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O RURAL E O URBANO NA TEORIA DE HENRI LEFEBVRE Leon Martins Carriconde Azevedo Estudantes de graduação em Geografia (UnB) [email protected] Resumo O referente artigo visa identificar na teoria lefebvriana quais as definições de urbano e rural, bem como suas implicações para o entendimento da contradição campo-cidade e do processo histórico que pode se apreender na teoria da Sociedade Urbana. Lefebvre, a partir de análise da sociedade urbana em germinação, não fica apenas preso ao debate acadêmico, mas passa a propor estratégias políticas de intervenção na realidade. O conceito que articula essas análises e proposições é o de Revolução Urbana. Existe uma série de decorrências das proposições teórico-filosóficas de Lefebvre se pensarmos a configuração da realidade latino-americana. O artigo debate a teoria de Marx sobre a economia camponesa baseada na análise do desenvolvimento da técnica e das forças produtivas. Lefebvre irá levantar questões sobre as características não só conservadoras do campesinato, mas principalmente sobre a incompatibilidade da economia e do modo de vida camponês com o projeto de “revolução urbana. Palavras chave: revolução urbana; cidade; campesinato; urbanização

O RURAL E O URBANO NA TEORIA DE HENRI LEFEBVRE · Seguindo os pressupostos da teoria marxista do surgimento das cidades, ... valor de uso/valor de troca e se verifica no decorrer

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O RURAL E O URBANO NA TEORIA DE HENRI LEFEBVRE

Leon Martins Carriconde Azevedo

Estudantes de graduação em Geografia (UnB)

[email protected]

Resumo

O referente artigo visa identificar na teoria lefebvriana quais as definições de urbano e

rural, bem como suas implicações para o entendimento da contradição campo-cidade e

do processo histórico que pode se apreender na teoria da Sociedade Urbana. Lefebvre, a

partir de análise da sociedade urbana em germinação, não fica apenas preso ao debate

acadêmico, mas passa a propor estratégias políticas de intervenção na realidade. O

conceito que articula essas análises e proposições é o de Revolução Urbana. Existe uma

série de decorrências das proposições teórico-filosóficas de Lefebvre se pensarmos a

configuração da realidade latino-americana. O artigo debate a teoria de Marx sobre a

economia camponesa baseada na análise do desenvolvimento da técnica e das forças

produtivas. Lefebvre irá levantar questões sobre as características não só conservadoras

do campesinato, mas principalmente sobre a incompatibilidade da economia e do modo

de vida camponês com o projeto de “revolução urbana.

Palavras chave: revolução urbana; cidade; campesinato; urbanização

Introdução

Existe uma série de classificações oficiais e teóricas do que seja urbano, rural,

campo e cidade. Uma parcela destas classificações está voltada para a objetivação de

políticas públicas, de levantamento censitário, enfim, tem como objetivo oficial de

assessorar o Estado (levantamento de dados quantitativos, densidade demográfica, etc.).

Outro campo de debate, que não necessariamente está separado do anterior, é o da teoria

sociológica, geográfica, urbanística e da própria filosofia, e que analisa de forma

qualitativa e processual os conceitos de rural e urbano, campo e cidade. Compreender a

teoria de Henri Lefebvre, identificando suas contribuições e seus equívocos para a

análise da realidade é importante para dar conta do atual debate.

As reflexões filosóficas de Henri Lefebvre sobre o espaço foram construídas

com várias reviravoltas. Nos anos 40 e 50, Lefebvre vai se dedicar ao estudo da

realidade agrária francesa, da renda fundiária, chegando a escrever inclusive um livro

não publicado sobre o assunto. Alguns anos mais tarde irá se propor, sem sucesso, a

debater a questão agrária em países como Cuba e Argélia. Porém, todas essas

contribuições de Lefebvre sobre a análise agrária será colocada de lado pelo marxismo

“oficial”, tratada como temas de menor importância. Anos depois, iniciando um estudo

das transformações espaciais numa cidade em sua região de origem no sudeste francês,

Lefebvre irá começar a identificar uma modificação da relação campo-cidade e urbano-

rural, tendendo para uma urbanização geral da sociedade, processo que engendra uma

série de modificações nas relações sociais e no pensamento científico.

O referente artigo visa identificar na teoria lefebvriana quais as definições de

urbano e rural, bem como suas implicações para o entendimento da contradição campo-

cidade e do processo de desenvolvimento histórico da humanidade que pode se

apreender na teoria da Sociedade Urbana. Lefebvre, a partir de suas interpretações da

sociedade urbana em germinação, não fica apenas preso ao debate teórico e acadêmico,

mas passa a propor estratégias políticas de intervenção na realidade. O principal debate

feito é sobre a luta pela reforma urbana e seu conteúdo. As revoluções socialistas do

século XX (chinesa, russa) também passam pela sua análise crítica das relações campo-

cidade, etc. O conceito capaz de articular essas análises históricas e proposições

políticas é o de Revolução Urbana.

