O regime brutal da Croácia Católica

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    O regime brutal da Crocia Catlica

    Pacelli e os dirigentes da secretaria de Estado estavam convencidos, assim como os

    governos por toda a Europa, de que uma guerra entre a Alemanha e a Unio Sovitica

    era apenas uma questo de tempo. Diante da possibilidade de a Europa cair sob o poderde Stalin, com provas abundantes da inteno sovitica de suprimir as igrejas crists, a

    campanha balcnica de Mussolini, ela outubro de 1940, foi encarada por alguns

    membros da Cria com um certo otimismo. Afinal, nesse contexto, a Iugoslvia era

    considerada o ltimo baluarte antes da Itlia e o Mediterrneo. O fracasso de Mussolini

    em derrotar os gregos, no entanto, significava que Hitler devia partir em seu socorro; e

    para que ele tivesse acesso Grcia, era preciso persuadir a Iugoslvia a aderir ao Eixo.

    O pacto entre Alemanha, Itlia e Iugoslvia foi assinado em Viena, em 25 de maro de

    1941. Dois dias depois, um grupo de nacionalistas srvios tomou o poder em Belgrado,

    aboliu a regncia e anunciou que a Iugoslvia seria aliada das democracias ocidentais.

    Churchill declarou em Londres que os iugoslavos haviam recuperado sua "alma". Em

    represlia, Hitler invadiu a Iugoslvia em 6 de abril, em conjunto com a ofensiva naGrcia. Bombardeou a cidade aberta de Belgrado, matando cinco mil pessoas. Quando a

    Wehrmacht entrou em Zagreb, em 10 de abril, os fascistas croatas tiveram permisso

    para proclamar a independncia da Crocia. No dia seguinte, a Itlia e a Hungria (outro

    Estado fascista) juntaram foras a Hitler para a diviso do "bolo" iugoslavo. Em 12 de

    abril, Hitler apresentou seu plano para a diviso da Iugoslvia, concedendo a Posio de

    "ariana" a uma Crocia independente, com a liderana de Ante Pavelic, que aguardava

    os acontecimentos, sob o patrocnio de Mussolini. O grupo de Pavelic, o Ustashe (do

    verbo ustati, significando "rebelar-se"), opusera-se formao do reino eslavo

    meridional da Iugoslvia, depois da Primeira Guerra Mundial. Sempre planejara atos de

    sabotagem do refgio seguro da Itlia; fora Pavelic quem tramara o assassinato do rei

    Alexandre, em 1934. Mussolini concedera a Pavelic o uso de centros de treinamentonuma remota ilha elia, alm de acesso Rdio Bati, para transmisses de propaganda

    atravs do Adritico.

    Foi esse o panorama da campanha de terror e extermnio realizada pelo Ustashe da

    Crocia contra dois milhes de cristos ortodoxos srvios e uma quantidade menor de

    judeus, ciganos e comunistas, entre 1941 e 1945. O processo de "limpeza tnica", antes

    que esse tempo hediondo entrasse em voga, foi urna tentativa de criar urna Crocia

    catlica "pura", por meio de converses foradas, deportaes e extermnio em massa.

    Os atos de tortura e assassinato foram to terrveis que at mesmo os calejados soldados

    alemes manifestaram seu horror. Mesmo em comparao com o recente derramamento

    de sangue na Iugoslvia, na ocasio em que este livro foi escrito, a agresso de Pavelic

    contra os srvios ortodoxos continua a ser um dos mais terrveis massacres civis da

    Histria.

    A importncia desses acontecimentos para esta narrativa baseia-se em trs

    consideraes: o conhecimento das atrocidades pelo Vaticano, a omisso de Pacelli em

    usar sua influncia para interferir e a cumplicidade que representou na Soluo Final

    sendo planejada no Norte da Europa.

    O legado histrico que sustentou a formao do NDH (Nezaviss na Drzava

    Hrvatska), ou Estado Independente da Crocia, foi uma combinao de lealdade antigaao papado, com mais de 1.300 anos, e um senso de profundo ressentimento contra os

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    srvios por injustias passadas e presentes. Os nacionalistas croatas acalentavam muito

    rancor contra a ascendncia srvia, que os exclura de vrias profisses e da igualdade

    de oportunidades na educao. Os srvios eram culpados, os croatas assim percebiam,

    de favorecer a f ortodoxa, encorajar o cisma entre catlicos e sistematicamente

    colonizar reas catlicas com srvios ortodoxos. Tanto srvios quanto croatas

    encontravam uma equivalncia entre identidade tnica e religiosa srvio ortodoxocontra croata catlico. Ao mesmo tempo, os judeus na regio foram condenados por

    causa da raa, alm de suas ligaes com o comunismo e a maonaria, e um suposto

    estmulo prtica do aborto.

