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O Rompedores da Alvorada Vol I; parte 2

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A narrativa de Nabíl, (um dos primeiros adeptos do movimento bahá’í), é uma cuidadosa coleção de fatos feita no interesse da verdade, que foi completada durante a vida de Bahá'u'lláh, e por isto tem um valor incomparável. A edição em português se fez em dois volumes. Arquivo digital em 5 partes.

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CAPÍTULO VI

A VIAGEM DE MULLÁ HUSAYN A KHURÁSÁN

O Báb, ao se despedir das Letras dos Viventes, deu ins-truções a cada uma e a todas, que anotassem em separado o nome de cada crente que abraçasse a Fé e se identificasse com seus ensinamentos. Pediu-lhes que enviassem a lista destes crentes em cartas seladas, endereçadas ao Seu tio materno, Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, em Shíráz, que por sua vez as entregaria a Ele. "Classificarei estas listas", disse-lhes, "em dezoito grupos de dezenove nomes cada. Cada grupo constituirá um váhid.1 Todos estes nomes, nestes dezoito grupos, junto com o primeiro váhid, o qual consiste em Meu próprio nome e nos nomes das dezoito Letras dos Viventes, constituirão o número de Kull-i-Shay'.2 De todos esses crentes farei menção na Epístola de Deus, para que o Bem-Amado de nossos corações, no Dia em que Ele tiver ascen-dido ao trono de glória, possa conferir a cada um deles Suas inestimáveis bênçãos e declará-los os habitantes de Seu Paraíso."

A Mullá Husayn, mais especialmente, o Báb deu instru-ções explícitas sobre o envio a Ele de um relatório, por es-crito, a respeito da natureza e do progresso de suas ativida-des em Isfáhán, em Teerã e em Khurásán. Solicitou-lhe que O informasse sobre aqueles que aceitavam a Pé e a ela

1 0 valor numérico da palavra váhid, que significa "unidade", é 19. 2 0 valor numérico da palavra Kull-i-Shay, que significa "todas

as coisas", é 361, ou seja, 19 x 19,

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aderiam, bem como sobre aqueles que rejeitavam e re pudiavam sua verdade. "Antes de receber tua carta de Khu-rásan", disse-lhe, "não estarei pronto para partir desta cida-de em Minha peregrinação a Hijáz."

Mullá Husayn, revivificado e fortalecido pela experiên-cia de seu encontro com Bahá'u'lláh, partiu em sua viagem a Khurásan. Durante sua visita a essa província, mostrou em grau surpreendente os efeitos do poder regenerador das palavras de despedida pronunciadas pelo Báb que o haviam envolvido. 3 O primeiro a abraçar a Fé em Khurá-san foi Mírzá Ahmad-i-Azghandí, o mais erudito, o mais sá-bio e o mais eminente dentre os ulemás dessa província. Em qualquer reunião que aparecesse, por grande que fosse o número de sacerdotes presentes e por mais representativo seu caráter, só ele era, invariavelmente, o principal orador. As elevadas qualidades de seu caráter, bem como sua pieda-de extrema, haviam enobrecido a reputação que já adquirira por sua erudição, sua habilidade e sua sabedoria. O próxi-mo a abraçar a Fé entre os shaykhis de Khurásan foi Mullá

3 0 peregrino aproveitava, segundo seu costume, sua permanên-cia, prolongando-a, se fosse necessário, em todas as aldeias e cidades,

em seu caminho para fazer conferências, argumentar contra os mullás, difundir os livros do Báb e pregar suas doutrinas. Chamavam-no de todas as partes e esperavam-no com impaciência, procuravam-no por curiosidade, escutavam-no avidamente e acreditavam em suas palavras sem muita dificuldade. Foi principalmente em Níshápúr que teve duas importantes conversões, nas pessoas de Mullá Abdu'1-Kháliq, de Yazd, e Mullá 'Ali, o Jovem. O primeiro desses doutores havia sido aluno de Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í. Era uma pessoa célebre por sua eloqüência e sabedoria e por seu prestigio entre o povo. O outro, Shaykhí como o primeiro, de estritos princípios éticos e muito estimado, ocupava o alto cargo de mujtahid principal da cidade. Os dois se converteram em babís ardentes e fizeram retumbar os púlpitos das mesquitas com suas pre-gações violentas contra o Islã. Durante algumas semanas parecia que a antiga religião havia sido completamente venc;da. O clero, desmora-lizado pela deserção de seu chefe, assustados por discursos públicos que o Tsonjeava tão pouco, ou não ousava mostrar-se ou havia fugido. Quando Mullá Husayn-i-Bushrú'í chegou a Mashhad encontrou, de um lado a população agitada e dividida a seu respeito e, de outro, o clero, de sobre-aviso, muito inquieto, exasperado e determinado a opor uma vi-gorosa resistência aos ataques dos quais iria ser alvo". (Conde de Co-b;neau Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale, p.p. 139-40).

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Ahmad-i-Mu'allim, que fora, enquanto em Karbilá, o instru-tor dos filhos de Siyyid Kázím. Após ele, veio Mullá Shay-kh 'Ali, a quem o Báb cognominou de 'Azím e depois Mullá Mírzá Muhammad-i-Fúrúghí, a quem somente Mírzá Ahmad excedia em conhecimentos. A não ser estas figuras de des-taque entre os dirigentes eclesiásticos de Khurásán, nin-guém exercia autoridade suficiente ou possuía o conheci-mento necessário para desafiar os argumentos de Mullá Husayn.

Mírzá Muhammad Báqir-i-Qá'iní, que havia estabelecido residência em Mashhad nos anos restantes de sua vida, foi o próximo a abraçar a Mensagem. O amor pelo Báb infla-mava sua alma com tão veemente fervor que ninguém podia resistir à sua força ou menosprezar sua influência. Sua in-trepidez, sua desmedida energia, sua lealdade inabalável e a integridade de sua vida combinaram-se todas, para torná-lo o terror de seus inimigos e uma fonte de inspiração para seus amigos. Colocou sua casa à disposição de Mullá Hu-sayn, arranjou entrevistas exclusivas entre ele e os ulemás de Mashhad e continuou a se esforçar ao máximo para remover todo obstáculo que pudesse impedir o progresso da Pé. Era incansável em seus esforços, irredutível em seu propósito e de energia inesgotável. Continuou a la-butar infatigavelmente por sua bem-amada Causa até a última hora de sua vida, quando caiu como mártir no forte de Shaykh Tabarsí. Em seus últimos dias, após a morte trágica de Mullá Husayn, Quddús lhe havia pedido que as-sumisse o comando dos heróicos defensores desse forte. De-sempenhara gloriosamente sua tarefa. Sua casa, situada em Bálá-Khíyábán, na cidade de Mashhad, ainda hoje é conhe-cida pelo nome de Bábíyyih. Quem nela entra jamais pode escapar da acusação de ser bábí. Que sua alma descanse em paz!

Mullá Husayn, após haver ganho para a Causa defenso-res tão capazes e devotados, decidiu dirigir ao Báb por es-crito um relatório sobre suas atividades. Em sua mensagem referiu-se em detalhe à sua estada em Isfáhán e Káshán, relatou sua experiência com Bahá'u'lláh, referiu-se à partida dEste para Mázindarán, narrou os acontecimentos em Núr e informou-O do êxito que coroara seus próprios esforços

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em Khurásán. Mandou inclusa uma lista dos nomes daque les que responderam à seu chamado e de cuja firmeza e sinceridade se sentia seguro. Enviou sua carta via Yazd, por intermédio dos sócios fidedignos do tio materno do Báb, os quais residiam, nesse tempo, em Tabas. Essa carta chegou às mãos do Báb na véspera do dia vinte e sete de Ramadán4 à noite, que passou a ser profundamente reveren-ciada em todas as seitas do Islã e que, na opinião de muitos, rivaliza em santidade com a própria Laylat-tu'1-Qadr, a noite que nas palavras do Alcorão, "excede em excelência mil me-ses".5 O único companheiro do Báb quando recebeu a carta nessa noite foi Quddús, com quem Ele compartilhou algumas passagens.

Tenho ouvido Mírzá Ahmad relatar o seguinte: O tio materno do Báb descreveu a mim, ele mesmo, as circuns-tâncias sob as quais o Báb recebeu a carta de Mullá Husayn: "Nessa noite vi tais evidências de júbilo e contentamento nas faces do Báb e de Quddús que nem as posso descrever. Muitas vezes, naqueles dias, ouvia o Báb repetir com exul-tação: 'Como é maravilhoso, extremamente maravilhoso, o que ocorreu entre os meses de Jamádí e Rajab!' Quando estava lendo a mensagem que Mullá Husayn Lhe enviara, volveu-se para Quddús e, mostrando-lhe certas passagens dessa carta, explicou a razão de Suas jubilosas expressões de surpresa. Eu, por minha parte, nenhum conhecimento tive da natureza dessa explicação".

Mírzá Ahmad, a quem o relato desse incidente causava uma impressão profunda, estava determinado a sondar seu mistério. "Até que me encontrei com Mullá Husayn em Shíráz", disse-me, "não pude satisfazer minha curiosidade. Quando lhe repeti a narração que me fizera o tio do Báb, ele sorriu e disse que muito bem se lembrava haver estado por acaso em Teerã entre os meses de Jamádí e Rajab. Não deu outra explicação, contentando-se com essa breve obser-vação. Bastou, porém, para me convencer de que na cidade

4 Corresponde à noite precedente a 10 de outubro de 1844 A.D. 5 O Laylat-tu'1-Qadr, que significa literalmente "Noite do Poder",

5 uma das últimas dez noites do Ramadán e, de acordo com a crença popular, a sét;ma dessas noites contando para trás.

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de Teerã jazia oculto um Mistério que, ao ser revelado ao mundo, traria júbilo indizível aos corações tanto do Báb quanto de Quddús."

As referências na carta de Mullá Husayn à resposta imediata de Bahá'u'lláh à Mensagem Divina, bem como as referências à vigorosa campanha que Ele audazmente ini-ciara em Núr e ao maravilhoso êxito que coroara Seus es-forços, animaram e alegraram o Báb, reforçando-Lhe a con-fiança na vitória final de Sua Causa. Sentiu-se certo de que, se fosse agora, de repente, ser vitimado pela tirania de Seus inimigos e partir deste mundo, a Causa que revelara vive-ria; continuaria, sob a direção de Bahá'u'lláh a se desenvol-ver e florescer, até dar finalmente seus frutos mais escolhi-dos. A mão mestra de Bahá'u'lláh guiaria seu curso, e a in-fluência penetrante de Seu amor haveria de estabelecê-la nos corações dos homens. Esta convicção fortificou Seu espírito e Lhe inundou de esperança. Desde aquele momento, Seus receios de riscos ou perigos iminente abandonaram-no com-pletamente. Como a fênix, acolheu com júbilo o fogo da adversidade e se deleitava com o brilho e ardor de sua chama.

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CAPÍTULO VII

A PEREGRINAÇÃO DO BÁB A MECA E A MEDINA

A carta de Mullá Husayn fez o Báb decidir a empreender Sua planejada peregrinação a Hijáz. Confiando Sua esposa aos cuidados de Sua mãe e ambas aos cuidados e proteção de Seu tio materno, uniu-se à companhia dos peregrinos de Fárs que estavam se preparando para ir de Shíráz a Meca e Medina (1). Quddús era Seu único companheiro e o servo etíope, Seu criado pessoal. Procedeu a Búshihr, sede do ne-gócio de Seu tio, onde em dias passados, estreitamente as-sociado com ele, vivera a vida de um humilde comerciante. Havendo lá completado os preparativos preliminares para Sua longa e árdua viagem, embarcou num barco a vela que após dois meses de navegação lenta, tempestuosa e insegura, O deixou nas praias daquela terra sagrada (2). Mares bravos

(1) Segundo a narração de Hájí Mu'ínú's-Saltanih (p. 72) o Báb empreendeu Sua peregrinação a Meca e Medina no mês de Shavvál 1280 A.H. (Outubro de 1844 A.D.).

(2) "De sua viagem, ele guardou péssima impressão. 'Sabe' que as rotas marítimas são, penosas, e não as desejamos para nossos fiéis: viajai por terra escreveu Ele no Kitáb-i-Baynu'1-Haramayn, dirigindo-se a seu tio, como veremos adiante. Ele t ra tará novamente d e s t e assunto no Bayán. Que ninguém; pense que se t rata de uma infanti-lidade: O sentimento que guia o Báb nesse horror do mar é o mais nobre e elevado. Assombrado pelo egoísmo dos peregrinos, egoísmo exasperado pelo tormento e os perigos de uma viagem por mar; assombrado igual-mente pela imundlcie em que se viam obrigados a viver os viajantes a bordo, ele deseja evitar que os homens tenham a oportunidade de pôr em prática seus baixos instintos e de se maltratarem mutuamente, Sa-

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e a ausência completa de conforto não puderam interferir com a regularidade de Suas devoções, nem perturbar a tran-qüilidade de Suas meditações e orações. Esquecido da tem-pestade que enfurecia ao Seu redor, nem impedido pela en-fermidade que se havia apoderado de Seus companheiros de peregrinação, continuou a ocupar Seu tempo em ditar a Quddús tais orações e epístolas que se sentia inspirado a re-velar.

Tenho ouvido Hájí Abu'1-Hasan-i-Shírází, que estava via-jando no mesmo barco do Báb, descrever as circunstâncias dessa viagem memorável: "Durante todo o período de apro-ximadamente dois meses," afirmou ele, "desde o dia era que embarcamos em Bushihr até o dia em que desembarcamos em Jaddih, o porto de Híjáz, em qualquer ocasião, de dia ou à noite, em que por acaso encontrasse com o Báb ou Quddús, eu os via invariavelmente juntos, ambos absortos

be-se que o Apóstolo recomenda expressamente a polidez e a mais refi-nada cortesia nas relações sociais: "Não entristeçais a quem quer que seja, por qualquer motivo que seja". Durante esta viagem ele pode constatar a mesquinhez do homem e sua brutalidade quando se encontra diante de situações difíceis: "O que de mais triste vi na minha pere-grinação à Meca foram as constantes disputas dos peregrinos entre si, disputas essas que tiravam todos os benefícios morais de sua peregri-nação". (Bayán 4:16). Então, ele chegou a Mascate onde descansou alguns dias, durante os quais procurou converter o povo do país, sem no entanto, obter êxito. Ele se dirigiu a um deles, possivelmente um religioso que ocupava uma elevada posição, cuja conversão poderia ter levado à conversão de seus concidadãos — pelo menos, assim suponho, pois ele não nos dá nenhum detalhe sobre esse assunto — é evidente que não procurou converter ao primeiro que viesse a encontrar, e se o tivesse conseguido, este, provavelmente, não teria tido nenhuma in-fluência sobre os demais habitantes da cidade. Que ele tentou uma con-versão e não teve êxito é indiscutível, já que ele mesmo o afirma: "A Menção de Deus desceu, em verdade, sobre a terra de Mascate, e fez chegar a ordem de Deus a um de seus habitantes: talvez compreendesse nossos versículos e chegasse a ser daqueles que são guiados. Dize: este homem obedeceu a suas paixões depois de haver lido nossos ver-sículos; Em verdade, este homem, de acordo com a ordem do Livro, é um dos transgressores. Dize: não vimos em Mascate gente do Livro que estivesse disposta a ajudá-lo, porque são dos ignorantes perdidos. E assim foi com todos aqueles que se encontravam no barco com exceção de um só que acreditou em nossos versículos e se tornou um daqueles que temem a Deus". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Ali Muhammad dit le Báb". pp. 207-81).

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em seu trabalho. O Báb parecia estar ditando, enquanto Quddús estava zelosamente ocupado em anotar tudo o que fluia de Seus lábios. Até quando o pânico parecia se haver apoderado dos passageiros desse barco à mercê das ondas, eles eram vistos prosseguindo sua tarefa com confiança e serenidade imperturbadas. Nem a violência do tempo, nem o tumulto da gente ao seu redor podia alterar a tranqüili-dade de seus semblantes ou desviá-los de seu propósito."

O Báb mesmo, no Bayán Persa (3), refere-se às durezas dessa viagem. "Por muitos dias," escreveu, "sofremos por causa da escassez de água. Tinha de me contentar com o suco do limão doce." Em conseqüência dessa experiência, suplicou ao Todo-Poderoso que concedesse os meios pelos quais as viagens marítimas muito breve fossem melhoradas, sendo reduzidas suas durezas e inteiramente eliminados seus perigos. Dentro de um curto espaço de tempo depois de ser oferecida essa oração, têm-se multiplicado em grande escala as evidências de uma notável melhora em todas as formas de transporte marítimo e o Golfo Pérsico, que naqueles dias quase não possuía um único barco a vapor, agora se jacta de uma frota de transatlânticos que em poucos dias e com a maior comodidade leva o povo de Párs em sua peregrina ção anual a Hijáz.

(3) "É assim como eu mesmo vi na viagem à Meca, uma pessoa que acostumada a dar grandes somas de dinheiro vacilava em ter que dar um copo d'água a seu companheiro de viagem. Isto sucedia no barco, onde a água era escassa de modo que eu mesmo tive que me contentar com suco de limões doces, pois na viagem de Búshihr à Mascate que dura doze dias, não há condições de se fazer o reabastecimento de água". (Le Bayán Persan vol. 2 p. 154). "Não se pode imaginar sobre o mar nada que não seja uma tortura, não se pode ter todas as coisas ne-cessárias como numa viagem por terra. . . As pessoas no mar se vêem forçadas (a viver) ali porém, por suas ações, elas aproximam-se mais de Deus e Deus recompensa as boas ações feitas tanto na terra quanto no mar, porém Ele duplica as recompensas das boas ações feitas no mar já que seu trabalho é mais doloroso", (id. p. 155-6). Eu vi, na rota à Meca, ações tão infames que aos olhos de Deus a boa ação que faziam (a de fazer peregrinação), fora em vão! Eram disputas entre peregri-nos. Qualquer que seja o estado de coisas, disputas desta natureza são proibidas. . . Na verdade, a mansão de Deus não necessita de pessoas desta espécie. (Id. p. 155).

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Os povos do Ocidente, entre os quais aparecem as pri-meiras evidências desta grande Revolução Industrial, estão ainda infelizmente, de todo despercebidos da Fonte donde se deriva essa poderosa corrente, essa grande força motriz, força essa que revolucionou todo aspecto de sua vida ma-terial. Sua própria história testemunha o fato de que no ano que viu alvorecer esta gloriosa Revelação, apareceram de súbito evidências de uma revolução industrial e econômica que o próprio povo declara ser sem precedentes na história da humanidade. Em sua preocupação com os detalhes do funcionamento e dos ajustes desta maquinaria recém conce-bida, eles têm gradualmente perdido de vista a Origem e o objeto deste poder tremendo que o Todo-Poderoso confiou a seu cuidado. Parecem haver abusado gravemente desse po der e compreendido mal sua função. Embora fosse seu cie sígnio conferir ao povo do Ocidente as bênção da paz e da felicidade, foi utilizado por eles para promover os interesses da destruição e da guerra.

Ao chegar em Jaddih, o Báb vestiu os trajes de peregri-no, montou um camelo e partiu em Sua viagem a Meca. Quddús, porém, não obstante o desejo de seu Mestre, ex-presso repetidas vezes, preferiu acompanhá-Lo a pé por todo o caminho de Jaddih àquela cidade santa. Segurando em sua mão o cabresto do camelo em que o Báb estava montado, andou jubiloso, em atitude de prece, ministrando às neces-sidades de seu mestre de todo indiferente às fadigas de sua marcha árdua. Toda noite, desde o entardecer até ao alvore-cer, Quddús, sacrificando conforto e sono, continuava com incessante vigilância a velar ao lado de seu Bem-Amado, pron-to a atender Suas necessidades e prover os meios de Sua proteção e segurança.

Um dia quando o Báb havia desmontado perto de uma nascente a fim de oferecer Suas orações matinais, um be-duíno nômade apareceu de repente no horizonte, aproximou-se Dele e apanhando o alforje que jazia no chão ao Seu lado e que continha Seus escritos e papéis, desvaneceu-se no de-serto desconhecido. Seu servo etíope saiu em seu encalço mas foi impedido pelo seu Mestre, que, enquanto orava, lhe fez sinal com a mão para que abandonasse seu intento. "Ti-

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vesse eu permitido," afetuosamente lhe assegurou o Báb, mais tarde, com certeza o terias alcançado e punido. Mas isto não havia de ser. Os papéis e escritos que aquele alforje continha são destinados a atingir, por meio desse árabe, lu-gares aos quais nunca haveríamos de conseguir chegar. Não te entristeças pois, por causa de sua ação, pois isso foi de-cretado por Deus, o Ordenador, o Onipotente." Muitas ve-zes, posteriormente, procurava o Báb consolar Seus amigos em ocasiões similares com tais considerações. Mediante pa-lavras como estas transformava a amargura do remorso e ressentimento em radiante aquiescência ao desígnio divino e em alegre submissão à vontade de Deus.

No dia de 'Arafát (4), o Báb, retirando-se para a reclu-são silenciosa de Seu quarto, devotou todo o Seu tempo à meditação e adoração. No dia seguinte, o dia de Nahr, após haver oferecido a oração do dia festivo foi a Muna, onde, segundo o costume antigo, comprou dezenove cordeiros da raça mais seleta, dos quais sacrificou nove em Seu próprio nome, sete no nome de Quddús e três em nome de Seu servo etíope. Recusou participar da carne desse sacrifício consa-grado, preferindo distribuí-la livremente entre os pobres e necessitados da vizinhança.

Embora o mês de Dhi'1-Hijjih (5), o mês de peregrina-ção a Meca e Medina, coincidisse naquele ano com o pri-meiro mês da estação de inverno, no entanto, era tão intenso o calor nessa região, que os peregrinos os quais circulavam o sagrado santuário não puderam praticar este ritual em suas vestes usuais. Envoltos numa túnica leve e frouxa, to-maram parte na celebração do festival. O Báb, entretanto, em sinal de deferência, não consentiu em tirar nem Seu tur-bante nem o manto. Vestido como de costume, Ele, com a maior dignidade e calma, e com extrema simplicidade e re-verência, circulou o Ka'bih e praticou todos os ritos de ado-ração prescritos.

No último dia de Sua peregrinação a Meca, o Báb en-controu com Mírzá Muhít-i-Kirmání. Estava em pé com a face volvida para a Pedra Negra, quando o Báb se aproxi-

(4) O dia antes do festival. (5) Dezembro de 1844 A. D.

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mou dele e tomando sua mão, lhe dirigiu estas palavras: "Ó Muhít! Vós vos considerais uma das figuras de maior destaque da comunidade shaykhí e um distinguido exposi-tor de seus ensinamentos. Em vosso coração até pretendeis ser um dos sucessores diretos e legítimos herdeiros daque-las grandes Luzes gêmeas, daquelas Estrelas que anuncia-ram o amanhecer da guia Divina. Vede, agora estamos am-bos em pé dentro deste mais sagrado santuário. Dentro de seus santos recintos, Aquele cujo Espírito habita neste lugar pode fazer que a Verdade imediatamente seja conhecida e distinguida da falsidade e a retidão do erro. Verdadeiramen-te declaro, ninguém senão Eu, neste dia, quer seja no Ori-ente ou no Ocidente, pode pretender ser a Porta que conduz os homens ao conhecimento de Deus. Minha prova nãô é outra senão aquela mediante a qual se estabeleceu a verdade do Profeta Maomé. Perguntai-Me o que quiserdes; agora, neste mesmo momento, comprometo-Me a revelar tais versí-culos como podem demonstrar a verdade de Minha missão. Deveis escolher entre submeter-vos sem reservas à Minha Causa ou repudiá-la inteiramente. Outra alternativa não vos resta. Se decidirdes rejeitar Minha Mensagem, não soltarei vossa mão antes de dardes vossa palavra que declarará pu-blicamente vosso repúdio da Verdade que proclamei. Assim se tornará conhecido Aquele que diz a Verdade e quem dis-ser palavras falsas será condenado à miséria e vergonha eter-nas. Então a senda da Verdade será revelada e se tornará manifesta a todos os homens."

Este desafio decisivo tão inesperadamente lançado pelo Báb a Mírzá Muhít-i-Kirmání causou-lhe profunda aflição. Assombrou-se diante da franqueza deste desafio e sua força e majestade constrangedoras. Ele na presença desse Jovem não obstante sua idade, sua autoridade e seus conhecimen-tos, sentia-se como um pássaro indefeso nas garras de uma poderosa águia. Confuso e cheio de temor, respondeu: "Meu Senhor, meu Mestre! Sempre desde o dia em que meus olhos Vos contemplaram em Karbilá, parece-me que tenho afinal encontrado e reconhecido Aquele que fora o objeto de minha busca. Renuncio a quem deixou de Vos reconhecer e des-prezo aquele em cujo coração pode ainda restar a mais leve

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desconfiança a respeito de vossa pureza e santidade. Eu Vos peço que não considereis minha fraqueza e imploro que me respondais em minha perplexidade. Queira Deus possa eu, neste mesmo lugar dentro dos recintos deste sagrado san-tuário, jurar minha lealdade a Vós e me levantar para o triunfo de Vossa Causa. Se eu fosse insincero naquilo que declaro, se em meu coração eu desacreditasse o que meus lábios proclamam, eu me julgaria completamente indigno da graça do Profeta de Deus e consideraria minha ação uma prova de deslealdade manifesta a 'Ali, Seu sucessor eleito."

O Báb, que escutou atentamente suas palavras e que bem conhecia sua impotência e pobreza de alma, respondeu dizendo: "Em verdade digo, mesmo agora se conhece e se distingue a Verdade da falsidade, ó santuário do Profeta de Deus e tu, ó Quddús, que em Mim acreditaste! A ambos, nesta hora, tomo por Minhas testemunhas. Presenciastes e ouvistes o que sucedeu entre Mim e ele. Chamo-vos para atestardes isto e Deus, verdadeiramente, está além e acima de vós, Minha Testemunha segura e final. Ele é Quem a tudo vê, o Onisciente, o Sábio, õ Muhit! Exponde qualquer coisa que em vossa mente cause perplexidade e Eu, com a ajuda de Deus, soltarei minha língua e Me incumbirei de resolver vossos problemas, para que possais dar testemunho da ex-celência de Minhas palavras e compreender que ninguém, a não ser Eu, tem capacidade para manifestar Minha sabedoria."

Mírzá Muhit respondeu ao convite do Báb, submetendo-Lhe suas perguntas. Alegando a necessidade de sua partida imediata para Medina, expressou a esperança de receber, an-tes de partir dessa cidade, o texto da prometida resposta. "Satisfarei vosso pedido," assegurou-lhe o Báb. "Na viagem a Medina, com a ajuda de Deus, revelarei Minha resposta às nossas perguntas. Se não vos encontrar nesta cidade Mi-nha resposta seguramente vos alcançará logo após vossa che-gada em Karbilá. Qualquer coisa que a justiça e a eqüidade possam ditar, o mesmo espero que cumprais. 'Se fizerdes o bem, em benefício próprio fareis o bem; e se o mal fizerdes, contra vós próprios o fareis.' 'Deus, em verdade é indepen-dente de todas as Suas criaturas (6).'"

(6) Versos do Alcorão.

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Mírzá Munít, antes de sua partida, expressou novamen-te sua firme resolução de cumprir sua promessa solene. "Nunca sairei de Medina," assegurou ao Báb," "aconteça o que acontecer, antes de cumprir meu convênio convosco." Assim como a partícula levada pelo furacão, eie não poden-do enfrentar a sobrepujante majestade da Revelação procla-mada pelo Báb, fugiu aterrorizado diante de Sua face. De-morou-se um pouco em Medina e infiel a sua promessa e não levando em conta as admoestações de sua consciência, partiu para Karbilá.

O Báb, fiel a Sua promessa, revelou durante a viagem de Meca a Medina, Sua resposta escrita às perguntas que haviam tornado perplexa a mente de Mírzá Muhít, entitu-lando-a Sahífiy-i-Baynu'1-Haramayn (7). Mírzá Muhít, que a recebeu nos primeiros dias de sua estada em Karbilá, não se sentiu comovido pelo seu tom e recusou reconhecer os preceitos que inculcava. Sua atitude para com a Fé era de oposição dissimulada e persistente. Em certas ocasiões, pro-fessava ser seguidor e defensor daquele notório adversário do Báb, Hájí Mírzá Karím Khán e algumas vezes vindicava para si o grau de líder independente. Quando se aproximava o fim de seus dias e ele estava residindo no Iraque, fingiu submissão a Bahá'u'lláh e expressou, por intermédio de um dos príncipes persas que moravam em Bagdá, o desejo de conhecê-Lo. Pediu que a entrevista que propunha fosse con-siderada estritamente confidencial. "Diga-lhe," foi a resposta de Bahá'u'lláh, "que nos dias de Meu retiro nas montanhas de Sulaymáníyyíh, em certa ode que compus, apresentei os requisitos essenciais para cada caminhante que trilha a senda da busca em seu desejo de alcançar a Verdade. Com-partilhe com ele este verso daquela ode: 'Se for teu objeti-vo Amar a tua vida não te aproximes da Nossa Corte; usas se o sacrifício foi o desejo do teu coração, venha e deixe que os outros venham contigo. Pois tal é o caminho da Fé, se em teu coração buscares reunião com Bahá; se recusares trilhar este caminho por que Nos importunar? Ide!"' Se ele assim desejar, abertamente e sem reservas se apressará a se encontrar comigo se não, recuso recebê-lo." A resposta

(7) "A Epístola Entre os Dois Santuários".

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inequívoca de Bahá'u'lláh embaraçou Mírzá Muhít. Não po-dendo resistir e não querendo se conformar, partiu para sua casa em Karbilá no mesmo dia em que recebeu essa mensa-gem. Assim que chegou, adoeceu e três dias depois faleceu.

Mal havia o Báb cumprido com a última das observân-cias relacionadas a Sua peregrinação a Meca, quando dirigiu uma epístola ao Xerife dessa cidade santa, expondo em ter-mos claros e inequívocos, as feições distintivas de Sua missão e o chamando a se levantar e abraçar Sua Causa. Esta epís-tola, junto com seleções de Seus outros escritos, Ele entre-gou a Quddús com instruções para sua apresentação ao Xerife. Este, porém, demasiado absorto em seu próprios in-teresses materiais para inclinar o ouvido às palavras que o Báb lhe dirigira, deixou de responder ao chamado da Mensa-gem Divina. Tem-se ouvido Hájí Níyáz-i-Baghdádí relatar o seguinte: 'No ano de 1267 A.H. (8), empreendi uma peregri-nação a essa cidade santa, onde tive o privilégio de conhecer o Xerife. Em sua conversação comigo disse: "Recordo que no ano 60, durante a estação de peregrinação, um jovem veio me visitar. Apresentou-me um livro selado que pronta-mente aceitei mas que estava demasiadamente ocupado naquele tempo para ler. Alguns dias depois, encontrei novamente com aquele mesmo jovem, que me perguntou se eu tinha alguma resposta a dar a sua oferta. A pressão de trabalho mais uma vez me havia impedido de considerar o conteúdo desse li-vro. Não lhe pude, pois, dar uma resposta satisfatória. Uma vez terminada a estação de peregrinação, um dia, enquanto arrumava minhas cartas, meus olhos avistaram por acaso esse livro. Abri-o e encontrei em suas páginas introdutórias uma homília comovente e belamente escrita, seguida por ver-sos cujo tom e linguagem eram extraordinariamente pareci-dos com os do Alcorão. Tudo o que pude deduzir da leitura do livro foi que entre o povo da Pérsia um homem da pro-gênie de Pátimih e descendente da família de Háshim, levan-tara um novo chamado, anunciando a todos o aparecimento do prometido Qá'im. Não me foi esclarecido, todavia, o nome do autor desse livro, nem fui informado das circunstâncias

(8) 1850-51 A.D.

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que acompanhavam esse chamado.' 'Uma grande comoção, realmente,' observei, tem se apoderado dessa terra durante estes últimos anos. Um Jovem, descendente do Profeta e co-merciante de profissão, afirmou ser Sua voz a Voz da inspi-ração Divina. Declarou publicamente que, dentro do espaço de poucos dias, poderiam manar de Sua língua versículos cujo número e excelência ultrapassariam em volume e beleza o próprio Alcorão — obra cuja revelação por Maomé levou nada menos de vinte e três anos. Uma multidão dentre os habitantes da Pérsia, tanto de alto como de baixo grau, civis eclesiásticos, se reuniram ao redor de Seu estandarte e es-pontaneamente se sacrificaram em Sua senda. Esse Jovem no ano passado, nos últimos dias do mês de Sha'bán (9), sofreu martírio em Tabriz, na província de Adhirbáyján, Os que O perseguiram tentaram por este meio extinguir a luz que Ele acendeu naquela terra. Desde Seu martírio, porém, Sua influência tem penetrado em todas as classes do povo.' O Xerife, que escutava com atenção, expressou sua indigna-ção com o comportamento daqueles que haviam perseguido o Báb. 'Que a maldição de Deus esteja sobre essa gente má,' exclamou, 'gente que em tempos passados tratou de igual maneira nossos santos e ilustres ancestrais! Com estas pala-vras o Xerife terminou sua conversação comigo."

De Meca o Báb prosseguiu a Medina. Foi o primeiro dia do mês de Muharram, no ano de 1261 A.H. (10), quando estava a caminho para essa cidade santa. Enquanto dela se aproximava, lembrou-se dos acontecimentos comovedores que haviam imortalizado o nome Daquele que vivera e morrera dentro de seus muros. Aquelas cenas que davam eloqüente testemunho do poder criador daquele Gênio imortal pare-ciam ser reapresentadas novamente, com igual esplendor, diante de Seus olhos. Orou ao se aproximar desse sagrado sepulcro que encerrava os restos mortais do Profeta de Deus, Lembrava-se também, enquanto pisava essa terra sagrada, aquele brilhante Arauto de Sua própria Dispensação. Sabia que no cemitério de Baqí', num lugar não muito distante do santuário de Maomé, repousavam os restos mortais de Shay-

(9) Julho de 1850 A. D. (10) Sexta-feira, 10 de janeiro de 1845 A. D.

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kh Ahmad-i-Ahsá'í, o anunciador de Sua própria Revelação que, após uma vida de oneroso serviço decidira passar o ocaso de seus dias dentro dos recintos daquele sagrado san-tuário. Apareceu-Lhe também a visão daqueles homens san-tos pioneiros e mártires da Fé, que haviam caído gloriosa-mente no campo de batalha e que com seu sangue vital, selaram o triunfo da Causa de Deus. Seu sagrado pó parecia como se reanimado com o suave pisar de Seus pés. Seus es-píritos pareciam haver se despertado com o alento revivifi-cador de Sua presença. Olhavam para Ele como se tivessem levantado a Sua chegada, se estivessem apressando em Sua direção e Lhe dando boas vindas. Pareciam estar Lhe diri-gindo este fervoroso apelo. "Não te retires para Tua terra natal, nós Te imploramos, ó Tu bem-amado de nossos cora-ções! Permanece tu conosco, pois aqui, longe do tumulto de Teus inimigos que estão à espreita de Ti, estarás são e salvo. Estamos temerosos por Ti. Tememos as intrigas e maqui-nações de Teus inimigos. Trememos ao pensarmos que seus atos podem trazer maldição eterna as suas almas." "Não te-mais," respondeu o Espírito indomável do Báb: "Vim a este mundo dar testemunho à glória do sacrifício. Vós percebeis a intensidade de Meu anelo; compreendeis o grau de Minha renúncia. Não, suplicai ao Senhor, vosso Deus, que apresse a hora de Meu martírio e aceite Meu sacrifício. Regozijai-vos, pois tanto Eu como Quddús seremos mortos no altar de nossa devoção ao Rei da Glória. O sangue que estamos desti-nados a derramar em Seu caminho regará e avivará o jardim de nossa felicidade imortal. As gotas deste sangue consagrado serão as sementes das quais surgirá a poderosa Árvore de Deus, a Árvore que recolherá a sua sombra, que a tudo abar-ca, os povos e raças da Terra. Não vos entristeçais, portanto, se Eu partir desta terra, pois me apresso a cumprir Meu destino."

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CAPÍTULO VIII

A ESTADA DO BÁB EM SHÍRÁZ APÓS A PEREGRINAÇÃO

A visita do Báb a Medina marcou a etapa final de Sua peregrinação a Hijáz. Daí Ele regressou a Jaddih e por via marítima alcançou Sua terra natal, chegando em Búshihr nove meses lunares depois de haver embarcado desse porto para sua peregrinação. No mesmo khán (1) que havia ocupa-do anteriormente, recebeu Seus amigos e parentes que ti-nham vindo recebê-Lo e Lhe dar boas vindas. Enquanto ain-da em Búshihr, chamou Quddús a Sua presença e com a maior ternura o mandou partir para Shíráz. "Os dias de tua associação Comigo," disse-lhe, "aproximam-se de seu fim. Soou a hora da separação, uma separação que não será se-guida por nenhuma reunião, salvo no Reino de Deus, na pre-sença do Rei da Glória. Neste mundo de pó não te foram destinados mais de nove meses passageiros de associação Comigo. Nas praias do Grande Além, entretanto, no domínio da imortalidade, o júbilo da eterna reunião nos espera. A mão do destino breve te submergirá num oceano de tribula-ções por Sua causa. Eu, também, te seguirei; Eu, também estarei imerso em suas profundezas. Regozija-te com júbilo extremo, pois foste escolhido como o porta-estandarte da hoste da aflição e estás na vanguarda do nobre exército que há de sofrer martírio em Seu Nome. Nas ruas de Shíráz, indignidades serão amontoadas sobre ti e as mais severas

(1) Similar a um caravansarai (ver glossário - volume I I ) .

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feridas afligirão teu corpo. Haverás de sobreviver a conduta ignominiosa de teus inimigos e atingir a presença Daquele que é o objeto único de nossa adoração e amor. Em Sua presença te esquecerás de todo o dano e toda a desgraça que haverá de te sobrevir. As hostes do Invisível apressar-se-ão a te ajudar e proclamarão ao mundo inteiro teu heroísmo e glória. Tua será a felicidade inefável de sorver o cálice do martírio por Sua causa. Eu, também, trilharei a senda do sa-crifício e Me reunirei contigo no reino da eternidade." O Báb entregou em suas mãos então, uma carta que havia escrito a Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, Seu tio materno, na qual o infor-mou de Seu regresso a Búshihr são e salvo. Também lhe confiou uma cópia do Khasá'il-i-Sab'ih (2), um tratado em que expusera os requisitos essenciais para aqueles que ha-viam atingido o conhecimento da nova Revelação e reconhe-cido sua pretensão. Ao se despedir de Quddús pela última vez, pediu que transmitisse Suas saudações a cada um de Seus bem-amados em Shíráz.

