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O QUE É PIN-UP_Fernanda Miranda_ECOMIG 2012

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Roteiro para apresentação de trabalho no ECOMIG 2012.

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O QUE SÃO PIN-UPS? Uma proposta metodológica para definição do objeto de pesquisa

APRESENTAÇÃO

Eu sou Fernanda Miranda, mestranda pelo programa da UFMG, e diferente, creio eu,

da maioria aqui, a minha formação não é em comunicação, mas sim em produção cultural,

que certamente tem um compromisso maior com a prática profissional do que com a reflexão

acadêmica. Talvez por isso a questão dos desafios metodológicos do campo científico da

comunicação, e a constante preocupação e esforços de debate nesse sentido, vem despertando

não só a minha atenção, mas também um particular interesse, ainda que seja um universo

relativamente novo para mim.

Bem, o trabalho que eu apresento aqui é mais um exercício de reflexão, quase que um

roteiro inicial para a pesquisa que eu pretendo desenvolver ao longo do mestrado, que tem

como objetivo, em linhas gerais, analisar a volta da estética da pin-up, a reapropriação dessas

imagens do século passado para estetização de corpos femininos, sobretudo de celebridades,

em diferentes dispositivos. Uma pin-upisação que se observa nos anos 2000 no Brasil,

principalmente a serviço da moda, beleza e publicidade, sobretudo para o público feminino.

A montagem ilustra alguns dos exemplos já identificados, e ontem mesmo eu li uma

matéria que as pin-ups voltarão a ser musas no verão de 2013. Para citar algumas das mais

significativas aparições de celebridades brasileiras estetizadas dessa forma, destacam-se:

1) A cantora e dançarina Andressa Soares, conhecida como Mulher Melancia, que é

intitulada “A pin-up do terceiro milênio” na revista Playboy de Julho de 2009, que

traz na capa uma foto que é uma releitura do centerfold da primeira edição da

revista americana, de 1953, que traz a atriz Marilyn Monroe, considerada como

uma das mais importantes representantes da estética pin-up no cinema;

2) A ex-big brother e atriz Grazi Massafera que, na edição de Novembro de 2011 da

revista GQ Brasil, posa sob o título de “A pin-up brasileira”. Através das

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fotografias e entrevista, Grazi é idealizada como boa-moça, garota simples do

interior, mas também fetichizada, refletindo uma ambiguidade própria do universo

representativo da estética pin-up, que alia sex-appeal lúdico e representação

sexualizada da mulher como objeto.

3) A cantora e apresentadora Eliana em ensaio fotográfico comemorativo aos seus 20

anos de carreira, publicado em seu site oficial. Realizado em 2009, por Fernando

Torquatto e André Schiliró, Eliana é retratada como uma pin-up próxima à célebre

estética de Alberto Vargas, tido como um dos mais importantes artistas do gênero.

4) E, por fim, a cantora Pitty em ensaio fotográfico publicado no site oficial de sua

banda como um presente aos fãs. Fotografada por Adrian Benedykt em 2008, que

aparece como diferentes pin-ups, mas aqui na análise eu fico na sua incorporação

como a modelo Betty Page, que foi perseguida e presa em 1957 pela censura norte-

americana da época, o que a levou a abandonar a sua carreira, que é tão

representativa que Betty é ainda hoje chamada de Rainha Pin-Up.

Tendo em vista as diferentes corporalidades, inserções artísticas e sociais dessas

quatro celebridades brasileiras, e ainda, as respectivas imagens de referência, que são bastante

distintas, mas todas também nomeadas como pin-up, tornou-se não só pertinente questionar o

que significaria o termo, mas essencial para uma delimitação do estudo.

A preocupação de delinear o que são as pin-ups tem a ver com o fato dos conceitos

não serem atemporais, e, citando Lucrécia Ferrara,

“o nome do conceito acaba gerando inferências que vão muito além daquilo que se

pretende analisar e/ou afirmar, pois se organizam através de uma visualidade que

passa a constituir a verdadeira materialidade das afirmações e a substituir os

próprios conceitos: desse modo, os conceitos são substituídos pela visualidade dos

nomes que os designam”.

Justamente por suas dimensões linguística, social, histórica e cultural, os conceitos,

ainda que necessários, só podem oferecer mais perguntas do que respostas.

