O Que Dizem os Economistas Sobre as Motivações dos Voluntários

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Apresenta-se um resumo dos modelos que estão na base da investigação económica das motivações dos voluntários. Discutem-se os resultados empíricos dos testes que têm vindo a ser feitos, concluindo que, embora focando motivações importantes relacionados com o voluntariado, como o altruísmo, a satisfação pessoal e o investimento no mercado de trabalho, estes modelos têm-nos conduzido a reduzir a análise do voluntariado à medição do efeito do salário. Por fim, são percorridas algumas sugestões propostas por outros autores para ultrapassar estas limitações.

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    O Que Dizem os Economistas Sobre as Motivaes dos Voluntrios

    Gabriela Moreira Pereira Assistente

    Universidade de vora Departamento de Economia

    Resumo: Apresenta-se um resumo dos modelos que esto na base da investigao econmica das motivaes dos voluntrios. Discutem-se os resultados empricos dos testes que tm vindo a ser feitos, concluindo que, embora focando motivaes importantes relacionados com o voluntariado, como o altrusmo, a satisfao pessoal e o investimento no mercado de trabalho, estes modelos tm-nos conduzido a reduzir a anlise do voluntariado medio do efeito do salrio. Por fim, so percorridas algumas sugestes propostas por outros autores para ultrapassar estas limitaes.

    Abstract We propose a summary of those models that have been used by economists to justify volunteers motivations. We discuss empirical results coming from testing those models, concluding that although there are some important motivations related to volunteering in the findings, like altruism, personnel fulfilment and investment in the labour market, those models almost reduce volunteering to the measure price (wage) effect. At the end, we analyse some authors that have been advancing work proposals intending to overtake these difficulties.

    Introduo

    Clearly volunteering is a complex phenomenon whose explanation transcends the confines of any one approach. Psychology, Sociology, Anthropology, and other disciplines all provide important and pertinent insights into volunteering. We do not (could not) attempt to provide a universal theory of volunteering, nor are we trying to supplant explanations that derived from other disciplines. Our aim is more modest: we offer an economics explanation for certain types of volunteering. [Katz & Rosenberg, (2005), p.431]

    Na perspectiva da Teoria Econmica Neoclssica, o comportamento racional, maximizador da utilidade, parece incoerente com a contribuio de tempo para o bem pblico sem compensaes monetria. Da o esforo adicional a que os economistas se viram forados para justificarem que indivduos com restries quer monetrias quer de tempo doem servios.

    Protagonizado por autores como Andreoni, Menckik & Weisbrod, este esforo deu origem a modelos resultantes da Teoria Econmica que se propem, exactamente, dar resposta questo da explicao deste tipo de comportamento benvolo. Na raiz das diferentes propostas destes e de outros autores, encontramos os pressupostos ligados s motivaes dos voluntrios.

    Tradicionalmente a investigao nesta rea tem sido realizada com base no modelo dos bens pblicos, no modelo do consumo privado, no modelo do altrusmo impuro e no modelo de

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    investimento. Mais recentemente tm surgido hipteses explicativas alternativas na rea da Economia Experimental /Institucionalista que sero igualmente trazidas a esta discusso.

    Apresenta-se um resumo destes modelos e dos resultados empricos resultantes dos testes que tm vindo a ser feitos. Conclui-se da anlise realizada que, embora focando algumas das motivaes importantes relacionados com o voluntariado, como o altrusmo, a satisfao pessoal e o investimento no mercado de trabalho, os desenvolvimentos dos modelos tm-nos conduzido invariavelmente questo da medio do efeito preo do voluntariado, comummente avaliado pelo salrio. Esta discusso acaba por reduzir o voluntariado a uma escolha realizada na esfera do trabalho remunerado, retirando-lhe outros significados provavelmente mais prximos daquilo que na realidade inspira o comportamento voluntrio.

    Descrevem-se os esforos de alguns economistas no sentido de entenderem o voluntariado de forma mais complexa, aventurando-se claramente em reas tradicionalmente consideradas na margem entre a Economia e as outras cincias.

    I Os Modelos Explicativos da Deciso de se Tornar Voluntrio

    Da apreciao da literatura, conclui-se que a investigao econmica nesta rea est numa fase muito embrionria. Durante a dcada de 90, assistiu-se, ainda assim, a um perodo de especial actividade em termos de publicao neste domnio. Com excepo do trabalho precursor de Menchik & Weisbrod (1987), nesta dcada que se encontram os trabalhos de referncia que permitiram criar um corpo terico com propostas alternativas de modelizao da oferta de voluntariado. Desde 2000, encontram-se menos trabalhos publicados, embora a investigao continue com relativo dinamismo perceptvel atravs de alguma regularidade com que so elaborados working papers. Desconhecem-se as razes pelas quais estes working papers no tm dado origem a publicaes em revistas na rea da Economia. A espera a que tradicionalmente os trabalhos de investigao esto sujeitos at serem publicados, o desinteresse das revistas pelo tema?

    At recentemente, a escassez de bases de dados que tornassem exequveis trabalhos desta natureza prejudicou gravemente a concretizao de projectos de investigao. Actualmente comum atribuir-se ao Ano Internacional dos Voluntrios (2001) um aumento da investigao, resultante do esforo realizado em termos de recolha de dados, em diferentes pases pelo mundo inteiro.

    Certo que no chegar dezena o nmero de trabalhos de investigao que contriburam de forma original para a elaborao de um modelo que permita explicar o comportamento dos indivduos quanto oferta de tempo.