Existe, no entanto, uma série de decorrências políticas nas proposições teórico-

filosóficas de Lefebvre se pensarmos a configuração do movimento de massas latino-

americano (operários, camponeses, indígenas, professores, etc). Com base na

conceituação de Marx sobre a vida e a economia camponesa, especialmente baseada na

análise do desenvolvimento da técnica e das forças produtivas, Lefebvre irá levantar

uma série de questões sobre as características não só conservadoras do campesinato,

mas principalmente sobre a incompatibilidade da economia e do modo de vida

camponês com o projeto de “revolução urbana”.

O artigo foi produzido através de pesquisa bibliográfica, com leitura de livros de

Lefebvre, de artigos de outros teóricos que comentam e explicam sua obra e de textos de

outros teóricos envolvendo a temática debatida: campesinato, campo, cidade, etc. O

objetivo central é iniciar, a partir deste estudo, uma pesquisa mais aprofundada sobre a

questão cidade-campo e a aliança operário-camponesa (entendida do ponto de vista

político, de classe, como a superação de tal contradição) na realidade brasileira,

identificando como estes marcos teóricos e políticos estão colocados nas diferentes

correntes científicas e dos movimentos políticos de forma geral.

A conceituação de campo, cidade, rural e urbano

Seguindo os pressupostos da teoria marxista do surgimento das cidades, e,

portanto, da separação campo-cidade, Lefebvre vai analisar tal processo através do

avanço das forças produtivas e do aprofundamento da divisão social e técnica do

trabalho. Com o avanço das forças produtivas (tal como o surgimento da agricultura) e a

emergência da produção excedente, existe um processo de constituição de classes

ociosas, que não vivem diretamente do trabalho, mas que passam a ocupar cargos

administrativos (administração deste excedente e dos escravos) e militares. A separação

e oposição campo-cidade acompanha o processo de divisão social do trabalho

(separação em classes), se revelando em divisão sócio-espacial, além de corresponder

“à separação entre trabalho material e intelectual, e por conseguinte entre natural e

espiritual” (Lefebvre, 1991, p. 36)

Em seu livro O direito à cidade (1991), Lefebvre já no início coloca em debate o

conceito de cidade, explicando que o nascimento da cidade é anterior ao processo de

industrialização e a partir disso faz algumas diferenciações entre os tipos de cidades até

o período do feudalismo.

Houve a cidade oriental (ligada ao modo de produção asiático), a cidade

arcaica (grega ou romana, ligada a posse de escravos), depois a cidade

medieval. A cidade oriental e arcaica foi essencialmente política: a

cidade medieval, sem perder o caráter político, foi principalmente

comercial, artesanal, bancária (LEFEBVRE, 1991, p. 11)

De acordo com Lefebvre, a relação cidade-campo mudou muito de acordo com a

época e o modo de produção. Já foi extremamente conflitante e pacífica. Dentro de uma

mesma época, a relação cidade-campo já demonstrou relações diferenciadas.

Segundo Lefebvre, uma questão fundamental na análise do conceito de cidade é

a relação entre “Obra” e “Produto”. Tal relação é também uma tradução da dialética

valor de uso/valor de troca e se verifica no decorrer das configurações das cidades.

Partindo da definição de que “a cidade é uma obra” (Lefebvre, 1991, p. 12), ou seja,

local privilegiado de criação, de estabelecimento de centralidades, de combinação e

transformação de relações sociais, Lefebvre vai desenvolver sua crítica ao processo de

urbanização atual sob o modo de produção capitalista. Segundo o filósofo francês, sob o

capitalismo, a cidade, enquanto “projeção da sociedade sobre um local” (Lefebvre,

1991, p.12) torna-se cada vez mais um produto, um valor de troca, a ser consumido.

O essencial do urbano seria a centralidade, a reunião, centralização econômica e

de poderes em oposição ao insulamento e a dispersão da vida camponesa:

Amontoados de objetos e de produtos nos entrepostos, montes de frutas

nas praças de mercado, multidões, pessoas caminhando, pilhas de

objetos variado, justapostos, superpostos, acumulados, eis o que

constitui o fenômeno urbano. (LEFEBVRE, 1999, p. 108)

Existem segundo Lefebvre, diferenças que separam os conceitos de urbano e

cidade. A cidade, sendo algo que existe desde a Antiguidade, desde a própria separação

campo-cidade a partir da divisão social do trabalho, pode ser definida como a base

material e arquitetônica, a forma concreta, prático-sensível, que tomou o processo

histórico de divisão sócio-espacial. O urbano pode ser definido como a dinâmica à qual

engendra o tecido social presente na cidade, a centralidade, as relações e atividades

desenvolvidas por “seres concebidos, construídos ou reconstruídos pelo pensamento”

(Lefebvre, 1999, p. 54). Nesta diferenciação, existem dois conceitos importantes, o de

morfologia material (cidade) e de morfologia social (urbano), ambos servem para

abarcar teoricamente esse processo de urbanização, funcionando como uma totalidade

onde os termos estão indissociados (não existe sociedade sem organização do espaço).

