou na construção de

um projecto de Europa fundamentado num crescimento triplo: inteligente, sustentável

                                                                                                               49 Cfr. Jean-Paul Maréchal, Humanizar a Economia

Page 22: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

22  

e inclusivo. Citando a Comunicação da Europa 2020,50 a estratégia Europa 2020 estabelece três prioridades que se reforçam mutuamente: – Crescimento inteligente: desenvolver uma economia baseada no conhecimento

e na inovação.

– Crescimento sustentável: promover uma economia mais eficiente em termos de utilização dos recursos, mais ecológica e mais competitiva.

– Crescimento inclusivo: fomentar uma economia com níveis elevados de emprego que assegura a coesão social e territorial.

Esta construção-base não apenas gerou a criação da União da Inovação, pela via do

crescimento inteligente, como suscitou a necessidade de respostas na área social,

abrindo portas à inovação social, através do pilar de crescimento inclusivo. Menciona-

se até em disseminação da cultura de inovação social pela Europa.51

Basta uma análise perfunctória da emblemática Iniciativa União da Inovação para

compreenderemos que o fenómeno inovação, na sua modalidade ampla e

interdisciplinar, foi absorvido e assumido como um instrumento crucial para a

reconstrução da sociedade europeia.52 Logo no primeiro parágrafo do respectivo texto

deixa-se claro que numa altura de austeridade dos orçamentos públicos, de importantes mudanças demográficas e de uma concorrência sempre crescente a nível mundial, a competitividade da Europa, a nossa capacidade de criar milhões de novos postos de trabalho para substituir os que se perderam na crise e, sobretudo, os nossos futuros padrões de vida dependem da nossa capacidade de integrar a inovação em produtos, serviços, empresas e processos e modelos sociais. É por este motivo que a inovação foi colocada no coração da estratégia «Europa 2020». A inovação constitui, igualmente, o nosso melhor meio de abordar, com sucesso, importantes desafios societais, tais como as alterações climáticas, a escassez energética e de recursos, ou a saúde e o envelhecimento, cuja resolução se está a tornar mais urgente de dia para dia. Revela-se relevante dirigir o olhar para o facto de a Iniciativa ligar a crise das finanças

públicas com a inovação, reconhecendo o impacto que a austeridade fiscal teve no

                                                                                                               50 Cfr. COM (2010) 2020 final – Europa 2020 Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo 51 Report BEPA, Social Innovation. A decade of change, pág. 9 52 COM(2010) 546 final - Iniciativa emblemática no quadro da estratégia «Europa 2020» «União da Inovação»

Page 23: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

23  

investimento na área do conhecimento e da investigação, conduzindo a uma

necessidade de criação de um verdadeiro sistema europeu de investigação, capaz de

maximizar as potencialidades entre os vários espaços de investigação dos Estados

Membros. Afirma a necessidade de melhoria do ensino, conferindo especial destaque às

universidades e à captação de talentos, promovendo estruturas que sejam capazes de

promover a livre circulação de conhecimento, suprimir os seus obstáculos e criar

incentivos à inovação, sendo os investigadores os seus promotores.

É certo que a abordagem contida no documento assume aspectos que tradicionalmente

são agregados à inovação tecnológica. Porém, a inovação social é algo que resulta

expressamente da construção apresentada. Ao lançar o mote da inovação, além da

abordagem agora identificada, invoca-se a criatividade e a diversidade existentes na

Europa como ferramentas essenciais à inovação, inovação essa que é o caminho para a

manutenção e até melhoria da qualidade de vida e do modelo social europeu.

Precisamente esse reconhecimento do elemento social da inovação assume-se aqui ao

se tratar como prioridade a finalidade da inovação como via para enfrentar os grandes

desafios societais, destacando o complexo problema das necessárias respostas ao

envelhecimento, problema com impacto profundo quer na sustentabilidade do sistema

de segurança social, quer na distribuição do esforço fiscal, quer no aumento dos gastos

públicos em áreas que uma sociedade com menor envelhecimento não teria de atender.

Por isso é compreensível encontrar-se na Iniciativa o impulso para o desenvolvimento

regional, apelando a uma melhor aplicação dos fundos comunitários, tudo em prol de

uma maximização da coesão social e territorial. Reforça-se, estes aspectos sociais não

são matérias meramente indicadas na Iniciativa da União da Inovação, são matérias

nela integradas.

A análise da Iniciativa permite ainda encontrar dois aspectos que no ponto anterior do

presente estudo foram apresentados como caracterizadores do conceito de inovação

social: por um lado, a necessidade de gerar compromisso entre os vários agentes,

assumindo que não basta o impulso público, nem é suficiente o trabalho individualizado

das empresas, dos investigadores, da sociedade civil; por outro, o médio e longo prazo é

assumido como parte integrante de um processo onde todos os instrumentos políticos, medidas e financiamento sejam concebidos para contribuir para a inovação, onde a UE a as políticas nacionais/regionais apresentem um paralelismo estreito e se reforcem mutuamente e, sobretudo, onde o mais alto nível político estabeleça uma agenda

Page 24: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

24  

estratégica, acompanhe regularmente os progressos feitos e resolva os atrasos.53 Ou

seja, verifica-se que o espaço para a intervenção jurídica e para a reformulação da

intervenção pública é realidade assumida no processo de criação de inovação.

