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8/20/2019 O Semiárido Brasileiro - Lugar de Vida Do(a) Camponês(a) - José Da Rocha Couqueiro
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Entrelaçando Revista Eletrônica de Culturas e Educação
N. 6 • V 1 • p. 47-60 • Ano III (2012) • Set.-Dez. • ISSN 2179.8443
Caderno Temático IV
Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial
O SEMIÁRIDO BRASILEIRO: lugar de vida do/a camponês/a
José da Rocha Couqueiro1
Resumo
O semiárido brasileiro é uma região de muita riqueza, especialmente na cultura, na alegria e naforça do seu povo. A maior riqueza do semiárido são os seus povos que, durante séculos, criaram ascondições de vida nesta região inóspita, considerada por aqueles que não a conhecemverdadeiramente. Esses povos encontraram na caatinga formas de resistência e de convivência,constituíram uma cultura riquíssima e heterogênea. Por isto, defende-se que o semiárido não podeser pensado apenas como espaço de produção econômica. O objetivo do texto é discutir o semiáridobrasileiro como lugar de vida do/a camponês/a. Para isto, destaca-se o papel dos movimentossociais como construtores de possibilidades de convivência com o semiárido. O texto toma porbase os estudos de Albuquerque Jr. (2009); Maia (2004); Leite e Medeiros (2012); Favero e Santos(2002), dentre outros. Por fim, conclui-se que o grande problema do semiárido não é a falta dechuvas, mas a concentração da terra, da água, da riqueza, do conhecimento. Para desenvolverplenamente a região é preciso a adoção de políticas de captação e armazenamento de água de chuvapara todos os usos, de estocagem de alimentos para as pessoas e para os animais; realizar umaReforma Agrária que leve em conta as dimensões físicas, socioculturais, ambientais e econômicas;implementar políticas educacionais contextualizadas e emancipatórias dos sujeitos que vivem nosemiárido; criar condições para que as potencialidades da região possam se viabilizar.
Palavras chaves: Caatinga. Sertão. Modernização da agricultura. Convivência com o semiárido.
1 Licenciado em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e Pós-graduado em Educação do Campo e
Desenvolvimento Territorial do Semiárido Brasileiro pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB);Coordenador Técnico do Programa de Mobilização Social e Formação para a Convivência com o Semi-Árido: UmMilão de Cisternas Rurais (P1MC) da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASABrasil).
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Abstract
The Brazilian semi-arid region is a ground of great abundance, especially in culture, the joy and thestrength of its people. The richness of its semi-arid are people who for centuries have createdconditions of life in this inhospitable region, considered by those who do not know really. Thesepeople have found in the caatinga forms of resistance and coexistence, and they provided a rich anddiverse culture. Therefore, it is argued that the semiarid can’t be thought of only as a space foreconomic production. The aim of this paper is to discuss the Brazilian semi-arid region as a place oflife of woman/ man peasants. For this, we highlight the role of social movements as builder’spossibilities of coexistence with the semi-arid. The text is based on studies of Albuquerque Jr.(2009); Maia (2004); Milk and Medeiros (2012); Favero and Santos (2002); among others. Finally,it is concluded that the major problem is not the semiarid lack of rain, but the concentration of land,water, wealth, knowledge. To fully develop the region semi-arid it is necessary to adopt policies tocapture and store rain water for all uses, storage of food for people and animals; to do perform anagrarian reform that takes into account the physical dimensions, socio-cultural, environmental andeconomical; to implement educational policies contextualized and emancipator of people who
living in the semiarid; to create conditions for the region's potential to become feasible.Keywords: Caatinga. Hinterland. Modernization of the agriculture. Coexistence with the semi-arid.
Introdução
O semiárido constitui maior parte do território do Nordeste (NE) Brasileiro, rico em cultura,
biodiversidade, riquezas minerais, grande potencial turístico e enormes possibilidades econômicas.
Historicamente ficou relegado das grandes decisões políticas e econômicas, só mais recentemente, apartir do início da década de 2000, que investimentos em infraestrutura começaram a mudar a
economia do Nordeste. Entretanto o modelo de desenvolvimento em vigência no país, o mesmo no
NE, é depredador dos recursos naturais e concentrador de riqueza, de terra e de poder. Embora os
programas sociais do Governo Federal venham diminuindo as desigualdades sociais com Programas
como o Bolsa Família, Luz para Todos, Água para Todos, aumento de crédito para a agricultura
camponesa por meio do PRONAF, a recuperação do poder de compra do salário mínimo, etc. A
estrutura fundiária continua a mesma, inalterada, a Reforma Agrária saiu da pauta do Governo. Oagronegócio é quem dita as regras no campo, controlando praticamente todas as cadeias produtivas.
