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1 O SIGNIFICADO DO LEILÃO DO CAMPO DE LIBRA DO PRÉ-SAL Fernando Alcoforado* O campo de Libra, previsto para ser licitado no leilão de 21 de outubro próximo, é a área da camada pré-sal com maior potencial petrolífero de produção. No artigo Leiloar o maior campo já descoberto do mundo é inaceitável, publicado no Le Monde Diplomatique de 09/10/2013, Fernando Siqueira, vice presidente da AEPET- Associação dos Engenheiros da Petrobrás, afirmou que “Enquanto no resto do mundo os países exportadores de petróleo ficam com 80% do óleo-lucro - uma média 72% do óleo produzido -, o governo brasileiro fixou para o leilão de Libra o pagamento mínimo de 41,65% à União. Em um campo sem riscos, de óleo de excelente qualidade, não seria razoável menos de 80%”. Neste artigo, Fernando Siqueira afirma que “com as bênçãos do governo e do Poder Legislativo, um crime contra a soberania nacional está em andamento e já tem data marcada. O campo de Libra, situado na província brasileira do pré-sal, na Bacia de Santos, que é a maior descoberta de petróleo convencional do século XXI, irá a leilão no dia 21 de outubro, na primeira rodada de licitações da camada do pré-sal”. Em carta de várias entidades dirigida à presidente Dilma Roussef em 20/09/2013, foi apresentado o argumento de que o campo de Libra não pode ser leiloado mesmo através desse modelo de partilha adotado para as áreas do Pré-Sal porque não é um bloco no qual a empresa petrolífera vencedora do leilão irá procurar petróleo (Ver o website <http://www.dr-sergio-cruz.com/products/em-carta-a-dilma,-entidades-pedem- suspens%C3%A3o-do-leil%C3%A3o-de-libra/ >). Nesta carta, é apresentado o argumento de que o campo de Libra já é um reservatório totalmente conhecido, delimitado e estimado em seu potencial de reservas em barris, faltando apenas cubar o petróleo existente com maior precisão. Como já foi dado a público, o campo de Libra possui, no mínimo, dez bilhões de barris, uma das maiores descobertas mundiais dos últimos 20 anos. É afirmado também que o desafio colocado diante de um volume tão grande de petróleo conhecido deveria ser o de maximizar esse benefício para toda sociedade brasileira com a entrega do campo, sem passar por licitação, diretamente para a Petrobras, a qual assinaria um contrato de partilha com a União, com o percentual do "óleo-lucro" a ser remetido para o Fundo Social definido pelo governo. Segundo os signatários da carta acima citada, esta decisão estaria apoiada na Lei 12.351 de 2010 que prevê este tipo de procedimento. Os signatários da carta citada pleiteiam que, no caso das reservas de Libra, o percentual a ser transferido à União seja bem alto, para beneficiar ao máximo a sociedade lembrando que isso só pode ser feito se a Petrobras for a empresa contratada pela União. Nesta carta há a afirmativa de que não houve qualquer explicação da ANP, nem de argumentação, nem no Edital, que justifique esse leilão do ponto de vista dos interesses do povo brasileiro. Ao contrário, a Resolução n. 5 do CNPE que decide sobre o leilão de Libra é um libelo de prepotência e autoritarismo. Qual a razão para que nem o MME, o CNPE, a ANP ou a EPE, nenhum destes órgãos do governo federal tenha dado acesso ao público de documentos explicando a perspectiva de descobertas, quanto será destinado para o abastecimento brasileiro e quanto deverá ser exportado?

O significado do leilão campo de libra do pré sal

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O SIGNIFICADO DO LEILÃO DO CAMPO DE LIBRA DO PRÉ-SAL

Fernando Alcoforado*

O campo de Libra, previsto para ser licitado no leilão de 21 de outubro próximo, é a área da camada pré-sal com maior potencial petrolífero de produção. No artigo Leiloar o maior campo já descoberto do mundo é inaceitável, publicado no Le Monde Diplomatique de 09/10/2013, Fernando Siqueira, vice presidente da AEPET- Associação dos Engenheiros da Petrobrás, afirmou que “Enquanto no resto do mundo os países exportadores de petróleo ficam com 80% do óleo-lucro - uma média 72% do óleo produzido -, o governo brasileiro fixou para o leilão de Libra o pagamento mínimo de 41,65% à União. Em um campo sem riscos, de óleo de excelente qualidade, não seria razoável menos de 80%”.

Neste artigo, Fernando Siqueira afirma que “com as bênçãos do governo e do Poder Legislativo, um crime contra a soberania nacional está em andamento e já tem data marcada. O campo de Libra, situado na província brasileira do pré-sal, na Bacia de Santos, que é a maior descoberta de petróleo convencional do século XXI, irá a leilão no dia 21 de outubro, na primeira rodada de licitações da camada do pré-sal”. Em carta de várias entidades dirigida à presidente Dilma Roussef em 20/09/2013, foi apresentado o argumento de que o campo de Libra não pode ser leiloado mesmo através desse modelo de partilha adotado para as áreas do Pré-Sal porque não é um bloco no qual a empresa petrolífera vencedora do leilão irá procurar petróleo (Ver o website <http://www.dr-sergio-cruz.com/products/em-carta-a-dilma,-entidades-pedem-suspens%C3%A3o-do-leil%C3%A3o-de-libra/>).

Nesta carta, é apresentado o argumento de que o campo de Libra já é um reservatório totalmente conhecido, delimitado e estimado em seu potencial de reservas em barris, faltando apenas cubar o petróleo existente com maior precisão. Como já foi dado a público, o campo de Libra possui, no mínimo, dez bilhões de barris, uma das maiores descobertas mundiais dos últimos 20 anos. É afirmado também que o desafio colocado diante de um volume tão grande de petróleo conhecido deveria ser o de maximizar esse benefício para toda sociedade brasileira com a entrega do campo, sem passar por licitação, diretamente para a Petrobras, a qual assinaria um contrato de partilha com a União, com o percentual do "óleo-lucro" a ser remetido para o Fundo Social definido pelo governo.