No caso do termo pin-up, etimologicamente, sua origem advém do verbo em inglês to

pin up, que significa pendurar, estando a expressão relacionada às representações femininas

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sexualizadas que eram penduradas nos dormitórios, tanques e navios de guerra, por soldados

norte-americanos, durante a Segunda Guerra Mundial. O que se observa, no entanto, é que as

pin-ups se assumem como versátil e multiuso, não se restringindo ao apelo erótico junto ao

público masculino, sendo também convocada pela publicidade da época, como é o exemplo

da campanha do pó facial Jersens, de 1943, que convida à mulher se tornar uma pin-up para o

seu companheiro, ao mesmo tempo que também é convocada pelo comitê de produção bélica

para a campanha de promoção do trabalho feminino.

Complexificando a análise, segundo proposta de Vera França (2004), o ponto de

partida de uma pesquisa científica ou, nos termos da autora, de um trabalho de conhecimento,

é a identificação do seu objeto o qual, por sua vez, irá demandar modelos de apreensão, uma

metodologia a ser construída a partir da empiria e teoria. No que diz respeito ao termo pin-up,

este não evoca uma imagem simbólica única. Observa-se que, além de figuras mais

tradicionais, de ilustradores e fotógrafos dos anos 40 e 50 do século XX, um imenso leque de

imagens diversificadas circula na mídia, sobretudo produções contemporâneas no ambiente da

Internet, sob a égide pin-up: desenhos voltados para a prática da tatuagem, ilustrações

distintas, caracterização de artistas internacionais e também de mulheres brasileiras comuns,

representações com contornos normalmente não atribuídos à corporalidade feminina

idealizada e, até mesmo para se referir o outro gênero.

Desta forma, como é próprio aos conceitos, pin-up é um termo escorregadio,

demandando um esforço metodológico para a sua compreensão, tanto conceitual, quanto

como objeto de pesquisa do campo científico da comunicação, ou seja, nos termos que o

César usou ontem, filtrados pela especificidade da comunicação.

O que separa um objeto do mundo de um objeto da comunicação é uma construção

dada a partir de conceitos e olhar próprio da área de conhecimento, ainda que essa se

caracterize como um espaço interdisciplinar. O recorte, essa delimitação necessária para se

constituir um objeto de pesquisa, dá-se por uma imposição do pesquisador sobre a realidade,

que deve ser fundamentada por seleções metodológicas sustentadas empírica e analiticamente.

Logo, a pesquisa científica se apresenta ao seu investigador como um risco constante e

latente de tombar para uma interpretação rasa, estruturada apenas a partir do senso comum, ou

uma análise mecânica, tornando o estudo um simples exemplo de teorias, uma abstração

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teórica. A metodologia a ser acionada precisa, além de pertinente ao espaço epistêmico que se

insere, configurar-se como uma possibilidade de equilíbrio entre proximidade e afastamento

do senso-comum, a fim de se obter resultados que possam ser validados por critérios internos

e externos ao campo científico.

A metodologia deixa de ser apenas uma burocracia acadêmica, e passa a se configurar

como fundamental, delineando o caminho a ser percorrido pelo pesquisador na tentativa

analítica de relacionar a teoria com a empiria, além de se configurar como uma seleção na

tentativa de chegar a resultados válidos, devendo o pesquisador “estar ciente tanto dos

potenciais quanto das limitações do gesto metodológico adotado” (CARVALHO, LAGE,

2012, p. 13).

Apesar do objeto de pesquisa ser sempre um recorte, tendo em vista a proposta de

pensamento complexo de Morin, a análise precisa levar em conta a complexidade do objeto,

que só é parte porque é parte de um todo. Logo, as investigações devem partir de fenômenos,

mas com um olhar atento para o entendimento de que essas aparições fenomênicas, por si só,

podem esconder a sua essência, as relação com os processos sociais. A identificação de um

fenômeno social deve ser dada por sua relação com os processos sociais.

A partir dessa premissa, tendo em vista a necessidade de se identificar o objeto de

conhecimento como um primeiro passo da pesquisa, o trabalho se propôs a uma análise

metodológica comparativa de textos visuais e verbais para a compreensão do nome pin-up

para além de sua suposta transparência, e de forma pertinente espaço epistêmico da

comunicação.

No que diz respeito aos textos visuais, foi feita uma comparação de imagens de

representações tradicionais da estética pin-up e as celebridades brasileiras pin-upisadas

Mulher Melancia, Grazi Massa, Eliana e Pitty, de acordo com o procedimento metodológico

proposto por Peter Loizos, que entende as imagens como documentos potenciais de pesquisa.

De acordo com o antropólogo visual inglês, os registros imagéticos, ainda que representações

bidimensionais de um todo mais complexo, possuem valor como documento concreto e

material de ações e acontecimentos de uma época, além de serem expressão de uma sociedade

cada vez mais midiatizada.