O campo e o rural seguiriam a mesma lógica conceitual descrita acima. Sendo o

campo a morfologia material e o rural a morfologia social. A diferença fundamental

seria que, com base na teoria marxista de desenvolvimento histórico, Henri Lefebvre

afirma não somente que o urbano está em uma relação de dominância frente ao rural no

plano político, econômico e cultural (já que é no meio urbano que se encontram os

centros de poder, os elementos mais dinâmicos da exploração capitalista e dos sistemas

de informação), mas que estas distinções entre urbano e rural tendem a deixar mesmo de

existir, através de um processo de “destruição” da vida agrária e camponesa, dando

lugar apenas a uma só dinâmica social, totalizante, da Sociedade Urbana, da

“urbanização completa da sociedade” (Lefebvre, 1999, p. 13). A distinção entre o

campo e a cidade, como bases arquitetônicas e materiais distintas, não deixam

completamente de existir, mas as suas funções e conteúdos deixam de expressar uma

contradição e ambas estão imersas no tecido urbano.

Na teoria lefebvriana a cidade também se situa em meio a duas escalas de

relações sociais: a ordem proximal e a ordem distante. A ordem proximal

compreenderia as relações dos indivíduos em grupos, relações familiares, a

cotidianidade. A ordem distante seria uma determinação mais ampla e geral da

sociedade, compreendendo ai as poderosas instituições (Estado, Igreja), por “um código

jurídico formalizado ou não, por uma ‘cultura’ e por um conjunto de significantes”

(Lefebvre, 1991). Representando assim, as diferenciações de escalas e entre o geral e o

particular.

A relação entre o geral e o particular não se aplica apenas a análise da cidade em

si, mas também da relação desta com a sociedade em geral, da economia, da política.

Segundo Lefebvre (1991), a cidade nunca pode ser pensada de forma separada da

sociedade, “ela muda quando muda a sociedade em seu conjunto”, não sendo, porém,

uma relação unidimensional onde a cidade é um resultado passivo da “globalidade

social”, podendo a forma urbana atrasar, impedir, possibilitar ou antecipar certas

transformações no “todo”.

Na conceituação da oposição entre campo e cidade é ressaltada a importância de

se levar em consideração as representações que cada uma dessas morfologias espaciais

possui no imaginário social. Segundo Lefebvre:

O campo, ao mesmo tempo realidade prática e representação, vai trazer

as imagens da natureza, do ser, do original. A cidade vai trazer as

imagens do esforço, da vontade, da subjetividade, da reflexão, sem que

essas representações se alastrem de atividades reais. Dessas imagens

confrontadas irão nascer grandes simbolismos. (LEFEBVRE, 1991,

p.37)

Porém, estes simbolismos e imagens (ideologias) nem sempre, ou melhor, quase

nunca, expressam a realidade tal como ela é, mas geralmente são engendradas por

preconceitos de classe, que inclusive modificam de acordo com o desenvolvimento e a

experiência histórica de determinado povo. Segundo nossa opinião, não existe uma

visão homogênea “pura” da cidade ou do campo tal como Lefebvre coloca em suas

proposições filosóficas, como imaginário “da” cidade ou “do” campo. Essa mesma

busca da caracterização da cidade ou urbano quase como um “sujeito” (consciência)

será retomado em outros momentos mais a frente.

A concepção de desenvolvimento histórico em Marx e em Lefebvre

Existe na teoria da sociedade urbana uma concepção muito clara quanto aos

modos como operam as transformações sociais, econômicas e políticas na história. Esta

concepção possui como base a teoria marxista que analisa a história como “um processo

cumulativo, em que o desenvolvimento técnico corresponde a divisão do trabalho e da

socialização” (FERREIRA, 2010). Nesse sentido, o processo de industrialização toma

potencialidades muito grandes, tendo em vista uma maior complexidade da divisão do

trabalho, utilização de técnicas mais avançadas, etc. Já a economia camponesa, de

características domésticas e de produção familiar, é tomada como incompatível com a

sociedade comunista, pois esta funcionaria através de unidades auto-sustentáveis e com

baixo desenvolvimento de forças produtivas.1

O desenvolvimento das forças produtivas, passando da economia doméstica para

o trabalho industrial capitalista, é visto como uma tarefa fundamental a ser cumprida

historicamente, e é ai então que surge a emergência do papel da centralização e

colonialismo estatista dentro da teoria marxista para a resolução da contradição entre

interesses particulares (neste caso a economia camponesa “fechada”) e os interesses

universais (proletariado industrial – comunismo).2

1 Neste estudo de FERREIRA (2010) pode-se ver de forma mais desenvolvida as críticas à teoria da

História de Marx, além de apresentar a concepção bakuninista da aliança operário-camponesa e como ela

está estruturada com as categorias Trabalho e Ação.