    Pacelli endossara com entusiasmo o nacionalismo croata e confirmara a percepo da

    Histria pelo Ustashe, em novembro de 1939, quando unia peregrinao nacional foi a

    Roma para promover a causa de um mrtir franciscano croata, Nicola Tavelic. O primaz

    croata, arcebispo. Alojzije Stepinac, representou os Peregrinos e fez um discurso para o

    papa. Na resposta, Pacelli um epteto que fora aplicado aos croatas pelo papa Leo X:

    "Posto avanado do cristianismo" era como se os srvios, religiosos ortodoxos de

    um antigo cisma de Roma, no tivessem o direito de se intitular cristos. "A esperanade um futuro melhor parece sorrir para vocs", declarou Pacelli com unia terrvel

    ironia, "um futuro em que as relaes entre a Igreja e o Estado em seu pas sero

    reguladas em ao harmoniosa em benefcio de ambos(12).

    As fronteiras do novo Estado abrangiam a Crocia, a Eslovnia, a Bsnia

    Herzegovina e uma grande parte da Dalmcia. De uma populao de cerca de 6.700.000

    habitantes, 3.300.000 eram croatas (e, portanto, catlicos), 2.200.000 srvios ortodoxos

    750 mil muulmanos, 70 mil protestantes e cerca de 45 mil judeus. A existncia da

    minoria germnica protestante no representava qualquer problema para a liderana do

    Ustashe; tambm no, o que parece estranho, o grande enclave de muulmanos. Mas os

    srvios ortodoxos se defrontaram com "solues radicais", assim como os judeus, que

    foram de imediato marcados para a eliminao.

    Em 25 de abril de 1941, Pavelic determinou a proibio de todas as publicaes,

    particulares e pblicas, em alfabeto cirlico (usado pelos srvios ortodoxos). Em maio, a

    legislao anti-semita foi promulgada, definindo os judeus em termos racistas. Eles

    foram inclusive proibidos de casar com arianos. Foi iniciado o movimento para a

    "arianizao" da burocracia governamental, as profisses liberais e o capital judeu. No

    mesmo ms, os primeiros judeus foram deportados de Zagreb para um campo de

    concentrao em Danica(13). Em junho, as escolas primrias srvias ortodoxas foram

    fechadas.

    Nessa situao nova e perigosa para os srvios, surgiu uma questo: se a vida se

    tornava insuportvel por causa da f ortodoxa, por que no procurar a converso ao

    catolicismo? Semanas depois da fundao do Estado croata, os sacerdotes catlicos

    estavam acolhendo os srvios ortodoxos na Igreja catlica. Em 14 de julho de 1941, no

    entanto, antecipando sua poltica de converso seletiva e o objetivo eventual de

    genocdio, o ministro da Justia da Crocia determinou aos bispos da nao que "o

    governo croata no tenciona aceitar dentro da Igreja catlica padres ou professores, em

    suma, os intelectuais inclusive os ricos comerciantes e artesos ortodoxos, porque

    normas especficas para eles sero promulgada mais tarde. Tambm no podemos

    permitir que eles prejudiquem o prestgio do catolicismo"(14). O destino tcito dessessrvios ortodoxos, excludos de antemo do iminente programa de converso

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    Converso forada dos srvios ortodoxos f catlica romana

    Civis srvios forados a se converter ao catolicismo pela Ustae em Glina

    http://2.bp.blogspot.com/-gEEjYPrBFNg/TytMbghWaJI/AAAAAAAAFCQ/ndWu-Wwuzzs/s1600/Convers%C3%A3o+for%C3%A7ada+dos+s%C3%A9rvios+ortodoxos+%C3%A0+f%C3%A9+cat%C3%B3lica+romana.jpghttp://1.bp.blogspot.com/-D4mSHLyh8gk/TytLbAdpj4I/AAAAAAAAFCI/xTyS8TPbV_Y/s1600/Civis+s%C3%A9rvios+for%C3%A7ados+a+se+converter+ao+catolicismo+pela+Usta%C5%A1e+em+Glina.jpghttp://2.bp.blogspot.com/-gEEjYPrBFNg/TytMbghWaJI/AAAAAAAAFCQ/ndWu-Wwuzzs/s1600/Convers%C3%A3o+for%C3%A7ada+dos+s%C3%A9rvios+ortodoxos+%C3%A0+f%C3%A9+cat%C3%B3lica+romana.jpg
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    Em 14 de maio, num lugar chamado Glina, centenas de srvios foram levados a urna

    igreja para assistirem a uma missa obrigatria de ao de graas pela criao do NDH.

