O que é um milagre... por Olavo de Carvalho (Transcr. Abner Schmuller)

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  • O que um milagre?1

    Olavo de Carvalho

    (Transcrio: Abner Schmuller)

    Como tema de hoje, gostaria de desviar um pouquinho da sequncia

    dedicada ao assunto da paralaxe cognitiva e da mentalidade

    revolucionria, para dar para vocs alguns resultados de uma

    investigao que estou fazendo a muitos anos, que comecei a muitos

    anos, interrompi, agora voltei, que a experincia sobre os

    fenmenos chamados miraculosos.

    Essa investigao tem uma importncia para a outra, a mentalidade

    revolucionria, por um efeito, no tanto de contraste, porque ela vai

    fixar a medida, o parmetro, a fronteira, entre uma ordem de

    fenmenos e a outra ordem de fenmenos, mesmo porque, em toda

    esta efervescncia da mentalidade revolucionria moderna, o

    atesmo militante um aspecto bastante importante, e ele tem se

    traduzido nos ltimos anos por um florescimento editorial anormal,

    uma profuso de livros atesticos cujo pai, ou, cuja me, este de

    Vistor J. Stenger God, The Failed Hypothesis Deus a hiptese

    falhada. Todos os outros livros que tem aparecido, Christopher

    Hitchens, Sam Haris, Richard Dawkins, todos eles pegam a base no

    Stenger. O Dawkins reconhece, explicitamente, a dvida que ele tem

    para com este autor, os outros nem sempre, mas agente v que os

    argumentos so mais ou menos os mesmos.

    Toda esta discusso gira em torno da possibilidade de ns

    identificarmos, em alguns acontecimentos observveis, uma causa

    sobrenatural, ou seja, uma causa de ordem no material que teria

    interferido nos acontecimentos. evidente que pelos mtodos

    cientficos atualmente existentes, no h nenhuma maneira de voc

    identificar a presena ou ausncia de um elemento no material. No

    que quer que seja. Ento, de certo modo, toda a discusso j est

    viciada desde a base. Especialmente, me parece danosa, prejudicial,

    1 Acesso http://www.youtube.com/watch?v=se-HyPc--eo, em 01 de setembro de 2013, s 17:00h. Durao do vdeo: 01h40min.29seg.

  • a definio inicial mesma do milagre como um fato determinado por

    causas sobrenaturais. Esta definio pressupe, em primeiro lugar,

    que existem fatos que no tem causa sobrenatural alguma. Este

    pressuposto inteiramente absurdo. Porque, se voc definir a

    natureza como um campo que est limitado por determinadas leis,

    determinadas e conhecveis, ento a natureza, assim, um sistema

    fechado que s pode operar dentro dos parmetros, do modo

    determinado por estas leis, e neste caso, a natureza, como um todo,

    teria que obedecer a segunda lei da termodinmica e que estaria em

    extino perptua.

    Em contrapartida, todo mundo sabe que existem fenmenos novos,

    a todo momento acontecendo na natureza, o surgimento de novas

    estrelas ou as galxias, e tudo isto j mostra que a natureza, entre

    aspas, no um campo limitado, nem muito menos, definido.

    Quando ns usamos o termo natureza, ns, realmente, no sabemos

    do que estamos falando, natureza ou cosmos, ns no sabemos.

    Estamos querendo indicar uma realidade de extenso ilimitada,

    cujos limites ns no conhecemos, mas, em princpio, no possvel

    voc fixar limites. Isso quer dizer que, para alm de toda a realidade

    conhecida ou conhecvel, existe o reino da possibilidade ilimitada.

    Possibilidade que s encontra limites na contradio interna, ou

    seja, definir como possvel tudo aquilo que no tem contradio

    interna. E, a possibilidade ilimitada, possibilidade universal, se

    torna a, mais ou menos, como um marco, dentro do qual, boiaria o

    conjunto que ns chamamos natureza. Se neste conjunto, neste

    sistema no houve, continuamente, a entrada de novas

    possibilidades, a natureza j estaria extinta h muito tempo. De

    modo que, fixar um limite entre o natural e o sobrenatural, me

    parece, absolutamente, invivel. T certo?

    Ademais, essa definio, no podendo fixar os limites da natureza, o

    que ela faz? Ela toma os limites da cincia presentemente conhecida,

    como se fosse estes limites da natureza. Mas claro que isso

    procedimento meramente convencional. E como que de uma

    premissa convencional, voc poderia tirar concluses aplicveis ao

    mundo dos fatos? Daquilo que convencional, voc s pode tirar

    concluses hipotticas. Isto por definio, uma coisa de lgica

    elementar. Se voc coloca uma premissa convencional, ela no diz

  • respeito aos fatos. Voc pode raciocinar com base nesta premissa,

    mas todas as concluses que voc tirar dali, esto, j, pr-

    determinadas pela prpria conveno. Portanto, so concluses

    hipotticas, jamais concluses de fato.

    Ento, quer dizer que quando definimos um milagre como fenmeno

    de causa sobrenatural, ns, j de cara, entramos no reino do

    absurdo. Mais absurdo ainda porque voc est definindo o

    fenmeno pelas suas causas, ao passo que, para investigar as causas

    de um fenmeno, voc, primeiro, tem que saber o que ele . Se voc

    no sabe o que o fenmeno, se voc no tem o conceito dele, no

    tem como voc investigar as suas causas. Agora, se voc j embute as

    causas dentro da prpria definio, simplesmente no h mais o que

    investigar. Quer dizer, outro erro lgico brutal. Por exemplo: ns

    sabemos o que um crime. Quer dizer, sabemos o que um

    homicdio. Porque ns sabemos o que um homicdio, que ns

    podemos investigar quem o praticou. Ta certo? Agora, se ns s

    pudssemos definir como homicdio, um ato X ou Y, praticado por

    Fulano ou Ciclano, ento, evidentemente, ns s poderamos

    investigar um nico homicdio que este mesmo que est contido na

    definio.

    Ento, a definio de um gnero de fatos no pode ser dada pelas

    suas causas. A definio tem que ser dada descritivamente, de modo

    que voc possa distinguir este gnero de fatos de outro gnero de

    fatos. Dada esta distino, uma vez que voc sabe o que so estes

    fatos, a sim, voc pode investigar quais so as suas causas.

    Em terceiro lugar, existe o problema de que voc dizer que uma coisa

    tem uma causa sobrenatural ou foi causada por Deus, realmente

    no dizer absolutamente nada. Isso no uma explicao, de

    maneira alguma. Explicar um fato por uma causa sobrenatural,

    como ns j vimos, pressupe que h fatos de causas no

    sobrenaturais. Mas como, teologicamente, Deus a causa ltima de

    tudo, causa primeira ou ltima de tudo o que acontece, ento esta

    afirmao meramente tautolgica. Quer dizer que uma coisa

    aconteceu porque Deus quis, supe que possa acontecer coisas que

    Deus no quer. O que contraditrio com a prpria definio de

    Deus como onipotente, como causa primeira. Ento, no entendo

  • como se pode fazer uma investigao cientfica partindo de uma base

    lgica to errada, tanto da parte daqueles que aceitam a existncia

    do miraculoso, como da parte daqueles que no aceitam. Agora,

    porque estas dificuldades que acabei de colocar, elas raramente, ou

    nunca, aparecem para os debatedores do assunto? Elas no

    aparecem pela seguinte razo: quando se quer investigar se um fato

    foi miraculoso ou no, a primeira coisa que se faz classificar este

    fato dentro de uma ordem de outros fatos semelhantes cuja origem

    tida como no miraculosa. Por exemplo, o sujeito que curou de

    cncer. Primeiro se enquadra o fato em que se diz: Tem-se aqui o

    seu fulano que foi curado miraculosamente..., mas, existe uma srie

    de pessoas que foram curadas do cncer por maneiras no

    miraculosas. Voc, primeiro, enquadra este fato particular dentro da

    classe geral chamada cura do cncer e, em seguida, voc vai

    investigar se esta cura em particular teve origem sobrenatural ou

    no. Com isto, o fato miraculoso j est definido previamente como

    no miraculoso, porque voc j o colocou dentro de uma classe de

    fenmenos similares. E estes fenmenos similares j so explicveis

    por outros meios. Se voc fez isso e em seguida voc procura uma

    causa miraculosa para este fato, a mesma coisa que voc procurar

    algo que voc j definiu que no pode estar l. Quer dizer: alm de

    voc ter um impedimento metodolgico com o fato de que as

    cincias naturais, atualmente praticadas, j operam dentro de

    limites definidos por elas mesmas, na qual s aquilo que

    mensurvel ou, portanto, material, entre aspas, pode ser

    observado, alm de voc ter essa dificuldade metodolgica, voc tem

    uma dificuldade lgica intrnseca. Voc j classificou o fato dentro de

    uma espcie que est, por definio, excluda deste tipo de

    investigao. claro que isto a dificultar enormemente a

    continuao da investigao.