O espaço para a inovação social na construção da UE é ainda visível, em termos macro,

no Horizonte 2020.54 Este multifacetado programa, ferramenta de concretização da

União da Inovação, apresenta como um dos seus eixos de intervenção os desafios

societais, tendo aí múltiplos desafios específicos para acção, como as questões da saúde,

das mudanças demográficas e do Bem-Estar, ou criação de sociedades inclusivas,

inovadoras e seguras. Ou seja, a necessidade de respostas sociais inovadoras para

problemas sociais prementes é assumido como prioridade estratégica na União

Europeia, também no financiamento à investigação. E assumindo a questão do

financiamento da União Europeia, também o novo quadro financeiro contém

instrumentos específicos para instrumentos da inovação social, ou não fosse, como

apontado, uma das prioridades da Europa 2020 o crescimento inclusivo. Por isso se

verifica a existência de uma Comunicação sobre o Investimento Social a favor do Crescimento e da Coesão, através do Fundo Social Europeu (FSE)55, onde se apresenta a

necessidade do FSE estar orientado para o investimento social, aquele que gerará

utilidade social/valor social e está representado na inovação social. Por isso mesmo

encontra-se expresso que para permitir que as pessoas realizem plenamente o seu potencial de participação na vida social e económica da sociedade é necessário apoiá-las nos momentos cruciais das suas vidas. Este apoio começa com o investimento nas crianças e nos jovens e continua vida fora. A inovação social deve fazer parte dos ajustamentos necessários, testando novas abordagens políticas e selecionando as mais eficazes. Ou seja, nesta afirmação verifica-se a presença de muitos dos factores já acima

detectados para caracterizar a inovação social: a necessidade da inovação social, a sua

produção de valor social, a lógica de experimentação e de abertura para permitir

ajustamentos.

Contudo, a assunção da inovação social como aspecto nuclear do financiamento da UE,

almejando a concretização da Europa 2020, continua a ser detectada no Programa da União Europeia para o Emprego e a Inovação Social (EaSI), onde expressamente, a par

                                                                                                               53 COM(2010) 546 final - Iniciativa emblemática no quadro da estratégia «Europa 2020» «União da Inovação», pág. 3 54 COM(2011) 808 final - Horizonte 2020 - Programa-Quadro de Investigação e Inovação 55 COM (2013) 83 final - Investimento social a favor do crescimento e da coesão, designadamente através do Fundo Social Europeu, no período 2014-2020

Page 25: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

25  

das questões laborais, se aponta a necessidade de desenvolver o empreendedorismo

social como via para conquistar a inovação social, havendo instrumentos de

financiamento especificamente alocados.56 Refira-se ainda, apenas a título indicativo, a

criação dos Fundos Europeus de Empreendedorismo Social,57 instrumentos gerados a

partir de financiamento misto, buscando congregar os esforços privados lucrativos,

com os esforços sociais não lucrativos (mas necessariamente socialmente rentáveis) e

as disponibilidades públicas.58 Do elenco efectuado pode retirar-se uma conclusão

inicial quanto ao formato utilizado pela União Europeia para a inovação social: a

inovação social surge, maioritariamente, alocada ao conceito de empreendedorismo

social, assumido este como instrumento para atingir a inovação social.59 O certo é que a

inovação social surge como elemento integrante quer da narrativa política quer da

narrativa normativa e financeira da União Europeia.

E se apenas se apresentou a presença da inovação social e a criação da cultura de

inovação social no domínio da UE, fundamental é compreender que a questão é

igualmente encontrada no espaço empresarial. Não pretendendo mais do que uma

indicação dos aspectos relevantes. Em tal, tenha-se em consideração a crescente

importância do triple bottom line approach na gestão empresarial. A dinâmica do

desenvolvimento sustentável na sua tripla perspectiva revela a necessidade de as

empresas consciencializarem-se sobre os seus efeitos sociais. Não por acaso a figura foi

já assumida pelo Direito, sendo a Responsabilidade Social Empresarial (RSE)

representativa dessa dinâmica, e revelando-se nas práticas empresariais. Contudo, um

afinamento na ideia. Não me refiro apenas às crescentes iniciativas de pendor social

por parte do sector lucrativo, almejando quer um marketing social favorável à opção do

consumidor quer um benefício fiscal pelo mecenato, mas refiro-me antes ao progressivo

interesse que o mercado de investimento social tem vindo a suscitar nos empresários e

as potencialidades de novos espaços de acção e de investimento surgirem através do

suporte a iniciativas marcadas pela inovação social.

                                                                                                               56 Regulamento (UE) n.º 1296/2013, de 11 de Dezembro de 2013 - Cria um Programa da União Europeia para o Emprego e a Inovação Social (EaSI) 57 Regulamento (UE) n.º 346/2013, de 17 de Abril - Relativo aos Fundos Europeus de Empreendedorismo Social 58 No âmbito do iLab esta será matéria desenvolvida individualmente.  59 Um estudo sobre os instrumentos da inovação social será igualmente apresentado pelo iLab, onde os instrumentos comportamentais (empreendedorismo social), os instrumentos organizativos (Economia Social em geral, e a empresa social em especial), os instrumentos jurídicos (parcerias público-sociais ou publico-privado-sociais) e os instrumentos financeiros (e.g. social bonds, microcrédito, crowdfunding, etc) serão abordados.

Page 26: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

26  

E se a inovação social aparece como algo de relevância para o sector empresarial, pela

via instrumental e quiçá, crendo numa maior humanização da economia, a figura agora

em estudo assume igualmente reflexo na esfera dos agentes sociais. Não apenas as

entidades da Economia Social se apresentam como as grandes promotoras da inovação

social, buscando a sua concretização na sua acção, como o próprio ordenamento

jurídico tende a aceitar e a assumir essa relação intrínseca.60

A inovação social igualmente é visível na acção desenvolvida pela Sociedade Civil. A

multiplicação de fenómenos participativos colectivos, numa lógica de DIY (Do It Yourself), assente numa mudança de paradigma que assume a partilha como algo

intrínseco à capacidade de resolver os problemas que individualmente não é possível.

Conceitos como Sharing Economy e Solution Economy61 vão surgindo e assumindo

reflexos evidentes no quotidiano, desde a partilha de veículos automóveis, a criação de

redes de transporte colectivos informais, às plataformas de comércio electrónico

consumidor-consumidor, aos movimentos sociais de variada natureza.