    De Roy & Ziemek (2000) foi adaptado, e completado com trabalhos adicionais, o quadro seguinte que sintetiza os modelos explicativos ditos tradicionais do voluntariado:

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    Quadro n 1 - Modelos Explicativos do Voluntariado

    Modelo

    Motivaes Genricas Autores

    Modelo dos Bens Pblicos

    Aumentar a Oferta do Bem Pblico Schiff (1990); Duncan (1999)

    Modelo de Consumo Privado

    Satisfao Pessoal/ alegria do acto de voluntariado: utilidade Warm Glow

    Menchik & Weisbrod (1987); Schiff (1990); Brown & Lankford (1992); Freeman (1997); Banks & Tanner (1998); Schady (2001); Garcia & Marcuello (2002); Segal & Weisbrod (2002); Feldman (2003); Hackl et al. (2004)

    Modelo de Altrusmo

    Impuro

    Sntese dos Modelos a) e b)

    Andreoni et al. (1996); Duncan (1999); Enjolras (2001); Smith & Chang (2002)

    Modelo de Investimento

    Ganhar experincia de trabalho, competncias e atributos

    Mueller (1975); Menchik & Weisbrod (1987); Day & Devlin (1998); Day (2000); Prouteau & Wolff (2003); Hackl et al. (2004).

    Fonte: Adaptado de Roy & Ziemek (2000)

    O MODELO DOS BENS PBLICOS E O MODELO DE CONSUMO PRIVADO (E O MODELO DE ALTRUSMO IMPURO COMO SNTESE DOS DOIS)

    No modelo dos Bens Pblicos, o desejo de aumentar o bem pblico motiva os doadores, da que uma doao s tenha significado se tal acontecer. No modelo de Consumo Privado o acto de doar, em si prprio, que motiva a doao, razo pela qual o comportamento benvolo tem sempre razo de ser. A juno dos dois modelos proporciona um modelo mais realista. Neste caso, os doadores so motivados tanto pelo resultado das suas doaes como pelo sentimento gratificante do prprio acto. Falamos do modelo de Altrusmo Impuro.

    O MODELO DOS BENS PBLICOS

    De acordo com este modelo, a motivao subjacente a um acto de voluntariado resulta dos benefcios indirectos que um indivduo retira do aumento da utilidade de outros. A razo da doao de tempo para bens pblicos produzidos por privados reside no aumento da oferta total do bem pblico. Um comportamento em que algum se torna voluntrio apenas em benefcio dos outros, sem qualquer recompensa ou utilidade directa da sua doao, define-se como Altrusmo Puro.

    O modelo de Bens Pblicos enquanto explicao do voluntariado levanta algumas questes, entre as quais, a mais importante a do passageiro clandestino. Os economistas explicam-no da seguinte forma: se um indivduo encontra apenas na melhoria do bem-estar de terceiros a motivao para realizar uma doao, a sua utilidade aumentar de igual forma caso seja um terceiro a realizar a doao. Assim, se no retirar quaisquer outras recompensas do acto de doar, embora exista a motivao, no ter qualquer incentivo em efectivar a sua contribuio, ir boleia da contribuio dos outros. Este modelo criticado pelo facto de, sendo as

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    contribuies de terceiros substitutas da contribuio do prprio, faltar encontrar um mecanismo que justifique a efectivao da doao.

    O MODELO DE CONSUMO PRIVADO

    O modelo de consumo privado, de acordo com Andreoni (1990), procura resolver algumas questes que o modelo de bens pblicos (altrusmo puro mais comum at data) apresentava em termos de poder de explicativo. Esta maior capacidade explicativa da realidade resulta de ser possvel contornar o problema do passageiro clandestino.

    Segundo este modelo, os indivduos retiram utilidade do consumo de caridade de forma semelhante que acontece para os bens privados. As pessoas encaram o tempo de voluntariado como um bem de consumo, algo para ser desfrutado ou consumido. A utilidade resulta no s do facto de o bem ser oferecido, como acontecia para o modelo anterior, mas especificamente da contribuio do prprio. Andreoni (1989) chamou a este efeito: utilidade warm glow da doao (satisfao pessoal). Uma vez que o bem-estar do indivduo no depende do bem-estar de outros, o autor apelida as preferncias que do origem funo de utilidade de preferncias egostas [Andreoni (1989), p. 1449].

    A motivao intrnseca da doao , neste caso, o prprio acto de doar. O processo de ser voluntrio e as recompensas associadas motivam o indivduo a doar. Os resultados desse acto e as necessidades dos outros, como um todo, no influenciam a deciso1. Para Andreoni, as pessoas tm gosto em doar e esse prazer pode ter vrias justificaes: o status adquirido, o reconhecimento ou, simplesmente, a vivncia de uma experincia gratificante (warm glow) resultante do sentimento de cumprimento do dever (Andreoni, 1989- pp.1148). Anteriormente j Boulding (1962) identificara para alm de algumas destas, uma outra: o reconhecimento de que existe uma identidade comum na humanidade.

    O MODELO DE ALTRUSMO IMPURO

    Este modelo foi apresentado por Andreoni (1989, 1990)2. Partindo do Modelo dos Bens Pblicos, o autor props que se alargasse o modelo de forma a incluir um elemento de satisfao pessoal na doao (warm glow). apelidado de Altrusmo Impuro exactamente por incluir esta segunda motivao, que acaba por retirar alguma pureza ao conceito de altrusmo, ao assumir que o doador pode apropriar-se de parte dos benefcios da doao.