    Depois que os srvios estavam l dentro, um bando do Ustashe entrou, com faces e

    machados. Pediram a todos os presentes que apresentassem o certificado de converso

    ao catolicismo. Apenas dois tinham os documentos exigidos. Foram soltos. As portas

    foram trancadas e os outros foram massacrados.

    Quatro dias depois do massacre de Glina, Pavelic, que se intitulava Poglavnikou

    Fhrer foi a Roma para assinar (por presso de Hitler) um tratado com Mussolini,

    concedendo Itlia distritos e cidades croatas na costa da Dalmcia. Nessa mesma

    visita, Pavelic teve uma audincia "devocionista" com Pio XII, no Vaticano. O Estado

    Independente da Crocia recebeu assim o reconhecimento de fato da Santa S. O abade

    Ramiro Marcone, do mosteiro beneditino de Montevergine, foi designado para legado

    apostlico em Zagreh. No h provas de que Pacelli e a secretaria de Estado tivessem

    conhecimento das atrocidades que j haviam comeado na Crocia na primavera de

    1941. Parece evidente que o rpido reconhecimento do fato (o Vaticano evitava o

    reconhecimento de novos Estados em tempo de guerra) devia-se mais posio daCrocia como um bastio contra o comunismo do que urna aceitao sua poltica

    brutal. De qualquer forma, sabia-se desde o incio que Pavelic era um ditador totalitrio,

    fantoche de Hitler e Mussolini, que promulgara urna srie de leis racistas e anti-semitas,

    e que se empenhava na converso compulsria de ortodoxos ao cristianismo catlico.

    Acima de tudo, Pacelli tinha noo de que o novo Estado era como disse Jonathan

    Steinberg, "no o resultado de um heroico levante do povo de Deus, mas uma

    decorrncia da interveno externa". O Estado Independente da Crocia, como o

    mundo inteiro sabia resultara da violenta e ilegtima invaso e anexao do reino da

    Iugoslvia (que mantinha relaes diplomticas com o Vaticano) por Hitler e Mussolini;

    e agora Pacelli apertava a mo de Pavelic, concedia-lhe a bno papal.

    Demoraria algum tempo para que a Santa S soubesse das atrocidades. Mas os

    detalhes do massacre dos srvios e da virtual eliminao dos judeus e dos ciganos eram

    conhecidos desde o inicio pelo clero e pelo episcopado catlico croata. Na verdade, o

    Clero muitas vezes teve uma participao destacada(17).

    A contagem final quase desafia a credibilidade. Pelos clculos confiveis mais

    recentes, 487.000 srvios ortodoxos e 27.000 ciganos foram massacrados entre 1941 e

    1945 no Estado Independente da Crocia. Alm disso, cerca de 30.000 de uma

    populao de 45.000 judeus foram mortos: de 20 000 a 25.000 nos campos de

    extermnio do Ustashe e outros 7.000 deportados para as cmaras de gs(18). Como foipossvel que, apesar do relacionamento de poder autoritrio entre o papado e a Igreja

    local um relacionamento de poder que Pacelli se empenhara em consolidar, no

    houvesse nenhuma tentativa do Vaticano para impedir s matanas, as converses

    foradas, a apropriao de bens ortodoxos? Como foi possvel, quando as atrocidades se

    tornaram do conhecimento de todos no Vaticano. Como vamos demonstrar que Pacelli

    no dissociasse no mesmo instante a Santa S das aes do Ustashe, condenando os

    criminosos?

    Notas(enumeradas conforme no livro):

    13 -Dirio de Osborne citado em Chadwick,Britain and the vatican...,p.206.14 - Tittmann's papers citado em Chadwick,Britain and the vatican...,p.207.15 - Chadwik,Britain and the vatican...,p.208-209.

