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André Caixeta da Silva Mendes O STF E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA a proporcionalidade na litigância de direitos sociais Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público - SBDP, sob a orientação da Professora Fernanda Mascarenhas Marques. SÃO PAULO 2018

O STF E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA · O capítulo 1 é dedicado à apresentação do trabalho. Nele, será explicado qual a importância de uma monografia que estude o uso da

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André Caixeta da Silva Mendes

O STF E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA

a proporcionalidade na litigância de direitos sociais

Monografia apresentada

à Escola de Formação da

Sociedade Brasileira de

Direito Público - SBDP,

sob a orientação da

Professora Fernanda

Mascarenhas Marques.

SÃO PAULO

2018

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Resumo: A monografia investiga de que maneira o Supremo Tribunal Federal

(STF) emprega o instituto da proibição de insuficiência (Untermassverbot) no

julgamento de casos em que se pleiteia uma prestação estatal fática relativa

a direitos sociais. A proibição de insuficiência é tida como a face menos

conhecida da proporcionalidade. Ela analisa a constitucionalidade de

omissões estatais, enquanto a sua contraparte mais popular – a proibição de

excesso – trata das intromissões estatais. Ambas buscam conferir maior

racionalidade ao exame e à justificação na limitação de direitos fundamentais.

Através do estudo de 29 decisões do Supremo Tribunal Federal nas quais o

conceito é mencionado, busquei descobrir o que os ministros entendem por

proibição de insuficiência e como a aplicam nos casos de prestação fática de

direitos sociais. Concluiu-se que os Ministros não concebem a proibição de

insuficiência como um instrumento decisório; para eles, sua natureza é

similiar à de um mandamento de otimização, não à de um teste de

constitucionalidade. Ainda, nas poucas ocasiões em que há algum vestígio

dela sendo aplicada como teste, o controle feito, na verdade, se aproxima de

uma proibição de excesso.

Palavras-chave: proibição de insuficiência/Untermassverbot; proibição de

excesso; direitos sociais; proporcionalidade; direitos fundamentais;

princípios.

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Agradecimentos

Escrever a primeira monografia acadêmica é empreitada árdua,

especialmente se o autor não contar com um resiliente elenco de apoio ao

seu lado. Felizmente, não foi o meu caso.

Agradeço em primeiro lugar à minha orientadora, Fernanda

Mascarenhas Marques, que me guiou de maneira paciente, mas resoluta,

através de todo o processo de organização e redação do trabalho. Numa

primeira incursão à vida acadêmica como essa, o receio e o nervosismo

teimam em aparecer a cada passo do caminho. Devo à Fernanda, por me

ajudar a superá-los. A atenção e o esmero que ela dedicou à minha

monografia fizeram do produto final um trabalho melhor e mais condizente

com o debate jurídico. Grande parte das virtudes que possam vir a aparecer

nesta monografia é atribuível também a ela.

À minha arguidora na banca de avaliação, Maria Claudia Girotto do

Couto, agradeço pelos comentários, observações e provocações. Busquei

assimilar tudo o que foi debatido e, pela sua crítica, acredito ter em mãos

uma monografia melhor do que aquela apresentada à banca.

Ao meu tutor, Pedro Gama. Quando eu mal sabia sobre o que queria

escrever, foi Pedro quem me ajudou a organizar os pensamentos e

sistematizar minhas ideias, a fim de criar um esqueleto daquilo que viria a se

tornar minha pesquisa.

Ao Professor Virgílio Afonso da Silva, que se dispôs a esclarecer

conceitos e tirar dúvidas que dificultavam o desenvolvimento da pesquisa.

À Mari, Rebeca e Yasser, que fizeram de 2018 o melhor ano da minha

graduação. A Escola de Formação é uma experiência incrível por muitos

motivos, mas o maior deles é, sem dúvida, o empenho e o carinho

empreendidos pelos coordenadores.