A política regional continua sendo comandada pelas oligarquias locais.
O diferencial é a ação dos/as camponeses/as, dos movimentos sociais e demais organizações
da sociedade civil que ao longo das últimas décadas estão construindo outro modo de viver no
semiárido por meio da convivência com o clima da região, do enfrentamento às diversas formas de
exclusão. Essas e outras ações vão na direção da construção dos pilares de outro modelo de
desenvolvimento, cuja centralidade sejam a natureza e o ser humano.
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precisam se adequar aos ecossistemas e não o contrário. A relação do homem com o semiárido tem
sido desastrosa, fruto do modelo de desenvolvimento que tem como base o crescimento econômico
a qualquer custo. Quem determina as políticas econômicas para a região é o capital, por isso, o uso
dos recursos naturais, as relações de trabalho e o produto desse trabalho são controlados por uma
elite agroindustrial que conta com apoio do estado.
O desenvolvimento do semiárido precisa estar fundado em outras bases que tenham como
centralidade a natureza em todas as suas dimensões e a vida dos povos que habitam o grande
território do Nordeste de clima semiárido. Outro modo de produção torna-se imprescindível, a
educação contextualizada e emancipatória, o trabalho como garantia das condições materiais da
população e a cultura aglutinadora dos saberes, dos desejos e da criação humana devem ser os
pilares da formação de uma sociedade mais justa e equitativa. Não há desenvolvimento sem a
democratização do acesso à terra, à água, à riqueza, à comunicação de massa, ao conhecimento, etc.
Como diz Castro (2003 apud SILVA, 2010, p. 179) “Só há um tipo de verdadeiro desenvolvimento:
o desenvolvimento do homem. O homem, fator de desenvolvimento, o homem beneficiário do
desenvolvimento”.
A caatinga, formada em milhares de anos, tornou-se riquíssima em biodiversidade constituída
de tipos vegetais com potencial nutricional, farmacológico e industrial, além de animais adaptados
ao clima semiárido. Maia (2004, p. 20) expressa muito bem o potencial da flora e da fauna do
sertão,
As plantas e animais da caatinga apresentam propriedades diversas que lhespermitem viver nessas condições desfavoráveis. Além disso, o conjunto dasinterações entre eles é adaptado de tal maneira que o total das plantas, animais esuas relações forma um bioma especial e único no planeta. Existe umaimpressionante quantidade de espécies de plantas e animais aqui, com bastanteendemismos, ou seja, plantas ou animais que ocorrem naturalmente somente nessaregião. Isso mostra que a caatinga não é, como alguns acham, “o que restou daMata Atlântica”, mas um bioma totalmente diferente, mesmo se nele ocorremalgumas espécies que também podem ser encontradas na Mata Atlântica ou emoutros biomas.Falando somente de plantas lenhosas, os botânicos já identificaram quase 600espécies na caatinga, do total de 1.356 espécies de plantas. (Grifo da autora)
Há dez mil anos, a região semiárida era úmida, depois houve uma mudança climática e a
região passou a ser semiárida, Neri et al. (2004). As plantas da caatinga são adaptadas ao clima e ao
solo. Elas têm características que lhes permitem acumular água durante os períodos chuvosos e
economizá-la nas estiagens, para tanto perdem suas folhas e entram numa espécie de hibernação,
algumas são dotadas de espinhos para se defenderem. Os animais, também, são adaptados ao bioma
caatinga, apresentam porte de pequeno a médio, fato que facilita o deslocamento entre os arbustos e
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dieta proveniente de folhas, frutos e raízes das plantas. Quando preservada, a caatinga possui grande
oferta de alimentos nutritivos.