2 Cabe salientar a visão de Lefebvre de que o Estado pode vir a cumprir a missão de acabar com a

oposição campo-cidade: “Por si só, a existência de tais lógicas, de tais sistemas unitários no nível do

Estado, mostra que a velha separação “cidade –campo” está a caminho da desaparição. Isso não significa

Segundo Marx, a revolução industrial inglesa não só trouxe a aglomeração de

grandes massas trabalhadoras para os centros urbanos, como também é ela própria a

principal propulsora da revolução do proletariado, ou seja, as bases da destruição do

capital:

Deste modo, ela [a revolução industrial] prepara, por um lado, com o

descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do

proletariado, uma revolução da sociedade pelo proletariado. (MARX

apud FERREIRA, 2010)

Desse modo, dentro do debate de superação do modo de produção capitalista, o

marxismo em muitos momentos se debateu entre concepções que davam maior

importância ao fator estrutural, que defendiam a preponderância do desenvolvimento

das forças produtivas e o papel das classes sendo determinados por sua condição na

produção, e outras correntes que defenderam a preponderância da ação histórica, ou

seja, dos conflitos reais entre trabalho e capital e a ação de massas sendo determinantes

para a revolução (que podem explicar as lutas nas periferias do capitalismo e até mesmo

a mobilização revolucionária do campesinato).

Em seu livro O direito à cidade, Lefebvre coloca de forma categórica que o

desenvolvimento das forças produtivas, a industrialização, é o agente revolucionário da

história: “Sem possibilidade de contestação, esse processo [de industrialização] é, há

um século e meio, o motor das transformações na sociedade” (Lefebvre, 1991, p. 11).

A teoria lefebvriana, muito preocupada com a “forma pura” do urbano, e sua apreensão

filosófica muito arraigada da metafísica hegeliana, não consegue apreender que a

formação das classes revolucionárias são historicamente determinadas, pela relação com

o trabalho e o capital, e não logicamente determinadas.

que ela esteja superada. Pode-se mesmo perguntar se o Estado, que pretende assumir essa missão é capaz

de levá-la a contendo” (Lefebvre, 1999, p. 77).

Lefebvre passa ao entendimento da teoria de Marx sobre a industrialização como

um processo que se fecha em si mesmo, que já resolve quase que “naturalmente”,

evolutivamente o problema da emancipação dos trabalhadores. Partindo desse

pressuposto, Lefebvre vai criticar não as raízes desta teoria da história, mas afirmar que

é preciso dar prosseguimento a ela através da incorporação de acontecimentos não

previstos por Marx, ou seja, a urbanização:

Para o próprio Marx a industrialização trazia em si mesma sua

finalidade, seu sentido. (...) Marx não mostrou (em sua época não podia

fazê-lo) que a urbanização e o urbano contém o sentido da

industrialização. (LEFEBVRE, 1991, p. 85)

Seguindo esta mesma linha teórica, existe uma mudança nos objetivos históricos

do proletariado quando Lefebvre associa a emancipação deste a conquista da “sociedade

urbana”, através da “revolução urbana”. Perde-se a perspectiva do socialismo, ou este

torna quase um sinônimo de urbano. Ao mesmo tempo coloca a classe trabalhadora

mais refém ainda do Estado e da burguesia enquanto classe detentora dos meios de

produção e reprodução da vida, no sentido que: esta mais uma vez possui a capacidade e

o protagonismo histórico de construir a “emancipação humana” através do

desenvolvimento do tecido urbano e da industrialização. Um etapismo erigi-se ainda

mais forte, identificando que as periferias do capitalismo devem passar por todas as

etapas/eras, criando e preparando a base material/espacial (industrialização-

urbanização) única capaz criar uma nova relação social, ou pior, a identificação lógica

deste processo de urbanização com o próprio desenvolvimento da revolução que há de

emancipar os trabalhadores.3

3 Tal questão fica clara quando Lefebvre discute a condições preliminares para a realização da Sociedade

Urbana: “As condições, as preliminares? São conhecidos: um alto nível de produção e de produtividade,

rompendo com a exploração reforçada de minoria relativamente decrescente de trabalhadores manuais e

intelectuais altamente produtivos.” (LEFEBVRE, 1991, p. 126)

No campo da transformação ideológica da sociedade, oriunda da revolução

urbana, Lefebvre faz um verdadeiro combate a economia e modo-de-vida camponês.

Segundo o filósofo, com a morte do velho humanismo (clássico, burguês), um novo

humanismo urbano a de se erigir, através de uma “nova práxis e de um outro homem, o

homem da Sociedade Urbana.” (Lefebvre, 1991, p. 108). Porém, para que essa “práxis

urbana” floresça, ela tem que acabar com os restos do modo de vida camponês:

Estamos acabando hoje o inventário dos restos de uma sociedade

milenar na qual o campo dominou a cidade, cujas idéias e “valores”,

tabus e prescrições eram em grande parte de origem agrária, de

predomínio rural e “natural”. Esporádicas cidades apenas emergiam do

oceano do campo. A sociedade rural era (ainda é) a da não abundância,

da penúria, da privação aceita ou repudiada, das proibições que

dispunham e regularizavam as privações. (LEFEBVRE, 1991, p. 108,

grifo nosso)

Nesse trecho podemos ver o campo e o rural identificados inexoravelmente

como privação, fome, proibição. Por eliminação, o urbano e a cidade é identificado

como emancipação, libertação, abundância. Esta concepção leva a um fetiche quanto ao

papel do Estado e do Capital.

A Era agrária

Primeiramente, cabe salientar que um determinado período de ausência de

urbanização é, segundo a teoria lefebvriana, a “pura natureza, a terra entregue aos

elementos” (Lefebvre, 1999), o que dá uma visão completamente estática da Natureza.