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Às colegas e aos colegas da Escola de Formação. Mal posso acreditar

na sorte que tive de encontrar um grupo tão variado de pesquisadores

sensacionais e amigos melhores ainda.

Às amigas e amigos da San Fran, que tiveram de me aturar por seis

meses lamuriando, fazendo drama e os negligenciando. Agora acabou!

Finalmente, agradeço à minha mãe, Nely Caixeta, e ao meu pai,

Armando Mendes. Vem do berço a lição de que, na escrita, deve-se evitar a

pompa prolixa e prezar, sobretudo, pela facilidade na hora de ler. Busquei,

como em seus textos, a clareza jornalística. Espero tê-la alcançado.

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1. Introdução ................................................................................... 7

1.1. Apresentação da monografia ....................................................... 7

1.1.1. Objetivo ............................................................................. 10

1.1.2. Pergunta e hipótese ............................................................. 14

1.1.3. Metodologia ........................................................................ 17

1.1.3.1. Como avaliar a proibição de insuficiência? ......................... 22

2. Conceitos importantes para a compreensão do tema ................. 25

2.1. Direitos fundamentais ............................................................... 25

2.1.1. Direitos de defesa e direitos a prestação. ............................... 27

2.1.2. Direitos a prestação normativa e direitos a prestação fática ...... 29

2.1.3. Direitos a organização e procedimento, a proteção e sociais ..... 29

2.1.4. Dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ........ 32

2.1.4.1. A exigibilidade dos direitos sociais .................................... 35

2.2. A proibição de insuficiência ........................................................ 38

2.2.1. Relembrando o imperativo de tutela e os direitos a proteção ..... 39

2.2.2. Gênese da proibição de insuficiência ...................................... 40

2.2.3. Proporcionalidade e proibição de insuficiência ......................... 41

2.2.3.1. Proporcionalidade em sentido amplo ................................. 42

2.2.3.2. Proibição de excesso (Übermassverbot) ............................ 44

2.2.3.3. Proibição de insuficiência (Untermassverbot) ..................... 49

3. Análise de casos ......................................................................... 53

3.1. Pesquisa de amostra ................................................................. 54

3.2. Análise qualitativa ..................................................................... 59

3.2.1. Criança e adolescente .......................................................... 60

3.2.1.1. Gilmar Mendes ............................................................... 60

3.2.1.2. Celso de Mello ............................................................... 64

3.2.2. Saúde ................................................................................ 67

3.2.2.1. Celso de Mello ............................................................... 67

3.2.2.2. Gilmar Mendes ............................................................... 71

3.2.3. Educação ............................................................................ 79

3.2.3.1. Gilmar Mendes ............................................................... 80

3.2.3.2. Luiz Fux ........................................................................ 83

3.2.4. Cárcere .............................................................................. 89

3.2.5. Acesso à justiça .................................................................. 92

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3.2.6. Seguridade Social ................................................................ 93

3.3. Conclusão do capítulo ................................................................ 97

4. Conclusão ................................................................................. 100

4.1. O que é proibição de insuficiência para o STF? ............................ 100

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1. Introdução

1.1. Apresentação da monografia

Esta monografia tem por objetivo analisar o emprego da proibição de

insuficiência pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgarem

casos que envolvem reivindicações de direitos sociais.

A proibição de insuficiência (Untermassverbot)1 é ferramenta

argumentativa usualmente tida como constituinte da regra da

proporcionalidade. Assim entendida, ela se contrapõe à outra face da

proporcionalidade, a proibição de excesso. As duas diferenciam-se na medida

que uma (a proibição de proteção insuficiente) avalia limitações estatais em

direitos a prestações, ao passo que a outra (a proibição de excesso) avalia

limitações estatais em direitos a abstenções2.

