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O SEMI-SIMBOLISMO PRESENTE NAS NARRATIVAS DE RETIRANTES
Renan Luis Salermo Orientadora: Profª. Drª. Loredana Limoli
RESUMO Objetivamos expor como o semi-simbolismo se constrói em narrativas que apresentam tipos sociais como os retirantes. A noção de semi-simbolismo, oriunda da semiótica greimasiana, será exemplificada em duas narrativas audiovisuais, “Vidas Secas” de Nelson Pereira dos Santos (1963), e A Favorita, de João Emanuel Carneiro (2008). Os textos escolhidos serão cotejados a fim de percebermos, por meio da análise do núcleo de retirantes, como se dá a construção textual e a articulação do semi-simbolismo nessas narrativas. Por meio da teoria semiótica greimasiana, procuramos destacar como essa articulação semiótica, o semi-simbolismo, constrói a figura inicial dessa classe social conhecida como retirantes. Destacaremos, ainda, como essas narrativas, mesmo que em tempos distantes, relacionam-se pela presença de estereótipos, que constroem uma imagem de mais fácil percepção para o enunciatário/ telespectador. Por fim, observaremos a importância da inserção desse texto sincrético em sala de aula, para que o aluno, cidadão em formação, perceba a construção desses tipos sociais, assim como as posições ideológicas marcadas no texto. Palavras chaves: Semiótica, telenovela, semi-simbolismo.
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Introdução
Ao nos depararmos com narrativas que tratam dos retirantes,
muitas vezes, estamos diante de estereótipos que fortalecem e melhoram o
reconhecimento pelo leitor. A construção dessas narrativas com elementos
como estes fazem significar mais rapidamente e não deixa dúvidas com
relação à temática em questão. Com o foco para os retirantes, percebemos
esse fortalecimento em duas narrativas audiovisuais produzidas em tempos
distintos: o filme Vidas Secas (1964), produzido por Nelson Pereira dos Santos,
que faz parte da estética do cinema novo, e tem como base para sua produção
a obra homônima de Graciliano Ramos; e a telenovela A favorita (2008), escrita
por João Emanuel Carneiro e com direção de Ricardo Waddington. Na
telenovela, observamos um núcleo de retirantes, composto por três
personagens: Maria do Céu, Edvaldo e Greice.
Como exposto em seguida, a construção inicial dessas duas
narrativas demonstra uma similaridade. Ambas, além de retratarem o retirante,
fazem com que estes tenham posturas similares no momento inicial. Esse
fortalecimento pode ser expresso por meio do Semi-simbolismo.
Ferramenta da semiótica greimasiana, o semi-simbolismo é uma
forma de ligação entre os planos do conteúdo e expressão, nos dizeres de
Floch (2001):
Os sistemas semi-simbólicos que se definem pela conformidade não entre os elementos isolados dos dois planos, mas entre categorias da expressão e categorias do conteúdo. [...] Do mesmo modo, muitos dos êxitos do discurso publicitário, visual e/ou textual, tem por fundamento semiótico a motivação dos signos que produz essa semi-simbolização. (FLOCH, 2001, p.29)
Essa ligação entre dois planos por meio de categorias são
possibilidades da semiótica, que estuda as linguagens em que não há
conformidade ente os planos da expressão e do conteúdo Floch (2001).
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A construção dessas categorias para estabelecer
conformidades entre os retirantes é o que será feito a seguir.
Semi-simbolismo em A favorita
Podemos notar na imagem anterior a construção de uma
categoria vertical X horizontal. Essa oposição construída pode ser relacionada
às narrativas que se desenrolaram na história. A personagem em posição
vertical tomará outros rumos e negará o núcleo de retirantes, querendo ser
superior a todos, estar em níveis superiores daquele de sua origem, retirantes.
Já a posição horizontal, ressalta os retirantes em igualdade. Todos
pertencentes a essa classe, estão enfrentando os mesmos problemas e
esperanças para uma melhoria juntos. Essa categoria demonstra uma relação
de significação entre a expressão e o nível narrativo das personagens.
Podemos demonstrar o exposto na tabela abaixo:
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Ainda, fortalecendo a oposição por meio da espacialidade,
temos a oposição em relação ao pai. Na primeira tomada de câmera, que
apresenta os retirantes, temos o pai – Edvaldo – em posição mais elevada do
que os outros retirantes. Considerando a sociedade retratada, vemos nos
retirantes prevalecer a ideia de Patter família, aquele que tem o domínio e
lidera as ordens da casa. Assim a apresentação do Pai como vertical é um
artificio da expressão que pode estar em conformidade com a construção da
significação:
Essa relação pode ser expandida e tomada como o homem
aquele que trabalha e produz, enquanto a mulher como subordinada. Todas as
mulheres estão juntas e sentadas, enquanto os homens estão na posição
vertical e tomam posturas mais ativas. Trata-se de outra característica peculiar
a essa sociedade.
Semi-simbolismo em Vidas Secas
Enfocando o núcleo de retirantes presentes no filme Vidas
Secas (1964), destacaremos as categorias que fazem o discurso ser construído
de forma semi-simbólica. A análise que segue demonstra imagens da primeira
parte do filme, a entrada dos retirantes em busca de melhoria de vida.
Na imagem a seguir, vemos o momento em que surge a família
– Sinhá Vitória, Fabiano, o filho mais velho e o filho mais novo. Assim:
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Na imagem anterior podemos notar a presença das categorias
central vs lateral. Nessa perspectiva, temos a construção de relevância das
personagens na narrativa. Com o olhar no centro, temos Sinhá Vitória,
personagem com relevância dentro da narrativa. Logo em seguida temos
Fabiano, homem que será questionado quanto aos seus direitos de ser-
humano. Ainda temos o filho mais e velho e o filho mais novo, esses exercendo
apenas o papel de filhos, sem ao menos serem nomeados no texto.