    Segundo Andreoni (1989), razovel esperar que as preferncias incluam uma combinao de sentimentos altrustas e de sentimentos egostas: as pessoas preocupam-se com o nvel de bem pblico, recebendo, igualmente, uma certa satisfao pessoal (warm glow). O seu autor original considera este modelo uma metodologia poderosa, ainda que simples, de tratar as doaes, sendo consequente com as observaes empricas [Andreoni (1989), p. 1449]. Na prtica, este modelo resulta da juno dos dois modelos anteriores. O modelo dos bens pblicos e o modelo de consumo privado. 1 Duncan (1999a) chega mesmo a afirmar que os doadores ficaro igualmente felizes ainda que suas doaes no

    produzam qualquer resultado. 2 Conforme o autor, as tentativas anteriores de incluir a satisfao pessoal no modelo de doao foram inspiradas

    na original sugesto de Becker (1974).

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    Proposto inicialmente para explicar as doaes monetrias, com muito pouca frequncia tem sido utilizado em investigao no mbito do voluntariado

    Formalizando os Modelos

    Assume-se que existem n indivduos e apenas um bem privado, ix e um bem pblico, ( )VC , resultante da soma das contribuies em tempo ==

    n

    i ivV

    1. Cada indivduo i gasta o seu

    rendimento, dependente de um salrio fixo, w , e do rendimento no proveniente do trabalho, iy, na aquisio do bem privado e enfrenta uma restrio quanto ao seu tempo, t , que dever

    ser afecto entre o trabalho remunerado, o voluntariado, iv , e o lazer, il . Assume-se que a funo utilidade estritamente quase cncava e crescente com os argumentos.

    Quadro n 2 Formalizao dos Modelos Explicativos do Voluntariado

    O PROBLEMA GENRICO DE MAXIMIZAO DA UTILIDADE DO VOLUNTRIO

    { } ivlx Uiii Max

    ,,

    ,,...,1 ni =

    s.a. ( ) iiii xyvltw =+

    tvtl, x iii 0 ,00.

    O MODELO DE BENS PBLICOS O MODELO DE CONSUMO

    O MODELOS DE ALTRUSMO IMPURO

    [ ])(,, VClxUU iiii =

    ,,...,1 ni =

    ( )iiiii vlxUU ,, =

    ,,...,1 ni =

    ( )[ ]VCvlxUU iiiii ,,, =

    ,,...,1 ni =

    a) Modelo dos Bens Pblicos

    Neste modelo, as preferncias do voluntrio altrusta dependem do consumo privado e do nvel agregado de oferta de bem pblico. Poderemos entender o nvel de bem pblico como uma proxy da utilidade dos beneficirios, varivel que estar realmente na origem das doaes neste modelo. A contribuio para o bem pblico feita atravs do voluntariado.

    As contribuies individuais em tempo, iv no entram directamente na funo utilidade, os voluntrios no beneficiam directamente das suas doaes. Apenas usam as suas doaes para influenciar o nvel total de Bem Pblico, C .

    b) Modelo de Consumo: As doaes do prprio em tempo, iv , entram directamente na utilidade do voluntrio e podem ser encaradas como um bem de consumo. A oferta total do bem pblico caridade, ( )VC , no entra na funo utilidade, uma vez que o indivduo no est interessado no nvel agregado do bem pblico.

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    b) Modelo de Altrusmo Impuro: Este modelo resulta da juno dos dois anteriores, incluindo-se nas motivaes quer o aumento do Bem Pblico, quer o consumo. Esta funo inclui o altrusmo e o egosmo como casos especiais, que se manifestam na dupla considerao das doaes de tempo, iv , quer como parte do bem pblico, C , quer como um bem privado (gerador directo de utilidade). Segundo Andreoni (1990) tal acontece de forma a reflectir o facto de as doaes individuais assumirem simultaneamente caractersticas de bem pblico e de bem privado.

    O MODELO DE INVESTIMENTO

    Em muitos casos, os voluntrios oferecem o seu trabalho como um meio de aumentar o seu valor no mercado de trabalho, caso em que a motivao nasce de um valor esperado positivo para o rendimento futuro, proporcionado pela actividade de voluntariado. O voluntariado permite a acumulao de capital humano atravs da formao, da aquisio de novas competncias e do estabelecimento de contactos teis (Duncan 1999a, p. 220).

    A concretizao de um retorno monetrio positivo do voluntariado depende, igualmente, da procura de trabalho. Day & Devlin (1998) defendem que os empregadores valorizam as actividades de voluntariado de possveis candidatos de duas formas: por um lado reconhecem como prxima de uma actividade remunerada a experincia adquirida pelos voluntrios; por outro lado, encaram o voluntariado como uma forma de sinalizar caractersticas pessoais que doutra forma no seriam observveis (p. 1180).

    Day & Devlin (1998) propem vrias explicaes possveis para um efeito positivo do voluntariado nos salrios:

    Hiptese do capital humano: Os voluntrios adquirem competncias teis que aumentam o seu stock de capital humano.

    Hiptese de Screening: possvel que os voluntrios, em mdia, tenham experincia profissional de melhor qualidade do que os no voluntrios, servindo neste caso o voluntariado como uma forma de sinalizar essa qualidade aos empregadores.

    Hiptese das redes: Atravs do voluntariado os indivduos tm acesso a uma rede de contactos profissionais que os ajudam a conseguir empregos mais bem remunerados.

    Alguns resultados empricos apontam para a existncia desta motivao: Prouteau & Wolff (2003) apresentam trabalhos em que inquiridos referem o investimento como um motivo para o voluntariado; em Hall et al. (2001) concluiu-se que 23% dos voluntrios canadianos optaram por esta actividade para melhorar as suas hipteses de obterem um emprego; no Reino Unido, 59% dos voluntrios consideram que o trabalho de voluntariado proporciona uma oportunidade para aprender novas apetncias (Davis Smith, 1998). No entanto, j encontramos em menor nmero estudos que testem econometricamente esta hiptese.

