12
_____________________________________________________________________________________________________ Uma newsletter da N. 0 - Março 2009 Mito: beber café é mau para a saúde Para muitas pessoas nas quais se incluem os profissionais de saúde a ingestão de café constitui um risco para a saúde. Convenhamos, o café não tem grande reputação… Por exemplo, nas minhas funções como Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa são-me frequentemente apresentados (por alunos ou internos) casos clínicos de doentes internados em que o café aparece como um “factor de risco”, ao mesmo nível - percepcionado - do tabagismo, excesso de álcool ou mesmo substâncias ilícitas! Quando questionados das razões de tais convicções, os alunos nada apresentam em termos de evidência científica de suporte a tais ideias. Trata-se portanto de uma convicção cultural, passada de modo acrítico de geração em geração e que já reveste contornos religiosos… O café constitui um dos componentes da alimentação mais ingeridos no mundo inteiro, constituindo a substância farmacologicamente activa mais utilizada universalmente. A cafeína a substância central do café pertence ao grupo das metilxantinas, mas o café é uma complexa mistura de milhares de componentes químicos, incluindo carbohidratos, compostos nitrogenados, lípidos, minerais, vitaminas, alcalóides e compostos fenólicos. Devido ao seu consumo generalizado, o café encontra-se na primeira linha das preocupações do sistema de saúde e dos consumidores, assim como das instituições reguladoras dos produtos alimentares. Pode-se portanto colocar a questão: que evidência científica existe sobre os efeitos do café na saúde? O café tem constituído nos últimos anos uma área de particular interesse por parte da comunidade científica internacional. Na verdade, mais de 37.000 documentos técnicos e estudos foram publicados num universo de 5.000 revistas científicas nos últimos 30 anos, pelo que não haverá desculpa para se

O Quebra Mitos n.º0a5

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Mitos sobre a saude

Citation preview

Page 1: O Quebra Mitos n.º0a5

_____________________________________________________________________________________________________

Uma newsletter daN . 0 - M a r ç o 2 0 0 9

Mito: beber café é mau para a saúde

Para muitas pessoas – nas quais se

incluem os profissionais de saúde – a

ingestão de café constitui um risco para a

saúde. Convenhamos, o café não tem

grande reputação…

Por exemplo, nas minhas funções como

Professor da Faculdade de Medicina de

Lisboa são-me frequentemente

apresentados (por alunos ou internos)

casos clínicos de doentes internados em

que o café aparece como um “factor de

risco”, ao mesmo nível - percepcionado -

do tabagismo, excesso de álcool ou

mesmo substâncias ilícitas! Quando

questionados das razões de tais

convicções, os alunos nada apresentam

em termos de evidência científica de

suporte a tais ideias. Trata-se portanto

de uma convicção cultural, passada de

modo acrítico de geração em geração e

que já reveste contornos religiosos…

O café constitui um dos componentes da

alimentação mais ingeridos no mundo

inteiro, constituindo a substância

farmacologicamente activa mais utilizada

universalmente. A cafeína – a substância

central do café – pertence ao grupo das

metilxantinas, mas o café é uma

complexa mistura de milhares de

componentes químicos, incluindo

carbohidratos, compostos nitrogenados,

lípidos, minerais, vitaminas, alcalóides e

compostos fenólicos.

Devido ao seu consumo generalizado, o

café encontra-se na primeira linha das

preocupações do sistema de saúde e dos

consumidores, assim como das

instituições reguladoras dos produtos

alimentares.

Pode-se portanto colocar a questão: que

evidência científica existe sobre os efeitos

do café na saúde?

O café tem constituído nos últimos anos

uma área de particular interesse por

parte da comunidade científica

internacional. Na verdade, mais de

37.000 documentos técnicos e estudos

foram publicados num universo de 5.000

revistas científicas nos últimos 30 anos,

pelo que não haverá desculpa para se

Page 2: O Quebra Mitos n.º0a5

______________________________________________________________________________________________

poder ter uma ideia bem definida sobre

os efeitos do café na saúde.