A proibição de proteção insuficiente figura como instrumento decisório

no STF desde 20063. Seu acréscimo ao arsenal de técnicas argumentativas

do tribunal deu ensejo a um estudo, feito em 2009, dedicado exclusivamente

à análise de sua aplicação pelos ministros4. O presente trabalho procura, 9

anos depois, novamente responder à indagação: como o STF usa a proibição

de insuficiência? No entanto, o âmbito de análise dessa vez será mais restrito.

A pesquisa terá como foco os julgamentos nos quais é pleiteada a

prestação estatal fática de algum direito social. Como se verá mais à frente

(no tópico 2.1.3), os direitos que os indivíduos têm a ações positivas do

Estado podem ser dispostos em três categorias distintas. Os direitos sociais

1 Pelo fato de seu nome ser originalmente em alemão, a proibição de insuficiência não conta com tradução exata para o português. Verifica-se variação no tratamento do conceito,

inclusive, entre os próprios ministros do STF. Sendo assim, para fazer referência à Untermassverbot, serão empregadas expressões que intercalam proibição com vedação, e de proteção insuficiente com insuficiente, deficiente e de proteção deficiente. O que isso significa é que, neste trabalho, proibição de proteção insuficiente deve ser entendido como sinônimo de proibição de insuficiência, vedação de proteção insuficiente, vedação de deficiência, etc. 2 A distinção entre direitos a prestações e direitos a abstenções é pormenorizado no tópico 2.1.1, enquanto o tema da proporcionalidade, proibição de excesso e proibição de insuficiência

é abordado no tópico 2.2.3. 3 Cf. RODRIGUES (2009), p. 25. 4 Ibid.

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compõem uma delas. Optou-se por estabelecer este recorte temático em

função do crescente protagonismo que o Poder Judiciário brasileiro vem

assumindo ao tratar-se da efetivação dos direitos sociais. Nesse cenário, a

emergência de um conceito tal qual a proibição de proteção insuficiente

poderia servir tanto como método argumentativo que racionaliza o processo

decisório e o controle intersubjetivo quanto como pretexto para uma maior

interferência judicial em áreas tidas tradicionalmente como de competência

dos poderes eleitos. Busca-se, neste trabalho, verificar se alguma dessas

alternativas de fato ocorre no contexto brasileiro.

O capítulo 1 é dedicado à apresentação do trabalho. Nele, será

explicado qual a importância de uma monografia que estude o uso da

proibição de insuficiência para direitos sociais (tópico 1.1.1), quais são a

pergunta e a hipótese da pesquisa (tópico 1.1.2) e qual foi a metodologia

empregada, na busca por material (tópico 1.1.3) e na análise dos casos

(tópico 1.1.3.1).

No capítulo 2 serão apresentados tópicos teóricos de direitos

fundamentais importantes para entender o tema, as decisões dos ministros

e as análises delas. Primeiramente, tocar-se-á em diversas subdivisões de

direitos fundamentais (tópico 2.1), como aquela relativa aos direitos de

defesa ou a prestações (tópico 2.1.1), a prestações normativas ou fáticas

(tópico 2.1.2), a direitos a organização, proteção ou sociais (tópico 2.1.3) e

às dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais (tópico 2.1.4).

Uma vez assentados tais conceitos de direitos fundamentais, chegará

a hora de abordar a proibição de insuficiência (tópico 2.2). Haverá duas

exposições sobre o conceito separadas: uma histórica (tópico 2.2.2) e uma

conceitual (tópico 2.2.3), na qual será abordado também o tema conexo da

proporcionalidade (tópico 2.2.3.1) e da proibição de excesso (tópico 2.2.3.2).

A parte dogmática da proibição de insuficiência está reservada para o tópico

2.2.3.3.

É no capítulo 3 que os julgados do STF finalmente serão analisados.