O que todos estes exemplos de presença e reconhecimento de uma acção colectiva em

prol de algo comum demonstram, seja expressamente com a invocação da inovação

social, seja com a invocação de instrumentos dessa inovação social, seja através de

realidades paralelas mas convergentes, é a existência de uma relação dialéctica entre

inovação social e sociedade inovadora, entre inovação social e construção de novas

formas de tentar resolver os problemas que socialmente vivemos. E tal é de extrema

relevância, pois auxilia a fundamentar a necessidade de explorar o conceito de

inovação social e os seus instrumentos pelo universo jurídico, aquele que não apenas

reproduz o existente na sociedade, mas que igualmente impulsiona o desenvolvimento

                                                                                                               60 Veja-se, a esse propósito, o expresso na Lei de Bases da Economia Social, no seu artigo 10.º, n.º 2, alíneas c) e d), a primeira para a inovação social e o seu importante papel na resposta aos problemas sociais existentes, a segunda para a inovação tecnológica, essencial para a eficácia, eficiência e economia das entidades da Economia Social. “c) Facilitar a criação de novas entidades da economia social e apoiar a diversidade de iniciativas próprias deste sector, potenciando-se como instrumento de respostas inovadoras aos desafios que se colocam às comunidades locais, regionais, nacionais ou de qualquer outro âmbito, removendo os obstáculos que impeçam a constituição e o desenvolvimento das atividades económicas das entidades da economia social; d) Incentivar a investigação e a inovação na economia social, a formação profissional no âmbito das entidades da economia social, bem como apoiar o acesso destas aos processos de inovação tecnológica e de gestão organizacional;” 61 William D. Eggers e Paul Macmillan, The solution Revolution: How Business, Government and Social Enterprises are teaming up to solve society’s toughest problems, apresentam a Solution Economy como um movimento assente no estbatimento das fronteiras entre o sector público e o sector privado, que promove a integração da acção pública com a provada e a social, em direcção a um Bem Social

Page 27: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

27  

das vias que auxiliem a concretizar, no domínio das políticas públicas, o interesse

público e o Bem Estar da sociedade que regula.

6. Iniciar o diálogo: a inovação social e a sua intrínseca relação com o Direito Social e com o Direito Financeiro e Fiscal

O ponto 5 do presente estudo auxilia já a demonstrar que a inovação social é uma

realidade que foi já absorvida pelo universo normativo e pelo universo político,

aspectos relevantes da construção e da aplicação do Direito. A indicação dos

instrumentos normativos da União Europeia revelam essa integração. 62 Mas

igualmente exemplo recente existe no ordenamento jurídico português para justificar

que a inovação social tem um espaço efectivo no sistema jurídico: Iniciativa Portugal Inovação Social. Aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 73-A/2014, na

sequência do Acordo de Parceria entre Portugal e a Comissão Europeia, reconhecendo o papel do terceiro setor em Portugal e visando promover um maior envolvimento da sociedade civil, o Governo pretende com esta medida estimular o aparecimento de soluções e modelos de intervenção inovadores, adequados a gerar novas respostas para problemas societais prementes na área social, bem como em outras áreas de política pública, entre as quais a saúde, a justiça, a educação e a igualdade de género. As

palavras do preâmbulo da Resolução demonstram, de modo claro e inequívoco, a

inovação social como a criação de novas respostas sociais a problemas sociais, assente

numa acção participada e colectiva, reconhecendo a importância da Economia Social

neste processo, bem como o carácter local das acções a serem desenvolvidas nas áreas

sociais. E relevante é igualmente ater à expressão estimular o aparecimento, o que

denota a opção por uma acção pública que cria o enquadramento necessário às

inovações produzidas pelos agentes sociais locais. Por isso, o mote da Iniciativa Portugal Inovação Social passa por ambicionar, nas palavras do acto normativo,

desenvolver e dinamizar o mercado de investimento social em Portugal, gerando

instrumentos financeiros e não financeiros capazes de construir um ecossistema para a

inovação social.

                                                                                                               62 Recorde-se o escrito a propósito da COM (2010) 2020 final – Europa 2020 Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusive, da COM(2010) 546 final - Iniciativa emblemática no quadro da estratégia «Europa 2020» «União da Inovação», da COM(2011) 808 final - Horizonte 2020 - Programa-Quadro de Investigação e Inovação, da COM (2013) 83 final - Investimento social a favor do crescimento e da coesão, designadamente através do Fundo Social Europeu, no período 2014-2020, do Regulamento (UE) n.º 1296/2013, de 11 de Dezembro de 2013 - Cria um Programa da União Europeia para o Emprego e a Inovação Social (EaSI) e do Regulamento (UE) n.º 346/2013, de 17 de Abril - Relativo aos Fundos Europeus de Empreendedorismo Social

Page 28: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

28  

Conjugando os exemplos da União Europeia com este recente exemplo do ordenamento

jurídico português, fica revelado que a inovação social ocupa já um espaço no Direito e

que a investigação científica tem de estar atenta, pois novos instrumentos e novas

construções vão surgir por parte do legislador. E nesse processo o olhar objectivo do

investigador social pode ser determinante na qualidade do ecossistema para a inovação

social que venha a ser edificado.

Esta última expressão merece uma especial atenção: ecossistema para a inovação social. Como o BEPA reproduziu, no seguimento da construção de desenvolvimento e

crescimento económicos em clusters, como propostos por Michel Porter na década de

90 do século XX, a construção de uma quadro organizador e dinamizador é

fundamental para concretizar os objectivos de determinada política pública que

impulsione a inovação social. Ou seja, a inovação social será gerada e exponenciada

através de um modelo de sistema que seja capaz de integrar e fazer interagir todos os

agentes da inovação social63, organizando as várias e complexas fases subjacentes ao

processo de criação de inovação social, de forma a gerar impacto, não apenas local, mas

igualmente sistémico. Actualmente, os ecossistemas para a inovação social são encarados como a forma para criar um ambiente potenciador da inovação, onde as inovações sociais podem desenvolver-se e responder não apenas às causas aparentes mas sobretudo aos problemas de base que originaram a necessidade social.64 Ou seja, é

fundamental a criação e o adequado desenvolvimento de um espaço legal para a

inovação social, sob pena de a inovação social sistémica não ocorrer e, com tal, o

caminho da inovação, como elemento desbloqueador da crise económica, financeira e

social, não ocorrer. Enquanto o movimento e a energia criativa do ecossistema chegam dos actores e das suas conexões, o ambiente administrativo, económico e legal tem de ser potenciador e auxiliar, permitindo-o. 65 Como negar esta necessidade de

pensamento, criação e acção por parte do Direito?