Outro potencial ainda pouco explorado no semiárido são as fontes de energia solar e eólica. O
sol representa uma fonte de energia inesgotável, entretanto, ainda é muito pouco utilizada. Segundo
Ribeiro (2007, p. 39), “Todas as formas de energia se originam do Sol. É o Sol que faz movimentar
nossas forças, através da fotossíntese, o processo biológico mais importante do planeta”. Os raios
solares abundantes que, durante praticamente todo o ano, castigam a região do semiárido no período
de estiagem, são garantia de produção de energia “limpa”5. A ação do sol, que fornece energia para
todos os seres vivos, mas na sua intensidade é considerada uma desvantagem, passa a ser uma
vantagem na geração de energia.
Com relação ao clima, no semiárido é meio seco e meio úmido, com chuvas concentradas em
dois períodos: o período das chuvas, “ou das águas”, que vai de outubro/novembro a
fevereiro/março e o período da seca, ou estiagem, que perdura de março/abril a outubro/novembro.
É comum, entretanto, que em determinados anos chova apenas em quatro meses e muitas vezes a
chuva é concentrada em um ou dois meses. Portanto, a chuva é irregular no tempo e no espaço. Essa
irregularidade deixa as famílias sertanejas na incerteza de quando iniciarão os seus plantios.
Embora afirme que a baixa precipitação pluviométrica possa variar entre 250 e 800 mm
anuais, Maia (2004, p. 20) acrescenta que “(...) a quantidade de chuvas pode variar, alcançando em
anos de muitas chuvas até 1.000 mm/ano e em anos de seca, apenas 200 mm/ano, em certas
regiões”. Com média de 750 mm, ou seja, 750 litros de água por metro quadrado, as chuvas são
suficientes para a reprodução da vida. Pelo fato de serem concentradas, o solo fica completamente
molhado e com isso todas as plantas da caatinga brotam, florescem e produzem frutos e sementes.
A natureza mostra, permanentemente, que para viver no semiárido é necessário estocar água e
alimento durante o período chuvoso para serem usados durante a estiagem. É assim que plantas
dessa região sobrevivem, estocando água e alimentos como o umbuzeiro, o mamãozinho, a palma, o
mandacaru dentre outros.As plantas do semiárido também “ensinam” que é preciso economizar água. É por essa razão
que a maioria delas perde as folhas, que se tornam forragem para os animais, durante a estiagem
para economizar água e assim resistir aos meses sem chuvas. O umbuzeiro, por exemplo, inicia a
frutificação mesmo antes de chover, isso é possível porque a planta armazena água e nutrientes e
“batatas” presentes em suas raízes.
5 “A energia proveniente dos raios solares é renovável, alternativa, limpa, não deixa resíduos no meio ambiente e nãoprejudica o ecossistema”, conforme o Dicionário da Educação do Campo (2012), em seu verbete energia solar (p. 55).
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No ciclo das chuvas, uma condição desfavorável no semiárido é a alta temperatura, que
provoca a evaporação das águas dos mananciais, do solo e transpiração das plantas. Segundo Bloch
(2001, p. 8) “a evapotranspiração potencial é superior a 2.000 mm por ano (pode chegar a mais de
3.000 mm por ano)”, por isso, as fontes de água vão perdendo volume mesmo que não estejam
sendo utilizadas para a lavoura ou para os animais. As aguadas muito abertas e rasas com grandes
lâminas d’água como lagoas e tanques construídos no sertão evaporam em poucos meses do período
seco. O clima quente vai diminuindo a umidade do chão e do ar, fato que diminui a oferta de água
para as atividades agropecuárias.
Para resolver a perda de água pela evaporação, torna-se fundamental a implementação
adequada de tecnologias de estocagem de água. Alguns tipos de aguadas menores devem ser
cobertas, outras necessitam ter a lâmina d’água reduzida, para isso a construção requer uma forma
retangular, sendo comprida, estreita e profunda, assim como os barreiros trincheira.