Quddús, sentindo uma inabalável determinação de cum-prir os desejos expressados por seu Mestre, partiu de Bú-shihr. Ao chegar em Shíráz, foi recebido afetuosamente por Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, que o hospedou em sua própria casa e inquiriu ansiosamente sobre a saúde e as atividades de seu bem-amado Parente. Achando-o receptivo ao chamado da nova Mensagem, Quddús o informou da natureza da Reve-lação com a qual esse Jovem já lhe havia inflamado a alma. O tio materno do Báb, como resultado dos esforços envida-dos por Quddús, foi o primeiro, após as Letras dos Viventes, a abraçar a Causa em Shíráz. Como não se havia divulgado ainda o pleno significado da Pé recém-nascida, ele desconhe-cia o verdadeiro âmbito de suas implicações e sua glória. Sua conversação com Quddús, porém, removeu de seus olhos o véu. Tão firme se tornou sua fé e tão profundo veio a ser seu amor pelo Báb, que consagrou toda a sua vida a Seu serviço. Com incessante vigilância se levantou para defender Sua Causa e proteger Sua pessoa. Em seus esforços constan-tes, tinha em pouca conta a fadiga e desdenhava a morte.

(2) Literalmente significa "As Sete Qualificações".

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Embora reconhecido como figura de destaque entre os co-merciantes dessa cidade, nunca permitiu que considerações materiais interferissem com sua responsabilidade espiritual de salvaguardar a pessoa de seu bem-amado Parente e Lhe promover a Causa. Perseverou em sua tarefa até a hora em que, unindo-se com a companhia dos Sete Mártires de Teerã, em circunstâncias de excepcional heroísmo, por Ele ofereceu sua vida.

A próxima pessoa com quem se encontrou Quddús em Shíráz foi Ismu'lláhu'1-Asdaq, Mullá Sádiq-i-Khurásání, a quem confiou a cópia do Khasá'il-i-Sab'ih, frisando a neces-sidade de executar imediatamente todas as suas provisões. Entre seus preceitos estava o enfático mandado do Báb a cada crente leal, de acrescentar à fórmula tradicional do adhán (3) as seguintes palavras: "Dou testemunho de que Aquele cujo nome é 'Alí-Qabl-i-Muhammad (4) é o servo do Baqíyyatu'lláh (5)." Mullá Sádiq, que naqueles dias havia exaltado do púlpito a grandes congregações, as virtudes dos imames da Fé, sentiu-se tão extasiado com o tema e a lin-guagem desse tratado que sem hesitar resolveu levar a cabo todos os preceitos que ordenava. Compelido pela força im-pulsora inerente nessa Epístola, certo dia, enquanto dirigia sua congregação em prece no Masjid-i-Naw, proclamou de súbito, ao pronunciar o adhán, as palavras adicionais pres-critas pelo Báb. A multidão que o ouviu assombrou-se dian-te dessa proclamação. Alarme e consternação apoderaram-se da congregação inteira. Os sacerdotes distintos, que ocupa-vam os primeiros assentos e que eram muito reverenciados por sua piedosa ortodoxia, clamaram e protestaram em altas vozes: "Ai de nós, guardiães e protetores da Fé de Deus! Vede, este homem içou o estandarte da heresia. Abaixo este infame traidor! Pronunciou blasfêmia. Prendei-o, pois ele é uma desonra para nossa Fé." "Quem," exclamaram irada-mente, "se atreveu a autorizar tão grave desvio dos preceitos estabelecidos do islã? Quem presumiu arrogar para si essa suprema prerrogativa?"

(3) Ver glossário (volume I I ) . (4) Referente ao nome do Báb. (5) Referente a BaháVlíáh. Ver glossário (volume I I ) .

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O povo ecoou os protestos desses sacerdotes e se levan-tou para lhes reforçar o clamor. A cidade toda agitara-se e a ordem pública, em conseqüência, estava seriamente amea-çada. O governador da província de Párs, Husayn Khán-i-íravání, de sobrenome Ájúdán-Báshí, geralmente designado naquele tempo como Sáhib-Ikhtíyár (6), achou necessário intervir e indagar a causa dessa repentina comoção. Infor-maram-lhe que um discípulo de um jovem chamado Siyyid-i-Báb, que acabava de voltar de Sua peregrinação a Meca e Medina e estava agora residindo em Búshihr, chegara em Shíráz e estava propagando os ensinamentos de seu Mestre, "Este discípulo," disseram mais tarde a Husayn Khán, "man-tém que seu mestre é autor de uma nova revelação e reve-lador de um livro que, assevera ele, é divinamente inspirado. Mullá Sádiq-i-Khurásání já abraçou essa fé e destemidamen-te convoca a multidão a aceitar essa mensagem. Declara ser seu reconhecimento a primeira obrigação de cada leal e pie-doso seguidor do islã xiita."

Husayn Khán mandou prender tanto Quddús como Mullá Sadíq. As autoridades policiais, às quais foram entregues, receberam instruções para levá-los algemados à presença do governador. A polícia entregou também às mãos de Husayn Khán a cópia do Qayyúmu'1-Asmá, que haviam tirado de Mullá Sádiq enquanto lia suas passagens em voz alta a uma congregação excitada. Quddús, por causa de sua aparência jovem e vestimenta informal foi de início ignorado por Hu-sayn Khán, preferindo dirigir suas observações ao seu com-panheiro idoso e de maior dignidade. "Diga-me," perguntou irosamente o governador, volvendo-se para Mullá Sádiq, "se conhece a passagem introdutória do Qayyúmu'1-Asmá, onde o Siyyid-i-Báb se dirige aos governantes e reis da Terra nes-tes termos: "Despi-vos da vestimenta da soberania, pois Aquele que é em verdade o Rei se manifestou! O Reino é de Deus, o Excelso. Assim decretou a Pena do Altíssimo!" "Se isto é verdade, deve aplicar-se necessariamente ao meu

(6) Segundo o "Táríkh-Jadíd" (p. 204) também se chama "Ni-zámu'd-Dawlih".

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soberano, Muhammad Xá, da dinastia Qájár (7), a quem eu represento como magistrado chefe desta província. Deverá Muhammad Xá, segundo esse mandado, depor a coroa e aban-donar sua soberania? Deverei eu, também, abdicar meu po-der e renunciar minha posição?" Mullá Sádiq, sem hesitar, replicou: "Uma vez que a verdade da Revelação anunciada pelo Autor destas palavras tenha sido definitivamente esta-belecida, do mesmo modo será vindicada a verdade de qual-quer coisa que Seus lábios tenham pronunciado. Se estas pa-lavras são a Palavra de Deus, a abdicação de Muhammad Xá e dos que lhe são semelhantes, pouco pode importar. Isso não poderá, em absoluto, desviar o propósito Divino, nem alterar a soberania do Rei Todo-poderoso e eterno (8)."

Esse governante cruel e ímpio desagradou-se seriamen-te com tal resposta. Com vitupérios e maldições, mandou que os assistentes o despissem das vestimentas e o açoitas-sem com mil chicotadas. Deu ordens então para queimar a barba tanto de Quddús como de Mullá Sádiq, lhes perfurar as narinas e pela incisão passar uma corda, pela qual, como cabresto, fossem conduzidos pelas ruas da cidade (9). "Será uma lição objetiva para o povo de Shíráz," declarou Husayn Khán, "que saberá qual é o castigo pela heresia." Mullá Sádiq, calmo e com presença de espírito, com os olhos voltados para o céu, recitou esta oração, "ó Senhor, nosso Deus! Em ver-dade ouvimos a voz de Alguém que chamou. Ele nos cha-mou para a Fé — 'Acreditai no Senhor, vosso Deus!' — e nós acreditamos, ó Deus, nosso Deus! Perdoa-nos pois nossos pecados e oculta nossas más ações e faze que morramos com os justos (10)." Com magnífica fortaleza resignaram-se am-bos a seu destino. Aqueles incumbidos de infligir esse castigo

(7) Uma das tribos de Túrán, uma família turca chamada Qájár, que pareceu pela primeira vez na Pérsia com o exército invasor de Changíz Khán. (C. R. Markham "A General Sketch of the History of Pérsia", p. 339).

(8) Segundo A. L. M. Nicolas em "Siyyid Ali Muhammad d;t le Báb" (Nota n.° 175, p. 225), esta reunião foi realizada em 6 de agosto de 1845 A. D.

(9) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 5), um tal Mullá Alí-Akbar-i-Ardistání sofreu junto com eles uma perseguição similar.

(10) Alcorão 3:193.

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selvagem desempenharam sua tarefa com alacridade e vigor. Ninguém interveio em prol destas vítimas; ninguém se incli-nou a defender sua causa. Pouco depois disso foram ambos expulsos de Shíráz. Antes de sua expulsão foram prevenidos de que, se alguma vez tentassem regressar a essa cidade, ambos seriam crucificados. Por seus sofrimentos ganharam a distinção imortal de haverem sido os primeiros persegui-dos em solo persa por causa de sua Fé. Mullá 'Alíy-i-Bastámí, embora o primeiro a cair vítima do ódio implacável do ini-migo, sofreu sua perseguição no Iraque que jaz além dos confins da Pérsia. Tampouco podiam seus sofrimentos, por intensos que fossem, ser comparados com a horripilante e bárbara crueldade que caracterizavam a tortura infligida a Quddús e Mullá Sádiq.

Uma testemunha ocular desse episódio revoltante, um re-sidente de Shíráz que não era crente, contou-me o seguinte: "Estive presente quando Mullá Sádiq estava sendo açoitado. Vi seus perseguidores, cada um por sua vez, aplicar o chicote aos seus ombros sangrentos e continuar os golpes até fica-rem exaustos. Ninguém acreditava que Mullá Sádiq, de idade tão avançada e corpo tão frágil, tinha possibilidade de so-breviver cinqüenta desses golpes selvagens. Nós nos mara-vilhamos diante de sua fortaleza, vendo que, embora o nú-mero de chicotadas recebidas já excedesse a novecentas, sua face retinha ainda sua original serenidade e calma. Sorria, enquanto mantinha a mão diante da boca. Parecia completa-mente indiferente aos golpes que choviam sobre ele. Quando estava sendo expulso da cidade, consegui aproximar-me dele e lhe perguntei por que mantinha a mão diante da boca. Ex-pressei surpresa pelo sorriso em seu semblante. Ele respon-deu enfaticamente: "Os primeiros sete golpes foram extrema-mente dolorosos; aos demais, parecia me haver tornado indiferente. Perguntava a mim mesmo se os golpes suceden-tes estavam sendo aplicados realmente ao meu próprio cor-po. Um sentimento de jubilosa exaltação me havia invadido a alma. Estava tentando reprimir meus sentimentos e con-trolar meu riso. Posso agora compreender como o onipotente Salvador pode, num piscar de olhos, converter dor em alívio e tristeza em alegria. Imensamente exaltado é Seu poder

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acima e além da vã fantasia de Suas criaturas mortais." Mullá Sádiq, com quem me encontrei anos depois, confirmou cada detalhe deste comovente episódio.

A ira de Husayn Khán não se saciou com este castigo atroz e completamente imerecido. A sua desumana e capri-chosa crueldade, deu ainda mais expansão no assalto agora dirigido contra a pessoa do Báb (11). Enviou a Búshihr uma escolta montada composta de sua própria guarda de con-fiança, com instruções enfáticas de prender o Báb e levá-Lo acorrentado a Shiráz. O chefe dessa escolta, membro da co-munidade Nusayrí, melhor conhecida como a seita de 'Aliyu'-lláhí, relatou o seguinte: "Tendo completado a terceira etapa de nossa viagem a Búshihr, encontramos no meio da selva, um jovem que usava um cinturão verde e um turbante pe-queno segundo o modo dos siyyids que são comerciantes de profissão. Estava montado, sendo seguido por um servo etío-pe que tinha a cargo seus pertences. Quando dele nos apro-ximamos, saudou-nos e inquiriu nosso destino. Pensei que

(11) E'sta cidade havia sido cenário de apaixonadas discussões que transtornaram profundamente a paz geral. Os curiosos, os peregri-nos, os aficcionados ao escândalo se encontravam ali para comentar as novidades, aprovando ou culpando, exaltando o jovem Siyyid ou ao con-trário, cobrindo-o de maldições e injúrias: Todo mundo se excitava, se irritava, se transformava. Os Mullás observavam preocupados o aumen-to do número de seguidores da nova doutrina: sua clientela, e portanto suas entradas, diminuíam outro tanto. Deveriam colocar-se de pron-tidão, já que uma tolerância mais prolongada poderia esvaziar as mes-quitas, pois, uma vez que se o Islã não se defendia, seus fiéis poderiam achai* que reconheciam a derrota. Por outro lado, Husayn Khán Nizá-mu'd-Dawüh, governador de Shiráz, acreditava que se deixasse as coisas como estavam, o escândalo seria tanto que ficaria impossível reprimi-lo. Era arr scar cair em desgraça. Além disso, o Báb não se contentava em pregar; chamava para si os homens de boa vontade. "E aquele que conhece a palavra de Deus e não vem em seu socorro no momento da violência, é exatamente igual àquele que se afastou do testemunho de sua Santidade Husayn, filho de Ali, em Karbilá. Eles são os infiéis". (Kitáb-"-Baynu'l-Haramayn). Deste modo, pelos interesses civis, de co-mum acordo com os interesses do clero. Nizámu'd-Dawlih e Shaykh Abú-Turáb, o Imam Jum'ih, concordaram que era necessário infligir ao ino-vador uma vergonha que o desacreditasse aos olhos do povo. Podia ser que desse modo as coisas se acalmassem". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Ali Muhammad dit le Báb", p. 229-30).

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seria melhor lhe ocultar a verdade e respondi que o gover-nador de Fars havia ordenado fazer certa investigação. Sor-ridente, observou: 'O governador mandou que Me prendes-seis. Aqui estou; fazei comigo o que quiserdes. Vindo ao vosso encontro, tenho encurtado a duração de vossa marcha e vos tornado mais fácil Me encontrar.' Fiquei atônito diante dessas palavras, maravilhando-me de sua candura e franque-za. Não pude explicar, porém, sua prontidão para se subme-ter, de sua própria vontade, à severa disciplina dos oficiais de governo e assim arriscar sua própria vida e segurança. Tentei ignorá-lo e me preparava para partir, quando se apro-ximou de mim e disse. 'Juro pela retidão Daquele que criou o homem, o distinguiu das demais de Suas criaturas e fêz seu coração o assento de Sua soberania e Seu conhecimento, que em toda a Minha vida nenhuma palavra pronunciei salvo a verdade e nenhum desejo tive, a não ser o bem-estar e progresso de Meus semelhantes. Tenho desdenhado Minha própria comodidade e evitado ser causa de dor ou tristeza para qualquer pessoa. Sei que Me estais buscando. Prefiro entregar-Me em vossas mãos antes de vos submeter, a vós e aos vossos companheiros, a um desnecessário aborrecimen-to por Minha causa.' Estas palavras comoveram-me profun-damente. Desmontei de meu cavalo instintivamente e beijan-do seus estribos a ele me dirigi nestas palavras: ' ó luz dos olhos do Profeta de Deus! Adjuro vos, por Aquele que vos criou e vos dotou de tão grande nobreza e poder, que aten-dais meu pedido e respondais à minha súplica. Imploro-vos que escapeis deste lugar e íujais da face de Husayn Khán, o governador impiedoso e vil desta província. Tenho pavor de suas maquinações contra vós; rebelo-me diante da idéia de ser feito o instrumento de seus maliciosos desígnios contra tão inocente e nobre descendente do Profeta de Deus. Meus companheiros são todos homens honrados. Sua palavra é sua fiança. Comprometer-se-ão a não trair vossa fuga. Solicito-vos, ide à cidade de Mashhad em Khurásán e evitai cair vítima à brutalidade desse lobo implacável.' A minha fervorosa sú-plica, deu ele esta resposta: 'Que o Senhor vosso Deus vos recompense por vossa magnanimidade e nobre intenção. Nin-guém conhece o mistério de Minha Causa; ninguém lhe pode

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sondar os segredos. Jamais volverei Minha face do decrete de Deus. Ele só é Minha Fortaleza segura, Meu Apoio e Meu Refúgio. Até que se aproxime minha última hora, ninguém se atreverá a Me agredir, ninguém poderá frustrar o plano do Todo-Poderoso. Quando tiver chegado Minha hora, que grande júbilo será Meu ao sorver o cálice do martírio em Seu Nome. Aqui estou; entregai-Me nas mãos de vosso mes-tre. Não tenhais receio, pois ninguém vos culpará.' Inclinei minha cabeça em consentimento e cumpri com seu desejo."

O Báb continuou imediatamente Sua viagem a Shíráz. Livre e sem correntes, andou em frente de Sua escolta, a qual O seguia em atitude de respeitosa devoção. Pela mágica de Suas palavras, havia Ele desarmado a hostilidade de Seus guardas e transmudado sua orgulhosa arrogância em humil-dade e amor. Ao chegarem na cidade, seguiram diretamente à sede do governo. Qualquer um que observasse a cavalgada, enquanto marchava pelas ruas, não podia deixar de se mara-vilhar ante esse espetáculo inusitado. Logo que Husayn Khán foi informado da chegada do Báb, chamou-O a sua presença. Recebeu-O com a maior insolência e mandou que ocupasse um assento à face dele no centro da sala. Repreendeu-O pu-blicamente e em linguagem insultante denunciou Sua con-duta. "Compreendes," protestou irosamente, "que grande transtorno tens acendido? Estais consciente da desgraça que viestes a ser para a santa Fé do Islã e para a pessoa augusta de nosso soberano? Não és o homem que pretende ser autor de uma nova revelação que anula os sagrados preceitos do Alcorão?" O Báb respondeu calmamente: " ' Se algum malvado vos trouxer notícias, esclarecerei o assunto prontamente, para que por ignorância não prejudiqueis aos outros e logo sejais constrangido a se arrepender daquilo que fizestes (12)."' Es-tas palavras inflamaram a ira de Husayn Khán. "O quê!" ex-clamou. "Atreves tu a nos atribuir maldade, ignorância e insensatez?" Virando-se para seu assistente, ordenou que ba-tesse no rosto do Báb. Tão violento foi o golpe, que o tur-bante do Báb caiu ao chão. Shaykh Abú-Turáb, o Imame-Jum'ih de Shíráz, que estava presente nessa reunião e que

(12) Alcorão 49:6.

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desaprovou fortemente a conduta de Husayn Khán, mandou colocar de novo o turbante na cabeça do Báb e O convidou a se sentar ao seu lado. Volvendo-se ao governador, o Ima-me-Jum'ih lhe explicou as circunstâncias relacionadas à re-velação do versículo do Alcorão que o Báb citara, tentando assim lhe acalmar a fúria. "Esse versículo que esse jovem citou," disse-lhe, "impressionou-me profundamente. Sinto que o caminho prudente é inquirir essa questão com grande cuidado e julgá-lo de acordo com os preceitos do Livro sa-grado." Husayn Khán consentiu prontamente e então Shaykh Abú-Turáb interrogou o Báb a respeito da natureza e do ca-ráter de Sua Revelação. O Báb negou a pretensão de ser o representante do prometido Qá'im ou o intermediário entre Ele e os fiéis. "Estamos completamente satisfeitos," respon-deu o Imame Jum'ih; "pediremos que vos apresenteis na sexta-feira no Masjid-i-Vakíl e publicamente proclames vossa negação." Quando Shaykh Abu-Turáb se levantou para sair na esperança de terminar a questão, Husayn Khán interveio, dizendo: "Exigiremos uma pessoa de reconhecido prestígio que pague fiança e dê garantia por ele e que empenhe sua palavra por escrito de que, se alguma vez no futuro esse jovem tentar por palavra ou ato prejudicar os interesses da Fé do Islã ou do governo deste país, imediatamente o entre-gará em nossas mãos e se considerará sob todas as circuns-tâncias responsável por sua conduta." Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, tio materno do Báb, que estava presente nessa reunião, con-sentiu atuar como fiador de seu Sobrinho Com seu próprio punho escreveu o compromisso, afixou-lhe seu selo, confir-mando-o pela assinatura de algumas testemunhas e o entre-gou ao governador. Com isso Husayn Khán deu ordem de que o Báb fosse entregue aos cuidados de Seu tio, com a condição de que, em qualquer momento em que o governa-dor o julgasse conveniente, Hájí Mírzá Siyyid 'Ali entregaria o Báb imediatamente em suas mãos.

Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, com o coração cheio de gratidão a Deus, conduziu o Báb a Sua casa e O entregou ao cari-nhoso cuidado de Sua reverenciada mãe. Regozijou-se com esta reunião de família e se sentiu profundamente aliviado pela libertação de seu estimado e precioso Parente das mãos

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daquele malicioso tirano. Na quietude de Seu próprio lar, o Báb levou por algum tempo uma vida de retiro sem pertur-bações. Ninguém, a não ser Sua esposa, Sua mãe e seus tios. tiveram qualquer contato com Ele. Entrementes os instiga-dores de distúrbios estavam diligentemente insistindo com Shaykh Abú-Turáb que chamasse o Báb ao Masjid-i-Vakíl, pois queriam exigir que cumprisse Sua promessa. Shaykh Abú-Turáb era conhecido como homem de caráter bondoso e de um temperamento e natureza que se assemelhavam, de um modo impressionante, ao caráter do falecido Mírzá Abu'l-Qásím, o Imame-Jum'ih de Teerã. Sentia-se muito pouco dis-posto a tratar com ultraje pessoas de reconhecida posição, especialmente se estas fossem residentes de Shíráz. Sentia instintivamente que era este seu dever, o qual observava de um modo consciencioso, sendo em conseqüência estimado universalmente pelo povo dessa cidade. Procurou, pois, me-diante respostas evasivas e repetidos adiamentos, aquietar a indignação da multidão. Viu, porém, que os instigadores de distúrbios e sedição estavam envidando todos os esforços para inflamar mais ainda os ressentimentos gerais que das massas se haviam apoderado. Sentiu-se obrigado, afinal, a dirigir a Hájí Mírzá Siyyid 'Ali uma mensagem confidencial, pedindo-lhe que trouxesse o Báb com ele na sexta-feira ao Masjid-i-Vakíl, a fim de que cumprisse a promessa que fizera. "É minha esperança," acrescentou, "que com a ajuda de Deus, as afirmações de vosso sobrinho possam aliviar a situação tensa, resultando disto vossa tranqüilidade, bem como a nossa própria."

O Báb, acompanhado por Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, chegou no Masjid numa ocasião em que o Imame-Jumlh acabava de ascender ao púlpito e se preparava para proferir seu ser-mão. Assim que seus olhos avistaram o Báb, deu-lhe publica-mente boas vindas, pediu-Lhe que subisse ao púlpito e soli-citou que se dirigisse à congregação. O Báb, respondendo a seu convite, aproximou-se dele e em pé no primeiro degrau da escada, preparou-se para dirigir a palavra ao público. "Suba mais," interviu o Imame-Jum'ih. De acordo com seu desejo, o Báb subiu mais dois degraus. Nesta posição, Sua cabeça escondia o peito de Shaykh Abú-Turáb, que ocupava

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a parte superior do púlpito. Começou com um discurso pre-liminar como prefácio para Sua declaração pública. Mal pronunciara as palavras introdutórias de "Louvado seja Deus. que em verdade criou os céus e a Terra," quando um certo Siyyid conhecido como Siyyid-i-Shish-Parí, cuja função era levar a clava diante do Imame-Jum'ih, gritou com toda inso-lência: "Basta esse palavrório fútil! Declara agora, imediata-mente, a coisa que pretendes dizer." O Imame-Jum'ih mos-trou-se extremamente ressentido ante a grosseria das palavras do siyyid. Repreendeu-o, dizendo: "Guarda silêncio e tem vergonha de tua impertinência." Volvendo-se, então, ao Báb, pediu-Lhe que fosse breve, pois isto, disse, acalmaria a exci-tação do povo. O Báb, enquanto se virava para a congregação, declarou: "Caia a condenação de Deus sobre aquele que me considera o representante do Imame ou sua porta. Que caia a condenação de Deus também sobre qualquer um que me acuse de haver negado a unidade de Deus, de haver repudia-do o grau profético de Maomé, o Selo dos Profetas, de haver rejeitado a verdade de qualquer um dos mensageiros de an-tanho ou recusado reconhecer a guardiania de 'Ali, Coman-dante dos Fiéis, ou de qualquer dos Imames que o tem suce-dido." Subiu então ao cume da escada, abraçou o Imame-Jum'ih e descendo ao piso térreo do Masjid, se juntou com a congregação para a observância da oração de sexta-feira. O Imame-Jum'ih interveio, pedindo-Lhe que se retirasse. "Vossa família," disse-Lhe, aguarda ansiosamente vosso re-gresso. Todos são apreensivos de que algum dano vos suceda. Voltai a vossa casa e lá oferecei vossa prece; de mérito maior será este ato aos olhos de Deus." Também, à petição do Imame-Jum'ih, Hájí Mírzá Siyyid 'Ali acompanhou seu so-brinho até sua casa. Esta medida de precaução que Shaykh Abú-Turáb achou prudente observar foi motivada pelo medo de que, uma vez dispersa a congregação, alguns dos malévo-los entre a multidão pudessem ainda tentar injuriar a pessoa do Báb ou Lhe por em perigo a vida. Não fossem a sagaci-dade, a simpatia e a cuidadosa atenção demonstradas pelo Imame Jum'ih, de um modo tão impressionante em várias ocasiões similares, o povo enfurecido, sem dúvida, teria sido levado a satisfazer seu desejo selvagem, cometendo os mais

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abomináveis excessos. Parecia ele ter sido o instrumento da Mão invisível incumbida de proteger tanto a pessoa como a Missão daquele Jovem (13).

O Báb conseguiu regressar a Sua casa e durante algum tempo no retiro do lar e em estreita associação com Sua fa-mília e parentes, pode levar uma vida de relativa tranqüili-dade. Naqueles dias celebrou o advento do primeiro Naw-Rúz desde que declarara Sua Missão. Esse festival caiu, na-quele ano, no décimo dia do mês de Rabí'u'1-Avval, 1261 A.H. (14)

Alguns entre aqueles que estiveram presentes nessa me-morável ocasião no Masjid-i-Vakíl e haviam escutado as afir-mações do Báb, foram profundamente impressionados pela maneira magistral com que esse Jovem, com Seus próprios esforços, sem ajuda, conseguira silenciar Seus formidáveis adversários. Pouco depois desse acontecimento, veio cada um deles a apreender a realidade de Sua Missão e lhe reconhe-cer a glória. Entre eles estava Shaykh 'Ali Mírzá, sobrinho deste mesmo Imame-Jum'ih, jovem que acabava de atingir a idade da maturidade. A semente plantada em seu coração cresceu e se desenvolveu até que no ano de 1267 A.H. (15), teve o privilégio de conhecer Bahá'u'lláh no Iraque. Essa vi-sita o fez transbordar de entusiasmo e júbilo. Voltando mui-to fortalecido a sua terra natal, reiniciou com redobrada energia seu trabalho pela Causa. Desde esse ano até o tempo presente tem ele perseverado em sua tarefa e atingido dis-tinção pela retidão de seu caráter e pela devoção de todo co-ração a seu governo e seu país. Recentemente chegou na Terra Santa uma carta dirigida por ele a Bahá'u'lláh, na qual expressa sua intensa satisfação pelo progresso da Causa na Pérsia. "Estou mudo de assombro," escreve ele, "ao contem-

(13) "Depois desta sessão pública provocada pela estupidez dos Mullás e que lhes atraiu numerosos partidários, profundos transtornos ocorreram em toda a Pérsia. O debate assumiu proporções graves de tal monta, que Muhammad Sháh enviou à Shiráz um homem em quem tinha absoluta confiança, para lhe enviar urn relatório de tudo que vira e compreendera. E'ste homem era Siyyid Yahyáy-i-Dárábí". (A. L. M. Nicolas "S<yy;d Ali Muhammad dit le Báb", p. 232-3).

(14) Marco de 1845 A. D. (15) 1850-51 A.D.

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plar as evidências do inconquistável poder de Deus manifes-tado entre o povo de meu país. Em uma terra que há anos persegue a Fé com tanta selvageria, um homem que há qua-renta anos é conhecido em toda a Pérsia como Bábí foi de-signado árbitro único num caso que envolve, por um lado, o Zillu's-Sultán, o filho tirânico do Xá e inimigo jurado da Causa, e por outro, Mírzá Fath 'Ali Khán, o Sáhib-i-Díván. Foi publicamente anunciado que qualquer que fosse o vere-dito deste bábí deveria ser aceito sem reservas por ambas as partes e imposto sem hesitação."

Um certo Muhammad-Karím, que se encontrava entre a congregação naquela sexta-feira, foi semelhantemente atraído pelo extraordinário comportamento do Báb naquela ocasião. O que viu e ouviu naquele dia levou a sua conversão ime-diata. A perseguição obrigou-o a sair da Pérsia para o Iraque, onde na presença de Bahá'u'lláh, continuou a aprofundar sua compreensão e sua fé. Mais tarde, foi mandado por Ele a retornar para Shíráz e se esforçar o mais possível para propagar a Causa. Ali permaneceu e labutou até o fim de sua vida.

Ainda outro foi Mírzá Áqáy-i-Rikáb-Sáz. Sentiu tão gran-de amor pelo Báb naquele dia que nenhuma perseguição, por mais severa e prolongada que fosse, pode abalar suas convicções ou obscurecer o esplendor de seu amor. Ele, tam-bém, atingiu a presença de Bahá'u'lláh no Iraque. Em res-posta às perguntas que fez atinentes à interpretação das Le-tras Inconexas do Alcorão e ao significado do versículo de Núr, foi favorecido com uma Epístola escrita expressamente, revelada pela pena de Bahá'u'lláh. Em Seu caminho sofreu, por mim, o martírio.

Entre eles estava também Mírzá Rahím-i-Khabbáz, que se distinguiu pela sua intrepidez e fogoso ardor. Até a hora de sua morte, não diminuiu seus esforços.

Hájí Abu'1-Hasan-i-Bazzáz que, como companheiro de via-gem do Báb durante Sua peregrinação a Hijáz, havia apenas vagamente reconhecido a sobrepujante majestade de Sua Missão foi, naquela sexta-feira memorável, profundamente comovido e de todo transformado. Tão grande amor sentiu pelo Báb que lágrimas de uma devoção sobrepujante fluiam

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continuamente de seus olhos. Todos que o conheciam admi-ravam sua retidão de conduta e lhe elogiavam a benevolên-cia e a candura. Ele, bem como seus dois filhos, provou pelas suas ações a tenacidade de sua fé e conquistou a esti-ma de seus correligionários.

Outro ainda daqueles que sentiram a fascinação do Báb naquele dia, foi o falecido Hájí Muhammad-Bisát, homem bem versado nos ensinamentos metafísicos do islã e grande admirador tanto de Shaykh Ahmad como de Siyyid Kázim. Era de um gênio bondoso e tinha o dom de um agudo senso de humor. Havia conquistado a amizade do Imame-Jum'ih, estava intimamente associado com ele e assistia fielmente à oração congregacional da sexta-feira.

O Naw-Rúz daquele ano, que anunciava o advento de uma nova primavera, era também simbólico daquele renas-cimento espiritual cujas primeiras vibrações já podiam ser discernidas por toda a extensão da terra. Um número con-siderável dentre os mais eminentes e eruditos do povo desse país emergiu da desolação invernal da negligência e foi vivi-fiçado pelo alento ressuscitador da recém-nascida Revelação. As sementes que a Mão da Onipotência havia plantado em seus corações germinaram até darem flores da mais pura e encantadora fragrância (16). À medida que a brisa de Sua

(16) "Seja como for a impressão causada em Shiráz foi tremen-da e todas as pessoas ilustres e religiosas se apinhavam ao redor de Ali Muhammad. Quando aparecia na mesquita era rodeado por todos. Quando subia no palanque todos faziam silêncio para escutá-lo. Seus discursos públicos nunca eram um ataque profundo ao Islã e respeita-vam a maioria das ramificações: no entanto eram discursos ousados e o clero não era lisonjeado; neles seus vícios eram cruelmente castigados. O destino triste e doloroso da humanidade era geralmente o tema e, vez por outra, havia algumas alusões cuja obscuridade irritava a apai-xonada curiosidade de uns, enquanto que enchia de orgulho outros já total ou parcialmente iniciados, o que dava às suas pregações um sabor e mordacidade tais, que o público crescia mais a cada dia e fazia com que em toda a Pérsia se começasse a falar de Alí-Muhammad. Os Mullás de Shiráz não esperaram que se produzisse todo esse alvoroço para se unirem contra seu jovem difamador. Desde suas primeiras aparições em público mandavam os mais hábeis Mullás com o fim de argumentar contra ele e confundi-lo. Estes debates públicos que levavam à efeito já chegavam às mesquitas, aos colégios, na presença do governador, de

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amorosa bondade e terna misericórdia soprava sobre estas flores, o poder penetrante de seu perfume difundiu-se em todas as direções sobre a face dessa terra. Penetrou até mes-mo além dos confins da Pérsia. Chegou a Karbilá e reanirnou as almas daqueles que esperavam ansiosos a volta do Báb a sua cidade. Pouco depois do Naw-Rúz, chegou via Basrih uma epístola na qual o Báb, embora tencionasse regressar de Hijáz à Pérsia via Karbilá, lhes informava da modifica-ção em Seu plano e da conseqüente impossibilidade de cum-prir Sua promessa. Disse-lhes que seguissem a Isfáhán e lá permanecessem até receberem mais instruções. "Se Nos pa-recer aconselhável," acrescentou, "pediremos que sigam a Shíráz; se não, demorai-vos em Isfáhán até o momento em que Deus vos dê a conhecer Sua vontade e guia."

chefes militares, do clero, do povo, enfim, de todo mundo ao invés de beneficiar os sacerdotes, não deixou de contribuir a difundir e exaltar as suas expensas o renome de Ali Muhammad. É indubitável que vencia seus contraditores; os condenou com o Alcorão na mão, o que não era muito difícil. Era para ele um jogo mostrar para a multidão, que os conheciam bem, até que ponto suas condutas, seus preceitos e ainda seus dogmas estavam em contradição flagrante com o Livro, de modo que eles não podiam rebater. Com ousadia e exaltação extraordinárias, denunciava, sem contemplação alguma, sem nenhuma preocupação com as convenções ordinárias, os vícios de seus antagonistas e, depois de lhes provar sua infidelidade com a doutrina que pregavam, desacreditava-os em suas vidas e os julgava na cara ou coroa com indignação ou o des-prezo dos assistentes. O palco de Shíráz, estes começos de suas prega-ções causavam tão profunda emoção que os muçulmanos ortodoxos que as assistiram guardavam uma recordação indelével e não falavam dela senão com uma espécie de terror. Todos estavam de acordo que a elo-qüência de Ali Muhammad era de natureza inconrparável. Mal o jovem teólogo aparecia em público logo era cercado por um grupo numeroso de partidários. Sua casa vivia cheia. Não ensinava só nas mesquitas e colégios, ensinava também em sua casa, principalmente às tardes, reti-rado num quarto, para a nata de seus admiradores, que ele descobria ante seus olhos uma doutrina que todavia não estava totalmente reso-luta para ele mesmo. Parecia que, no início, foi especialmente a parte polêmica que o preocupava mais que a dogmática e não havia nada mais natural. Em suas conferências secretas, suas ousadias, muito mais numerosas que em público, se faziam maiores a cada dia e tendiam em forma tão evidente a um transtorno completo do Islã que serviam muito bem como introdução a uma nova profissão de fé. A pequena congre-gação era ardente, ousada, arrebatada, fanatízada no verdadeiro sen-tido e no sentido elevado da palavra, que cada um de seus membros

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A chegada desta informação inesperada criou considera vel comoção entre aqueles que haviam ansiosamente espera-do a vinda do Báb a Karbilá. Isso agitou suas mentes e pos a prova sua lealdade. "E Sua promessa a nós?" sussurraram alguns dos descontentes entre eles. "Considera Ele a violação de Sua promessa como a interposição da vontade de Deus?" Os outros, diferentes desses irresolutos, tornaram-se mais firmes em sua fé e com determinação aumentada aderiram à Causa. Fiéis a seu Mestre, responderam jubilosamente a Seu convite, não levando em conta as críticas e os protestos daqueles que haviam vacilado em sua fé. Partiram para Is-fáhán, determinados a cumprir qualquer que fosse a vontade e o desejo de seu Bem-Amado. Juntaram-se a eles alguns de seus companheiros que ocultaram seus sentimentos, embora sua fé estivesse gravemente abalada. Mírzá Muhammad-'Aliy-i-Nahrí, cuja filha foi subseqüentemente unida em matrimô-nio com o Maior Ramo, e Mírzá Hádí, irmão de Mírzá Mu-

não considerava a si mesmo para nada e estava desejoso de sacrificar sangue e dinheiro pela causa da verdade." (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale" pp. 120-122). "O Báb começava agora a reunir um grupo de devotos aderentes. Pareça que se destacava por seus costumes sensíveis e atraente suavidade assim como seu porte de extraordinário encanto. As pessoas se sentiam im-pressionadas por seus conhecimentos e a penetrante eloqüência de suas palavras. Seus escritos ainda que parecessem de pouco brilho à Gob;-neau, no entanto eram muito admirados pelos persas devido a beleza P elegância de seu estilo e produziram sensação em Shíráz. Quando en-trava numa mesquita se via rodeado e quando subia no púlpito se fazia silêncio." (Sir Prancis Younghusband: "The Gleam" p. 194). "A mo-ralidade pregada por um jovem na idade em que as paixões superavam tinha um efeito extraordinário sobre uma assistência composta por gente religiosa até o fanatismo, especialmente quando as palavras do pregador estavam em perfeita harmonia com suas ações. Ninguém du-vidava da continência nem da rigidez de Karbiláí Siyyid Alí-Muham-mad: falava pouco, estava constantemente pensativo e na maior parte do tempo se afastava dos homens, o que aumentava ainda ma;s a curio-sidade; se o buscava em toda parte". (Journal Asiatique 1866, torno 7.

p. 341). "Pela moralidade de sua vida o jovem Siyyid servia de exemplo aos que o rodeavam. Também o escutavam com agrado porque em dis-cursos ambíguos e entrecortados, falava contra os abusos que reinavam em todas as classes sociais. Repetiam suas palavras amp!iando-as; fa-lava-se dele como verdadeiro mestre e se entregavam a ele sem reserva alguma". (Idem).