Do exposto parece resultar que assumindo a inovação social como uma equação que

articula a Ideia, o Processo e o Resultado, é no elemento Processo que se encontra o

                                                                                                               63 Sobre os agentes da Inovação Social e a sua relação com o capital social e o desenvolvimento, oferecendo uma ligação à valorização do local cfr. trabalho do iLab, de Jorge de Sá, Inovação Social, Capital Social E Desenvolvimento , disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/base-dogmatica/ 64 Report BEPA, Social Innovation. A decade of change, pág. 20. Tradução pessoal 65 Report BEPA, Social Innovation. A decade of change, pág. 21. Tradução pessoal

Page 29: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

29  

núcleo da acção pública. Não compete ao Estado substituir-se aos agentes da inovação

social. Antes compete-lhe criar e desenvolver os espaços, os instrumentos, os

mecanismos e as acções que permitam gerar o valor social, tornando-se parceiro

assumido do poder criativo e inovador na execução das políticas públicas sociais. E ser

parceiro significa partilha de riscos, de decisões e de recursos, não se limitando

meramente a transferir verbas financeiras. Dessa partilha nasce a edificação de um

quadro normativo e administrativo que permita que o processo de criação da ideia

possa ser concretizado, gerando o resultado.

Tentando sistematizar e assinalar as áreas de abertura que esta temática representa

para o Direito julgo relevante identificar quatro domínios:

• O significado de Inovação Social para o modelo de governação pública;

• O significado de Inovação Social para o Estado Legislador;

• O significado de Inovação Social para o Estado Social;

• O significado de Inovação Social para o Estado Regulador.

6.1. O significado de Inovação Social para o modelo de governação pública

A temática da reforma do Estado é algo que há muito se encontra presente quer na

discussão pública quer na mente daqueles que governam. A reconfiguração da

intervenção pública, no âmbito de uma sociedade globalizada, onde a fragmentação da

soberania do Estado está ligada à intervenção crescente de outros actores na

governança nacional e internacional, produz reajustamentos transformativos no

modelo de governação pública.66 A inovação social vem gerar mais uma força motriz

conducente a essa renovação já iniciada. Se, como vimos, a inovação social pressupõe a

presença de vários actores que agem integradamente e em sistema, a lógica

participativa é algo que tem de estar agregada à acção pública neste domínio.67 E tal

significa que as políticas públicas, sobretudo as sociais, são redesenhadas, não com o

impulso directo e individual do Estado, mas com base em modelos de cooperação, de

coordenação ou até mesmo de parceria. A interactividade no processo de decisão e no

processo de execução das políticas públicas sociais torna-se a sua maior característica                                                                                                                66 Sobre o impacto da globalização no modelo de acção pública financeira, especialmente no domínio da tributação, cfr. Rita Calçada Pires, Tributação internacional do rendimento empresarial gerado através do comércio electrónico. Desvendar mitos e construir realidades, pág. 36 a 129 67 Recordar o sufragado por J. A. Phills Jr., K. Deiglmeier e D. T. Miller, Rediscovering Social Innovation, pág. 43, que inclusivamente apela à mudança de paradigma na relação e na construção da inovação social, como já foi abordado.

Page 30: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

30  

contemporânea. Por isso a OCDE afirmou que dar resposta aos desafios societais implica a construção de soluções inovadoras a todos os níveis de acção, desde as soluções micro, marcadas pela acção individual, às soluções sistémicas, aquelas que actuam a nível macro. O envolvimento público assume um papel essencial na mudança de paradigma, cabendo-lhe a integração do valor social nos incentivos e mecanismos para a inovação. Os governantes, eles próprios, são chamados a serem inovadores, gerando novos mecanismos e instrumentos de suporte. As características exigidas pelo novo modelo de relacionamento público são desafiantes: intervenção baseada em óptica de longo prazo, de carácter interministerial, coordenação e combinação de instrumentos que aproximem a oferta e a procura, de carácter participativos e assentes num exercício de previsão que está ligado à lógica de experimentação.68 Algo

enfatizado pela The Young Foundation.69

Em termos concretos esta verificação oferece um espaço inegável para desenvolver

investigação numa temática relevante que tem vindo nos últimos anos, sobretudo numa

lógica de busca de respostas alternativas à acção directa do Estado e à sua necessidade

de reequilibrar as finanças públicas, a assumir-se como um novo instrumento jurídico

que não existindo trabalho de fundo sobre ele carece de ser compreendido: os novos

processos de design e de execução das políticas públicas sociais através,

designadamente, daquilo que apelido de parcerias público-sociais e parcerias público-

privado-sociais. Está-se perante um novo modelo de concretização de tarefas

fundamentais do Estado, de garantia do modelo social europeu e de densificação do

princípio da participação democrática. E enfatizo: a novidade está no facto de tanto o

desenho como a execução, e não apenas esta última, dependerem de um modelo de

governação partilhado assente numa partilha do risco e não numa mera transferência

deste. É um tema a que, individualmente, regressarei em trabalhos seguintes do iLab.

6.2. O significado de Inovação Social para o Estado Legislador Se o agora escrito refere a necessidade de reflectir sobre a mudança estrutural no

modelo de governação, visível, sobretudo, na forma como as políticas públicas sociais

são desenhadas e executadas, então não é despiciendo estabelecer a ponte com o                                                                                                                68 OCDE, Fostering Innovation to Address Social Challenges. WORKSHOP PROCEEDINGS, pág. 10. Tradução pessoal 69 “We emphasise that this is an emerging field without much strong evidence for the effectiveness of particular policies. Instead there is a need for some experimentation and rapid learning.” The Young Foundation, Study on Social Innovation, A paper prepared by the Social Innovation eXchange (SIX) and the Young Foundation for the Bureau of European Policy Advisors, pág. 66 e ss

Page 31: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

31  

formato normativo que alguns aspectos dessa alteração comportamental governativa

terá. Ou seja, se existe uma nova direcção de política pública social – a inovação social -,

se esta nova direcção implica um redimensionamento do modelo de governação, não é

de estranhar que tal implique o aparecimento de novos instrumentos de acção ou, pelo

menos, a reestruturação de instrumentos existentes mas com moldes diferenciados.

