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1. O que é um leitor? PAPÉIS AMASSADOS Existe uma fotografia em que se vê Borges tentando decifrar as letras de um livro qu e se gura gr udado ao rosto. Está numa das ga lerias elevadas da Biblioteca Nacional da rua México, de cócoras, o olhar na ágina aberta. !m dos leitores mais convincentes que conhecemos, a reseito de quem odemos imaginar que erdeu a vis"o lendo, tenta, aesar de tudo, rosseguir. Essa oderia ser a rimeira imagem do #ltimo leitor, aquele que assou a vida inteira lendo, aquele que queimou os olhos na lu$ da l%mada. &'gora sou um leitor de áginas que meus olhos (á n"o vêem.& )á outros casos, e Borges os evocou como se fossem seus anteassados *Mármol, +roussac, Milton. !m leitor também é aquele que lê mal, distorce, ercebe confusamente. Na cl-nica da arte de ler, nem semre o que tem melhor vis"o lê melhor. & 'leh&, o ob(eto mágico do m-oe, o onto de lu$ em que todo o universo se desorgani$a e se organi$a conforme a osi/"o do coro, é um exemlo dessa din%mica do ver e do decifrar. s signos na ágina, quase invis-veis, se abrem ara universos m#ltilos. Em Borges, a leitura é uma arte da dist%ncia e da escala. 0af1a via a literatura do mesmo modo. Numa carta ara 2elice Bauer, define assim a leit ur a de se u rime ir o livro3 &4ealmen te há nele uma incu ve l desordem, e é preciso aproximar-se muito para ver alguma coisa& *grifo meu. 5rimeira quest"o3 a leitura é uma arte da microscoia, da ersectiva e do esa/o *n"o só os intores se ocuam dessas coisas. 6egunda quest"o3 a leitura é coisa de ótica, de lu$, uma dimens"o da f-sica. Finnegans Wake é um laboratório que submete a leitura a sua rova mais ex tr ema. 7 medida qu e nos aroximamo s, aq uelas linhas nebulosa s se transformam em letras e as letras se amontoam e se misturam, as alavras se transmutam, se alteram, o texto é um rio, uma torrente m#ltila em cont-nua exans"o. 8emos restos, eda/os soltos, fragmentos, a unidade do sentido é ilusória.  ' rimeira reresenta/"o esacial desse tio de leitura está em 9ervantes, sob a forma dos aéis que ele recolhia na rua. Essa é a situa/"o inicial do romance, seu ressuosto, melhor di$endo. &6ou aficionado a ler até eda/os de aéis elas ruas&, afirma:se no D. Quixote *;, <.

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1. O que é um leitor?

PAPÉIS AMASSADOS

Existe uma fotografia em que se vê Borges tentando decifrar as letras de umlivro que segura grudado ao rosto. Está numa das galerias elevadas daBiblioteca Nacional da rua México, de cócoras, o olhar na ágina aberta.

!m dos leitores mais convincentes que conhecemos, a reseito de quemodemos imaginar que erdeu a vis"o lendo, tenta, aesar de tudo, rosseguir.Essa oderia ser a rimeira imagem do #ltimo leitor, aquele que assou a vidainteira lendo, aquele que queimou os olhos na lu$ da l%mada. &'gora sou umleitor de áginas que meus olhos (á n"o vêem.&

)á outros casos, e Borges os evocou como se fossem seus anteassados*Mármol, +roussac, Milton. !m leitor também é aquele que lê mal, distorce,ercebe confusamente. Na cl-nica da arte de ler, nem semre o que tem melhor vis"o lê melhor.

& 'leh&, o ob(eto mágico do m-oe, o onto de lu$ em que todo o universo sedesorgani$a e se organi$a conforme a osi/"o do coro, é um exemlo dessadin%mica do ver e do decifrar. s signos na ágina, quase invis-veis, se abremara universos m#ltilos. Em Borges, a leitura é uma arte da dist%ncia e da

escala.

0af1a via a literatura do mesmo modo. Numa carta ara 2elice Bauer, defineassim a leitura de seu rimeiro livro3 &4ealmente há nele uma incuráveldesordem, e é preciso aproximar-se muito para ver alguma coisa& *grifo meu.

5rimeira quest"o3 a leitura é uma arte da microscoia, da ersectiva e doesa/o *n"o só os intores se ocuam dessas coisas. 6egunda quest"o3 aleitura é coisa de ótica, de lu$, uma dimens"o da f-sica.

Finnegans Wake é um laboratório que submete a leitura a sua rova maisextrema. 7 medida que nos aroximamos, aquelas linhas nebulosas setransformam em letras e as letras se amontoam e se misturam, as alavras setransmutam, se alteram, o texto é um rio, uma torrente m#ltila em cont-nuaexans"o. 8emos restos, eda/os soltos, fragmentos, a unidade do sentido éilusória.