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hammad-'Alí, ambos residentes de Isfáhán, encontravam-se entre aqueles companheiros cuja visão da glória e sublimi-dade da Fé não pode ser obscurecida pelas dúvidas expressas pelos malévolos sussurr adores. Também se encontrava entre eles um certo Muhammad-i-Haná-Sáb, outro residente de Isfáhán, atualmente servindo na casa de Bahá'u'lláh. Alguns destes firmes companheiros do Báb participaram na grande luta de Shaykh Tabarsí e, milagrosamente, escaparam ao trá-gico destino de seus irmãos caídos.

No caminho a Isfáhán encontraram, na cidade de Kan-gávár, Mullá Husayn com seu irmão e sobrinho, que foram seus companheiros em sua visita anterior a Shíráz e que iam a Karbilá. Ficaram muito contentes por causa deste inesperado encontro e a Mullá Husayn pediram que prolon-gasse sua estada em Kangávár, ao que ele prontamente ce-deu. Mullá Husayn, que, enquanto nessa cidade, dirigia os companheiros do Báb na oração congregacional de sexta-feira, era tido em tão grande estima e reverência pelos seus co-discípulos, que alguns daqueles presentes que mais tarde em Shíráz, revelaram sua deslealdade à Fé, estavam incita-dos com inveja, Entre eles estavam Mullá Javád-i-Baraghání e Mullá 'Abdu'l-'Alíy-i-Harátí, ambos dos quais fingiram sub-missão à Revelação do Báb na esperança de satisfazer sua ambição de serem dirigentes. Ambos se esforçaram secre-tamente para minar a posição invejável alcançado por Mullá Husayn. Com suas sugestões e insinuações se esforçaram persistentemente para lhe desafiar a autoridade e desonrar seu nome.

Tenho ouvido Mírzá Ahmad-i-Kátib mais conhecido na-queles dias como Mullá 'Abdu'1-Karím, que fora o compa-nheiro de viagem de Mullá Javád de Qazvín relatar o seguin-te: "Mullá Javád em sua conversação comigo se referia mui-tas vezes a Mullá Husayn. Suas repetidas observações depre-ciadoras, expressas em linguagem astuciosa, impeliram-me a cessar minha associação com ele. Cada vez que eu determi-nava cortar minhas relações com Mullá Javád, era impedido por Mullá Husayn que, descobrindo minha intenção, me aconselhava a que exercesse para com ele tolerância. A associação de Mullá Husayn com os companheiros leais do

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Báb muito lhes aumentou o zelo e entusiasmo. Foram bene-ficiados pelo seu exemplo e sentiram admiração profunda pelas brilhantes qualidades de sua mente e coração que dis tinguiam esse tão eminente co-discípulo."

Mullá Husayn decidiu unir-se a companhia de seus ami-gos e com eles seguir a Isfáhán. Viajando só, à distância de aproximadamente um farsang (17) na frente dos compa-nheiros, logo que parava ao anoitecer a fim de oferecer suas orações, era alcançado por eles e em sua companhia com-pletava suas devoções. Era o primeiro a reiniciar a viagem, sendo outra vez alcançado por aquele devotado grupo na hora do alvorecer, quando novamente interrompia sua mar-cha para oferecer sua oração. Só ao ser instado pelos ami-gos, consentia observar a forma congregacional de adoração. Em tais ocasiões seguia, algumas vezes, a direção de um de seus companheiros. Tal era a devoção que ele acendera nesses corações, que alguns de seus companheiros de viagem des-montavam de seus corcéis e oferecendo-os àqueles que via-javam a pé, eles mesmos o seguiam, totalmente indiferentes às durezas e fadigas da marcha.

Quando das cercanias de Isfáhán se aproximavam, Mullá Husayn, receando que a repentina entrada de tão grande grupo de pessoas excitasse a curiosidade e suspeita dos ha-bitantes, aconselhou que os que com ele viajavam se disper-sassem e entrassem pelos portões em grupos pequenos que não chamassem atenção. Poucos dias após sua chegada, veio-lhes a notícia de que em Shíráz reinava um estado de vio lenta agitação, que toda espécie de contato com o Báb fora proibida e que sua planejada visita a essa cidade incorreria no mais grave perigo. Mullá Husayn, não amedrontado por essa repentina informação, decidiu seguir a Shíráz. Permitiu que apenas poucos de seus companheiros de confiança sou-bessem de sua intenção. Pondo de lado seus mantos e tur-bantes e usando o jubbih (18) e kuláh do povo de Khurásán. disfarçou-se como cavaleiro de Hizárih e Qúchán e acompa-nhado por seu irmão e seu sobrinho, partiu numa hora ines-

(17) Ver glossário (volume I I ) . (18) Ver glossário (volume I I ) .

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perada, para a cidade de seu Bem-Amado. Ao se aproximai do portão, instruiu seu irmão que na calada da noite proce-desse à casa do tio materno do Báb e lhe pedisse informar ao Báb de sua chegada. No dia seguinte Mullá Husayn rece-beu a grata notícia de que Hají Mírzá Siyyid 'Ali o esperaria uma hora após o por do sol fora do portão da cidade. Mullá Husayn na hora marcada encontrou-se com ele e foi condu-zido a sua casa. Em várias ocasiões, à noite, o Báb honrava com Sua presença essa casa e continuava em íntima associa-ção com Mullá Husayn até o despontar do dia. Pouco depois, deu permissão a os Seus companheiros que se haviam reu-nido em Isfáhán, para partirem gradualmente para Shíráz e lá esperarem até que Seu encontro com eles fosse viável. Advertiu-lhes que exercessem a máxima vigilância e os ins-truiu de entrarem poucos de cada vez pelos portões da ci-dade imediatamente após sua chegada, se dispersassem para os alojamentos reservados para viajantes e aceitassem qual-quer emprego que pudessem achar.

O primeiro grupo a alcançar a cidade e encontrar com o Báb, poucos dias após a chegada de Mullá Husayn, com-punha-se de Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Nahrí, Mírzá Hádí, seu irmão; Mullá 'Abdu'1-Karím-i-Qazvíní Mullá Javád-i-Baraghání Mullá 'Abdu'l-'Alíyi-i-Harátí e Mírzá Ibráhím-i-Shírází. Durante sua associação com Ele, os três últimos do grupo traíram gradualmente sua cegueira de coração e demonstraram a vi-leza de seu caráter. As múltiplas evidências do crescente fa-vor mostrado pelo Báb para com Mullá Husayn provocaram essa ira e avivaram as brasas candentes do ciúme. Em sua impotente fúria, recorreram às armas abjetas da fraude e da calúnia. Não podendo de início manifestar abertamente sua hostilidade a Mullá Husayn, por todos os meios artificiosos tentaram enganar as mentes e esfriar o afeto de seus devo-tados admiradores. Sua conduta indigna alienou a simpatia dos crentes e precipitou sua separação da companhia dos fiéis expulsos do seio da Fé; por suas próprias ações coliga-ram-se com os inimigos declarados da Fé' e proclamaram sua rejeição total de suas pretensões e princípios. Tão grande foi o alvoroço que incitaram entre o povo dessa cidade que fo-ram finalmente expulsos pelas autoridades civis, que igual-

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mente detestavam e temiam suas maquinações. O Báb em uma Epístola na qual se estende sobre suas intrigas e mal-dades, comparou-os ao bezerro dos Sámirí, o bezerro que nem voz nem alma tinha, que era tanto a obra vil e o objeto da adoração de um povo refratário. "Que Tua condenação, ó' Deus!" escreveu Ele referindo-se a Mullá Javád e Mullá 'Abdu'l-'Alí, "caia sobre o Jibt e o Tághút (19), os ídolos gê-meos deste povo perverso." Todos os três seguiram subse-qüentemente a Kirmán e se uniram com Hájí Mírzá Muham-mad Karím Khán, cujos desígnios eles apoiaram e a veemên-cia de cujas denúncias trataram de reforçar.

Uma noite, após sua expulsão de Shíráz, o Báb, que es-tava visitando a casa de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, para onde havia chamado Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Nahrí, Mírzá Hádí e Mullá 'Abdu'1-Karím-i-Qazvíní para encontrarem com Ele, vól-veu-se de súbito para este último e disse: '"Abdu'1-Karím, estás buscando o Manifestante?" Estas palavras, pronuncia-das com calma e ternura extrema, tiveram sobre ele um efeito espantoso. Empalideceu diante desta repentina inter-rogação e se desfez em lágrimas. Prostrou-se aos pés do Báb em estado de agitação profunda. O Báb tomou-o afetuosa-mente em Seus braços, beijou-lhe a fronte e o convidou a sentar-se a Seu lado. Em um tom de terno carinho, pode lhe tranqüilizar o tumulto do coração.

Assim que chegaram em sua casa, Mírzá Muhammad-'Alí e seu irmão inquiriram a Mullá 'Abdu'1-Karím a razão da violenta perturbação que dele subitamente se apoderara. "Escutai-me," respondeu, "e vos relatarei a história de uma estranha experiência, uma história que com ninguém até agora partilhei. Ao atingir a idade da maturidade enquanto vivia em Qazvín, senti um desejo profundo de desvendar o mistério de Deus e apreender a natureza de Seus santos e profetas. Compreendi que nada, a não ser a aquisição de conhecimentos, me permitiria alcançar meu objetivo. Con-seguindo obter o consentimento de meu pai e meus tios para abandonar meu negócio, mergulhei de imediato em es-tudo e pesquisa. Ocupei um quarto num dos madrisihs de

(19) Alcorão 4:50.

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Qazvín e concentrei os esforços na aquisição de todos os ramos disponíveis do conhecimento humano. Freqüentemen-te discutia com os condiscípulos o conhecimento que adqui-ria, procurando por este meio enriquecer minha experiência. À noite, eu me recolhia à minha morada e n j retiro de mi-nha biblioteca, dedicava muitas horas ao estudo ininterrupto. Tão imerso estava em minhas fainas que me tornei indife-rente tanto para sono como para fome. Dentro de dois anos resolvera dominar todas as complexidades da jurisprudên-cia e teologia muçulmanas. Assistia fielmente às conferências de Mullá 'Abdu'1-Karím-i-Iravání quem, naquele tempo, era considerado o sacerdote de maior destaque era Qazvín. Grande admiração senti por seus vastos conhecimentos, sua piedade e virtude. Todas as noites durante o período em que era seu discípulo, dedicava meu tempo a escrever um trata-do que lhe submeti e que ele, com cuidado e interesse, re-visou. Parecia estar muito satisfeito com meu progresso e com freqüência elogiava minhas altas realizações. Um dia, na presença de seus discípulos reunidos, declarou. O erudito e sagaz Mullá 'Abdu'1-Karím já se qualificou para expor com autoridade as sagradas Escrituras do Islã. Não mais neces-sita ele assistir minhas classes, nem as de meus colegas. Ce-lebrarei — Deus querendo — sua elevação ao grau de mujta-hid na manhã da sexta-feira vindoura e lhe entregarei seu certificado após a oração congregacional.

Mal havia MuFá 'Abdu'1-Karím i-Iravárú dito esta pala-vra e partido, quando seus discípulos se aproximaram de mim e me felicitaram calorosamente por minhas realizações. Sentindo-me muito feliz, regressei à minha casa. Ao chegar, descobri que tanto meu pai como meu tio mais velho, Hájí Husayn-'Alí, que eram ambos tidos em grande estima em todo Qazvín, estavam preparando uma festa em minha honra, com a qual era sua intenção celebrar o término de meus estudos. Pedi-lhes que adiassem o convite feito às notabili-dades de Qazvín até novo aviso de minha pane. Prontamente consentiram, acreditando que eu em vista de minha ânsia por esse festival, não o haveria de adiar excessivamente. Nessa noite me recolhi à minha biblioteca e na reclusão de meu quarto, ponderei em meu coração os seguintes pensa-

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mentos: Não havias imaginado enternecidamente — disse comigo mesmo — que só os santificados de espírito pudes-sem esperar jamais atingir o grau de autorizado expositor das sagradas Escrituras do Islã? Não era sua crença que qualquer um atingisse esse grau estaria imune ao erro? Não estás já incluído no número dos que gozam desse grau? Não foste reconhecido como tal e assim declarado pelo mais dis-tinguido sacerdote de Qazvín? Sê justo. Consideras tu em teu próprio coração que tenhas atingido aquele estado de pureza e sublime desprendimento que, em dias passados, jul-gavas ser os requisitos para quem aspirasse a alcançar tão exaltada posição? Pensas tu que estás livre de toda mácula de desejo egoísta? Enquanto sentava refletindo, vinha se apo-derando de mim, pouco a pouco, uma compreensão de pró-prio desmerecimento. Reconheci que era ainda vítima de preo-cupações e perplexidades, de tentações e dúvidas. Sentia-me oprimido por tais pensamentos como estes: de que modo deveria eu conduzir minhas classes, como dirigir minha con-gregação na oração, como fazer cumprir as leis e preceitos da Fé. Sentia contínua ansiedade sobre o desempenho de meus deveres, não sabendo como assegurar a superioridade de minhas realizações sobre as de meus predecessores, So-breveio-me tão forte sentimento de humilhação que me senti impelido a procurar perdão de Deus. Teu objetivo em adqui-rir todos esses conhecimentos, pensava comigo, foi desvendar o mistério de Deus e atingir o estado da certeza. Sê justo. Tens certeza de tua própria interpretação do Alcorão? Estás certo de que as leis que promulga refletem a vontade de Deus? Revelou-se de repente em minha consciência meu erro. Percebi pela primeira vez como a ferrugem da erudição me havia corroído a alma e obscurecido a visão. Lamentei meu passado e deplorei a futilidade de meus esforços. Sabia que as pessoas de minha própria posição estavam sujeitas às mesmas aflições. Logo que haviam adquirido essa chama-da erudição, se diziam os expositores da lei do islã e a si próprios arrogavam o exclusivo privilégio de se pronunciar sobre sua doutrina.

"Permaneci absorto em meus pensamentos até o alvore-cer, nem me alimentando nem dormindo durante aquela noi-

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te. Às vezes comungava com Deus: "Tu me ves, o' meu Senhor e percebes o apuro em que estou. Sabes que outro desejo não alimento senão Tua santa vontade e Teu Beneplácito. Confundo-me completamente ao pensar na multidão de sei-tas em que se tem dividido Tua santa Fé. Torno-me profun-damente perplexo quando contemplo os cismas que desgar-raram as religiões do passado. Queres Tu me guiar em minhas perplexidades e me aliviar de minhas dúvidas? Onde havereis de me volver para consolo e guia? Chorei tão amargamente nessa noite que parecia haver perdido a consciência? Afigu-roü-se-me de súbito a visão de uma grande reunião de pes-soas, a expressão de cujas faces radiantes profundamente me impressionou. Uma figura nobre, usando as vestes de um siyyid, ocupava um assento no púlpito frente à congregação. Estava expondo o significado deste sagrado versículo do Al-corão: "Quem fizer esforços por Nós, em Nossos caminhos Nós o guiaremos." Fascinava-me Sua face. Levantei-me, ia me aproximando dele e estava prestes a lançar-me a seus pés quando, repentinamente, aquela visão se desvaneceu. Meu co-ração inundou-se de luz. Indescritível era meu júbilo.

"Imediatamente decidi consultar Hájí Alláh-Vardí, pai de Muhammad-Javád-i-Farhádí, homem conhecido em todo Qaz-vín pela sua profunda intuição espiritual. Quando lhe relatei minha visão, sorriu e com precisão extraordinária me des-creveu as feições distintivas do siyyid que me havia apareci-do. 'Essa nobre figura,' acrescentou, 'outro não foi, senão Hájí Siyyid Kázím-i-Rashti, que se encontra agora em Kar-bilá e se vê todos os dias expondo aos discípulos os sagrados ensinamentos do islã. Os que lhe ouvem o discurso sentem-se refrescados e edifiçados por aquilo que diz. Jamais po-derei descrever a impressão que suas palavras exercem so-bre seus ouvintes.' Alegremente me levantei e expressando-lhe meus sentimentos de profunda apreciação, retirei-me para minha casa e iniciei de imediato minha viagem a Kar bilá. Meus antigos condiscípulos vieram e me instaram que visitasse pessoalmente o sábio Mullá 'Abdu'1-Karím, que ex-pressara o desejo de me encontrar, ou que eu lhe permitisse vir à minha casa. 'Sinto o impulso,' respondi, 'de visitar o santuário do Imame Husayn em Karbilá. Fiz votos de iniciar

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imediatamente essa peregrinação. Não posso adiar minha par tida. Se for possível, visitá-lo-ei por alguns momentos quando de saída da cidade. Se eu não puder, quereria lhe pedir que me desculpasse e orasse por mim, para que eu seja guiado no caminho reto.'

"Confidencialmente informei meus parentes da natureza de minha visão e de sua interpretação. Avisei-lhes de minha projetada visita a Karbilá. Minhas palavras a eles nesse mes-mo dia instilaram em seus corações amor a Siyyid Kázím. Sentiram-se muito atraídos a Hájí Alláh-Vardí, associaram-se livremente com ele e se tornaram seus fervorosos admira-dores."

"Meu irmão, 'Abdu'1-Hamid (que mais tarde sorveu a taça do martírio em Teerã), acompanhou-me em minha via-gem a Karbilá. Ali encontrei com Siyyid Kázím e me mara-vilhei ao ouvi-lo dissertar aos discípulos reunidos sob exata-mente as mesmas circunstâncias em que me aparecera em minha visão. Atônito fiquei quando descobri ao chegar, que ele estava expondo o significado do mesmo versículo que ele, quando apareceu a mim estava explicando aos discípulos. Ao me sentar e ouvi-lo, senti-me profundamente impressionado pela força de seu argumento e pela profundidade de seus pensamentos. Ele me recebeu amavelmente e me mostrou a maior bondade. Tanto meu irmão como eu sentíamos uma alegria interior que jamais havíamos experimentado. Na hora do alvorecer, nós nos apressávamos a sua casa e o acompa-nhávamos em sua visita ao santuário do Imame Husayn.

"Passei o inverno inteiro em estreita associação com ele. Durante todo aquele período, assistia fielmente as suas clas-ses. Cada vez que escutava uma palestra sua, eu o ouvia descrever um aspecto especial da manifestação do prometido Qá'im. Constituía este o tema único de seus discursos. Qual-quer o versículo ou a tradição que por acaso estivesse ex-pondo, concluía seu comentário invariavelmente com uma re-ferência especial ao advento da prometida Revelação. 'O Prometido,' declarava ele aberta e repetidamente, 'vive no meio desse povo. A hora designada para Seu aparecimento aproxima-se rapidamente. Preparai-Lhe o caminho e vos pu-rificai para que possais reconhecer Sua beleza. Antes de mi-

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nha partida deste mundo não se revelará o Sol de Seu sem-blante. Depois de eu partir devereis levantar-vos em Sua busca. Não devereis descansar, nem por um momento se-quer, até que O encontreis.'

"Após a celebração do Naw-Rúz, Siyyid Kázim ordenou que eu partisse de Karbilá. "Fique seguro, ó' 'Abdu'1-Ka-rím," foram suas palavras a mim enquanto se despedia, "és dos que, no Dia de Sua Revelação, se levantarão para o triun-fo de Sua Causa. Espero que te lembres de mim nesse Dia abençoado.' Eu lhe roguei que me permitisse permanecer em Karbilá, argüindo que meu regresso a Qazvín incitaria a ini-mizade dos muilás daquela cidade. 'Que ponhas toda a tua confiança em Deus,' foi sua resposta. 'Ignore totalmente suas maquinações. Ocupa-te no comércio e podes ter certeza de que seus protestos jamais poderão causar dano.' Segui esse conselho e com meu irmão parti para Qazvín, Imediatamente após minha chegada, incumbi-me de cumprir os conselhos de Siyyid Kázím. Com as instruções que ele me havia dado, pude silenciar todos aqueles que maliciosamente me fizeram oposição. Dedicava meus dias às transações comerciais; à noite me retirava à minha casa e na quietude de meu apo-sento consagrava meu tempo à meditação e prece. Com olhos lacrimosos, comungava com Deus e Lhe suplicava, dizendo. "Tu, pela boca de Teu servo inspirado, prometeste que eu atingiria Teu Dia e contemplaria Tua Revelação. Por seu intermédio me tens assegurado que estarei entre aqueles que se levantarão para o triunfo de Tua Causa. Por quanto tempo me negarás o cumprimento de Tua promessa? Quando ha-verá de me ser descerrada a porta de Tua graça, pela mão de Tua misericórdia, e me conceder Tua bênção eterna?" Toda noite repetia esta oração, continuando minhas súplicas até o amanhecer.

Numa noite, na véspera do dia de 'Arafih, no ano de 1255 A.H. (20), estava tão absorto em oração que eu pare-ci? haver caído em transe. Apareceu diante de mim um pás-saro, branco como a neve, que pairou sobre minha cabeça e pousou num renovo de uma árvore a meu lado. Em acentos

(20) A noite antes de 13 de fevereiro de 1840 A. D.

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de indescritível doçura, esta ave proferiu estas palavras: 'estás buscando o Manifestante, ó' 'Abdul-Karím? Eis, o ano 60.' Imediatamente após, a ave voou e se desvaneceu. O mis-tério dessas palavras agitou-me profundamente. A memória de beieza dessa visão perdurou em minha mente por muito tempo. Parecia-me que havia saboreado todos os deleites do Paraíso. Meu júbLo era irreprimível.

"A mensagem mística dessa ave penetrara minha alma e estava continuamente em meus lábios. Sem cessar a re-volvia na mente. Com ninguém a compartilhei, receiando que sua o.oçura me abandonasse. Poucos anos depois o Charr.ndo de Shíráz chegou a meus ouvidos. No dia em que o ouvi. apressei me a ir àquela cidade. No caminho, em Teerã, en-contrei com Mullá Muhammad-i-Mu'allim, quem me deu a conhecer a natureza desse Chamado e me informou que aque-les que a haviam reconhecido estavam reunidos em Karbilá, esperando o regresso de seu Líder de Hijáz. De imediato parti para essa cidade. De Hamadán para meu profundo pe-sar, Mullá Javád i-Baraghání me acompanhou a Karbilá, onde foi meu privilégio conhecer a vós bem como aos demais crentes. Continuei a entesourar dentro de meu coração a estranha mensagem que me fora transmitida por aquela ave. Quando subseqüentemente atingi a presença do Báb e de Seus lábios ouvi as mesmas palavras, pronunciadas no mes-mo tom e linguagem nos quais as ouvira, compreendi seu significado. A tal ponto me arrebataram seu poder e sua gló-ria que caí instintivamente a Seus pés e Lhe magnifiquei o Nome."

Nos primeiros dias do ano de 1265 A.H .(21), com a idade de dezoito anos, parti de minha aldeia natal de Zarand para Qum, onde conheci por acaso, Siyyid Ismá'il-i-Zavári'í, de sobrenome Dhabíh, quem mais tarde, enquanto em Bagdá, ofereceu sua vida em holocausto no caminho de Bahá'u'lláh. Por seu intermédio, vim a reconhecer a nova Revelação Es-tava ele se preparando para partir nessa ocasião para Mázin-darán, havendo resolvido unir-se com os heróicos defensores do forte de Shaykh Tabarsí. Tencionara levar-me com ele,

(21) 1848 A. D.

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como também a Mírzá Fathu'lláh-i-Hakkák, jovem de minha idade, que residia em Qum. Como circunstâncias interferi-ram com seu plano, ele prometeu, antes de sua partida, que comunicaria conosco de Teerã e nos pediria que nos reunís-semos a ele. Durante sua conversa com Mírzá Fathú-lláh e comigo, relatou-nos a maravilhosa experiência de Mullá 'Abdu'1-Karím. Apoderou-se de mim um ardente desejo de conhecê-lo. Quando subseqüentemente cheguei em Teerã en-contrei com Siyyid Ismá'íl no Madrisih-i-Dáru'sh-Shafáy-i-Masjid-i-Sháh, fui por ele apresentado a esse mesmo Mullá 'Abdu'1-Karím, que morava então no mesmo madrisih. Na-queles dias fomos informados de que a luta em Shaykh Ta-barsí havia terminado e que aqueles companheiros do Báb reunidos em Teerã que tencionavam unir-se a seus irmãos, haviam regressado cada um a sua própria província, impos-sibilitados de alcançar sua meta. Mullá 'Abdu'1-Karím per-maneceu na capital, onde dedicou seu tempo à transcrição do Bayán Persa. Nossa estreita associação nesse tempo ser-viu para aprofundar meu amor e admiração por ele. Sinto ainda, após o transcurso de trinta e oito anos desde nossa primeira entrevista em Teerã, o calor de sua amizade e a veemência de sua fé. Meus sentimentos de afetuosa conside-ração por ele tem me levado a referir-me extensamente as circunstâncias dos primeiros anos de sua vida, culminando naquilo que se pode ver como o ponto crítico de toda a sua carreira. Oxalá sirva, por sua vez, para despertar o leitor, a fim de que perceba a glória desta momentosa Revelação.

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CAPÍTULO IX A ESTADA DO BÁB EM SHÍRÁZ APÓS

A PEREGRINAÇÃO

(Continuação)

Pouco depois da chegada de Mullá Husayn em Shíráz, a voz do povo levantou-se novamente em protesto contra ele. O receio e a indignação da multidão foram excitados pelo conhecimento de sua contínua e estreita associação com o Báb. 'Ele veio outra vez a nossa cidade,' vociferaram, "outra vez ele levantou o estandarte da revolta e, juntamente com seu chefe, está pensando em fazer um ataque ainda mais feroz contra nossas instituições seculares." Tão grave e amea-çadora se tornou a situação que o Báb deu instruções a Mullá Husayn que regressasse via Yazd para sua província natal de Khurásán. De modo igual despediu o resto de Seus companheiros que se haviam reunido em Shíráz, mandan-do-os voltarem a Isfáhán. Deixou permanecer com Ele Mullá 'Abdu'1-Karím, a quem designou a tarefa de transcrever Seus escritos.

Essas medidas cautelosas que o Báb considerou pruden-te tomar, aliviaram-No do perigo imediato de violência por parte do povo enfurecido de Shíráz e serviram para prestar um novo ímpeto à propagação de Sua Fé além dos limites dessa cidade. Seus discípulos que se haviam espalhado por toda parte do país, proclamaram intrepidamente à multidão de seus patrícios o poder regenerador da recém-nascida Re-velação. A fama do Báb havia sido difundida largamente, al-

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cangando os ouvidos daqueles que ocupavam os mais altos postos de autoridade, tanto na capital como em toda parte das províncias (1). Uma onda de apaixonada busca dominava as mentes e os corações tanto dos líderes como das massas do povo. Espanto e admiração haviam se apoderado daqueles que ouviram dos lábios dos mensageiros próximos do Báb a relação dos sinais e testemunhos que haviam anunciado o nascimento de Sua Manifestação. Os dignitários de Estado e da Igreja, ou assistiram pessoalmente ou delegaram seus mais capazes representantes para investigarem a verdade e o caráter deste extraordinário Movimento.

O próprio Muhammad Sháh (2) sentiu-se impelido a se certificar da veracidade dessas informações e investigar sua natureza. Delegou Siyyid Yahyáy-i-Dárábí (3), o mais sábio,

(1) "O Babismo tinha numerosos adeptos em todas as classes sociais e muitos deles eram de grande importância; homens da socie-dade, membros do clero, militares e comerciantes haviam abraçado esta doutrina". (Journal Asiatique, 1866, tomo 8, p. 251).

(2) Ver "Genealogia da Dinastia Qájár" no princípio deste livro. (3) Sobre ele, 'Abdú'1-Bahá escreveu o seguinte: "Este homem

extraordinário, esta alma preciosa, havia memorizado nada menos de trinta mil traduções e era t;do na mais alta estima e admirado por todas as classes. Alcançou renome universal na Pérsia e sua autoridade e eru-dição eram ampla e plenamente reconhecidos'. (De um manuscrito que se referia aos martírios na Pérsia).

Este homem nasceu, como indica seu nome, em Daráb, perto de Shiráz, Seu pai, Siyyid Ja'far, chamado Kashfí, era um dos ulemás mais destacados e célebres da época. Suas elevadas condições morais, seu; caráter e seus costumes puros haviam atraídos est:maçf,o e considera-ção universais: sua ciência lhe conferiu o glorioso apelido de Kashfí que significa aquele que descobre e. neste caso, o que descobre e ex-plica os segredos divinos. Edur-ado por ele, seu filho não tardou a iffnalá-lo em todos os aspectos: compartilhava amplamente o fator que gozava de seu pai e se dirigiu à Teerã precedido por seu renome e popularidade. Nessa cidade foi hóspede do príncipe Tahmásp Mirzá Mu"ayyadu'd-Dawlih, neto de Fath-Alí-Sháh, por seu pai Muhammad'-Alí Mirzá. O próprio governo rendeu homenagens à sua ciência e em mais de uma ocasião consultou-o em c'rcunstânc'as difíceis. Foi cogita-do por Muhammad Sháh e Hájí Mirzá Aqasí quando quizeram encontrar um emissário honrado cuja fidelidade não fosse duv;dosa". (A. L. M. Nicolas "S;yyid Ali Muhammad dit le Báb", p. 233).

"Enquanto se desenvolviam estes acontecimentos no norte da Pérsia, as províncias do centro e do sul ficaram profundamente agitadas pela inflamada pregação dos missionários da nova doutrina. O povo, super-

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o mais eloqüente e o de maior prestígio dentre seus súditos. para entrevistar o Bata e lhe informar dos resultados de suas investigações. O Xá tinha confiança implícita em sua impar-cialiaaae, em sua competência e em sua profunda intuição espiritual. Ele ocupava um lugar de tal preeminêcia entre as principais figuras da Pérsia, que em qualquer reunião que ele esávesse presente, não importando quão grande era o nú-mero dos dif ei entes eclesiásticos presentes, ele era invaria-velmente o orador principal. Ninguém se atreveria a exte-riorizar suas opiniões em sua presença. Todos guardavam um s-léncio reverente diante deie; todos davam testemunho de sua sagacidade, de seus conhecimentos, jamais excedidos, e de sua sabedoria madura.

Naquele tempo Siyyid Yahyá residia ern Teerã, na casa de Mírzá de Lutf'AH, o Mestre de Cerimônia do Xá, como o honrado hóspede de Sua Majestade Imperial. O Xá deu a entender, confidencialmente, por intermédio de Mírzá Lutf-'Alí, seu desejo e vontade que Siyyid Yahyá seguisse a. Shí-ráz e investigasse a questão pessoalmente. "Diga lhe de nossa parte," ordenou o soberano, "que, como temos a máxima confiança em sua integridade, admiramos suas normas mo-rais e intelectuais e o consideramos o mais apto dentre os

ficial, crédulo, ignorante e supersticioso em excesso, ficou estupefato e assombrado pelos contínuos milagres que ouvia relatar à cada instante; os mullás ansiosos, ao perceberem que seu excitado rebanho se lhes es-capava, redobraram as calúnias e ímputações difamatórias; as mentiras mais grosseiras, as invenções mais sanguinárias foram difundidas por eles entre a população vacilante que se achava dividida entre o horror e a admiração. . . Siyyid Ja'far mant'nha-se afastado tanto das doutri-nas Shaykhís quanto as de Mullá Sadrá. Apesar disto, seu grande zelo e sua ardente imaginação o fizeram sair, até o final da sua vida, dos moldes estreitos da ortodoxia Xiita. Comentava os hadís de forma di-ferente de seus colegas e inclusive pretendia se aprofundar, segundo se comentava, nos setenta significados diferentes e íntimos do Alcorão. Seu filho, era nessa época um homem de 35 anos mais ou menos, e. tendo terminado seus estudos, radicou-se em Teerã onde se uniu as gran-des pessoas e homens distintos da corte. Foi sobre ele que caiu a eleição de Sua Majestade. Foi encarregado de ir à Shiráz, por-se em contato com o Báb e de informar, com a maior exatidão que fosse possível à autoridade central, sobre as conseqüências políticas que poderia advir de uma reforma que parecia transformar a face do país". (A. L. M. Nicolas "Siyyid Ali Muhammad dit le Báb", p. 387-8).

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teólogos de nosso reino, esperamos que ele siga a Shíráz, indague a fundo o episódio do Siyyid-i-Báb e nos informe dos resultados de suas investigações. Assim saberemos quais as medidas que nos incumbe tomar."

Siyyid Yahyá havia, ele mesmo, desejado obter de pri-meira mão conhecimento a respeito das pretensões do Báb, mas por causa de circunstâncias adversas não pudera em-preender a viagem a Fárs. A mensagem de Muhammad-Sháh decidiu-o a levar a cabo sua intenção desde tanto tempo nu-trida. Assegurando ao seu soberano sua prontidão para cum-prir com seu desejo, partiu imediatamente para Shíráz.

No caminho, imaginou as várias perguntas que pensava em submeter ao Báb. Das respostas dadas por este a essas perguntas dependeriam, segundo seu parecer, a verdade e validez de Sua missão. Ao chegar em Shíráz, encontrou Mullá Shaykh 'Ali, cognominado 'Azím, com quem ele havia sido intimamente associado enquanto esteve em Khurásán. Perguntou-lhe se estava satisfeito com sua entrevista com o Báb. "Deverias ter um encontro com Ele," respondeu 'Azím, "e procurar independentemente conhecer Sua Missão. Como amigo eu te aconselharia que exercesses a maior considera-ção em tuas conversações com Ele, para que tu também, afinal, não sejas obrigado a deplorar qualquer ato descortês para com Ele."

Siyyid Yahyá encontrou com o Báb na casa de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali e mostrou em sua atitude para com Ele a cortesia que 'Azím lhe aconselhara observar. Durante apro-ximadamente duas horas dirigiu a atenção do Báb aos te-mas mais abtrusos e confusos nos ensinamentos metafísi-cos do Islã, às passagens mais obscuras do Alcorão e às mis-teriosas tradições e profecias dos imames da Fé. O Báb pri-meiro escutou suas referências eruditas à lei e às profecias do Islã, registrando todas as suas perguntas, e então come-çou a dar a cada, uma resposta breve mas persuasiva. A conclusão e a lucidez de Suas respostas causaram assombro e admiração da parte de Siyyid Yahyá. Sentiu-se acabrunha-do por um senso de humilhação diante de sua própria pre-sunção e orgulho. Seu senso de superioridade desvaneceu-se completamente. Ao se levantar para partir, dirigiu-se ao Báb nestas palavras: "Queira Deus, durante minha próxima au-

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diência Convosco, submeterei o resto de minhas perguntas e com estas concluirei minha investigação." Logo que se re-tirou, reuniu-se com 'Azím, a quem relatou o que acontecera em sua entrevista. "Em Sua presença, "disse-lhe, "estendi-me indevidamente sobre meus próprios conhecimentos. Ele em poucas palavras pode responder minhas perguntas e re-solver as minhas perplexidades. Senti-me tão rebaixado di-ante Dele que apressadamente Lhe solicitei permissão para me retirar." 'Azím lembrou-o de seu conselho e lhe rogou que da próxima vez não o esquecesse.

Durante sua segunda entrevista, Siyyid Yahyá, atônito descobriu que todas as perguntas que tencionara submeter ao Báb se haviam desvanecido de sua memória. Contentou-se com assuntos que pareciam irrelevantes ao objeto de sua investigação. Logo verificou, para maior surpresa ainda, que o Báb estava respondendo, com a mesma lucidez e concisão que haviam caracterizado Suas respostas anteriores, aque-las mesmas perguntas que ele momentaneamente esquecera. "Eu parecia haver adormecido profundamente," comentou ele mais tarde "Suas palavras, Suas respostas às perguntas que eu havia esquecido Lhe submeter, despertaram-me. Unia voz ainda continuava a sussurrar em meu ouvido: 'Não seria isso, afinal, uma coincidência acidental?' Estava agitado de-mais para concentrar meus pensamentos. Outra vez, pedi permissão para me retirar. 'Azím, com quem me encontrei em seguida, recebeu-me com fria indiferença e austeramen-te observou: 'Oxalá tivessem sido inteiramente abolidas as escolas e nenhum de nós tivesse entrado em alguma! Pela estreiteza de nossas mentes e nossa vaidade, estamos impe-dindo que nos alcance a graça redentora de Deus e causando dor Àquele que é sua Fonte. Não pedirás a Deus, desta vez, para conceder que sejas capacitado a atingir Sua presença com a devida humildade e desprendimento, a fim de que quiçá, por Sua graça, Ele te alivie da opressão da incerteza e dúvida?"

"Resolvi que, em minha terceira entrevista com o Báb, eu no mais íntimo de meu coração Lhe pediria que me re-velasse um comentário sobre o Sura de Kawthar (4). Esta-

(4) Alcorão, 108.

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va determinado a não sussurrar esse pedido em Sua presen-ça. Pois se Ele, sem que Lne pedisse, revelar esse comentá-rio de um modo, que de imediato o distinguisse, aos meus olhos, dos tipos prevalecentes comuns entre os comentado-res do Alcorão, eu então estaria convencido do caráter Di-vino de Sua missão e prontamente abraçaria Sua Causa. Se não, recusaria reconhecê-Lo. Logo que íui introduzido em Sua presença, um sentimento de pavor, para o qual não achava explicação, de súbito se apoderou de mtm. Meus membros tremiam enquanto eu contemplava Seu rosto. Eu que em repetidas ocasiões havia sido admitido à presença do Xá, sem haver jamais percebido em mim o menor traço de timidez, estava agora tão pasmado e abalado que nem conseguia me manter em pé. O Báb ao observar minha con-dição, levantou-se de Seu assento, aproximou-se de mim e tomando minha mão, me fez sentar a Seu lado. 'Busca de Mim,' disse Ele, 'qualquer coisa que o teu coração deseje. Prontamente revelarei.' Mudo de assombro estava eu. Como um bebê que não pode compreender nem falar, senti-me im-potente para responder. Ele sorria enquanto fixava Seu olhar em mim e disse: 'Fosse Eu te revelar o comentário sobre o Sura de Kawthar, admitirias que Minhas palavras nascem do Espírito de Deus? Reconhecerias que minhas afirmações não podem de modo algum ser atribuidas ã ne-cromancia ou magia?' As lágrimas vertiam de meus olhos quando O ouvi dizer estas palavras, Tudo o que pude arti-cular foi este versículo do Alcorão: 'ó nosso Senhor, a nos próprios temos tratado injustamente se Tu não nos per-doares e de nós tiveres piedade, seremos seguramente dos que perecem.'