Outras razões para a perda de água por meio da evaporação são o desmatamento, as
queimadas e a mecanização intensa, que deixam o solo descoberto e compactado, impedindo a
infiltração das chuvas que escorrem para os riachos e rios em pouco tempo. De acordo com Maia
(2004, p. 35), o solo conservado e protegido funciona como um reservatório de água de chuva:
O solo protegido e sombreado por plantas e afofado pelas suas raízes absorve e
armazena muito mais água de chuva que o solo nu. Dessa forma, as plantas podemsobreviver aos chamados veraneios, épocas de muitos dias ou até semanas semchuvas, durante a estação chuvosa. A água da chuva absorvida pelo solo tambémalimenta as reservas de água subterrânea, os poços, as fontes e os cursos d’água.Assim, numa área com vegetação nativa bem preservada não têm enchentescalamitosas, e os poços e cursos d’água são alimentados com água durante maistempo depois da estação chuvosa, podendo ser utilizada para o consumo humano,animal e para a pequena irrigação. [...] O solo endurecido deixa a água da chuvaescorrer superficialmente sem ser aproveitada, criando enchentes. Com o início daestação seca, todas as fontes, córregos, riachos e rios secam imediatamente, e aomesmo tempo as reservas de água subterrânea se esgotam e os poços secam,criando sofrimento para homens e animais.
Os solos cobertos pela vegetação, principalmente a nativa, funcionam como uma grande caixa
d’água. Em solos de grande permeabilidade, a água da chuva que se infiltra e armazena vai
escorrendo por dentro do próprio solo, das áreas mais elevadas para as mais baixas, durante um
longo período, proporcionando o abastecimento dos cursos d’água. Ainda segundo Maia (2004),
existe no bioma caatinga cerca de 40 tipos de solo. O solo do semiárido é composto por mais de
70% de rocha cristalina, que aflora em muitos lugares, formando grandes lajedos, isso ocorre
porque o solo é raso. O subsolo cristalino armazena pouca água, que somente é encontrada em
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fissuras ou rachaduras na rocha em quantidade e profundidade muito reduzidas e geralmente é
salinizada, por conter sais dissolvidos dessa rocha, como pode ser observado na figura 2.
No semiárido, a solução para a estocagem de água não pode se reduzir apenas a um tipo de
tecnologia. É necessária a aplicação de todas as tecnologias adequada a cada condição. Já
aconteceram perfurações de muitos poços tubulares e a construção de pequenas aguadas
inadequadas, mas, há cerca de três décadas, essa realidade vem mudando com a implementação das
tecnologias sociais como as cisternas para consumo, as cisternas de produção, as barragens
subterrâneas, os tanques de pedra, os barreiros trincheira e a bomba d’água popular (BAP)6. Essastecnologias estão sendo realizadas pelas organizações da sociedade civil que fazem parte da
Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA).
6 Mais informações sobre essas tecnologias consultar Silva (2010), Malvezzi (2007), ASA (2012).
Figura 3
Fonte: GNADLINGER/IRPAA (2011, p. 49)
Figura 2
Nesse subsolo, a perfuração depoços tubulares tem resultados
insatisfatórios seja pela quantidade,
quanto pela qualidade da água que
geralmente é salobra, além da
limitação média em 60 metros de
profundidade, porque abaixo dessa
medida, as fendas diminuemacentuadamente.
Em algumas regiões do sertão
existe outro tipo de subsolo que se
formou pela sedimentação de solos.
Ele é conhecido como arenito por ser
uma rocha porosa com grandecapacidade de retenção de água. O
subsolo de arenito armazena água de
boa qualidade em várias camadas
profundas, formando grandes lençóis
freáticos.Fonte: GNADLINGER/IRPAA (2011, p. 51)
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A viabilidade de perfuração de poços artesianos assume outra dimensão, diferente daquela do
subsolo cristalino, conforme pode ser observado na figura acima.
Quanto à viabilidade dos solos do semiárido, estudos da EMBRAPA7 demonstram que os
solos não podem ser considerados uniformes para a produção econômica. É necessário levar em
conta as suas características e ecossistemas para que se estabeleça uma intervenção que agrida o
mínimo possível seus recursos naturais. Neste caso, é imprescindível atentar para resultado das
pesquisas apresentadas de forma resumida a seguir:
16% das terras devem ser destinados ao cultivo de lavouras de sequeiro. Na região Sudoeste
da Bahia o início dos plantios ocorre quando caem as primeiras chuvas nos meses de outubro a
novembro. Nesse período os agricultores plantam milho, feijão, sorgo, andu, abóbora, melancia,
maxixe. Também são cultivados os pastos, como a palma (plantada em agosto, antes do começo das
chuvas). A lavoura é sempre de risco, porque em certos anos, chove abaixo da média e a produção é
reduzida ou perdida. O cultivo de plantas resistentes e adaptadas ao clima é mais aconselhado.