Segundo os signatários da carta acima citada, esta decisão estaria apoiada na Lei 12.351 de 2010 que prevê este tipo de procedimento. Os signatários da carta citada pleiteiam que, no caso das reservas de Libra, o percentual a ser transferido à União seja bem alto, para beneficiar ao máximo a sociedade lembrando que isso só pode ser feito se a Petrobras for a empresa contratada pela União. Nesta carta há a afirmativa de que não houve qualquer explicação da ANP, nem de argumentação, nem no Edital, que justifique esse leilão do ponto de vista dos interesses do povo brasileiro. Ao contrário, a Resolução n. 5 do CNPE que decide sobre o leilão de Libra é um libelo de prepotência e autoritarismo. Qual a razão para que nem o MME, o CNPE, a ANP ou a EPE, nenhum destes órgãos do governo federal tenha dado acesso ao público de documentos explicando a perspectiva de descobertas, quanto será destinado para o abastecimento brasileiro e quanto deverá ser exportado?

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Essas dúvidas não teriam sido esclarecidas em audiências públicas que competia à ANP proporcionar para que a sociedade se manifestasse. Assim, mesmo entre técnicos e especialistas, ninguém pode ter noção de qual a base de calculo para chegar-se a um preço mínimo previsto de arrecadação de R$ 15 bilhões e qual o percentual de óleo lucro a ser remetido para o Fundo Social. A ANP evitou receber opiniões mesmo dos setores sociais como sindicatos, associações e universidades, vinculados ao tema da energia e do petróleo. Na carta acima citada, foi apresentada a proposta de que o Ministério das Minas e Energia organize uma consulta aos técnicos e entidades brasileiras que permita a confrontação de informações no tocante à legislação e ao destino do petróleo do Pré-sal.

Nesta carta, consta a afirmação de que todos os seus signatários têm consciência da intenção das empresas transnacionais de apoderarem-se das reservas do Pré-sal. A entrega para essas empresas fere o principio da soberania popular e nacional sobre a nossa mais importante riqueza natural que é o petróleo. Os recentes episódios de espionagem patrocinada pelo governo dos Estados Unidos no Brasil mostram que um dos seus alvos era a Petrobras, com o claro interesse de posicionar as empresas norte-americanas em melhores condições para abocanhar as reservas do Pré -sal, numa clara afronta à soberania da nação e num total desrespeito às prerrogativas exclusivas do Estado e governo brasileiros neste terreno.

O luta contra o leilão de Libra representa mais um capítulo da batalha do povo brasileiro em defesa da Petrobrás, do monopólio estatal do petróleo e dos interesses nacionais ameaçados. A campanha “O Petróleo é Nosso” que teve profunda repercussão na história política brasileira e consolidou a participação do Estado na atividade produtiva do Brasil deve ser retomada com o mesmo vigor que levou à institucionalização do monopólio estatal do petróleo através da Lei 2004 de 03 de Outubro de 1953 que criou também a Petrobras. Considerava-se, na ocasião, a futura constituição da Petrobras como um fator essencial para organizar os negócios com uma visão empresarial moderna de interesse do Estado se livrando das amarras do forte cartel privado de então e da rigidez da administração direta do Estado.

O monopólio estatal do petróleo que era exercido pela Petrobrás sofreu o primeiro golpe na década de 1970 após as duas crises dos preços altos do óleo no mercado mundial aliadas à grande importação nacional, com terrível sangria de divisas pelo Brasil. Em função dessas crises, o governo Ernesto Geisel abriu o território brasileiro para a exploração privada e estrangeira do petróleo autorizando e orientando a Petrobras a estabelecer contratos de risco com empresas de todo o mundo. Em dez anos, foram instituídos mais de 240 contratos de risco em terra e no mar sendo oferecida às multinacionais e às empresas nacionais mais de 80% das bacias sedimentares brasileiras, à exceção da Bacia de Campos. O resultado dos contratos de risco foi pífio porque quem efetivamente avançou no incremento da produção de petróleo no Brasil foi a Petrobrás que passou ao primeiro lugar do mundo em tecnologia para produzir óleo em águas profundas da época projetando e iniciando a escalada de descobertas e produção de petróleo da Bacia de Campos e, mais tarde, na camada pré-sal.

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, houve uma grande vitória das forças políticas defensoras dos interesses nacionais com a inserção no texto da Constituição de 1988 do artigo 177 que previa o monopólio estatal de petróleo e de que não seriam mais permitidos contratos de risco, persistindo apenas os contratos pelos quais foram feitas

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descobertas consideradas comerciais. Na década de 1990, houve um grande retrocesso quando o governo FHC que aderiu ao modelo neoliberal em voga decidiu pela quebra do monopólio estatal do petróleo. Até mesmo a privatização da Petrobrás foi cogitada não sendo levada avante se optando pela flexibilização do monopólio estatal do petróleo que permaneceu no texto da Constituição. A Petrobras continuou como empresa estatal, mas teve boa parte de suas ações pertencentes ao governo vendidas no mercado de capitais na época de extrema desvalorização na Bolsa e, além, disso, iniciou-se um modelo de desintegração com privatizações de partes da estatal. E as companhias estrangeiras ganharam acesso a todas as áreas sedimentares de seus interesses, inclusive à Bacia de Campos, em um modelo que lhes dá a posse do óleo descoberto. O leilão de Libra significa, portanto, a continuação da política antinacional do governo FHC e mantida pelo atual governo.

*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.S