"Era ainda nas primeiras horas da tarde quando o Báb pediu a Hájí Mírzá Siyyid 'Ali que Lhe trouxesse Sua caixa de penas e algum papel. Começou então a revelar Seu co-mentário sobre o Sura de Kawthar. Como poderei descre-ver esta cena de inexpressível majestade? Versículos fluíam de Sua pena com uma rapidez verdadeiramente assombrosa. A incrível velocidade com que escrevia (5), a suave e doce

(5) Segundo o "Kashfu'1-Ghitá" (p. 81). o Báb revelou não me-nos de dois mil versículos naquela ocasião. A assombrosa rapidez desta

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entoação de Sua voz e a estupenda força de Seu estilo, tor-naram-me pasmado e confuso. Ele continuou desta maneira até que se aproximava a hora do por do sol. Não fez pausa antes de haver completado o comentário inteiro sobre a Sura. Colocou a pena então na mesa e pediu chá. Pouco depois, principiou a lê-lo em voz alta em minha presença. Meu coração vibrava loucamente enquanto eu ouvia emana-rem, em Seus acentos de indizível doçura, os tesouros que esse comentário sublime encerrava (6). A tal ponto sua be-leza me encantou que três vezes estava eu prestes a des-maiar. Tratou Ele então de reavivar as forças esmorecidas, respingando em meu rosto algumas gotas de água de rosas. Isto reestabeleceu meu vigor, tornando possível que eu se-guisse Sua leitura até o fim.

revelação não foi menos extraordinária aos olhos de Siyyid Yahyá que a incomparável beleza e profundo significado dos versículos contidos nesses comentários. "No espaço de cinco horas, dois mil versículos (bayts) se manifestaram Dele, com a rapidez suficiente para que uma pessoa pudesse anotá-las. Disto se pode calcular quantas de suas obras foram difundidas entre os homens desde o começo de sua manifestação até o dia de hoje". ("Le Bayán Persan" vol. I p. 43). "Deus lhe deu um poder e eloqüência tais, que se um anotador veloz escrevesse com a máxima rapidez, em dois dias e duas noites sem interrupção, ele ma-nifestaria dessas minas de palavras o equivalente a um Alcorão". (Idem, vol. 2, p. 132). "E se alguém fizesse uma reflexão sobre a aparição desta árvore (o Báb), sem dúvida alguma admitiria quão exaltada é a religião de Deus. Porque em alguém em cuja vida havia transcorrido vinte e quatro anos, quem carecia daquelas ciências em que todos eram eruditos, quem agora recitava versículos desta forma sem vacilar nem pensar, quem no espaço de cinco horas escreve mil versículos de sú-plica sem uma só pausa, quem produz comentários e tratados eruditos d-' um grau de sabedoria tão elevada e com tal compreensão da Uni-dade Divina que os doutores e filósofos confessam sua incapacidade de compreender tais parágrafos, não cabe dúvida alguma que tudo isto provém de Deus''. (Bayán. Váhid 2 Báb. I ) . ("A Traveller's Narrative" nota C, p. 219).

(6) O feito de ter escrito um novo comentário sobre uma sura cujo sentido era tão obscuro deve ter surpreendido enormemente a Siyyid Yahyá; norém o que o surpreendeu ainda ma's foi encontrar, nesse co-mentário, a explicação que ele mesmo havia feito durante suas medi-tações sobre estes três versos. Desta forma, voltou a encontrar com o Reformador uma interpretação que ele havia acreditado ser o único a imaginar e que não havia comunicado à ninguém". (A. L. M. Nicolas "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 234).

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"Uma vez terminada Sua recitação, o Báb levantou-se para sair, entregando-me, ao partir, aos cuidados de Seu tio materno. "Ele deverá ser vosso hóspede,' disse-lhe, 'até quando ele em colaboração com Mullá 'Abdu'1-Karím, tiver acabado a transcrição deste comentário recém-revelado e ti-ver verificado a exatidão da cópia transcrita.' Mullá 'Abdu' 1-Karím e eu dedicamos três dias e três noites a esta tarefa. Líamos em voz alta, cada um por sua vez, um trecho do comentário até que havia sido transcrito em sua totalidade. Conferimos todas as tradições no texto e verificamos serem inteiramente acuradas. Tal era o estado de certeza por mim atingido que, se todos os poderes da terra fossem aliar-se contra mim, seriam impotentes para fazer vacilar minha confiança na grandeza de Sua Causa (7).

"Como desde minha chegada em Shíráz eu estava mo-rando na casa de Husayn Khán, o governador de Fárs, achei que minha prolongada ausência de sua casa poderia excitar suas suspeitas e lhe inflamar a ira. Resolvi, pois despedir-me de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali e Mullá 'Abdu'1-Karím e re-gressar à residência do governador. Ao chegar, soube que Husayn Khán, que entrementes me havia estado procuran-do, ansioso estava em saber se eu cairá vítima da influência mágica do Báb. 'Ninguém, senão Deus,' repliquei, 'único ca-paz de transformar os corações dos homens, pode cativar o coração de Siyyid Yahyá. Quem lhe pode enredar o coração é Deus, e Sua palavra, inquestionavelmente, é a voz da Ver-dade.' Minha resposta silenciou o governador. Em sua con-versação com outros — eu soube subseqüentemente — ele expressara a opinião de que eu também havia caído deses-peradamente vítima do encanto daquele Jovem. Até escre-vera ele a Muhammad Sháh, queixando-se que eu durante a estada em Shíráz, havia recusado toda espécie de contato com os ulemás da cidade. 'Embora nominalmente meu hós-

(7) "Foi uma circunstância estranha", escreve Lady Sheil, "que entre aqueles que adotaram a doutrina do Báb houvesse uma quantidade considerável de mullás e alguns Mujtahids, os quais ocupam um elevado cargo como expositores da lei na igreja Muçulmana. Muitos desses ho-mens selaram sua fé com seu sangue". ("Glimpses of Life and Manners in Pérsia" pp. 178-9-.

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pede,' escreveu ao seu soberano, 'ele freqüentemente se au-senta de minha casa por vários dias e noites consecutivas. Já deixei de ter qualquer dúvida de que ele se tornou babí, de se ter escravizado, de alma e coração, à vontade do Siyyid-i-Báb.'

"O próprio Muhammad Sháh, numa das funções de es-tado em sua capital, dirigiu a Hájí Mírzá Aqásí, dizem, estas palavras: 'Informaram-nos recentemente (8) que Siy-yid Yahyáy-i-Dárábí se tornou babí. Se isto é verdade, nos incumbe deixar de menosprezar a causa desse siyyid.' Hu-sayn Khán, por sua parte, recebeu a seguinte ordem impe-rial: 'Está estritamente proibido a todos os nossos súditos pronunciar quaisquer palavras que tendam a detrair a eleva-da posição de Siyyid Yahyáy-i-Dárábí. Ele é de nobre linha-gem, um homem de grande erudição, de perfeita e consu-mada virtude. Sob nenhuma circunstância inclinará seu ou-vido a uma causa, a não ser que a creia conducente à pro-moção dos melhores interesses de nosso reino e ao bem-estar da Fé do Islã.'

"Ao receber este mandato imperial, Husayn Khán, não podendo me fazer resistência aberta, esforçou-se secreta-mente por minar minha autoridade. Sua face revelava ini-mizade e ódio implacáveis. Em vista, entretanto, dos insig-nes favores que me foram conferidos pelo Xá, não pode causar dano à minha pessoa nem me desacreditar o nome.

"Subseqüentemente ordenou o Báb que eu viajasse a Burújird, a fim de que lá tornasse conhecida ao meu pai (9) a nova Mensagem. Aconselhou-me que mostrasse para corri ele a maior tolerância e consideração. De minhas conversa-

is) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 8) Siyyid Yahyáy "es-creveu sem temor nem preocupação, um relato detalhado de suas obser-vações à Mirzá Lutf-'Alí, o chambelán, para que este pudesse submete-lo ao rei agora extinto, enquanto ele mesmo viajava à todas as par-tes da Pévs a e em todas as cidades e estações atraiu as atenções de todas as pessoas do alto dos palanques de tal forma, que outros douto-res eruditos concluíram que devia estar louco, considerando-o como um caso evidente de bruxaria".

(9) Seu nome era Siyyid Ja'far, conhecido como Kashfí, "o que revela", por causa da sua habilidade em interpretar o Alcorão e das visões que afirmava ter.

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íjões eonfidencais com ele, percebi que não estava disposto a repudiar a verdade da Mensagem que lhe havia trazido. Preferiu, porém, ser deixado só e lhe permitisse seguir seu próprio caminho."

Outro dignitário do reino que investigou desapaixonada-mente a Mensagem do Báb e, aíinal, a abraçou, foi Mullá Muhammad-'Alí (10), nativo de Zanján, a quem o Báb con-feriu o nome de Hujjáò-i-Zanjãni. Era homem de mente in-dependente, conhecido por sua extrema originalidade e por estar livre de todas as formas de restrição tradicional. Ele denunciava a inteira hierarquia dos dirigentes eclesiásticos de seu país, desde o Abváb-i-Arba'ih (11) até o mais humil-de mullá dentre seus contemporâneos. Ele lhes depreciava o caráter, deplorava a degeneraçao e se estendia sobre os vícios. Até mesmo, antes de sua conversão exibia uma ati-tude indiferente, de desprezo, para com Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í e Siyyid Kázim-i-Rashtí (12). Tão horrorizado estava ele diante das más ações que haviam manchado a história do islã xiita que qualquer um que pertencesse a essa seita, por mais elevados que fossem seus méritos pessoais, era por ele considerado indigno de sua consideração. Não raras vezes surgiam entre ele e os sacerdotes de Zanján casos de controvérsia feroz que — não fosse a intervenção pessoal do Xá, teriam levado a graves desordens e derramamento de sangue. Foi chamado, finalmente à capital e na presença ás seus adversários, representantes dos dirigentes eclesiás-ticos de Teerã e outras cidades, instado a vindicar suas afir-mações, Completamente só, sem nenhum apoio, estabelecia ele sua superioridade sobre os oponentes e lhes silenciava o clamor. Ainda que nos seus corações discordassem de suas opniões e condenassem sua conduta, se viram obrigados a reconhecer exteriormente sua autoridade e confirmar seu ponto de vista.

(10) Intitulado Hujjátu'1-Islã. (11) Significa literalmente "As Quatro Portas", cada uma das

quais pretendia ser um intermediário entre o Imame ausente e seus seguidores.

(12) Ele era um Akhbárí. Para uma descrição dos Akhbárís leia-sn a r.bra de Gobineau: "Les Religions et Les Philosophies dans 1'Asie Centrale". p. 23.

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Logo que o Chamado de Shíráz chegou a seus ouvidos, Hujját delegou um de seus discípulos, Mullá Iskandar, em quem tinha a mais completa confiança, a indagar o assunto todo e o informar do resultado de suas investigações. To-talmente indiferente para com o louvor e a censura de seus patrícios, a respeito de cuja integridade tinha suspeita e cujo juízo desdenhava, enviou seu delegado a Shíráz com instruções explícitas para efetivar uma investigação minu-ciosa e independente. Mullá Iskandar atingiu a presença do Báb e sentiu de imediato o poder regenerador de Sua influ-ência. Demorou quarenta dias em Shíráz e durante esse tempo absorveu os princípios da Fé e adquiriu, de acordo com sua capacidade, um conhecimento da medida de sua glória.

Com a aprovação do Báb, regressou ele a Zanján, che-gando em uma ocasião em que todos os principais ulemás da cidade se haviam reunido na presença de Hujját. Assim que ele apareceu, Hujját perguntou se acreditava na nova Revelação ou a rejeitava. Mullá Iskandar submeteu-lhe os escritos do Báb que consigo trouxera e asseverou que qual-quer que fosse o veredito de seu mestre, com este se julga-ria obrigado a conformar. "O que!" exclamou irosamente Hujját. "Não fosse a presença desta distinta assistência, eu te haveria de castigar severamente. Como te atreves a consi-derar questões de crença como dependentes da aprovação ou da rejeição de outrem?" Recebendo da mão de seu men-sageiro a cópia do Qayyúmu'1-Asmá, ele, logo que havia perscrutado uma página desse livro prostrou-se no chão, exclamando: "Dou testemunho de que estas palavras que tenho lido procedem da mesma Fonte das do Alcorão. Quem tiver reconhecido a verdade daquele Livro sagrado deve for-çosamente atestar a origem Divina destas palavras, deve ne-cessariamente submeter-se aos preceitos que seu Autor in-funde. Tomo a vós, membros desta assembléia, como mi-nhas testemunhas: juro tal lealdade ao Autor dessa Revela-ção que, se Ele alguma vez pronunciasse ser a noite o dia, e declarasse o sol uma sombra, eu sem reservas me subme-teria a Seu juízo e consideraria Seu veredito a voz da Ver-dade. A quem O negar julgarei o repudiador do próprio

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Deus." Com estas palavras terminou ele o curso dessa reunião (13).

Temos nos referido, nas páginas precedentes, à expul-são de Quddús e de Mullá Sádiq de Shíráz, e temos tentado descrever, ainda que inadequadamente, o castigo que ihes infligiu o tirânico e voraz Husayn Khán. Mister é agora dizermos uma palavra sobre suas atividades após sua ex-pulsão daquela cidade. Por alguns dias continuaram a via-jar juntos, depois do qual se separaram, Quddús partindo para Kirmán, a fim de entrevistar Hájí Mírzá Karím Khán, e Mullá Sádiq dirigindo seus passos a Yazd, com o objetivo de prosseguir, entre os ulemás dessa província, a tarefa que tão cruelmente o haviam forçado a abandonar em Fárs. Ao chegar, Quddús foi recebido na casa de Hájí Siyyid Javád-i-Kirmání, a quem havia conhecido em Karbilá e cuja erudi-ção, habilidade e competência eram universalmente reconhe-cidas pelo povo de Kirmán. Em todas as reuniões realizadas em sua casa, ele designava a seu jovem convidado, invaria-velmente, o lugar de honra e o tratava com extrema defe-rência e cortesia. Tão conspícua preferência mostrada para uma pessoa tão jovem e aparentemente medíocre acendeu

(13) "Eu o conheci (Mullá MuhammacTAlí), disse Mirzá Jáni, em Teerã, na casa de Mahmúd Khán, o Kalantar, onde havia sido con-finada a causa de sua devoção à Sua Santidade. Ele disse: "Eu era um Mullá, tão orgulhoso e hábil, que não me rebaixava ante ninguém, nem mesmo ante o extinto Hají Siyyid Báqir de Rasht, o qual era consi-derado como "A Prova do Islã" e era o mais erudito dos doutores. Como minhas doutrnas eram segundo a escola Akhbárí, eu discordava em algumas questões com a massa do clero. As pessoas queixavam-se de mim e Muhammad Sháh me chamou à Teerã. Vim e ele leu meus livros e informou-se de seu conteúdo. Pedi-lhe que também chamasse o Siyyid (Siyyid Báqir de Rasht) para que pudéssemos discutir. A princípio sua intenção foi fazê-lo, porém mais tarde, ao considerar a agitação que poderia sobrevir, suspendeu a discussão proposta. Em re-sumo, apesar de toda esta autosuficiência, quando eu soube da notícia da Manifestação de Sua Santidade e pude ler uma pequena página dos versículos deste "Ponto do Furqán", me transformei como quem hou-vesse perdido o juízo e involuntariamente, ainda que com certeza de completa opção, confessei a verdade de Sua declaração e cheguei a ser Seu servo devoto; porque Nele vi o mais nobre dos milagres dos Pro-fetas e se O houvesse rechaçado teria rechaçado também a verdade da religião do Islã". ("A História de Hájí Mirzá Jání, apêndice 2 de "Tárikh-i-Jadíd" pág. 349-50).

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a inveja dos discípulos de Hájí Mírzá Karím Khán, e estes, descrevendo em linguagem vivida e exagerada as honras que se amontoavam sobre Quddús, tentaram excitar a hos-tilidade latente de seu chefe. "Observa," sussurravam em seus ouvidos, "aquele que é o mais amado, de maior con-fiança e o mais íntimo companheiro do Siyyid-i-Báb, é agora o hóspede de honra daquele que é reconhecidamente o mais poderoso habitante de Kirmán. Se lhe for permitido viver em estreita associação com Hájí Siyyid Javád, ele sem dú-vida lhe instilará na alma seu veneno e o modelará como o instrumento por meio do qual conseguirá minar vossa autoridade e extinguir vossa fama." Alarmado por estes maus murmúrios, o covarde Hájí Mírzá Karím Khán apelou ao governador e lhe induziu a visitar pessoalmente Hájí Siyyid Javád e exigir que terminasse essa perigosa associa-ção. As representações do governador inflamaram a ira do impetuoso Hájí Siyyid Javád. "Quantas vezes." protestou ele com veemência "vos tenho admoestado que ignorasseis os murmúrios desse malévolo conspirador! Minha tolerância o tornou audaz. Que tenha cuidado para que não exceda seus limites. Será que ele deseja usurpar a minha posição? Não é ele quem recebe em sua casa milhares de pessoas abjetas e ignóbeis e os domine com sua lisonja servil Não tem ele, repetidas vezes, se esforçado por exaltar os ímpios e silen-ciar os inocentes Não tem, ano após ano, reforçando a mão do malfazejo, procurando aliar-se com ele e gratificar seus desejos carnais? Não persiste, até hoje, em pronunciar suas blasfêmias contra tudo o que há de puro e santo no Islã? Meu silêncio parece lhe haver aumentado a temeridade e a insolência. A si próprio concede ele liberdade para cometer as mais nefárias ações e a mim nega permissão para re-ceber e honrar em minha própria casa um homem de tanta integridade, de tão grande erudição e nobreza. No caso em que se recuse a desistir de sua prática, seja ele advertido de que os piores elementos da cidade, por mim instigados, o expulsarão de Kirmán." Desconcertado por tão veementes denúncias, o governador pediu desculpas pela sua ação. An-tes de se retirar, assegurou a Hájí Siyyid Javád que não precisaria ter receio, que ele mesmo tentaria alertar Hájí

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Mírzá Karím Khán quanto à insensatez de seu comportamen-to e o induziria a se arrepender.

A mensagem do siyyid aguilhoou a Hájí Mírzá Karím Khán. Convuls;onado por um senso de profundo ressenti-mento que ele não pode nem suprimir nem gratificar, de-sistiu de toda esperança de adquirir a incontestada lideran-ça do povo de Kirmán. Aquele desafio aberto fez soar o dobre fúnebre de suas ambições tão acariciadas.

Na privacidade de seu lar, Hájí Siyyid Javád ouviu Quddús contar todos os detalhes de suas atividades desde o dia de sua partida de Karbiiá até sua chegada em Kirmán. As circunstâncias de sua conversão e sua subseqüente pere-grinação com o Báb excitaram a imaginação e acenderam a chama da fé no coração de seu anfitrião, o qual preferiu, entretanto, ocultar sua crença na esperança de poder prote-ger mais efetivamente os interesses da recém-estabelecida comunidade. "Vossa nobre resolução," assegurou-lhe afetuo-samente Quddús, "será considerada em si um serviço notável prestada à Causa de Deus. O Todo Poderoso reforçará vossos esforços e estabelecerá para todo o sempre vossa ascendên-cia sobre os oponentes."

Esse incidente me foi relatado por um certo Mírzá 'Abdu'1'áh-i-Ghawghá, quem, enquanto em Kirmán, o ouvira dos lábios do próprio Hájí Siyyid Javád. A sinceridade das intenções expressas pelo siyyid foi plenamente vindicada pela esplêndida maneira como, em conseqüência de seus es-forços, conseguiu resistir às usurpações do insidioso Hájí Mírzá Karím Khán, o qual. se não lhe houvesse sido feito esse desafio, teria causado dano incalculável à Fé.

De Kirmán, Quddús decidiu partir para Yazd e daí pro-ceder a Ardikán, Náyin, Ardistán, Isfáhán, Káchán, Qum e Teerã. Em cada uma dessas cidades, apesar dos obstáculos que lhe bloqueavam o caminho, ele conseguia instilar na compreensão de seus ouvintes os princípios que tão corajo-samente se levantara para defender. Ouvi Aqáy-i-Kalím, irmão de Bahá'u'iláh, descrever nas seguintes palavras seu encontro com Quddús em Teerã: "O encanto de sua pessoa, sua afabilidade extrema, combinada com uma dignidade de porte, faziam apelo até ao observador mais casual. Qualquer um que estivesse intimamente assoc"ado com esse jovem se

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sentia dominado por uma admiração insaciável pelo seu en-canto. Um dia nos o observamos enquanto iasLi suas ablu-ções e fomos impressionados pela maneira graciosa que o distinguia dos demais devotos na execução de um ritual tão comum. Ele parecia, aos nossos olhos, ser a própria encar-nação da pureza e graça."

Em Teerã, Quddús foi admitido à presença de Bahá'u'-lláh, depois do que seguiu a Mázíndarán, onde em sua cidade natal de Bárfurúsh, na casa de seu pai, residiu cerca de dois anos, sendo rodeado durante esse tempo pela carinhosa de-voção de sua família e parentes. Seu pai, após a morte da primeira esposa, havia casado com uma senhora que tratava Quddús com uma bondade e solicitude que nenhuma mãe poderia ter esperado exceder. Ela muito desejava presenciar seu casamento e muitas vezes era ouvida dizer que receava ter que levar consigo ao túmulo a suprema felicidade de seu coração." "O dia de meu casamento," observou Quddús, "ainda não chegou. Aquele dia será indizivelmente glorioso. Não dentro dos confins desta casa, mas sim, ao ar livre, sob a abóboda celeste, em meio ao Sabzih-Maydán, ante o olhar da multidão, lá haverei de celebrar minhas núpcias e teste-munhar a consumação de minhas esperanças." Três anos depois, quando aquela senhora soube das circunstâncias que atenderam o martírio de Quddús no Sabzih-Maydán, ela se lembrou de suas palavras proféticas e compreendeu o que significavam (14). Quddús permaneceu em Bárfurúsh até a ocasião em que se uniu a Mullá Husayn, quando de volta de sua visita ao Báb na fortaleza de Mahkú. De Bárfurúsh partiram para Khurásán, viagem esta que foi tornada me-morável por façanhas tão heróicas que nenhum de seus pa-trícios poderia jamais esperar rivalizá-las.

Quanto a Mullá Sádiq, logo que chegou em Yazd, in-quiriu a um am.go de confiança, nativo de Khurásán, sobre os mais recentes acontecimentos em relação ao progresso da Causa naquela província. Estava especialmente ansioso de

(14) Urna afirmação similar aparece no "Kashfu'1-Ghitá" (p. 227). Esta afirmação, declara o autor, lhe foi feita por vários residentes da província de Mázíndarán.

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ter informações a respeito das atividades de Mírzá Ahmad-i Azghandí e expressou sua surpresa pela aparente inativi-dade de alguém que, num tempo quando o mistério da Fé não fora ainda divulgado, mostrara tão notável zelo em pre parar o povo para aceitar o Manifestante Cuja vinda aguar davam.

"Mírzá Ahmad," disseram-lhe, "isolou-se por um período considerável em sua própria casa e aí concentrou as energias em preparar uma compilação erudita e volumosa das tradi-ções e profecias islâmicas relativas ao tempo e ao caráter da prometida Dispensação. Colecionou mais de doze mil tra-dições do mais explícito caráter, cuja autenticidade era uni-versalmente reconhecida; e resolveu tomar quaisquer medi-das que fossem necessárias para copiar e disseminar esse livro. Ele esperava que, animando seus co-discípulos a cita-rem publicamente de seu conteúdo, em todas as congre-gações e reuniões, pudesse remover tais obstáculos que talvez impedissem o progresso da Causa que ele acariciava no coração."

"Quando chegou em Yazd, fez-lhe calorosa acolhida seu tio materno, Siyyid Husayn-i-Azghandí, o mais eminente mujtahid daquela cidade, que alguns dias antes da chegada de seu sobrinho mandou a ele um pedido por escrito para se apressar a Yazd e livrá-lo das maquinações de Hájí Mírzá Karím Khán, considerado por ele um perigoso inimigo do Islã, embora não declarado. O mujtahid solicitou a Mírzá Ahmad que combatesse por todos os meios em seu poder a influência perniciosa de Hájí Mírzá Karím Khán, desejando que estabelecesse residência permanente nessa cidade, para que, através de incessantes exortações e apelos, conseguisse esclarecer as mentes do povo a respeito dos verdadeiros obje-tivos e intenções daquele inimigo maligno."

"Mírzá Ahmad, ocultando de seu tio sua intenção origi-nal de partir para Shíráz, decidiu prolongar sua estada em Yazd. Mostrou-lhe o livro que compilara e repartiu seu con-teúdo com os ulemás que se aglomeravam de toda parte da cidade a fim de o verem. Todos foram profundamente im-pressionados pela hábil dade, pela erudição e pelo zelo que o compilador dessa célebre obra havia demonstrado."

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"Entre aqueles que vieram visitar Mírzá Ahmad havia um certo Mírzá Taqí, um homem que era malévolo, ambi-cioso e arrogante, que recentemente regressara de Najáf, onde havia completado seus estudos e sido elevado ao grau de mujtahid. No decorrer de sua conversação com Mírzá Ahmad, expressou seu desejo de perscrutar aquele livro e de lhe ser permitido retê-lo por poucos dias, a fim de que pudesse adquirir uma compreensão mais completa de seu conteúdo. Siyyid Husayn e o sobrinho concordaram ambos em lhe satisfazer o desejo. Mírzá Taqí, que deveria ter de-volvido o livro, não cumpriu sua promessa. Mírzá Ahmad, que já havia suspeitado a insinceridade das intenções de Mírzá Taqí, instou a seu tio que lhe lembrasse da promessa que fizera. 'Diga a seu mestre,' foi a resposta insolente ao mensageiro que foi mandado para reclamar o livro, 'que depois de me convencer do caráter pernicioso daquela com-pilação, decidi destruí-la. Ontem à noite joguei-a na lagoa, assim obliterando suas páginas.'

"Movido por profunda e determinada indignação diante de tamanha falsidade e impertinência, Siyyid Husayn resol-veu vingar-se dele. Mírzá Ahmad, porém, com seus sábios conselhos, conseguiu apaziguar a ira de seu tio enfurecido e dissuadi-lo de levar a cabo as medidas que propunha to-mar. 'Esse castigo,' insistia, 'que vós contemplais, causará agitação do povo e provocará danos e sedição. Haverá de interferir gravemente com os esforços que desejais que eu faça a fim de extinguir a influência de Hájí Mírzá Karím Khán. Ele sem dúvida aproveitará a ocasião para vos de-nunciar como bábí e a mim acusará de ter sido a causa de vossa conversão. Por esse meio minará vossa autoridade e ganhará a estima e a gratidão do povo. Deixai-o nas mãos de Deus.

Mullá Sádiq ficou muito satisfeito ao saber pela relação desse incidente que Mírzá Ahmad estava realmente residin-do em Yazd e que nenhum obstáculo o impedia de encon-trar com ele. Foi imediatamente ao masjid onde Siyyid Husayn estava dirigindo a oração congregacional e Mírzá Ahmad pregava o sermão. Sentando-se na primeira fileira entre os devotos, participou em sua oração, depois do qual foi diretamente a Siyyid Husayn e publicamente o abraçou.

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Logo em seguida, sem ser convidado, ascendeu ao púlpito e se pos a dirigir aos fiéis. Siyyid Husayn, embora de início assustado, preferiu não fazer objeção, tendo curiosidade para descobrir o motivo e certificar o grau de erudição desse sú-bito intruso. Fez sinal ao sobrinho para se deter de lhe fazer oposição.

Mullá Sadiq prefaciou seu discurso com uma das mais conhecidas e mais belas das homílias do Báb, depois do qual se dirigiu à congregação nestes termos: "Rendei graças a Deus, ó povo, de compreensão pois eis, o Portal do Conheci-mento Div.no, que julgastes haver sido fechado, está agora aberto de par em par. O Rio da vida eterna jorrou da cidade de Shíráz e está conferindo bênçãos indizíveis ao povo desta terra. Qualquer um que tenha participado de apenas uma gota desse Oceano de graça celestial, por mais humilde e ile-trado que seja, tem descoberto em si o poder de desvendar os mais profundos mistérios e se sentido capaz de expor os temas mais abstrusos da sabedoria antiga. E qualquer um, embora seja o mais erudito expositor da Fé do Islã, que te-nha preferido depender de sua própria competência e seu próprio poder, mostrando desdém pela Mensagem de Deus, já se condenou a irreparável perda e degradação."

ümn onda de indignação e consternação varreu a inteira congregação enquanto essas palavras de Mullá Sádiq res-soavam esse momentoso anúncio. O masjid ecoava com gri-tos de "Blasfêmia!" por uma congregação enfurecida e hor-rorizada contra quem fizera o discurso. "Desça do púlpito" exclamou Siyyid Husayn em meio ao clamor e tumulto do povo, enquanto fazia sinal a Mullá Sádiq para guardar si-lêncio e se retirar. Mal havia ele descido quando a inteira companhia dos devotos reunidos se lançaram sobre ele e o acabrunharam de pancadas. Siyyid Husayn interveio ime-diatamente, dispersou a multidão vigorosamente e tomando a mão de Mullá Sádiq, puxou-o com força até seu lado. "Re-tirai vossas mãos," foi seu apelo à multidão; "deixai-o em minha custódia. Leva-lo-ei à minha casa e cuidadosamente investigarei o assunto. Um ataque repentino de loucura o pode ter feito pronunciar essas palavras. Eu mesmo o exa-minarei. Se verificar haverem sido premeditadas suas afir

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mações, sendo que ele próprio firmemente acredita nas coisas que declarou, eu, com minhas próprias mãos lhe infligirei o castigo que a lei do Islã impõe."

Em virtude dessa solene asseveração, Mullá Sádiq foi salvo dos ataques selvagens de seus assaltantes. Despojado de sua 'abá (15) e turbante, privado de suas sandálias e seu bordão, machucado e abalado pelas injúrias recebidas, foi entregue aos cuidados dos assistentes de Siyyid Husayn, que forçando sua passagem entre a multidão, conseguiram afi-nal conduzi-lo à casa de seu mestre.

Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, outrossim, foi sujeitado naqueles dias a uma perseguição ainda mais feroz e mais determina-da que a investida selvagem que o povo de Yazd havia diri-gido contra Muilá Sádiq. Não fosse a intervenção de Mírzá Ahmad, ajudado pelo seu tio, ele teria caido vítima da ira de um inimigo feroz.

Quando Mullá Sádiq e Mullá Yúsuf-i-Ardibílí chegaram em Kirmán, tiveram novamente de se submeter a indigni-dades semelhantes e sofrer aflições similares nas mãos de Hájí Mírzá Karím Khán e seus cúmplices (16). Os persisten-tes esforços de Hájí Siyyid Javád os libertaram finalmente

(15) Ver glossário (volume I I ) . (16) Uma luta inflamada ocorreu entre Muqaddas e Karím Khán,

o qual assumiu o cargo de chefe da seita Shaykhí depois da morte de Kázim. A discussão tomou lugar na frente de várias pessoas e Karím desafiou seu contendor que provasse a verdade da missão do Báb. "Se tiver êxito", ele disse, "eu me converterei e meus alunos comigo; po-rém se fracassa, farei com que nos bazares se proclame: "Olhem aquele qii'- p soteia a Sagrada Lei do Islã!". "Eu não sei quem és, Karím", replicou Muqaddas. "Não se lembra de seu mestre Siyyid Kázim e o que ele lhe disse. "Não queres acaso que eu morra para que, depois de mim, apareça a verdade absoluta? Veja como hoje, levado por tuas paixões pela riqueza e a glória, mentes para ti mesmo!".

"Começada desta forma a discussão, não havia outra alternativa a que não fosse a de ser breve. De imediato os alunos de Karím desem-bainliaram seus punhais e se arrojaram sobre aquele que estava insul-tando seu chefe. Afortunadamente o Governador da cidade se interpôs; reteve no palácio Muqaddas e seus seguidores até que os ânimos se acalmassem, e os fez sair da cidade à noite, escoltado por dez homens armados até que tivessem percorrido várias milhas". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 228-229).

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das mãos de seus perseguidores, tornando-lhes possível se-guir a Khurásán.

Embora caçados e atormentados pelos seus inimigos, os discípulos próximos do Báb, juntamente com seus compa nheiros em várias partes da Pérsia, apesar de tais atos cri minosos, não foram impedidos de executar sua tarefa. Inal teráveis em seu propósito e inabaláveis em suas convicções, continuaram a batalhar contra as forças negras que os ata-cavam a cada passo de sua senda. Com sua irrestrita de-voção e incomparável fortaleza, puderam demonstrar a mui-tos de seus patrícios a influência enobrecedora da Fé em cuja defesa se haviam levantado.

Enquanto Vahíd (17) estava ainda em Shíráz, Hájí Siyyid Javád-i-Karbilá'í (18) chegou e foi apresentado ao Báb por Hájí Mírzá Siyyid 'Ali. Numa Epístola que o Báb dirigiu a Vahíd e a Hájí Siyyid Javád, Ele elogiou a firmeza de sua fé e enalteceu o caráter inalterável de sua devoção. Este último havia conhecido e estado com o Báb antes da declaração de Sua Missão, e fora um fervoroso admirador daquelas características extraordinárias que sempre O ha-viam distinguido desde Sua infância. Em época posterior foi ao encontro de Bahá'u'lláh em Bagdá e Dele recebeu espe-cial favor. Quando, poucos anos depois, Bahá'u'lláh foi exi-lado a Adrianópolis, ele, sendo já de uma idade bem avan-çada, regressou à Pérsia, demorou-se por algum tempo na província do Iraque e daí seguiu a Khurásán. Por causa de

(17) Título dado pelo Báb à Siyyid Yahyáy-i-Dárábí. (18) As circunstâncias extraordinárias conectadas com a conver-

são de Hájí Siyyid Javád-i-Karbilá'í é relatada com detalhes no "Kashfu'1-Ghitá" (p. 70-77) e é feita referência a uma carta signifi-cativa que foi revelada para ele por Bahá'u'lláh (p. 63), na qual se faz grande ênfase sobre a importância do Kitáb-i-Aqdas e ressalta a neces-sidade de usar muito cuidado e moderação na aplicação e execução de seus preceitos. O texto desta carta encontra-se nas páginas 70 e 74 deste mesmo livro. A seguinte passagem do "Dalá'il-i-Sab'ih" refere-se a con-versão de Hájí Siyyid Javád: 'Aqá Siyyid Javád-i-Karbilá'í disse que antes da manifestação, um índio haveria de escrever o nome daquele que seria manifestado". (Les Livre des Sept Preuves", traduzido por A. L. M. Nicolas, p. 59).

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sua índole benévola, sua tolerância extrema e simplicidade sem afetação, lhe foi dado o nome de Siyyid-i-Núr (19).

Hájí Siyyid Javád, quando um dia atravessava uma rua em Teerã, viu de repente o Xá, que vinha passando monta-do de cavalo. Sem ser perturbado pela presença de seu so-berano, aproximou-se dele, saudando-lhe. Sua venerável fi gura e sua dignidade de porte agradaram imensamente ao Xá. Respondendo a sua saudação, convidou-o a vir lhe visi-tar. Tal foi a recepção concedida a ele que os cortesãos do Xá se encheram de inveja. "Sua Majestade Imperial não re corda?" protestaram, "que esse Hájí Siyyid Javád não é ou tro, senão o homem que, mesmo antes da declaração do Siyyid-i-Báb, se proclamara um bábí e hipotecara a sua pessoa lealdade imorredora." O Xá, percebendo a malícia que motivavam sua acusação, desagradou-se extremamente e lhes repreendeu por sua temeridade e vileza. "Que estra-nho!" dizem haver ele exclamado, "qualquer um que se distinga pela integridade de sua conduta e pela cortesia de suas maneiras, meu povo logo o denuncia como bábí e o considera merecedor de minha condenação!"

Hájí Siyyid Javád passou os últimos dias de sua vida em Kirmán e permaneceu até sua última hora um fiel de-fensor da Fé. Jamais vacilou em suas convicções nem dimi-nuiu seus generosos esforços para a difusão da Causa.

Shaykh Sultán-i-Karbilá'í, cujos ancestrais eram entre os mais eminentes ulemás de Karbilá, e que havia sido ele próprio um firme defensor e íntimo companheiro de Siyyid Kázim, que também se incluía no número dos que naqueles dias haviam conhecido o Báb em Shíráz. Ele foi quem, mais tarde, seguiu a Sulaymáníyyih em busca de Bahá'u'lláh e cuja filha foi, subseqüentemente, dada em casamento a Aaáy-i-Kalím. Ao chegar em Shíráz, foi acompanhado poi Shaykh Hasan-i-Zunúzí, a quem nos referimos nas primeiras páginas desta narrativa. A ele deu o Báb a tarefa de trans crever, em colaboração com Mullá 'Abdu'1-Karím, as Epísto Ias que recentemente revelara. Shaykh Sultán, que na oca-sião de sua chegada, estivera demasiado doente para ir ao

(19) Significa literalmente "Siyyid radiante".

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encontro do Báb, uma noite, enquanto ainda confinado à cama, recebeu uma mensagem de seu Bem-Amado infor-mando-lhe que, cerca de duas horas após o por do sol, Ele Próprio o visitaria. Aquela noite, o servo etíope, no papel de porta-lanterna para seu Mestre, teve instruções para an-dar na frente, a uma distância que tirasse Dele a atenção do povo, e para extinguir a lanterna logo que alcançasse seu destino.

Já ouvi o próprio Shaykh Sultán descrever aquela visita noturna: "O Báb, que me havia mandado apagar a lanterna em meu aposento antes de Sua chegada, veio diretamente ao lado de minha cama. Em meio à escuridão que nos en-volvia, eu segurava firmemente a oria de Suas vestes e Lhe implorava: 'Satisfaze Tu meu desejo, o' Bem-Amado de meu coração, e permite que eu por Ti me sacrifique, pois nin-guém, senão Tu, me pode conferir esse favor.' 'ó Shaykh!' respondeu o Báb, 'também Eu desejo ardentemente imolar-Me sobre o altar do sacrifício. Convém a nós, ambos, ape-gar-nos às vestes do Mais-Amado e Dele buscar o júbilo e a glória do martírio em Sua senda. Assegurai-vos de que por vós suplicarei ao Todo-Poderoso para que vos capacite a atingir a Sua Presença. Lembrai-vos de Mim naquele Dia, um Dia tal como o mundo jamais viu.' Ao aproximar-se a hora da partida, Ele pos em minha mão uma dádiva que me pediu que despendesse para mim mesmo. Tentei recusar, mas Ele me solicitou que a aceitasse. Finalmente me con-formei com Seu desejo; com isso Ele se levantou e partiu.

"A referência que o Báb naquela noite fez ao Seu 'Mais-Amado excitou em mim admiração e curiosidade. Nos anos subsequentes, eu muitas vezes acreditava que a pessoa a quem o Báb se referira não era outra que Táhirih. Imagi-nava até que Siyyid-i-'Líiuvv fosse aqueia pessoa. Grande era minha perplexidade e não sabia como desvendar esse mis-tério. Quando fui até Karbilá e atingi a presença de Bahá'u'-lláh, convenci-me firmemente de que só Ele poderia reclamar do Báb tal afeição, que Ele, e somente Ele, poderia merecer tamanha adoração."