Os resultados de diversos estudos de

cariz epidemiológico sugerem um efeito

protector do café na incidência da

diabetes mellitus tipo 2, demência

(Alzheimer ou não), doenças hepáticas

(cirros e carcinoma hepatocelular) e

doença de Parkinson. Não existem provas

de boa qualidade que liguem o café ao

cancro ou a um aumento do risco

cardiovascular. De facto, um estudo

recente veio mostrar que o café é seguro

nos doentes pós-enfarte agudo do

miocárdio.

Deve no entanto reconhecer-se que

certos doentes podem apresentar uma

sensibilidade aos componentes do café,

com aumento de homocisteína

plasmática e subidas da tensão arterial

(de pouca monta), assim como

aparecimento de arritmias cardíacas. Os

grupos mais sensíveis ao café incluem as

crianças e adolescentes, assim como os

idosos, sendo os efeitos estimulantes do

sistema nervoso central bem conhecidos,

mas fora estas situações, o café é

perfeitamente seguro e constitui uma

excelente bebida, pelo que se pode

afirmar com segurança que os adultos

que consomem pelo menos uma média

de 3-4 cafés por dia (300-400 mg/dia de

cafeína) não correm risco especial e até

podem beneficiar da ingestão deste

composto, pelo que deveremos

abandonar as nossas ideias sobre o risco

global aumentado que a sua ingestão

possa provocar.

REFERÊNCIAS

1. Silletta MG et al. Coffee consumption and risk of cardiovascular events after acute myocardial

infarction. Circulation 2007;116:2944-51

2. Higdon JV, Frei B. Coffee and health: a review of recent human research. Crit Rev Food Sci Nutr

2006;46(2):101-23

3. Hernán MA, Takkouche B, Caamaño-Isorna F, Gestal-Otero JJ. A meta-analysis of coffee drinking,

cigarette smoking, and the risk of Parkinson's disease. Ann Neurol 2002 Sep;52(3):276-84

4. van Dam RM, Hu FB. Coffee consumption and risk of type 2 diabetes: a systematic review. JAMA.

2005;294:97-104

5. Barranco Quintana JL, Allam MF, Serrano Del Castillo A, Fernández-Crehuet Navajas R. Alzheimer's

disease and coffee: a quantitative review. Neurol Res. 2007 Jan;29(1):91-5

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa

Av. Prof. Egas Moniz

1649-028 LISBOA

Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135

Fax: (351) 217 940 424

Internet: http://www.cembe.org

e-mail: [email protected]

Uma newsletter daN . 0 - M a r ç o 2 0 0 9

Mito: beber café é mau para a saúde

Page 3: O Quebra Mitos n.º0a5

_____________________________________________________________________________________________________

Uma newsletter daN . 1 - O u tu b r o 2 0 0 9

Mito: “A laranja de manhã é ouro,à tarde é prata e à noite mata!”

Toda a gente conhece esta frase, que

relaciona hipotéticos benefícios e/ou

riscos da ingestão de laranjas com

determinadas alturas do dia. Com

efeito, o que esta frase pretende

afirmar é que, se decidirmos comer

laranjas, então a parte da manhã será

a altura em que ela será mais benéfica,

diminuindo ao longo do dia o seu efeito

positivo, sendo mesmo perigosa a partir

do pôr-do-sol…

Uma pesquisa da literatura biomédica

sobre este tema nada revelou, isto é,

não há estudos científicos que tenham

analisado tal questão, pelo que nos

resta apresentar e discutir a origem

deste “provérbio” (definido como uma

sentença de carácter prático e popular,

que expressa em forma sucinta, e não

raramente figurativa, uma ideia ou

pensamento...) e analisar sob o ponto

de vista médico eventuais problemas

com a ingestão de laranjas.

A origem desta frase é desconhecida,

mas parece ter sido criada no século

XIX, tendo adquirido vida própria –

como acontece tantas vezes - e

estando hoje absolutamente

disseminada entre nós (uma pesquisa

do Google com a frase produz centenas

de alvos…). Tem sido passada de

geração em geração, condicionando de

facto as horas de ingestão deste citrino.