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    Formalizando o Modelo

    Caso o motivo de investimento seja relevante, o trabalhador espera receber um prmio salarial representado por , que uma funo crescente do stcok de capital humano acumulado atravs das actividades voluntrias, S , tal que se verifica: 0)(' >S sendo a taxa de retorno do prmio decrescente 0)(''

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    bem pblico. A reciprocidade ser a norma que dita a obrigao de no fazer o papel de passageiro clandestino quando outras pessoas esto a contribuir para o bem pblico.

    Mais recentemente, explicaes alternativas com base nas motivaes extrnsecas e intrnsecas tm sido desenvolvidas. A Motivao Intrnseca resulta de um aumento do bem-estar causado pelo facto de os indivduos gostarem de ajudar os outros por si s. A recompensa deve-se internamente a uma motivao intrnseca a cuidar do bem-estar dos outros. A recompensa interna um resultado directo da sua actividade e/ou do resultado do trabalho que fazem. So identificadas trs recompensas intrnsecas (Meier & Stutzer, 2003):

    a) as pessoas preocupam-se com a utilidade do beneficirio (apenas na presena desta motivao, surge o problema de free-riding);

    b) os voluntrios beneficiam de um sentimento de satisfao intrnseca pelo trabalho (tarefa) realizado (intrinsic work enjoyment), independente do resultado;

    c) o acto de ajudar outros traz satisfao em si mesmo, corresponde ao warm glow. Independentemente do resultado, o facto de contribuir para uma boa causa recompensador internamente.

    A Motivao Extrnseca tem que ver com a situao das pessoas se tornarem voluntrias de forma instrumental para receberem um subproduto do voluntariado. No o voluntariado em si mesmo que influencia a utilidade, mas sim a recompensa extrnseca que dele recebem. As pessoas vem o voluntariado como um investimento e esperam benefcios externos ou recompensas. So avanadas as seguintes recompensas externas (Meier & Stutzer, 2003):

    a) as pessoas entendem o voluntariado como uma forma de investimento em capital humano, com o objectivo de aumentarem os seus ganhos futuros no mercado de trabalho;

    b) as pessoas tornam-se voluntrias para investirem na sua rede social. Importncia de contactos sociais para novos negcios ou novos empregos. Neste tipo no se inclui o tipo de voluntrio que preza as interaces sociais sem da esperar uma recompensa extrnseca no futuro. Conhecer pessoas e fazer amizades trata-se de uma recompensa intrnseca.

    Frey & Goette foram dos primeiros a usar estes conceitos no tratamento econmico do voluntariado. No seu trabalho de 1999, os autores analisaram o efeito da oferta de incentivos financeiros no voluntariado. partida, a teoria existente at data faria prever um aumento do nmero de horas de voluntariado como resultado da recompensa financeira do trabalho voluntrio. A convico dos autores era diferente, defendendo que os voluntrios possuem bastante motivao intrnseca: sob certas condies, esto preparados para realizar uma tarefa entregues a si prprios, ousa para satisfao imediata de necessidades. E que muitos voluntrios recusam recompensas monetrias4. No quer isto dizer, no entanto, que os voluntrios no sejam igualmente movidos por motivaes extrnsecas como a realizao de 4 Os autores referem um resultado da investigao na rea da Psicologia Social, o custo oculto da recompensa: as

    pessoas que so pagas para realizarem uma tarefa que anteriormente faziam por sua conta (sentiam-se intrinsecamente motivadas) reduzem o seu esforo. Este efeito surge quando a compensao entendida como estando a controlar, a reduzir o sentimento de autonomia do voluntrio. O mesmo acontece quando um contrato implcito ou psicolgico , desse modo, violado.

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    contactos pessoais valiosos e o desenvolvimento das suas capacidades. Frey & Goette testaram a hiptese de que as recompensas monetrias aos voluntrios podem diminuir a motivao intrnseca. Dois efeitos contraditrios se juntam: o facto de receber uma recompensa reduz a motivao intrnseca para se tornar voluntrio, enquanto a dimenso da recompensa proporciona incentivos financeiros. Devido a estes efeitos, o sinal do efeito final impossvel de prever. Se o efeito de crowding out for suficientemente forte, recompensas reduzidas podem mesmo reduzir as horas de voluntariado5.

    Cappellari & Turati (2001) propuseram-se avanar para alm da anlise tradicional das motivaes do voluntariado, concluindo que as motivaes intrnsecas e extrnsecas tm um papel na explicao das respostas individuais aos incentivos. Em relao a Frey & Goette, avanam na anlise ao entrarem em considerao com as motivaes extrnsecas. Os autores argumentam que, no caso do voluntariado, esto em causa contextos diferentes dos de outras trocas que, usualmente, se passam em ambientes de mercado, caracterizadas por transaces impessoais. Neste caso os indivduos parecem presos por relaes pessoais. Entendem que esta concluso fortalecida pelos resultados de Freeman (1997) relativos importncia de se ser solicitado para se tornar voluntrio6. Segundo os autores, o voluntariado ser um caso tpico de uma transferncia nonmarket, de acordo com a classificao de Stark (1993), o que evidencia o papel do comportamento altrusta em proporcionar uma explicao para estas transaces.

    II Anlise Emprica Das Motivaes Do Voluntariado

    De seguida apresenta-se um resumo dos resultados que tm sido obtidos pelos economistas na validao emprica dos modelos anteriormente expostos. Resultados que permanentemente se revelaram contraditrios e frequentemente sujeitos a dvidas. Foi reunida informao sobre as principais variveis que os economistas identificaram como tendo influncia nas decises relativas ao voluntariado. O preo do voluntariado, medido segundo alguns economistas pelo salrio, o rendimento e um conjunto alargado de variveis socio-demogrficas que permitem caracterizar o perfil do voluntrio.