O segundo Naw-Rúz após haver o Báb declarado Sua Missão, caindo no dia 21 do mês de Rabí'u'l~Avval, no ano

22Í

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de 1262 A.H. (20), encontrou o Báb em circunstâncias de comparativa tranqüilidade e conforto, a:nda em Shíráz, go-zando das bênçãos de ininterrupta associação com Sua fa-mília e parentes. Quietamente e sem cerimônia celebrou o festival de Naw-Rúz em Seu próprio lar e de acordo com Seu costume mvariáve1, conferiu generosamente, tanto a Sua mãe como a Sua esposa, as provas de Sua afeição e Seu fa-vor. Com a sabedoria de Seus conselhos e a ternura de Seu amor alegrou seus corações e dissipou suas apreensões. Ele lhes legou todas as Suas possessões e a seus nomes trans-feriu o título de Sua propriedade. Num documento escrito e ass*nado por Ele mesmo, deu instruções para que Sua casa com mobília, assim como o restante de seus bens, fosse considerada a propriedade exclusiva de Sua mãe e Sua es-posa; e que ao falecer a primeira, sua parte da propriedade revertesse a Sua esposa.

A mãe do Báb não atingiu, de início, à percepção do significado da Missão proclamada pelo seu Filho. Ficou, por algum tempo, inconsciente da magnitude das forças latentes em Sua Revelação. À medida que se aproximava do fim de sua vida, porém, veio a perceber a qualidade inestimável do Tesouro que ela havia concebido e dado ao inundo. Foi Bahá'u'l!áh quem afinal a tornou capaz de descobrir o valor daquele Tesouro oculto que durante tantos anos jazia escon-dido de seus olhos. Ela estava morando no Iraque, onde es-perava passar os dias restantes de sua vida, quando Bahá'u' lláh deu instruções a dois de Seus devotados seguidores, Hájí Siyyid Javád-i-Karbilá'í e a esposa de Hájí 'Abdu'1-Masjíd-i-Shírází, sendo que ambos já lhe conheciam intimamente para que lhe ensinassem os princípios da Fé. Ela admitiu a verdade da Causa e permaneceu, até os anos finais do século treze A.H. (21), quando ela partiu desta vida, plenamente consciente das generosas dádivas que o Onipotente se dig-nara lhe conferir.

A esposa do Báb, diferente de Sua mãe, percebeu desde o primeiro alvorecer de Sua Revelação a glór'a e o inigua-lável grau de Sua Missão e sentiu, desde o princípio, a in-

(20) 1846 A. D. (21) O século .- . _• A H . terminou em outubro de 1882 A.D.

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tensidade de sua força. Nenhuma entre as mulheres de sua geração, com a exceção única de Táhirih, lhe excedeu no caráter espontâneo de sua devoção, nem ultrapassava o fer-vor de sua fé. A ela confiou o Báb o segredo de Seus futuros sofrimentos; a seus olhos desdobrou o significado dos acon-tecimentos que seriam testemunhados em Seu Dia. Disse-lhe que não divulgasse esse segredo a sua mãe e lhe acon-selhou que fosse paciente e resignada à Vontade de Deus. Confiou-lhe uma oração especial, revelada e escrita por Ele Mesmo, assegurando-lhe que a leitura desta oração lhe re-moveria as dificuldades e aliviaria o peso das tributações. "Na hora de tua perplexidade," Ele lhe ensinou, "recita esta oração antes de dormir. Eu Mesmo te aparecerei e banirei tua ansiedade." Fiel a Seu conselho, cada vez que a Ele em prece se volvia, a luz de Sua guia infalível lhe iluminava sua senda e resolvia os problemas (22).

Após haver o Báb tratado dos assuntos de Seu lar e providenciado a futura manutenção tanto de Sua mãe como de Sua esposa, Ele transferiu Sua residência de Sua própria casa para a de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali. Aí aguardou a apro-ximação da hora de Seus sofrimentos. Ele sabia que as afli-ções que Lhe esperavam não mais poderiam ser detidas, que breve um vórtice de adversidade o atingiria e levaria celere-mente ao campo do martírio, o objetivo culminante de Sua vida. Mandou àqueles de Seus discípulos que se haviam es-tabelecido em Shíráz, entre os quais se encontravam Mullá 'Abdu'1-Karím e Shaykh Hasan-i-Zunúzí, que procedessem a Isfáhán e lá aguardassem Suas futuras instruções. Deu ins-truções também a Siyyid Husayn-i-Yazdí, uma das Letras dos Viventes, que chegara recentemente em Shíráz, para que prosseguisse a Isfáhán e procurasse a companhia de seus co-discípulos naquela cidade.

Nesse meio tempo Husayn Khán, governador de Fárs, estava fazendo todo esforço possível para envolver o Báb

(22) A viúva do Báb viveu até o ano de 1300 A.H. e teve seis filhos. Ela era a irmã do avô materno de meu amigo. Os detalhes men cionados acima foram obtidos de uma anciã da mesma família, por isso são dignos de confiança. (Journal of the Royal Asiatic Society, 1889 p. 993).

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em novos embaraços e degradá-Lo ainda mais aos olhos do público. O fogo latente de sua hostilidade foi soprado até flamejar quando ele soube que ao Báb era permitido pros-seguir sem obstáculo o curso de Suas atividades, que Ele podia ainda associar-se a certos de Seus companheiros e que continuava a gozar dos benefícios de irrestrita convivência com Sua família e parentes (23). Com a ajuda de seus agen-tes secretos, conseguiu obter informações acuradas a respei-to do caráter e da influência do Movimento que o Báb ini-ciara. Ele havia observado secretamente Suas atividades, se certificado do grau de entusiasmo que despertara, escrutan-do os motivos, a conduta e o número dos que haviam abra-çado Sua Causa.

Veio a Husayn Khán, uma noite, o chefe de seus emis-sários, trazendo-lhe a notícia de que o número dos que se aglomeravam ao redor do Báb havia assumido tais propor-ções que necessitava ação imediata da parte daqueles que tinham a função de guardar a segurança da cidade. "A mul-tidão fervente que se reúne toda noite para visitar o Báb," ele observou "excede em número a multidão de povo que se amontoa diante dos portões da sede de vosso governo. Entre eles se vêem homens célebres tanto pela sua alta categoria como pela sua extensa erudição (24). Tal é o tato e tão ex-

(23) Entre tanto tumulto, as acaloradas discussões e o escândalo seguiam em Shiráz a tal ponto que, irritado por toda esta confusão e temeroso de suas conseqüências, Hájí Mirzá Aqásí ordenou a Husayn Khán Nízamu'd-Dawlih que se desfizesse do Reformador e que o fizesse de imediato e em segredo". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 235).

(24) "Sumamente irritados, descontentes e preocupados, os Mullás de Párs, incapazes de prever até que ponto poderia aumentar a indigna-ção popular contra eles, não eram os únicos a sentir-se perplexos. As autoridades da cidade e da província compreendiam muito bem que o povo se achava sob seu cuidado porém que nem sempre estava sob seu cor-1role, percebiam agora que estavam completamente independentes deles. Os homens de Shiráz, superficiais, astutos, ruidosos, brigões re-beldes, extremamente insolentes, completamente indiferentes até a dinas-tia Qájár, nunca eram fáceis de governar e seiis administradores passa-vam dias fastidiosos. Qual seria então a posição destes administradores se o verdadeiro chefe da cidade do país, o árbitro de seus pensamentos, seu ídolo, fosse um jovem, sem nenhum desejo de vantagem pessoal, fi-zesse um pedestal de sua independência e se aproveitasse dele para ata-

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cessiva é a generosidade que seu tio materno demonstra em sua atitude para com os oficiais de vosso governo que ne-nhum dentre vossos subordinados se inclina a informar-vos da realidade da situação. Se vós me permitísseis, eu, aju-dado por alguns de vossos auxiliares, surpreenderia o Báb à hora de meia noite e entregaria, algemados, em vossas mãos certos de seus associados que vos esclareceriam a respeito de suas atividades e confirmariam a verdade de minhas asseve-rações." Husayn Khán recusou-se a aceder ao seu desejo. "Eu melhor que vós," foi sua resposta, "poderei determinar o que os interesses do Estado requerem. Observai-me de uma dis-tância; saberei como tratá-lo."

Naquele mesmo momento, o Governador chamou Abdu'1-Hamid Khán, o chefe de polícia da cidade. "Segui imediata-mente," ordenou ele, "à casa de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali. Quie-tamente, sem serdes observado, escalai o muro e subi ao telhado, e daí entrai subitamente em sua casa. Prendei ime-diatamente o Siyyid-i-Báb e conduzi-o a este lugar junta-mente com quaisquer visitantes que estejam presentes com eles no momento. Confiscai quaisquer livros e documentos que possais encontrar naquela casa. Quanto a Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, é minha intenção lhe impor, no dia seguinte, a pena por ter faltado no cumprimento de sua promessa. Juro pelo diadema imperial de Muhammad Sháh, que esta mesma noite mandarei executar o Siyyid-i-Báb juntamente com seus miseráveis companheiros. Sua morte ignominiosa ex-tinguira a chama que acenderam e despertará cada um que pretende ser seguidor daquela crença, para perceber o perigo que espera a todo e qualquer um que tente perturbar a paz

ear descarada e publicamente todos os dias todo aquele que, até agora havia sido considerado como forte e respeitado em toda a cidade?

"Na verdade, a corte, o governo e sua política não haviam sido todavia objeto de nenhuma das violentas denúncias do Inovador porém, em vista do fato de serem tão rígidas em seus costumes, tão inflexível contra a farta de honradez intelectual e as práticas de exploração do clero, sem dúvida ele não aprovaria a fraude tão florescente entre os funcionários públicos e acreditava-se que no dia que caíssem sob sua fiscalização, ele não deixaria de ver e condenar violentamente os abusos que já não poderiam ser mais ocultados. Conde de Gobineau: "Les Re-lig'ons et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 122-123).

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deste reino. Com este ato terei extirpado uma heresia cuja continuação constituiria a mais grave ameaça aos interesses do Estado."

'Abdu'1-Hamíd Khán retirou-se para executar sua tarefa, Na companhia de seus auxiliares arrombou a casa de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali (25) e encontrou o Báb na companhia de Seu tio materno e um certo Siyyid Kázim-i-Zanjání, que mais tarde foi martirizado em Mázindarán, e cujo irmão Siyyid Murtadá foi um dos Sete Mártires de Teerã. Prendeu-os imediatamente, juntou quaisquer documentos que pudesse encontrar, mandou Hájí Mírzá Siyyid 'Ali permanecer em sua casa e conduziu os outros à sede do governo. Ouviu-se o Báb destemido e calmo, repetir este versículo do Alcorão: "Aquilo com que estão ameaçados é para o amanhecer. E não está próximo o amanhecer?"

Mal havia o chefe da polícia alcançado o mercado, quan-do descobriu, com espanto, que o povo da cidade fugia por todos os lados em consternação, como se atingido por uma calamidade pavorosa. Encheu-se de horror ao presenciar a longa procissão de ataúdes que vinha sendo transportada pelas ruas, cada um seguido de uma comitiva de homens e mulheres que emitiam altos gemidos de agonia e dor. Esse tumulto repentino, os lamentos, os semblantes assustados, as imprecações da multidão, fizeram-no ficar angustiado e con-fuso. Indagou sobre a razão. "Esta mesma noite," disseram-lhe, irrompeu uma praga (26) de virulência excepcional. Bateu-nos seu poder devastador. Já, desde a hora de meia noite, extinguiu a vida de mais de cem pessoas. Alarme e desespero reinam em cada lar. A população está abandonan-do suas casas e, em sua aflição invoca a ajuda do Todo-Poderoso (27)."

(25) 23 de setembro de 1845 A. D. Ver "Tarikh-i-Jádíd", p. 204. (26) Epidemia de cólera. (27) O Báb se refere a este incidente no "Dalá'il-i-Sáb'ih nos se-

guintes termos: Lembrem-se dos primeiros dias da Manifestação quanta gente morreu de cólera! Aquela foi uma das coisas assombrosas da Ma-nifestação, no entanto, ninguém a compreendeu. Durante quatro anos o flagelo assolou os muçulmanos Xiítas sem que ninguém captasse seu verdadeiro significado." ("Le Livre des Sept Preuves" traduzido por A. L. M. Nicolas, p. 61-62).

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'Abdu'1-Hamíd Khán, aterrorizado por essa horrenda no-tícia, correu à casa de Husayn Khán. Um homem velho que vigiava sua casa, servindo de porteiro, informou-lhe que a casa de seu patrão estava abandonada, que a assolação da peste engolfara seu lar, afligindo os membros da família. "Duas de suas servas etíopes," disseram-lhe, "e um criado já cairam vítimas dessa praga, e membros de sua própria fa-mília estão gravemente doentes. Em seu desespero, meu pa-trão abandonou a casa e deixando os mortos sem sepultura, fugiu com o resto da família para Bágh-i-Takht (28)."

'Abdu'1-Hamíd Khán decidiu conduzir o Báb a sua pró-pria casa e mantê-Lo sob sua custódia enquanto aguardava instruções do governador. Ao aproximar-se de casa, ficou chocado pelo som de choros e gemidos dos membros de s ;. família. Seu filho havia sido atacado pela peste e periclitava na beira da morte. Em seu desespero, lançou-se aos pés do Báb e com lágrimas lhe implorou que salvasse a vida de seu filho. Suplicou-lhe que perdoasse as passadas ofensas e más ações, "Eu vos adjuro," solicitava ao Báb, enquanto se segurava à orla de Suas vestes, "por Aquele que vos elevou a essa excelsa posição, que intercedais por mim e ofereçais uma oração pela recuperação de meu filho. Não permitais que ele, na flor da juventude, me seja tirado. Não o casti-gueis pelos atos dos quais seu pai seja o culpado. Arrepen-do-me daquilo que fiz e neste momento me retiro de meu posto. Hipoteco-vos solenemente minha palavra de que nun-ca mais aceitarei tal posição, ainda que pereça de fome."

O Báb, que estava prestes a fazer Suas abluções e se preparava a oferecer a oração do alvorecer, d^sse-lhe que levasse ao filho um pouco de água com a qual estava lavan-do o rosto e lhe pedisse que a bebesse. Isto, disse Ele, lhe salvaria a vida.

Mal havia 'Abdu'1-Hamíd visto os sinais da recuperação de seu filho, quando escreveu ao governador uma carta na qual lhe expôs a inteira situação e lhe instou que cessasse de atacar o Báb. "Tende piedade de vós mesmo", lhe escre-via, "bem como daqueles que a Providência entregou a vosso cuidado. Se a fúria dessa praga prosseguir seu curso

(28) Um jardim fora de Shíráz.

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fatal, receio que ninguém nesta cidade terá sobrevivido até o fim deste dia ao horror de seu ataque." Husayn Khán respondeu que o Báb deveria ser posto em liberdade ime-diatamente, sendo-lhe dado o dire'to de ir aonde quizesse (29).

Logo que a notícia desses acontecimentos chegou em Teerã e veio à atenção do Xá, foi emitido e enviado a Sbl-ráz um edito imperial que demitia Husayn Khán de se : posto. Desde o dia de sua demissão, aquele tirano desbriado caiu vítima de incontáveis infortúnios, não podendo, afinal. ganhar sequer o pão de cada dia. Ninguém parecia ter dis-posição ou capacidade para salvá-lo de sua má situação. Quando, mais tarde, Bahá'u'lláh fora banido a Bagdá, Hu-sayn Khán enviou-Lhe uma carta na qual expressava arre-pendimento e prometia expiar seus passados delitos se lhe fosse restituída sua posição antiga, Bahá'u'lláh recusou-se a responder, mergulhado em miséria e ignomínia, enlan-guescia até morrer.

O Báb, que estava hospedado na casa de 'Abdu'1-Hamíd Khán, mandou Siyyid Kázím a Hájí Mírza Siyyid 'Ali para lhe pedir que viesse vê-Lo. Informou Seu tio de Sua inten-ção de partir de Shíráz, entregou a seu cuidado tanto Sua mãe como Sua esposa, incumbindo-lhe de transmitir a cada uma delas a expressão de Seu afeto e assegurar-lhes a infa-lível ajuda de Deus. "Onde quer que estejam," disse a Seu tio, "o amor e a proteção de Deus que tudo abrangem, ha-verão de cercá-las. Eu vos encontrarei novamente nas mon-tanhas de Adhirbáyján, donde vos mandarei para ganhar a coroa do martírio. Eu mesmo vos seguirei, juntamente com um de Meus discípulos leais, e nos reuniremos no reino da eternidade."

(29) Segundo "A Travellers Narrative" p. 11, "Husayn Khán deixou o Báb em liberdade com a condição de sair da cidade".

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CAPÍTULO X

A ESTADA DO BÁB EM ISFÁHÁN

O verão do ano de 1262 A.H. (1) aproximava-se de seu término quando o Báb se despediu pela última vez de Sua cidade natal de Shíráz e seguiu a Isfáhán. Siyyid Kázím-i-Zanjání acompanhou-O nessa jornada. Ao aproximar-se das imediações da cidade, escreveu uma carta ao governador da província, Manúchihr Khán, o Mu'tamidu'd-Dawlih (2), na qual pediu que indicasse seu desejo quanto ao lugar onde Ele pudesse residir. A carta, a qual Ele entregou a Siyyid Kázím, expressava tal cortesia e mostrava tão bela caligra-fia que o Mu'tamid se sentiu impelido a dar instruções ao Sultánu'l-'Ulamá, o Imame Jum'ih de Isfáhán (3), a proemi-nente autoridade eclesiástica daquela província, no intuito de receber o Báb em sua própria casa, fazendo-Lhe boa e generosa acolhida. Além de sua comunicação, o governador enviou ao Imame Jum'ih a carta que ele recebera do Báb. O

(1) 1846 A. D. (2) Manúchihr Khán era um honrem enérgico e valente. Em 1841

acalmou totalmente as tribos Bakhtíyarí que haviam se rebelado. Sua administração vigorosa e severa assegurou ao povo de Isfáhán um pouco de justiça. (C. R. Markham "A General Sketch of the History of Pér-sia", pág. 487).

(3) Segundo Mirzá Abul'1-Fadl (manuscrito, p. 66), o nome do Imame-Jum'ih de Isfáhán era Mír Siyyid Muhammad e seu título era "Sultánu'1-Ulamá". O cargo de Sadru's-Sudúr, o sumo sacerdote do tem-po de Safaví, foi abolido por Nádir Sháh, e o Imame-Jum'ih de Isfáhán passou a ser então o dignatário eclesiástico principal da Pérsia". (C. R. Markhan "A General Sketch of the History of Pérsia", p. 365).

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Sultánu'1-Ulamá, em conseqüência disso, mandou seu pró-prio irmão, cuja crueldade selvagem em anos posteriores lhe ganhou de Bahá'u'lláh o nome de Raqshá (4), seguir com alguns de seus companheiros prediletos para receber e acompanhar o Visitante que esperavam, até o portão da ci-dade. Assim que o Báb se aproximava, o Imame Jum'ih saiu para pessoalmente Lhe dar boas vindas e O conduziu ceri-moniosamente à sua casa.

Tais foram as honras concedidas ao Báb naqueles dias que, numa certa sexta-feira, quando Ele estava regressando do banho público à casa, se viu uma multidão de pessoas que clamavam ansiosamente pela água que Ele havia usado para Suas abluções. Seus fervorosos admiradores acredita-vam firmemente em sua virtude e seu poder infalível de lhes curar as doenças e enfermidades. O próprio Imame JunVih, desde a primeira noite, havia a tal ponto ficado en-cantado com Aquele que era objeto de tão grande devoção, que assumindo as funções de um servente, se incumbiu de atender às necessidades e aos desejos de seu bem-amado Hóspede. Tirando o jarro da mão do mordomo e não levan-do em conta, absolutamente, a dignidade usual de seu grau, se pos a despejar a água sobre as mãos do Báb.

Uma noite, após a ceia, o Imame JunVih, cuja curiosida-de havia sido despertada pelas características extraordiná-rias que seu jovem Hóspede revelara, aventurou-se a pedir-Lhe que revelasse um comentário sobre a Sura de Val-'Asr (5). A seu pedido Ele prontamente acedeu. Pedindo pena e papel, o Báb, com surpreendente rapidez e sem a mínima premeditação, começou a revelar, na presença de Seu anfitrião, uma interpretação iluminadora da Sura men cionada. Meia noite aproximava-se enquanto o Báb se acha va ocupado na exposição das múltiplas implicações envolvi-das na primeira letra dessa Sura. Essa letra, a letra váv, à qual Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í já dera tanta ênfase em seus escritos, simbolisava para o Báb o advento de um novo ciclo de Revelação Divina e foi subseqüentemente mencionada por Bahá'u'lláh no Kitáb-i-Aqdas, em tais passagens como

(4) Quer dizer mulher serpente. (5) Alcorão 103.

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o mistério da Grande Reversão" e "o Sinal do Soberano.'' O Báb logo depois, na presença de Seu anfitrião e seus com-panheiros, começou a entoar a homília que Ele usara como prefácio de Seu comentário sobre a Sura. Aquelas palavras de poder confundiram Seus ouvintes, enehendo-lhes de ad-miração. Pareciam como que enfeitiçados da mágica de Sua voz. Instintivamente se puseram em pé e acompanhados pelo Imame Jum'ih, beijaram reverentemente a orla de Suas vestes. De Mullá Muhammad-Taqíy-i-Harátí, eminente mujta-hid, irromperam súbitas expressões de elogios e exultação. "Inigualável e único," exclamou, "assim como o são as pa-lavras que emanaram dessa pena, o poder de revelar dentro de tão pouco tempo e numa escrita tão legível, tão grande número de versículos que igual a quarta, ou melhor, à ter-ça parte do Alcorão, é em si uma façanha que nenhum ho-mem mortal, sem a intervenção de Deus, poderia esperar realizar. Nem a partição da lua, nem a vivificação dos seixos do mar, pode ser comparada com tão poderoso ato."

À medida que a fama do Báb pouco a pouco se difundia pela cidade inteira de Isfáhán, uma incessante corrente de visitantes fluía de toda parte em direção à casa do Imame Jum'ih. Uns poucos a fim de satisfazerem a curiosidade, ou-tros para obterem uma compreensão mais profunda das verdades fundamentais de Sua Fé, e ainda outros em busca do remédio para seus males e sofrimentos. O próprio Mu 'tamid veio um dia visitar o Báb e, enquanto sentado no meio da assembléia dos mais brilhantes e esmerados sacer-dotes de Isfáhán, Lhe pediu que expusesse a natureza do Nubuvvat-i-Khássih (6) e demonstrasse sua validez. Ele ha-via anteriormente, nessa mesma assembléia, solicitado aos presentes que aduzissem tais provas e evidências em apoio desse artigo fundamental de sua Fé que constituísse um tes-temunho incontestável para aqueles inclinados a lhe refutar a verdade. Ninguém, entretanto, parecera capaz de respon-der a esse convite. "Qual preferís," perguntou o Báb, "uma resposta verbal à vossa pergunta, ou uma por escrito?" "Uma resposta escrita," disse ele, "não agradaria àqueles

(6) A "Missão Específica" de Maomé.

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presentes nesta reunião, como também edificaria e instruiria tanto à geração atual como às futuras."

O Báb instantaneamente tomou Sua pena e se pos a es-crever. Em menos de duas horas havia Ele enchido cerca de cinqüenta páginas com uma pesquisa extremamente revi-goradora e circunstancial sobre a origem, o caráter e a in-fluência predominante do Islã. A originalidade de Sua dis-sertação, o vigor e a vivacidade de seu estilo, a precisão de seus mais minuciosos detalhes fizeram que Seu tratamento desse tema nobre se revestisse de uma excelência que ne-nhum dos presentes nessa ocasião pudesse ter deixado de perceber. Com penetração magistral, Ele ligou a idéia cen-tral nas passagens concludentes dessa exposição ao advento do prometido Qá'im e a "Volta" esperada do Imame Husa yn (7). Argumentava com tal força e coragem que aqueles que O ouviram recitar esses versículos espantaram-se com a magnitude de Sua Revelação. Ninguém se atreveu a insi-nuar a mais ligeira objeção — muito menos a desafiar aber-tamente Suas afirmações. O Mu'tamid não pode deixar de exteriorizar seu entusiasmo e júbilo. "Que me ouçais!" ex clamou. "Membros dessa reverenda assembléia, eu vos tomo como minhas testemunhas. Nunca até este dia estive eu de coração firmemente convencido da verdade do Islã. Dora-vante poderei, graças a esta exposição redigida por esse Jo-vem, me declarar crente firme na Fé proclamada pelo Após-tolo de Deus. Solenemente testifico que creio na realidade do poder sobrehumano do qual é dotado esse Jovem, poder esse que a erudição, por maior que seja, jamais poderá con-ferir." Com estas palavras encerrou a reunião.

A crescente popularidade do Báb incitou o ressentimen-to das autoridades eclesiásticas de Isfáhán, que viam com preocupação e inveja a ascendência que um Jovem não ins-truído estava adquirindo lentamente sobre os pensamentos e as consciências de seus seguidores. Acreditaram firme mente que, se não se levantassem para deter o fluxo de en-tusiasmo popular, os próprios fundamentos de sua exsstên-

(7) Referência a Sua própria missão e a revelação subseqüente de BaháVlláh.

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cia seriam minados. Alguns dos mais sagazes entre eles achavam prudente absterem de atos de hostilidade direta à pessoa ou aos ensinamentos do Báb, pois tal ação, pensa-vam, só serviria para Lhe realçar o prestígio e consolidar a posição. Os malévolos, porém, estavam muito ocupados em disseminar as mais extravagantes informações a respeito do caráter e das pretensões do Báb. Essas informações cedo chegaram em Teerã e foram levadas à atenção de Hájí Mír-zá Áqásí, Grão-Vizir de Muhammad Sháh. Esse ministro arrogante e despótico viu com apreensão a possibilidade de seu soberano se sentir inclinado, algum dia, a mostrar favor ao Báb, uma inclinação que, ele tinha certeza, precipitaria sua própria queda. O Hájí, além disso receava que o Mu' tamid, em quem o Xá tinha confiança, conseguisse arranjar uma entrevista entre o soberano e o Báb. Ele estava bem ciente de que, no caso de se realizar tal entrevista, Muham-mad Sháh tão impressionável e de coração terno, seria com-pletamente conquistado pela novidade e pelo encanto dessa crença. Incitado por tais reflexões, dirigiu ao Imame Jum'ih uma comunicação em palavras fortes, na qual o repreendia por seu grave descuido da obrigação que lhe fora imposta, a de salvaguardar os interesses do Islã. "Nós esperávamos," escrevia-lhe Hájí Mírzá Áqásí, "que resistísseis com todo o vosso poder qualquer causa que estivesse em conflito com os melhores interesses do governo e do povo desta terra. Parece que vós, em vez disso tendes favorecido, ainda mais, glorificado, o autor desse movimento obscuro e desprezível." Escreveu, outrossim, várias cartas encorajando os ulemás de Isfáhán, a quem ele anteriormente desprezara mas a quem, agora, prodigalizava seus especiais favores. O Imame Jum'ih, embora recusasse alterar sua atitude respeitosa para com seu Hóspede, foi induzido pelo tom da mensagem a man-dar seus associados planejarem meios que tendessem a di-minuir o sempre-crescente número de visitantes que todo dia se aglomeravam para entrar na presença do Báb. Muham-mad-Mihdí, de sobrenome Safíhu'l-'Ulamá, filho do faleci-do Hájí Kalbásí, em seu desejo de satisfazer o desejo e ga-nhar a estima de Hájí Mírzá Áqasí, começou a caluniar o Báb do púlpito na mais indecorosa linguagem.

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Assim que o Mu'tamid foi informado desses aconteci-mentos, mandou uma mensagem ao Imame Jum'ih na qual lhe lembrava a visita que ele como governador fizera ao Báb e o convidava bem como ao seu Hóspede para sua casa. O Mu'tamid convidou Hájí Siyyid Asadu'lláh, filho do falecido Hájí Siyyid Muhammad Báqir-i-Rashtí, Hájí Mu-hammad-Ja'far-i-Ábádiyí, Muhammad-Mihdí, Mírzá Hasan-i-Núrí e alguns outros para estarem presentes nessa reunião. Hájí Siyyid Asadu'lláh recusou o convite e tentou dissuadir aqueles convidados de participarem daquela reunião. "Dei minhas escusas," informou-lhes, "e queria com absoluta cer-teza exortar-vos a fazer o mesmo. Acho muito imprudente que encontreis o Siyyid-i-Báb face a face. Ele, sem dúvida, reafirmará sua pretensão e, a fim de sustentar seu argumen-to, aduzirá qualquer prova que possais desejar que ele apre-sente e, sem a mínima hesitação, revelará, como testemunho da verdade da qual é portador, versículos tão numerosos que igualariam a metade do Alcorão. No fim ele vos desa-fiará nestas palavras: "Apresentais semelhantemente, se sois homens de verdade." De modo algum poderemos nós ter êxito em lhe resistir. Se nos desdenharmos de lhe respon-der, nossa incapacidade terá sido exposta. Se nós, por outro lado, nos submetermos a sua pretensão, não somente esta-remos comprometendo nossa própria reputação, cedendo nossas próprias prerrogativas e nossos direitos, mas tam-bém nos veremos em obrigação de admitir quaisquer outras pretensões que ele se possa sentir inclinado a fazer no fu-turo."

Hájí Muhammad-Ja'far atendeu a esse conselho e recu-sou aceitar o convite do governador. Muhammad Mihdí, Mírzá Hasan-i-Núrí e alguns outros que desdenharam tal con-selho apresentaram-se na hora marcada na casa do Mu 'tamid. A convite do anfitrião, Mírzá Hasan, notável plato-nista, pediu ao Báb que elucidasse certas doutrinas filosófi-cas abstrusas relacionadas com o Arshíyyih de Mullá Sa-drá (8), cujo sentido apenas poucos haviam conseguido des-

(8) Veja nota K, "A Traveller's Narrative", de Gobineau, pp. 65-73.

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vendar (9). Em linguagem simples, informal, o Báb respon deu a cada uma de suas perguntas. Mírzá Hasan, embora não pudesse apreender o significado das respostas que rece-bera, compreendeu como era inferior a erudição dos assim chamados expoentes das escolas platônicas e aristotélicas de pensamento em comparação com o conhecimento mos-trado por esse Jovem. Muhammad Mihdí, por sua vez, aven-turou-se a perguntar ao Báb a respeito de certos aspectos da lei islâmica. Mal satisfeito com a explicação que recebeu, ele começou a discutir futilmente com o Báb. Breve foi ele silenciado pelo Mu'tamid, que, cortando a conversação brus-camente, se virou para um criado e, mandando-lhe acender a lanterna, deu ordem para que Muhammad Mihdí fosse conduzido imediatamente a sua casa. O Mu'tamid logo em seguida confiou ao Imame Jum'ih suas apreensões. "Receio

(9) "Como Muhammad guardava silêncio, Mirzá Muhammad-Ha-san, que seguia a doutrina filosófica de Mullá Sadrá, interrogou o Báb com o objetivo de induzi-lo a explicar três milagres que bastaria relatar para ilustrar o leitor. O primeiro era o Tiyyu'1-Ard, ou seja o trans-porte imediato de um ser humano de uma parte do mundo à outro ponto muito distante. Os Xiítas estão convencidos que o terceiro Imame, Javád, utilizou esta forma muito fácil e econômica de viajar. Por exemplo, se transportou de Medina, na Arábia até Tús em Khurásan, num piscar de olhos.

"O segundo milagre era a presença simultânea da mesma pessoa em muitos lugares diferentes. 'Ali foi, ao mesmo tempo, hóspede de sessenta pessoas diferentes.

"O terceiro milagre foi um problema de cosmografia que apresen-tou aos astrônomos da época que provavelmente riram dele. Falava se que durante o reinado de um tirano, o céu giraria rapidamente en-quanto que durante o de um Imame giraria lentamente. Em primeiro lugar, como poderia o céu ter dois movimentos? Segundo, o que haveria de ocorrer durante o reinado dos "Umayyad e dos Abbasid? Estas foram as loucuras cujas soluções propunham ao Báb.

"Não me estenderei mais sobre elas, porém creio que a esta altura devo deixar bem claro a mentalidade dos Muçulmanos eruditos da Pérsia. Se considerarmos que, por quase mil anos, a ciência do I rã pesquisou sobre tais estupidez e que os homens se esgotaram em investigações contínuas sobre tais questões, é fácil compreender o vazio e a arrogân-cia de todas essas mentes.

"Seja como for, a reunião foi interrompida pela chamada do al-moço do qual todos se serviram e depois regressaram à suas respectivas casas". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb". pp. 239-240).

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as maquinações dos inimigos do Siyyid-i-Báb," disse-lhe. "O Xá já o chamou a Teerã. Recebi ordens para providenciar Sua partida. Acho mais aconselhável Ele ficar em minha casa até a hora em que possa sair desta cidade." O Imame Jum'ih acedeu a seu pedido e voltou sozinho para casa.

O Báb havia permanecido quarenta dias na residência do Imame JunVih. Enquanto lá ainda estava, um certo Mullá Muhammad-i-Taqíy-i.Harátí, que teve o privilégio de estar com o Báb todos os dias, incumbiu-se, com Seu consenti-mento, de traduzir uma de Suas obras, intitulada Risáliy-i-Furú-i-Adlíyyih, do original árabe para o persa. O serviço que com isso prestou aos crentes persas foi manchado, po-rém, pela sua conduta subseqüente. Medo subitamente apo-derou-se dele, induzindo-o afinal a cortar relações com seus companheiros de crença.

Antes de haver o Báb transferido Sua residência para a casa do Mu'tamid, Mírzá Ibráhím, pai do Sultánu'sh-Shu-hadá' e irmão mais velho de Mírzá Muhammad-Alíy-i-Nahrí, a quem já nos referimos, convidou o Báb para sua casa uma noite. Mírzá Ibráhím era amigo do Imame Jum'ih, esta-va intimamente associado com ele e controlava a adminis-tração de todos os seus assuntos, o banquete que se prepa-rou para o Báb naquela noite foi um de inexcedível magni-ficência. Comumente se observava que nem os oficiais nem as notabilidades da cidade haviam oferecido um banquete de tal magnitude e esplendor. O Sultánu'sh-Shuhadá' e seu irmão, o Mahbúbu'-sh-Shuhadá, que eram meninos de nove e onze anos respectivamente, serviram naquele banquete e receberam especial atenção do Báb. Aquela noite, durante o jantar, Mírzá Ibráhím virou-se para seu convidado e disse: "Meu irmão, Mírzá Muhammad-'Alí, não tem nenhum filho. Peço-vos que intercedais por ele e lhe concedais o desejo de seu coração." O Báb tomou uma parte do alimento que Lhe fora servido e colocou-a com as próprias mãos numa tra-vessa, a qual passou a Seu anfitrião, pedindo-lhe que a levas-se a Mírzá Muhammad-'Alí e sua esposa. "Que ambos se sirvam disto," disse Ele; "seu desejo será cumprido." Em virtude desse alimento que o Báb se dignara de lhe conce-der, a esposa de Mirzá Muhammad-'Alí concebeu e, no de-vido tempo nasceu uma menina, que subseqüentemente se

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uniu em matrimônio com o Maior Ramo (10). Essa união veio a ser considerada a consumação das esperanças nutri-das pelos seus pais.

As altas honras conferidas ao Báb serviram para infla-mar ainda mais a hostilidade dos ulemás de Isfáhán. Cons-ternados, viram por todos os lados evidências de Sua influ ência predominante que invadia a cidadela da ortodoxia e lhe subvertia os fundamentos. Convocaram uma reunião, na qual redigiram um documento, assinado e selado por todos os eclesiásticos da cidade, pelo qual condenavam o Báb à morte (11). Todos concordaram nessa condenação exceto Hájí Siyyid Asadu'lláh e Hájí Muhammad-i-Ja'far-i-Abadiyí, ambos dos quais recusaram associar-se ao conteúdo de um documento tão flagrantemente abusivo. O Imame Jum'ih, em-bora declinasse endossar a sentença de morte do Báb, foi induzido, por causa de sua extrema covardia e ambição, a acrescentar àquele documento, escrito de próprio punho, o seguinte testemunho. "Testifico que, durante minha associa-ção com esse jovem, não pude descobrir qualquer ato que de modo algum denunciasse seu repúdio às doutrinas do Islã. Ao contrário, eu o tenho conhecido como piedoso e leal observador de seus preceitos. A extravagância de suas pretensões, entretanto, e seu desdenhoso desprezo das coi-sas do mundo, inclinam-me a crer que ele está destituído de sua razão e juízo."

Assim que o Mu'tamid foi informado da condenação pronunciada pelos ulemás de Isfáhán, ele determinou, me-diante um plano concebido por ele mesmo, nulificar os efei-tos daquele veredicto cruel. Deu instruções imediatas para que, perto da hora do por sol, o Báb, escoltado por quinhen-tos cavaleiros da própria guarda montada pessoal do go-vernador, saísse pelo portão da cidade e seguisse em direção a Teerã. Ordens imperativas haviam sido dadas para que, ao se completar cada farsang (12), cem dessa escolta montada

(10) Referência ao matrimônio de Muníríh Khánum com 'Abdu'l-Bahá.

(11) Segundo Mirzá Abu'1-Fadl, aproximadamente setenta dos eminentes ulemás e outras pessoas importantes assinaram um documento que condenava o Báb como herege e o condenava a morte.

(12) Veja glossário (volume I I ) .

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voltassem diretamente a Isfáhán. Ao comandante do último contingente, um homem em que ele tinha implícita con-fiança, o Mu'tamid intimou confidencialmente seu desejo de que, a cada maydan (13), vinte dos cem restantes fossem por ele ordenados a regressar à cidade. Dos vinte que resta-vam da cavalaria, o Mu'tamid ordenou que dez fossem des-pachados a Ardistán para a cobrança das taxas impostas pelo governo, enquanto os outros, dos quais todos eram seus homens experimentados, os mais dignos de confiança trou-xeram o Báb de volta, disfarçado, por um caminho pouco freqüentado, até Isfáhán. (14) Foi-lhes recomendado, além disso, que de tal modo regulassem sua marcha que antes do alvorecer do dia seguinte o Báb tivesse chegado em Isfáhán e sido entregue à custodia dele. Esse plano foi imediatamen-te empreendido e devidamente executado. Numa hora insus-peita, o Báb reentrou na cidade, foi conduzido diretamente à residência particular do Mu'tamid, conhecida pelo nome de 'Imárat-i-Khurshíd (15), e levado aos seus aposentos parti-culares por uma entrada lateral reservada para o próprio Mu'tamid. O governador pessoalmente atendia ao Báb, ser-vindo-Lhe as refeições e fornecendo qualquer coisa que fosse necessária para Seu conforto e Sua segurança (16).