 ' rimeira reresenta/"o esacial desse tio de leitura (á está em 9ervantes,sob a forma dos aéis que ele recolhia na rua. Essa é a situa/"o inicial do

romance, seu ressuosto, melhor di$endo. &6ou aficionado a ler até eda/osde aéis elas ruas&, afirma:se no D. Quixote *;, <.

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5oder-amos ver nesse trecho a condi/"o material do leitor moderno3 ele vivenum mundo de signos= está rodeado de alavras imressas *que, no caso de9ervantes, a imrensa come/ou a difundir ouco antes= no tumulto da cidade,ele se detém ara recolher aéis atirados na rua, dese(a lê:los.

6ó que agora, di$ >o?ce em Finnegans Wake � ou se(a, na outra onta doarco imaginário que se abre com D. Quixote �, esses aéis amassados est"oerdidos numa lixeira, bicados or uma galinha que cavouca o ch"o. 'salavras se misturam, se enlameiam, s"o letras corridas, mas continuamleg-veis. >á sabemos que Finnegans é uma carta extraviada numa lixeira, um&tumulto de borr@es e de manchas, de gritos e contor/@es e fragmentos (ustaostos&. 6haum, aquele que lê e decifra no texto de >o?ce, estácondenado a &cavoucar ara todo o semre até fundir os miolos e erder acabe/a, o texto se destina a esse leitor ideal que sofre de uma insAnia ideal&

*by that ideal reader suffering from an ideal insomnia.

leitor viciado, o que n"o consegue deixar de ler, e o leitor insone, o que estásemre deserto, s"o reresenta/@es extremas do que significa ler um texto,ersonifica/@es narrativas da comlexa resen/a do leitor na literatura. Eu oschamaria de leitores uros= ara eles a leitura n"o é aenas uma rática, masuma forma de vida.

Muitas ve$es os textos transformaram o leitor num herói trágico *e a tragédiatem muito a ver com ler mal, num obstinado que erde a ra$"o orque n"oquer caitular em sua tentativa de encontrar o sentido. Existe uma amlarela/"o entre droga e escrita, mas oucos rastros de uma oss-vel rela/"oentre droga e leitura, exceto em certos romances *de 5roust, 'rlt, 2laubert emque a leitura se transforma numa deendência que distorce a realidade, numadoen/a e num mal.

rata:se semre do relato de uma exce/"o, de um caso:limite. Na literatura,aquele que lê está longe de ser uma figura normali$ada e ac-fica *n"o fosseassim, n"o haveria narra/"o= antes, aarece como um leitor extremo, semre

aaixonado e comulsivo. *Em & 'leh& o universo inteiro é um retexto araler as cartas obscenas de Beatri$ Citerbo.

4astrear o modo como a figura do leitor está reresentada na literatura su@etrabalhar com casos esec-ficos, histórias articulares que cristali$am redes emundos oss-veis.

Detenhamo:nos, or exemlo, na cena em que o 9Ansul, no fim de Under the

olcano, o romance de Malcolm 8or?, lê cartas no El 2arolito, a cantina de5arián, no México, F sombra de 5oocatéetl e do ;$tacc-huatl. Estamos no#ltimo ca-tulo do livro, e em certo sentido o 9Ansul foi até ali ara encontrar o

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que erdeu. 6"o as cartas que Gvonne, sua ex:mulher, lhe escreveu ao longodaqueles meses de ausência e que o 9Ansul esqueceu no bar, meses antes,bêbado. rata:se de um dos temas centrais do romance= a intriga oculta quesustenta a trama, as cartas extraviadas que, aesar de tudo, chegaram a seudestino. Huando ele as vê, comreende que só oderiam estar ali e emnenhum outro lugar, e no fim irá morrer or elas.

9Ansul bebeu um ouco mais de me$cal.

&I esse silêncio que me aavora... esse silêncio...&

9Ansul releu várias ve$es essa frase, a mesma frase, a mesmacarta, todas as letras, in#teis como as que chegam ao orto abordo de um navio dirigidas a alguém que ficou seultado no mar,

e como estava com certa dificuldade de fixar a vista, as alavrasse tornavam indistintas, desarticuladas, e seu rório nome lhecausava estranhamento= mas o me$cal o usera novamente emcontato com sua situa/"o, a tal onto que agora n"o recisavamais comreender significado algum nas alavras além da ab(etaconfirma/"o de sua rória erdi/"o...

No universo do romance as velhas cartas s"o entendidas e decifradas elorório texto= mais do que um sentido, rodu$em uma exeriência e, ao mesmotemo, só a exeriência ermite decifrá:las. N"o se trata de interretar *orque

 (á se sabe tudo, mas de reviver. romance � ou se(a, a exeriência do9Ansul� é o contexto e o comentário daquilo que se lê. 's alavras lhe di$emreseito essoalmente, como uma esécie de rofecia reali$ada.