    O SALRIO E O RENDIMENTO

    Os efeitos do salrio e do rendimento na actividade voluntria so os aspectos a que os economistas mais tempo tm devotado na sua investigao. Ao longo do tempo tm sido estudadas as decises relativas s doaes de tempo de forma cada vez mais sofisticada, permitindo que se separe a deciso de algum se tornar voluntrio da deciso do nmero de horas a oferecer. Assim, de forma sequencial, um indivduo decidir se pretende tornar-se voluntrio, deciso de participao, e depois tomar a deciso que diz respeito ao nmero de horas durante as quais exercer a sua actividade voluntria. Para a determinao das variveis que influenciam a opo de se tornar voluntrio necessria existncia de uma base dados que contenha informao sobre voluntrios e no voluntrios, o que nem sempre acontece,

    5 Os autores do o exemplo de Titmuss (1970) [in Frey & Gott, 1999] que referiu uma diminuio nas doaes

    de sangue resultante do seu pagamento. Os doadores potenciais sentiam que a sua motivao no era apreciada. No entanto, Arrow (1972) [in Frey & Gott, 1999] e Solow (1971) [in Frey & Gott, 1999] no encontravam justificao para que isto acontecesse. Os autores defendem que, desde essa altura, a teoria da psicologia social se desenvolveu o suficiente para que se possa defender a intuio de Titmuss. 6 Bryant et al. mostraram empiricamente a importncia de se ser solicitado.

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    uma vez que muitos inquritos so dirigidos apenas a voluntrios. A evoluo das tcnicas economtricas possibilitou a concretizao desta abordagem, permitindo concluir que as variveis mais importantes no primeiro estgio de deciso nem sempre assumem igual importncia no segundo estgio, verificando-se que a mesma varivel pode assumir efeitos de sentido contrrio num e noutro caso. o que acontece no caso do salrio, que parece influenciar positivamente a probabilidade de algum se tornar voluntrio, mas negativamente o nmero de horas que disponibiliza.

    Para alm da importncia que estas variveis assumem em qualquer anlise econmica, no caso concreto ganham importncia acrescida, uma vez que os resultados que se obtiverem quanto a estes efeitos sero determinantes na escolha, entre os vrios modelos explicativos, daquele que mais de perto se adequa realidade.

    Apresentamos de seguida um quadro resumo dos resultados empricos mais consensuais quanto ao efeito que as variveis preo e rendimento assumem quer na participao quer no nmero de horas que os voluntrios oferecem. Estes no so, de todo, resultados consensuais e a sua discusso tem ocupado muito do tempo dos economistas que estudam o voluntariado. Estas discordncias relacionam-se no s com problemas economtricos que surgem na estimao destes efeito, mas mesmo com problemas de fundo que dividem os economistas. No seria este o local adequado para reproduzir essas divergncias, da que se tivesse optado por trazer os resultados que mais vezes so obtidos.

    QUADRO N 3 Resultados Empricos das Variveis Preo e Rendimento

    VARIVEIS

    PARTICIPAO NMERO DE HORAS

    PREO (SALRIO)

    Embora no seja consensual identifica-se um efeito positivo do salrio. Pessoas com salrios superiores mais provavelmente se tornaro voluntrias.

    Efeito Preo Grande parte dos resultados encontrados revela um efeito preo negativo. O nmero de horas de voluntariado diminui quando o seu custo, o salrio, aumenta. Este resultado, ainda assim, no unnime.

    RENDIMENTO

    Boa parte dos trabalhos chega a um impacto positivo do rendimento na probabilidade de algum se tornar voluntrio, ainda que esta varivel traga alguns problemas anlise do voluntariado

    Efeito Rendimento Nos trabalhos analisados, genericamente, so encontrados valores positivos para o impacto do rendimento nas horas de voluntariado. Para alguns autores esse aumento d-se a uma taxa decrescente. No entanto, alguns autores chegam a efeitos negativos. O clculo deste efeito assume alguma polmica entre os economistas.

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    AS VARIVEIS SOCIO-DEMOGRFICAS

    Nos diversos estudos, um conjunto de variveis socio-demogrficas acrescentado aos modelos. Genericamente estas variveis fazem parte de um vector que deixa capturar as preferncias por voluntariado. Os resultados das estimaes permitem fazer uma caracterizao genrica do voluntrio.

    Resumimos nos quadros abaixo os resultados dos testes empricos que tm sido feitos a estas variveis que os economistas entendem ter maior influncia no voluntariado. Muitas vezes os resultados no so conclusivos e raramente unnimes, talvez com excepo para a instruo.

    As variveis analisadas so: a idade; a situao familiar, quer quanto ao estado civil quer quanto presena de filhos; a instruo; a religiosidade; a situao perante o emprego, concretamente o facto de estar ou no empregado, o horrio de trabalho e o tipo de emprego; a dimenso populacional do local de residncia (urbano/rural). O Gnero, igualmente, uma varivel largamente estudada, no entanto, os resultados so muito divergentes, sem que se consiga encontrar um padro.

    Algumas variveis carecem de explicaes adicionais quanto aos mecanismos que conduzem aos resultados apresentados. o que acontece com o efeito positivo da presena de filhos na participao em actividades de voluntariado. Pessoas que normalmente no so voluntrias acabam por se envolver em actividades voluntrias durante os anos em que a vida dos seus filhos apela a esse tipo de envolvimento (ex: associaes de pais, associaes desportivas, etc.). Jusenius (1983) [in Romero (2000)], ao desagregar o voluntariado por actividades, conclui que a influncia da presena de filhos depende do tipo de actividade, uma vez que ser positiva em actividades relacionadas com crianas, mas inexistente em qualquer outro tipo de actividade.