A laranja possui, para além da

conhecida vitamina C, muitos outros

Page 4: O Quebra Mitos n.º0a5

______________________________________________________________________________________________

componentes (pectinas, açúcar, etc.),

pelo que uma análise exaustiva dos

seus efeitos nutricionais seria

impossível de fazer neste texto. Uma

coisa é certa: fisiologicamente falando,

não faz qualquer sentido pretender que

a altura do dia em que se come laranjas

influencia o seu efeito sobre o

organismo.

E que benefícios poderá haver em

ingerir laranjas? Vários: para além de

uma dieta rica em frutas e vegetais ser

recomendável como parte de um

esquema de prevenção do risco

cardiovascular (como parte da chamada

dieta mediterrânica), por exemplo os

doentes com nefrolitíase (“pedras nos

rins”) podem ter um efeito positivo,

devido ao facto dos citrinos diminuírem

a formação das tais “pedras” (Kidney Int

2004;66:2402-10).

E a vitamina C? Este componente das

laranjas vem sempre a talho de foice

quando se fala em dietas equilibradas e

é a justificação maior para a ingestão

de laranjas (e limões, já assim). Faz

parte – juntamente com as vitaminas A

e E – do grupo das chamadas vitaminas

antioxidantes e têm-lhe sido atribuídas

as mais variadas propriedades

benéficas.

No entanto, sob o ponto de vista

científico, a suplementação dietética de

vitamina C é não só inútil, como

potencialmente prejudicial: não existe

evidência científica que ela proteja

contra o risco de cancro (J Natl Cancer

Ins 2009;101:14-23) e que seja útil para

a prevenção da doença coronária (JAMA

2008;300:2123-33) ou de acidente

vascular cerebral (Ann Intern Med

1999;130:963-70). E um outro mito que

a vitamina C seria benéfica na vulgar

constipação não é apoiada por nenhum

facto científico de boa qualidade

(Cochrane Database Syst Rev 2007 Jul

18;(3):CD000980).

Que concluir? Se gosta de laranjas,

pode comê-las à vontade,

independentemente das horas a

que o faz!

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz

1649-028 LISBOA

Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135

Fax: (351) 217 940 424

Internet: http://www.cembe.org

e-mail: [email protected]

Uma newsletter daN . 1 - O u tu b r o 2 0 0 9

Mito: “A laranja de manhã é ouro,à tarde é prata e à noite mata!”

Page 5: O Quebra Mitos n.º0a5

_____________________________________________________________________________________________________

O Quebra MitosUma newsletter da

N . 2 - J a n e i r o 2 0 1 0

Mito: “O uso intenso de telemóveis provoca cancro cerebral”

A utilização de uma nova tecnologia no

dia-a-dia – independentemente da sua

natureza ou complexidade – traz sempre

consigo, para além de apoiantes mais ou

menos entusiásticos, detractores

igualmente veementes nas suas

convicções e argumentos.

Os telemóveis (TMs), com a sua presença

universal e utilização intensiva, são um

alvo particularmente fácil para todo o tipo

de crenças acerca dos seus efeitos

(supostamente) nefastos sobre a saúde.

Um dos mitos mais frequentes é o de que

o seu uso intensivo poderá provocar

cancro cerebral - CC (brain cancer).

Sob o ponto de vista exclusivamente

teórico, esta afirmação tem alguma razão

de ser, já que se sabe existirem 3 tipos de

radiação quer podem constituir potenciais

factores de risco para CC: a radiação

electromagnética (EMF), a ionizante (IR) e

a de radiofrequência (RF) – esta é a dos

TMs. Por exemplo, em estudos muito bem

conduzidos provou-se que, em doentes

cancerosos que sofreram tratamentos

com irradiação ionizantes ao Sistema

Nervoso Central (por metástases de

outros tumores), a incidência de CC

(especialmente meningiomas e gliomas) é

superior ao das pessoas que não foram

submetidas a estes tratamentos. No

entanto, no caso da EMF nunca foi

provado cientificamente um maior risco

de CC.