Em primeiro lugar, haverá a breve apresentação de alguns dados levantados

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pela pesquisa, que respondem às subperguntas a) e c) (tópico 3.1). Em

seguida, o exame do conteúdo das decisões, separadas em seis temas:

criança e adolescente (tópico 3.2.1), saúde (tópico 3.2.2), educação (tópico

3.2.3), cárcere (tópico 3.2.4), acesso à justiça (3.2.5) e seguridade social

(3.2.6). No fim do capítulo, há ainda uma breve recapitulação e conclusão

sua (tópico 3.3). O capítulo 4 conta com a conclusão da monografia, a

resposta à pergunta central e às subperguntas b) e d).

É preciso, antes de passar à apresentação de conceitos, fazer uma

observação preliminar importante. A literatura sobre vedação de insuficiência

é crescente ao redor de todo o mundo, mas ainda parca se comparada à da

proibição de excesso. A produção acerca do tema, tanto pela doutrina

quanto pela jurisprudência, concentra-se fortemente na Alemanha. Disso

decorrem duas consequências: i) as fontes aqui apresentadas serão, em sua

maioria, autores alemães ou autores com linhas de estudo provenientes da

escola alemã, bem como algumas decisões do Tribunal Constitucional Federal

alemão; ii) pouco do que foi escrito sobre o tema está disponível em uma

língua que não o alemão. Dessa forma, não há muito material teórico

disponível para o jurista que não lê a língua. Seria esse fato um impedimento

para que uma pesquisa relativa ao tema fosse feita por alguém que não fala

alemão? Acredito que não.

Como já mencionado, a proibição de proteção insuficiente chegou no

STF há mais de uma década. O Ministro que primeiro introduziu o conceito às

suas decisões, Gilmar Mendes, domina o alemão e pode adquirir

conhecimento diretamente da fonte mais profícua. Os outros ministros, leiam

alemão ou não, também adotaram esse método argumentativo às suas

razões. Se o STF assimila um conceito às suas razões de decidir, é porque

está preparado para ser escrutinado quanto a esse uso. No caso do presente

trabalho, esse escrutínio virá de alguém capaz de acessar um número de

fontes que, não obstante poucas em número, conseguem apresentar o

emprego da vedação de deficiência como estruturado, ordenado e racional5.

Parece razoável, portanto, esperar o mesmo de seu uso pelos ministros.

5 As fontes utilizadas neste trabalho são trabalhos escritos em português, inglês e espanhol.

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1.1.1. Objetivo

“Em qualquer momento dado, os juízes, mesmo os

do supremo tribunal, são parte de um sistema

cujas regras são suficientemente determinadas na

parte central para fornecer padrões de decisão

judicial correcta. Estes padrões são considerados

pelos tribunais como algo que não pode ser

desrespeitado livremente por eles no exercício da

autoridade para proferir essas decisões, que não

podem ser contestadas dentro do sistema” 6

O objetivo deste trabalho passa, em grande medida, pela resposta a

uma indagação geral: por que é necessário justificar decisões judiciais? O

tema é extenso e intrincado, mas ainda assim estrutural para qualquer

pesquisa relacionada a argumentação jurídica, como é o caso. Nas linhas

seguintes buscar-se-á, sinteticamente, oferecer uma breve relação de

motivos que explicam o dever argumentativo do jurista.

Antes de ser um conjunto de normas, julgamentos, valores e

competências, o Direito é atividade humana compartilhada. Os elementos

listados na frase anterior fazem, sim, parte do Direito, mas não o definem.

Sua definição, na verdade, se aproxima mais daquela tipicamente dada a

jogos. Um jogo é atividade constituída por regras que determinam sua

constituição, quais são as movimentações certas e erradas, qual é o seu

objetivo e, consequentemente, como ganhar. O mesmo vale para o Direito.

Assim como os participantes de qualquer jogo devem seguir certas

regras para efetivamente fazer parte dele (um jogador de xadrez que insiste

em movimentar sua torre na diagonal não está, no fim das contas, jogando

xadrez), o sujeito do Direito também deve seguir as regras impostas pela

6 Citação retirada de HART (2011), p. 159. A referência do autor à incontestabilidade das

decisões refere-se tão somente ao caráter definitivo que elas têm uma vez proferidas pelos supremos tribunais. A correção delas, não obstante, continua em aberto.