No excesso é oss-vel entrever um ouco da verdade da rática da leitura= seuavesso, sua $ona secreta3 os usos desviados, a leitura fora do lugar. alve$ oexemlo mais n-tido desse modo de ler este(a no sonho *nos livros que se lêemnos sonhos.

Em determinado onto de sua biografia, 4ichard Ellman mostra >o?ce muitointeressado nessas quest@es. &�Me diga, Bird�, disse ele a Jilliam Bird, umcomanheiro freqKente naqueles dias, �alguma ve$ você (á sonhou queestava lendoL� �Muitas ve$es�, resondeu Bird.�Ent"o me diga3 com quevelocidade você lê em seus sonhosL�&

)á uma rela/"o entre a leitura e o real orque também há uma rela/"o entre aleitura e os sonhos, e nesse dulo v-nculo o romance tramou sua história.

Melhor di$endo, o romance � com >o?ce e 9ervantes em rimeiro lugar �

rocura seus temas na realidade, mas encontra nos sonhos um modo de ler.Essa leitura noturna define um tio articular de leitor, o visionário, o que lê

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ara saber como viver. 6em d#vida, o 'strólogo de 'rlt é uma figura extremadesse tio de leitor. 'ssim como Erdosain, seu dulo melancólico e suicida, quelê num (ornal a not-cia de um crime e deois a reete quando mata la Bi$ca.

Nesse registro imaginário e quase on-rico dos modos de ler, com suas táticas eseus desvios, com suas modula/@es e suas mudan/as de ritmo, rodu$:setambém um outro deslocamento, que é uma amostra da forma esec-fica comque a literatura narra as rela/@es sociais. ' exeriência está semre locali$adae situada, concentra:se numa cena esec-fica, nunca é abstrata.

)averia, nesse sentido, dois caminhos. 5or um lado, acomanhar o leitor, vistosemre de viés, quase como um detalhe F margem, em certas cenas quecondensam e fixam uma história muito fluida. 5or outro lado, acomanhar oregistro imaginário da rática em si e seus efeitos, uma esécie de história

invis-vel dos modos de ler, com suas ru-nas e suas egadas, sua economia esuas condi/@es materiais.

Efetivamente, ao fixar as cenas de leitura, a literatura individuali$a e designaaquele que lê, fa$ com que ele se(a visto num contexto reciso, nomeia:o. E onome rório é um acontecimento, orque o leitor tende a ser anAnimo einvis-vel. De reente o nome associado F leitura remete F cita/"o, F tradu/"o, Fcóia, Fs diferentes maneiras de escrever uma leitura, de tornar vis-vel que seleu *o cr-tico seria, nesse sentido, a figura/"o oficial desse tio de leitor, masevidentemente n"o o #nico nem o mais interessante. rata:se de um tráficoaralelo ao das cita/@es3 uma figura é nomeada, ou melhor, é citada. 2a$:sever uma situa/"o de leitura, com suas rela/@es de roriedade e seus modosde aroria/"o.

 

5rocuramos, ent"o, as figura/@es do leitor na literatura= ou se(a, asreresenta/@es imaginárias da arte de ler na fic/"o. entamos fa$er umahistória imaginária dos leitores, e n"o uma história da leitura. N"o nos

erguntaremos tanto o que é ler, como !uem é aquele que lê *onde está lendo,ara quê, em que condi/@es, qual é a sua história.

Eu denominaria esse tio de reresenta/"o de uma li"#o de leitura, se me for ermitido alterar o t-tulo do texto clássico de 8évi:6trauss e imaginar a osi/"odo antroólogo que recebe a descri/"o de um informante sobre uma culturaque desconhece. Essas cenas funcionariam, ent"o, como uma esécie deequenos informes sobre o estado de uma sociedade imaginária �  asociedade dos leitores� que semre arece a onto de entrar em extin/"o ou,em todo caso, cu(a extin/"o está anunciada desde semre.

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Entre nós, o rimeiro que ensou esses roblemas foi, como sabemos,Macedonio 2ernánde$. Macedonio tinha a retens"o de que seu $useo de la

novela de la %terna fosse &a obra em que o leitor será finalmente lido&. E seroAs estabelecer uma classifica/"o3 séries, tiologias, categorias e casos deleitores. !ma esécie de $oologia ou de bot%nica irreal que identifica gêneros eesécies de leitores na selva da literatura.

5ara oder definir o leitor, diria Macedonio, rimeiro é reciso saber encontrá:lo. u se(a, nomeá:lo, individuali$á:lo, contar sua história. ' literatura fa$ isso3dá ao leitor um nome e uma história, retira:o da rática m#ltila e anAnima,torna:o vis-vel num contexto reciso, fa$ com que asse a ser arte integrantede uma narra/"o esec-fica.