44% das terras da caatinga são apropriadas para a criação de animais de pequeno porte como
cabras, ovelhas, abelhas, galinhas e porcos. Na caatinga preservada, estes animais encontram os
alimentos de modo farto, sem a necessidade de cultivo de pastagens. Há décadas, quando a
vegetação ainda era nativa, os animais comiam sementes, folhas, ramas, raízes e frutos encontrados
na caatinga. A concentração fundiária, o desmatamento ao longo dos anos está provocando a
desertificação dos solos do semiárido bem como inviabilizando a atividade pecuária de pequeno
porte.
36% das terras devem ser preservadas e usadas somente para o extrativismo, como a colheita
do umbu, do maracujá do mato, da gabiroba, da pitanga, da cagaita, da jabuticaba dentre outras
frutas nativas. Dessas frutas, principalmente o umbuzeiro e o maracujá, podem ser feitos sucos,
geleias, doces, licores, etc. Além das frutas, pode-se extrair madeira, barro, pedras semipreciosas,
fibras como o caroá, o sisal, folhas, raízes, sementes e flores, etc.
4% das terras podem ser irrigadas. Mas, há restrições quanto ao uso da água (o Nordestedetém apenas 3% da água doce do Brasil), que nem sempre está disponível em quantidade
suficiente. Outro problema que apresenta a irrigação diz respeito ao problema da salinização de
solos e incidência de da desertificação em áreas de irrigação.
O estudo da EMBRAPA demonstra as limitações de solos do sertão nordestino, por isso o
semiárido não pode ser pensado apenas como espaço de produção econômica. Sabe-se que as regiões de
maior potencial econômico, as melhores terras onde tem oferta abundante de água estão concentradas em
poder de uma minoria de latifundiários, entre eles os proprietários das agroindústrias nacionais e
7 ZANE - Zoneamento Agroecológico do Nordeste - Embrapa Solos www.uep.cnps.embrapa.br/zoneamentos_zane.php
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transnacionais que desenvolvem somente a agricultura de mercado. São eles que comandam o agronegócio1 e
que controlam o conhecimento, a pesquisa para a produção de transgênicos associados aos agrotóxicos,
controlam as sementes, destruindo, desse modo, a biodiversidade e recebem grandes volumes de créditos.
Leite e Medeiros (2012) reforçam que os grandes grupos de agroindústrias controlam diversas cadeias
produtivas no país, atuam desde a produção de sementes, cultivos, beneficiamento e a comercialização,
buscando o mercado internacional. Ainda segundo Leite e Medeiros (2012, p. 82),
No que diz respeito ao perfil do agronegócio hoje, o que se observa é, por um lado,sua tendência a controlar áreas cada vez mais extensas do país e, por outro lado, aconcentração de empresas com controle internacional. Tomando a caso da sojacomo exemplo, verifica-se que, até 1995, a Cargill destacava-se como a grandeempresa com unidades de esmagamento no Brasil.
O sertão é lugar de vida para o/a camponês/a. Foi nesse território, que compreende esta vasta
região do Nordeste (NE), onde sertanejos/as, no tempo e no espaço, construíram um modo de vida
próprio do semiárido, assim como a caatinga que é um bioma exclusivo dessa região do Brasil. A
reprodução material da vida que se deu pelo trabalho na relação com a natureza, era muito mais
respeitosa e menos degradante.
Inicialmente, a ocupação do território semiárido pelo/a sertanejo/a, na época da colonização,
ocorreu na lida com o gado e com o cultivo de lavouras para a subsistência, pois ele/a não dispunha
de terras nem de outros meios de produção que resultassem em grandes plantações, portanto
desmatavam menos.
A concentração da terra no Brasil é histórica, perdura desde o século XVI até os dias atuais.
Aqui vale destacar a Lei de Terras de 18508, pela qual só podiam ser proprietários quem comprasse
a terra. Essa lei impediu os/as ex-escravos/as e camponeses/as adquirissem terras pelo fato de serem
despossuídos de recursos.
A supremacia do latifúndio, representado pelas sesmarias9 instituídas pela Coroa Portuguesa,
imperava no desbravamento do semiárido, na segunda metade do século XVII, com a expansão da
atividade agropecuária. O interior do nordeste, praticamente, esteve sob o domínio de grandes
8Antes da Lei de Terras, as terras eram doadas pela Coroa Portuguesa por meio do sistema de sesmarias. A aquisiçãopor compra pode ser verificado no artigo primeiro da Lei Nº 601, de 18 de setembro de 1850 “Art. 1º Ficamprohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra”.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm - acesso 02/10/2012.