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atividade para ser considerado como participante dela. Qualquer ação,

jurídica ou não, tem um porquê que lhe dá sentido. Este, a princípio, é restrito

ao íntimo do agente, que pode escolher exteriorizar suas razões de agir ou

não. É o caso, por exemplo, da mãe que coloca o filho de castigo sem explicar

o motivo; ainda que essa seja uma atitude não muito bem vista, ela ainda

está de acordo com a dinâmica que rege relações entre pais e filhos. O mesmo

não é verdade para o Direito. Entre muitas de suas regras, podemos destacar

o dever de explicitar a motivação dos atos. Um juiz ou legislador que, no

exercício do cargo, resolver tomar certa atitude sem explicar sua linha de

pensamento não está praticando Direito, já que sua ação fugiu

completamente às regras que compõem essa atividade.

Mas o dever de explicitar razões não é a única regra à qual o

participante do Direito está vinculado. Outras regras que constituem o Direito

são, por exemplo, a igualdade e a não-contradição. Delas decorrem,

principalmente, a obrigação de tratar os iguais igualmente e os desiguais

desigualmente, bem como a vedação de agir de maneira a contradizer alguma

premissa. Essa digressão é importante para mostrar que existem regras das

quais é possível retirar parâmetros de correção e qualidade para a atividade

jurídica; é dizer, “(...) parece claro que pode haver decisões mais ou menos

justificadas, justificadas de modo mais adequado ou menos adequado. E para

dizer isso é preciso ter padrões de excelência, adequação e bondade que não

são dados na esfera “regulativa” da prática, mas na sua esfera constitutiva”7.

Há ações deficientes a ponto de não poderem ser tidas como parte do Direito;

há ações que – mesmo ultrapassando o patamar mínimo constitutivo da

atividade – são consideradas ruins por não cumprirem o suficiente com os

critérios de correção da prática; há ações que transpassam os parâmetros

que constituem o excelente no exercício jurídico e, por isso, são consideradas

boas. Os agentes públicos têm o dever de se esforçar ao máximo para lograr

atingir tais padrões de corretude, e a sociedade tem o direito de fiscalizar

essa empreitada.

7 Citação retirada de LOPES (2009), p. 78.

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É certo que o juiz julga do jeito que julga por motivos conhecidos, a

priori, só por ele. E é certo que essa situação engendra uma espécie de

paradoxo8: de um lado, um sistema institucional baseado em regras

compartilhadas pré-constituídas que exigem, dos atores, práticas conforme

aos seus ditames; do outro, pessoas que devem, no exercício de sua função

e na medida do possível, assumir uma “persona diferente” e agir não

conforme as suas razões, mas segundo as razões do Estado, ao mesmo

tempo que são vistoriadas por elementos exteriores a si. Ainda que esse

problema seja ontologicamente insolúvel, a sociedade não pode contentar-se

com uma indefinição por completo. Até agora, a melhor maneira encontrada

para constranger os representantes estatais a agir de acordo com os

parâmetros institucionais a eles impostos foi forçá-los a explicar de que

maneira suas ações condizem com o regramento que os rege. No caso dos

juízes, essas explicações costumam ser as justificativas para suas decisões.

O Direito não pode ser entendido como atividade discricionária, movido a bel

prazer pela vontade de seus agentes que, uma vez dentro do sistema, não

se vinculam a nada ou a ninguém. Pelo contrário, é dever do ator jurídico

envidar esforços no sentido de comprovar sua conformidade àquilo que dele

é socialmente e institucionalmente exigido e, consequentemente, esperado.

Junto à ideia de correção no Direito, corre o conceito de objetividade9.