 ' ergunta &o que é um leitorL& é, sem sombra de d#vida, a ergunta da

literatura. Essa ergunta a constitui, n"o é externa a si mesma, é sua condi/"ode existência. E a resosta a essa ergunta � ara benef-cio de todos nós,leitores imerfeitos orém reais � é um texto3 inquietante, singular e semrediverso.

 

6 4'646 DE 8N

6emre existe algo de inquietante, ao mesmo temo estranho e familiar, na

imagem concentrada de alguém que lê, uma misteriosa intensidade que aliteratura fixou in#meras ve$es. su(eito se isolou, arece searado do real.

)amlet entra lendo um livro imediatamente deois da aari/"o do fantasma doai, e o fato é imediatamente ercebido como um sinal de melancolia, umsintoma de erturba/"o.

Em seu Di&rio, 0af1a se referiu F rória estranhe$a erante a excis"o queacomanha o ato de ler. &Enquanto eu lia 'eethoven e os apaixonados,

assavam:me ela cabe/a diversos ensamentos que n"o tinham a menor rela/"o com a história que eu estava lendo *ensei no (antar, ensei em 8o?,que eserava or mim, mas esses ensamentos n"o me entoreciam a leitura,que (ustamente ho(e foi muito ura.&

 ' vida n"o se detém, diria 0af1a, somente se seara daquele que lê, segue seucurso. )á um certo desa(uste que, aradoxalmente, a leitura viria exrimir.

leitor inventado or Borges se instala nesse esa/o. que estou di$endo éque Borges inventa o leitor como herói a artir do esa/o que se abre entre a

letra e a vida. E esse leitor *que freqKentemente afirma chamar:se Borges, masque também ode chamar:se 5ierre Menard ou )ermann 6oergel ou ser o

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anAnimo bibliotecário aosentado de & livro de areia& é um dos ersonagensmais memoráveis da literatura contemor%nea. leitor mais criativo, maisarbitrário, mais imaginativo que (á existiu desde D. Huixote. E o mais trágico.

Em Borges (á n"o se trata de alguém que �  como 0af1a, digamos �, nodormitório da casa familiar, noite alta, lê um livro sentado diante de uma (anelavoltada ara as ontes de 5raga. rata:se, em ve$ disso, de alguém erdidonuma biblioteca, alguém que assa de um livro ara outro, que lê uma série delivros e n"o um livro isolado. !m leitor diserso na fluide$ e no rastreamento eque tem todos os volumes a sua disosi/"o. Cai atrás de nomes, fontes,alus@es= assa de uma cita/"o ara outra, de uma referência ara outra.

exame microscóico das leituras também se exande3 o leitor vai da cita/"oara o texto como série de cita/@es, do texto ara o volume como série de

textos, do volume ara a encicloédia, da encicloédia ara a biblioteca. Esseesa/o fantástico n"o tem fim orque su@e a imossibilidade de encerrar aleitura, a sensa/"o acachaante de tudo o que ainda falta ler.

N"o obstante, alguma coisa falha, semre, nessa série3 uma cita/"o que seextraviou, uma ágina que se esera encontrar e que está em algum outrolugar.

&ln, !qbar, rbis ertius& �  o conto de Borges que define sua obra �come/a com um texto erdido, um artigo da encicloédia= alguém o leu, masn"o consegue mais encontrá:lo. que irrome n"o é o real, mas a ausência,um texto que n"o se tem e cu(a busca leva, como num sonho, ao encontro deoutra realidade.

 ' falta é imediatamente assimilada ao que foi substra-do. )á nisso um quêol-tico que remete ao comlA, a uma lógica cruel e sigilosa que altera a ordemdo mundo. 'lguém está de osse do que falta, alguém o aagou. N"o é umenigma nem um mistério= é um segredo, no sentido etimológico*scerneresignifica &Ar F arte&, &esconder&. !ma ágina � um livro� sumiu,

a carta foi roubada, o sentido vacila e, nessa vacila/"o, emerge o fantástico.

 ' vers"o contemor%nea da ergunta &o que é um leitorL& se instala nesselugar. leitor erante o infinito e a rolifera/"o. N"o o leitor que lê um livro,mas o leitor erdido numa rede de signos.

imaginário se alo(a entre o livro e a l%mada, di$ia 2oucault, falando de2laubert. No caso de Borges, o imaginário se instala entre os livros, surge emmeio F sucess"o simétrica de volumes alinhados nas estantes silenciosas deuma biblioteca.

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&' certe$a de que tudo está escrito nos anula e nos transforma em fantasmas&,escreve Borges. ' metáfora do incêndio da biblioteca é, muitas ve$es, em seustextos, uma ilus"o noturna e um al-vio imoss-vel. s livros ermanecem,erdidos nos rofundos corredores circulares. odos nós, di$ Borges, ali nosextraviamos.