    Quer dizer: as curas miraculosas so invocadas como um

    subconjunto do conjunto curas. O conjunto curas no definido

    pela interveno de nenhum elemento miraculoso. Ento, quer

    dizer: o fato miraculoso nesta perspectiva, um fato banal como

    outro qualquer, com a diferena que haveria ou no haveria a

    interveno de um elemento miraculoso. Quer dizer: o milagre, a no

    caso, amputado das prprias caractersticas que o diferencia dos

  • outros fatos. Nesta perspectiva, a nica diferena que existe entre

    um fato miraculoso e um fato no miraculoso, seria uma causa, quer

    dizer, a diferena estaria na causa e no no fenmeno mesmo. Mas,

    se o fenmeno pertence mesma ordem dos outros fenmenos,

    quase impossvel voc identificar para ele uma causa diferente

    daquela que foi assinalada para todos os demais fenmenos da

    mesma espcie. Ou seja, este tipo de discusso geralmente ocorre

    dentro de uma atmosfera de confuso mental quase psictica.

    Ento, o que teramos que fazer da maneira mais lgica ou menos

    infame de investigar este fenmeno, partindo do princpio de que

    ns no tivemos nenhuma revelao direta que nos esclarea o

    fenmeno, quer dizer, partindo da premissa de que ns podemos

    investigar somente com as nossas luzes naturais, ainda que com o

    apoio do Esprito Santo, mas sem uma revelao especial, o que ns

    teramos que fazer o seguinte: em primeiro lugar temos que ver o

    que que ns estamos investigando. Isto quer dizer que ns

    tnhamos que tentar delimitar o fenmeno miraculoso pelas suas

    caractersticas prprias e independentemente das causas, porque as

    causas j seriam a explicao do fenmeno. E como podemos

    encontrar uma explicao para algo que ns nem sabemos o que ?

    Isto quer dizer que toda investigao do miraculoso tem consistido

    exatamente nisto, quer dizer, voc vai investigar as causas de uma

    coisa que voc no sabe o que e que, de antemo, voc j definiu

    pela presena destas mesmas causas. T certo?

    Ento, se ns examinarmos, no superficialmente, um nico

    fenmeno reconhecido pela Igreja, e ns temos que delimitar o

    terreno para evitar outras dificuldades, e claro que existe

    inumerveis milagres que a Igreja no reconheceu e nem ficou

    sabendo, mas se tomarmos aqueles que so reconhecidos pela Igreja

    como miraculosos, ns vamos observar neles algumas caractersticas

    que os distinguem de quaisquer outros fatos, isolada a hiptese de

    uma causa natural. Ou seja, ns no precisamos as causas. Ou o

    fenmeno tem um elemento distintivo em si mesmo,

    independentemente da considerao das suas causas, ou ento, no

    h sequer uma razo para investigar os fenmenos miraculosos uma

    vez que, neste caso, no se distinguiriam de nenhum outro fato no

    miraculoso. Quer dizer, se existe uma razo para investigar os fatos

  • miraculosos, porque h neles algum trao que j os distingue,

    independentemente de voc conhecer, ou no conhecer, as causas.

    Por exemplo, vamos tomar o milagre mais inquestionvel dos

    ltimos tempos, que o milagre de Ftima, que eu mesmo estudei

    muito superficialmente. A primeira coisa que vocs vo notar que

    este milagre no composto de um fato, quer dizer, no um fato

    atomstico, como por exemplo: o senhor Fulano de Tal que estava

    com a doena tal e, de repente, acordou sem aquela doena. Isto

    seria um fato considerado atomstico, um fato isolado. Ele pode ser

    considerado em si mesmo. O que aconteceu em Ftima no foi um

    acontecimento, mas uma sequncia de acontecimentos interligados e

    pertencentes a muitas espcies de planos de realidades diferentes.

    T certo? Primeiro o fato de que trs crianas, ao mesmo tempo,

    tinham exatamente a mesma viso, at com data marcada. Quer

    dizer, Nossa Senhora marcava a data em que iria aparecer, e elas iam

    ali e Ela estava ali. Segundo lugar, o fato de que as trs crianas viam

    e ouviam, quer dizer, uma s ouvia, alis, uma s via, as outras duas

    s ouviam exatamente a mesma coisa. Quer dizer, as palavras eram

    exatamente as mesmas. Em segundo lugar, esta viso trazia dentro

    de si uma srie de profecias, anncios de coisas que iriam acontecer

    num prazo determinado e marcadas por determinados sinais, como

    por exemplo, a ecloso de uma guerra em escala mundial...

    (problema tcnico!)

    O que eu estava dizendo, vou tentar repetir!

    que se ns queremos fazer uma investigao sria a respeito dos

    fenmenos do milagres, a primeira coisa que temos que fazer

    verificar se existe neles algum trao distintivo que permita catalog-

    los dentro de uma classe especfica, sem ter que apelar para a

    hiptese de suas causas, ou seja, a delimitao do fenmeno, em

    qualquer cincia, a delimitao do fenmeno tem que ser anterior

    investigao das suas causas. No isto? Se ns no sabemos o o

    qu, muito menos podemos saber o porqu. Quer dizer, a causa

    de um fenmeno no pode entrar na sua definio antecipadamente.

    Ento, o que ns teramos que fazer, em primeiro lugar, seria uma

    espcie de fenomenologia do fato miraculoso, na qual ns

    encontrssemos os caracteres distintivos, e os encontrasse de uma

  • maneira puramente descritiva, os aspectos, quer dizer, os traos

    distintivos que nos permitisse, ento, diferenci-los de outras ordens

    de fatos. Se ns jamais encontrssemos esses caracteres, ento, no

    seria possvel isolar um grupo de fenmenos, como fenmenos

    supostamente miraculosos, e ns, ento, no teramos como

    investigar as suas causas. Se os fenmenos miraculoso j so

    enquadrados antecipadamente dentro da ordem de fenmenos no

    miraculosos, no faz sentido voc procurar uma causa miraculosa

    para eles. E, por outro lado, se voc os define j, segundo, no por

    uma caracterstica deles mesmo, mas os define por uma causa,

    ento, aquilo que voc estava querendo investigar, que a presena

    ou ausncia de uma causa miraculosa, j est pressuposta na prpria

    definio. Quer dizer, ento, esta discusso toda erro lgico encima

    de erro lgico.

    O que temos que fazer investigar se os fenmenos, a ordem dos

    fenmenos tidos como miraculosos, possui alguns traos distintivos

    que ns possamos captar descritivamente, no explicativamente. A,

    isolaramos esse conjunto de fenmenos de quaisquer outros

    fenmenos. Se tornariam perfeitamente distintos. Uma vez distintos,

    ns poderamos, ento, a sim, investigar as suas causas.

    Dentro desta abordagem, necessariamente superficial, que iremos

    fazer nesta aula, eu ia sugerir que ns examinssemos um fato

    especfico que reconhecido pela Igreja como fato de ordem

    miraculosa, porque, claro que acontecem milhes de milagres que

    no so reconhecidos pela Igreja, e que a Igreja nem fica sabendo.

    Mas, para evitar maiores dificuldades metodolgicas, ns vamos

    estudar somente aqueles que so aceitos pela Igreja como fatos de

    ordem miraculosa. E, dentre eles, o mais notvel, evidentemente, o

    milagre de Ftima. A primeira coisa que voc vai notar no milagre de

    Ftima que ele no um acontecimento singular, um

    acontecimento isolado, um acontecimento atomstico. Quer dizer,

    uma coisa que acontece num lugar e num determinado momento,

    ele uma sequncia, quase um sistema de fatos que aparece de

    maneira interligada e inseparvel. Se voc tirar um elemento dali, a

    histria j fica sem sentido. Esse fenmeno comea a acontecer

    quando trs crianas tem uma viso da Virgem Maria, a qual, lhes

    transmite, Ela marca vrios encontros com eles e volta nas datas

  • certas e as trs crianas vo l e recebem a mesma mensagem. E esta

    mensagem contm algumas profecias, com a data aproximativa do

    que vai acontecer e quais so os sinais que permitiriam identificar

    esses fatos, logo antes de eles acontecerem, como dentre outros fatos

    que foram ali anunciados, a guerra mundial, a guerra de 1914 que,

    disse a Virgem Maria, seria anunciada pelo surgimento de uma

    estranha luz no cu. O que, de fato, aconteceu pouco antes da

    ecloso da guerra, houve em plena Europa ocidental um fenmeno

    como se fosse o da aurora boreal, quer dizer, uma coisa que s se v

    no plo. E, logo em seguida, veio a ecloso da guerra. Um outro

    fenmeno foi a revoluo comunista na Rssia e, vamos dizer, um

    outro ainda mais recente a apostasia geral no mundo cristo, isto ,

    a debandada dos cristos, a entrada do elemento, a traio mesmo

    nas altas esferas da Igreja, e isso aconteceu.

    Ao mesmo tempo, houve, na data marcada por Nossa Senhora, um

    acontecimento astronmico extraordinrio chamado dana do Sol,

    com o Sol se movendo no cu diante de milhares de pessoas que

    estavam ali observando. E, ao mesmo tempo, houve uma exploso de

    curas miraculosas nas pessoas doentes que estavam ali presentes e

    outras que estavam nas redondezas. O fenmeno da dana do Sol foi

    visto no s por aqueles que estavam presentes no local, mas por

    pessoas que estavam a muitos quilmetros de distncia e que no

    sabiam que estava acontecendo aquele encontro das crianas, da

    multido, com Nossa Senhora naquele momento.

