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O que as mulheres querem

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Matéria de comportamento sobre diferenças biológicas e psicológicas entre os gêneros e as consequências no mercado de trabalho

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Elas geralmente ganham menos. Mas em boa parte dos casos é uma questão de

escolha. Uma pesquisa prova que a genética é determinante para definir o que é sucesso

entre os gêneros no mercado de trabalho

Fernanda Carvalho

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Vinte e oito anos, casada, em-preendedora. Laura Motta é

formada em arquitetura, mas resol-veu trabalhar com o que realmente gosta. Abriu uma franquia do Cafe de La Musique em Belo Horizon-te e deu um toque feminino: criou um ambiente único para a noite de homens e mulheres acima de 25 anos. De acordo com Laura, ne-nhum homem exerceria da mesma forma o cargo que ela ocupa. Para muita gente, esta não passa de uma afirmação feminista. Mas a cientis-ta canadense Susan Pinker provou que homens e mulheres são bio-logicamente distintos e que esta é uma das maiores causas de tantas diferenças no mercado de trabalho.

Muitas mulheres, com certeza, já se depararam com aquele colega do terceiro ano, que vivia fazendo bagunça e nunca estudava. Anos depois, começa a trabalhar na em-presa dos sonhos e a ganhar muito dinheiro. Revoltadas, as feministas se sentiram injustiçadas e pensa-ram que tudo não passava de pre-conceito. Enganaram-se.

Em Belo Horizonte isto também acontece: enquanto a mulher ganha R$ 6,74 por hora, o homem chega a R$ 8,68, conforme a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese. O que significa que a mulher tem apenas 77,7% do rendimen-to do homem por hora. De acordo com Gabrielle Selani, socióloga e co-ordenadora técnica da PED, um dos motivos é que homens e mulheres operam em setores diferentes.

O mesmo foi comprovado por Pinker em O Paradoxo Sexual. Segun-do a cientista, o fato de mulheres ge-ralmente ganharem menos que ho-mens está ligado às escolhas que elas fazem. Por exemplo, trabalhar menos horas semanais para cuidar da famí-lia. Historicamente a mulher sempre buscou empregos mais flexíveis.

Caroline Passuello é consultora na área de gestão de risco da DNV. Depois que ganhou gêmeos, que agora estão com pouco mais de um ano, ela teve a oportunidade de tra-balhar em casa, tendo que viajar de tempos em tempos. “Quando me fizeram a proposta desse emprego eu amei. É bem desafiador e eu po-

deria viajar, coisa que sempre gos-tei. Até adiei a maternidade muito por causa dele. Mas agora, a carrei-ra é importante, mas é só a carreira. Por exemplo, se minha empresa me obriga a trabalhar seis meses em um projeto na Índia, não tem nego-ciação. Não vou”, garante.

Na época vitoriana, fase em que a Rainha Vitória esteve no governo inglês, a mulher passou a ser vista como guardiã da família e servido-ra do homem. Com as três fases do movimento feminista, ela ganhou mais liberdade de decisão. Mas, mesmo trabalhando fora de casa, ela não deixou de fazer o habitual. De acordo com a psicóloga Meiry Kamia, a carga de trabalho foi au-mentada. “Às vezes o homem lava

uma louça e nós achamos isso o máximo. Na verdade o que houve foi um abraçar de outro papel”, ex-plica a psicóloga.

Para adentrar no mercado de trabalho, a mulher se “travestiu” de homem, passou a usar terninho e a incorporar um jeito mais rígido, a imitar os comportamentos mas-culinos. “Mas ela já começa a arru-mar o próprio jeito de ser. O fato da Dilma ser mulher e presidente já faz a gente pensar ‘Poxa, pode ser eu’”, afirma Kamia.

O feminismo sempre buscou tornar iguais os gêneros, em direi-tos e liberdade. Desde a primeira fase do movimento, a mulher al-meja ocupar os mesmos cargos que homens, ter os mesmos salários e a

Carol Brandão, gerente de vendas da City Best:

“Enquanto eu tentar ser um homem, eu vou

continuar tentando ser um homem, não vou ser uma mulher

brilhante que posso ser”

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mesma liberdade de escolha. Em O Paradoxo Sexual, Pinker reflete que muitos não percebem que conside-ram o homem como padrão e a mu-lher uma versão do modelo básico. “Fomos levados a acreditar que não deveriam haver diferenças reais en-tre os dois gêneros. Mas a ciência emergente subverte a noção de que o homem e a mulher são intercam-biáveis, simétricos ou equivalen-tes”, explica a cientista no livro.

Naturalmente distintosPara entender como essas dife-

renças biológicas afetam no âmbito profissional, é preciso analisar desde o nascimento de meninas e meninos.

Mesmo antes de nascerem, eles já começam a demonstrar serem frá-geis. Pesquisas citadas em O Parado-xo Sexual revelam que meninas pre-maturas têm 1,7 vezes mais chances de sobreviver que os meninos na mesma situação. Além disso, quan-do expostos a ambientes de risco, há mais chances delas nascerem e serem saudáveis do que eles.