Nesse universo saturado de livros, em que tudo está escrito, só é oss-velreler, ler de outro modo. 5or isso, uma das chaves desse leitor inventado or Borges é a liberdade no uso dos textos, a disosi/"o ara ler segundo ointeresse e a necessidade. !ma certa arbitrariedade, uma certa inclina/"odeliberada ara ler mal, ara ler fora do lugar, ara relacionar sériesimoss-veis. ' marca dessa autonomia absoluta do leitor em Borges é o efeitode fic/"o rodu$ido ela leitura.

 

alve$ o maior ensinamento de Borges se(a a certe$a de que a fic/"o n"odeende aenas de quem a constrói, mas também de quem a lê. ' fic/"otambém é uma osi/"o do intérrete. Nem tudo é fic/"o *Borges n"o é Derrida,n"o é 5aul de Man, mas tudo ode ser lido como fic/"o. 6er borgeano *se éque isso existe é ter a caacidade de ler tudo como fic/"o e de acreditar nooder da fic/"o. ' fic/"o como uma teoria da leitura.

5odemos ler filosofia como literatura fantástica, di$ Borges, ou se(a, odemos

transformar a filosofia em fic/"o mediante um deslocamento e um errodeliberado, um efeito rodu$ido no ato mesmo de ler.

5odemos ler a %nciclopédia brit(nica como fic/"o, e estaremos no mundo deln. ' %nciclopédia brit(nica aócrifa de ln é a descri/"o de um universoalternativo surgido da rória leitura.

6em d#vida, o mundo de ln é um hr)nir  de Borges3 a ilus"o de um universocriado ela leitura e que dela deende. )á uma certa invers"o do bovarismo,

semre iml-cita em seus textos= n"o se lê a fic/"o como mais real do que oreal, mas o real erturbado e contaminado ela fic/"o.

5or isso, no fim o mundo é invadido or ln, a realidade se dissolve e sealtera. narrador se refugia novamente na leitura= desta ve$ em outro tio deleitura, uma leitura controlada, minuciosa, a leitura como tradu/"o. tradutor é,aqui, o leitor erfeito, um coista que escreve o que lê em outra l-ngua, quecoia, fiel, um texto, e na minuciosidade dessa leitura esquece o real3 &contato e o hábito de ln desintegraram esse mundo O...P N"o me incomodo,continuo revisando, nos quietos dias do hotel da 'drogué, uma indecisa

tradu/"o quevediana *que n"o retendo ublicar do Urn 'urial , de Brone&.

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&ln, !qbar, rbis ertius& aresenta os dois movimentos do leitor em Borges3a leitura é ao mesmo temo a constru/"o de um universo e um ref#gio dianteda hostilidade do mundo.

que me interessa destacar no bel-ssimo final de &ln& é uma coisa queencontraremos em muitos outros textos de Borges3 a loucura como defesa. 'quietude a que se refere a hiálage está no ato de ler= tudo fica em susenso= avida, or fim, se deteve.

Encontramos de novo a fissura, a excis"o que a leitura viria exrimir. !mcontraste entre as exigências ráticas, digamos, e aquele momento dequietude, de solid"o, aquela forma de recolhimento, de isolamento, em que osu(eito se erde, indeciso, na rede dos signos.

Do outro lado dos livros, transosta a suerf-cie reta e branca das alavrasimressas, do outro lado de um (ardim e de uma grade de ferro, o mundoarece irreal, ou, melhor di$endo, o mundo é exatamente essa irrealidade.

 

 'o mesmo temo, em Borges o ato de ler articula o imaginário e o real. Melhor seria di$er3 a leitura constrói um esa/o entre o imaginário e o real, desmonta aclássica oosi/"o binária entre ilus"o e realidade. N"o existe nadasimultaneamente mais real e mais ilusório do que o ato de ler.

Muitas ve$es o onto em que se cru$am o sonho e a vig-lia, a vida e a morte, oreal e a ilus"o, é reresentado elo ato de ler.

Basta ensar na dula viagem narrada em & 6ul&. 8á está Dhalman, araquem a sofreguid"o de ler o exemlar (á muito gasto de  *s mil e uma

noites rovoca um acidente que o leva F morte. *E muitas ve$es, em Borges, aleitura leva F morte. Mais adiante encontramos Dahlman convalescente,lendo *s mil e uma noites no trem ara esquecer a doen/a até ser distra-do

ela lan-cie, ser distra-do ela realidade e, aliviado, deixar:se, simlesmente,viver. E, or fim, Dhalman naquele lugare(o erdido ao sul da rov-ncia deBuenos 'ires recorrendo F leitura ara isolar:se e roteger:se e refugiando:semais uma ve$ no volume de *s mil e uma noites até ser arrancado de seuisolamento elos fregueses do arma$ém, que o ata$anam e desafiam.