    E olha, este conjunto que se chama o milagre de Ftima. No

    uma coisa, ou outra coisa. Certo? Qualquer elemento da, que voc

    isolasse, poderia ser catalogado dentro de uma cincia em especial e

    estudado pelos mtodos dela. Mas esse conjunto inacessvel

    totalidade das cincias. Por qu? Porque esse conjunto aquilo que

    ns chamamos de fato concreto. Na verdade, no nem um fato

    concreto. uma sucesso concreta de fatos. A sucesso concreta

    no sentido de que todos eles evoluem juntos, um leva a outro, outro

    leva a um, um anunciado de antemo, um traz, vamos dizer, dentro

    de si a semente do outro, que por sua vez o elucida retroativamente.

    Ento, pergunto eu: existe alguma cincia capaz de investigar as

    relaes entre um fenmeno astronmico, como a dana do sol, as

  • curas miraculosas, as causas da primeira guerra, as causas da

    revoluo russa, o fenmeno da luz que apareceu no cu, logo antes

    da guerra, e a capacidade, ou no capacidade, que trs crianas tm

    de ter uma viso de Nossa Senhora? Existe alguma cincia que possa

    estudar isso? claro que no! Este fenmeno no acessvel aos

    mtodos de nenhuma cincia. E isto que o torna miraculoso. Ns

    no precisamos, vamos dizer, apelar explicao de causas

    sobrenaturais. Ns no temos a menor idia do que causou tudo

    isso. E no precisamos ter! O fenmeno miraculoso em si mesmo,

    ou seja, ele pela sua prpria estrutura e constituio interna, ele

    escapa possibilidade de ser apreendido explicativamente pelos

    meios humanos de conhecimento. Ns no somos capazes, sequer,

    de conceber uma cincia que conecte explicativamente todas essas

    ordens de fenmenos ao mesmo tempo! Isso, simplesmente, para a

    inteligncia humana, uma supercincia, que seria uma espcie de,

    que misturaria ali astronomia, astrologia, histria, patologia,

    fisiologia, tudo isto junto?! Para explicar o milagre de Ftima,

    precisaramos de uma cincia capaz de penetrar, no nos fatos que

    so prprios de cada cincia, quer dizer, em fatos selecionados

    abstrativamente, de acordo com suas caractersticas essenciais, ou

    seja, fatos abstrativamente selecionados, mas uma cincia capaz de

    explicar o fato concreto.

    Ora, ns vimos em algumas aulas atrs, que no existe cincia do

    fato concreto e no pode existir. Cincia de nenhum fato concreto!

    Se voc pegar um fato simples, por exemplo, um sujeito que matou o

    outro na esquina: voc pode decompor esse fenmeno em vrios

    aspectos, e voc ter vrias cincias que estudam estes aspectos

    separativamente. Mas no tem nenhuma cincia que os junte, que

    possa junt-los. Claro, voc pode juntar esses vrios conhecimentos

    numa tcnica. Essa tcnica a tcnica policial! Mas, quando eu digo

    juntar, estou falando juntar no sentido cientfico, isto , voc vai

    encontrar um princpio explicativo comum para todos os aspectos do

    fenmeno. No pode haver isso! No h princpios comuns entre um

    fenmeno astronmico e as causas de uma guerra. Mesmo supondo-

    se que voc acredite em astrologia, os astrlogos, que por milnios

    estudam isso, so capazes de assinalar, s vezes, algumas

    coincidncias entre um fato astronmico e um fato histrico

  • terrestre. Mas s uma coincidncia. Eles no em nenhuma

    explicao disto. Agora, se voc no acredita em astrologia, ento

    pirou ainda. A voc no tem nem isto. Est certo?

    Ns vimos num exemplo que eu dei aqui, numa aula que ns tivemos

    aqui, eu defini o fato concreto como um fato considerado na

    convergncia sucessiva e simultnea de todos os acidentes

    necessrios para que ele se produza. Por que, se faltar um nico

    acidente, o fato no se produz. Ento, por exemplo, o sujeito matou

    o outro e tinha um motivo para matar o outro. Ou ele matou para

    assalt-lo, ou ele matou por algum motivo passional, por causa de

    cime, ou matou por algum interesse, por alguma vingana... Tem

    algum motivo. Esse motivo pode ser rastreado na histria dos dois,

    e, vamos dizer, descrito psicologicamente. Mas por outro lado, o

    sujeito usou um instrumento qualquer, vamos supor que ele deu um

    tiro na cabea do outro. E, na hora que ele deu um tiro, o projtil

    percorre um determinado trajeto e atinge a cabea do cidado com

    um determinado impacto. Esse trajeto e esse impacto so

    determinados por certas leis fsicas. Existe um princpio explicativo

    comum entre a causa do crime e o trajeto do projtil? No, no tem!

    Existe apenas, vamos dizer, a convergncia de duas linhas de causas

    absolutamente independentes, ou seja, considerada cientificamente,

    estas causas so independentes e, por isso mesmo, elas so

    estudadas por cincias distintas. Mas na ordem do fato concreto,

    elas no so independentes, porque, justamente, a convergncia

    delas que determina o fato. Se acontecesse s uma delas, sem a

    outra, o crime no aconteceria. Ou seja, se existe a causa do crime, e

    ns a conhecemos perfeitamente, se ns investigamos o criminoso e

    ele mesmo confessou, se ns sabemos perfeitamente a causa do

    crime, mas o trajeto da bala outro, a bala acerta na parede e a

    vtima continua viva, e ns no temos nenhum meio de conectar, na

    esfera causal, uma coisa e a outra. Ou seja, considerado no campo

    das cincias atualmente existentes, a causa do crime e o trajeto da

    bala no so conectveis racionalmente. Eles s so conectveis

    acidentalmente. Existe uma cincia da acidentalidade? Por

    definio, no!

    Ora, o fenmeno miraculoso, como qualquer outro fenmeno no

    miraculoso, ele sempre um fato concreto. E, o fato concreto ,

  • justamente, composto de uma multido de acidentes, vamos dizer

    assim, que no tem conexo lgica uns com os outros. Tem conexo

    factual, tem conexo acidental, por assim dizer, e no h cincia das

    conexes acidentais entre milhares de linhas causai independentes.

    Ora, o fenmeno miraculoso se distingue do outro fenmeno,

    justamente, pelo tipo de confluncia que acontece entre as vrias

    linhas causais, e no pela presena de uma causa em particular. Est

    compreendendo? Ento, o fenmeno miraculoso se d,

    precisamente, de um modo que essas conexes acidentais j esto

    mostra, por assim dizer, no prprio fato central do conjunto

    miraculoso. Quer dizer, quem conectou essas vrias ordens de

    fenmenos? Quem conectou a dana do sol, com a ecloso da

    Primeira Guerra, com a revoluo russa, as curas miraculosas? Foi a

    prpria Nossa Senhora! Ela disse que isso ia acontecer e era Ela que

    estava fazendo. Ou seja, as conexes entre as linhas de causalidade,

    acidentalmente, alis, as vrias linhas de acidentalidade e de

    causalidade presentes, j esto elucidadas, j esto, como que se

    diz?, postas mostra no prprio fenmeno. Quer dizer, o fenmeno,

    de certa maneira, ele tem uma translucidez que o fenmeno comum

    no possui. como se algo, da prpria estrutura da realidade, se

    mostrasse ali de uma maneira simultnea que no pode aparecer,

    nem nos fenmenos da vida diria, nem nos fenmenos investigados

    pelas chamadas cincias.

    Ou seja, o fato no qual ns no conseguimos identificar a clareza da

    conexo na prpria estrutura do fato, sem considerar as causas, tem

    que ser excluda da ordem miraculosa. Por exemplo, vocs vejam

    esses famosos milagres do Padre Pio (de Pietrelcina). Um dos mais

    famosos, foi o seguinte: durante a guerra (2 G.M) havia um

    acampamento alemo numa determinada cidadezinha da Itlia,

    Pietrelcina, e soldados americanos, da aviao americana, foram

    mandados l para bombardear aquele lugar. S que, acontece que

    junto com o acampamento tinha a cidade tambm. E quando

    estavam se aproximando da cidade, o comandante da esquadrilha

    americana, cujo nome me esqueo agora, mas, talvez, depois eu

    possa investigar, ele viu um frade voando na frente do avio e

    gesticulando como que se indicasse que as bombas deveriam ser

    jogadas em um outro lugar. E, as bombas, de fato, foram cair todas

  • em um outro lugar e no acertaram a cidade. Esse capito ficou

    muito impressionado com a coisa e anos depois ele voltou mesma

    cidade, e entrou numa Igreja e a primeira pessoa ele encontrou foi,

    justamente, aquele monge que estava voando. E o monge virou para

    ele e pergunta assim: Ah! Era voc que estava jogando bomba na

    gente?

    Ora, este um fato muito menos complexo do o milagre de Ftima.