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    16 - Carta de Osborne a McEwan, 31 de julho de 1942.17 - Carta de Osborne a McEwan, 25 de agosto de 1942.18 - Carta de Osborne a McEwan, 18 de setembro de 1942.

    A Crocia e o conhecimento do Vaticano

    Desde o incio, o arcebispo de Zagreb, Alojzije Stepinac (beatificado por Joo Paulo II na

    Crocia, em 3 de outubro de 1998), estava de pleno acordo com os objetivos gerais do novo

    Estado croata. Empenhou-se em fazer com que fosse reconhecido pelo papa. Visitou

    Pavelic em 16 de abril de 1941. Ouviu o novo lder declarar que "no teria tolerncia com a

    Igreja ortodoxa srvia", registrou Stepinac em seu dirio, "porque em sua opinio no era

    urna Igreja, mas unia organizao poltica". Isto proporcionou a Stepinac a impresso de

    que "Poglavnik era um catlico sincero" (19). Nessa mesma noite, Stepinac ofereceu um

    jantar a Pavelic e aos principais lderes do Ustashe, a fim de celebrar a volta de todos do

    exlio. Em 28 de abril, no prprio dia em que 250 srvios foram massacrados em Bjelovar,

    uma carta pastoral de Stepinac foi lida em todos os plpitos catlicos, conclamando o clero

    e os fiis a colaborarem no trabalho do lder.

    Por que esforo de ingenuidade Stepinac deixou de compreender o que a colaborao

    podia envolver? No incio de junho de 1941, o general alemo plenipotencirio para a

    Crocia, Edmund Glaise von Horstenau, declarou que, segundo relatrios confiveis de

    observadores militares e civis alemes, "o Ustashe, num processo de loucura

    desvairada"(20). No ms seguinte, Glaise relatou o embarao dos alemes, que "com

    seis batalhes de infantaria" observavam impotentes "a fria cega e sangrenta do

    Ustashe.

    Padres, invariavelmente franciscanos, assumiram um papel de destaque nos

    massacres (21). Muitos costumavam andar armados e executavam seus atos assassinos

    com o maior zelo. Um certo padre Bozidar Bralow, conhecido pela metralhadora que

    era sua constante companheira, foi acusado de realizar uma dana em tomo dos

    cadveres de 180 srvios massacrados em Alipasin-Most. Muitos padres franciscanos

    mataram, atearam fogo a casas, saquearam aldeias e devastaram os campos frente de

    bandos do Ustashe. Em setembro de 1941, um reprter italiano escreveu sobre um

    franciscano que vira ao sul de Banja Luka exortando um bando do Ustashe com seucrucifixo.

    No arquivo do Ministrio do Exterior em Roma h um registro fotogrfico de

    atrocidades: mulheres com seios cortados, olhos arrancados, genitlias mutiladas; e os

    instrumentos da carnificina, faces, machados e ganchos de aougueiro(22).

    E qual foi a atitude e reao das foras italianas na regio? Sob alguns aspectos, foisimilar reao das tropas da Organizao das Naes Unidas na Iugoslvia na histria

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    mais recente (embora com diferenas bvias) de impotncia e consternao.

    Constrangido por sua aliana com a Alemanha nazista e as circunstncias da guerra

    mundial, o Exrcito italiano tinha um raio de ao limitado. Mesmo assim, calcula-se

    que em 1 de julho de 1943 os italianos j haviam oferecido proteo a 33.464 civis em

    sua esfera influncia iugoslava, dos quais 2.118 eram judeus(23). Falconi especulou a

    humanidade dos italianos sob esse aspecto pode ter sido em parte uma decorrncia depresso do Vaticano, embora os indcios so superficiais e vagos". A pesquisa e

    avaliao de Jonathan Steinberg sobre a relutncia italiana em participar da deportao e

    extermnio descartariam essa possibilidade. Num comovente sumrio do complexo

    fenmeno italiano de humanitarismo na Iugoslvia, entre 1941 e 1943, Steinberg

    assevera: Um longo processo, iniciado com a reao espontnea de jovens oficiais

    isolados, na primavera de 1941, que no suportaram ficar de braos cruzados

    observando os carniceiros croatas retalharem srvios e judeus, homens, mulheres e

    crianas, culminou em julho de 1943 com uma espcie de conspirao nacional para

    frustrar a brutalidade muito maior e mais sistemtica do Estado nazista. (...) Baseava-

    se em certas suposies sobre o que significava ser italiano"(25).

