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89 DIAL5CP © Porto Editora fotocopiável MANUAL p. 175 O rato de Alexandria O rato de Alexandria era um rato como qualquer outro. Tinha o pelo cinzento e pequenos olhos castanhos. Gostava de comer queijo e de dormir longas sestas em recantos resguardados da investida dos gatos famintos que povoavam a cidade. Alexandria era, nesse tempo, uma cidade imensa onde se juntavam gentes vindas de todo o mundo. Tinha avenidas largas e casas de vários andares, templos grandiosos e belos jardins onde se encontravam os poetas e os filósofos para discutirem os mais variados assuntos. Ratos também os havia de todas as partes, mais gordos uns, mais magros outros, mas todos igualmente atarefados nas andanças que faziam em busca de alimento e de local seguro para dormirem. O rato de que fala esta história morava num sítio muito especial: a Biblioteca de Alexan- dria, onde havia milhares de pergaminhos e papiros, contendo todos os conhecimentos que os homens tinham até então conseguido acumular e passar por escrito. Um dia, não tendo nada para fazer, começou a passar por cima das folhas cobertas de estra- nhos caracteres e, em vez de as roer como faziam os outros ratos, procurou descobrir se juntos faziam sentido. Foi assim que se transformou no primeiro rato a saber ler. Quanto a escrever, embora o pudesse tentar, era bem mais difícil, porque não conseguia segurar nas patas diantei- ras a pena ou o estilete com que as letras eram desenhadas. Mas não se sentiu por isso inferio- rizado. As suas visitas aos jardins da cidade começaram a ser cada vez mais curtas e espaçadas, por- que preferia ficar na biblioteca a ler tudo o que estava escrito sobre astronomia, geometria, medicina e botânica. Desta maneira, tornou-se, sem esforço e com visível prazer, um rato sábio. (…) Conhecia todos os grandes sábios do seu tempo e, à medida que os ia conhecendo, ganhava admiração por eles e ficava com pouca paciência para ouvir as deslavadas conversas dos ratos seus irmãos. (…) De leitura em leitura, foi ficando cada vez mais sábio e, ao mesmo tempo, envelhecendo sem quase dar por isso. Embranqueceram-lhe os pelos do bigode e começou a sentir dificuldade em subir as altas escadas da biblioteca. Mas envelheceu com gosto, repleto de conhecimentos fan- tásticos sobre a vida, a natureza e o mundo. José Jorge Letria, O livro que falava com o vento e outros contos, Texto Ed., 2006 (texto com supressões)

o Rato Da Alexandria

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p. 175O rato de Alexandria

O rato de Alexandria era um rato como qualquer outro. Tinha o pelo cinzento e pequenosolhos castanhos. Gostava de comer queijo e de dormir longas sestas em recantos resguardadosda investida dos gatos famintos que povoavam a cidade.Alexandria era, nesse tempo, uma cidade imensa onde se juntavam gentes vindas de todo o

mundo. Tinha avenidas largas e casas de vários andares, templos grandiosos e belos jardinsonde se encontravam os poetas e os filósofos para discutirem os mais variados assuntos.Ratos também os havia de todas as partes, mais gordos uns, mais magros outros, mas todos

igualmente atarefados nas andanças que faziam em busca de alimento e de local seguro paradormirem.O rato de que fala esta história morava num sítio muito especial: a Biblioteca de Alexan-

dria, onde havia milhares de pergaminhos e papiros, contendo todos os conhecimentos que oshomens tinham até então conseguido acumular e passar por escrito.Um dia, não tendo nada para fazer, começou a passar por cima das folhas cobertas de estra-

nhos caracteres e, em vez de as roer como faziam os outros ratos, procurou descobrir se juntosfaziam sentido. Foi assim que se transformou no primeiro rato a saber ler. Quanto a escrever,embora o pudesse tentar, era bem mais difícil, porque não conseguia segurar nas patas diantei-ras a pena ou o estilete com que as letras eram desenhadas. Mas não se sentiu por isso inferio-rizado.As suas visitas aos jardins da cidade começaram a ser cada vez mais curtas e espaçadas, por-

que preferia ficar na biblioteca a ler tudo o que estava escrito sobre astronomia, geometria,medicina e botânica. Desta maneira, tornou-se, sem esforço e com visível prazer, um ratosábio. (…)Conhecia todos os grandes sábios do seu tempo e, à medida que os ia conhecendo, ganhava

admiração por eles e ficava com pouca paciência para ouvir as deslavadas conversas dos ratosseus irmãos. (…)De leitura em leitura, foi ficando cada vez mais sábio e, ao mesmo tempo, envelhecendo sem

quase dar por isso. Embranqueceram-lhe os pelos do bigode e começou a sentir dificuldade emsubir as altas escadas da biblioteca. Mas envelheceu com gosto, repleto de conhecimentos fan-tásticos sobre a vida, a natureza e o mundo.

José Jorge Letria, O livro que falava com o vento e outros contos, Texto Ed., 2006 (texto com supressões)

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