    Mas, neste mesmo momento, ele j conecta uma infinidade de linhas

    causais que so absolutamente diferentes, irredutveis qualquer

    cincia possvel. Por exemplo, ns poderamos investigar, vamos

    dizer, cientificamente, entre aspas, as causas da viso que o piloto

    do avio teve. Mas, ns no teramos como explicar o fato de que o

    objeto dessa viso existia realmente. Nem, muito menos, o fato de

    que ele seria encontrado anos depois pelo mesmo sujeito que teve a

    viso. E, muito menos, que este objeto da viso, que era o Padre Pio,

    fosse portador da informao de que o outro o viu. Estes casos de

    viso mtua foram muito comuns na vida do Padre Pio. O sujeito

    que sonhava com ele e, ao mesmo tempo, ele sabia que o sujeito

    tinha sonhado com ele. Houve um outro caso, tambm, de um

    sujeito que batia muito na mulher e que uma noite ele viu um monge

    sacudindo a cama dele. E da, depois, ele viu uma foto do Padre Pio e

    disse: Ah! Foi esse aqui que estava l sacudindo a minha cama...,

    e foi procurar o Padre Pio, e o Padre Pio disse: Era eu mesmo que

    estava l!. Estes casos (so), vamos dizer, de viso mtua. Quer

    dizer, algum visto no sonho e, naquele mesmo momento, sabe que

    est sendo visto no sonho.

    Ento, no existe nenhum mtodo cientfico possvel que permita

    conectar essas vrias linhas de causas. Quer dizer, uma cincia

    comea na hora em que voc consegue delimitar um certo campo de

    conhecimentos que acessvel uma metodologia j determinada de

    antemo, porque a metodologia que vai determinar os critrios de

    observao e de prova que so admissveis para aquele campo em

    particular, de modo que, se o objeto no est suficientemente

    delimitado pelas suas caractersticas descritivamente, no possvel

    comear a cincia. Quer dizer, se o campo de uma cincia est

    demasiado interpenetrado por outros campos, voc no consegue

    desenvolver a metodologia prpria, portanto, voc no consegue

  • criar as cincias. Portanto, a possibilidade da existncia de uma

    cincia repousa na possibilidade de isolamento abstrativo de um

    certo aspecto da realidade que, por esta cincia, s ser encarado sob

    aquele aspecto especfico. Claro que, depois, voc pode tentar

    articular isto com os resultados de outras cincias. Mas, com

    frequncia, esta simples articulao supe o surgimento de uma

    terceira cincia. Agora, uma cincia capaz de articular

    simultaneamente todos os aspectos da realidade, ou seja, uma

    cincia capaz de estudar o fato concreto no existe. E o fato

    miraculoso se distingue do outro j na ordem mesma dos fatos

    concretos, independentemente da considerao das suas causas. Eu

    espero que isto esteja ficando claro. Por exemplo: o fato da moa

    italiana que nasceu sem pupilas e que aos sete anos de idade foi

    curada pelo Padre Pio. O Padre Pio no fez aparecer pupilas nela. Ela

    continua to sem pupilas quanto antes, mas enxerga como ns. Quer

    dizer, como que voc vai estudar cientificamente este fato? A

    possibilidade de enxergar sem pupilas, cientificamente, nula.

    Ento, voc no tem por onde comear a estudar. Voc no tem por

    onde pegar o fato. Voc pode tentar decomp-lo em mil aspectos,

    mas voc jamais explicar porque aquilo aconteceu naquele

    momento.

    Ento, vamos dizer que a expresso causa natural, causa

    sobrenatural, causa sobrenatural, no faz parte da definio do

    fato miraculoso. Faz parte da sua tentativa de explicao. Mas, como

    eu disse voc pode explicar um fato por causas sobrenaturais, no

    explica-lo, de maneira alguma, porque (o mesmo) que voc dizer

    que ele aconteceu por Deus quis. Mas, se voc religioso, acabou de

    dizer, tambm, que Deus causa tudo o que acontece. Ento, se Deus

    causa tudo, ento no de estranhar que Ele tenha causado mais

    alguma coisa. Isto a no uma explicao vlida, de maneira

    alguma. Voc teria que explicar qual o diferente percurso que Deus

    usou para causar este fenmeno, (ou) outro percurso que Ele usa

    para causar outros fenmenos. Ento, no caso, se diz: ele usou de

    meios naturais e em outro caso de meios sobrenaturais. Mas,

    acontece que ns no sabemos onde comea uma dessas coisas e

    onde termina a outra.

  • Alm disso, qualquer fato da ordem natural, pelo simples fato de que

    ele tenha acontecido, ele pressupe a ordem sobrenatural, ou seja, a

    ordem da possibilidade universal. A possibilidade universal no

    pode ser explicada por nenhum estudo da factualidade atualmente

    existente.

    A possibilidade universal um pressuposto da existncia, do que

    quer que seja, e tambm um pressuposto da sua abordagem

    cientfica. Note bem, a cincia da lgica, ela no lida com fatos, no

    lida com coisas reais. Ela lida, apenas, com a estrutura da

    possibilidade.

    Por outro lado, o que fazem as cincias? As cincias partem de certos

    fatos, observados, e buscam para eles uma explicao ou uma

    descrio, uma articulao racional. O que voc estudar

    cientificamente um fato observado? voc enquadrar um fato real

    dentro da ordem da possibilidade, dentro da estrutura da

    possibilidade, ou seja, a existncia da estrutura da possibilidade

    um pressuposto da prpria atividade cientfica. Mas a estrutura da

    possibilidade independente da existncia de quaisquer fatos reais.

    Vamos dizer, as leis de lgica elementar, assim como as leis da

    aritmtica elementar, elas so independentes, at mesmo, da

    existncia do cosmos. Quer dizer, o fato de que 1+1 d 2

    independente da existncia do universo inteiro. Em quaisquer

    universos existentes, 1+1 tem que dar 2, necessariamente. Ento

    quer dizer que a estrutura da lgica, a estrutura da aritmtica

    elementar, so a estrutura da possibilidade universal. A

    possibilidade universal , exatamente, aquilo que teologicamente a

    onipotncia divina. Ns sabemos que, na realidade, no cosmos

    efetivamente existente, nem todas as possibilidades se realizam. Ns

    dizamos que nem tudo que possvel se realiza, mas, ns tambm

    sabemos que tudo aquilo que acontece, tudo aquilo que se realiza,

    possvel.

    Ento, o que que faz a cincia? Dar uma explicao lgica para o

    fato enquadrar esse fato dentro da ordem da possibilidade, dentro

    da estrutura da possibilidade. Quer dizer, os fatos, o mundo da pura

    experincia, o mundo emprico, em si, ele opaco. Ele s se torna

    inteligvel, racionalmente, na hora em que voc o enquadra dentro

  • da possibilidade. Quando voc conecta, diz que uma coisa foi

    causada por outra, voc est conectando a ordem factual com a

    ordem causal. O que a ordem causal? a estrutura da

    possibilidade.

    Ora, a estrutura da possibilidade universal independente e prvia.

    A qualquer acontecimento que seja. Ela eterna, por assim dizer.

    Ento isso quer dizer que se no existisse a estrutura da

    possibilidade, nenhum estudo cientfico, do que quer se seja, seria

    jamais possvel. Ns ficaramos, mais ou menos, como bichinhos que

    recebem fatos, mas no tem a sua conexo lgica. Pode ter conexo

    lgica atomstica, mas no pode ter um sistema, uma estrutura de

    explicao racional, como ns temos. Esta estrutura, no outra

    coisa que no a prpria ordem, a prpria ordem da possibilidade,

    no considerada a totalidade, que para ns impossvel, mas

    considerado dentro de certos limites que nos so acessveis.

    Ora, quando ns pegamos um fato tido como miraculoso e o

    enquadramos dentro de uma ordem de fatos no miraculosos, e

    dizemos que eles s se distinguem dos outros pela interferncia de

    uma causa, isso quer dizer que uma causa diferente teria provocado,

    exatamente, a mesma coisa. Ou seja, a cura do cncer. Temos aqui

    duas pessoas que tem cncer e uma que curou por meios

    bioqumicos e conhecidos, e outra que foi curado miraculosamente.

    Num caso, o fator interveniente foi a medicina. No outro, teria sido

    Deus. Ou seja, a causa natural e a causa sobrenatural provocaram,

    exatamente, a mesma coisa. Quer dizer, em primeiro lugar se deveria

    nos explicar como que causas, especificamente diferentes, podem

    provocar, exatamente, a mesma coisa? Este tipo de estudo

    absolutamente invivel. Por isso que eu digo que teramos que

    comear por uma fenomenologia do fato miraculoso. O fato

    miraculoso, ento, teria que ser diferenciado dos demais fatos, pela

    sua prpria estrutura visvel, independentemente da considerao

    das suas causas.

    Ora, quando que ns encontraremos uma explicao cientfica da

    causa do fenmeno miraculoso? Jamais, jamais, jamais... Isso, no

    por uma limitao do nosso conhecimento, por sua prpria estrutura

    e pela estrutura daquilo que ns chamamos cincia. Se no h a

  • cincia do fato concreto, e o fato miraculoso s se distingue dos

    outros, justamente, pela sua estrutura enquanto fato concreto, isto

    est eternamente fora do domnio da cincia.