    Muito se falou nos anos do ps-guerra sobre a santidade pessoal do arcebispo Stepinac, o

    primaz catlico romano da Crocia e seus eventuais protestos contra as perseguies e

    massacres. Contudo, mesmo que seja considerado inocente de qualquer tolerncia com o dio

    racial assassino, evidente que ele e o episcopado endossaram um desprezo pela liberdade

    religiosa equivalente cumplicidade com a violncia. Stepinac enviou uma longa carta a

    Pavelic sobre as questes dos massacres e converses. O escritor Hubert Butler traduziu o

    texto para o ingls de uma cpia datilografada que obteve em Zagreb, em 1946. Cita as

    opinies de outros bispos, todos a favor, inclusive uma carta do bispo catlico de Mostar, um

    certo dr. Miscic, expressando o anseio histrico de que o episcopado croata aceitasse asconverses em massa ao catolicismo.

    O bispo comea com a declarao de que "nunca houve urna ocasio to boa quanto agora

    para ajudarmos a Crocia a salvar incontveis almas". Fala com entusiasmo sobre as

    converses em massa. Mas acrescenta que deplora "a viso restrita" das autoridades, que

    perseguem at os convertidos e os "tratam como escravos". Relaciona massacres conhecidos

    de mes, moas e crianas com menos de oito anos, levadas para as montanhas e "jogadas

    vivas nas ravinas mais profundas". Em seguida, ele faz uma espantosa declarao: "Na

    parquia de Klepca, 700 cismticos das aldeias vizinhas foram chacinados. O subprefeito de

    Mostar, sr. Baile, um muulmano, disse publicamente (como um servidor pblico, deveria ter se

    calado) que s em Ljubina 700 cismticos foram jogados numa fossa"(26).A carta revela a confuso moral implcita no comportamento dos bispos, que

    aproveitaram a derrota da Iugoslvia diante dos nazistas para aumentar o poder e

    influncia do catolicismo nos Blcs. Um bispo depois de outro endossa a promoo de

    converses, ao mesmo tempo em que admite que no faz sentido cismticos em ravinas.

    Os bispos no queriam se dissociar do regime, hesitavam em condenar e excomungar

    Pavelic e seus companheiros, por causa da relutncia em perder as oportunidades

    proporcionadas pela "boa ocasio" de consolidar uma base de poder catlico nos

    Blcas. A mesma relutncia em perder a oportunidade para uma predominncia catlica

    no Leste contagiou o Vaticano e, em ltima anlise, o prprio Pacelli. Na verdade, fora

    essa mesma relutncia em perder uma nica oportunidade de "evangelizao" que

    levara Pacelli, em 1913-14, a pressionar pela Concordata Srvia, na esperana de criar

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    uma base de ritual latino na cristandade do Leste, apesar das repercusses e perigos

    inevitveis.

    Pacelli estava melhor informado sobre a situao na Crocia do que em qualquer

    outra parte da Europa, fora da Itlia, durante a segunda Guerra Mundial. Seu delegado

    apostlico, Marcone, circulava entre Zagreb e Roma vontade. Havia sempre aviesmilitares sua disposio para voar at o novo Estado da Crocia. Os bispos, alguns dos

    quais integravam o parlamento da Crocia, comunicavam-se livremente com o

    Vaticano. Podiam sempre fazer visitas ad limina ao papa em Roma(27). Durante estas

    visitas, o pontfice e outros membros da Cria tinham toda a liberdade para fazer

    perguntas sobre as condies na Crocia, e sem dvida no deixavam de indagar.

    Pacelli tinha meios pessoais alternativos de informao, inclusive as transmisses

    dirias da BBC, que eram sempre monitoradas e traduzidas para ele por Osborne, o

    representante de Londres no Vaticano. Havia um noticirio freqente da BBC sobre a

    Crocia. A notcia seguinte, transmitida em 16 de fevereiro de 1942 era tpica: "As

    piores atrocidades esto sendo cometidas na jurisdio do arcebispo [Stepinac]. Osangue de irmos corre em abundncia. Os ortodoxos esto sendo convertidos fora

    ao catolicismo, mas no ouvimos a voz do arcebispo se opondo a isso, informa-se que

    ele est participando de desfiles nazistas e fascistas(28).

    Um fluxo de diretivas aos bispos croatas, partindo da congregao para as igrejas

    orientais da Santa S, que cuidava em particular dos catlicos de ritual oriental na

    regio, indica que o Vaticano sabia das converses foradas a partir de julho de 1941.