6abemos que se trata de um sonho. No momento de morrer de seticemia noleito do hosital, Dhalman imagina �  escolhe, afirma Borges �  uma morteheróica num combate a céu aberto. Essa morte é real, é contada como sefosse real� ortanto é real. !ma ve$ mais, na lan-cie argentina, nos fundos

de um arma$ém, ocorre um duelo a faca.

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volume de *s mil e uma noites está nas duas mortes= seria o caso de di$er que ele é a causa das duas mortes. Num dos casos, é a sofreguid"o de ler quedesemboca no acidente= no outro, é o risco de ler que desemboca no desafio.

5orém há outra coisa que dese(o destacar aqui. No arma$ém, Dhalman érovocado por!ue está lendo, orque o vêem ler, distra-do, um livro. Huerodi$er que, freqKentemente, o outro do leitor também está reresentado. N"oaenas o que lê, como também quem enfrenta aquele que lê, com quem eledialoga e negocia essa forma de construir o sentido que é a leitura.

Bastaria ensar em D. Huixote e em 6ancho, na decis"o milagrosa de9ervantes que, logo deois da rimeira investida, @e em cena aquele que n"olê. &5ois lhe asseguro que n"o sei ler&, resondeu 6ancho *;, QR. Esseencontro, esse diálogo, funda o gênero. 6eria o caso de di$er:se que nessa

decis"o, que confronta leitura e oralidade, está o romance inteiro.

 

8E;4E6 N DE6E4 '4+EN;N

N"o há d#vida de que a ergunta &o que é um leitorL& também é a ergunta dooutro. ' ergunta � Fs ve$es irAnica, Fs ve$es agressiva, Fs ve$es iedosa,mas semre ol-tica� daquele que olha ler aquele que lê.

 ' literatura argentina é ercorrida or essa tens"o. Muitas ve$es a oosi/"oentre civili$a/"o e barbárie foi reresentada dessa maneira. 9omo se essafosse sua encarna/"o básica, como se nisso se (ogassem a ol-tica e asrela/@es de oder.

Evoquemos a cena em que Mansilla *um dos grandes escritores argentinos doséculo SS, autor de Una excursi+n a los ,ndios an!ueles lê e /ontrat social ,de 4ousseau �  em francês, evidentemente �, sentado debaixo de umaárvore, no camo, erto de um abatedouro onde o gado é sacrificado, até o

momento em que seu ai *o general 8ucio N. Mansilla, herói da batalha deCuelta bligado se aroxima dele e lhe di$3 &Meu amigo, um sobrinho de dom>uan Manuel de 4osas n"o lê 0 contrato social  caso retenda ficar neste a-s.Hue arta, se quiser lê:lo com roveito&. E finalmente o desacha ara o ex-lio.

Nessa cena narrada or Mansilla em suas /auseries e que transcorre emRTUV, cristali$am:se redes de toda a cultura argentina do século S;S. 'civili$a/"o e a barbárie, como decretou 6armiento.

4ousseau e o abatedouro. De um lado, a tradi/"o dos letrados *é reciso di$er 

que Mariano Moreno, o ideólogo da indeendência, o l-der da revolu/"o contrao absolutismo esanhol, foi o rimeiro tradutor de 0 contrato social . De outro,

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logo em frente, o abatedouro, uma sinédoque clássica da barbárie vista darória origem da literatura argentina, o lugar sangrento onde as classeserigosas se adestram na arte de matar.

 ' civili$a/"o e a barbárie est"o em (ogo no controle do sentido, nas diferentesmaneiras de aceder ao sentido. Mas nada nunca é t"o esquemático.

comlemento dessa cena está na história extraordinária do coronel Baigorria,que cru$a a fronteira e vai viver com os -ndios *como Mart-n 2ierro e o sargento9ru$ no final de $art,n Fierro, e ara quem os 4anqueles *os mesmos4anqueles que Mansilla visitará vinte anos deois levam, deois de um ataqueFs ovoa/@es do norte, um exemlar do Facundo, de 6armiento. Estamos emRTWX.

Baigorria escreve suas memórias deois de voltar ara a civili$a/"o, or assimdi$er, e nelas conta sua vida na terceira essoa *e vários cronistas da regi"ofronteiri/a com os territórios ind-genas, como Estanislao Yeballos, tambémnarraram sua exeriência com o famoso &9acique blanco&.

inha um exemlar de Facundo, de 6armiento, com áginasfaltando, que era sua leitura redileta e que o aaixonava O...P 'quele livro fora um resente de um cacique que saqueara umacarreta na vila de 'chiras, O...P Baigorria mandara construir umrancho de alha e barro num local afastado do acamamento de

5aine= ali cultivava solitariamente seus instintos civili$ados.