9 De acordo com Enciclopédia e Dicionário Ilustrado, de Abrahão Koogan e Antônio Houaiss (1999), o verbeteSesmaria (p. 1481), significa Terra ou região que se encontra abandonada./ Bras. Terra inculta que os reis de
Portugal davam a sesmeiros para serem cultivadas. Sesmeiro – Encarregado de distribuir as sesmarias. / Aquele querecebeu uma sesmaria para cultivar.
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latifúndios: o Morgado10 da Casa da Torre dos Garcia D’Ávila, na Bahia, que se localizava no
litoral norte, no atual município de Mata de São João, Gomes (2001). No local, encontram-se ainda
as ruínas do Castelo da Torre dos Garcia D’Ávila, construído entre os anos de 1551 e 1624 e
considerado a primeira imponente edificação portuguesa do Brasil colonial. O Morgado da Casa da
Torre representava o mais importante símbolo do latifúndio do país. O último morador do castelo
foi o Visconde da Torre Garcia D’Ávila, (NEVES, 2008).
Ainda na Bahia, outro Morgado foi constituído no século XVI, o Guedes de Brito, em favor
da família Guedes de Brito e estendia-se da região de Morro do Chapéu na Bahia até parte do
território do atual estado de Minas Gerais. Neves (2008, p. 65-66) descreve a dimensão desses
enormes latifúndios,
Esse patrimônio fundiário de origem sesmeira, em poder do filho Antônio Guedesde Brito, expandiu-se e somente não superou, em extensão, as terras da Casa daTorre, domínio dos descendentes de Garcia d’Ávila, que se estendia por zonas quemais tarde ficaram sob jurisdição de vários estados nordestinos.Quase todo o sertão da Bahia pertenceu a essas duas famílias. Os d’Ávila disporiade 270 léguas à margem esquerda do São Francisco, “indo para o sul” e 80 desserio “para o norte”; e os “herdeiros do mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito”possuiriam 160 léguas “desde o morro dos Chapéus até a nascença do rio dasVelhas”, em cujas terras estabeleceram, e sítios de “uma légua”, arrendados “pordez mil réis de foro” anual. (Grifo do autor)
É importante ressaltar aqui que, desde os tempos do Brasil colônia, a produção da
monocultura da cana estava ancorada no pré-capitalismo mercantilista, explorando os recursos
naturais e a mão de obra escrava. Os portugueses não estavam interessados em conhecer a vocação
do Nordeste, não chegaram com objetivos de constituírem uma nação. Desde esta época, o Brasil
foi e continua sendo agroexportador, porém, a partir da industrialização incrementada a partir da
década de 30 do século XX, tornou-se também exportador de produtos de industrializados. Vale
destacar, portanto, que a vocação agrícola do país, a pressão das monoculturas e da economia de
mercado tornaram o Brasil um grande exportador de produtos agrícolas a partir da modernização da
agricultura.
A Revolução Verde11, que teve grande impulso depois da metade de 1960, foi a grande
responsável pela modernização conservadora da agricultura brasileira. Esta foi impulsionada pela
10 De acordo com Enciclopédia e Dicionário Ilustrado, de Abrahão Koogan e Antônio Houaiss (1999), o temo Morgado(p. 1107), quer dizer Bem inalienável vinculado à posse de um título de nobreza e que era transmitido, com este, aofilho mais velho de uma família. / O possuidor ou herdeiro desse bem. / Filho primogênito de família em que haviabens vinculados.
11 A Revolução Verde é explicitada por Pereira (2012, p. 685-689), quando aborda que “A introdução em larga escala, a
partir da década de 1950, em muitos países do mundo, inclusive no Brasil, de variedades modernas da altaprodutividade foi denominada Revolução Verde. Esse ciclo de inovações, cujo objetivo foi intensificar a oferta dealimentos, iniciou-se com os avanços tecnológicos do pós-guerra, [...] No pacote da Revolução Verde, a perda dos
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introdução de pacotes tecnológicos, constituídos por sementes de alta produtividade, agrotóxicos,
mecanização agrícola, utilização de grandes áreas para as monoculturas. A difusão desses pacotes
competiu de modo desigual com a agricultura tradicional, menos depredadora dos recursos naturais,
conforme ressalta Pereira (2012, p. 687),
A agricultura tradicional de base camponesa é responsável pela conservação dascondições de produtividade. A base dessa agricultura é sustentável, ao passo que aagricultura de base industrial que usa o pacote da Revolução Verde não conserva ascondições de produtividade. Ela considera o solo como substrato, adiciona a eleadubo químico e água, e prepara-o com o uso de máquinas.