Isso mais a frente irá compor sua concepção de relação Homem-Natureza,

especialmente acreditando que com o advento da indústria moderna o ser humano passa

a “controlar a natureza”, não sendo mais determinado por esta. Mas este é outro assunto.

Para Lefebvre o desenvolvimento humano civilizado inicia sua história na era

agrária. Como havíamos citado no início do artigo, nela existia uma forte divisão entre

campo e cidade fruto da divisão do trabalho, além de uma prevalência do valor de uso

sobre o valor de troca, da cultura sobre a produção econômica. Ao passo que as forças

produtivas vão se desenvolvendo e vão gerando excedente na produção criam as

condições sociais para o surgimento de classes que se dedicam unicamente ao exercício

de atividades administrativas e de comando (gerando obviamente a necessidade de um

aparato repressivo, também improdutivo). A passagem da coleta para a agricultura,

enquanto técnica econômica predominante, segundo Lefebvre tem haver também com a

formação do poder político e autoritário dos centros urbanos ocupados por

“conquistadores hábeis, que se tornaram protetores, exploradores, e opressores, isto é,

administradores, fundadores de um Estado ou um esboço de Estado” (Lefebvre, 1999,

p. 19).

As cidades gregas e romanas (arcaicas) cumprem um papel importante nesse

período. Segundo Lefebvre, estas cidades são formadas pela reunião de várias aldeias e

tribos de um mesmo território. Nestas cidades a propriedade comunitária não é destruída

e uma minoria de cidadãos livres possuem o poder sobre mulheres, crianças, escravos e

estrangeiros. Possui a política como principal função, e a filosofia é desenvolvida neste

período possuindo a busca da “totalidade” como principal paradigma.

Com a dissolução do Império Romano pelas tribos germânicas, inicia-se o

processo de edificação do feudalismo. O período feudal sem dúvida é um dos principais

momentos da Era agrária, pois é aquele que deu origem ao atual modo de produção

capitalista. Segundo o filósofo francês, a cidade feudal não é mais apenas política, mas

essencialmente comercial, artesanal e bancária.

Lefebvre analisa que em um determinado momento do feudalismo, na Europa

Ocidental, o peso das cidades no conjunto social fica cada vez maior, modificando a

consciência social e as formas como se “vê” as cidades:

Desde então, a cidades não aparece mais, nem mesmo para si mesma,

como uma ilha urbana nem oceano camponês; ela não aparece mais

para si mesma como paradoxo, monstro, inferno ou paraíso oposto à

natureza aldeã ou camponesa. Ela entra na consciência e no

conhecimento como um dos termos, igual ao outro, da oposição

“cidade-campo”. O campo? Não é mais – nada mais – que a

“circunvizinhança” da cidade, seu horizonte, seu limite. As pessoas da

aldeia? Segundo sua própria maneira de ver, deixam de trabalhar para

os senhores territoriais. Produzem para a cidade, para o mercado

urbano. E, se sabem que os mercadores de trigo ou madeira os

exploram, encontram porém no mercado o caminho da liberdade.

(LEFEBVRE, 1999, p. 21-22)

Com o período de transição do feudalismo para o capitalismo, Lefebvre mais

uma vez identifica a Cidade como “sujeito” que trava uma luta contra os senhores da

terra: “a cidade replica a essa ação da senhoria da terra e é a luta de classes que se

desenrola, ora latente, ora violenta. A cidade se liberta (...).” (Lefebvre, 1991, p. 74)

Na verdade, esta caracterização da “cidade” ou do “campo” como sujeitos portadores de

objetivos históricos (como “pólos” da luta de classes) leva a um obscurecimento sobre

diversos aspectos da luta de classes, tal como uma caracterização mais objetiva das

classes sociais dentro destas próprias arenas sócio-espaciais, dos objetivos de classes, da

aliança operário-camponesa, bem como da própria transição do feudalismo para o

capitalismo onde em diversos locais foi certa a aliança da aristocracia com a burguesia.

A Era industrial

Com a derrocada do feudalismo e o advento das revoluções burguesas, em

especial a revolução industrial, o filósofo afirma o surgimento de uma nova era

histórica: a era industrial. Nela os costumes e a cultura passam a ser inteiramente

determinados pela produção econômica (determinismo econômico). O sistema de troca

e comércio se generalizam e a indústria destrói a “urbanidade” da era agrária,

reconstruindo-a através de uma escala ampliada e centralizadora, com novos objetivos e

conteúdos. Cabe ressaltar que o determinismo do econômico sobre outras esferas:

cultura, política, etc. também é uma expressão da dominância do Homem sobre a

Natureza, da indústria sobre a agricultura, da cidade sobre o campo.

Na antiguidade, especialmente nas cidades arcaicas, a cidade tem funções

essencialmente políticas, se materializando no conceito de “Cidade-Estado”. Com o

advento da industrialização “três termos se distinguem: a sociedade, o Estado, a

cidade” (Lefebvre, 1991, p. 13). Para Lefebvre a centralização estatal nasce como

conseqüência da industrialização, sob a base da industrialização. E como causa e efeito

desta centralização do poder nas mãos do Estado, surge as capitais, ou seja, o

predomínio de uma cidade sobre outra.