    Sendo a instruo o nico efeito positivo que consensualmente obtido por todos os trabalhos, ser pertinente avanar algumas possveis justificaes. Feldman (2003) argumenta que, no caso as doaes de tempo serem encaradas como uma forma de ascenso social, pode acontecer que mais instruo e o desejo de se valorizar socialmente caminhem a par. Pode tambm acontecer que pessoas mais instrudas estejam imbudas de um sentimento de responsabilidade social e de um desejo de responder comunidade. Por outro lado, Ziemek (2003) sugere que pessoas com mais instruo sejam mais solicitadas a participarem em actividades desta natureza. Para alm disso a autora socorre-se de Wilson (2000) para afirmar que a instruo refora a conscincia individual dos problemas e aumenta a empatia.

    Quanto religiosidade, Feldman (2003) considera os aspectos religiosos importantes, dado que a religio pode incutir um sentido de responsabilidade moral pelo prximo ou simplesmente proporcionar uma estrutura social em que as oportunidades de voluntariado surgem mais facilmente. De realar que esta varivel foi estudada por poucos autores, da que a generalizao dos seus resultados no seja adequada.

    Tambm o efeito da dimenso populacional do local de residncia merece alguma reflexo. Para Hackl et al. (2004), a diferena na estrutura social com uma atitude corporativa mais forte nas reas rurais e a falta de alternativas de lazer tornam o voluntariado mais atractivo nestas reas, assim como diminui o custo de oportunidade desta actividade.

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    Existem outras variveis que, embora menos analisadas, tambm surgem nas investigaes sobre as motivaes dos voluntrios. Alguns exemplos de variveis que tm efeito positivo no voluntariado so: a histria anterior de voluntariado; a percepo do grau de necessidade da comunidade7; o tempo disponvel (embora sem resultados consensuais); o estado de sade do potencial voluntrio; possuir um carro e ter a mesma residncia vrios anos.

    Olhando para os resultados obtidos, possvel criar um perfil do voluntrio, independentemente do seu nvel de compromisso, ou seja das horas que doa. Podemos dizer que o voluntrio ser algum com salrios superiores mdia, rendimento superior mdia, com idade prxima dos quarenta anos, casado e com filhos pequenos, com nvel de instruo superior mdia, empregado com horrio flexvel e residindo fora de grandes zona urbanas.

    7 Este resultado foi obtido por Unger (1991). Outros autores chegavam a resultados diferentes mediando a

    necessidade actual, no a percepo dessa necessidade. Esta varivel construda atravs de um ndice resultante da resposta a duas questes do inqurito relacionadas com a percepo que o inquirido tem da necessidade de voluntrios na sua comunidade.

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    Quadro n4 Resumo dos Efeitos das Variveis Socio-Demogrficas no Voluntariado (Parte I) Situao Familiar

    Variveis

    Idade Estado Civil Presena de Filhos

    Instruo Aspectos

    Religiosos

    Efeitos

    Existncia de um padro de ciclo de vida decrescente com a idade, em forma de U

    invertido, que atingir

    um pico,

    aproximadamente a meio da quarta dcada de vida.

    Relao positiva entre casamento e

    probabilidade de algum se tornar voluntrio. Provavelmente devido ao envolvimento nas actividades de voluntariado dos seus cnjuges. (No unnime). Resultados muito divergentes para o nmero de horas.

    Indivduos com filhos em casa realizam mais actividades de voluntariado do que outros, mas que aqueles que tm filhos

    pequenos oferecem menos

    horas do que outros com filhos mais velhos. (No unnime)

    Relao positiva

    entre

    voluntariado e anos de escolaridade, quer para a

    participao, quer

    para o nmero de horas.

    Relao positiva

    entre a religiosidade e o voluntariado. (No unnime)

    Quadro n4 Resumo dos Efeitos das Variveis Scio-Demogrficas no Voluntariado (Parte II) Situao Perante o Emprego

    Variveis

    Rural/Urbano Estar Empregado

    Horrio de Trabalho

    Tipo de Emprego

    Efeitos

    Viver fora das reas urbanas ou em pequenas cidades aumenta a probabilidade de realizar trabalho voluntrio

    O voluntariado (homens) maior entre aqueles que vivem em locais com baixas taxas de desemprego. Estar empregado est positivamente associado com a participao em actividades de voluntariado, entre os homens, mas reduz o nmero de horas para ambos os sexos.

    Trabalhadores com horrios flexveis

    mais provavelmente

    sero voluntrios do que outros. (No unnime)

    Ter uma ocupao especializada aumenta a probabilidade de algum se tornar voluntrio.

    Trabalhar em empresas com mais de 500 trabalhadores favorece o voluntariado. (No unnime)

  • 14

    III Anlise Crtica dos Modelos Explicativos do Voluntariado

    Na tentativa de comparar os vrios modelos, podem esgrimir-se uma srie de argumentos contra e a favor de cada um deles. No entanto, os dados utilizados, as tcnicas economtricas e as diferenas nas especificaes dos modelos contribuem para que seja impossvel retirar outra concluso que no seja a de que vrias motivaes esto presentes na tomada de deciso referente actividade voluntria. Nos trabalhos analisados, encontraram-se indcios vrios de que mais do que um modelo permite explicar as motivaes do voluntariado, sendo que a principal questo se pe entre o Modelo de Consumo e o Modelo de Investimento. Alguns economistas manifestam-se claramente a favor ou contra um dos modelos. Ainda que os resultados empricos fossem mais reveladores quanto escolha de uma das principais motivaes apresentadas, tratar-se-ia de uma atitude redutora assumir uma delas como explicao nica para o comportamento voluntrio.