    Em terceiro lugar, o fato miraculoso, ele, embora no seja acessvel a

    uma explicao para ns, ele traz, imediatamente, na sua prpria

    presena, ele mostra a conexo entre ordens de causas, cuja conexo

    ns no podemos enxergar normalmente. Ento, de certo modo, ele

    tem uma inteligibilidade prpria, que os fatos no miraculosos no

    tem. Por exemplo, quando no milagre de Ftima a viso que as

    crianas tiveram, as curas miraculosas, a luz aparecida no cu, a

    dana do Sol, a revoluo russa, a primeira guerra, tudo isto, aparece

    mostrado como portador de conexes internas. Conexes internas

    que, normalmente ns no vemos. Isto quer dizer que o evento

    miraculoso, ele no pode ser explicado em si mesmo, mas ele, por si

    mesmo, e na sua prpria estrutura material, ele lana uma luz sobre

    as conexes causais que, normalmente, ns no enxergamos. Ento,

    de certa maneira, ele, no podendo ser explicado, ele tem uma fora,

    no digo explicativa, mas uma fora iluminativa que nos permite, em

    seguida, enxergar conexes que antes ns no enxergvamos. Ento,

    nesse sentido, o fato miraculoso tem a estrutura daquilo que em

    outros domnios se chama smbolo. O smbolo foi definido pela

    filsofa Susanne K. Langer, que uma dos melhores estudiosos em

    sua rea, como matrizes de inteleces, ou seja, um smbolo algo

    que voc no entende em si mesmo, mas que ajuda voc a entender

    uma srie de outras coisas. Por exemplo, as narrativas Bblicas.

    Muitas vezes voc no entende o que est se passando ali, mas

    depois, quando voc comea a encontrar na vida real, anlogos

    daqueles fatos, estes, segundo os fatos observados, se tornam

    inteligveis graas fora unificante dos smbolos que os rene, que

    rene os vrios fatos dentro de uma espcie condensada naquele

    smbolo. E exatamente isto que o fato miraculoso faz. Voc no o

    entende, mas ele lana uma luz sob inumerveis conexes causais,

    que normalmente no nos so visveis. E esta uma caracterstica

    prpria do fato miraculoso. claro que todo fenmeno, qualquer

    fenmeno, encarado de uma certa maneira, pode ser simblico, mas

    o fato tido como tido como miraculoso ele j tem uma estrutura

    simblica em si mesmo e ele inseparvel deste estrutura simblica.

  • Esta inseparabilidade da presena do fenmeno do seu carter

    simblico, este, o carter distintivo do fenmeno miraculoso. Ou

    seja, em primeira instncia no o milagre que tem que ser

    entendido, mas o resto que tem que ser entendido luz daquele

    milagre. Todo e qualquer fato pode ser encarado simbolicamente ou

    no, mas o milagre tem de ser. Ele no admite ser encarado de outra

    maneira. Por qu? Porque da natureza dele mostrar fisicamente a

    conexo entre ordens causais cuja conexo, normalmente, no nos

    aparece. Isto exatamente o que faz o smbolo. Esto

    compreendendo isto? Visto desta maneira, o fato miraculoso no

    tem que ser explicado, porque ele a raiz das explicaes. Ele lana

    luz sob o resto. E ele se chama milagre, miraculum exatamente por

    isto: uma coisa que digna de olhada, de ser contemplada.

    Ento, ao milagre se aplica aquilo que Aristteles dizia dos ritos de

    mistrios, de um modo geral, ele dizia: eles, nada nos ensinam, mas

    eles deixam em ns uma profunda impresso que age, por assim

    dizer, no estou usando as palavras de Aristteles, agem

    vitaminicamente sobre nossa inteligncia. Ele estava enunciando,

    antecipadamente, o que a Susanne K. Langer diria do smbolo como

    matriz intelectual. Um milagre no aquilo que para ser explicado

    em si, mas para ser contemplado, diferenciado dos outros

    fenmenos, evidentemente, e usado em seguida como matriz para o

    entendimento de muita coisa que aconteceu em seguida, ou que

    acontece simultaneamente. Isso quer dizer, o fenmeno miraculoso

    tem caractersticas que nenhum outro fenmeno tem. Uma destas

    caractersticas que ele no pode ser compreendido em si mesmo,

    ele no pode ser abarcado em si mesmo, mas ele lana uma luz sobre

    outros fatos. Esse o verdadeiro critrio do estudo dos fatos

    miraculosos.

    Aqui tem um monte de perguntas...

    (Pergunta do aluno:) O senhor falou de uma grande apostasia que

    ocorreria na Igreja e que estaria contida no terceiro segredo de

    Ftima, conforme afirma um jornalista italiano em um livro

    editado h uns dois anos na Itlia, cujo nome no me lembro, do

    qual h uma resenha escrita no site do Orlando Fedeli. No entanto,

    a Igreja nunca confirmou estas informaes...

  • claro no confirmou, mas a existncia da apostasia, me parece que

    uma coisa evidente, um fenmeno que estatisticamente voc

    comprova. As pessoas que esto debandando, abandonando a Igreja,

    por tudo quanto lado. Isso aconteceu mesmo. Acho que agora

    parou de acontecer. Est havendo um retorno. Mas que aconteceu,

    aconteceu. E houve a traio interna. O fenmeno do Conclio

    Vaticano II, simplesmente no possvel negar o escndalo do que

    aconteceu no Conclio Vaticano II, vamos dizer, em que o Vaticano

    negocia com o governo comunista. Por causa da presena de dois, ou

    trs bispos ortodoxos, ou seja, bispos de uma Igreja no Catlica.

    Por causa da presena de trs no Catlicos, a Igreja se compromete

    a no falar do comunismo durante todo o Conclio Vaticano II. O

    comunismo foi o fenmeno mais importante do sculo XX, e em

    todas as atas do Conclio, voc procura, e no encontra a palavra

    comunismo como se no tivesse acontecido. claro que isso uma

    gigantesca mentira, isso uma gigantesca farsa. Se isto j no a

    apostasia, no sei o que .

    Ah, olha aqui, uma pergunta interessante...

    (Interveno do aluno:) Um usual argumento dos ateus acerca dos

    fatos miraculosos o seguinte: os antigos entendiam ser e fato

    miraculosos como meros fatos naturais divinizados, assim o Sol

    seria um deus para os egpcios, apesar de ser apenas uma estrela

    aps o aumento da compreenso humana pela cincia. Desta

    forma, diz que acreditar em fatos miraculosos seria apenas uma

    ignorncia do homem contemporneo e da nossa incapacidade de

    compreender ainda o que seja este fenmeno.

    Muito bem, exatamente isso que acabei de explicar. Qualquer fato

    pode ser encarado simbolicamente. E, uma vez encarado

    simbolicamente, voc pode dar a ele uma caracterstica divina.

    Qualquer fato pode ser smbolo da divindade. Mas o fato miraculoso

    exatamente aquilo que no tem como no ser simblico, porque,

    ele, por si mesmo, e no por fruto da nossa ignorncia, no pode ser

    objeto de explicao, somente de descrio. Esto compreendendo?

    Porque, primeiro: o fato miraculoso no um fato, uma

    convergncia de fatos; segundo: no h, e no pode haver cincia

    que explique estas convergncias isto incompatvel com o

  • prprio mtodo cientfico admitido h quatrocentos anos; terceiro: o

    fato miraculoso mostra conexes que no poderiam aparecer de

    outro modo se existe, durante uma viso que milhares de pessoas

    tem ao mesmo tempo, acontecem inmeras curas miraculosas ali e

    em volta, em outras pessoas que no esto assistindo o fenmeno,

    que no esto tendo a viso de Nossa Senhora, mas que de longe

    vm a dana do Sol, tambm entre estas pessoas acontecem as curas,

    e, ao mesmo tempo, a profecia ali anunciada se cumpre no prazo

    devido, com os sinais anunciados, claro que todas estas linhas

    causais imensamente diferentes, esto conectadas naquele momento

    pela apario de Nossa Senhora. Isto pode ser objeto de estudo

    cientfico, tal como eu estou fazendo aqui. Este o estudo cientfico

    que pode ser feito disto. Raciocine um pouco! No pode haver

    estudo cientfico de um fenmeno se voc no tem a descrio dele, e

    a descrio o que eu estou fazendo. E, to logo voc fez a descrio

    cientificamente vlida, logicamente defensvel, sensata, do

    fenmeno, voc entende que ele no pode ser referido nenhuma

    causa. Nem mesmo sobrenatural, porque explic-lo por causas

    sobrenaturais, primeiro: no seria explic-lo. Visto de outro modo, o

    fenmeno miraculoso, no que ele tenha uma causa sobrenatural,

    ele sobrenatural. Ele um momento em que a dimenso da

    possibilidade universal se abre e aparece parcialmente para ns. E,

    por isso mesmo, na possibilidade universal, no plano da

    possibilidade universal, todas essas linhas causais que,

    normalmente, nos so inacessveis, todas elas esto dadas l

    simultaneamente. E ns entrevemos um pouco dessas ligaes. O

    fato miraculoso nos elucida, nos lana uma luz, torna inteligveis

    certas ligaes que normalmente ns no veramos. Existem duas

    atitudes perante isto: se voc encara o fenmeno miraculoso como

    algo que deve ser contemplado e que deve, portanto, fecundar a sua

    inteligncia, voc comea a entender uma srie de coisas no entorno.