Com o avanço do processo de industrialização, com sua expansão global, existe

a “subversão” e o conflito interno da própria “cidade industrial”:

Temos à nossa frente um duplo processo (...): industrialização e

urbanização, crescimento e desenvolvimento, produção econômica e

vida social. (...) Existe, historicamente um choque violento entre

realidade urbana e realidade industrial. (LEFEBVRE, 1991, p. 16)

A Era Urbana

O processo citado acima de conflito na cidade da era industrial tem haver com os

parâmetros/visão de cidade que esta ainda retinha do período feudal, ou seja, local de

criação, de valor de uso. Com o desenvolvimento da industrialização um novo

movimento sócio-espacial surge com maior força na arena do debate e da realidade. A

realidade urbana, segundo Lefebvre, tende a superar as barreiras industriais e cada vez

mais se constituir em totalidade social global. Uma das principais características dessa

nova era seria o retorno da cidade como “Obra”, como valor de uso, como local

privilegiado de produção cultural e de festa, ao contrário da lógica produtivista e

economicista do período industrial.

Esta nova configuração do urbano tem relação com o processo que Lefebvre

designa de “implosão-explosão” das cidades. Explosão por que as cidades tendem a

cada vez mais se expandirem horizontalmente no espaço, criando subúrbios, unindo

cidades que antes estavam separadas, num totalidade que é o tecido urbano, a malha da

cidade, a megalópole. Inversamente, ao mesmo tempo, as concentrações urbanas

tornam-se gigantescas, expandindo verticalmente, “as populações se amontoam

atingindo densidades inquietantes (por unidade de superfície ou por habitações)” (pag.

18, direito a cidade). Este processo dialético é um dos principais efeitos do surgimento

da Era Urbana.

Porém, a era urbana e a sociedade urbana a que fala Henri Lefebvre deve ser

entendido como um trajeto ao qual tende a humanidade, mas que encontra uma série de

obstáculos e que existe ainda apenas como virtualidade, como possibilidade: “O urbano

é o possível, definido por uma direção, no fim do percurso que vai em direção a ele.

Para atingi-lo, isto é, para realizá-lo, é preciso em princípio contornar ou romper os

obstáculos que atualmente o tornam impossível.” (LEFEBVRE,1999).

Agora iremos debater alguns aspectos vinculados à sociedade urbana e à

revolução urbana.

A relação campo-cidade na fase crítica/transição para a sociedade urbana

“(...) sentido e finalidade da industrialização, a sociedade urbana

se forma enquanto se procura.” (LEFEBVRE, 1991)

Segundo Lefebvre, a sociedade urbana não está plenamente desenvolvida. Um

dos principais motivos do entrave de sua plena realização esta na natureza do

desenvolvimento capitalista que a cada dia mais coloca a urbanização sob o controle do

valor de troca, do mercado. Em seu livro A Revolução Urbana (1999), o filósofo francês

descreve como a sociedade urbana se apresenta para nós apenas como virtualidade, ou

seja, uma possibilidade histórica:

O urbano (abreviação de “sociedade urbana) define-se portanto não

como realidade acabada, situada, em relação à realidade atual, de

maneira recuada no tempo, mas ao contrário, como horizonte, como

virtualidade iluminadora (LEFEBVRE, 1999)

Vivemos o que Lefebvre classificou como “fase crítica”, ou seja, um momento

de inflexão histórica de transição da era industrial para a sociedade urbana. Essa fase

crítica comporta “campos cegos”, objetos e relações que o os olhos não vêem, que

“necessitam de um espelho”, mas que estão presentes na cotidianidade. Esta cegueira

ocorre por que nós olhamos para as novas relações sociais – a tendência à urbanização

completa - com um arcabouço teórico fragmentário do período industrial.

O urbano seria a “obsessão” daqueles que estão atualmente excluídos dos

benefícios da cidade e da urbanização. Ou seja, apesar de ter a possibilidade de garantir

uma melhora de vida das amplas massas jogadas nas periferias, a realidade urbana nega

a elas a fruição da vida urbana, os benefícios da centralidade, da reunião. Estes setores

marginalizados, portanto, carregam consigo a esperança e o motor da sociedade urbana.

Seguindo o processo de explosão urbana, as periferias ao redor das cidades vão

se expandindo e comportando cada vez mais habitantes. Debatendo com aqueles que

defendem que muitas dessas áreas circundantes das cidades seriam “desurbanizadas”,

Lefebvre irá definir elas de acordo com sua dependência ao centro da cidade. Tendo em

vista que o urbano é a própria relação de centralidade, de dependência os subúrbios e

perifeiras dentro da teoria de Lefebvre são partes da realidade urbana.