E no caso da radiação de radiofrequência

(RF)? O tipo de experiência que daria sem

dúvida a resposta incluiria estudar 2 tipos

de pessoas: um grupo com uso intensivo

de TMs e outro sem utilização destes

aparelhos. Quer por questões científicas

(seria muitíssimo difícil garantir este tipo

de doentes), quer éticas (não é aceitável

sujeitar uma pessoa a um risco

Page 6: O Quebra Mitos n.º0a5

______________________________________________________________________________________________

experimental, mesmo que potencialmente

pequeno), não é possível realizar este

estudo (um ensaio clínico).

Deste modo, e para poder responder a

esta questão, seria necessário comparar o

tipo e intensidade de utilização de TMs

dos doentes a quem foi diagnosticado um

CC, com os que não têm CC. Foi o que

fizeram uns investigadores americanos

(estudo publicado no New England Journal

of Medicine 2001;344:79-86), que

compararam 782 doentes internados em

hospitais dos EUA com CC com 799

doentes também internados mas sem um

diagnóstico de CC, tendo concluído não

haver qualquer relação entre a utilização

de TMs durante um período superior a

100 h, de pelo menos 60 mn por dia ou

regularmente durante pelo menos 5 anos

e um risco aumentado de CC.

Uma outra maneira de estudar este

problema seria acompanhar por um

determinado período de tempo um

conjunto de pessoas utilizadoras de TMs e

detectar cuidadosamente os que vêm a

desenvolver CC, analisando se o padrão

de uso de TMs é diferente dos que não

têm CC. Isto mesmo foi feito num estudo

dinamarquês, que seguiu em média

durante 13 anos um grupo de 420.095

pessoas (estudo publicado no Journal of

the National Cancer Institute

2006;98(23):1707-13), não tendo

detectado qualquer aumento de cancros

cerebrais em pessoas com uso intensivo

de TMs, tendo os investigadores concluído

que não existe qualquer relação entre o

uso de TMs e o CC, quer em doentes com

utilizações intensivas quer ocasionais.

Estamos em crer que estes estudos

deverão arrumar de vez com esta

questão, “ilibando” os TMs como causa de

cancro cerebral.

Poderão os TMs ter outros efeitos sobre a

saúde? Só se for no aumento de acidentes

de automóvel provocados pelo seu uso,

esse sim, amplamente provado em

estudos de excelente qualidade (ainda que

não seja o facto do TM estar na mão do

condutor que provoca os acidentes, mas

sim o acto de falar ao telefone – mesmo

com sistemas de mãos livres… - ainda

voltaremos a este facto no futuro).

De qualquer maneira podem as

pessoas ficar descansadas, já que não

existe qualquer relação entre o uso

de telemóveis e o cancro cerebral.

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz

1649-028 LISBOA

Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135

Fax: (351) 217 940 424

Internet: http://www.cembe.org

e-mail: [email protected]

Uma newsletter daN . 2 - J a n e i r o 2 0 1 0

Mito: “O uso intenso de telemóveis provoca cancro cerebral”

Page 7: O Quebra Mitos n.º0a5

_____________________________________________________________________________________________________

Uma newsletter daN . 3 - M a r ç o 2 0 1 0

Mito: “Os sapatos de corrida (ténis) maismodernos previnem as lesões dos atletas”

e existe um campo onde a

utilização de uma nova tecnologia

se revela repleta de mitos, esse

campo é sem dúvida o do desporto

(especialmente o da alta competição).

Quem não ouviu já falar de dietas ou

suplementos dietéticos milagrosos, que

produzem performances fabulosas,

indispensáveis á obtenção de resultados

cada vez melhores?

Também os equipamentos desportivos

para todos nós (os “de baixa

competição”…) constituem uma outra

área sujeita a constantes crenças, que

são alimentadas pelos fabricantes

destes equipamentos cujo interesse é

determinado pelo mercado potencial de

utilizadores a nível mundial – de facto,

todos os desportistas (mesmo os de

fim-de-semana…).