A fragilidade acompanha o sexo masculino na infância. O número de meninos com déficit de atenção

e problemas de aprendizado é bem maior que de meninas. Basta obser-var o comportamento em uma tur-ma de alunos. Na maioria dos ca-sos, enquanto elas prestam atenção na aula e tomam nota dos deveres de casa, eles se preocupam em ajei-tar o aviãozinho de papel e fazer graça para os outros colegas rirem. As garotas prontamente obedecem tudo o que a elas é pedido. Já os meninos, questionam.

Foi sobre esta “pequena” dife-rença que a pesquisadora e profes-sora de economia, Linda Babcock, desenvolveu o estudo Women don’t ask ou Mulheres não perguntam. Linda observou que os alunos do sexo masculino conseguiam chegar com mais facilidade onde queriam. Já as mulheres, permaneciam como auxiliares. A partir desta constata-ção, ela começou a buscar o porquê deste fato ser recorrente. “A respos-ta mais simples é que elas não per-guntam a razão de esse ser o modo como foram criadas. Elas temem re-trocesso, porque a negociação pode torná-las demasiadamente agressi-vas”, explica a pesquisadora.

Carol Brandão já trabalhou em

diversas empresas de telecomuni-cação e hoje é gerente de vendas do CityBest. Segundo ela, sua maior aptidão sempre foi para a área co-mercial. “Acho que sou vendedora independentemente do setor”, afir-ma. Para Brandão, é isso que falta: a mulher não sabe se valorizar nem se vender. “Na essência feminina, dentro do que acredito, ela é inse-gura. Então o homem sabe se im-por melhor, simplesmente nego-ciar”, pensa.

Desde pequenas as meninas são educadas com atividades passivas. Os quartos femininos são deco-rados com a cor rosa, já o menino joga futebol ou luta. Elas ganham bonecas, enquanto garotos são pre-senteados com carrinhos e bolas. Se o menino apanha do coleguinha, ele tem que revidar. As meninas não podem bater. Se isso aconte-cer, os pais correm e coloca a filha no balé. De acordo com Meiry Ka-mia, as mães criam seus filhos sob o mesmo modelo já há muito tem-po, e isso determina quem será essa criança na fase adulta. O tratamen-to sempre foi diferenciado para ho-mens e mulheres. “Tem a genética,

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Os genes podem determinar o futuro profissional de homens e mulheres. As escolhas femininas talvez sejam o motor da diferença entre os gêneros no mercado de trabalho

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somos e o que sere-mos, teremos sérias dificuldades em protagonizarmos nossa vida e nos tornarmos respon-sáveis por nossas escolhas”, afirma o psicólogo.

Uma questão con-troversa

A inclusão da genética como fator influente no futuro profissional de ho-mens e mulheres já causou grandes po-lêmicas. Lawrence Henry Summers, economista e ex-rei-tor da Universidade de Harvard, viu-se

forçado a pedir demissão depois da polêmica gerada por um discurso em 2005. A palestra era sobre as di-ferenças de gêneros em corpos do-centes de ciência em universidades norte-americanas.

Summers apresentou três fato-res como preponderantes para a falta de mulheres em posições de alto nível na docência de ciência e engenharia. O primeiro deles é que estes empregos são tão mesquinhos que muitas mulheres os evitavam. O terceiro ponto foi sobre sociali-zação e constante discriminação. Mas o que gerou o maior problema foi o segundo fator considerado: a variabilidade masculina. “Em po-sições nas áreas de pesquisa em fí-sica ou engenharia, que disputam uma pequena fração do talento hu-mano do mais alto nível – em que não apenas há pouquíssimas mu-lheres, mas também muito poucos homens -, é possível observar com mais nitidez as diferenças de gêne-ro”, completou Summers.

A opinião destoante, que fez com que o economista fosse obriga-do a sair da Universidade de Har-vard, já havia sido comprovada por vários cientistas, que preferiram ficar calados depois do escândalo. Pesquisas em diferentes partes do planeta já chegaram à conclusão de que homens ocupam, significativa-

que um maior número de mulhe-res ingressa em um curso superior e vai até o fim. Mas, apesar disso, eles continuam conseguindo o que muitos chamam de os melhores em-pregos, com os melhores salários.

Para o psicólogo clínico Willian MacCormick, essas diferenças fa-zem parte de uma construção so-cial centenária, onde o homem era o provedor e a mulher a cuidadora da casa e dos filhos. “Vejo nestes estudos e pesquisas um aponta-mento para um determinismo ge-nético que não me agrada. Se ficar-mos presos a ele, se ele dita o que

mas não é só isso. O peso principal é o social”, afirma a psicóloga.

Voltando à turma de crianças, quando estão em um parquinho de brinquedos, o comportamento di-ferente também é nítido. Meninas procuram ficar juntas, com bone-cas, fazendo castelos de areia, arru-mando o cabelo uma da outra. Já os meninos correm de um lado para o outro, pulam e não ficam quietos. Essa diferença gritante vai mui-to além do social. Um hormônio, presente em homens e mulheres, é quem dita as regras neste jogo.