Segundo o filósofo, o tecido urbano não é uma simples morfologia, ele também

é um modo de vida: a sociedade urbana. Ele é totalizante, de forma que o modo de vida

não se restringe aos “muros” das cidades, ele penetra também nos campos, subvertendo

a antiga vida camponesa, através de “sistemas de objetos e sistemas de valores”

(Lefebvre, 1991, p. 19). Os objetos são a água, a eletricidade, o gás, o carro, a televisão,

utensílios de plástico, mobiliário moderno , serviços. Os valores são os lazeres urbanos

(danças, canções), os costumes, as rápidas adoções das modas urbanas. Preocupações

com segurança, com o futuro, significam para Lefebvre uma “racionalidade” divulgada

pela cidade.

Porém, a cidade aqui mais uma vez é colocada de forma abstrata como detentora

de vontades e valores próprios, homogêneos, que estariam sendo “divulgados” e

penetrando no campo. Mas, afinal de contas, quem impõe de maneira “difusa e

combinada” a moda, a cultura e a racionalidade não é a burguesia enquanto classe

dominante? Estes valores não são impostos tanto aos trabalhadores da cidade quanto

aqueles do campo? Tal é o que obscurece essa concepção de Lefebvre. A própria

propagação de preconceitos e estereótipos que separam os trabalhadores do campo e da

cidade é um dos efeitos/manifestação da oposição campo-cidade na consciência de

classe e segundo a teoria bakuninista uma das bases determinantes de manutenção da

dominação burguesia na sociedade (FERREIRA, 2011).

Segundo Lefebvre:

Entre as malhas de tecido urbano persistem ilhotas de ruralidade “pura”,

torrões nativos freqüentemente pobres (nem sempre), povoados por

camponeses envelhecidos, mal “adaptados”, despojados daquilo que

constitui a nobreza da vida camponesa nos tempos de maior miséria e

da opressão. A relação “urbanidade-ruralidade”, portanto, não

desaparece; pelo contrário intensifica-se, e isto mesmo nos países mais

industrializados. (...) Aqui ou ali, as tensões tornam-se conflitos, os

conflitos latentes se exasperam; aparece então em plena luz do dia

aquilo que se escondia sob o “tecido urbano”. (LEFEBVRE, 1991, p.

19)

Nesta citação de Lefebvre fica claro que o conflito entre o mundo rural e o

mundo urbano é ampliado na fase crítica. Os camponeses “envelhecidos” que insistem

em manter sua economia e seu modo de vida são entraves para o “novo homem da

sociedade urbana”. No entanto, a oposição cidade-campo diminui sua intensidade,

mesmo ainda estando longe de desaparecer, já que é fruto da divisão social do trabalho.

Os países subdesenvolvidos, o imperialismo e a revolução urbana

Quanto aos países ditos “subdesenvolvidos” (termo utilizado por Lefebvre),

pertencentes especialmente ao continente africano e à América latina, o filósofo tece

algumas análises que visam abarcar estas realidades aparentemente paradoxais, ao

menos dentro de sua teoria da história pautada por “Eras” que se sucedem no tempo4.

Nos países “subdesenvolvidos” existira a simultaneidade da era agrária, industrial e

urbana. Elas estariam presentes na triplicidade que, segundo Lefebvre existe em toda

sociedade: necessidade (agrário), trabalho (industrial) e fruição (urbano).

Além disso, a realidade destes países, segundo Lefebvre, é marcada pela

dissolução das antigas estruturas agrárias e o desaparecimento gradual do campesinato:

Nessas regiões e países, as antigas estruturas agrárias se dissolvem;

camponeses sem posses ou arruinados afluem para as cidades a fim de

nelas encontrar trabalho e subsistência. Ora, esses camponeses vêm de

explorações destinadas a desaparecer pelo jogo dos preços mundiais, o

qual depende estreitamente dos países e dos “pólos de crescimento”

industriais. Esses fenômenos dependem ainda da industrialização.

(LEFEBVRE, 1991, p. 17-18)

4 “Em resumo, o rural, o industrial, o urbano, sucedem-se.” (LEFEBVRE, 1999)

Tal tese de desaparecimento do campesinato não é nova na tradição marxista, ela

foi defendia por importantes teóricos, tal como Kautsky5. Em contraposição a ela, a

comunista alemã Rosa Luxemburgo, em seu livro “A acumulação de capital”, irá

desenvolver alguns apontamentos teóricos importantes para entender a dinâmica do

capital e persistência de modos não-capitalistas de produção no seio do capitalismo:

[...] historicamente, a acumulação de capital é o processo de troca de

elementos que se realiza entre os modos de produção capitalista e os

não-capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode

efetuar-se [...] O que Marx adotou como hipótese de seu esquema de

acumulação corresponde, portanto, somente a tendência histórica e

objetiva do movimento acumulativo e ao respectivo resultado teórico

final. O processo de acumulação tende sempre a substituir, onde quer

que seja, a economia natural pela economia mercantil simples e esta

pela economia capitalista, levando a produção capitalista, levando a

produção capitalista – como modo único e exclusivo de produção – ao

domínio absoluto em todos os países e ramos produtivos.