O calçado de corrida (“jogging” ou

“footing” em inglês) representa uma

fatia elevadíssima das vendas de

equipamentos desportivos, tendo as

últimas décadas assistido à produção de

modelos cada vez mais sofisticados e

com mais atributos tecnológicos, de

maneira que um par destes ténis pode

custar substancialmente mais do que

um par de sapatos normais…

A justificação por parte dos fabricantes

para este custo reside – entre outros –

na reclamação de uma pretensa

redução das lesões dos atletas que os

utilizam. Embora para todos nós este

conceito possa ser absolutamente lógico

– afinal os ténis são cada vez mais leves

e cómodos – existe publicada evidência

científica recente que é contrária a esta

convicção, de maneira muito clara e

directa.

Num recente artigo (Lieberman DE et

al. Nature 2010;463:531–535)

investigadores americanos, ingleses e

quenianos estudaram cuidadosamente

os padrões de corrida de fundo (através

S

Page 8: O Quebra Mitos n.º0a5

______________________________________________________________________________________________

de vídeos de atletas nos EUA e no

Quénia), e concluíram que os primeiros

(calçados com ténis de corrida)

assentam primeiro o calcanhar no solo e

depois o resto do pé, enquanto os

segundos (descalços) fazem ao

contrário, assentando primeiro a planta

anterior do pé. Ora esta última técnica,

embora requerendo mais força

muscular da perna e pé, apresenta uma

muito menor taxa de lesões que se

verificam mais frequentemente nos

atletas que correm assentando primeiro

o calcanhar no solo. Eles analisaram

também a estrutura óssea dos pés de

jovens quenianos que chegam a correr

20 km por dia, concluindo estar perante

pés saudáveis e funcionalmente muito

eficazes.

Este é um problema significativo, já que

embora uma parte dos corredores

nunca tenham lesões, há evidência que

numa percentagem importante isso

acontece (19-79% - van Gent RN et al.

Br. J. Sports Med. 2007;41:469–480).

Estes achados obrigam provavelmente a

repensar a utilização dos ténis à venda

nas lojas de desporto. É claro que não

estamos a afirmar que os sapatos de

corrida modernos provoquem lesões,

mas também não parece haver

evidência que as previnam (Jungers WL.

Nature 2010;463:433-4).

Como não recomendamos que se corra

descalço em alcatrão (!), talvez seja

importante pensar em fabricar ténis

diferentes, que tenham em conta estes

achados científicos. De resto, a indústria

de calçado já desenvolve uns modelos

flexíveis que se comportam como se

fossem simples meias e estará aí talvez

o futuro destes equipamentos para

corrida de fundo.

A mensagem prática é a de que é

mais importante a técnica de

corrida do que propriamente o

equipamento com que se corre,

quando pensamos em lesões

desportivas.

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz

1649-028 LISBOA

Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135

Fax: (351) 217 940 424

Internet: http://www.cembe.org

e-mail: [email protected]

O Quebra MitosUma newsletter da

N . 3 - M a r ç o 2 0 1 0

Mito: “Os sapatos de corrida (ténis) maismodernos previnem as lesões dos atletas”

Page 9: O Quebra Mitos n.º0a5

_____________________________________________________________________________________________________

Uma newsletter daN . 4 - M a i o 2 0 1 0

Mito: “A vacinação pode causarautismo nas crianças”

autismo é uma doença do

comportamento com várias

apresentações clínicas que se

manifestam na maioria dos casos logo

nos primeiros anos de vida. Na sua

forma mais grave, a criança apresenta

uma diminuição marcada da capacidade

de interagir socialmente e de comunicar

com outras pessoas, juntamente com

alterações marcadas do

comportamento. A doença não tem

cura, mas os autistas podem, se

apoiados profissionalmente, atingir um

grau de autonomia e integração

bastante aceitáveis.

Nos últimos anos tem vindo a verificar-

se, um pouco por todo o mundo, um

aumento do diagnóstico de autismo.