    Os modelos analisados focam algumas das motivaes importantes relacionados com o voluntariado, como o altrusmo, a satisfao pessoal e o investimento no mercado de trabalho. No entanto, embora as potencialidades de anlise paream imensas, os desenvolvimentos dos modelos tm-nos conduzido invariavelmente questo da medio do efeito preo do voluntariado, comummente avaliado pelo salrio. Mesmo quando outras variveis so analisadas, nunca obtm ateno prxima da que devotada ao preo. Ainda que no querendo pr em causa a importncia que os preos tm para qualquer economista, esta discusso acaba por reduzir o voluntariado a uma escolha realizada na esfera do trabalho remunerado, despindo-o de outros significados provavelmente mais prximos daquilo que na realidade inspira o comportamento voluntrio. disto significativa a designao anglo-saxnica atribuda ao voluntariado: trabalho voluntrio8.

    Desta forma, ainda que pecando por excesso, pode dizer-se que as preocupaes dos economistas nesta rea no tm ido muito para alm da anlise do efeito dos salrios no voluntariado (no mbito da Teoria do Consumo) e do voluntariado nos salrios (Teoria do Investimento).

    Freeman foi dos poucos autores que ps em causa esta abordagem, defendendo que o facto de pessoas que trabalham tantas horas serem voluntrias tanto tempo sugere algo diferente acerca delas, nas preferncias, nas capacidades, na energia, etc. Para alm do efeito de substituio relacionado com o preo, defende o autor ser necessria uma explicao para as diferenas entre o comportamento voluntrio que ultrapasse as variveis demogrficas, de capital humano e salariais. Existir algum factor social que possa explicar a razo de alguns se tornarem voluntrios e outros no? Ou estaro apenas em causa razes no observveis como os gostos? Para o autor, um acontecimento social o facto de ter sido convidado a tornar-se voluntrio pode ser a chave para compreender as razes pelas quais as pessoas trabalham sem remunerao.

    8 No resistimos a lembrar um episdio que se passou numa conferncia internacional sobre terceiro sector. Na

    discusso de um poster que apresentvamos, um participante de nacionalidade chinesa, confrontado com esta expresso, volunteer work, mostrou-se muito intrigado, convencendo-se, inicialmente, de que no teria o significado de voluntariado. Tentou explicar que lhe parecia um contra-senso juntar estas duas palavras afirmando: se se trata de trabalho, ento no voluntariado.

  • 15

    A concluso de que importante o convite sugere que o conhecimento sobre o voluntariado requer uma anlise do lado da procura deste mercado, as foras que levam algumas organizaes a procurarem voluntrios e que conduzem algumas pessoas a fazerem convites a amigos, parentes ou colegas para se tornarem voluntrios.

    Para o autor, a principal mensagem ser que o comportamento dos voluntrios depende mais de factores includos no conceito F-Connection de Ben-Porath (Families, Friends, and Firms) do que em consideraes sobre substituio da oferta de trabalho, o que claramente pe em destaque o carcter relacional da actividade voluntria.

    Autores como Schokkaert (2003) e Prouteau & Wolff (2004)9 revelam a sua estranheza pelo facto do motivo relacional no ser invocado com frequncia por economistas na explicao do comportamento benvolo. Prouteau & Wolff defendem que a ideia dos bens relacionais concede aos contactos interpessoais um sentido prprio, que ultrapassa a natureza instrumental que os economistas lhes tm atribudo. As interaces passam a ser necessrias per se e no como recursos para prossecuo de determinados fins, como o caso da criao do capital social.

    Schokkaert (2003) igualmente muito crtico em relao validao emprica das motivaes do comportamento benvolo que tm vindo a ser realizada pelos economistas. Defende que caso se queira aprender mais sobre motivaes, a investigao emprica deveria entrar em considerao mais explicitamente com a heterogeneidade das preferncias e motivaes da populao, assim como as suas alteraes ao longo do tempo. Os mtodos indirectos usados at agora no lhe merecem confiana, preferindo mais trabalho experimental, incluindo a recolha de informao subjectiva. Nas ltimas palavras do seu artigo, prope que, para melhorar o conhecimento das motivaes subjacentes ao comportamento benvolo, se caminhe para a combinao entre tcnicas de modelizao econmicas com mtodos experimentais e tcnicas de recolha de dados de outras cincias sociais

    Muito autores tm vindo a criticar a forma tradicional como a Economia trata quer a questo dos doadores, em geral, quer dos voluntrios, em particular. Segundo estes autores o comportamento racional dos agentes no se deveria esgotar na maximizao da utilidade, ou no altrusmo, sugerindo a existncia de outras lgicas que podem explicar as doaes.

    Propomos uma resumo de alguns desses conceitos que tm nascido no seio da Economia e que, no fundo, proporcionam justificaes alternativas para o aparente beco sem sada em que o problema do passageiro clandestino nos coloca na concretizao da doao.

    9 Estes autores, num outro trabalho [Prouteau & Wolff, 2003), desenvolvem este conceito de que o motivo

    relacional est ligado participao associativa, sendo que uma das formas dessa participao o voluntariado.

  • 16

    Quadro n 5 Resumo dos Conceitos Alternativos de Explicao das Doaes

    CONCEITO

    AUTOR EXPLICAO

    Aliana entre os membros da sociedade

    Reece (1979)10 A manuteno da organizao da sociedade um bem colectivo para o qual os indivduos contribuiro

    Reciprocidade

    Sugden (1984)

    Os indivduos agem de acordo com um princpio moral (baseado na cooperao e no no altrusmo) que implica a considerao dos interesses de outras pessoas: o princpio da reciprocidade

    Bem de Conscincia

    Freeman (1987)

    As pessoas sentem-se moralmente obrigadas a realizar voluntariado quando solicitadas, mas deixaro que outro o faa logo lhes seja possvel. A presso social de ser interpelado pessoalmente para se tornar voluntrio faz com que o indivduo se sinta moralmente obrigado a faz-lo.