    Agora, se voc coloca entre voc e o fenmeno miraculoso uma

    distncia, se tenta transform-lo em um objeto de estudo, voc se

    priva da fora fecundante que ele est lanando sobre a sua

    inteligncia. como o sujeito se emburrecer para estudar a

    inteligncia, ou arrancar a prpria cabea para estudar a fisiologia

    cerebral. Isto no faz sentido.

  • Algum pergunta...

    (Pergunta do aluno:) Scrates no contestou a mitologia grega e

    por isso foi condenado morte?

    Scrates jamais contestou a religio Grega. Nem por um nico

    instante.

    Algum pergunta se vale perguntas sobre as aulas passadas. Vale.

    (Pergunta do aluno:) O senhor no pensa em derivar dos seus

    estudos sobre a paralaxe cognitiva as consequncias clnicas e

    pedaggicas?

    Certamente penso!

    (Pergunta do aluno:) Existe alguma medida profiltica contra a

    paralaxe, algo como a introspeco metdica proposta por Paul

    Diel?

    Certamente existe e este um campo maravilhoso de estudo!

    (Pergunta do aluno:) O senhor poderia dar dicas de leituras sobre

    a psicologia da vocao e a formao volitiva intelectual?

    Em primeiro lugar o livro do Sertillanges. La Vie Intellectuelle de

    A. G. Sertillanges e o outro, Le Travail Intellectuel do Jean

    Guitton. Isso a tem que ler. Depois eu passo os ttulos direitinho.

    Isso a tem que ler. Alis, estou publicando esta semana, no Dirio

    do Comrcio, uma breve resenha do livro do Eric Voegelin

    Reflexes Autobiogrficas, dizendo que este livro o complemento

    natural inverso do livro do Sertillanges. O Sertillanges mostra ali os

    princpios, os mtodos da vida intelectual e o Eric Voegelin, j na

    velhice, contando como foi a sua formao, a formao que ele

    adquiriu por vontade prpria, atravs do projeto que ele fez to logo

    ele captou a ordem dos problemas que ele queria investigar pelo

    resto da vida, ele foi buscando os conhecimentos necessrios para

    chegar onde ele queria chegar. Ento, voc tem num lado os

    princpios e mtodos e do outro voc tem um exemplo concreto de

    uma vida intelectual extremamente bem sucedida. Eu sugeriria que

    voc lesse este dois livros, um depois do outro, e voc vai ver que

    Voegelin fez exatamente a receita do Sertillanges.

  • Mas, voltando aqui aos fatos naturais divinizados, qualquer fato

    podendo ser encarado na ordem simblica, qualquer fato pode ser,

    tambm, mitologizado. Qualquer fato, por mnimo que seja, pode ser

    encarado dentro da escala do divino. Ele pode ser. Mas ele tambm

    pode ser encarado fora disso. Agora, quando voc pega um fato

    miraculoso e voc tenta encar-lo fora da sua escala prpria, voc o

    est picotando, voc est separando aquilo que nele est junto. E,

    justamente, o que ele tem de especfico que nele estas vrias linhas

    causais esto juntas inseparavelmente, ou seja, voc est mutilando

    o fato e trocando por outro fato da sua prpria inveno para o qual

    da voc busca uma explicao. claro que este tipo de investigao

    irracional na base. Esto compreendendo? Voc comea por tirar

    um fenmeno da sua prpria ordem e coloc-lo numa outra ordem, e

    em seguida buscar causas.

    Ora, a aceitao de uma causa divina depende de voc ter toda uma

    estrutura doutrinal teolgica pronta. Quando voc pega aquele fato e

    o enquadra dentro de uma doutrina teolgica da voc diz que aquele

    fato teve uma causa sobrenatural, etc, etc, etc... (Foi) causado por

    Deus assim, assim, assim. Dependendo da religio que voc segue,

    voc vai dar uma explicao mais ou menos diferente. Mas, o fato

    que a possibilidade mesma de haver as explicaes teolgicas

    depende da existncia de fatos miraculosos. No teologia que vai

    explicar o fato miraculoso. o fato miraculoso que explica a

    possibilidade da teologia, porque o fato miraculoso que abre a

    viso humana para a existncia de um outro plano de realidade no

    qual, as conexes que nos so invisveis, se tornam visveis. E toda a

    especulao teolgica que voc faz a, no seno o efeito remoto

    deste impacto iluminante que o fato miraculoso teve sobre a

    inteligncia humana. Agora, note bem, quando Santo Toms de

    Aquino, no fim da vida, diz que, perto das coisas que ele tinha

    acabado de compreender, tudo o que ele tinha escrito antes era

    apenas palha, exatamente isto que ele est querendo dizer. Vocs

    esto querendo levar a srio, demais, a teologia. Nem mesmo a

    teologia pode dar uma explicao acerca do fenmeno miraculoso.

    Por qu? Porque ela, simplesmente, um efeito residual do

    fenmeno miraculoso.

  • claro que uma filosofia, ou qualquer enfoque cientfico que se

    tenha, que exclua da realidade a existncia dos fenmenos

    miraculosos, est mutilando a realidade porque estes existem. E

    existem numa quantidade assombrosa. Por exemplo, no livro do

    James Rutz, ele d ali setenta e dois casos de ressurreio que

    aconteceram recentemente. No o sujeito que estava clinicamente

    morto. No, o sujeito estava morto mesmo, no sentido total da coisa

    e que voltou. Estas coisas acontecem.

    Me diga um exemplo de um nico mtodo cientfico que possa

    estudar isto. No tem como. Isto absolutamente inacessvel, no ao

    estado presente dos nossos conhecimentos, mas idia mesma de

    mtodo cientfico. A no ser que voc faa um up grade nele,

    exatamente no sentido que eu estou fazendo. Eu creio que esta

    abordagem que eu estou dando aqui, ela uma espcie de

    transmutao do mtodo cientfico de modo a permitir que ele

    aborde estes fatos. A exigncia nmero um voc desistir da

    explicao causal, porque nenhuma cincia pode dar a explicao

    causal de um fenmeno que ela no descreveu, e se a descrio j

    est mutilada ou deficiente, a explicao que voc vai ter vai ser

    mutilada ou deficiente.

    Ora, se os fenmenos miraculosos constituem um gnero especfico,

    e este gnero marcada pela convergncia manifesta de vrias linhas

    causais diferentes, que ali aparecem conectadas, para alm de toda

    possibilidade de conexo acessvel ao estudo cientfico, ento o que

    que o fenmeno miraculoso faz? Ele abre o campo do nosso

    conhecimento para o campo da percepo de conexes causais que

    ns no tnhamos percebidos antes. Nenhuma destas conexes

    causais vai explicar o prprio fenmeno miraculoso, mas vai explicar

    outra coisa.

    O fenmeno miraculoso tem a mesma estrutura do smbolo em

    geral, com a diferena de que tudo o mais pode ser encarado como

    smbolo, mas pode ser encarado de outra maneira, mas o fenmeno

    miraculoso no admite isto, porque ele , de certo modo, o smbolo

    fisicamente presente. Aquilo que normalmente ns s percebemos

    atravs de smbolos e figuras de linguajem, por exemplo quando

    lemos a Bblia, etc., o fenmeno miraculoso est fisicamente

  • presente. A prpria realidade que nos mostra, nos evidencia a sua

    estrutura simblica. E o indivduo que, perante um fenmeno deste,

    se priva do benefcio fecundante que este fenmeno pode exercer

    sobre a sua inteligncia, e ao contrrio, quer inverter e quer fazer

    com que a inteligncia que tem no momento possa transformar este

    fenmeno num objeto e abarcar explicativamente, este sujeito

    demasiado burro. Isto no uma atitude metodologicamente

    razovel.

    Note bem, voc no pode encontrar uma explicao cientfica, por

    exemplo, para uma pea de Shakespeare. O que voc pode fazer

    assistir a pea e permitir que, com o seu impacto simblico, ela

    fecunde a sua inteligncia e voc perceba milhes de conexes. Mas

    isto uma obra de arte feita pelo ser humano.

    Ora, o mtodo admissvel no estudo do milagre mais parecido com

    este do que com os mtodos das cincias naturais. Como que ns

    fazemos para entender cientificamente, racionalmente,

    intelectualmente, uma pea de Shakespeare? Em primeiro lugar, ns

    temos que deixar que ela nos diga o que ela tem a dizer, voc tem

    que vivenci-la como se fosse um sonho acordado, um sonho

    acordado dirigido. Em seguida, voc tem que permitir que ela,

    atravs da analogia com milhares de outros fatos, fecunde a sua

    inteligncia. E a voc vai entender a pea atravs do benefcio que

    ela lhe fez, e no tomando-a como objeto. O objeto que est

    separado da inteligncia, e no aquilo que entrou dentro da

    inteligncia e a fecundou por dentro. Se voc for objetivar a pea de

    Shakespeare, transform-la num objeto, pouco vai lhe sobrar nas

    mos alm de uma pilha de papel impresso e voc no vai entender

    absolutamente nada da pea. Com o fenmeno miraculoso,

    exatamente a mesma coisa. este o mtodo que tem que ser

    adotado: voc tem que observar, contemplar o fato, na sua presena

    real e com toda a estrutura que ele lhe mostra. A voc pode dizer

    que o conhece. Se voc quiser at investigar a causa, voc pode. Mas

    voc vai ver que no necessrio, porque ele j diz por si, tudo o que

    tem que dizer. A causa do fenmeno miraculoso apenas uma

    questo de teologia.