Entrementes, as mais absurdas conjeturas circulavam pela cidade a respeito da viagem do Báb a Teerã, dos sofri-

(13) Veja glossário (volume TI), (14) Segundo 'A Traveller's Narrative" (p. 13), o Mu'tamid deu

ordens secretas para que quando o Báb chegasse a Múchih-Khár (a se-gunda etapa ao sair de Isfáhán por um caminho pelo norte, a uma dis-tância de aproximadamente 35 milhas), Ele deveria voltar à Isfáhán.

(15) "Assim como este quarto (em que me encontro) que não tem portas nem limites definidos é hoje a morada mais elevada do Paraíso, porque a Árvore da Verdade habita nele. Parece como se todos os átomos do quarto, cantassem juntos com uma só voz: "Na verdade, Eu sou Deus! Não há outro Deus fora de mim, o Senhor de todas as coisas". E can-tam por cima de todos os quartos do mundo, inclusive sobre aqueles adornados com espelhos e ornamentos de ouro. No entanto, se a Árvore da Verdade reside em um desses quartos adornados, então os átomos de seus efpelhos cantam essa canção, como fizeram e fazem os átomos do Palácio Sadrí, porque nos dias de Sád (Isfáhán) é habitado ali". ("Le Bayan Persan," vol. I, pg. 128).

(16) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 13), O Báb perma-neceu durante quatro meses naquela casa.

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mentos que tivera de suportar no caminho para a capital, do veredicto que havia sido pronunciado contra Ele e da pena que Ele sofrerá. Esses boatos afligiram penosamente os crentes que residiam em Isfáhán. O Mu'tamid, bem cien-te de sua tristeza e ansiedade, intercedeu ao Báb por eles, pedindo permissão para levá-los a Sua presença. O Báb di-rigiu algumas paiavras escritas pelo próprio punho a Mullá 'Abdu'1-Karím-i-Qazvíní, que se havia alojado no madrisih de Ním-Ávard, e disse ao Mu'tamid que lhe enviasse essa men-sagem por alguém de confiança. Uma hora mais tarde, 'Ab du'1-Karím foi levado à presença do Báb. De sua chegada ninguém exceto o Mu'tamid foi informado. Ele recebeu de seu Mestre alguns de Seus escritos, com instruções para transcrevê-los, em colaboração com Siyyid Husayn-i-Yazdí e Shaykh Hasan-i-Zunúsí. A estes ele regressou logo, levando as boas novas do bem-estar e segurança do Báb. De todos os crentes que residiam em Isfáhán, a estes três somente foi permitido vê-Lo.

Um dia, enquanto sentado com o Báb em seu jardim particular dentro do pátio de sua casa, o Mu'tamid, queren-do confiar algo a seu Hóspede, a Ele se dirigiu com estas palavras: "O todo-poderoso Doador dotou-me de grandes riquezas (17). Não sei como melhor usá-las. Agora que tenho sido levado, pela ajuda de Deus, a reconhecer essa Revela-ção, é meu ardente desejo consagrar todas as minhas pos-sessões à promoção de seus interesses e à difusão de sua fama. É minha intenção prosseguir, com Vossa permissão, a Teerã, e fazer todo o possível para que Muhammad Sháh, cuja confiança em mim é firme e inabalável, venha a acei-tar essa Causa. Estou certo de que ele a abraçará entusias-ticamente e se levantará para promovê-la por toda parte. Tentarei também induzir o Xá a exonerar o corrompido Hájí Mirzá Áqásí, a insensatez de cuja administração tem levado esta terra para bem perto da beira da ruína. Em seguida,

(17) Em 4 de março de 1847 o Sr. Bonnière escreveu ao Ministro de Relações Exteriores da França: "MirtamiduM-Dawlih, o governador de Isfáhán, acaba de falecer deixando uma fortuna calculada em qua-renta milhões de francos". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid'Alí-Muharnmad dit le Báb", p. 242, nota 192).

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farei um esforço a fim de obter para Vós a mão de uma das irmãs do Xá, e empreenderei eu mesmo os preparativos para Vossas núpcias. Finalmente, espero poder inclinar os cora-ções dos governantes e reis da Terra a esta mais maravilho-sa Causa e extirpar o último vestígio daquela corrupta hie-rarquia eclesiástica que se tornou uma mancha no belo no-me do Islã.' "Que Deus vos recompense por vossas intenções," respondeu o Báb. "Tão elevado propósito é para Mim ainda mais precioso do que o próprio ato. Vossos dias e os Meus são contados, porém. São demasiado breves para permitir que Eu presencie e vós atinjais a realização de vossas espe-ranças. Não pelos meios que vós carinhosamente imaginais será que uma Providência onipotente consiga o triunfo de Sua Fé. Por intermédio dos pobres e humildes desta terra, pelo sangue que eles terão derramado em Seu caminho, será que o Soberano todo-poderoso haverá de assegurar a preser-vação de Sua Causa e lhe consolidar os alicerces. Esse mes-mo Deus, no mundo vindouro, colocará sobre vossa cabeça a coroa de glória imortal e derramará sobre vós Suas bên çãos inestimáveis. Do curso de vossa vida terrena restam apenas três meses e nove dias, depois do que vós, com fé e certeza, vos apressareis à vossa morada eterna." Com estas palavras o Mu'tamid muito se regozijou. Resignado à Von tade de Deus, preparou-se para a partida que as palavras do Báb haviam tão claramente prognosticado. Escreveu seu te* tamento, tratou de seus interesses particulares e legou ao Báb tudo o que ele possuía. Imediatamente após sua morte entretanto, seu sobrinho, o voraz Gurgín Khán, descobriu e destruiu seu testamento, apoderou-se de seus bens e desde-nhosamente deixou de levar em conta seus desejos.

À medida que os dias de sua vida terrena se aproxima-vam do fim, o Mu'tamid procurava mais e mais a presença do Báb e em suas horas de íntima associação com Ele obteve uma compreensão mais profunda do espírito que animava Sua Fé. "À medida que a hora de minha partida se apro-xima," disse ele um dia ao Báb, sinto uma alegria indefi-nível penetrar minha alma. Mas estou apreensivo por Vós, tremo ao pensar em ser obrgado a Vos deixar à mercê de tão impiedoso sucessor como Gurgín Khán. Ele, sem dúvida, descobrirá Vossa presença nesta casa e lastimavelmente, eu

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receio, Vos maltratará." "Não tenhais receio," protestou o Báb, "já Me entreguei às mãos de Deus. Nele está Minha confiança. Tal é o poder que Ele a Mim concedeu que, se for Meu desejo, poderei converter esta próprias pedras em jóias de inestimável valor, e poderei instilar no coração do mais malévolo criminoso os mais elevados conceitos de re-tidão e dever. Por Minha própria vontade escolhi persegui-ção pelos Meus inimigos, a fim de que Deus efetivasse a coisa destinada a ser feita (18)." Assim que essas preciosas horas voavam, o coração do Mu'tamid se enchia de um senso de devoção sobrepujante, de maior consciência da proximi-dade de Deus. A seus olhos a pompa e o fausto do mundo dissolviam em insignificância quando face à face com as realidades eternas entesouradas na Revelação do Báb. A vi-são que ele tinha de suas glórias, suas infinitas potencia-lidades, suas bênçãos incalculáveis, tornava-se mais vivida enquanto aumentava sua compreensão da vaidade da am-bição terrena e das limitações do esforço humano. Conti-nuou a ponderar esses pensamentos em seu coração até a hora em que um leve ataque de febre, que durou apenas uma noite, pos termo subitamente a sua vida. Sereno e con-fiante alçou seu vôo ao Grande Além (19).

Quando a vida do Mu'tamid se aproximava de seu fim, o Báb chamou a Sua presença Siyyid Husayn-i-Yazdí e Mullá 'Abdu'1-Karím, participou-lhes a natureza de sua predição a seu anfitrião e mandou que dissessem aos crentes reunidos na cidade que se espalhassem por toda parte de Káshán, Qum e Teerã e aguardassem qualquer coisa que a Providên-cia, em Sua sabedoria, se dignasse decretar.

Poucos dias após a morte do Mu'tamid, uma certa pes-soa ciente do desígnio que ele concebera e executara para a proteção do Báb, informou a seu sucessor, Gurgín Khán (20), da real residência do Báb, no 'Imárat-i-Khurshíd, e lhe

(18) Alcorão, 8:42. (19) Ele faleceu, segundo E. G. Browne ("A Traveller's Narra-

tive, nota L, p. 277), no mês de Rabí'u'1-Avval no ano 1653 A.H. (Fe-vereiro-março, 1847, A. D.).

(20) Segundo "A Traveller's Narrative, p. 13, ele era sobrinho de Mu'tamid.

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descreveu as honras que seu predecessor prodigalizara a seu Hóspede na solidão de seu próprio lar. Ao receber esta ines-perada informação, Gurgín Khán enviou seu mensageiro a Teerã, instruindo-lhe que entregasse pessoalmente a Muham-mad Sháh a seguinte mensagem: "Há quatro meses se acre-ditava geralmente em Isfáhán que, de conformidade com a chamada imperial de vossa Majestade, o Mu'tamidu'd-Da\v-lih, meu predecessor mandara o Siyyid-i-Báb à sede do go-verno de vossa Majestade. Descobriu-se agora que esse mes-mo siyyid está atualmente ocupando o 'Imárat-i-Khurshíd, a residência particular do Mu'tamidu'd-Dawlih. Certificou-se de que meu predecessor ofereceu, ele mesmo, a hospitalidade de seu lar ao Siyyid-i-Báb e cuidadosamente guardou esse segredo tanto do povo como dos oficiais dessa cidade. Qual-quer que seja o decreto que vossa Majestade queira emitir, incumbo-me de executá-la sem a mínima hesitação."

O Xá, que estava firmemente convencido da lealdade do Mu'tamid, compreendeu, ao receber essa mensagem, que fora a intenção sincera do falecido governador aguardar uma ocasião favorável quando pudesse arranjar um encontro en-tre ele e o Báb, e que sua morte repentina havia interferido na execução desse plano. Emitiu um mandato imperial cha-mando o Báb à capital. Em sua mensagem por escrito a Gurgín Khán, o Xá ordenou-lhe que mandasse o Báb, dis-farçado, a Teerã em companhia de uma escolta montada (21) chefiada por Muhammad Big-i-Chápárchí (22), da seita dos 'Alíyulláhí; que mostrasse a máxima consideração para com Ele durante Sua viagem e mantivesse estritamente em se-gredo Sua partida (23).

Gurgín Khán foi imediatamente ao Báb e entregou em Suas mãos o mandato escrito do soberano. Chamou em se-guida Muhammad Big, transmitiu-lhe as ordens de Muham-

(21) Segundo "A Traveller's Narrative", p. 14, os membros da escolta pertenciam a cavalaria Nusayrí. Veja nota 1, p. 14.

(22) Chápárchi significa mensageiro. (23) "O Xá, antojado e caprichoso, tendo esquecido que fazia

pouco tempo que havia ordenado a morte do Reformador, sentiu nascer em si o desejo de ver, por fim ao homem que dava tanto o que falar;

por isso, deu à Gurgín Khán a ordem para mandar o Báb à sua pre-sença em Teerã". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le

Báb", p. 242).

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mad Sháh mandou-lhe iniciar imediatamente os preparativos para a viagem. "Acautelai-vos," advertiu-lhe ele, "para que ninguém descubra sua identidade nem suspeite a natureza de vossa missão. A ninguém senão vós, nem mesmo aos mem-bros de sua escolta, deve ser permitido reconhecê-Lo. Se alguém vos perguntar a seu respeito, dizei que é um comer-ciante que fomos incumbidos de conduzir à capital e cuja identidade ignoramos completamente." Pouco depois de meia noite, o Báb partiu da cidade de acordo com essas instruções e seguiu em direção a Teerã.

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CAPÍTULO XI A ESTADA DO BÁB EM KÁSHÁN

Na véspera da chegada do Báb em Káshán, Hájí Mírzá Jání, de sobrenome Parpá, residente de renome naquela ci-dade, sonhou que estava em pé, no fim da tarde, no portão de 'Attár, um dos portões da cidade, quando seus olhos su-bitamente avistaram o Báb, montado, usando em vez de Seu turbante usual, o kuláh (1) que os comerciantes da Pérsia costumavam usar. Em Sua frente, bem como atrás Dele, mar-chava um grupo de soldados de cavalaria a cuja custódia Ele parecia haver sido entregue. Assim que se aproximavam do portão, o Báb lhe saudou, dizendo: "Hájí Mírzá Jání, Nós havemos de ser vosso Hóspede por três noites. Preparai-vos para Nos receber."

Quando acordou, a vivacidade de seu sonho convenceu-o da realidade de sua visão. Esta inesperada aparição consti-tuiu em seus oihos uma advertência providencial que ele se sentia na obrigação de atender e observar. Pos-se, de acordo com isso, a preparar sua casa para a recepção do Visitante, providenciando qualquer coisa que lhe parecesse necessária para Seu conforto. Após haver completado os arranjos pre-liminares para o banquete que decidira oferecer ao Báb nessa noite, Hájí Mírzá Jání seguiu ao portão de 'Attár e lá aguardou os sinais da esperada chegada do Báb. Na hora marcada, enquanto escrutava o horizonte, discerniu na dis-tância o que lhe parecia ser uma companhia de soldados

(1) Veja glossário (volume II).

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de cavalaria que se aproximava do portão da cidade. Assim que se apressava a seu encontro, seus olhos reconheceram o Báb cercado de Sua escolta e vestido nas mesmas roupas e com a mesma expressão que ele havia visto em seu sonho na noite anterior. Hájí Mírzá Jání jubilosamente se aproxi-mou Dele e se curvou para Lhe beijar os estribos. O Báb impediu-lhe, dizendo: "Nós havemos de ser vosso Hóspede por três noites. Amanhã é o dia de Naw-Rúz; comemora lo-emos juntos em vossa casa." Muhammad Big, que viaja-ra montado junto do Báb, supunha que Ele fosse um co-nhecido íntimo de Hájí Mirzá Jání. Virando-se a ele, disse: "Estou pronto a aquiescer em qualquer coisa que seja o desejo do Siyyid-i-Báb. Eu queria vos pedir, entretanto, que obtenhais a aprovação de meu colega que comigo compar-tilha a incumbência de conduzir o Siyyid-i-Báb a Teerã.'" Hájí Mírzá Jání submeteu seu pedido, o qual foi terminan-temente recusado. "Declino vossa sugestão," disse-lhe. "Tive as mais enfáticas instruções para não permitir que esse Jovem entrasse em qualquer cidade antes de sua chegada na capital. Recebi ordens especiais para que se passássemos a noite fora do portão da cidade, interrompesse a marcha na hora do por do sol e a continuasse no dia seguinte na hora do alvorecer. Não me posso desviar das ordens que me foram dadas." Isto motivou uma altercação acrimoniosa, a qual terminou afinal a favor de Muhammad Big, que con-seguiu induzir seu oponente a entregar o Báb à custódia de Hájí Mírzá Jání com a condição explícita de que na ter-ceira manhã ele devolvesse seu Hóspede são e salvo às suas mãos. Hájí Mírzá Jání, que tivera a intenção de convidar a sua casa a escolta inteira do Báb, foi por Ele aconselhado que abandonasse esse propósito. "Ninguém, senão vós," in-sistia Ele, deveria Me acompanhar à vossa casa." Hájí Mírzá Jání pediu permissão para custear as despesas dos soldados de cavalaria durante os três dias em Káshán. "É desneces-sário," observou o Báb, "se não fosse Minha vontade, nada em absoluto os haveria induzido a Me entregar em vossas mãos. Todas as coisas jazem aprisionadas nas mãos de Seu poder. Nada Lhe é impossível. Ele remove toda dificuldade e supera todo obstáculo." Os soldados de cavalaria alojaram-se em um caravançarai nas imediações do portão da cidade.

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Muhammad Big, seguindo as instruções do Báb, acompa-nhou-O até que se aproximaram da casa de Hájí Mírzá Jání. Tendo averiguado a localização da casa, regressou, juntan-do-se a seus companheiros.

A noite em que o Báb chegou em Káshán coincidiu com a véspera do terceiro Naw-Rúz após a declaração de Sua Missão, ou seja o segundo dia do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1263 A.H. (2) Nessa mesma noite, Siyyid Husayn-i-Yazdí, que anteriormente, de acordo com as instruções do Báb, havia vindo a Káshán, foi convidado à casa de Hájí Mírzá Jání e admitido à presença de seu Mestre. O Báb es-tava ditando a ele uma Epístola em honra de Seu anfitrião, quando chegou um amigo deste, um certo Siyyid 'Abdu'l-Báqí, célebre em Káshán por sua erudição. O Báb convidou-o a entrar, permitiu que ouvisse os versículos que Ele estava revelando, mas se recusou a desvendar-lhe Sua identidade. Nas passagens concludentes da Epístola que estava dirigindo a Hájí Mírzá Jání, orou por ele, suplicando ao Todo-Poderoso que lhe iluminasse o coração com a luz do conhecimento Di-vino e desse a sua língua o poder de servir e proclamar a Sua Causa. Embora sem instrução, iletrado, Hájí Mírzá Jání pode, em virtude desta oração, impressionar com seu dis-curso até o mais hábil sacerdote de Káshán. Veio a ser do-tado de tal poder que ele conseguia silenciar qualquer pre-tencioso vão que ousasse desafiar os preceitos de sua Fé. Nem mesmo o arrogante e imperioso Mullá Ja'far-i-Naráqí podia, não obstante sua consumada eloqüência, resistir a força de seu argumento e se via forçado a admitir exterior-mente os méritos da Causa de seu adversário, se bem que no coração se recusasse a crer em sua verdade.

Siyyid 'Abdu'1-Báqí sentou-se e escutou o Báb. Ouviu Sua voz, observou Seus movimentos, olhou para a expressão em Seu rosto, notou as palavras que manavam sem cessar de Seus lábios e, no entanto, deixou de ser comovido pela sua majestade e pelo seu poder. Envolto nos véus de sua própria vã fantasia e sua erudição, não tinha capacidade para apreciar o que significava as palavras do Báb. Nem mesmo teve a preocupação de indagar o nome ou o caráter

(2) 1847 A. D.

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do Visitante em cuja presença íora introduzido. Indiferente para as coisas que havia ouvido e visto, retirou-se daquela presença, inconsciente da inigualável oportunidade que ele. com sua apatia, perdera irreparavelmente. Poucos dias de-pois, ao ser informado do nome do Jovem a quem tratara de um modo tão desatencioso, com tanta indiferença, ele ficou angustiado e cheio de remorso. Era tarde, porém, para procurar Sua presença e expiar tal conduta, pois o Báb havia já partido de Káshán. Em sua tristeza, ele renunciou a so-ciedade de seus semelhantes e até o fim de seus dias levou uma vida de reclusão sem alívio.

Entre aqueles que tiveram o privilégio de encontrar com o Báb na casa de Hájí Mírzá Jání havia um homem, de nome Mihdí, que estava destinado a sofrer martírio mais tarde, no ano de 1268 A.H. (3), em Teerã. A ele e alguns outros, durante aqueles três dias, Hájí Mírzá Jání concedeu afetuosa acolhida, ganhando com sua generosa hospitalidade os elogios e a aprovação de seu Mestre. Mesmo aos mem-bros da escolta do Báb, mostrou ele a mesma bondade e, com sua liberalidade e suas maneiras encantadoras, ganhou sua perene gratidão. Na manhã do segundo dia depois do Naw-Rúz, ele, lembrado de sua promessa, entregou o Prisio-neiro em suas mãos e, com o coração transbordando de tris teza. Lhe fez sua comovente despedida final.

(3) 1851-2 A. D.

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CAPÍTULO XII

A VIAGEM DO BÁB DE KÁSHÁN A TABRÍZ

Atendido pela Sua escolta, o Báb seguiu em direção a Qum (1). Seu encanto sedutor, combinado com uma digni-dade irresistível e uma benevolência infalível, havia já desar-mado completamente Seus guardas e os transformado. Eles pareciam haver se submetido a Sua vontade e a Seu prazer. Em sua ansiedade de serví-Lo e agradá-Lo, disseram um dia. "É-nos estritamente proibido pelo governo permitir que en-treis na cidade de Qum, e recebemos ordens de seguir, por um caminho não usado, diretamente a Teerã. Foi-nos reco-mendado especialmente que evitássemos o Haram-i-Ma'súmih (2), aquele santuário inviolável sob cujo amparo os mais no tórios criminosos são imunes de aprisionamento. Estamos prontos, no entanto, por consideração a Vós, a desatender quaisquer instruções que tenhamos recebido. Se for Vossa vontade, nós sem hesitação Vos conduziremos pelas ruas de Qum, dando-Vos a oportunidade de visitar seu santuário."

(1) Sítio do segundo dos santuários mais sagrados da Pérsia, e o lugar onde estão sepultados muitos de seus reis, entre os quais Fath-'Alí e Muhammad Sháh.

(2) "Em Qum encontram-se os restos mortais da irmã do Imame Rida, Fátimiy-MtVsúmih, isto é, a Imaculada que, de acordo com os relatos viveu e faleceu aqui depois de haver fugido de Bagdá em con-seqüência das perseguições dos Califas; segundo outro relato, adoeceu e faleceu em Qum quando viajava para ver seu irmão em Tus. Ele por sua vez, retribuiu a atenção, segundo crêem os Shí'ah piedosos, fazen-doJbe uma visita todas as sextas feiras do seu santuário em Mashhad". n,-r'« Curzon: "Pérsia e o problema Persa", vol. 2, p. 8) .

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"O coração do verdadeiro crente é o trono de Deus," comen-tou o Báb. "Aquele que é a arca da salvação e a inexpugná-vel cidadela do Todo-Poderoso está agora viajando convosco através desta solidão. Prefiro o caminho do campo em vez de entrar nessa cidade ímpia. Aquela imaculada cujos restos mortais estão enterrados dentro desse santuário, seu irmão e seus ilustres ancestrais deploram, sem dúvida, a má condi-ção desse povo perverso. Com os lábios prestam homenagem a ela; pelos atos amontoam desonra sobre seu nome. Ex teriormente servem e reverenciam seu santuário; interior-mente lhe deslustram a dignidade."

Sentimentos tão elevados haviam instilado tamanha con-fiança nos corações daqueles que acompanharam o Báb que, tivesse Ele a qualquer momento desejado virar-se de repente e deixá-los, nenhum dentre Seus guardas teria sentido a mí-nima agitação, nem haveria tentado perseguí-Lo. Prosseguin-do por um caminho que beirava a extremidade norte da ci-dade de Qum, pararam na aldeia de Qumrúd, que era propriedade de um parente de Muhammad Big e cujos ha-bitantes todos pertenciam à seita dos 'Alíyu'lláhí. A convite do chefe da aldeia, o Báb demorou-se uma noite nesse lugar e ficou comovido pela calorosa e espontânea recepção que aquela gente simples Lhe dera. Antes de prosseguir a Sua viagem, invocou as bênçãos do Todo-Poderoso por ele e ale-grou seus corações, assegurando-lhes Sua apreciação e Seu amor.

Após uma marcha de dois dias daquela aldeia, chega-ram, na tarde do oitavo dia depois de Naw-Rúz, na fortaleza de Kinár-Gird (3), situada a seis farsangs para o sul de Teerã. Segundo seu plano, alcançariam a capital no dia se-guinte e haviam decidido passar a noite na vizinhança dessa fortaleza, quando chegou inesperadamente um mensageiro trazendo uma ordem escrita de Hájí Mírzá Aqásí a Muham-mad Big. Essa mensagem mandava seguir imediatamente com o Báb à aldeia de Kulayn (4), onde Shaykh-i-Kulaní

(3) Uma parada no caminho antigo à Isfáhán a uma distância de mais ou menos 28 milhas de Teerã. ("A Traveller's Narrative' p. 14, nota 2) .

(4) Veja "A Traveller's Narrative", p. 14, nota 3.

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Muhammad-ibn-i-Ya'qub, autor do Usúl-iKáfi, que nascera nesse lugar, fora sepultado com seu pai, e cujos santuários são muito honrados pelo povo daquela vizinhança (5). Re-cebeu Muhammad Big ordens para, em vista de serem im-próprias as casas da aldeia, erigir uma tenda especial para o Báb e manter a escolta na vizinhança até receber mais instruções. Na manhã do nono dia após Naw-Rúz, do décimo primeiro dia do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1263 A.H. (6), nas imediações dessa aldeia, que pertencia a Hájí Mírzá Aqásí, uma tenda que havia servido para seu próprio uso sempre que ele visitasse esse lugar, foi erigida para o Báb, no declive de uma colina de aprazível situação, entre extensos pomares e prados sorridentes. A tranqüilidade desse lugar, a vegetação luxuriante e o ininterrupto murmúrio de seus riachos agradaram muito ao Báb. Juntaram-se a Ele, dois dias mais tarde Siyyid Husayn-i-Yazdí, Siyyid Hasan, seu irmão; Mullá 'Abdu'1-Karím e Shaykh Hasan-i-Zunúsí, todos os quais foram convidados a alojar-se nas cercanias imediatas de Sua tenda. No décimo quarto dia do mês de Rabí'u'th-Thání (7), no décimo segundo dia depois de Naw-Rúz, Mullá Mihdíy-i-Khu'í e Mullá Muhammad-Míhdíy-i Kandí chegaram de Teerã. Este último que havia estado es-treitamente associado a Bahá'u'lláh em Teerã, fora por Ele incumbido de apresentar ao Báb uma carta selada, junta-mente com alguns presentes, as quais, logo que foram en-tregues em Suas mãos, Lhe provocaram na alma sentimen-tos de insólito deleite. Seu rosto estava radiante de júbilo enquanto Ele prodigalizava ao portador sinais de Sua gra-tidão e Seu favor.

Essa mensagem, recebida numa hora de incerteza e an-siedade, proporciona consolo e fortaleza ao Báb. Dissipou a melancolia que se apoderara de Seu coração e Lhe imbuiu

(5) "Como a ordem do primeiro ministro Hájí Mirzá Áqásí che-gou ao conhecimento geral, ficou impossível levá-la a cabo. De Isfáhán à Teerã todo mundo falava da iniqüidade do clero e do governo com o Báb; em todos os lugares as pessoas murmuravam e protestavam contra tal injustiça". (Journal Asiatique, 1886, tomo 7, p. 355).

(6) 29 de março de 1847 A. D. (7) 1 de abril de 1847 A. D.

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a alma da certeza da vitória. A tristeza que desde muito pairava sobre Sua face e que os perigos de Seu cativeiro haviam servido para agravar, diminuía visivelmente. Não mais vertia aquelas lágrimas de angústia que haviam jor-rado de Seus olhos com tanta profusão desde os dias em que fora preso e partira de Shíráz. A exclamação de "Bem-Amado, Meu Bem-Amado," que em Seu amargo pesar e Sua solidão Ele costumava pronunciar, cedeu a expressões de agradecimento e louvor, de esperança e triunfo. A exultaçáo que reluzia em Sua face jamais O abandonou até o dia quan-do a notícia do grande desastre que sobreveio aos heróis de Shaykh Tabarsí enublou novamente o resplendor de Seu semblante e Lhe ofuscou o júbilo do coração.

Tenho ouvido Mullá 'Abdu'1-Karím contar o seguinte in-cidente: "Meus companheiros e eu estávamos profundamen-te adormecidos quando subitamente o estrépito da cavalaria nos acordou. Breve fomos informados de que a tenda do Báb estava vazia e que aqueles que haviam saído em Sua busca não conseguiram encontrá-Lo. Ouvimos Muhammad Big pro-testar aos guardas. "Por que vos agitais?" argüia ele. "Sua magnanimidade e nobreza de alma não estão suficientemen-te estabelecidas em vossos olhos para vos convencer de que jamais Ele, por causa de Sua própria segurança, consentirá que outros sejam envolvidos em embaraço? Ele, sem dúvida, se deve ter retirado no silêncio desta noite de luar, para algum recanto onde possa em sossego buscar comunhão com Deus. Inquestionavelmente regressará a Sua tenda. Nunca Ele nos abandonará." Em sua ansiedade de tranqüilizar seus colegas, Muhammad Big partiu a pé pela estrada que con-duz a Teerã. Eu também, com meus companheiros, o segui. Pouco depois, os outros guardas, todos montados, foram vis-tos marchando atrás de nós. Havíamos galgado cerca de um maydán (8) quando, na pálida luz do crepúsculo da manhã discernimos ao longe a figura solitária do Báb. Aproximava-se de nós da direção de Teerã. "Acreditastes que Eu havia escapado?" foram Suas palavras a Muhammad Big, enquan-to se aproximava. "Longe de mim," foi a resposta instan-

(8) Veja Glossário (volume I I ) .

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tânea, enquanto se jogava aos pés do Báb, 'nutrir tais pen samentos.' Muhammad Big estava deslumbrado demais, dian te da majestade serena que aquela face radiante revelava nessa manhã, para aventurar mais um comentário qualquer Uma expressão de confiança se fixara em Seu semblante Suas palavras estavam imbuidas de tão transcendente po der, que um sentimento de reverência profunda envolvia nossas próprias almas. Ninguém se atreveu a interrogá-Lo sobre a causa de tão extraordinária mudança em Seu modo de falar e em Seu comportamento. Nem queria Ele mesmo apaziguar nossa curiosidade e nosso espanto."

Por uma quinzena (9) demorou-se o Báb nesse lugar. A tranqüilidade que Ele fruia nesse ambiente encantador foi bruscamente perturbada com a vinda de uma carta dirigida ao Báb pelo próprio Muhammad Sháh (10), com o seguinte

(9) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 14), o Báb perma-neceu na aldeia de Kulayn durante vinte dias.

(10) "Muhammad Sháh", escreve Gobineau, "era um príncipe de temperamento estranho, um t:po que se ve normalmente na Ásia, porém que rara vezes é descoberto ou compreendido pelos europeus. Governou em um período que as discórdias estendiam do seu harém t. todo o país. Nem nos dias de Fath-'Alí Sháh se chegou ao extremo de governar le-vado por caprichos e fantasias. Em seu caso não era indiferença afe-tada, senão fadiga e aborrecimento. Sua saúde sempre h a v a sido ruim, como sofria de gota em grau muito avançado quase nunca estava sem dor. Seu caráter, débil por natureza; encontrava-se melancólico e como necessitava amor e não podia encontrá-lo em sua família, nem com suas mulheres, nem com seus filhos, depositou todo seu afeto num an-cião Mullá, seu tutor. Fez dele seu único amigo, seu confidente e logo seu onipotente primeiro ministro, inclusive seu deus. Criado por este ídolo com sentimentos muito irreverentes para o Islã, mostrava igual indiferença para os dogmas do Profeta como este fazia de si mesmo. Pouco lhe importava os Imames e se tinha a'guma consideração à 'Ali, era porque a mente persa tinha a tendência à identificar esta pessoa venerável com o próprio país.

Em resumo, Muhammad Sháh não era melhor muçulmano que Cristão ou Judeu. Ele acreditava que a Essência Divina se encarnava a Si mesma nos Sábios com todo Seu poder e como considerava que Hájí Mirzá Áqásí era um Sábio "por excelência" não tinha dúvidas que era Deus e com toda piedade lhe pedia para fazer milagres. Fre-qüentemente dizia à seus oficiais com toda seriedade e convicção: "O Hájí me prometeu um milagre para esta noite; vocês verão!". Enquanto o caráter do Hájí não sofria nenhum comprometimento, Muhammad

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teor: (11) "Por mais que desejemos encontrar convosco. não nos é possível, em vista de nossa partida imediata de nossa capital, vos receber dignamente em Teerã. Temos indicado nosso desejo de que sejais conduzido a Máh-Kú e emitimos às necessárias instruções a 'Ali Khán, guarda da fortaleza, para que vos trate com respeito e consideração. É nossa esperança e nosso plano chamar-vos aqui ao regres-sarmos à sede de Nosso governo, quando pronunciaremos definitivamente nosso juízo. Esperamos não vos havermos causado nenhum desapontamento e que não hesiteis em nos informar em qualquer tempo caso vos sobrevenham alguns agravos. Eu de bom grado esperaria que vós continuasseis

Sháh se mostrava completamente indiferente sobre o êxito ou o fra-casso desta ou daquela doutrina religiosa; ficava satisfeito ao ver o conflito de opiniões que para ele era uma prova da cegueira univer-sal". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale" p. 131-132).

(11) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 14), o Báb "enviou uma carta à Presença Real solicitando uma audiência para expor a verdade de Sua situação, esperando que com isso melhorasse suas re-lações". Sobre esta carta Gobineau escreve o seguinte: "Alí-Muhammad escreveu pessoalmente à Corte e sua carta e as acusações de seus adver-sários chegaram todas ao mesmo tempo. Sem assumir atitude agressiva junto ao rei, mas bem ao contrário, confiando em sua autoridade e justiça, fê-lo notar que o caráter depravado do clero na Pérsia já era bem conhecido a muitos anos; que não somente era esta a causa da corrupção moral com repercussão no bem estar do país, mas a própria religião, envenenada por tantos pecados, estava em grande perigo à ponto de desaparecer deixando as pessoas numa obscuridade total.

"E1 quanto a si mesmo, chamado por Deus, em virtude de uma missão especial para evitar semelhante mal, já havia informado as pessoas de Fárs que a verdadeira doutrina havia feito progressos rápidos e evi-dentes; que todos os seus adversários haviam sidos confundidos e que agora encontravam-se impotentes e eram universalmente desprestigia-dos; isto era só o começo. O Báb confiando na magnanimidade do rei, solicitava autorização para vir a capital com seus discípulos principais para celebrar ali conferências com todos os Mullás do Império, na pre-sença do Soberano, os nobres e o povo, convencido que os cobriria de vergonha, provaria sua falta de fidelidade e os reduziria ao silêncio c'>aio havia feito com os Mullás grandes e pequenos que haviam pre-tendido levantar-se contra ele. Aceitava de antemão o juízo do rei e, no caso de fracassar, estava disposto a sacrificar sua cabeça e a de cada um de seus seguidores". (Conde de Gobineau "Les Religions et ies Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 124).

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a orar pelo nosso bem-estar e pela prosperidade de nosso reino." (Datada Rabí'u'th-Thání, 1263 A. H.) (12)

Hají Mírzá Aqásí (13) foi, sem dúvida, responsável por haver induzido Muhammad Sháh a dirigir tal comunicação

(12) 19 de março — 17 de abril de 1847 A. D. (13) Segundo Hidáyat no MajmaVIFusahá, o nome de Hájí Mir-

zá Áqásí era 'Abbás-'Alí. Era filho de Mirzá Muslim, um teólogo muito conhecido em Iraván. Seu filho, 'Abbás-'Alí, era aluno de Fakhru'd-Din 'Abdu's-Samad-i-Hamadání, enquanto estava em Karbilá. De Karbilá foi à Hamadán, visitou Ádbirbáyján e dali empreendeu peregrinação à Meca. Regressou em condições de extrema pobreza à Ádhirbáyján po-rém melhorou gradualmente sua posição e foi tutor dos filhos de Mir-zá Músá Khán, o irmão do extinto Mirzá Abu'1-Qasín, o Qa'im-Ma-qám. Muhammad Mirzá, que havia anunciado sua eventual ascensão ao trono da Pérsia, lhe tinha grande devoção. Eventualmente foi designa-do primeiro ministro e, depois da morte do monarca retirou-se para Karbilá, quando faleceu em Ramadán 1265 A. H. (Notas de Mirzá Abu'1-Fadl). Segundo a narração de Hájí Mu'ínu's-Saltamh (p. 120), Hájí Mirzá Áqásí nasceu em Máh-Kú, onde estava vivendo com seus pais após sua partida de Iraván, no Cáucaso. "Hájí Mirzá Áqasí, na-tivo de Iraván, passou a ter uma influência ilimitada sobre seu amo debilitado mentalmente, de quem foi seu tutor, e professava a doutrina Súfí. Um velho de nariz comprido, cujo rosto delatava seu caráter es-tranho e autosuficiente". (C. R. Markham: "A General Sketch of the History of Pérsia" p. 437). "Quanto a Hájí, era um tipo de deus muito especial. Não estava absolutamente seguro de crer de si mesmo naquilo que Muhammad Sháh estava persuadido. Em todo caso professava os mesmos princípios gerais que o rei e, os havia incutido de boa fé. No entanto podia atuar como palhaço; fazer brincadeiras era sua política, a regra de sua conduta e de sua vida. Não levava nada à sério, nem a si mesmo. "Eu não sou primeiro ministro" dizia freqüentemente, es-pecialmente para aqueles que maltratava: "Sou um ancião Mullá de origem humilde e sem méritos e se me encontro neste alto cargo, é por vontade do Rei". Nunca referia a seus filhos sem chamá-los "fi-lhos de uma cadela". Nestes termos que perguntava por eles ou lhes mandava ordens por intermédio dos oficiais quando estavam ausentes. Sua maior alegria era passar revista as tropas da cavalaria que reunia nos seus uniformes mais vistosos, para todos Khán nômades da Pérsia verem. Uma vez reunidas estas tribos guerreiras no vale, o Hájí apa-recia, vestido como um mendigo, com um gorro rasgado e torcido, com um sabre pendurado desajeitadamente em sua cintura e montado num pequeno jumento. Então ordenava que ficassem ao seu redor, os cha-mava de imbecis, provava o quanto eram inúteis e os fazia voltar para casa dando-lhes presentes; porque seu sarcasmo sempre era acompa-nhado de certo grau de generosidade". (Conde de Gobineau: "Les Re-ligions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 132-133).