!m rancho ara ler no meio da lan-cie. 6olitariamente. 5arece mais drásticodo que a biblioteca de Borges.

No deserto, do outro lado da fronteira, entre os -ndios, um leitor � uma vers"oextremada de Dhalman �  lê Facundo e revive nesse livro, talve$, aexeriência e o sentido do mundo que deixou ara trás.

 'ntes de mais nada, seria o caso de descobrir o que fa$ a- esse exemlar de Facundo, livro ublicado no 9hile três anos antes3 em que m"os esteve,onde erdeu as áginas que lhe faltam, quem o levava na tal carreta em lenoer-odo de 4osas, e também o que significava o livro ara os 4anqueles, araque resolvessem recolhê:lo (unto com os deso(os da matan/a e levá:lo araBaigorria.

 ' ergunta &o que é um leitorL& é também a ergunta sobre como os livros v"oarar nas m"os daquele que os lê, como é narrada a entrada nos textos.

8ivros encontrados, emrestados, roubados, herdados, saqueados elos-ndios, salvos do naufrágio *como o exemlar da B-blia e os livros em

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ortuguês que 4obinson 9rusoé � (á sabemos que ele assou alguns anos noBrasil � recolhe entre os deso(os do navio naufragado e leva ara a ilhadeserta, livros que se distanciam e se erdem na lan-cie.

J. ). )udson, um dos melhores escritores em l-ngua inglesa do século S;S,guardava a seguinte lembran/a de sua (uventude no camo argentino3 &N"ot-nhamos romances. Huando um romance chegava a nossa casa, era lido edeois emrestado ao vi$inho mais róximo, a umas duas léguas de casa, eesse vi$inho, or sua ve$, emrestava a outro vi$inho, sete léguas adiante, eassim sucessivamente até que o livro desaarecia no esa/o&.

8ivros reais, livros imaginários, livros que circulam na trama, que deendemdela e que muitas ve$es a definem. s livros, na literatura, n"o funcionamaenas como metáforas �  como as que 9urtius analisou admiravelmente

em iteratura européia e 1dade $édia latina �, mas também como articula/@esda forma, nós que @em em rela/"o os n-veis do texto e desemenham umacomlexa fun/"o construtiva na narra/"o.

 

5ensemos, or exemlo, no livro sobre a m-stica (udaica que, incrivelmente, élido or 6charlach, o g%ngster, em &' morte e a b#ssola&. oda a suresa e ainven/"o do texto de Borges est"o ali. &8i a 2ist+ria da seita dos 2assidim&, di$6charlach= &fiquei sabendo que o medo reverente de ronunciar o Nome deDeus dera origem F doutrina de que esse Nome é todo:oderoso e recAndito.&6em esse livro imaginário � sem essa cena decisiva e sarcástica em que umassassino usa um livro ara caturar um homem que acredita aenas no que lê�, n"o haveria história.

emos que imaginar, ortanto, 6charlach, um d%ndi sanguinário e sinistro,como leitor.

que lê, onde, or quê, quando, em que situa/"oL 8ê ara vingar:se de

8nnrot, ortanto lê ara 8nnrot e contra 8nnrot, mas também lê com ele. 8êa artir de 8nnrot *como Borges nos recomenda ler alguns textos a artir de0af1a, ara sedu$i:lo e caturá:lo em suas redes. ;nfere, dedu$, imagina sualeitura e a dulica, confirma:a. rata:se de uma esécie de bovarismo for/ado,orque 6charlach na verdade obriga 8nnrot a atuar o que lê. ' fé está em (ogo. 8nnrot acredita no que lê *n"o acredita em outra coisa= oder:se:ia di$er que lê ao é da letra. 'o asso que 6charlach, or sua ve$, é um leitor dislicente, que usa o que lê ara seus róios fins, tergiversa e transorta oque lê ara o real *como crime.

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Evidentemente, 6charlach e 8nnrot *ou se(a, o criminoso e o detetive s"oduas maneiras de ler. Dois tios de leitor confrontados.

leitor como criminoso, que utili$a os textos em benef-cio rório e fa$ delesum uso indevido, funciona como um hermeneuta selvagem. 8ê mal, masaenas no sentido moral= fa$ uma leitura cruel, rancorosa, fa$ um uso érfidoda letra. 5oder-amos ensar na cr-tica literária como um exerc-cio desse tio deleitura criminosa. 8ê:se um livro contra outro leitor. 8ê:se a leitura inimiga. livro é um ob(eto transacional, uma suerf-cie sobre a qual se deslocam asinterreta/@es.

