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Curso : Fundamentos de Ética Profa. Mariana Paolozzi O que é ética ? 1 Esse termo é amplamente utilizado na linguagem contemporânea, mas normalmente de modo impreciso e vago (o que mostra uma deterioração semântica do termo, seu sentido muitas vezes pode parecer ambíguo). Geralmente não se estabelece uma distinção entre moral e ética, e costuma-se falar indiferentemente em “comportamento moral” como sinônimo de “comportamento ético”. É idêntica a etimologia desses termos, uma latina (mos-moris = costume), e outra grega (ethos = costume). Ambos podem ser usados como substantivo ou como adjetivo. O termo ética provém do grego, quer dizer “ costume ”; seu termo correspondente em latim é “ moral” (o hábito do indivíduo de agir segundo o costume estabelecido e legitimado pela sociedade). Apesar do termo ética muitas vezes ser empregado como sinônimo de moral designando o mesmo campo de conhecimento, faremos aqui uma distinção - a da linguagem contemporânea especializada -, onde o substantivo ética é reservado para designar o conhecimento ou estudo da moral (a reflexão sobre a moral). A moral, por sua vez, refere-se à práxis humana, ao agir, às regras de conduta dos indivíduos e de determinada sociedade. Onde nasceu a ética ? 1 Excertos e síntese do texto de Vaz, H. L. Introdução à Ética filosófica 1. São Paulo: Ed. Loyola, 1999, p.85-90. Material a ser usado apenas em sala de aula.

O que a política?

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O que a política?

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Curso : Fundamentos de ÉticaProfa. Mariana Paolozzi

O que é ética ?1

Esse termo é amplamente utilizado na linguagem contemporânea, mas normalmente de modo impreciso e vago (o que mostra uma deterioração semântica do termo, seu sentido muitas vezes pode parecer ambíguo).

Geralmente não se estabelece uma distinção entre moral e ética, e costuma-se falar indiferentemente em “comportamento moral” como sinônimo de “comportamento ético”. É idêntica a etimologia desses termos, uma latina (mos-moris = costume), e outra grega (ethos = costume). Ambos podem ser usados como substantivo ou como adjetivo. O termo ética provém do grego, quer dizer “ costume ”; seu termo correspondente em latim é “ moral” (o hábito do indivíduo de agir segundo o costume estabelecido e legitimado pela sociedade).

Apesar do termo ética muitas vezes ser empregado como sinônimo de moral designando o mesmo campo de conhecimento, faremos aqui uma distinção - a da linguagem contemporânea especializada -, onde o substantivo ética é reservado para designar o conhecimento ou estudo da moral (a reflexão sobre a moral). A moral, por sua vez, refere-se à práxis humana, ao agir, às regras de conduta dos indivíduos e de determinada sociedade.

Onde nasceu a ética ?Os filósofos gregos foram os criadores da ética. Sócrates inaugurou

a tradição de pensamento sobre a conduta humana (posteriormente chamada de Ética) e depois Aristóteles foi o primeiro a defini-la com exatidão : como o constante exercício das virtudes morais e o exercício da investigação e da reflexão metódicas sobre os costumes.

É a partir da fundação socrática da Ética que se constituem os modelos de pensamento ético na cultura ocidental que permanecem até nossos dias.

A questão do bem supremo, de cuja fruição decorre a verdadeira felicidade humana (eudaimonia), passa a ser a questão primordial das grandes escolas filosóficas helenísticas, do epicurismo e do estoicismo, para as quais a ética é o saber mais elevado, e cuja aquisição exige o reto uso da razão.

1 Excertos e síntese do texto de Vaz, H. L. Introdução à Ética filosófica 1. São Paulo: Ed. Loyola, 1999, p.85-90. Material a ser usado apenas em sala de aula.

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A ética, entendida como ensinamento sobre a felicidade (eudamonia ou a beata uita) passa a ser considerada na Antiguidade como a razão de ser da Filosofia.

Para Cícero (em De finibus bonorum et malorum), que versa justamente sobre as diversas concepções do Bem supremo propostas pelas escolas helenísticas, nenhuma outra razão leva os homens à Filosofia senão a procura da felicidade (beata vita).

A ideia do Bem vai torna-se o núcleo da ética nascente. Todo o desenvolvimento posterior do pensamento ético terá como problema fundamental estabelecer qual o fim último, isto é, o Bem supremo do ser humano e, a partir desse Bem supremo, estabelecer a hierarquia dos bens voltados à felicidade.