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ao Báb. Foi ativado unicamente por um senso de medo (14) de que a entrevista que se ponderava lhe roubasse a posição de inquestionável preeminência nos assuntos do Estado e levasse finalmente a sua queda de poder. Ele não nutria sentimentos de malícia ou ressentimento para com o Báb. Conseguiu (15) afinal persuadir seu soberano e transferir para um recanto remoto e isolado de seu reino esse oponen-te de quem ele tanto medo tinha, podendo assim ahviar a mente de um pensamento que continuamente o obsedava (16). Que engano estupendo, que erro lastimável! Bem

(14) "Um episódio mostra o verdadeiro motivo das insinuações do primeiro ministro ao Sháh sobre o Báb. O príncipe Parhád Mirzá, jovem ainda, era um aluno de Hájí Mirzá Áqásí. Ele relatou o seguinte: "Quando Sua Majestade, após consultar com o primeiro ministro, es-creveu ao Báb dizendo-lhe que se dirigira à Máh-Kú, fomos com Hájí Mirzá Áqásí passar alguns dias em Yaft-Abád, perto de Teerã, no jar-dim por ele construído. Tive vontade de perguntar ao meu mestre sobre os recentes acontecimentos, porém temi fazê-lo em público. Certo dia, enquanto caminhava com ele pelo jardim e estava de bom humor me atrevi a perguntar-lhe: "Hájí, porque você enviou o Báb à Máh-Kú?". Ele respondeu: "És demasiadamente jovem para compreender certas coisas, porém deves saber que, se ele tivesse vindo para Teerã, você e eu não estaríamos caminhando despreocupadamente neste momento, sob esta sombra fresca". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb', pp. 243-244).

Segundo a narração de Hájí Mu'ínu's-Saltanih (p. 129), o motivo principal que impeliu a Hájí Mirzá Áqási a atender rapidamente as ordens de Muhammad Sháh para que desterrasse o Báb à Ádhir-bayján foi o temor do cumprimento da promessa que o Báb havia dado ao soberano que o curaria de sua enfermidade se ele permitisse que fosse recebido em Teerã. Certo de que se o Báb levasse à efeito tal cura, o Sháh cairia sob a influência de seu Prisioneiro e deixaria de conferir à seu primeiro ministro as honras e benefícios que eram ex-clusivamente seu privilégio.

(15) Segundo Mirzá Abu'1-Fadl, Hájí Mirzá Áqásí quiz, ao re-íYrir-se a rebelião de Muhammad Hasan Khán, o Salar, em Khurásán e a revolta de Áqá Khán-i-Ismá'ílí, em Kirmán induzir o soberano a abandonar o projeto de levar o Báb à capital, ao invés disso, enviá-lo à distante província de Ádhirbayján.

(16) "Entretanto, nesta ocasião suas esperanças não se concreti-zaram. Temendo que a presença do Báb em Teerã produzisse novos dis-túrbios (havia muitos devido a seus caprichos e má administração), trocou seus planos e a escolta que havia recebido ordens de levar o Báb ti.. Isfáhán à Teerã, recebeu, quando estava à cerca de trinta quilôme-tros da cidade, uma contraordem de levar o prisioneiro diretamente à

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pouco compreendia ele naquele momento que pelas suas intrigas incessantes estava negando a seu rei e a sua pátria os incomparáveis benefícios de uma Revelação Divina a qual, tão somente possuía o poder de livrar a terra do as-sombroso estado de degradação em que caíra. Pelo seu ato, esse ministro de visão tão curta não somente negou a Mu-hammad Sháh instrumento supremo com o qual ele teria podido reabilitar um império em rápido declínio, mas tam-bém o privou daquele Meio espiritual que o haveria capaci-tado a estabelecer sua incontestável ascendência sobre os povos e as nações da terra. Por sua inépcia, sua extravagân-cia e seus conselhos pérfidos, minou os fundamentos do Estado, diminuindo-lhe o prestígio, solapando a lealdade de seus súditos e os mergulhando num abismo de miséria (17). Incapaz de ser admoestado pelo exemplo de seus predeces-sores, com desdém ele desatendia as demandas e os inte-resses do povo, prosseguia com persistente zelo seus desígnios para seu engrandecimento pessoal e, pela sua dissipação e extravagância, envolveu seu país em guerras arruinosas com os vizinhos. Sa'd-i-Ma'ádh, que nem era de sangue real nem investido de autoridade, atingiu, em virtude de sua retidão de conduta e sua profusa devoção à Causa de Maomé, tão exaltada posição que até o tempo presente os chefes e go-vernantes do Islã continuam a reverenciar sua memória e

Máh-Kú. Esta cidade, pensou o primeiro ministro, nada ofereceria ao impostor porque seus habitantes, em sinal de gratidão pelos favores e proteção que ele lhes havia dado tomariam as providências necessárias para eliminar qualquer distúrbio que pudesse ocorrer". (Journal Asia-tique, 1866, tomo 7, p. 356).

(17) "A situação que se encontrava a Pérsia não era, no entanto, satisfatória, porque Hájí Mirzá Áqásí, que havia sido seu virtual go-vernante durante treze anos "era totalmente ignorante na arte de go-vernar, na ciência militar e demasiado vaidoso para receber conselhos e demasiado zeloso para admitir um assessor; usava uma linguagem brutal, sua atitude era insolente e seus costumes revelavam indolência; levou as finanças à beira da falência e o país a um passo da revolu-ção. O pagamento do exército encontrava-se normalmente de três a cinco anos atrasado. A cavalaria das tribos se encontrava quase aniquilada". Tal era — para citar a palavra abalizada de Rawlinson — a condição da Pérsia em meados do século dezenove". (P. M. Sykes "A History of Pérsia", vol. 2, p. 439-40).

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lhe elogiar os méritos; enquanto que Buzurg-Mihr, o mais capaz, o mais sábio e o mais experiente administrador entre os vizires de Núshíraván-i-Ádil, a despeito de sua posição predominante, foi afinal publicamente desonrado, jogado numa cova, e veio a ser objeto do desprezo e do escárneo do povo. Ele lastimava sua situação infeliz e tão amargamente chorava que perdeu a vista. Nem o exemplo do primeiro nem o mau destino deste último, parece haver despertado aquele ministro presunçoso, para que percebesse os perigos de sua própria posição. Persistiu em seus pensamentos até que ele também foi privado de sua alta posição, perdeu suas rique-zas (18) e se mergulhou em desonra e ignomínia. As nume-rosas propriedades das quais ele à força se apoderara, tiran-do-as dos humildes e leais súditos do Xá, os mó-veis suntuosos com que as embelezou, os gastos enormes com labor e tesouros que mandou fazer para benfeitorias — tudo isto foi irreparavelmente perdido dois anos depois de haver ele emitido seu decreto que condenava o Báb a um cruel en-carceromento nas inóspitas montanhas de Ádhirbayján. To-das as suas possessões foram confiscadas pelo Estado. Ele mesmo foi desonrado pelo seu soberano, sendo expulso igno-miniosamente de Teerã e caiu vítima de doença e pobreza. Destituído de esperança e mergulhado em miséria, langues-ceu em Karbilá até a hora de sua morte (19).

(18) "Hájí Mirzá Áqásí, o velho e meio louco primeiro ministro, tinha a totalidade da administração em suas mãos e logrou obter con-trole total sobre o Sháh. O desgoverno do país foi de mal a pior, en-quanto as pessoas passavam fome e mal-diziam a dinastia Qá já r . . . As condições das províncias eram deploráveis e todos os homens que mostravam sinais de talento ou de patriotismo eram enviados ao exílio pelo velho Hájí que recolhia diligentemente riquezas para si próprio em Teerã as expensas do desafortunado país. Os postos dos governa-dores nas províncias se vendiam aos mais altos licitadores e estes exer-ciam uma opressão espantosa sobre o povo". (C. R. Markham "A Ge-neral Sketch of the History of Pérsia" p. 486-7).

(19) Gobineau escreve, referindo-se a sua queda: "Hájí Mirzá Áqásí, privado do poder que havia ridicularizado constantemente, partiu para Karbilá e passou o resto de seus dias fazendo chacota aos Mullás e zombando inclusive dos mártires sagrados". (Les Religions et les Philosophies dans PAsie Centrale", p. 160).

"Este homem astuto havia logrado tal poder sobre o Sháh que se podia dizer, sem faltar a verdade, que o ministro era o verdadeiro so-

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Assim foi ordenado que o Bata seguisse a Tabríz (20). A mesma escolta, sob o mando de Muhammad Big, atendeu-Lhe em sua jornada à província noroeste de Ádhirbayján. Foi-Lhe permitido escolher um companheiro e um assistente dentre Seus seguidores para estarem com Ele durante Sua estada naquela província. Ele escolheu Siyyid Husayn-i-Yazdí e Siyyid Hasan, seu irmão. Recusou despender con-sigo próprio os fundos fornecidos pelo governo para as des-pesas dessa viagem. Todos os estipêndios concedidos pelo Estado, Ele doou-os aos pobres e necessitados, empregando para suas próprias despesas particulares o dinheiro que Ele, como comerciante, ganhara em Búshihr e Shíráz. Por haver sido ordenado que evitassem entrar nas cidades no curso da viagem a, Tabríz, alguns dos crentes de Qazvín, informados da aproximação de seu bem-amado Mestre, partiram para a aldeia de Síyáh Dihán (21), onde puderam encontrar com Ele.

Um deles foi Mullá Iskandar, que fora delegado por Hujját a visitar o Báb em Shíráz e investigar Sua Causa. O Báb incumbiu-o de entregar a seguinte mensagem a Su-laymán Khán-i-Afshár, que era grande admirador do fale-

berano; portanto não podia sobreviver a perda da sua boa estrela. De-pois da morte de Muhammad Sháh desapareceu e foi à Karbilá onde, sob a proteção do santo Imame, inclusive um criminoso de estado podia encontrar asilo inviolável. Logo se viu surpreendido por uma corroída aflição que, mais que seu remorso, cortou-lhe a vida". (Journal Asia-tique, 1866, tomo 7, pp. 367-368).

(20) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 16) o Báb escreveu uma carta durante a viagem, dirigida ao Primeiro Ministro, em que dizia: "Você me chamou a Isfáhán para que me debatesse com os dou-tores e assim alcançar uma decisão definitiva. Que sucedeu agora para que esta excelente intenção seja trocada por Máh-Kú e Tabríz?".

(21) Segundo Samandar (manuscrito p. 4-5), o Báb permaneceu na aldeia de Síyáh-Dihán, nas vizinhanças de Qazvín, em seu caminho à Ádhirbayján. Durante essa viagem. Ele revelou epístolas dirigidas aos principais ulemás de Qazvín, entre eles os seguintes: Hájí Mullá 'Abdul-Vahháb, Hájí Mullá Sálih, Hájí Mullá Taqí e Hájí Siyyid Taqí. Estas epístolas foram levadas à seus destinatários por intermédio de Hájí Mullá Ahmad-i-Abdál. Vários crentes, entre os quais se encon-travam os dois filhos de Hájí Mullá 'Abdu'1-Vahháb, puderam se encon-trar com o Báb durante a noite que Ele passou na aldeia. Desta aldeia que se diz que o Báb dirigiu Sua epístola à Hájí Mirzá Áqásí.

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cido Siyyid Kázím: "Aquele cujas virtudes o falecido siyyid elogiava incessantemente e à aproximação de cuja Revelação ele sempre se referia, está agora revelado. Eu sou aquele Prometido. Levantai-vos e Me livrai da mão do opressor." Quando o Báb entregou essa mensagem a Mullá Iskandar, Sulaymán Khán estava em Zanján e preparando-se para ir a Teerã. Dentro de um período de três dias, essa mensagem o alcançou. Deixou, entretanto, de responder a esse apelo.

Dois dias mais tarde, um amigo de Mullá Iskandar deu informação sobre o apelo do Báb a Hujját, quem à intiga-ção dos ulemás de Zanján, havia sido encarcerado na capi-tal. Imediatamente deu Hujját instruções aos crentes de sua cidade natal para que empreendessem quaisquer preparati-vos que fossem requisitados e juntassem forças necessárias para conseguirem a libertação de seu Mestre. Exortou-os a agirem com cautela e tentarem, num momento apropriado, apanhar e levá-Lo a qualquer lugar que Ele desejasse. A estes se juntaram, dentro em breve, vários crentes de Qaz-vín e Teerã, que se puseram a executar o plano, segundo as direções de Hujját. Aproximaram-se dos guardas à hora de meia noite e, encontrando-os profundamente adormeci-dos dirigiram-se ao Báb e O imploraram a fugir. "As mon-tanhas de Ádhirbayján também têm suas demandas," foi Sua resposta confiante, enquanto afetuosamente os aconse-lhava que abandonassem seu projeto e voltassem as suas casas (22).

(22) No "Táríkh-i-Jadíd", diz-se que Muhammad Big relatou o seguinte incidente à Hájí Mirzá Jání : "Quando montamos em nossos cavalos cavalgamos até que chegamos num caravansarai feito de la-drilhos que se encontrava a dois farsakh da cidade. Dali prosseguimos a Mílán onde muitos dos habitantes vieram a visitar a Sua Santidade e se mostraram assombrados ante a majestade e dignidade desse Senhor da humanidade. Pela manhã, no instante em que partíamos de Mílán uma anciã trouxe um menino com a cabeça toda coberta de crostas de cor branca até o pescoço, e implorou à Sua Santidade que o curasse. Os guardas tentaram impedi-lo, porém Sua Santidade os deteve e cha-mou o menino. Então colocou um lenço sobre sua cabeça e repetiu cer-tas palavras; e quando terminou o menino tinha-se curado. Neste lugar cerca de duzentas pessoas acreditaram e tiveram uma conversão verdadeira e sincera", (p. 220-21).

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Aproximando-se do portão de Tabríz, Muhammad Big, sentindo que chegara a hora de sua separação de seu Pri-sioneiro, pediu para entrar em Sua presença e, com olhos lacrimosos, Lhe rogou que desculpasse suas faltas e trans-gressões. "A viagem de Isfáhán foi longa e árdua. Falhei em cumprir meu dever e Vos servir como eu deveria. Im-ploro Vosso perdão e Vos suplico que me concedais Vossa bênção." "Sede tranqüilo, "respondeu o Báb, "Eu vos con-sidero membro de Meu rebanho. Aqueles que abraçarem Minha Causa haverão de vos abençoar e giorificar eterna-mente, elogiando vossa conduta e exaltando vosso nome (23)." Os outros guardas seguiram o exemplo de seu chefe, imploraram as bênçãos de seu Prisioneiro, Lhe beijaram os pés e com lágrimas nos olhos Lhe deram a última despedi-da. A cada um o Báb expressou Sua apreciação de sua de-votada atenção e lhe assegurou Suas orações por ele. De mau grado O entregaram às mãos do governador de Tabríz, herdeiro ao trono de Muhammad Sháh. Àqueles com quem subseqüentemente tiveram contato, esses devotados assis-tentes do Báb e testemunhas oculares de Sua sabedoria e poder sobrehumanos, contavam, com reverência e admira-ção, a história daquelas maravilhas que haviam visto e ou-vido, e por esse meio ajudavam a difundir, de seu próprio modo, o conhecimento da nova Revelação.

A notícia da iminente chegada do Báb em Tabríz des-pertou os crentes dessa cidade. Todos saíram para Seu en-contro, ansiosos de dar suas boas vindas a um Mestre tão bem-amado. Os oficiais de governo em cuja custódia o Báb seria entregue recusaram permitir que se aproximassem e recebessem Suas bênçãos. Um jovem, entretanto, não po-dendo se conter, precipitou-se, descalço, pelo portão da ci-dade e, em sua impaciência de contemplar a face de seu Bem-Amado, correu uma distância de meio farsang (24) em

(23) Mirzá Abu'1-Fadl assevera em seus escritos que ele mesmo quando esteve em Teerã, conheceu o filho de Muhammad Big, que se chamava 'Alí-Akbar-Big e o ouviu relatar as extraordinárias experiên-cias, que seu pai tinha tido durante a viagem à Tabríz em companhia do Báb. 'Alí-Akbar-Big era fervoroso crente da Causa de BaháVlláh e era conhecido como tal pelos bahá'ís da Pérsia.

(24) Veja glossário (volume I I ) .

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Sua direção. Assim que se aproximava dos soldados de ca-valaria que marchavam na frente do Báb, ele jubilosamente lhe deu boas vindas e, pegando na bainha da roupa de um dentre eles, beijou devotadamente seus estribos. "Vós sois os companheiros de meu Bem-Amado," exclamou ele lacri-mosamente. "Eu vos estimo como à menina dos meus olhos." Espantaram-lhes tão extraordinária conduta e a intensidade de sua emoção. De imediato, acederam a seu pedido de atin-gir a presença do Mestre. Assim que seus olhos O avistaram, irrompia de seus lábios uma exclamação exultante. Pros-trou-se e pranteou profusamente. O Báb apeou de Seu cor-cel, abraçou-o, enxugou-lhe as lágrimas e consolou seu co-ração agitado. Dentre todos os crentes de Tabríz, esse jo-vem tão somente, teve a oportunidade de prestar ao Báb sua homenagem; só a ele foi concedida a bênção de sentir o toque de Sua mão. Todos os outros tiveram, por força, de se contentar em ver ao longe seu Bem-Amado e com esse vislumbre procuravam satisfazer seu anelo.

Ao chegar em Tabríz, o Báb foi conduzido a uma das principais casas da cidade, reservada para confiná-Lo (25). Um destacamento do regimento Násiri guardava a entrada de Sua casa. Com exceção de Siyyid Husayn e seu irmão, nem ao público, nem aos Seus adeptos, era permitido ir ter com Ele. Esse mesmo regimento que fora recrutado dentre os habitantes de Khamsih e ao qual haviam sido conferidas honras especiais, foi escolhido subseqüentemente para dar a descarga que Lhe causou a morte. As circunstâncias de Sua chegada haviam emocionado profundamente o povo da cidade, (26). Alguns foram impelidos por curiosida-

(25) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 16) O Báb perma-neceu quarenta dias em Tabríz. Segundo o manuscrito de Hájí Mú-ínu's-Saltanih (p. 138), o Báb passou a primeira noite, ao chegar a Tabriz, na casa de Muhammad Big. Dali foi transferido para um cômodo na Cidadela (a Arca) que estava ao lado do Masjid-í-'Alí Sháh.

(26) O êxito deste homem enérgico, Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, foi tão grande e rápido que mesmo na porta de Tauris (Tabríz), os habi-tantes desta populosa aldeia o tomaram como seu chefe e adotaram o nome de Babís. Além disso mesmo dentro do povo os Babís eram bastante numerosos apesar do governo tomar medidas para condenar o Báb e castigá-Lo, justificando-se a si mesmo aos olhos do povo". (Jour-nal Asiatique, 1866, tomo 7, p. 357-358).

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de, outros desejavam sinceramente certificar-se da veraci-dade das notícias desvairadas que circulavam a Seu respeito, e ainda outros eram movidos pela sua fé e devoção a atin-gir Sua presença e Lhe assegurar sua lealdade. Enquanto Ele andava pelas ruas, as aclamações da multidão ressoa-vam por todos os lados. A grande maioria do povo que Lhe avistava o rosto O saudava com a exclamação de "AUáh-u-Akbar (27)," outros em altas vozes O glorificavam e aplau-diam, alguns poucos invocavam sobre Ele as bênçãos do Todo-Poderoso, enquanto outros eram vistos beijando com reverência o pó de Suas pegadas. Tal fora o clamor causado pela Sua chegada, que um pregoeiro foi ordenado a advertir a população do perigo que aguardava a qualquer um que se aventurasse a procurar Sua presença. "Se alguém fizer uma tentativa de se aproximar do Siyyid-i-Báb," assim foi o brado — "ou procurar ir ter com ele, no mesmo instante serão confiscados todos os seus bens e ele próprio se verá condenado à prisão perpétua."

No dia após a chegada do Báb, Hájí Muhammad-Taqíy-i-Mílání, comerciante de nome na cidade, aventurou-se, na companhia de Hájí 'Alí-'Askar, a ter uma entrevista com o Báb. Pessoas amigas ou que desejavam seu bem advertiam-lhes que, com tal tentativa, estariam não só correndo o risco de perderem suas possessões, como também estariam pondo em perigo suas vidas. Recusaram-se, porém, a aten-der a tais conselhos. Ao aproximarem-se da porta da casa onde o Báb estava confinado, foram de imediato presos. Siyyid Hasan, que naquele momento estava saindo da pre-sença do Báb, interveio instantaneamente. "Sou mandado pelo Siyyid-i-Báb," protestou ele com veemência para vos transmitir esta mensagem. 'Permiti que esses visitantes en-trem, desde que Eu próprio os tenha convidado a virem ter comigo.' "Já ouvi Hájí 'Alí-'Askar testificar o seguinte: Essa mensagem logo silenciou os opositores. Fomos conduzidos diretamente à Sua presença. Ele nos saudou com estas pa-lavras: 'Aqueles desprezíveis que vigiam no portão de Mi-nha casa foram por Mim destinados a ser uma proteção

(27) "Deus é o mais Elevado".

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contra o ímpeto da multidão que se amontoa em redor da casa. Não têm eles o poder de impedir que aqueles que Eu desejo receber atinjam Minha presença.' Por cerca de duas horas, com Ele nos demoramos. Ao despedir-se de nós, Ele me entregou duas pedras de cornalina para anéis, dando-me instruções para mandar gravar nelas os dois versículos que Ele me dera anteriormente, e para mandar montá-las e Lhe trazer assim que ficassem prontas. Ele nos assegurou que em qualquer ocasião em que desejássemos encontrar com Ele, ninguém nos impediria de entrar em Sua presença. Aventurei-me a ir várias vezes a Ele a fim de me certificar de alguns detalhes relativos à incumbência que me dera. Nem uma só vez encontrei a mínima oposição por parte da-queles que guardavam a entrada de Sua casa. Nenhuma pa-lavra ofensiva pronunciaram eles contra mim, nem pareciam esperar a menor remuneração por sua indulgência."

"Recordo como, durante minha associação com Mullá Husayn, me impressionaram as numerosas evidências de sua perspicácia e extraordinário poder. Tive o privilégio de acompanhá-lo em sua viagem de Shíráz a Mashhad, e com ele visitei as cidades de Yazd, Tabas, Bushrúhih e Turbat. Naqueles dias deplorava eu meu triste insucesso em encon-trar com o Báb em Shíráz. 'Não te entristeças,' assegurava-me com confiança Mullá Husayn, 'o Todo-Poderoso, sem dúvida alguma, te poderá em Tabríz compensar da perda que sofreste em Shíráz. Não apenas uma vez, mas sim, sete vezes poderá Ele te fazer participar da felicidade de Sua presença, para retribuir uma só visita que perdeste. Mara-vilhei-me da confiança com que pronunciou estas palavras. Até minha visita ao Báb em Tabríz, quando, a despeito de circunstâncias adversas fui em várias ocasiões admitido à Sua presença, é que me lembrei destas palavras de Mullá Husayn e admirei sua extraordinária previsão. Como foi O ouvi dizer estas palavras: 'Louvado seja Deus por haver permitido que completasse o número de tuas visitas e que te proporcionou Sua amorosa proteção."'

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CAPÍTULO XIII

O ENCARCERAMENTO DO BÁB NA FORTALEZA MÁH-KÜ

Tem-se ouvido Siyyid Husayn-i-Yazdí relatar o seguinte: "Durante os dez primeiros dias do encarceramento do Báb era Tabriz, ninguém sabia o que Lhe haveria de suceder a seguir. As mais desvairadas conjeturas corriam pela cidade. Um dia aventurei-me a Lhe perguntar se Ele iria permane-cer onde estava ou se seria transferido para ainda outro lugar. 'Esqueceste,' foi Sua resposta imediata, 'a pergunta que me fizeste em Isfáhán? Por um período de nada menos de nove meses permaneceremos confinados no Jabal-i-Bá-sit (1), donde seremos transferidos para o Jabal-i-Shadíd (2). Ambos estes lugares ficam entre as montanhas de Khuy e situados dos dois lados da cidade que tem esse nome.' Cinco dias depois de haver o Báb pronunciado essa predição, fo-ram emitidas ordens para transferí-Lo e a mim para a for-taleza de Máh-Kú e entregar-nos à custódia de 'Ali Khán-i-Máh-Kú'í."

A fortaleza, um edifício de pedra, sólido, com quatro torres, ocupa o cume de uma montanha cujo pé j az a cidade de Máh-Kú. O único caminho que conduz a fortaleza passa por dentro da cidade, terminando frente a um portão adja-

(1) Literalmente "A Montanha Aberta", é uma alusão a Máh-Kú. O valor numérico de "Jabal-i-Básit" eqüivale ao de "Máh-Kú".

(2) Literalmente "A Montanha de Aflição", é 'uma alusão a Chihríq O valor numérico de "Jabal-i-Shadíd" eqüivale ao de "Chihríq".

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cente à sede do governo e que é mantido invariavelmente fechado. Esse portão é distinto daquele da própria fortaleza. Situada nos confins tanto do Império Otomano como do Russo, essa fortaleza tem sido usada, por causa de sua po-sição tão favorável para avistar os arredores e devido as suas vantagens estratégicas, como centro para fazer reco-nhecimento. O oficial que comandava essa estação observa-va, em tempo de guerra, os movimentos do inimigo, avistava as regiões circunvizínhas e relatava a seu governo tais casos de emergência que visem a sua atenção. Do lado no oeste a linha divisória para o fortaleza é o rio Araxes, que marca a fronteira entre o território do Xá e o Império Russo. Para o sul se estende o território do Sultão da Turquia; sendo a cidade fronteira de Bayazid a uma distância de apenas quatro farsangs (3) da montanha de Máh-Kú. O oficial da fronteira que tomava conta da fortaleza era um homem chamado 'Ali Khán. Os habitantes da cidade são todos cur-dos e pertencem à seita sunita do Islã (4). Os xiitas, que constituem a vasta maioria dos habitantes da Pérsia, têm sido sempre seus declarados e implacáveis inimigos. Esses curdos detestam especialmente os siyyids da seita xiita, a quem consideram os chefes espirituais e os principais agi-tadores entre seus oponentes. Sendo curda a mãe de 'Ali Khán, o filho era muito estimado e implicitamente obede-cido pelo povo de Máh-Kú. Eles o consideravam membro de sua própria comunidade e nele tinham confiança absoluta.

Hájí Mírzá Áqásí maquinara deliberadamente relegar o Báb a esse canto do território do Xá tão remoto, tão inós-pito e em tão perigosa situação, com o fim único de deter o curso de Sua sempre-crescente influência e de cortar todo laço que O ligava ao corpo de Seus discípulos em toda parte do país. Confiante de que poucas pessoas — se acaso algu-ma, se aventurasse a penetrar em tão inculta e turbulenta região, ocupada por um povo tão rebelde, ele imaginava

(3) Veja glossário (volume I I ) . (4) "Ele habita em uma montanha cujos habitantes não podem

pronunciar a palavra "Jannat" (Paraíso), que é um vocábulo árabe: como então, poderiam entender seu significado? O que pode suceder quanto as verdades essenciais. ("Le Bayán Persan", vol. 4. p. 14).

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totalmente que esse ato de à força isolar seu Cativo dos interesses e atividades de Seus seguidores tendesse a sufo-car, pouco a pouco, o Movimento desde mesmo seu nasci-mento e conduzisse a sua extinção final (5). Breve, entre-tanto, teve ele de perceber que errara gravemente a respeito da natureza da Revelação do Báb e subestimara a força de sua influência. Os espíritos turbulentos desse povo refratá-rio foram dentro de pouco tempo suavizados pelas maneiras meigas do Báb, e seus corações foram abrandados através da influência enobrecedora de Seu amor. Humildade veio a lhes substituir o orgulho diante de Sua inusitada modéstia, e sua arrogância irracional se derretia em face da sabedoria de Suas palavras. Tal era o fervor que o Báb incendiara na-queles corações, que Seu primeiro ato, cada manhã, era procurar um lugar donde Lhe pudessem vislumbrar o sem-blante e onde pudessem com Ele comungar e suplicar Suas bênçãos para a faina diária. Em casos de dissensão, apres-savam-se instintivamente àquele lugar e, fitando Sua prisão, Lhe invocavam o nome e adjuravam um ao outro a decla rar a verdade. 'Ali Khán tentou várias vezes induzi-los a desistir dessa prática, mas se via impotente para lhes res-tringir o entusiasmo. Ele desempenhava suas funções com a máxima severidade, recusando-se a permitir que qualquer um dos declarados discípulos do Báb se demorasse, nem sequer por uma noite, na cidade de Máh-Kú (6).

(5) "Pátria do Primeiro Ministro nas fronteiras de Ádhirbayján, este povo saiu da obscuridade sob a administração deste ministro e muitos dos cidadãos de Máh-Kú foram colocados em cargos mais ele-vados no governo devido a sua atitude de servilismo ante Hájí Mirzá Aqásí". (Journal Asiatique, 1866, tomo 7, p. 356, nota I ) .

(6) É o próprio Báb quem nos relata em que forma passou os dias na prisão em que se manteve prisioneiro. Suas lamentações, que são tão freqüentes no Bayán, se deviam, creio, a disciplina que, de tempo

em tempo, tornava-se mais severa devido a ordens emitidas de Teerã. Todos os historiadores, tanto Babís como Muçulmanos, nos dizem que apesar das estritas ordens de manter o Báb incomunicável com o mun-do exterior, um número muito grande de discípulos e estranhos eram recebidos por Ele em sua prisão. (O autor de Mutanabbiyyín escreve: "Os Babís de todas as partes do mundo iam à Ádhirbayján em pere-grinação ante seu chefe").

"Oh! Quão grande é vossa cegueira, oh minhas criaturas! Aquilo que fazeis, o levais a cabo crendo agradar-me! E apesar desses versí-

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"Durante as duas primeiras semanas," relatou ainda Siyyid Husayn, "a ninguém foi permitido visitar o Báb. Meu irmão e eu, somente éramos admitidos a Sua presença. Siyyid Hasan, acompanhado de um dos guardas, descia cada dia à cidade e comprava nossas necessidades diárias. Shaykh Hasan-i-Zunúsí, que chegara em Máh-Kú, passou as noites num masjid fora do portão da cidade. Agia como interme-diário entre aqueles dos seguidores do Báb que ocasional-

culos que provam meu ser, estes versos que fluem por meu poder, cujo tesouro é o mesmo ser deste personagem (o Báb), apesar destes versos que brotam de seus lábios pela minha autorização, vejam como, sem direito algum o haveis colocado no alto de uma montanha cujos habi-tantes não são sequer dignos de menção. Próximo dele, o que é próximo de mim, não há nada exceto uma das Letras da Vida de meu livro. Entre suas duas mãos, que são minhas duas mãos, não há sequer um servo que prenda a luz da noite. E eis aqui, os homens que se encontram sobre a terra não foram criados senão por sua existência, e mediante sua boa vontade que tem vindo toda a sua alegria e eles não o dão sequer uma luz!" (Unité 2, porte I ) . "O fruto da religião do Islã é crer na Manifestação (do Báb) e ele foi encarcerado em Máh-Kú". (Unité 2, porte 7) . "Tudo o que pertence ao Homem do Paraíso está no Paraíso. Este quarto (que me encontro) que não tem sequer uma porta é hoje o maior dos Jardins do Paraíso, porque a Árvore da Verdade está plantada aqui. Todos os átomos que o compõem proclamam: "Em verdade, não há outro Deus, senão Deus, e não há outro Deus maior que Ele, o Senhor do Universo!". (Unité 2, porte 16). "O fruto desta porta é que os homens, vendo que é permitido fazer tudo isto para o Bayán (ou seja, gastar dinheiro em tanta quantida-de) que é só o precurso Daquele à Quem Deus se Tornará Manifesto, s'j dêem conta do que deve ser feito por Aquele a Quem Deus Mani-festará quando aparecer, para que não Lhe suceda o que sucede a mim neste dia. Em outras palavras, existem através do mundo muitos Alco-rão que valem milhões de Tumáns enquato que Aquele que tem derra-mado versículos (o Báb) está encarcerado numa montanha, numa cela fsita de ladrilhos secados ao sol. E no entanto, aquela cela é a mesma Arca (o 9.° céu, a morada da Divindade). Que seja isto um exemplo para os seguidores do Bayán para que não atuem contra Ele como os seguidores do Alcorão tem atuado contra mim". (Unité 3, porte 14), (A. L. M. Nicolás: Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 365-367). "Todos crêem Nele e no entanto O encarceraram numa montanha! Todos obtêem a felicidade com Ele e O abandonaram! Não existe fogo mais ardente para aqueles que têm trabalhado do que suas próprias ações; da mesma maneira, não existe para os crentes um Paraíso mais elevado que o de sua própria fé!". (Le Bayán Persan", vol. I, pp. 126-127).

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mente visitam Máh-Kú e Siyyid Hasan, meu irmão, que por sua vez submetia ao Mestre as petições dos crentes e infor mava Shaykh Hasan de Sua resposta.

"Um dia o Báb incumbiu meu irmão de informar Shaykh Hasan que Ele Próprio pediria ao 'Ali Khán que alterasse sua atitude para com os crentes que visitam Máh-Kú e que abandonasse sua severidade. 'Diga-lhe,' acrescentou, 'que amanhã darei Eu instruções ao guarda para conduzi-lo a este lugar.' Muito me admirei desta mensagem. Como, pen-sei comigo, seria o tirânico e autoritário 'Ali Khán induzido a relaxar a severidade de sua disciplina? No dia seguinte, muito cedo, estando ainda fechado o portão da fortaleza, nos admiramos ao ouvir um súbito bater na porta, bem sabendo que haviam sido dadas ordens de que não fosse admitida pessoa alguma antes da hora do nascer do sol. Reconhecemos a voz de 'Ali Khán, que parecia estar repreen-dendo os guardas, um dos quais veio, após pouco tempo, informar-me de que o diretor da fortaleza insistia em que lhe fosse permitido entrar na presença do Báb. Ao trans-mitir esse recado, recebi ordens de conduzi-lo imediatamen-te a Sua Presença. Assim que eu estava saindo da porta de Sua antecâmara, encontrei 'Ali Khán em pé no limiar em atitude de submissão completa, percebendo-se em seu rosto uma expressão de inusitada humildade e admiração. Seu orgUiho e soberba pareciam haver se desvanecido comple-tamente. Humildemente e com extrema cortesia retribuiu minha saudação e me solicitou que lhe permitisse entrar na presença do Báb. Conduzi-o ao aposento ocupado por meu Mestre. Tremiam-lhe os membros enquanto ele me se-guia. Uma agitação interior que ele não podia esconder lhe pairava no rosto. O Báb levantou-se de Seu assento e lhe deu boas vindas. Curvando-se com reverência, 'Ali Khán aproximou-se e se prostrou a Seus pés. 'Livrai-me', supli-cava ele, 'de minha perplexidade. Adjuro-Vos, pelo Profeta de Deus, Vosso ilustre Antepassado, a que me dissipeis as dúvidas, pois seu peso quase que me tem esmagado o cora-ção. Eu ia cavalgando pela selva e me aproximava do portão da cidade, quando, na hora do alvorecer, meus olhos subi-tamente Vos avistaram, enquanto em pé, do lado do rio

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oferecíeis Vossa oração. Com braços estendidos e olhos er-guidos ao alto, invocávas o Nome de Deus. Imóvel me mantive e Vos observara. Esperava que terminásseis Vossas devoções, para que me pudesse aproximar e Vos repreender por Vos haverdes aventurado a sair da fortaleza sem a mi-nha permissão. Em Vossa comunhão com Deus parecíeis tão absorto em adoração que estavas completamente esquecido de Vos Próprio. Quietamente me aproximava de Vós; em Vosso estado de enlevo, permanecíeis inteiramente incons-ciente de minha presença. De súbito se apoderou de mim grande medo e recuei da idéia de Vos despertar de Vosso êxtase. Decidi deixar-vos, seguir ao encontro dos guardas e repreendê-los por sua conduta negligente. Breve descobri, por espanto meu, que tanto o portão exterior como o inte-rior, estavam fechados. Foram abertos a meu pedido, fui conduzido à Vossa Presença e agora Vos encontro para sur-presa minha, sentado a minha frente. Estou completamente confundido. Não sei se perdi a razão.' O Báb respondeu di-zendo: 'O que testemunhaste é verdadeiro e inegável. Menos-prezaste esta Revelação e desdenhosamente desprezastes seu Autor. Deus, o Todo-Misericordioso, não desejando vos afli-gir com Sua punição, se dignou revelar aos vossos olhos a Verdade. Pela Sua interposição Divina, Ele vos instilou no coração o amor a Seu Escolhido e vos fez reconhecer o poder invencível de Sua Fé."

Esta experiência maravilhosa mudou completamente o coração de 'Ali Khán. Aquelas palavras lhe haviam acalmado a agitação e dominado a animosidade feroz. Por todos os meios dentro de seu poder, determinou ele a expiar seu comportamento passado. "Um pobre, um shaykh," apressou-se a informar ao Báb, "anseia atingir a Vossa Presença. Ele mora num masjid fora do portão de Máh-Kú. Eu Vos suplico que a mim mesmo seja permitido trazê-lo a esse lugar para que ele Vos possa ver. Por este ato espero que minhas más ações sejam perdoadas, que eu seja assistido a apagar as manchas de minha conduta cruel para com Vossos amigos." Atendeu-se seu pedido e de imediato foi ele a Shaykh Hasan-i-Zunúsí e o conduziu à presença de seu Mestre.

'Ali Khán tentou, dentro dos limites que lhe haviam sido impostos, tomar qualquer providência que tendesse a

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aliviar o rigor do cativeiro do Báb. À noite o portão da for-taleza ainda permanecia fechado; durante o dia, porém, se permitia àqueles a quem o Báb desejava ver, entrarem em Sua Presença, com Ele conversarem e Dele receberem ins-truções.

Enquanto jazia confinado dentro dos muros da fortaleza o Báb dedicava Seu tempo à composição do Bayán Persa — de todas as Suas obras a mais ponderosa, a mais ilumina-dora e compreensiva (7). Nele estabeleceu as leis e os pre-ceitos de Sua Dispensação, anunciou clara e enfaticamente o advento de uma Revelação subseqüente e com persistência exortou os seguidores a buscarem até que encontrassem "Aquele que Deus tornaria manifesto (8), advertmdo-lhes que não deixassem os mistérios e as alusões do Bayán lhes impedirem o reconhecimento de Sua Causa (9).

(7) "Um grande número de pessoas vinham de todas as partes para visitar o Báb e os escritos que emanavam de Sua inspirada pena durante esse período eram tão numerosos que o total somava mais de cem mil versículos". (O Taríkh-i-Jadid" p. 238). "Vejam como aproxi-madamente cem mil versos similares a aqueles versos foram dispersa-dos entre os homens, sem mencionar as orações e questões de ciência e filosofia". ("Le Bayán Persan". vol. I, p. 43). "Considerai também o Ponto do Bayán. Aqueles que estão familiarizados com ele sabem como era grande a sua importância antes da Manifestação; porém depois dela e mesmo quando foram revelados mais de quinhentos mil bayts (versículos) sobre diversos temas, foram pronunciadas tais palavras contra Ele que a pena recusa repetir". ("Le Bayán Persan". vol. 13, p 113). "Os versículos que têm chovido desta Nuvem de Misericórdia Divina (o Báb) têm sido tão numerosos que ninguém pode ainda cal-cular o seu número. Vários volumes existem agora. Quantos permane-cem mas além de nosso alcance! Quantos têm sido objeto de pilhagem, caem nas mãos dos inimigos e cujo destino é desconhecido!" (0 Kitáb-i-Iqán". pp. 182-3).