    Os documentos focalizam a insistncia do Vaticano para que os convertidos em

    potencial ao catolicismo fossem rejeitados quando ficar patente que procuram o batismo

    pelas razes erradas (...) estas razes erradas (os documentos insinuavam, sem chegar a

    dizer expressamente) sendo o terror e a tentativa de evitar a morte.

    Em 14 de agosto, o presidente da Unio para a comunidade israelita de Alatri escreveu para

    o secretrio de Estado mi pedindo ajuda em nome de milhares de judeus croatas, "residentes

    em Zagreb e em outros centros da Crocia, que foram presos sem razo, privados dos seus

    bens e deportados". Descrevia como seis mil judeus foram despejados numa ilha rida e

    montanhosa, sem meios de proteo contra o tempo, sem alimentos nem gua. Todas as

    tentativas de socorr-los foram "proibidas pelas autoridades croatas"(29). A carta suplicava

    uma interveno da Santa S junto aos governos italiano e croata. No h qualquer resposta

    ou ao da Santa S.

    Notas(enumeradas conforme no livro):

    19 Falconi, Carlo ; O silncio de Pio XII p. 273

    20 - Citado em J. Steinberg, All or Nothing, p.181.

    21 - Ver Falconi, Silence, p.298.

    22 - J. Steinberg, All or Nothing, p.30.

    23 -Ibid., p.132.

    24 - Falconi, Silence, p.318.

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    25 - J. Steinberg, All or Nothing, p.133.

    26 - Citado em H. Butler, The Sub-Prefect Should Have Held His Tongue, ed. R.F.

    Foster(Londres, 1966), p. 175.

    27 - Falconi, Silence, p.303.

    28 -Ibid., p.304.

    29 - ADSS, viii, 250ff.

    Em 30 de agosto de 1941, o nncio papal na Itlia, monsenhor Francesco Borgongini

    Duca, escreveu para Maglione, retratando uma curiosa conversa com o adido cultural

    croata no Quirinal e dois franciscanos croatas. Eles falavam sobre os 100.000 ortodoxos

    convertidos ao catolicismo. O nncio indagou sobre os protestos que ouvira a respeito

    de "perseguies infligidas pelos catlicos aos ortodoxos". O adido, "com muitos

    acenos de cabea dos padres", tentou desmentir essas histrias, insistindo em que,

    "como o papa continua a dizer ao clero e aos fiis, os catlicos devem seguir osensinamentos de Nosso Senhor e propagar a f por meio da persuaso, no da

    violncia"(30).

    No ms seguinte, o embaixador especial de Pavelic, padre Cherubino Seguic, foi a

    Roma para descobrir o que se dizia sobre o regime e acabar com os " rumores"

    desfavorveis. Em suas memrias defensivas, ele se queixa da "insinuao de calnia"

    que se ouvia em Roma sobre a Crocia e garante que "tudo distorcido ou inventado.

    Somos apresentados como um bando de brbaros e canibais". Ele conversou com

    Giovanni Montini (o futuro Paulo VI), que "pediu informaes detalhadas sobre os

    acontecimentos na Crocia. Falei tudo. Ele ouviu com muito interesse e ateno. As

    calnias haviam chegado ao Vaticano e deviam ser denunciadas de uma maneira

    convincente" (31) . Portanto, as atrocidadesou "calnias"eram do conhecimento

    comum em Roma no vero de 1941. A Santa S tinha canais pelos quais Pacelli podia

    verificar tudo e influenciar os acontecimentos.

    O delegado apostlico Ramiro Marcone, escolhido por Pacelli como seu representante

    pessoal na Crocia, era um amador que deu a impresso de passar corno um sonmbulo

    por toda essa cena sangrenta. Um monge beneditino de 60 anos, ele no tinha qualquer

    experincia de diplomacia e passara grande parte de sua ida adulta dando aulas de

    Filosofia no Colgio de Santo Anselmo, em Roma. Sua rea de atuao era o claustro e

    a sala de aula. Seu tempo na Crocia foi consumido em grande parteno comparecimento a cerimnias, jantares e desfiles pblicos, sendo fotografado sempre

    ao lado de Pavelic. Era evidente que fora escolhido para apaziguar e encorajar.