Não esquecendo ser a necessidade de tais instrumentos normativos o reflexo da

necessidade de criação de um quadro promotor e facilitador da inovação social. A

Comissão Europeia afirmou-o expressamente: A inovação é um elemento vital da política de investimento social, uma vez que as políticas sociais exigem uma adaptação constante a novos desafios. Neste contexto, é necessário desenvolver e introduzir novos produtos, serviços e modelos, testá-los e escolher os mais eficazes e eficientes. Os inovadores de política social precisam de um quadro facilitador que teste e promova novos mecanismos de financiamento, ao mesmo tempo que meça e avalie o impacto das suas atividades.70

Inicio a identificação precisamente por esta última expressão: Os inovadores de política social precisam de um quadro facilitador que teste e promova novos mecanismos de financiamento, ao mesmo tempo que meça e avalie o impacto das suas actividades. Esta

afirmação demonstra a necessidade de um quadro normativo para os inovadores

sociais. É um olhar sobre os sujeitos da inovação social e as suas necessidades que o

Direito tem de fazer, não de forma espraiada e limitada, mas numa abordagem

estratégica e sistémica, algo que ainda não está devidamente identificado nem

trabalhado. Conceitos como empreendedor social e empresa social são realidades que

começam a fazer parte do léxico político e dos agentes económicos e sociais, estão

absorvidas pela construção normativa, mas que não têm ainda uma densidade legal que

permita conhecer o regime, os direitos e as obrigações. E esta necessidade não se

prende apenas com uma necessidade de transparência e clareza por parte do

ordenamento jurídico. Crescentemente se assume a postura de que o financiamento a

estas entidades é algo relevante e que deve ocorrer. Mas tal exige uma demonstração

do seu carácter social e do seu impacto social. Não poderá ser demonstrado o carácter e

a criação de valor social sem saber efectivamente quais os elementos definidores e

congregadores daqueles que podem ser considerados sociais. Por isso no espaço jurídico

começa a ser imperativo absorver e tratar devidamente a medição do impacto social.                                                                                                                70 COM (2013) 83 final - Investimento social a favor do crescimento e da coesão, designadamente através do Fundo Social Europeu, no período 2014-2020, pág. 12  

Page 32: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

32  

Todavia, além do quadro normativo para os inovadores sociais, o ordenamento jurídico

já contém a promessa da criação de novos instrumentos para auxiliar a inovação social,

todos com a necessidade de um contexto regulatório associado. A já apresentada

Iniciativa Portugal Inovação Social estabelece que tem como objectivo desenvolver e dinamizar o mercado de investimento social em Portugal para apoio a iniciativas de empreendedorismo e inovação social em Portugal. Expressamente é previsto que essa

finalidade assenta na criação de instrumentos financeiros e não financeiros capazes de

construir um ecossistema de inovação social. Refere-se o fundo de inovação social, os

títulos de impacto social, o programa de parcerias para o impacto e o programa de

capacitação para o investimento social. Todas estas realidades não têm ainda quadro

normativo efectivamente delimitado, especializado e capaz de dar resposta a todas as

perguntas que suscitam: o que é, como funciona, quem supervisiona, como se controla,

etc. As respostas vão ter de ser encontradas no existente no ordenamento jurídico, mas

igualmente na construção de novos modelos jurídicos que sejam aptos a promover a

edificação de um quadro amigo do investimento social, trampolim para alcançar a

inovação social.

Recorrendo ainda ao exemplo da Iniciativa Portugal Inovação Social surge como um

caso que permite compreender os espaços necessários à intervenção do Direito na

concretização da inovação social, sobretudo em áreas como as que o iLab investiga:

• Na área financeira pública, compreender como pode e como deve o Estado

desenvolver os mecanismos financeiros e relacioná-los com a sua óptica de

investimento reprodutivo, aliviando, a longo prazo, a despesa pública, é algo

fundamental de ser trabalhado. Tal como construir o modelo de garantia de

intervenção e de protecção dos interesses públicos, sociais e privados no

mercado do investimento social é essencial, não permitindo a deturpação dos

espaços ocupados pelo interesse público, pelo interesse social e pelo interesse

privado/lucrativo;

• Na área fiscal, igualmente é detectável importantes reflexões a ocorrerem e a

terem impacto no modelo de sistema fiscal existente. A dinâmica pigouviana,

assumida como moda recente quanto ao desenho do sistema fiscal, tem aqui um

potencial de extensão ao universo da inovação social, contribuindo para uma

Page 33: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

33  

quebra assumida da neutralidade fiscal e um redimensionamento do sistema

fiscal. E isto processa-se ao nível macro, enquanto orientação da política fiscal

necessária para a promoção e o apoio da inovação social, como terá reflexo a

nível micro, no tipo de tratamento fiscal, mais ou menos favorável, mais ou

menos específico, que será projectado/criado, inclusive na busca potencial de

bases de tributação alternativas às comummente dominantes e que parecem ir

demonstrando o seu desgaste;

• Na área social, a regulamentação das parcerias público-sociais e público-

privadas-sociais é fundamental por forma a gerir quer as expectativas quer a

organização financeira dos actores da inovação social. E assumir a partilha de

espaços de decisão e execução com os actores sociais implica, necessariamente,

a construção de um sistema jurídico para esses actores que passam a ser

parceiros da concretização das políticas públicas sociais, redinamizando os

instrumentos, as potencialidades e os deveres.71 Já para não referir a crescente

necessidade de acção pública na educação e formação para o consumo

socialmente responsável, por forma a construir espaços de responsabilização

para os actores económicos lucrativos que não alinham as suas políticas de

gestão ao desenvolvimento sustentável e ao triple bottom line approach já

referenciados como determinantes na organização societária contemporânea.