A objetividade nessa seara traz consigo a possibilidade de controlar decisões

judiciais, a fim de se aferir em que medida elas foram capazes de satisfazer

os critérios que constituem uma decisão boa10. Nesse sentido, exige-se do

juiz, sobretudo, clareza, nas palavras e na argumentação. Clareza nas

palavras para que o texto do julgamento não fique hermético, para que a

ideia que o juiz deseja passar seja mais facilmente assimilada pelo leitor;

8 Um paradoxo similar (porém não idêntico) é apresentado em MacCORMICK (2008), p. 17-

42. O autor contrapõe o aspecto institucional do direito ao seu caráter eminentemente argumentativo. Essa aparente antinomia certamente se relaciona também com o presente trabalho. 9 Em SILVA (2011-A), a objetividade na interpretação do direito corresponderia a aumentar a realização do controle intersubjetivo e a possibilidade de previsibilidade das decisões. 10 É fundamental notar, no entanto, que o Direito, por se tratar de prática humana, conta com uma objetividade diversa daquela proporcionada pelas ciências naturais. Esperar uma precisão e rigor igualmente elevados nos dois campos é exigência ingênua e inalcançável. Nesse sentido, cf. LOPES (2016).

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clareza na argumentação de maneira a possibilitar a compreensão da linha

de raciocínio trilhada pelo juiz para alcançar seu veredito.

Os precedentes relativos à proporcionalidade não são animadores. Em

artigo seu, José Reinaldo de Lima Lopes narra o emprego da técnica por um

ministro do STF no notório caso Ellwanger11. Segundo conta,

“O voto do Ministro Gilmar Mendes estende-se

didaticamente muito mais para explicar o que é o princípio

da proporcionalidade (inclusive com citações de doutrina),

do que para motivar sua decisão. Quem lê o voto tem uma

espécie de aula sobre a definição de proporcionalidade

segundo a doutrina alemã, mas fica em dúvida sobre os fatos

do caso e sobre como e por que no caso sob julgamento o

juízo de condenação do requerente do habeas-corpus

deveria ser mantido. Não há explicitação longa das

circunstâncias do fato, do delito, etc. Em poucas palavras, o

voto está tão preso às generalidades das definições, que não

é fácil extrair dele a ratio decidendi. Não se gasta tempo

suficiente com as qualidades do caso concreto que

justificariam, ou motivariam, seu enquadramento nos

termos e conceitos longa e didaticamente explicados”12

Para conferir objetividade e corretude à decisão judicial, a

proporcionalidade precisa ser empregada de acordo com seus pressupostos

teóricos e técnicos. Ela conta com uma forma estruturada e ordenada,

sobretudo, para que o caminho cursado pelo agente público em seu esforço

decisório seja mais transparente para quem o analisa. Ela é, afinal de contas,

mais um modelo para auxiliar juízes e legisladores a justificar racionalmente

11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. HC 82.424, Rel. Min. Moreira Alves, Rel. p/ o

Acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17/09/2003. No caso Ellwanger, um escritor e editor de livros que negavam o nazismo e exprimiam descarado conteúdo antissemita foi denunciado por praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de religião (conforme o artigo 20 da

Lei 7.716/89). O seu pedido de Habeas Corpus chegou até o STF, onde foi negado. O Tribunal acordou que o conteúdo das publicações do Réu era flagrantemente antissemita. 12 Citação de LOPES (2009), p. 77.

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o modo como agem. A mera enunciação de sua fórmula não pode ser

considerada como um emprego da proporcionalidade, exatamente por não

cumprir as exigências que conferem a ela sua capacidade de explicitar linhas

de raciocínio. Ao ser “empregada” da maneira como relatada no excerto

acima, a proporcionalidade não mais serve como método esclarecedor de

justificativas.

Tendo em mente que a comunidade acadêmica é um dos principais

controladores da atividade pública, estudar uma ferramenta argumentativa

como a proibição de insuficiência é importante para averiguar se, do seu uso

pelos ministros do STF, decorre de fato uma maior evidenciação das razões

dos magistrados ou se, pelo contrário, o instituto serve para disfarçar uma

ampliação sub-reptícia na margem de atuação do Judiciário13. Meu objetivo é

alcançar uma resposta para esse questionamento.