  • Isto significa que o que estou dizendo, quer dizer, que esta

    investigao metodolgica nos leva a uma srie de outras

    concluses. Aquilo que no tem explicao o que ns chamamos de

    mistrio. E note bem o que Aristteles disse sobre ritos de mistrios:

    ns no os entendemos e eles no nos transmitem um

    conhecimento, mas, de certo modo, nos iluminam por dentro e nos

    tornam, aumentam o poder de nossa inteligncia. Isso significa que

    o mistrio aquilo que, em si mesmo, no pode ser penetrado

    explicativamente pela nossa inteligncia. Ele no pode ser abarcado

    pela nossa inteligncia, porque ele a abarca e ele a fecunda.

    Ora, se no existisse o mistrio, se no existisse algo que, em si

    mesmo, impenetrvel pela nossa inteligncia, isso significa que as

    categorias do nosso pensamento, da nossa cincia, seriam

    onipotentes. Ns poderamos penetrar, intelectivamente, tudo que

    existe, inclusive a infinitude. Dizendo isso, assim, pode parecer

    bonito, e isso nos tornaria, aparentemente, poderosos, mas acontece

    que se fosse assim, no haveria distino entre a realidade e nosso

    conhecimento. Ns no poderamos saber, no teramos idia do que

    a realidade objetiva. A realidade estaria identificada como o nosso

    conhecimento. Isto quer dizer que, se no existe um limite extremo

    da inteligncia humana, no existe a realidade. A realidade, como

    presena externa, no depende da nossa inteligncia. S chega ao

    nosso conhecimento porque a inteligncia tem um limite

    intransponvel, no um limite definido pelas nossas possibilidades

    atuais, mas um limite intrnseco. A cincia do fato concreto integral,

    no pode existir, porque seria a cincia infinita, e a cincia infinita

    no pode ser possuda por um ser finito. Isto no uma deficincia

    provisria. Esta uma deficincia, um limite eterno. E porque

    existe este limite eterno que ns somos capazes de conhecer uma

    realidade objetiva. Se no existisse o mistrio colocando esta

    extrema fronteira, que a nossa inteligncia no pode penetrar, e

    eternamente no pode penetrar, ns no saberamos que existe

    realidade objetiva e o tempo todo ns estaramos confundindo entre

    a realidade e o nosso pensamento. Ns estaramos vivendo um

    sonho idealstico gnstico. E , por isto mesmo, que o mistrio no

    pode ser penetrado.

  • Bom, para terminar aqui, eu vou ler para vocs um resuminho que

    fiz disto, com algumas mensagens que mandei para o Eric Voegelin

    Forum. Como as mensagens so muito curtinhas, eu no pude

    resumir a coisa direito, mas para vocs que ouviram esta aula,

    espero que fique mais claro. Depois mando estes textos, a parte que

    esta em ingls, depois eu traduzo e mando para o Edson para ele

    distribuir para vocs.

    A definio de um milagre como fato devido a causas

    sobrenaturais, definio adotada igualmente por aqueles que

    aceitam, ou no, a existncia destes fatos e causas, padece de um

    vcio fundamental: ela pressupe: ou que conhecemos

    absolutamente os limites da ordem natural o que falso; ou que

    podemos tomar como limites da natureza os limites da cincia

    presentemente conhecida, o que resulta em tirar de uma premissa

    declaradamente convencional concluses aplicveis, sem mais,

    ordem dos fatos. Esta definio absolutamente inaceitvel, em

    segundo lugar, porque impossvel sondar as causas de um fato se

    no sabemos o que este fato , isto , se no temos dele uma

    definio prvia. E definir um fato, to somente pelas suas causas,

    sem outros caracteres que o distinga, independentemente de uma

    explicao causal, pressupor, com patente absurdidade, que

    podemos conhecer as causas de algo que nem sabemos o que . Esta

    dificuldade s no se torna patente para os debatedores de

    milagres, porque, do fato tido como miraculoso, selecionam s os

    aspectos que permitam classific-lo entre fatos similares, da causa

    no miraculosa, e em seguida, passam a discutir se este fato, em

    particular, se diferencia daqueles que acabam de ser declarados

    seus iguais. Por exemplo, as curas miraculosas so enfocadas como

    um subconjunto do conjunto curas, cujos elementos so

    identificados mediante critrios mdicos usuais, em seguida

    procede-se por excluso eliminado-se os procedimentos mdicos e

    os mecanismos conhecidos de autorremisso e quando essa

    eliminao se completa, o que se obtm a apenas a concluso de

    que, os fatores ausentes, estavam ausentes. Os adeptos do milagre

    proclamaro, ento, que a cura teve causas sobrenaturais. Seus

    adversrios, que teve causas naturais desconhecidas. Esta

    discusso tautolgica, na sua base mesma, e no posso me

  • impedir de achar extravagante o fato de que tanto se dediquem

    uma atividade que s os podem levar a confirmar, sempre, as suas

    opinies anteriores, quaisquer que elas sejam. Se o fato miraculoso

    definido, antecipadamente, como pertencentes por seus

    caracteres intrnsecos classe dos fatos no miraculosos, s se

    distinguindo deles pelas causas sobrenaturais, evidente que estas

    no podero ser confirmadas ou impugnadas jamais, de vez que

    foram, a priori, excludas do campo de investigao, exceto, na

    melhor das hipteses, como resduos, totalmente inconclusivos, de

    uma sequncia de excluses que, uma vez admitida a possibilidade

    terica de explicaes naturais futuras, ter, forosamente, de

    prosseguir ad infinitum. Afirmo, taxativamente, que cada

    fenmeno, at hoje apontado pela Igreja Catlica como miraculoso,

    tem caracteres intrnsecos que permitem distingui-lo como uma

    classe em separado, independentemente da admisso, ou at da

    cogitao de causas sobrenaturais, ou de quaisquer outras. Mais

    ainda, nem haveria razo para investigar a possibilidade de

    causas naturais, se os fatos miraculosos no fossem um gnero

    parte, distinguvel empiricamente e inconfundvel com outros

    gneros. Antes de investigar as causas dos fatos miraculosos

    preciso discernir a sua natureza, isto , aquilo com que faz com que

    sejam o que so, aquilo que lhes d a sua unidade e permite

    reconhec-los, antes e fora de qualquer investigao das suas

    causas. , precisamente, essa unidade que se rompe logo de incio,

    quando se cai naqueles erros de metodologia que acabo de

    assinalar.

    Agora, aqui trs mensagens que foram enviadas ao Eric Voegelin

    Forum, que foram mandadas em ingls, mas vou traduzir o melhor

    que posso aqui:

    Smbolos religiosos so realidades fsicas, dados de experincia,

    vistos como apontando para mistrios. Mistrios so significados

    que transcendem o reino da experincia humana. Coisas que no

    existem ou fatos que no aconteceram, no podem ser smbolos,

    propriamente ditos, apenas recursos literrios inventados para

    comunicar a experincia humana. Ns podemos experimentar e

    experienciar um smbolo, mas no o seu significado, o qual s pode

    ser apreendido por aquela funo que Plato chama tmesis (Livro

  • das Leis, 728e), isto , a comparao entre um dado atualmente

    apreendido e a sua qualidade especfica, cuja perfeio somente

    apreendida virtualmente, como que numa assntota uma curva

    que se aproxima de uma reta, mas nunca chega e no atualmente.

    Se no existisse mistrio, a totalidade do ser estaria sujeita s leis

    do pensamento humano e no haveria meio de distinguir entre o

    pensamento e a realidade. Os mistrios so a nica garantia da

    existncia da realidade objetiva e isto , precisamente, a razo pela

    qual eles no podem ser contidos dentro dos limites, nem da

    realidade, nem do pensamento. Se eles pudessem, o universo como

    um todo e a infinitude mesma, seriam engolfados em um sonho

    gnstico. Mistrios no podem ser objetivamente explicados porque

    se no houvessem mistrios, no haveria nenhum conhecimento

    objetivo e nenhuma explicao do que quer que fosse.

    Segunda nota:

    A filosofia existe dentro da realidade, mas a realidade existia

    muito tempo antes da filosofia. Se a filosofia esclarecimento

    analtico da realidade, da mais alta importncia filosfica

    distinguir, por exemplo, se a ressurreio de Cristo realidade ou

    filosofia. Se ela uma realidade, ela a mais importante realidade

    de todas. Se ela filosofia, ela pode ser boa ou m filosofia e, mais

    ainda, ela pode ser muitas filosofias tantas quantas os filsofos

    que pensem a respeito.