Do cruzamento das três áreas agora evidenciadas compreende-se que a inovação social

e toda a acção que envolve tenderá a provocar impacto em concreto para o sistema de

segurança social. Por tal afirmo que a inovação social tem também um significado

especial para o Estado Social.

6.3. O significado de Inovação Social para o Estado Social O que é o Estado Social e quais as suas áreas de acção e garantia não é o objecto de

estudo desta reflexão. Dentro do Estado Social, o elemento determinante no quadro do

                                                                                                               71 Precisamente por tal, em Portugal foi aprovada, em 2013, a Lei de Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013, de 8 de Maio) onde se estabelece a necessidade de acção concertada entre o Estado e o Sector Social, tanto quanto se exige uma renovação dos estatutos e regimes jurídicos do sector (artigo 13.º), algo que ainda apenas agora começa a ser dinamizado com a aprovação de regimes jurídicos-base de cada tipo de entidades (cooperativas, IPSS, etc), mas que não ficará por esses domínios organizacionais, até porque norma expressa existe (artigo 11.º) impondo a construção de um estatuto fiscal especifico para essas entidades e da análise dos artigos 9.º e 10.º verfica-se a necessidade de tornar claros e regulamentados os caminhos de parceria com o Estado.

Page 34: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

34  

trabalho do iLab é a Segurança Social. E neste contexto, a inovação social poderá ter

um importante impacto, algo que merece ser estudado de forma profunda e crítica.

Atenda-se ao crescente problema da sustentabilidade do sistema de segurança social,

algo não circunscrito ao território português, mas antes partilhado por todos os

modelos de protecção social contemporâneos amplificados pelo Estado Providência.

A busca da sustentabilidade não apenas se liga aos graves problemas demográficos

contemporâneos das sociedades ocidentais, mas igualmente ao modelo de gestão

financeira do sistema, algo que permita cumprir e garantir com os compromissos

contributivos e com os compromissos de garante de um mínimo de Bem-Estar, mas

igualmente algo que permita reforçar o esforço de reequilíbrio das finanças públicas e a

pressão que estas contêm quanto à despesa social na sua globalidade. A discussão sobre

modelos de protecção pública social limitados (plafonamento), o debate sobre a

reconfiguração dos riscos e do grau de protecção dos riscos e das eventualidades, quer

no domínio contributivo quer no domínio não contributivo, estão a ocorrer.72

A inovação social traz, para lá da temática da sustentabilidade financeira do sistema de

segurança social, outros dois aspectos fundamentais: a relação com a modernização e a

melhoria da qualidade das respostas sociais bem como a comunicação com a equidade

intergeracional.

Tendo a inovação social, em si assumida, novas respostas sociais a novos problemas

sociais, compreende-se que a modernização daquilo que é a resposta social acontece

através deste fenómeno, reconfigurando a exigência e a qualidade do serviço público,

bem como o modelo da oferta apresentada e da oferta necessária (algo já abordado com

a identificação das parcerias público-sociais e público-privado-sociais e a lógica

participativa). O conteúdo, a tipologia e os instrumentos da Sociedade de Bem-Estar

alteram-se e o sistema de segurança social não o pode ignorar, tendo de reformular-se

igualmente com base nesta realidade contemporânea de inovação social.

Referi ainda o impacto da inovação social na equidade intergeracional como elemento a

ter de ser compreendido, potenciado e trabalhado. Faço tal afirmação por ter

                                                                                                               72 Sobre a inovação social e o Estado Social, cfr. e.g. Rolf G. Heinze e Gehard Naegele, Social Innovations in Ageing Societies e Flavia Martinelli, Social Innovation or Social Exclusion? Innovating Social Services in the Context of a Retrenching Welfare State

Page 35: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

35  

reconhecido a existência da inovação social sistémica, por ter apreendido que a

inovação social pode ter impacto positivo no sistema, sendo tal de extrema relevância

quando se aborda as temáticas da reestruturação do pacto social e o modelo de

sociedade que é pretendido. A recente história portuguesa revelou feridas abertas entre

as gerações no tocante à distribuição dos esforços financeiros para suportar o Estado

Social e as inúmeras deficiências da gestão financeira pública. A tributação das pensões

com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade e o aumento da idade de reforma

são dois exemplos que revelaram a colisão entre gerações, algo que o Direito não pode

ignorar e que o interesse público deve sanar. O saber como e em que medida é também

tarefa do jurista, na análise interdisciplinar devida. É um espaço de suprema

importância para a investigação que também aqui fica identificado.

6.4. O significado de Inovação Social para o Estado Regulador Como anteriormente afirmado, a inovação social apresenta impacto no modelo de

governação. A lógica participativa confere alterações na forma como as políticas

públicas sociais são desenhadas e executadas. Contudo, em boa verdade, além do

desenho e da execução, também o modelo de monitorização e de controlo tenderá a ser

transformado, por forma a incorporar a lógica participativa nos seus vários níveis e

permitir o ajustamento apropriado das respostas socialmente inovadoras. Não

esquecer que atrás identifiquei como característica da inovação social a lógica aberta e

de partilha, assente na experimentação e na possibilidade de

adequação/modificação/ajustamento.

Não defendo a demissão pública na forma como o controlo da criação do valor social e o

cumprimento das regras do processo da inovação social devem ocorrer. Pelo contrário,

julgo ser necessário ponderar a necessidade da criação de um Regulador Social, capaz

de, sistemicamente, agir como garante da inovação social. A premência da investigação

agudiza-se quando se observa a escassez de recursos públicos para o investimento

social e a incorporação normativa de um mercado de investimento social, aberto e

dependente de vários agentes económicos e sociais, que vão, no final, construir ou não o

fim último do Bem-Estar através do valor social gerado, valor esse que tem de ser

medido para verificar da sua eficiência e da sua eficácia.