Os defensores da Revolução Verde apresentavam como justificativa para introduzir as
modificações na agricultura, a alta produtividade que geraria o progresso no campo e acabaria com
a fome. A ideia defendida era que a fome dependia apenas de produção de alimentos, quando sesabe, depende muito mais da democratização do acesso à terra e à riqueza. Se assim fosse, depois de
décadas de difusão e aplicação de pacotes tecnológicos, não existiria fome no Brasil. Atualmente, a
Revolução Verde vem se reciclando com as pesquisas na área de biotecnologia.
Para Favero e Santos (2002, p. 50 e 51), foram vários os fatores que contribuíram para a
modernização da agricultura brasileira. Dentre eles, destacam-se os que representaram maior
impacto:
Primeiramente, ela foi possível em virtude do estabelecimento de dois pactos: o
primeiro, entre o capital (industrial, comercial e financeiro) e o Estado, quefavorece o planejamento, a definição de políticas e a criação de organismos queintervém no setor; segundo, entre o capital nacional e o capital multinacional, quefavorece a criação e o atendimento de crescentes demandas internas einternacionais de alimentos.
Percebe-se, com isso, que a implantação dos pacotes tecnológicos, impostos pelos países
ricos, iniciou a expulsão dos/as camponeses/as do campo, além do aumento da concentração
fundiária. A agricultura moderna quer transformar os recursos naturais em mercadoria, modificando
e controlando as sementes, além de uso exagerado de agrotóxicos. Hoje, no Brasil, esse uso chega a512 litros por pessoa. As monoculturas, cada vez mais, degradam a terra para a produção em larga
escala de um só cultivo em enormes áreas. A modernização da agricultura no país contou com forte
intervenção de capital externo, principalmente dos Estados Unidos, assim como o apoio e
submissão do Estado nacional.
usos múltiplos para além do uso para o mercado não é considerada: os custos ecológicos são deixados de fora como
externalidades, assim como os sistemas de saber nativos são degradados e desaparecem.”12 Por Tatiana Achcar | Habitat – sex, 14 de set de http://br.noticias.yahoo.com/blogs/habitat/o-veneno-est%C3%A1-na-mesa-e-o-ant%C3%ADdoto-004630648.html
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Ainda segundo Favero e Santos, o processo de modernização pelo qual passou a agricultura
brasileira, a partir da década de 60, privilegiou as oligarquias agrárias em detrimento dos
agricultores camponeses.
O modelo de modernização da agricultura brasileira foi conservador, seletivo eexcludente, na medida em que não tocou nas estruturas fundiárias e de distribuiçãodo capital, apoiou grandes empresas e latifundiários, facilitou a formação degrandes complexos agroindustriais e excluiu das políticas agrícolas a agriculturafamiliar e regiões como o Nordeste (FAVERO e SANTOS, 2002, p.55).
No sertão, as áreas comuns, onde todos podiam plantar, criar coletivamente e retirar da
caatinga aquilo de que precisavam para a manutenção de suas vidas, hoje conhecidas como “fundo
de pasto” ou “soltas”, constituíram uma cultura muito especial para as famílias camponesas, pois
cada sujeito se reconhece dentro dela, formando um processo de identificações com a vidacamponesa. Como parte desse processo, encontra-se uma culinária típica, baseada nas fontes de
alimento da região, composta por folhas, raízes, frutos, plantas e animais. A sabedoria popular
acumulou também, durante séculos, experiências de produzir “remédios” extraídos das plantas da
caatinga, artesanato dentre outros produtos.