(8) Alusão a BaháVlláh. "A Mullá Báqir, uma das Letras da Vida — que a glória e favor de Deus descansem sobre ele — Ele (o Báb) lhe dirigiu as seguintes palavras: "Felizmente, no oitavo ano, o Dia de Sua Manifestação, tu podes lograr Sua presença". ("A Epístola ao Pilho do Lobo", p. 129).

(9) "É seguindo esta mesma linha de pensamento que quando estava encarcerado em Máh-Kú dirigiu uma carta muito grande ao Sháh (Muhamnr d-Sháh) que vamos analisar aqui. O documento começa como quase todos os documentos literários do Báb, com exaltados louvores à Unidade Divina. O Báb segue falando, como era próprio, a Maomé e a dois Imames, os quais, como veremos no segundo volume desta obra, são as pedras angulares do edifício do Bayán. "Afirmou", exclama, "que

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Tenho ouvido Shaykh Hasan-i-Zunúsí dar o seguinte tes-temunho. "A voz do Báb, enquanto Ele ditava os ensina-mentos e princípios de Sua Fé, podia ser claramente ouvida

tudo o que se encontra neste mundo de possibilidades que não seja eles é, em comparação, como o nada absoluto: e se não puder expressar tudo, todos eles não serão senão como a sombra de uma sombra. Peço à Deus que me perdoe por haver-lhes atribuído tais limites. Na verdade, o mais alto grau de louvor que uma pessoa pode conferir à eles é con-fessar, à sua presença, que é impossível louvá-los... "É esta a razão porque Deus me criou de uma argila que ninguém mais foi criado. E Deus me deu o que os eruditos, com toda a sua ciência, não podem compreender, ou que ninguém, pode saber a não ser que está totalmen-te confiado ante um sinal dentre meus sinais. Saibam que na verdade eu sou uma coluna da primeira palavra; qualquer uni que tomar co-nhecimento desta primeira palavra, terá conhecido completamente a Deus e terá penetrado no bem universal. Qualquer um que recusar co-nhece-la terá permanecido ignorante de Deus e terá penetrado no mal universal. Ponho Deus por testemunha, ó Mestre de ambos os mundos, que aquele que vive aqui embaixo todo o tempo que a natureza permite e segue durante toda a sua vida como servo de Deus em todas as obras de bem, que abrange a crença à Deus, se aninha em seu coração inimi-zade à mim, ainda que seja tão pouca que só Deus de conta dela, então todas as suas boas obras e toda a sua piedade serão inúteis e Deus preparará para ele um castigo; e ele estará entre os que estarão des-tinados a morrer. Deus determinou todo o bem que Ele mesmo reco-nhece como bem, na obediência à Mim e todo o mal que Ele conhece no ato de desobediência a meus mandamentos. Na verdade, hoje con-templo desde o alimento que ostento tudo o que acabo de fazer: vejo os filhos de meu amor, os obedientes, nos mais elevados céus, enquanto que meus inimigos foram lançados às profundezas do fogo eterno! Juro por minha vida, que se não houvesse sido obrigado a aceitar o alimento de Hujját de Deus, não os teria feito esta advertência!". "É evidente que o Báb reafirma suas declarações feitas no Kitáb-i-baynu'i-Hara-mayin sem acrescentar nem subtrair nada.

"Eu sou", disse ele, "o ponto do qual tudo o que existe é encon-trado na existência. Eu sou aquele Semblante de Deus que nunca morre! Eu sou aquela luz que nunca se extingue! Aquele que me conhece o acompanha todo o bem, que me rechaça é perseguido pelo mal. Na verdade, quando Moisés pediu à Deus que lhe permitisse contemplá-Lo. Deus irradiou sobre a montanha a luz de um dos companheiros de Ali. É como o explica o hadíth, "esta luz, o afirmo por Deus, era minha luz". Não vês que o valor numérico das letras que constituem meu nome é igual ao valor daquelas que compõem a palavra Eabb (Senhor) ? Não disse, por acaso Deus no Alcorão, "E quando vosso Rabb irradia sobre a montanha?". "O Báb continua com um estudo das profecias contidas no Alcorão e em alguns dos Hadíths que se relacionam com a manifestação do Míhdí.

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por aqueles que moravam ao pé da montanha. A melodia de Sua entoação o fluxo rítmico dos versículos que mana-vam de Seus lábios, captava nossos ouvidos e nos penetrava

Relata o célebre Hadíth de Mufaddal que é um dos argumentos mais fortes em favor da verdade de sua missão. No Alcorão, capítulo 32, ver-sículo 4: "Desde o céu à terra Ele governa todas as coisas; no fim subirão até Ele num dia, que para vossas medidas, eqüivale a mil anos", (Nota: Tradução de J. M. Rodwell). "O último Imame desapareceu no ano de 1260 da Hégira; e é nesse momento que a manifestação profé-tica terá se cumprido e que a "porta da ciência está fechada". Porém Mufaddal perguntou ao Imame Sádiq quanto aos sinais da vinda do Míhdí e o Imame respondeu: "Ele surgirá no ano 60 e seu nome será glorificado". Isto significa que o ano 1260 é precisamente o ano da ma-nifestação do Báb. Sobre este tema Siyyid 'Alí-Muhammad disse; "De-claro perante Deus que nunca recebi instrução e minha educação tem sido a de um comerciante. No ano sessenta senti que meu coração es-tava repleto de poderosos versículos, com verdadeiro conhecimento e com o testemunho de Deus, proclamei minha missão neste mesmo a n o . . . Esse mesmo ano os enviei um mensageiro (Mullá Husayn-i-Bushru'i) o qual era portador de um Livro, para que o governo pudesse cumprir com seu dever perante o Hujját. Porém como a vontade de Deus foi que explodisse a guerra civil, que ensurdeceria os ouvidos dos homens, cegaria seus olhos e torturaria seus corações endurecidos, o mensageiro não obteve permissão para chegar à vós. Aqueles que se consideravam patriotas intervieram e ainda hoje em dia, depois do transcurso de quatro anos, ninguém lhes disse a verdade sobre estes acontecimentos. E agora que a minha hora se aproxima e meu trabalho não é humano porém divino, lhes escreverei brevemente. Se soubesseis como me tem tratado vossos oficiais e delegados durante estes quatro anos! Se sou-bessem, o temor à Deus os extinguiria a não ser que decidissem obede-cer de imediato a Hujját e redimir o dano feito". "Eu estava em Shiráz e sofri tais tiranias desse malvado e maldito governador que se tomasse conhecimento da mais insignificante, vosso sentido de justiça exigira vingança, porque sua crueldade tem atraído o castigo do céu e incluído dia do juízo sobre todo este império. Este homem, muito orgulhoso e sem ébrio, nunca deu uma ordem inteligente. Vi-me forçado a sair de Shiráz e estava no caminho para visitá-los em Teerã, porém o Mu'tami-du'd-Dawlih compreendeu minha missão e fez o que o respeito pelos eleitos de Deus exige. Os ignorantes da cidade iniciaram uma revolta e eu me ocultei no palácio de Sadr até o falecimento do Mu'tamidu'd-Dawlih. Que Deus o recompense! Não há dúvida alguma que sua sal-vação do fogo eterno se deve ao que fez por mim. Então Gurgín me obrigou a viajar durante sete noites com outros cinco homens, exposto a todos os incômodos e brutalidades e privado de todo o necessário. Fi-nalmente o Sultão ordenou que me levassem à Máh-Kú sem sequer me fornecer um cavalo que pudesse montar. Finalmente cheguei a esta aldeia cujos habitantes são ignorantes e rudes. Declaro perante Deus

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na própria alma. Montanha e vale ressoavam a majestade de Sua voz. Nossos corações vibravam até as profundezas com o apelo de Suas palavras (10)."

que se imaginásseis o lugar que habito serias o primeiro a ter lástima de mim. É um fortim no cume de uma montanha, e é a vossa vontade que devo semelhante morada! Meus companheiros são dois homens e quatro vilões. Imagine como transcorrem meus dias. Dou graças à Deus como deve agradecer-lhe e juro perante Deus que aquele que me en-carcerou desta forma está satisfeito consigo mesmo! E se ele soubesse a quem tem tratado desta forma, não sentiria nunca mais a felicidade!" "E agora os revelo um segredo! Este homem, ao encarcerar-me, encar-cerou todos os profetas, todos os santos e aquele que está cheio de

(10) Esta é a oração que o Báb mesmo cita em "Dalá'il-Sab'ih" como sua súplica durante os meses de seu cativeiro na fortaleza de Máh-Kú: "Oh meu Deus! Concede à ele, a seus descendentes, a sua fa-mília, a seus amigos, e a seus súditos, a seus pacientes e a todos os habitantes da terra, a luz que fará clara sua visão e facilitará sua ta-refa; concede que possam compartilhar de suas ações tanto neste mundo quanto no vindouro! Em verdade, nada é impossível para Ti. Oh meu Deus! concede-lhe o poder para produzir um renascimento de Tua reli-gião e faz viver por teu intermédio aquilo que Tu modifiisaste em Teu livro. Manifesta mediante ele Teus novos mandamentos para que por seu intermédio Tua religião possa florescer uma vez mais! Põe em suas mãos um livro novo, puro e santo, que este Livro possa estar livre de dúvidas e incertezas e para que nada possa alterá-lo ou destruí-lo. Oh meu Deus! Dissipa mediante Teu resplendor toda a obscuridade e mediante Seu poder evidente elimina todas as antigas leis. Arruina, mediante Sua preeminência, aqueles que não tem seguido os caminhos de Deus. Destrói a todos os tiranos por seu intermédio e põe fim a toda discórdia mediante Sua espada; aniquila, mediante Sua justiça, a toda forma de opressão; Faça com que os governantes sejam obedientes a Seus mandamentos; subordina todos os impérios do mundo a Seu impé-rio! Oh meu Deus! Humilha a todos os que desejam humilhar-lhe; Des-trua todos os seus inimigos. Repudia a todo aquele que O renegue e confunda a quem quer que desaprecie a verdade, resista a Suas ordens, trata de escurecer Sua luz e manchar Seu nome!

Depois o Báb acrescenta estas palavras: "Repita estas bênçãos com freqüência e se te faltar tempo para recitar a todas pelo menos não deixe de dizer a última. Mantenha-te desperto no dia da chegada Daquele a Quem Deus Manifestará porque esta ora-ção veio do céu para Ele, ainda que não lhe traga esperança de alcan-çá-lo não lhe t rará nenhuma pena; Tenho ensinado a todos os que crêem em minha religião que jamais se regozigem pelas adversidades de nin-guém. É possível portanto que quando amanheça este Sol da Verdade nenhum sofrimento te alcançará. ("Le Livre des Sept freuves", tradução por A. L. M. Nicolas, pp. 64-5).

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A gradativa amenização da disciplina severa imposta so-bre o Báb animou um número crescente de Seus discípulos das várias províncias da Pérsia a visitá-Lo na fortaleza de Máh-Kú. Um incessante fluxo de peregrinos fervorosos e de-votados se dirigia aos seus portões, graças à gentileza e cle-mência de 'Ali Khán (11). Após uma estada de três dias;

(9) (Continuação) sabedoria Divina. Não há nenhum pecado que não me tenha traz.do aflição. Quando soube de vossa ordem (de levar-me à Máh-Kú) escre-vi à Sadr-i-A'zam: "De-me a morte e envia minha cabeça aonde queiras, porque viver sem pecado entre pecadores não me agrada". Ele não res-pondeu e estou convencido que não compreendeu o assunto, porque en-tristecer sem razão os corações dos crentes é pior que destruir a mesma casa de Deus; porém juro por Deus eu sou neste dia a verdadeira casa de Deus. Recompensas vêem para aqueles que se mostram bons comigo; é como se fora bom com Deus, com Seus anjos e com Seus santos. Po-rém quem sabe Deus e Seus anjos estão demasiados exaltados sobre nós como para o bem e o mal dos homens possa alcançar seu umbral, porém o que sucede a Deus sucede a mim. Juro perante Deus, aquele que me aprisionou é ele mesmo um prisioneiro e nada me sucede senão o que Deus ordenar, ai daquele cuja mão produz iniqüidade! Bendito aquele que reparte o bem! "Finalmente, para resumir esta carta que já é demasiadamente longa: A outra questão é um assunto deste mun-do que vivemos. O extinto Mu'tamid despediu todos os seus convidados uma noite, para ir deitar-se, inclusive a Hájí Mullá Ahmad e então me disse; "Sei perfeitamente bem que tudo que consegui foi obtido pela força e que tudo o que possuo pertence ao Sáhibu'z-Zamán. Portanto eu o dou tudo porque sois o Mestre da Verdade e o peço que aceiteis o privilégio da propriedade". Em seguida tirou o anel do dedo e me deu. Entreguei-lhe de volta e persuadi-lo a não dispor de seus bens. Deus é testemunha da veracidade deste depoimento. Não desejo um dinar de sua riqueza; você é que tem que usá-la como lhe aprouver; porém como em qualquer disputa Deus requer o testemunho das teste-munhas, dentre todos os eruditos acham Siyyid Yahyá e a Akhund Mullá 'Abdu'1-Kháliq. Eles o mostrarão e explicarão meus versículos e a ver-dade de meu testemunho se fará evidente. Destas duas pessoas uma me conheceu antes da manifestação e o outro depois; os elegi porque ambos me conhecem bem". "A carta termina com algumas provas ca-balísticas e alguns Hadíths. É evidente então que o Báb não se sentia feliz em sua prisão. É evidente que permaneceu ali durante longo tempo já que o documento que estamos citando data de 1264 e a execução do mártir teve lugar somente em vinte sete de Shá'bán no ano de 1266 (8 de julho de 1850)". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 367-373).

(11) O autor de Mutanabiyyín escreve: "Os Babís de todas as partes do país se dirigiam à Ádhirbayján, em peregrinação até seu

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foram invariavelmente despachados pelo Báb, com instruções para regressarem a seus respectivos campos de serviço e continuarem seus labores na consolidação de Sua Fé. Jamais o próprio 'Ali Khán deixou de prestar ao Báb no dia de sexta-feira sua homenagem e a Ele assegurar sua inalterável lealdade e devoção. Presenteava-O freqüentemente com fru-tos, os mais raros e escolhidos a serem encontrados na vizi-nhança de Máh-Kú e sempre Lhe oferecia iguarias que pen-sava seriam de Seu gosto, agradáveis a Seu paladar.

Assim passou o Báb o verão e o outono dentro dos muros daquela fortaleza. Seguiu-se um inverno de tão excepcional severidade que até os implementos de cobre eram afetados pela intensidade do frio. O princípio daquela estação coin-cidiu com o mês de Muharram do ano de 1264 A.H. (12). A água que o Báb usava para Suas abluções era de tal gélida frieza que suas gotas reluziam enquanto se congelavam em Seu rosto. Invariavelmente Ele, após terminar cada oração, chamava a Sua Presença Siyyid Husayn e pedia que Lhe lesse em voz alta uma passagem de Muhriqu'1-Qulúb, obra essa composta pelo falecido Hájí Mullá Mihdí, bisavô de Hájí Mírzá Kammáru'd-Dín-i-Naráqí, na qual o autor elogia as virtudes, lamenta a morte e narra as circunstâncias do martírio do Imame Husayn. A narração desses sofrimentos provocava emoção intensa no coração do Báb. As lágrimas continuavam a fluir enquanto Ele escutava ao relato das indizíveis indignidades sobre ele amontoadas e da dor ago-nizante que teve de suportar das mãos de um inimigo pérfi-do. A medida que diante Dele se desenrolavam as circuns-tâncias dessa vida trágica, o Báb continuamente se lembrava daquela tragédia ainda maior, destinada a assinalar o adven-to do prometido Husayn. Para Ele eram essas atrocidades passadas apenas um símbolo que prognosticava as amargas aflições que seu próprio bem-amado Husayn teria que sofrer nas mãos de seus compatriotas. Chorou enquanto Ele imagi-nava na mente as calamidades que Aquele que se haveria de tornar manifesto estava predestinado a sofrer — calami-

chefe." (O Príncipe 'Alí-Qulí Mirzá Ptidádus-Saltanih é o autor) . (A. L. M. Nicolás "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 365, nota 227).

(12) 9 de dezembro de 1847 — 8 de janeiro de 1848 A.D.

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dades tais como o Imame Husayn, nem mesmo em meio às suas agonias, teve que suportar (13).

Em um de Seus escritos, revelado no ano de 1260 A.H.. o Báb declara o seguinte: "O espírito de oração que anima Minha alma é a conseqüência direta de um sonho que tive no ano anterior a Eu declarar Minha Missão. Vi nessa visão a cabeça do Imame Husayn, o Siyyidu'-sh-Shuhadá, pendu-rada em uma árvore. Gotas de sangue pingavam profusa-mente de Sua garganta lacerada. Com sentimentos de inex-cedível deleite, aproximei-me daquela árvore e, estendendo as mãos, colhi algumas gotas daquele sangue sagrado e as

(13) Durante sua estadia em Máh-Kú o Báb revelou um grande número de obras, entre as mais importantes se pode mencionar espe-cialmente o Bayán Persa e as Sete Provas (Dalá'il-i-Sab'ih) que con-número de obras, entre as mais importantes se pode mencionar espe-período. Em verdade, se podemos dar crédito a uma afirmação que aparece no Taríkh-i-Jaddíd sob a autoridade de Mirzá 'Abdu'1-Vahháb, as diversas escrituras do Báb que circulavam em Tabríz somavam por si mesmas não menos de um milhão de versículos!" ("A Traveller's Nar-rative, nota L, p. 200). Sobre o Dalá'il-i-Sab'ih Nicolás escreve o se-guinte: "O Livro das Sete Provas é a obra polêmica mais importante que tem emanado da pena de Siyyid 'Alí-Muhammad, chamado o Báb". (Prefácio p. I ) . É evidente que seu correspondente lhe pediu provas da sua missão e sua resposta admirável por sua precisão e clareza. Se fundamenta em dois versos do Alcorão: No primeiro, ninguém pode re-velar verso algum quando lhe ajudam todos os homens e todos os de-mônios; no segundo, ninguém pode entender o significado dos versos do Alcorão exceto Deus e homens de erudição sólida". (Prefácio, p. 5) . "É evidente que os argumentos do Báb são novos e originais e se pode ver, graças a essa breve referência de quão profundo interesse deve ser sua obra literária. A extensão desse trabalho não me permite expor, nem que suscintamente, os dogmas principais de uma doutrina audaz cuja forma é por sua vez brilhante e atraente. Espero fazê-lo no futuro porém desejo fazer outro comentário sobre o "Livro das Sete Provas": Até o final de seu livro o Báb fala dos milagres que tem acompanhado Sua manifestação. É possível que isto assombre aos leitores já que

temos visto que o novo Apóstolo prega com toda a clareza a verdade dos milagres físicos que a imaginação Muçulmana atribui à Maomé. Ele afirma que tanto para ele como o Profeta da Arábia a única prova de sua missão é a torrente de versículos. Não oferece nenhuma outra prova, não porque Lhe é impossível produzir milagres (já que Deus é todo poderoso), senão simplesmente porque os milagres físicos são de natureza inferior em comparação com os milagres espirituais". (Pre-fácio, p. 12-13) ("Le Livre des Sept Preuves", traduzido por A. L. M. Nicolas).

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sorvi devotadamente. Ao despertar, senti que o Espírito de Deus havia permeado minha alma e dela se apoderado. Ex-tasiava-se Meu coração com o júbilo de Sua Divina Presença e diante de Meus olhos os mistérios de Sua Revelação se des-dobravam em toda a sua glória."

Mal havia Muhammad Sháh condenado o Báb a cati-veiro nas remotas fortalezas nas montanhas de Ádhirbayján, quando lhe atingiram súbitos reveses da fortuna, tais como nunca antes conhecera e cujo impacto afetou os próprios fundamentos de seu Estado. Assombroso desastre surpre-endeu suas forças incumbidas de manter ordem interna em toda parte das províncias (14). Içou-se o estandarte da re-

(14) "Esta província havia sido durante vários anos o cenário de sérios distúrbios. Ao final de 1844 ou ao início de 1845 o governador de Bujnúrd rebelou-se contra a autoridade do Sháh e se aliou com ofc turcomanos contra a Pérsia. O Príncipe Ásifu'd-Dawlih, governador de Khurásán, solicitou ajuda da capital. O general Khán Babá Khán, co-mandante chefe do exército persa, recebeu ordens de enviar dez mil ho-mens contra os rebeldes, porém a excassez de fundos públicos impediu a expedição. Portanto o Sháh projetou encabeçar pessoalmente uma cam-panha na primavera. Os preparativos começaram de imediato. Logo es-tavam prontos dez batalhões de mil homens cada um e só esperavam a chegada do Príncipe Hanzih Mirzá, que havia sido nomeado comandante chefe da expedição. O governador de Khurásán, Ásifu'd-Dawlih, irmão da mãe do Rei, ao sentir que sua segurança estava ameaçada pelas suspeitas das autoridades em Teerã, se apresentou repentinamente ante a Corte para protestar humildemente aos pés do rei e para lhe assegurar sua completa devoção, pedindo que seus difamadores fossem castigados. Aconteceu que o seu principal adversário era Hájí Mirzá Áqásí, o oni-potente primeiro ministro. Sobreveio uma luta prolongada que terminou com a derrota do governador que recebeu uma ordem de fazer uma pe-regrinação à Meca com a mãe do Rei. O filho de Ásifu'd-Dawlih, Sálár, guardião da mesquita de Mashhad, homem rico por direito próprio, con-fiado a causa de sua aliança com o chefe curdo, Ja'far-Qulí Khán, Ilkhání da tribo de Qájár, assumiu uma atitude hostil. Por causa disto foram enviados três mil homens e doze peças de artilharia como repre-sália e o governo de Khurásán foi entregue em mãos de Hamzih Mirzá. A notícia de que Ja'far-Qulí havia atacado a expedição real encabeçando um grande destacamento de cavalaria, curda e turcomana, trouxe como conseqüência o envio de cinco regimentos adicionais e dezoito peças de artilharia de campanha. Eto 28 de outubro de 1847, esta rebelião foi totalmente esmagada com a vitória de Sháh-Húd (15 de setembro) e a derrota e a fuga de Ja'far-Qulí e de Sálár". (A. L. M. Nicolas "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 257-258).

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belião em Khurásán e tamanha foi a consternação provo-cada por esse levante que a projetada campanha do Xá a Hirát foi imediatamente abandonada. A temeridade e o es-banjamento de Hájí Mírzá Áqásí haviam soprado até se in-flamarem as brasas do descontentamento, exasperando as massas e as encorajando a incitar sedição e desordens. Os elementos mais turbulentos de Khurásán, habitantes das re-giões de Qúchán, Bujnúrd e Shíraván, coligaram-se com o Sálár, filho do Ásifu'd-Dawüh, o tio materno mais velho do Xá e governador da província e repudiaram a autoridade do governo central. Quaisquer forças que fossem expedidas da capital eram derrotadas pelos principais instigadores da rebelião. Ja'far-Qulí Khán-i-Námdár e Amír Arslán Khán, fi-lho do Sálár, que conduziam as operações contra as forças do Xá, mostraram crueldade extrema e após haverem repri-mido os ataques do inimigo, trucidaram impiedosamente os seus cativos.

Mullá Husayn, nesse tempo, residia em Mashhad (15), a despeito do tumulto provocado por aquela revolta, se

(15) "Mashhad é o maior lugar de peregrinação da Pérsia já que, como todos sabem, Karbilá encontra-se em território otomano. É em Mashhad que se encontra o sagrado santuário do Imame Rida. Não me estenderei sobre as centenas de milagres que sucederam e ainda su-cedem neste santuário, basta saber que todos os anos milhares de pe-regrinos visitam essa tumba e somente voltam as suas cidades depois que sagazes exploradores desse negócio lucrativo sugam o seu último centavo. A torrente de ouro flui interminavelmente para benefício de funcionários ambiciosos, porém estes funcionários necessitam da co-operação de muitos sócios para pescar em suas redes os numerosos incautos. Esta é, sem dúvida alguma, a indústria mais bem organizada da Pérsia. Se a metade da cidade obtém seu meio de subsistência da mesquita, a outra metade está igualmente interessada no grande número da peregrinos. Os comerciantes, os hoteleiros e os donos dos restaurantes, inclusive as mulheres jovens que encontram entre os visitantes uma pro-visão abundante de "maridos por um dia"! Toda essa gente era aliada natural contra um missionário cujos ensinamentos ameaçavam o seu meio de subsistência. Denunciar esses abusos em alguma outra cidade era coisa tolerável porém não era conveniente denunciá-los porque todas as pessoas de todas as classes beneficiavam-se deles. O Imame M'hdí tinha, sem dúvida, o direito de vir porém era certamente um estorvo público. Poderia ser um motivo excitante o de empreender a conquista do mundo com Ele, porém havia cansaço, risco e perigo nesse empreen-dimento enquanto que agora gozavam de perfeita paz nesta formosa

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esforçava por difundir o conhecimento da nova Revelação, Ao descobrir que o Sáiár, em seu desejo de estender o âm-bito da rebelião, determinara aproximar-se dele para obter seu apoio, decidiu prontamente partir da cidade a fim de evitar implicar-se nos conluios daquele orgulhoso e rebelde chefe. Na calada da noite, atendido só por Qambar-'Alí, pro-cedeu a pé em direção a Teerã, resolvido a seguir de lá a Ádhirbayján, onde esperava encontrar o Báb. Seus amigos, ao saberem da maneira de sua partida, providenciaram de imediato o que lhe pudesse proporcionar algum conforto em sua longa e árdua jornada e se apressaram a alcançá-lo. MuLá Husayn não aceitou sua assistência. "Fiz votos," dis-se-lhes, "de andar a pé a inteira distância que me separa de meu Bem-Amado. Não vacilarei em minha resolução antes de haver alcançado meu destino." Até tentou induzir Qam-bar-'Alí a regressar a Mashhad, mas foi finalmente obrigado a ceder a sua solicitação de lhe ser permitido servi-lo du-rante toda sua peregrinação a Ádhirbayján.

Em seu caminho a Teerã, Mullá Husayn era entusiasti-camente saudado pelos crentes nas várias cidades pelas quais ele passava. Dirigiam-lhe o mesmo pedido e dele recebiam a mesma resposta. Tenho ouvido dos lábios de Aqáy-i-Kalím o seguinte testemunho: "Quando Mullá Husayn chegou em Teerã, eu, na companhia de grande número de crentes, fui visitá-lo. Ele nos parecia ser a verdadeira personificação da constância, da piedade e virtude. Inspirou-nos com sua re-tidão de conduta e sua apaixonada lealdade. Tais foram a força de seu caráter e o ardor de sua fé que nos sentimos convencidos de que ele só, sem apoio, teria capacidade para conseguir o triunfo da Fé de Deus." Secretamente foi con-duzido à presença de Bahá'u'lláh e pouco depois de sua en-trevista, procedeu a Ádhirbayján.

Na noite antes de sua chegada em Máh-Kú, que era a véspera do quarto Naw-Rúz após a declaração da Missão do Báb, e que caiu naquele ano, o ano de 1264 A.H. (16), no décimo primeiro dia do mês de Rabí'u'th-Thání, teve 'Ali

cidade onde se podia ganhar a vida com comodidade e sem "risco". (Idem, p. 258-259).

(16) 1848, A. D.

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Khán um sonho. "Em meu sono," relata ele, "assustou-me a repentina notícia de que Muhammad, o Profeta de Deus, breve chegaria em Máh-Kú, que deveria seguir diretamente à fortaleza a fim de visitar o Báb e Lhe oferecer suas felici tações pelo advento do festival de Naw-Rúz. Em meu sonho, corri ao Seu encontro, ansioso de estender a tão santo Visi-tante a minha humilde expressão de boas vindas. Num es-tado de indescritível alegria, apressei-me a pé em direção ao rio e, ao alcançar a ponte, que estava situada a uma distân-cia de um maydan (17) da cidade de Máh-Kú, vi dois ho-mens que vinham se aproximando de mim. Um deles, pensei, deveria ser o próprio Profeta, enquanto o outro que andava atrás Dele eu supunha ser um de Seus distintos compa-nheiros. Apressei-me a me prostar a Seus pés e me curvava para beijar a bainha de Suas Vestes1, quando, de súbito, acordei. Grande júbilo inundara minh'alma. Sentia-me como se o próprio Paraíso, com todos os seus deleites, se tivesse amontoado em meu coração. Convencido da realidade de mi-nha visão, fiz minhas abluções, ofereci minha oração, vesti-me em minhas mais ricas roupas e me ungi com perfume. Procedi ao lugar onde, na noite anterior, em meu sonho, eu havia contemplado o semblante do Profeta. Eu dera ins-truções a meus subordinados para selarem três de meus me-lhores e mais céleres corcéis e os conduzirem de imediato à ponte. O sol acabava de nascer quando, sem ser escoltado, inteiramente só, saí a pé da cidade de Máh-Kú em direção ao rio. Assim que me aproximava da ponte, discerni, palpi-tando de espanto, os dois homens que eu havia visto em meu sonho, andando um atrás do outro e vindo em minha direção. Instintivamente caí aos pés daquele que eu acre-ditava ser o Profeta e devotadamente os beijei. Solicitei-Lhe e a Seu companheiro que montassem os cavalos que eu pre-parara para sua entrada em Máh-Kú. 'Não', foi Sua resposta, 'fiz votos de realizar toda a viagem a pé. Andarei até o cume desta montanha e lá visitarei vosso Prisioneiro.'"

Essa estranha experiência de 'Ali Khán efetivou uma aprofundização de reverência em sua atitude para com o Báb. Sua fé na potência de sua Revelação tornou-se ainda

(17) Veja glossário (volume I I ) .

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maior e muito se aumentou sua devoção a Ele. Em atitude de humilde submissão, seguiu a Mullá Husayn até alcança-rem o portão da fortaleza. Logo que os olhos de Mullá Husayn atingiram o semblante de seu Mestre, que se via em pé no limiar do portão, ele instantaneamente parou e, curvando-se diante d'Ele, permaneceu imóvel a Seu lado. O Báb estendeu os braços e afetuosamente o abraçou. Tomando-o pela mão, conduziu-o a Seu aposento. Convocou então os amigos a Sua presença e em sua companhia celebrou a Festa de Naw-Rúz. Pratos de doces e dos frutos mais escolhidos haviam sido espalhados diante Dele. Distribuiu-os entre os amigos reu-nidos e, enquanto oferecia a Mullá Husayn alguns dos mar-melos e maçãs, disse: "Estes frutos deliciosos vieram para nós de Mílán, o Ard-i-Jannat (18), e foram colhidos espe-cialmente e consagrados a esta Festa pelo Ismu'lláhu'1-Fatíq, Muhammad-Taqí.''

Até então a nenhum dos discípulos do Báb, salvo a Siyyid Husayn-i-Yazdí e seu irmão, fora permitido passar a noite dentro da fortaleza. Naquele dia 'Ali Khán foi ao Báb e disse: "Se for vosso desejo reter Mullá Husayn convosco esta noite, estou pronto a conformar-me com Vosso desejo, pois não tenho vontade própria. Por qualquer tempo que queiras que permaneça em Vossa companhia, prometo cumprir Vossa ordem." Os discípulos do Báb continuaram a chegar em Máh-Kú em números sempre crescentes e eram imediatamen-te e sem a mínima restrição admitidos a Sua Presença.

Um dia, o Báb, na companhia de Mullá Husayn, olhava do telhado da fortaleza sobre a paisagem da região circun-vizinha, fitou o oeste e, enquanto via o Araxes seguindo seu curso sinuoso lá longe abaixo, virou-se a Mullá Husayn e disse: "Eis o rio e lisa margem, sobre a qual assim escre-veu o poeta Háfiz. 'ó zéfiro, se tu passares perto da mar-gens do Araxes, implanta um beijo na terra desse vale e torna fragrante teu alento. Salve, mil vezes salve, ó tu, mo-rada de Salmá! Quão é querida a voz de teus cameleiros e suave o tinido de teus sinos! (19) Os dias de vossa estada

(18) Literalmente "Terra do Paraíso". (19) Segundo a narrativa de Hájí Mu'inu's-Saltanih (p. 67-68),

Mirzá Hablb-i-Shírází, mais conhecido como Qá'iní, um dos poetas mais

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neste país aproximam-se de seu fim. Não fosse a brevidade de vossa estadia e nós vos teríamos mostrado a 'morada de Salmá,' assim como revelamos aos vossos olhos as 'margens do Araxes.'" Pela "morada de Salmá' o Báb queria dizer a cidade de Salmás, situada na vizinhança de Chihríq e de-signada Salmás pelos turcos. Continuando Suas observações, o Báb disse: "É a influência imediata do Espírito Santo que faz palavras como estas manarem da língua de poetas e fre-qüentemente eles próprios não podem apreender o que signi-ficam. Também divinamente inspirado é o seguinte Versí-culo: "Em Shíráz será lançada em tumulto; um Jovem de doce língua aparecerá. Receio que o alento de sua boca agite e perturbe Bagdá." O mistério encerrado neste ver-sículo está agora oculto; será revelado no ano após Hín (20).' O Báb citou subseqüentemente esta bem conhecida tradição: "Tesouros jazem ocultos sob do trono de Deus; a chave a esses tesouros está na língua de poetas." Relatou Ele então a Mullá Husayn aqueles acontecimentos um após outro, que haveriam forçosamente de suceder no futuro, e lhe disse que não os mencionasse a ninguém (21). "Poucos dias após vossa partida deste lugar," informou-lhe o Báb, "eles Nos transferirão a uma outra montanha. Antes de chegardes em vosso destino, a notícia de Nossa partida de Máh-Kú vos terá alcançado."

O que o Báb predissera foi prontamente cumprido. Aque-les incumbidos de vigiar secretamente seus movimentos e a

eminentes da Pérsia, foi o primeiro a louvar o Báb e exaltar Sua ele-vada posição. Um manuscrito dos poemas de Qa'-iní que inclui estes versos, foi mostrado ao autor da narrativa. As seguintes palavras, disse ele, estavam escritas como cabeçalho da apologia: "Em louvor à mani-festação de Siyyid-i-Báb".

(20) Veja nota 28, cap. I. (21) No "Dalá'il-i-Sáb'ih", o Báb revela o seguinte: "O hadith

Ádhirbayján referindo-se a este ponto, disse: "As coisas que hão de acontecer em Ádhirbayján são necessárias para nós; nada impedirá que se sucedam. Permaneçam, portanto, em vossos lugares, porém se apare-cer um agitador, correi então até ele". E o hadith prossegue dizendo: "Ai dos árabes, porque a guerra civil se aproxima!" Se ao falar estas últimas palavras o Prometido houvesse tido a intenção de se referir a sua própria missão, sua afirmação haveria sido vã e inútil". ("Le Livre des Sept Preuves", traduzido por A. L. M. Nicolas, p. 47).

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conduta de 'Ali Khán submeteram a Hájí Mírzá Aqásí um relatório detalhado no qual se estenderam sobre sua devo-ção extrema ao seu Prisioneiro e descreveram tais incidentes como tendessem a confirmar suas alegações. "Dia e noite," descreviam-lhe, "o diretor da fortaleza de Máh-Kú pode ser visto associar-se ao seu cativo em condições de irrestrita li-berdade e amizade. 'Ali Khán, que obstinadamente se re-cusou permit:r que sua filha casasse com o herdeiro ao trono da Pérsia, alegando que esse ato a tal ponto enfureceria os parentes sunitas de sua mãe que eles, sem hesitação, o ma-tariam e a sua filha também, agora com o mais intenso fervor deseja que essa mesma filha seja esposada com o Báb. Ele já recusou, mas 'Ali Khán ainda persiste em sua soli-citação. Não fosse a recusa do prisioneiro, e as núpcias da moça já se teriam celebrado." 'Ali Khán havia realmente pedido isto e até solicitado a Mullá Husayn que intercedesse por ele com o Báb. Não se conseguira, no entanto, Seu con-sentimento.

Esses relatórios malévolos exerceram uma influência ime-diata sobre Hájí Mírzá Aqásí. Medo e ressentimento mais uma vez impeliram aquele caprichoso ministro a emitir uma ordem peremptória para a transferência do Báb à fortaleza de Chihríq.

Vinte dias após Naw-Rúz o Báb se despediu do povo de Máh-Kú, que, durante seus nove meses de cativeiro havia reconhecido em grau notável o poder de Sua personalidade e a grandeza de Seu caráter. Mullá Husayn, que partira de Máh-Kú a mando do Báb, estava ainda em Tabríz quando lhe veio a notícia da transferência já predita de seu Mestre para Chihríq. Na ocasião de Sua última despedida a Mullá Husayn, dirigiu-lhe estas palavras: "Andaste a pé todo o ca-minho de tua província nativa a este lugar. A pé também deves regressar até alcançar teu destino; pois teus dias de cavalaria estão ainda por virem. És destinado a exibir tal coragem, tal destreza e heroísmo que eclipsarão os mais po-derosos atos dos heróis de antanho. Tuas façanhas deste-midas ganharão os elogios e a admiração dos habitantes do Reino eterno. Deves visitar no caminho os crentes de Khuy, de Urúmíyyih, de Marághih, de Mílán, de Tabríz, de Zanján, de Qazvín e de Teerã. A cada um transmitirás a expressão

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de Meu amor e terno afeto. Tentarás inflamar seus cora-ções de novo com o fogo do amor da Beleza de Deus e te esforçarás para lhes fortificar a fé em Sua Revelação. De Teerã deves proceder a Mázindarán, onde o tesouro oculto de Deus a ti será tornado manifesto. Serão exigidos de ti feitos tão grandes que haverão de eclipsar as mais podero-sas realizações do passado. A natureza de tua tarefa será, naquele lugar, a ti revelada, e serás fortalecido e guiado de modo a te tornar apto para prestar teu serviço a Sua Causa.

Na manhã do nono dia após Naw-Rúz, Mullá Husayn partiu, segundo instruções de seu Mestre, em sua jornada a Mázindarán. A Qambar-'Alí dirigiu o Báb estas palavras de despedida: "O Qambar-'Alí de uma era passada gloriar-se-ia por haver o portador de seu nome vivido até testemunhar um Dia que até Ele (22) que era o Senhor de seu senhor suspirava em vão; do qual Ele com anelo intenso falou: 'Oxalá Meus olhos pudessem contemplar as faces de Meus irmãos que tiveram o privilégio de atingir a Seu Dia!'"

(22) Referência ao Profeta Maomé.

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