    Terceira nota:

    A doutrina, ou doutrinas, da ressurreio surgiu pouco a pouco

    em resposta s vicissitudes histricas, enquanto o fato da

    ressurreio aconteceu, ou no aconteceu, antes que houvesse

    qualquer doutrina a respeito. Se no podemos investigar a

    ressurreio em si mesma, se podemos fazer to somente pela

    intermediao de doutrinas, somos compelidos a aceitar ou a negar

    o fato conforme a doutrina que ns subscrevemos. Isto ,

    exatamente, o que Eric Voegelin diria que ns no devemos fazer.

    Como a ressurreio um exemplo individual do gnero milagre,

    isto , fatos que requerem causas sobrenaturais ou transcendentes,

    acredito que o estudo amplo dos milagres enquanto fatos ou

    pseudo-fatos deveria ser realizado antes de qualquer possvel

  • entendimento das muitas doutrinas a respeito. Termos como

    fundamentalismoou crena nada tem a ver com esta questo. A

    fpode ajudar voc nesta investigao, mas no pode fornecer

    uma resposta questo. Ela ajuda voc do mesmo modo que, se

    voc, radicalmente, no acredita que uma mulher o ama, voc

    jamais ser capaz de perceber o amor dela como um fato atual,

    apenas por perceber os seus signos externos, que voc sempre pode

    explicar de outra maneira. Muitas fantasias ideolgicas nasceram

    de algum impedimento interno a apreender o amor, seja humano

    ou divino. A f pode prevenir estas dificuldades que nascem desta

    fonte, mas nunca devemos esquecer que a f, no sentido de

    acreditar numa doutrina, um sentido secundrio, superposto ao

    sentido original, que era a experincia real de confiar numa

    pessoa, uma pessoa muito especial. Ora, se voc tivesse esta

    experincia, no lhe seria exigido que voc acreditasse numa

    doutrina para acreditar em Cristo, mas se voc no tem esta

    experincia, ento voc s tem duas maneiras de lidar com a

    presente questo: ou voc acredita, ou descr, da doutrina; ou voc

    tenta investigar os milagres como dados experienciais, falsos ou

    verdadeiros - precisamente o que estou fazendo.

    Eis aqui um exemplo de estudo dos fenmenos dos milagres. Este

    estudo importante, tambm, para o caso da mente revolucionria,

    da paralaxe cognitiva, porque ns vamos, com base nisso, ns

    podemos distinguir o que que so as profecias, as pseudo-

    profecias, e isto importantssimo para a elucidao da mente

    revolucionria.

    Vamos ver aqui algumas perguntas...

    (Pergunta do aluno:) O ser humano limitado e no consegue

    apreender todos os fenmenos naturais possveis. Por que o fato

    miraculoso no pode ser entendido por um ctico como um fato

    natural desconhecido? Por exemplo, o fato de o Sol nascer todo dia

    pode ser entendido...

    Entendi! Olha, esta pergunta mostra que voc no entendeu,

    exatamente, a minha explicao. Eu estou lhe dizendo que,

    raciocinar a partir do exemplo de Ftima, o prprio conceito de

    natural e no natural no tem cabimento nesta discusso. Por

  • exemplo, qual a conexo entre a dana do Sol, curas miraculosas,

    anncios da guerra e da revoluo e a ecloso da guerra e da

    revoluo no prazo devido? possvel estudar, cientificamente, esta

    conexo? Resposta: no! Isto no depende do estado atual dos

    nossos conhecimentos. No possvel conceber uma cincia que

    conecte estas coisas pelos mtodos cientficos admitidos. O mtodo

    cientfico no extensvel a este tipo de conexes. Se voc pergunta,

    ento, se o fato miraculoso no pode ser encarado como um fato

    natural de causas desconhecidas, eu digo: pode, mas isso no

    problema. Voc dizer que o fato miraculoso tem causas

    sobrenaturais ou que ele tem causas naturais desconhecidas no

    dizer nada. Em ambos os casos essas afirmaes so ocas. Elas no

    fazem sentido. Por que, o que ns estamos fazendo aqui, descrever

    o que o fenmeno, o fato miraculoso. Agora, o que quer dizer

    causas naturais desconhecidas? Quer dizer que a natureza,

    definida dentro dos limites que voc a conhece agora, ela traz em si a

    explicao de todas estas conexes? isto que voc est dizendo?

    Esta frase, filosoficamente, no faz sentido. Voc est dizendo que

    aquilo que se conhece agora, contm a explicao daquilo que voc

    no conhece ainda? O que voc quer dizer com isto? Isto um flatus

    vocis. No quer dizer nada. Segundo, voc est incorrendo no

    mesmo erro do sujeito que diz que o fato tem explicao

    sobrenatural. Voc est dando explicao causal de um fenmeno

    cuja descrio voc no tem. a mesma coisa. Como que vamos

    fazer uma investigao causal se no sabemos o que o fenmeno.

    Mas to logo descrevemos o fenmeno, tal como ele se apresenta,

    isto , usando o mtodo fenomenolgico, ns entendemos que ele

    transcende a possibilidade de explicao, seja explicao natural ou

    sobrenatural, porque a voc est entrando apenas, de novo, no

    flatus vocis. Se dizer que uma coisa sobrenatural , dizer que ela

    transcende a natureza e quer dizer que voc conhece os limites da

    natureza. Se dizer que tem uma explicao natural, dizer que se

    est dentro da natureza e quer dizer que voc conhece os limites da

    natureza. Mas ns no conhecemos isto, absolutamente! Isto no

    quer dizer nada. Vamos esquecer o natural e o sobrenatural, e vamos

    nos ater experincia tal como ela se apresenta, porque boa cincia

    se faz assim. No com conceitos grandes como natureza ou

  • sobrenatureza. No, com a descrio da estrutura do fato, tal

    como ela se apresenta. Exatamente o que acabei de dizer.

    (Pergunta do aluno:) Poderamos caracterizar os fatos no

    miraculosos, como a manifestao do Logos divino, ou de leis

    naturais, da ordem divina que rege o universo, dos fatos

    miraculosos so manifestaes de Deus Pai na viso Crist?

    Eu creio que sim. Teologicamente, no estaria errado. Mas, eu no

    sou bom neste negcio de teologia. E, exatamente, estou tentando

    evitar aqui a abordagem cientfica, entre aspas, e o a abordagem

    teolgica. Eu estou fazendo uma anlise filosfica, que , de fato, a

    previdncia preliminar nestes casos. Voc, primeiro, vamos ter que

    encontrar as distines que lhe permitam dizer do que voc est

    falando. Ns no estamos investigando os porqus, as causas

    ltimas. Ns estamos dizendo do que estamos falando. E qualquer

    fato miraculoso, admitidos como tal somente aqueles aceitos pela

    Igreja Catlica como fatos miraculosos, voc v que em todos eles

    voc tem uma convergncia no prprio fato, no nas suas causas,

    no nas suas causas remotas. No a causa inicial dele, no! O fato

    consiste na convergncia de linhas causais, cuja conexo ns no

    conhecemos e no podem ser conhecidas. Por isto mesmo, a nica

    maneira certa de definir o fato miraculoso, com um mistrio. Em

    seguida, eu irei sair desta abordagem epistemolgica e passei para

    uma abordagem ontolgica, dizendo que o mistrio o limite da

    realidade e que, se no existisse esse limite da realidade, ns no

    seramos capazes de distinguir entre o nosso pensamento e realidade

    objetiva, a noo da realidade objetiva no existiria. No tem

    sentido, em seguida, voc retroagir sobre isto e voltar discusso de

    causas naturais ou sobrenaturais.

    Eu entendo toda a dificuldade desta aula e desta abordagem - ela

    difcil para mim, tambm. Eu tratei deste assunto brevemente no fim

    do livro O crime da Madre Agnes, que est a no A dialtica

    Simblica. Esta foi a primeira tentativa. Recentemente eu estive

    lendo algumas coisas sobre o Padre Pio de Pietrelcina, e isso me

    impeliu, mais ainda, a fazer este tipo de anlise. Esta anlise no visa

    explicar nada, ela visa, simplesmente, dizer do que ns estamos

    falando, de que o Padre Pio est falando. simplesmente entender

  • aquilo que acontece, tal como acontece, sem a pretenso de reduzir

    causas, nem naturais, nem sobrenaturais. A questo, propriamente

    religiosa, no tem nada a ver com isto. Mas isto aqui pode ser til

    para a sua vida religiosa, se voc quiser. Pode ajudar.

    Muito bem, acho que com isso j encerramos a nossa exposio de

    hoje. Se houver mais alguma pergunta, eu espero aqui.

    Note bem que, embora tenha comeado isto, e se v pela data da

    publicao do livro O crime da Madre Agnes, embora tenha

    comeado a investigar a muito tempo, ela no foi uma coisa

    contnua. Eu no estudo este assunto quando eu quero, eu estudo

    quando eu posso, quer dizer, quando aparecem dados que, para

    mim, me elucidam as coisas. E, este estudo, s vezes, ele fora a sua

    inteligncia at um ponto em que voc perde o fio da meada. A voc

    tem que sentar e esperar at que a vida, Deus mesmo, lhe mostre

    outros aspectos.

    Ento, eu creio que com isso podemos encerrar a investigao,

    encerrar esta exposio.

    Muito obrigado todos, e at a prxima.