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    Pavelic com o arcebispo Stepinac

    Os equivalentes diplomticos de Marcone, do lado croata, eram Nicola Rusinovic, um

    mdico que praticava num hospital romano, e seu planejado substituto, um camarista

    papal no Vaticano, prncipe Erwin Lobkowicz (de origem bomia). Esses arranjos eram

    semi-secretos, j que a Santa S ainda mantinha oficialmente relaes diplomticas com

    o governo real iugoslavo no exlio. Em maro de 1942, apesar da abundncia de provas

    apontando para os massacres, a Santa S prometia relaes oficiais aos representantes

    croatas. Montini disse a Rusinovic: "Recomende gentileza a seu governo e aos crculos

    governamentais, pois assim nossas relaes vo se consolidar. Desde que vocs se

    comportem de maneira apropriada, a forma das relaes vai se definir

    espontaneamente" (32) . Em 22 de outubro de 1942, Pacelli encontrou o prncipeLobkowicz em audincia. Segundo o prncipe, Pacelli, "em sua atitude habitual de

    extrema benevolncia", disse que "esperava poder em breve me receber em

    circunstncias diferentes"(33).

    Enquanto isso, um pedido de socorro aos judeus perseguidos na Crocia foi enviado

    Santa S pelo Congresso Mundial Judaico e a comunidade israelita sua, por meio do

    monsenhor Filippe Bernadini, o nncio apostlico em Berna. Num memorando

    substancial, datado de 17 de maro de 1942, menos de dois meses depois da

    Conferncia de Wannsee, em que foi delineada a Soluo Final, Os representantes das

    duas organizaes documentaram Perseguies aos judeus na Alemanha, Frana,

    Romnia, Eslovquia, Hungria e Crocia. Queriam em particular que o papa usa-se suainfluncia nos trs ltimos pases, ligados Santa S por fortes vnculos diplomticos e

    eclesisticos - na Eslovquia, por exemplo, um padre catlico**** ocupava no

    momento a presidncia. A parte sobre a Crocia dizia o seguinte: "Milhares de famlias

    foram deportadas para ilhas desertas ou encarceradas em campos de concentrao

    todos os homens judeus foram enviados para campos de trabalho forado. tendo de

    escavar esgotos, o que acarretou a morte de muitos. (...) Ao mesmo tempo, suas posas e

    filhos foram enviados para outro campo, onde tambm esto sofrendo terrveis

    privaes'''(34).

    ****monsenhor Jozef Tiso, ditador pr nazi eslovaco.

    http://1.bp.blogspot.com/-Fg1sxZJzqWM/T4g5gC5cqJI/AAAAAAAAFEw/XZLXhMV7Ef4/s1600/Pavelic+com+ol+arcebispo+Stepinac.jpghttp://1.bp.blogspot.com/-Fg1sxZJzqWM/T4g5gC5cqJI/AAAAAAAAFEw/XZLXhMV7Ef4/s1600/Pavelic+com+ol+arcebispo+Stepinac.jpg
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    O memorando, cujo manuscrito est nos Arquivos Sionista em Jerusalm, foi

    publicado por Saul Friedlnder, em sua coletnea de documentos sobre Pacelli e o

    Terceiro Reich. Em outubro de 1998, Gerhard Riegner, um signatrio sobrevivente do

    memorando, revelou em suas memrias publicadas,Ne jamais dsesesperer(35)", que oVaticano o exclura dos onze volumes de documentos do tempo de guerra liberados -

    indicando que, mais de meio sculo depois da guerra, o Vaticano ainda no se mostrava

    disposto a confessar o que sabia sobre as atrocidades croatas e os primeiros estgios da

    Soluo Final, e quando soube.

    Os trs chefes da secretaria de Estado do VaticanoMaglione, Montini e Tardini

    indicaram vrias vezes que tinham conhecimento dos protestos e pedidos de socorro,

    mas suas entrevistas com Rusinovic e Lobkowicz seguiam, como Falconi observou pela

    documentao disponvel, um padro invarivel de "ataque simulado, escuta paciente e

    generosa rendio". Como no podia deixar de ser, os diplomatas croatas secretos no

    Vaticano estavam mais do que satisfeitos com a maneira pela qual os interrogatrioseram realizados: "Esclareci tudo, desmascarando a propaganda inimiga", escreveu

    Rusinovic, depois de uma reunio com Mondni. "Sobre os campos de concentrao,

    expliquei que seria melhor se ele pedisse informaes delegao apostlica em

    Zagreb. (... ) Jornalistas estrangeiros foram convidados a visitar os campos de

    concentrao e... ao irem embora, declararam que os campos tinham perfeitas

    condies de habitao e satisfaziam os requisitos de higiene." No final da entrevista,

    quando Rusinovic comentou que havia agora cinco milhes de catlicos no vais,

    Montini disse: "O Santo Padre vai ajud-los, pode ter certeza"(36).