Dessa maneira, a construção do plano da expressão central vs
lateral ressalta o papel dos sujeitos narrativos. Na posição central, encontram-
se os atores que agem muito mais na narrativa, enquanto que os que se
encontram na posição lateral são atores sujeitos ligados a enunciados de
estado.
Em seguida, temos a imagem que demonstra uma outra
categoria, que faz ressaltar, além da importância na narrativa, a presença de
elementos que vão fortalecer os estereótipos de retirantes.
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É perceptível as categorias de superior e inferior presentes na
imagem acima. Observamos, numa escala de superioridade, Sinha Vitória ser
superior em relação aos outros presentes na narrativa. Contudo, vale ressaltar
que essa superioridade se dá pelo motivo de esta carregar um baú sobre a
cabeça. Podemos tomar esse objeto como a origem dos retirantes, seu abrigo.
No baú observamos a presença de alimentos para a sobrevivência. Dessa
forma, sinhá Vitória é significada como aquela que detém uma posição social
superior, por trazer o sustento à família.
Podemos estabelecer a categoria Superior VS Inferior e
confrontar com uma das oposições semânticas que a narrativa sugere:
Sobrevivência X Morte. Vale ressaltar ainda essa categoria, quando
observamos a fragilidade da cachorra Baleia. A cachorra é o ser menor/inferior
da família, que morre ao longo da narrativa, enquanto os seres superiores/
maiores passam pela narrativa, sobrevivem.
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A favorita vs Vidas Secas
Por fim, gostaríamos de comparar as duas narrativas, e
demonstrar como a construção semi-simbólica se faz presente em ambas, com
algumas distinções, estas como fator importante para compreensão do texto.
O primeiro elo que se faz é o da oposição: presente vs ausente.
Nas imagens a seguir é possível detectar que, enquanto na imagem 1, trecho
do filme Vidas secas, temos uma imagem vazia, sem sujeitos, na imagem 2 –
telenovela A favorita, temos um discurso onde são apresentados sujeitos.
Ambas imagens são a primeira tomada relacionada a essas personagens
sociais. Dessa maneira, podemos observar que, no discurso construído por
meio da imagem 1, estamos diante de um espaço relevante para o discurso, já
que a construção espacial do discurso no filme Vidas secas é importante, pois
este se passa em um espaço de sertão nordestino, onde a sobrevivência é o
objeto valor dos habitantes.
Imagem 1
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Imagem 2
Na segunda imagem, é apresentado um discurso construído
com pessoas e espaços. Temos as pessoas participando do discurso e a
espacialização também passa a ter relevância, mas não como a primeira, onde
apenas o espaço é o foco do enunciatário.
Em A favorita, observamos o espaço tomar relevância para
mostrar essa falta de localização dos retirantes, ora aqui, ora ali, mas o
significado transmitido foge daquele pretendido pelo enunciatário que enuncia
Vidas Secas.
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Outra isotopia que conforma uma relação semi-simbólica nos
textos e que pode constituir a ser comparado é o caminho inicial que está
presente no discurso dos retirantes. Os dois textos apresentam caminhos. Essa
construção demonstra a identidade, pessoas que viajam. A partir dessa ideia
podemos opor dois tipos de caminho: linear VS elíptico. Esses caminhos se
opõem em relação ao objeto valor que está na narrativa. Na telenovela, o
núcleo familiar busca uma melhoria de vida – uma vida com luxo e requinte, no
caso de Maria do Céu. Observa-se uma determinação diante do que é
estabelecido como busca, ou seja, o objeto é buscado de forma direta.
Já no filme, observamos sujeitos que buscam uma
sobrevivência, sob qualquer forma, um objeto-valor difuso, não delimitado
como na narrativa da novela, fazendo as personagens apresentarem atitudes
representadas pelo caminho inicial da narrativa.
Considerações Finais
Como vimos anteriormente, as construções semi-simbólicas
estão presentes em narrativas sobre retirantes. Observamos aqui a construção
semi-simbólica em textos sincréticos, dessa forma, podemos tomá-los e
pensarmos na aplicação desses formatos no ensino de Língua Portuguesa.
Essa visão de aplicabilidade do texto no ensino enriquece a aula, já que
estamos trabalhando com textos do cotidiano do aluno. Além disso, são textos
que trazem questões sociais para sua formação – nordestinos, retirantes,
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condições de vida, etc. Essa entrada do texto em sala de aula deve ser uma
oportunidade para o professor introduzir outras formas de interpretar, como a
semiótica sugere. No caso, propõe-se uma interpretação imanente, para que o
aluno diante do texto possa buscar sua significação no mundo.
O ensino- aprendizagem com apoio em diversos elementos que
circundam o sujeito é uma forma de consolidar melhor os conteúdos
transmitidos, pois fora da escola o sujeito está em contato com as mesmas
informações, e também não deixar a escola como uma entidade à parte daquilo
que os alunos vivem e em que estão inseridos.
Vemos o semi-simbolismo como uma forma de cativar o aluno,
de percepção de como na própria expressão do texto temos elementos que
ajudam a significar, o que incentiva a interpretação e utilização dessa teoria em
outras análises possíveis.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FIORIN, José Luiz. Três questões sobre a relação entre expressão e conteúdo. In: Revista de literatura Itinerários, 77 à 89. 2003. FLOCH, Jean – Marie. Documentos de Estudo do Centro de Pesquisas Sociossemióticas– 1- São Paulo: Centro de Pesquisas Sociossemióticas, 2001. PIETROFORTE, Antonio Vicente. Semiótica Visual: os percursos do olhar. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2010.