O exposto identifica alguns dos espaços a serem trabalhados pelo Direito e pelos seus

Page 36: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

36  

investigadores. Mas nesta reduzida amostra devem ainda ser integradas duas

preocupação essenciais: equilíbrio e risco.

Apesar de a intervenção jurídica ser necessária, esta não pode actuar demasiado cedo

no processo de criação de inovação social nem pode castrar a criatividade e a energia

dos inovadores sociais com um conjunto apertado e sufocante de normas e de espaços

regulados. O equilíbrio é fundamental. Uma análise perfunctória do ciclo de criação e de

desenvolvimento da inovação social faz o jurista ter consciência de que são múltiplas as

suas fases e de que o Direito não deve nem intervir em todas elas nem fazê-lo na mesma

medida ao longo do processo.73 Tal significa, na prática, a assunção que o processo de

inovação social assume uma hibridez resultante da combinação do modelo de Bottom-Up com o modelo de Top–Down, facto que demonstra aquilo que já atrás afirmei sobre a

inovação social ser um espaço dado a conflitos e à necessidade de construção de

consensos que implicam abordagens de longo prazo.

                                                                                                               73 O BEPA apresenta um quadro exemplificador do Ciclo de Desenvolvimento da Inovação que julgo ser esclarecedor e justificador para o agora afirmado. (Report BEPA, Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, pág. 54)

Da análise destes dados compreende-se a necessidade de o Estado garantir os espaços virtuosos da inovação social, ou seja, aqueles que são de origem privada e ou social e que têm espaços de maturação e concretização próprios que não podem ser forçados nem impostos por regras. O quadro evidencia que há uma importante garantia que deve estar presente no processo que é o acesso ao financiamento, tanto quanto é imprescindível garantir a existência de ferramentas jurídicas que permitam as cooperações e as parcerias entre os agentes inovadores, bem como a necessidade de desenvolver-se a possibilidade de construção de redes de inovação social. Sobre a matéria do ciclo da inovação social, cfr. ainda Filipe Santos, João Cotter Salvado, Isabel Lopo de Carvalho e Uwe G. Schulte, The life cycle of social innovations

Page 37: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

37  

A segunda preocupação que deve estar na mente jurídica ao tratar a inovação social é o

risco. O princípio da certeza e da segurança jurídicas tornam a intervenção do Direito,

em muitas situações, rígida. Ora a inovação social é algo que tem embutida a

flexibilidade e, sobretudo, a incerteza. O facto de a experimentação ser o caminho e de

esta poder não apenas levar a ajustamentos, mas igualmente a verificar a insuficiência

ou inadequação prática de uma determinada solução gerada, fará com que o Direito e a

investigação da inovação social através da lente jurídica tenham de ser também eles

inovadores, reformulando e ou gerando novos formatos, instrumentos e interpretações

que permitam consagrar a potencialidade da inovação social como modificadora da

sociedade em crise que hoje vivemos. E este é um desafio imenso. Seremos capazes?

Rita Calçada Pires Lisboa, Setembro de 2015 Bibliografia Bassi, Andrea How to Measure the Intagibles? Towards a System of Indicators (S.A.V.E) for the Measurement of the Performance of Social Enterprises. Hans-Werner Franz, Josef Hochgerner e Jurgen Howaldt (Ed.), Challenge Social Innovation. Potentials for Business, Social Entrepreneurship, Welfare ans Civil Society. Springer, 2012, págs. 325 - 350 BEPA. Empowering people, driving change: Social innovation in the European Union, 2011 BEPA, Social Innovation. A decade of change, 2014 Bulut, Cagri; Eren, Hakan; Halac, Duygu Seckin. Which One Triggers the Other? Technological or Social Innovation, Creativity Research Journal, 25 (4), 436–445, 2013

Comissão Europeia COM(2010) 2020 final, de 3 de Março de 2010 – Europa 2020 Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusive

COM(2010) 546 final, de 6 de Outubro de 2010 - Iniciativa emblemática no quadro da estratégia «Europa 2020» «União da Inovação» COM(2011) 808 final, de 30 de Novembro de 2011 - Horizonte 2020 - Programa-Quadro de Investigação e Inovação

COM (2013) 83 final, de 20 de Fevereiro de 2013: Investimento social a favor do crescimento e da coesão, designadamente através do Fundo Social Europeu, no período 2014-2020

Eggers, William D.; Macmillan, Paul. The solution Revolution: How Business, Government and Social Enterprises are teaming up to solve society’s toughest problems, Harvard Business Press, 2013 Fifka, Mathias S.; Idowu, Samuel O.. Sustainability and Social Innovation. Thomas Osburg e René Schmidpeter (Ed.), Social Innovation. Solutions for a Sustainable Future. Springer, 2013, págs. 309 – 315 Franz, Hans-Werner; Hochgerner, Josef; Howaldt, Jurgen (Ed.). Challenge Social Innovation. Potentials for Business, Social Entrepreneurship, Welfare ans Civil Society. Springer, 2012 Harrisson, Dennis. L’innovation sociale et l’entrepreneur schumpétérien: deux lectures théoriques, Revue Interventions économiques [En ligne], 45 | 2012, mis en ligne le 01 mai 2012, consulté le 27 août 2015. URL: http://interventionseconomiques.revues.org/1710 (consultado em 8 de Setembro de 2015) Heinze, Rolf G.; Naegele, Gehard. Social Innovations in Ageing Societies. Hans-Werner Franz, Josef Hochgerner e Jurgen Howaldt (Ed.), Challenge Social Innovation. Potentials for Business, Social Entrepreneurship, Welfare ans Civil Society. Springer,

Page 38: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

38  

2012, págs. 153 - 167 Heiskala, Risto; Hämäläinen, Timo J.. Introduction: Historical transformation challenges established structures. Social Innovations, Institutional Change and Economic Performance. Making Sense of Structural Adjustment Processes in Industrial Sectors, Regions and Societies, Ed. Timo J. Hämäläinen and Risto Heiskala, Edward Elgar Publishing, 2007, pág. 1-8