    Sacerdote croata no trabalho de converso forada dos srvios ortodoxos ao

    catolicismo.

    Alm disso, pode-se constatar que o Vaticano sabia da verdadeira situao na Crocia, no

    incio de 1942, por uma conversa que Rusinovic teve com o cardeal francs Eugne Tisserant,

    um especialista em assuntos eslavos e agora confidente de Pacelli, apesar das restries que

    http://2.bp.blogspot.com/-lqGZLUVw0rY/T4g4ZFXMqDI/AAAAAAAAFEo/xr-R6oD4GgQ/s1600/Croata+sacerdote+no+trabalho+de+convers%C3%A3o+for%C3%A7ada+dos+s%C3%A9rvios+ortodoxos+ao+catolicismo.++USTASHA.jpg
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    lhe fizera no conclave. Ele disse ao representante croata, em 6 de maro de 1942: "Sei com

    certeza que os prprios franciscanos, como o padre Simic, de Knin, tm participado dos ataques

    contra as populaes ortodoxas, a fim de destruir a Igreja ortodoxa. Assim como vocs

    destruram a Igreia ortodoxa em Bania Luka. Sei com certeza que os franciscanos na Bsnia e

    Herzegovina tem se comportado de maneira abominvel o que muito me aflige. Esses atos no

    devem ser cometidos por pessoas educadas, cultas e civilizadas, muito menos por padres"(37).Durante uma reunio subseqente, em 27 de maio, Tisserant disse a Rusinovic que, segundo

    os dados alemes, "350.000 srvios desapareceram" e "em apenas um campo de concentrao

    h 20.000 srvios" (38).

    Pacelli, no entanto, nunca deixou de se mostrar benevolente com os lderes e

    representantes do regime de Pavelic. Uma lista de suas audincias, alm das que j foram

    mencionadas, significativa. Em julho de 1941, ele recebeu uma centena de membros da fora

    policial croata, tendo frente o chefe de polcia de Zagreb. Em 6 de fevereiro de 1942, ele

    concedeu uma audincia a um grupo de jovens do Ustashe em visita a Roma. Recebeu outra

    delegao de jovens do Ustashe em dezembro do mesmo ano.

    E, em 1943, quando conversava com Lobkowicz, Pacelli "expressou seu prazer pela carta

    pessoal do nosso Poglavnik[Pavelic]". Depois, na conversa, Pacelli disse que estava

    "desapontado porque, apesar de tudo, ningum quer reconhecer o principal inimigo da Europa;

    nenhuma cruzada militar comum foi iniciada at agora contra o bo1chevismo"(39).

    Mas Hitler no lanara essa cruzada no vero de 1941? Nos tortuosos raciocnios de Pacelli

    sobre o comunismo, o nazismo, a Crocia e a evangelizao catlica do Leste, comeamos a

    compreender - embora sem perdoar - sua reticncia em relao aos massacres croatas.

    Notas (enumeradas conforme no livro):

    30 - Ibid., p.259

    31 -Ibid., p.307

    32 - Citado em Falconi,Carlo O Silencio de Pio XII, p. 333.

    33 - Ibid., p.334.

    34 - S. Friedlnder, Pius XII and the Third Reich: A Documentation, trad. ingl. (Londres, 1966),

    p.109.

    35 - G. Riegner, Ne jamais dsesprer (Paris, 1988), pp. 164-165.

    36 - Citado em Falconi, Silence, p. 355.

    37 -Ibid., p. 382

    38 -Ibid., p. 388

    39 -Ibid., pp. 344-346

    Fonte: CORNWELL, John - O Papa de Hitler - A historia secreta de Pio XII, Rio de

    Janeiro: Imago Ed., 2000, p. 290 - 293.

    O Emissrio do Vaticano Ramiro Marcone, terceiro da direita,Alojzije Stepinac,

    primeiro direita,e Ante Pavelic, parcialmente obscurecido, extrema esquerda,no

    funeral em 1944 de Marko Dosen, o Presidente do Parlamento Ustasha.

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