    Efeito de Demonstrao

    Stark (1995) A aco voluntria explicada pelo incentivo de servir de exemplo a outros.

    Compromisso

    Amartya Sen11

    As atitudes dos indivduos so justificadas pela necessidade de fazerem aquilo que deve ser feito. D origem Teoria da Escolha Social, as escolhas que a sociedade pode e deve fazer, que contrasta com a Teoria da Escolha Pblica, que explica o fenmeno pblico como resultado de escolhas racionais dos indivduos.

    Concluso

    Pretendeu-se com esta comunicao dar a conhecer a contribuio que os economistas tm realizado para o conhecimento das motivaes dos voluntrios. Embora com enormes potencialidades, a anlise econmica das doaes de tempo, assim como das doaes em geral, tem pecado por se centrar demasiado em algumas variveis como o salrio e o rendimento. Dado o estado embrionrio em que o nvel de desenvolvimento desta rea de investigao se encontra, acredita-se que o caminho ser o do progressivo alargamento dos alvos de interesse dos economistas.

    Uma srie de conceitos alternativos tm sido propostos no sentido de proporcionarem explicaes para o comportamento benvolo que ultrapassem a maximizao da utilidade, no entanto, pouco ainda foi feito para testar empiricamente estes conceitos. Faltar, provavelmente, aprofund-los teoricamente assim como encontrar formas de os testar empiricamente. provvel que as bases de dados actualmente existente no permitam faz-lo e que se tenha de caminhar para mtodos de recolha de dados tambm alternativos. 10 Esta viso est presente no artigo de L. De Alessi (1975), Towards a Theory of Postdisaster Cooperation, American Economic Review,, vol. 65, pp. 127-38, referido em Reece (1979). 11 Sen, Amartya (1982), Choice, Welfare and Measurement, Oxford: Basil Blaxkwell [in Woolley (1998)].

  • 17

    Uma das hipteses de explicao do voluntariado pouco estudada que pode ser testada com dados existentes o motivo relacional. Prouteau & Wolff (2004) fizeram-no com dados do Inqurito Ocupao do Tempo Francs (IOT). A considerao deste motivo vem preencher um certo vazio de que at data a anlise econmica do voluntariado enfermava. Tratando-se de um conceito que, por se inserir na esfera dos contactos interpessoais, parece fugir tradicional alada da Economia, apresenta a invulgar caracterstica de ser mensurvel12. Os autores construram um ndice que, a partir dos encontros que os indivduos realizam com terceiros, permite medir a intensidade deste motivo relacional. Esta uma oportunidade de investigao, inclusivamente para o caso portugus.

    Desviar o voluntariado da esfera do mercado de trabalho outro desafio que se coloca aos economistas. Recentr-lo na questo da ocupao do tempo pode ser uma sada. A informao estatstica constante dos dirios e dos inquritos do IOT tornar possvel caracterizar os voluntrios e compar-los com os no voluntrios. Para alm disso a riqueza de dados sobre a ocupao do tempo dos indivduos permitir analisar o voluntariado nesta perspectiva, como uma forma alternativa de ocupao do tempo. A deciso essencial no dever ser entre o trabalho e o voluntariado, mas entre o voluntariado e outras formas de ocupao do tempo livre. Se a ocupao do tempo for, na realidade, uma motivao do comportamento voluntrio, os voluntrios tero caractersticas prprias de ocupao do tempo livre, que os distinguiro dos no voluntrios13. Nesse caso, poder ser legtimo afirmar que motivaes como o altrusmo faro menos sentido.

    Ainda que haja muito por fazer, no se poder dizer que o trabalho dos economistas tenha sido intil. E, embora divididos no que toca a muitas tcnicas, pressupostos e concluses, Romero (2000) consegue identificar dois pontos em que existe consistncia:

    1. A participao em organizaes formais de voluntrios largamente um fenmeno das classes mdia e alta. Grande parte dos voluntrios tem nveis mais elevados de instruo e de rendimento;

    2. Os indivduos tm que ser compensados em termos pessoais pelas actividades de voluntariado. O altrusmo no parece ser uma explicao exclusiva (ou suficiente) e no razovel esperar que pessoas com mais tempo livre, tal como os reformados, estejam necessariamente interessados em usar o seu tempo livre como voluntrios.

    Neste caminho que falta percorrer Economia para melhorar o conhecimento das motivaes subjacentes ao comportamento benvolo, e de acordo com palavras j referidas de Schokkaert (2003), ser necessrio combinar tcnicas de modelizao econmicas com mtodos experimentais e tcnicas de recolha de dados de outras cincias sociais.

    No fim, como no princpio, prope-se a reflexo de frases de economistas: Though economic man, qua producer, has clearly been recognized to cooperate with others, economic theory has traditionally tended to consider him, qua consumer, as living in social isolation. It is time we took John Donne14 out of the confines of literature and philosophy and incorporated him into economics as well. [Schwartz (1970), p.1291]

    12 Ainda que, evidentemente, com algumas limitaes. 13 Os dados permitem que se divida o voluntariado em vrias reas diferentes, o que poder dar indicaes sobre diferenas entre reas de voluntariado. 14

    Nenhum homem uma ilha isolada: cada homem uma parcela do continente, uma parte do todo.

  • 18

    Bibliografia

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  • 19

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