Hillier Jean et al., Trois essais sur le rôle de l'innovation sociale dans le développement territorial, !Géographie, économie, société, 2004/2 Vol. 6, p. 129-152. DOI : 10.3166/ges.6.129-152

Kiser, Cheryl; Shubert, J. Janelle; Leipziger, Deborah. Creating Social Value: A guide for leaders and change makers. Greenleaf Publishing, 2014 Kroeger, Arne; Weber, Christiana. Developing A Conceptual Framework For Comparing Social Value Creation. Academy Of Management Review 2015, Vol. 4015, n.º 1, págs. 43–70

Kuznets, Simon. Innovations and Adjustments in Economic Growth. The Swedish Journal of Economics. Vol. 74, No. 4 (Dec., 1972), pp. 431-451 Linton, Jonathan D.. De-babelizing the language of innovation. Technovation, n.º 29, 2009, págs. 729-737 doi:10.1016/j.technovation.2009.04.006 Maréchal, Jean-Paul. Humanizar a Economia. Edições Instituto Piaget, 2001

Martinelli, Flavia. Social Innovation or Social Exclusion? Innovating Social Services in the Context of a Retrenching Welfare State. Hans-Werner Franz, Josef Hochgerner e Jurgen Howaldt (Ed.), Challenge Social Innovation. Potentials for Business, Social Entrepreneurship, Welfare ans Civil Society. Springer, 2012, págs. 169 - 180

Mook, Laurie. Acounting For Social Value. University Of Toronto Press, Scholarly Publishing Division, 2013

Mumford, Michael D.. Social Innovation: Ten Cases From Benjamin Franklin, Creativity Research Journal, 2002, 14:2, págs. 253-266, DOI: 10.1207/S15326934CRJ1402_11

Murray, Robin; Caulier-Grice, Julie; Mulgan, Geoff. The Open Book of Social Innovation. NESTA & Young Foundation, 2010. URL: https://www.nesta.org.uk/sites/default/files/the_open_book_of_social_innovation.pdf

OCDE. Fostering Innovation to Address Social Challenges. WORKSHOP PROCEEDINGS, 2011. URL: http://www.oecd.org/sti/inno/47861327.pdf (consultado em 8 de Setembro de 2015) ONU

Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future (Brundtland Report), 1987 Resolução A/RES/55/2 8 de Setembro de 2000 – Declaração do Milénio

Pacheco; Anderson Sasaki Vasques; Santos; Maria João; Silva, Karin Vieira da. Social Innovation: a bibliometric research. Paper CIRIEC 2015. URL: http://www.ciriec2015.com/resources/files/CIRIEC2015_0364_paper.pdf (consultado em 8 de Setembro de 2015) Phills Jr., James A.; Deiglmeier, Kriss.; Miller, Dale T.. Rediscovering Social Innovation. Stanford Social Innovation Review, Fall 2008, pág. 34-43 Pinto, Rosalice. A raiz linguística da inovação social e o seu impacto na sociedade global: a base para a aproximação por parte do sistema jurídico Paper n.º 3/BD/iLab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/artigos-dogmaticos/ Pires, Rita Calçada. Tributação internacional do rendimento empresarial gerado através do comércio electrónico. Desvendar mitos e construir realidades. Almedina, 2011 Pol, Eduardo; Ville, Simon. Social Innovation: Buzz word or enduring term?. The Journal of Sociio-Economics, n.º 38, 2009, págs. 878-885, doi:10.1016/j.socec.2009.02.011

Roome, Nigel John. Sustainable Development: Social Innovation at the Interface of Business, Society and Ecology. Thomas Osburg e René Schmidpeter (Ed.), Social Innovation. Solutions for a Sustainable Future. Springer, 2013, págs. 299 - 308

Sá, Jorge de. Inovação Social, Capital Social E Desenvolvimento. Paper n.º 2/BD/ilab/Cedis/2015, disponível em http://ilab.cedis.fd.unl.pt/artigos-dogmaticos/ Santos, Filipe. A Positive Theory Of Social Entrepreneurship. Journal Of Business Ethics, 111 (3), 2012, págs. 335–351

Page 39: O QUE É A INOVAÇÃO SOCIAL? APROXIMAÇÃO AO CONCEITO …€¦ · públicas sociais como um instrumento de concretização dos direitos sociais, contendo a assunção do triângulo

                               

           

39  

Santos, Filipe; Salvado, João Cotter; Carvalho, Isabel Lopo de; Schulte, Uwe G.. The life cycle of social innovations. Thomas Osburg e René Schmidpeter (Ed.), Social Innovation. Solutions for a Sustainable Future. Springer, 2013, págs. 183-195

The Young Foundation, Study on Social Innovation, A paper prepared by the Social Innovation eXchange (SIX) and the Young Foundation for the Bureau of European Policy Advisors, 2010 The Young Foundation, Social Innovation Overview: A deliverable of the project: “The theoretical, empirical and policy foundations for building social innovation in

Europe” (TEPSIE), European Commission – 7th

Framework Programme, Brussels: European Commission, DG Research, 2012

União Europeia

Regulamento (UE) n.º 1296/2013, de 11 de Dezembro de 2013: Cria um Programa da União Europeia para o Emprego e a Inovação Social (EaSI) Regulamento (UE) n.º 346/2013, de 17 de Abril: Relativo aos Fundos Europeus de Empreendedorismo Social

Wobbe, Werner. Measuring Social Innovation and Monitoring Progress of EU Policies. Hans-Werner Franz, Josef Hochgerner e Jurgen Howaldt (Ed.), Challenge Social Innovation. Potentials for Business, Social Entrepreneurship, Welfare ans Civil Society. Springer, 2012, págs. 309 - 324

Mais literatura sobre inovação social recomendada na actividade de Curadoria Científica desenvolvida pelo iLab: http://ilab.cedis.fd.unl.pt/curadoria-cientifica/