A testosterona é responsável pelo desenvolvimento das carac-terísticas masculinas. Em homens adultos, ela está presente numa proporção de 20, 30 vezes maior do que nelas. E este talvez seja um dos fatores preponderantes para expli-car o porquê deles chegarem quase sempre com os joelhos esfolados em casa. Homens gostam de ati-vidades de risco desde a infância. São competitivos e impulsivos.

Apesar da agressividade geral-mente surgir desde cedo, ela pos-sivelmente diminui ao longo da vida. Mas esta competitividade é também um dos fatores decisivos na carreira profissional.

Quando crescem, meninas conti-nuam se saindo melhor nos estudos da faculdade. Pesquisas indicam

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Willian MacCormick, psicólogo

O fato é que até poucas décadas - e até hoje em alguns

locais e famílias - o homem era o ser desejante e a mulher o objeto

de desejo. Hoje, o homem descobriu

que seu objeto também deseja

As estatísticas mostram que um número maior de mulheres ingressa em um curso superior e vai até o fim

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mente mais que mulheres, as extre-midades em tabelas de habilida-des. Por isso que, por exemplo, na maioria das vezes encontramos em salas de aulas ou meninos brilhan-tes ou completamente desatentos. Dificilmente deparamos com “mu-lheres-Einstein” ou “mulheres-Ja-son Voorhees – o assassino”. Elas costumam ser mais estáveis.

O terceiro ponto apresentado por Summers, sobre socialização e constante discriminação, foi a dis-cussão que acompanhou a mulher em toda fase de desenvolvimento profissional. Pesquisas demons-tram que o preconceito ainda existe e que pode atrapalhar, e muito, a vida profissional feminina.

Cristiani Celuta, gerente de ven-das da rede Unifar Drogaria, come-çou na empresa como balconista e foi crescendo de posto até chegar à

gerência. A rede apostou na capaci-dade dela, fazendo-a deslanchar na carreira. Hoje ela também é formada em psicologia. “Percebo o preconcei-to claramente. Certa vez um cliente pediu pra falar com o gerente. Na hora que cheguei, ele refez o pedi-do e disse que eu era muito nova e que não resolveria o problema dele. O cliente queria um homem no meu cargo. No final, acabou pedindo des-culpas”, exemplifica.

Um estudo com 172 mulheres matriculadas em cursos de MBA e Mestrado, realizado pela mestre em Administração, Liliana Carneiro, concluiu, entre outras coisas, que quanto maior é a percepção de dis-criminação entre gêneros no traba-lho, menor é a satisfação das mulhe-res. “O fenômeno do teto de vidro descreve uma barreira que, apesar de sutil, é suficientemente forte

para impossibilitar a ascensão de mulheres a níveis mais altos na hie-rarquia organizacional, afetando-as como grupo e impedindo avanços individuais”, explica Carneiro.

Segundo o sócio-gerente da Asap, Fernando Guedes, essas dife-renças já não existem mais em mé-dias e grandes nacionais e multina-cionais. “Independentemente do gê-nero, precisa dar resultado”, afirma.

De acordo com Guedes, assim como na empresa em que Caroline Passuello trabalha, hoje as organiza-ções têm se moldado às necessida-des femininas a partir da flexibilida-de de trabalho. “Todas as empresas já têm essa abertura, se ela for uma profissional diferenciada”, expõe.

Diferenciada e não igual ao ho-mem. Para Willian MacCormick, a mudança do feminino é a crise do masculino. “O fato é que até pou-cas décadas – e até hoje em alguns locais e famílias – o homem era o ser desejante e a mulher o objeto de desejo. Hoje, o homem descobriu que seu objeto também deseja”, analisa o psicólogo.

Laura Motta afirma que a mu-lher é completamente diferente do homem. “Até o corpo é diferente. Ela não deve tentar ser igual, deve ser diferente”, propõe. Carol Bran-dão concorda. “Enquanto eu tentar ser um homem, eu vou continuar tentando ser um homem, não vou ser a mulher brilhante que pos-so ser. Da mesma forma, eles não devem tentar ser como a mulher. Cada um tem suas fortalezas”, acrescenta a gerente de vendas.

Conforme Susan Pinker, elas realmente seriam mais felizes se reconhecessem as diferenças entre os gêneros. “Na verdade, é impor-tante que as mulheres comecem a reconhecer o que é seu verdadei-ro interesse e desejo, e não sintam que têm de estar de acordo com um padrão masculino”, conclui a cientista. Talvez a igualdade entre os gêneros não devesse ser o mo-tor da sociedade. E sim, a desigual-dade: mulheres sendo mulheres e homens sendo homens. Cada um exercendo um papel, motivado pe-las escolhas e pelos desejos genéti-cos e individuais.

Susan Pinker, autora de O Paradoxo Sexual, considera que o fato de mulheres geralmente ganharem menos esteja ligado às escolhas que elas fazem