Este fenómeno acontece

simultaneamente com uma cobertura

vacinal infantil cada vez maior, pelo que

certos familiares e profissionais de

saúde têm sugerido uma associação

entre os dois fenómenos, como por

exemplo no caso da administração da

vacina tríplice (sarampo, papeira e

rubéola). Estes receios vieram a ser

aparentemente confirmados num

(tristemente célebre) estudo publicado

em 1998 (Lancet 1998;351:637), que

descreveu 12 crianças com idades

compreendidas entre os 3 e os 10 anos,

enviadas para uma unidade hospitalar

pediátrica inglesa com um quadro de

dor abdominal e diarreia, associadas a

alterações comportamentais. Destas 12

crianças, 9 vieram a ser diagnosticadas

com autismo (conjuntamente com uma

colite inespecífica), tendo os autores do

estudo sugerido que estas alterações

seriam provocadas pela administração

de vacina tríplice (informação dada

pelos pais das crianças ou pelos

médicos de família respectivos). Este

estudo desencadeou uma cobertura

massiva nos media, sugerindo-se que a

vacinação poderia causar autismo,

tendo como consequência uma recusa

dos pais em vacinar os seus filhos (15%

O

Page 10: O Quebra Mitos n.º0a5

______________________________________________________________________________________________

de baixa global de vacinação no Reino

Unido), com consequente aumento dos

casos de sarampo mortal e de todas as

complicações associadas a uma

incidência aumentada de papeira e a

rubéola nas crianças não vacinadas.

Este estudo veio a ser retirado do

Lancet este ano, por se ter

demonstrado sérios problemas

metodológicos, assim como conflitos de

interesse por parte dos autores. O que

estes autores deveriam ter feito - se

suspeitassem da existência de uma

associação entre a vacina e o autismo -

era comparar este grupo de doentes

com autismo (vacinados ou não), com

um outro grupo de doentes sem

autismo (vacinados ou não). Isto

porquê? Porque há crianças com

autismo que nunca foram vacinadas (o

autismo surgiu antes da 1ª dose de

vacina, por ex.) e a esmagadora

maioria das crianças vacinadas não tem

autismo. Este desenho de estudo,

designado como caso-controlo,

permitiria identificar uma relação (se ela

existisse) entre a vacina e a doença.

Mesmo assim, não seria possível

garantir uma relação causal (apenas

uma associação), mas seria caso para

ficarmos alerta e repensar o problema.

Após esta controvérsia ter aparecido,

naturalmente que a comunidade

científica médica meteu mãos à obra,

tendo realizado e publicado vasto

conjunto de estudos procurando

analisar uma eventual associação entre

vacinas e autismo.

Os resultados? Não existe até hoje

nenhum artigo publicado que identifique

qualquer ligação entre a vacinação e o

autismo, quer em estudos

epidemiológicos (N Engl J Med

2002;347:1477-82 e Lancet 1999 Jun

12;353(9169):2026-9 - entre outros),

quer em revisões sistemáticas da

literatura (Arch Pediatr Adolesc Med

2003 Jul;157:628-34). Devido ao

elevado nº de estudos e à consistência

dos seus resultados, a preocupação pela

existência de eventual associação entre

a vacinação infantil e o autismo deve

ser posta de parte de uma vez por

todas.

Conclusões: em termos de autismo,

é perfeitamente seguro vacinar as

crianças de acordo com o Plano

Nacional de Vacinação, já que os

benefícios daí decorrentes são de

grande importância clínica para o

futuro das nossas crianças e os

riscos são negligenciáveis.

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz

1649-028 LISBOA

Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135 Fax: (351) 217 940 424

Internet: http://www.cembe.org e-mail: [email protected]

Page 11: O Quebra Mitos n.º0a5

_____________________________________________________________________________________________________

Uma newsletter daN . 5 - J u l h o 2 0 1 0

Mito: "A ingestão de antioxidantes é umamedida eficaz na prevenção da doença"

preocupação com a saúde que

muitas pessoas perfeitamente

saudáveis demonstram constitui

terreno fértil para medidas preventivas,

especialmente na ingestão regular dos

chamados complementos dietéticos. De

entre estes, assumem importância

particular os chamados “antioxidantes”,

que são intensamente publicitados

como tendo benefícios para a saúde

num elevado conjunto de contextos,

com especial ênfase na prevenção das

doenças. A noção aqui é a de uma

possível "deficiência vitamínica", que

seria desejável/recomendável corrigir.