6charlach usa o que lê como armadilha, como maquina/"o sombria, comosuerf-cie em branco sobre a qual os coros desli$am. Em certo sentido, é oleitor erfeito= dif-cil encontrar uso mais efica$ ara um livro. 5rovisoriamente, é

o oosto do leitor inocente. 6charlach reali$a a ilus"o de D. Huixote, só quedeliberadamente. 4eali$a na realidade o que lê *e o fa$ ara outro. Cê no realo efeito daquilo que leu.

Mas como ele lê, como constrói o sentidoL 2erido, como numa vertigem, lê areeti/"o, ara vingar:se. *6eria reciso fa$er uma história da leitura comovingan/a. Ele mesmo decifra as condi/@es de sua leitura, o contexto quedetermina o sentido, as quest@es materiais que trata de resolver a artir daquiloque lê.

&Nove dias e nove noites eu agoni$ei naquela desolada gran(a simétrica= afebre me arrasava, o odioso >anus bifronte que olha os ocasos e as aurorashorrori$ava meus sonhos e minha vig-lia.&

6charlach, um leitor doente.

 

9'6 )'M8E

 'gora eu gostaria de voltar a )amlet, o d%ndi eigramático e enlutado que,como 6charlach, também dese(a vingar:se *seria melhor di$er que é obrigado avingar:se.

Deois do encontro crucial com o fantasma do ai, )amlet, como dissemos,entra com um livro na m"o. Era muito raro que 6ha1eseare fi$esse marca/@esde cena, mas desde as rimeiras edi/@es consta a esecifica/"o3 &)amletentra lendo um livro&.

I claro que nos erguntamos se ele está mesmo lendo ou se finge que lê. fato é que ele se aresenta com um livro. que significa ler naquele contexto,

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na corteL Hue tio de situa/"o está iml-cita no fato de alguém se aresentar lendo um livro no quadro das lutas de oderL

N"o sabemos que livro ele lê, e n"o vem ao caso. Mais adiante, )amletdescarta a imort%ncia do conte#do. 5olAnio lhe ergunta o que está lendo.&5alavras, alavras, alavras&, resonde )amlet. livro está va$io= o queimorta é o rório ato de ler, sua fun/"o na tragédia.

Essa a/"o une os dois mundos em (ogo na obra. De um lado, o v-nculo com atradi/"o da tragédia, a transforma/"o da figura clássica do oráculo, a rela/"ocom o esectro, com a vo$ dos mortos, a obriga/"o de vingan/a que lhe vemdessa esécie de ordem transcendente. De outro lado, o momento antitrágicodo homem que lê, ou finge que lê. ' leitura, como dissemos, é vista comoisolamento e solid"o, como outro tio de sub(etividade. Nesse sentido, )amlet

é um herói da consciência moderna por!ue é um leitor. que está em (ogo é ainterioridade.

 ' cena em que )amlet entra lendo é um momento de transi/"o entre duastradi/@es e dois modos de entender o sentido. Bertolt Brecht �  que era,evidentemente, um grande leitor, um dos maiores �, em 0 pe!ueno organon

 para o teatro, escrito em R<UT, observa que )amlet é &um homem (ovem,embora (á um ouco entrado em carnes, que fa$ um uso extremamenteinefica$ da nova ra$"o, de que teve not-cia durante sua assagem ela!niversidade de Jitenberg&. )amlet vem da 'lemanha, vem da universidade, eBrecht vê nesse fato a rimeira marca da diferen/a. &No seio dos interessesfeudais, em que se encontra ao regressar, aquele novo tio de ra$"o n"ofunciona. Diante de uma rática irracional, sua ra$"o se mostra absolutamenten"o rática, e )amlet cai, v-tima trágica da contradi/"o entre aquela forma deraciocinar e a situa/"o imerante.& Brecht vê na tragédia a tens"o entre ouniversitário que chega da 'lemanha com idéias novas e o mundo arcaico efeudal. Essa tens"o e essas idéias novas est"o encarnadas no livro que ele lê,simlesmente um signo de um novo modo de ensar, oosto F tradi/"o davingan/a. ' legendária indecis"o de )amlet oderia ser vista como um efeito

da incerte$a da interreta/"o, das m#ltilas ossibilidades de sentido iml-citasno ato de ler.

Existe uma tens"o entre o livro e o oráculo, entre o livro e a vingan/a. ' leiturase o@e a outro universo de sentido. ' outra maneira de construir o sentido,melhor di$endo. )abitualmente, o que o su(eito está deixando de lado é umasecto do mundo, um mundo aralelo. E o ato de ler, de ter um livro, costumaarticular essa assagem. ' letra tem algo de mágico, como se convocasse ummundo ou o anulasse.

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6eria oss-vel afirmar que )amlet vacila orque se erde na vacila/"o dossignos. 6e afasta, tenta afastar:se, de um mundo ara entrar em outro. De umlado arece estar o sentido leno, embora enigmático, da alavra que vem do 'lém= do outro está o livro. No meio, está o alco.