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Para além das possibilidades de análise trabalhadas, que serão destrinchidas no artigo

escrito, destaca-se a convocação de Loizos do cuidado do pesquisador para que os resultados

proporcionados por esse procedimento metodológico sejam sustentados por padrões

identificáveis, conhecimento histórico detalhado do tempo e do lugar ou informação adicional

que apoie.

No caso da pin-up, a estética emerge dentro da lógica da cultura de massa em sua fase

inicial, e é ainda hoje reproduzida, em uma sociedade midiatizada, atravessada pela

convergência midiática e lógica de compartilhamento, que potencializam sua

reprodutibilidade e permitem novos usos, novas apropriações. É nesse contexto que a pin-up

aparece reconfigurada, identificando-se o fenômeno midiática da pin-upisação dada em

conjuntura sócio-histórica e cultural que se dá de forma reflexiva, de modo a possibilitar a sua

apreensão como uma análise pertinente ao campo comunicativo, no caso aqui do programa da

UFMG, pela linha de pesquisa de Processos Sociais e Práticas Comunicativas.

Visando eleger uma interpretação a ser assumida em pesquisas futuras sobre pin-ups, o

trabalho propõe também uma breve análise metodológica desta estética a partir de um estudo

comparativo de dois autores que se focaram na temática pin-up, o filósofo brasileiro Antonio

Jose Saggese (2008), que analisa a produção da imagem da mulher enquanto mercadoria na

era moderna, entendendo a pin-up como um gênero que carrega uma marca histórica, que

deixa de ser reconhecido como tal pela mudança gradual de elementos significativos;

e Maria Elena Buszek (2006), que defende a íntima relação entre o desenvolvimento

dessas representações e o feminismo, propondo que representações femininas sexualizadas

ainda hoje podem ser definidas sob o termo em questão. Buszek afirma que uma imagem da

Britney Spears é uma pin-up, ainda que não seja mais reconhecida dessa forma.

Somado a esses dois trabalhos, tem-se um estudo de menor fôlego, mas que apresenta

uma importante reflexão, que é a visada do filósofo francês Gilles Lipovetsky (2000), que

dedica um capítulo do livro “A terceira mulher” ao tema. Para Lipovetsky, essa estética marca

o fim do imaginário da beleza maldita, responsável por condenar os homens à perdição, que

vinha sendo atribuída ao sexo feminino desde a Antiguidade. É apenas no segundo terço do

século XX que a figura da mulher fatal é substituída por esse novo estilo de beleza,

identificado como moderno, dinâmico e jovem.

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Ao final desse breve percurso analítico, em resumo, pode-se dizer que essa

representação se caracteriza como ambígua: reforça o compromisso da mulher com a beleza

idealizada, amplia e legitima o feminino enquanto fetiche, ao mesmo tempo que constitui as

bases para a gradual liberação sexual e social da mulher, tanto no espaço pictórico quanto fora

dele. Dentre suas múltiplas manifestações, é possível afirmar que o nome pin-up evoca uma

imagem relativa ao ápice do gênero: ilustrações produzidas entre 1940 e 1950, em que

meninas/mulheres de boa aparência – bem vestidas, penteadas e maquiadas – são retratadas

em situações, normalmente no espaço privativo do doméstico, que as fazem revelar sua

lingerie, ou partes do corpo que supostamente deveriam estar cobertas por sua indumentária.

No contexto atual, onde a subjetividade é estruturada em função da superfície visível

do corpo e as identidades cada vez mais fundamentadas na aparência, imagens do feminino

são convocadas pela mídia para afetar diferentes públicos e, entre essas, celebridades

brasileiras anunciadas e/ou estetizadas como pin-ups.

Essa permanência, parece ter a ver com sua profunda relação com processos e

acontecimentos representativos, tais como a II Guerra Mundial, o american way of life e o

cinema hollywoodiano, possibilitando à estética pin-up status simbólico, tornou-se uma

representação feminina icônica e longínqua, cujos reflexos se dão ainda hoje, provocando

reapropriações, potencializadas no contexto da sociedade midiatizada.

Quais são essas reapropriações a serem analisadas, bem como a metodologia a ser

acionada para esta compreensão, configuram-se como os próximos passos da pesquisa

científica que se pretende desenvolver.

Origens da pin-up: Buszek e Saggese identificam as origens da estética pin-up em meados do

século XIX nas fotografias chamadas carte-de-visite de artistas burlescas, como as

dançarinas de can-can francesas.

Peter Loizos – capítulo chamado “Vídeo, filme e fotografias como documentos de pesquisa”,

que está no livro “Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático”.