Os antioxidantes mais recomendados

neste contexto são as vitaminas A, C e

E, que se encontram disponíveis nos

frutos e vegetais, mas também

isoladamente ou sob a forma de

compostos multivitamínicos, vendidos

em lojas de alimentação natural,

supermercados e farmácias. Porque

estes produtos são considerados

“naturais”, dão a impressão ao

consumidor que são sempre benéficos e

que portanto poderão ser consumidos

sem problemas. Valerá portanto a pena

uma análise dos verdadeiros benefícios

e riscos destes componentes da dieta,

especialmente em termos de prevenção

da doença (área onde a promoção é

mais intensa).

Mas quais são - baseados nos melhores

estudos clínicos - os efeitos da ingestão

crónica das vitaminas antioxidantes? Os

leitores habituais dos nossos “Quebra-

Mitos” vão ter de nos desculpar, mas

desta vez o formato deste texto será

diferente: iremos apresentar as

vitaminas utilizadas como medidas

preventivas de doença (portanto em

doentes sem deficiências vitamínicas) e

os resultados de estudos científicos que

suportam (ou não) a utilização destes

suplementos alimentares para esse

efeito. Não seremos exaustivos e claro

que disponibilizaremos a pedido as

referências dos estudos que suportam

as nossas conclusões.

A

Page 12: O Quebra Mitos n.º0a5

______________________________________________________________________________________________

VITAMINA A - a vitamina A (presente

sob a forma de retinol e carotenóides)

não apresenta quaisquer benefícios na

prevenção do cancro do cólon, do

cancro da mama e no cancro em geral,

apresentando mesmo um risco mais

elevado de cancro do pulmão. Em

termos de prevenção da doença

cardiovascular, a evidência é negativa

para benefício e existem dados que

sugerem mesmo aumento do risco.

Também existe evidência de aumento

do risco de fracturas em mulheres com

a tomada de vitamina A.

As recomendações são portanto de não

suplementação dietética com esta

vitamina, dada a ausência de evidência

de benefício e até sugestão de risco

aumentado.

VITAMINA C - não existe evidência

que suporte qualquer papel preventivo

do cancro da vitamina C, assim como

de doença cardiovascular. Existem

alguns dados que parecem sugerir um

menor risco de cataratas e

degenerescência macular do olho com a

ingestão de vitamina C, mas são pouco

consistentes.

Não se recomenda portanto a ingestão

crónica desta vitamina.

VITAMINA E - a vitamina E (que se

encontra em vários compostos) é

ineficaz na prevenção do cancro em

geral, assim como do cancro da mama,

cólon ou pulmão (em particular). Em

termos cardiovasculares, a vitamina E

demonstrou ser inútil na prevenção da

doença cardíaca em geral e no acidente

vascular cerebral, sendo provavelmente

prejudicial nos doentes com insuficiência

cardíaca. Também na demência nada foi

provado em termos de benefício e

parece haver um maior risco de morte

global com a vitamina E (especialmente

com doses superiores a 400 UI/dia).

Uma vez mais, não se recomenda

portanto a ingestão crónica da vitamina

E.

Como se pode ver, os benefícios da

ingestão preventiva das vitaminas

antioxidantes constitui um mito

que, pela fácil disponibilidade

destes compostos (que podem ser

adquiridos sem receita médica),

pode constituir um perigo para a

saúde pública. Se fizer uma dieta

equilibrada não necessita destes

suplementos vitamínicos, que no

mínimo são inúteis e no máximo

prejudiciais.

Prof. Doutor António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz

1649-028 LISBOA

Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135 Fax: (351) 217 940 424

Internet: http://www.cembe.org e-mail: [email protected]

Mito: "A ingestão de antioxidantes é uma

medida eficaz na prevenção da doença"