Segundo Malvezzi (2007, p. 9), “O Semi-Árido brasileiro não é apenas clima, vegetação, solo,
Sol ou água. É povo, música, festa, arte, religião, política, história. É processo social. Não se pode
compreendê-lo de um ângulo só”.A terra para os/as camponeses/as é mais do que um lugar para plantar e criar, é território de
socialização, lugar de morar, de viver em comunidade, é o chão onde a vida se materializa. As
comunidades camponesas têm uma relação harmoniosa com a natureza, o seu modo de vida não se
resume à busca desenfreada pela acumulação de riqueza, mas nas relações pessoais, comunitárias,
na produção de cultura e preservação das tradições.
A maior riqueza do semiárido são os seus povos que, durante séculos, criaram as condições de
vida nesta região inóspita, considerada por aqueles que não a conhecem verdadeiramente. Essespovos encontraram na caatinga formas de resistência e de convivência, constituíram uma cultura
riquíssima e heterogênea. Ao contrário dos estereótipos sobre os nordestinos (ALBUQUERQUE
JR., 2009), o homem e a mulher do sertão nordestino são de uma capacidade e tenacidade
demonstrada nos enfrentamentos às adversidades climáticas e nas lutas que travaram contra a
subjugação e a exclusão.
O semiárido, por causa de suas riquezas naturais, tem potencial para proporcionar vida digna
a todos os seus habitantes. Para isso, é preciso superar a exclusão do acesso à terra, à água, à
educação, ao conhecimento, à comunicação e conviver com o clima.
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O surgimento da convivência com o semiárido se dá a partir das lutas camponesas e dos
movimentos sociais do campo que têm fundamental importância nesse processo em construção e
constitui-se em uma das possibilidades de desenvolvimento territorial onde o ser humano e a
natureza sejam a centralidade. Esse desenvolvimento deve ser um processo sociocultural de
construção coletiva embasado na justiça e no respeito a todas as formas de vida, onde os recursos
naturais não sejam simples mercadorias.
Nas últimas décadas, essa convivência tem ganhado maior volume com a aplicação das
tecnologias sociais de convivência de domínio popular e que se originam das experiências e práticas
dos/as camponeses/as, nas diversas áreas como: captação de água de chuva para múltiplos usos;
estocagem de sementes, de forragem; cultivo de plantas nativas e criação de animais adaptados ao
bioma caatinga; agrofloresta, agroecologia, combate à desertificação, recuperação de cursos d'água,
etc. Essas experiências são sistematizadas por organizações da sociedade civil e por alguns órgãos
públicos e representam avanços nas diversas dimensões da vida dos camponeses/as, de modo
particular na captação de água de chuva para consumo humano e produção, contribuindo para a
segurança alimentar e nutricional, com maior oferta de água potável e de hortaliças e frutas. Outros
avanços da convivência são percebidos na relação mais harmônica com a natureza, buscando
implementar experiências agroecológicas como base para a produção alimentos preservando os
recursos naturais.
A convivência com o semiárido tem confrontado as concepções de combate à seca e
possibilitado a constituição de outro olhar sobre as formas de se relacionar com a natureza,
aprendendo com ela e abrindo caminhos para oportunidades nas diversas dimensões da vida que não
eram sequer sonhadas pelos/as camponeses/as. Conviver com o clima e enfrentar as adversidades da
região semiárida tem possibilitado aos povos do sertão viver com mais dignidade.
Considerações finais
O semiárido ainda é visto por muitos brasileiros como uma região atrasada, inóspita, incapaz
de se desenvolver de modo a propiciar aos seus povos condições de uma vida mais digna.
Entretanto, essa região do Nordeste brasileiro apresenta características peculiares que somente
quem as conhece sabe das reais possibilidades de convivência com o seu clima e com a caatinga.
No semiárido vivem povos capazes de reproduzir suas condições materiais de existência.
Conclui-se que o grande problema do semiárido não é a falta de chuvas, mas, a concentração
da terra, da água, da riqueza, do conhecimento. Para desenvolver plenamente a região é preciso a
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adoção de políticas de captação e armazenamento de água de chuva para todos os usos, de
estocagem de alimentos para as pessoas e para os animais; realizar uma Reforma Agrária que leve
em conta as dimensões físicas, socioculturais, ambientais e econômicas; implementar políticas
educacionais contextualizadas e emancipatórias dos sujeitos que vivem no semiárido; criar
condições para que as potencialidades da região possam se viabilizar.
O poder de resistência no semiárido e de convivência com ele faz parte da alma de seus
povos, que ao longo da história, tem desenvolvido saberes e experiências para poder permanecer
nesta terra.
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