Pretende-se com este curso pôr em relevo a continuidade de uma mesma iniciativa de interrogação e reflexão que se dirige a uma das experiências fundamentais e constitutivas da vida humana : a experiência moral (a das escolhas; a do agir).

Fato irrecusável é que as mesmas questões que estão na origem histórica da Ética alimentam a variedade de respostas que a elas vão sendo dadas na sucessão dos sistemas éticos, e que as grandes categorias que permitiram a construção dos primeiros modelos de Ética na Antiguidade permanecem fundamentalmente inalteradas até hoje, não obstante as muitas interpretações de que têm sido objeto. Basta pensar nas noções (idéias) de Bem, de Fim, de Virtude, de Justiça, de Liberdade, de Consciência moral, de Obrigação moral e outras.

Um pouco mais de vinte e cinco séculos nos separam dos começos da Ética, mas quem poderá dizer que não são as mesmas exigências profundas de nossa natureza humana a se manifestar na interrogação socrática : como devemos viver ? o que devo fazer ?

Trata-se do confronto da razão com a prática vivida pelas sociedades e pelos indivíduos na imensa variedade das situações e das épocas.

A história da ética nos mostra o itinerário da razão na busca de um fundamento último para o agir ético.

II – Algumas características da ética antigaUm dos primeiros preceitos do saber ético dos gregos é o “

conhece-te a ti mesmo”. Na consciência da distância entre os seres humanos e os deuses imortais, os indivíduos se viam entregues a si mesmo, diante da necessidade de escolher seu caminho, tendo a guiá-lo apenas a luz do saber ético que a tradição lhes confiava.

Fazer proceder esse saber da razão, eis uma das tarefas que a ética antiga se propõe desde Sócrates, tornando o “conhece-te a ti mesmo” seu

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tema constante, no qual é permitido ver uma primeira imagem da consciência moral (do discernimento moral).

Na experiência de sua frágil condição de ser efêmero e falível, os gregos tinha diante de si como medida e padrão para a sua ação alguns preceitos. O primeiro deles, do qual procedia justamente o predicado fundamental do agir e do sujeito éticos, era o Bem, cuja causalidade final, exercendo-se sobre o agir, conferia ao sujeito a qualidade ética fundamental do “ ser bom”.

Toda a ética antiga será uma ética do Bem e sobre essa categoria, diversamente interpretada, serão construídos seus grandes sistemas.

Nos fins do século V o termo agathon (Bem), depois de percorrer uma ampla gama de significações, fixa-se predominantemente em sua significação ética com a qual será definitivamente consagrado por Platão.

O agir orientado para o Bem implica justamente a autonomia do sujeito ético, colocado em face da imprescritível tarefa de realizar o Bem na própria vida, tarefa que só a ele pertence.

A partir da preeminência do Bem, surge uma aporia (dificuldade) que irá estar presente em todo o desenvolvimento da Ética antiga : por um lado a realização do Bem, sendo tarefa do ser humano, é, antes de tudo, obra de sua faculdade específica, a razão (logos). O homem bom há de ser o homem sábio. Por outro lado, as condições que intervém na realização do Bem escapam, em grande parte, ao domínio da razão e da capacidade humanas, comprometendo seriamente a autonomia do homem bom, que se vê às voltas com a “ fragilidade da bondade” (a realização do bem é tarefa humana, mas há coisas que escapam ao domínio da razão). Esse é drama que acompanha a experiência moral dos gregos e que será transmitido à nascente Ética.

Sendo o agente ético responsável em última instância diante de si mesmo ou da própria razão (não diante de um Deus pessoal a quem deva fidelidade e obediência), a falta ética é pensada sobretudo como insensatez ou ignorância (sem razão), e sua cura, como ensinarão enfaticamente Sócrates e Platão, deve provir da posse da sabedoria.

As noções de Bem (ou Fim), Virtude, Lei, Justiça constituem a estrutura conceitual básica da ética antiga que os grandes sistemas organizarão de acordo com as experiências éticas fundamentais que estão em sua origem. Essas experiências dizem respeito à forma primeira e determinante de “ vida no bem”, ou seja, da vida plenamente realizada ou feliz, vida que procede de uma reta concepção do próprio bem como Bem supremo e Fim último.

A ética antiga terá em todos os seus grandes modelos uma feição eudaimonista (voltada à busca da felicidade) e teleológica (as coisas visam a um propósito, a um fim). Pode-se dizer que esses traços distintivos juntamente com as grandes categorias que os compõem,

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constituem o núcleo permanente da continuidade histórica da Ética ocidental.