E é nesse ponto que começa o impasse. Alcançado o resultado final –

que continua sendo uma simples construção teórica -, a acumulação

torna-se impossível: a realização e a capitalização da mais-valia tornam-

se em tarefas insolúveis. No momento que o esquema marxista

corresponde, na realidade, à reprodução ampliada, ele acusa o resultado,

a barreira histórica do movimento de acumulação, ou seja, o fim da

produção capitalista. (LUXEMBURGO apud FABRINI, 2010)

A concepção de desenvolvimento linear proposta por Lefebvre, mesmo que

afirme a coexistência das fases nos países “subdesenvolvidos”, não esclarece o fato de

que a acumulação de capital só existe dentro de um processo de exploração desigual e

combinada em escala mundial, ou seja, através do Imperialismo. Isso significa dizer que

5 Ler “Os camponeses e a práxis da produção coletiva” (MARCOS; FABRINI, 2010)

o capitalismo engendra formas arcaicas de exploração e opressão (muitas vezes nos

pólos mais dinâmicos e/ou periféricos da economia) para o seu próprio

desenvolvimento. O próprio florescimento da revolução industrial no século XVIII

ocorre sob estas circunstancias de expansão colonial, escravidão.

Segundo Shanin (2005) o campesinato não deve ser pensado de forma

tautológica como “reminiscências arqueológicas a-conceituais” de um período feudal, a

economia camponesa subsiste em diferentes modos de produção, porém, ao se

incorporar em um novo modo de produção adquire um caráter histórico novo, assim

como diferentes atribuições políticas, econômicas e sociais sob o impacto da produção

capitalista.

Partindo do pressuposto do desenvolvimento das “eras” históricas como pré-

condição para a revolução urbana, Lefebvre vai desenvolver ao final de seu livro “O

direito a cidade” (1991) a tese do operariado como sujeito revolucionário:

[A estratégia urbana] não pode deixar de se apoiar na presença e na

ação da classe operária, a única capaz de pôr fim a uma segregação

dirigida essencialmente contra ela. (...) Isso não quer dizer que a classe

operária fará sozinha a sociedade urbana, mas que sem ela nada é

possível. (LEFEBVRE, 1991, p.113)

A classe operária, segundo Lefebvre, possui novas características. Sua miséria e

exploração não teria mais como único vínculo o processo de produção, tendendo esta

“antiga miséria proletária” a desaparecer nos grandes países industriais. Lefebvre

anuncia o emergir da “miséria do habitar”, onde a classe operária é excluída dos centros

urbanos. Portanto, essa “nova” classe operária, excluída e marginalizada dos benefícios

da urbanização, teria como principal tarefa dentro da “estratégia urbana” levar a cabo a

luta pela reforma urbana. Este cenário de combates da reforma/revolução urbana teria a

missão histórica de inaugurar o socialismo nos países neo-capitalistas.

Quanto aos países na periferia do capitalismo caberia, de acordo com a estratégia

urbana, a “transformação da vida camponesa tradicional pela industrialização.”

(Lefebvre, 1991, p. 140-14). A reforma agrária também seria uma política para se

chegar a Sociedade Urbana, mas que “que pouco a pouco desaparece do horizonte”

(Lefebvre, 1991, p. 140).

6 – Considerações finais

Através da produção deste artigo sobre a teoria da sociedade urbana em Henri

Lefebvre, pudemos perceber a importância que tem não só suas proposições quanto a

relação campo-cidade, rural-urbano, mas também sobre o sistema geral marxista de

compreensão da história, da oposição campo-cidade e das suas resoluções.

Pincelando alguns aspectos da realidade Brasil, o desenvolvimento das forças

produtivas no campo, especialmente a Revolução Verde entre as décadas 60 e 70 e a

atual expansão do agronegócio, pudemos também identificar que estas sempre

representaram a ampliação da exploração e opressão das massas trabalhadoras do

campo. Sendo esse processo defendido por importantes setores da chamada “esquerda”

brasileira, torna-se ainda mais importante o estudo da realidade agrária e das

conseqüências de tais políticas sobre a luta de classes.

Quanto a aliança operário-camponesa, percebemos que na teoria de Henri

Lefebvre esta simplesmente não existe, ou melhor, não existe campesinato, ao menos

não como sujeito, apenas como resto de um passado em decomposição.

Pretende-se dar prosseguimento a estes estudos, ainda em seu início, afim de

contribuir de forma mais decisiva para compreensão da relação campo-cidade na

realidade brasileira.

BIBLIOGRAFIA:

LEFEBVRE, Henri. A revolução Urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

________. O marxismo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963.

________. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991b. [1968]

SPOSITO, M.; WHITACKER, Arthur. Cidade e campo – relações e contradições

entre urbano e rural. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2010.

FERREIRA, Andrey Cordeiro. Trabalho e ação: o debate entre Bakunin e Marx e

sua contribuição para uma sociologia crítica contemporânea. Anais. Seminário do

trabalho: trabalho, educação e sociabilidade (24 a 28 de maio 2010). Marília, SP:

UNESP, 2010.

MARCOS, Valéria de; FABRINI, João Edmilson. Os camponeses e a práxis da

produção coletiva. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2010.

SHANIN, Teodor. A definição de camponês: conceituações e desconceituações – o

velho e o novo em um debate marxista. Revista NERA; Presidente Prudente; Ano 8,

n. 7; pp. 1-21 Jul./Dez. 2005