1.1.2. Pergunta e hipótese

A pergunta central que norteará a pesquisa é: De que maneira o STF

tem empregado a proibição de proteção insuficiente nos casos de tutela de

direitos sociais?14

Dessa indagação central, derivam outras quatro subperguntas. São

elas:

a) Quais os direitos sociais que mais ensejam o emprego

da proibição de insuficiência?

b) A proibição de insuficiência é empregada como teste

decorrente da proporcionalidade? Se não, de que maneira ela

figura na decisão?

13 Essa possibilidade é similar à hipótese levantada em RODRIGUES (2009), p. 14. Mais adiante, no tópico 1.1.2, ficará claro que a hipótese do presente trabalho também não está muito distante dessa aventada nove anos atrás. 14 Como será explicado no tópico 1.1.3, referente à metodologia da pesquisa, o universo de casos analisados será restrito a pleitos por prestações fáticas de direitos sociais. Isso significa

que as respostas para a pergunta central e para as subperguntas só poderão referir-se a decisões em que esse tipo de pretensão está em jogo. A pergunta central e as subperguntas devem, portanto, ser entendidas como circunscritas a esse universo.

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c) Os ministros comparam a intensidade da interferência

sobre os princípios constitucionais no caso concreto?

d) Quando empregada a proibição de insuficiência, foi

mais frequente o provimento ou a denegação do pleito por

direito social?

Como se percebe, as subperguntas a e d contam com respostas

objetivas: ou trata-se de direito à saúde, ou de direito à segurança; ou o

pleito foi provido, ou ele foi denegado. As subperguntas b e c, por outro lado,

são mais dependentes da subjetividade do pesquisador. Tal desafio é inerente

à pesquisa qualitativa. Para enfrenta-lo, buscar-se-á argumentar expondo

sempre o que foi escrito na decisão. O intuito é mitigar ao máximo essa

subjetividade.

A hipótese do trabalho é a seguinte: os ministros do STF, ao julgar

pleitos por prestações fáticas de direitos sociais, não empregam a proibição

de insuficiência, ainda que o conceito seja mencionado.

Esta hipótese está fundamentada em três motivos principais. Primeiro,

e mais importante, essa foi a conclusão alcançada no trabalho de Luís

Fernando Matricardi Rodrigues, que, em 2009, estudou pela primeira vez o

tema da vedação de deficiência no STF15. Ainda que haja diferenças

importantes entre as duas pesquisas16, a proximidade evidente entre elas

permite afirmar que a presente monografia serve, ao menos parcialmente,

para dar continuidade à investigação de nove anos atrás. Supõe-se, aqui, que

a tendência dos ministros a não aplicar efetivamente a proibição de

deficiência manteve-se.

A hipótese tem por base, em segundo lugar, o emprego insatisfatório

da proporcionalidade – na forma de proibição de excesso – pelo STF. A

proibição de excesso, quando comparada à proibição de insuficiência, é há

mais tempo conhecida e aplicada, no STF e ao redor do mundo. A experiência

de nossa corte constitucional com ela não é animadora17. Partindo-se desse

15 Cf. RODRIGUES (2009). Esse estudo foi seguido por RODRIGUES (2012). 16 Destacando-se, principalmente, a limitação do presente trabalho aos casos que versam sobre

prestações fáticas relativas a direitos sociais (vide tópico 1.3). 17 Cf. SILVA (2002), HERCK (2014), DALLA BARBA; STRECK (2016) e TRINDADE (2013).

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pressuposto, imagina-se que o emprego, pelo mesmo tribunal, de uma versão

menos conhecida e desenvolvida da proporcionalidade não logrará maior

sucesso.

Em terceiro lugar, por fim, é relevante notar que as prestações estatais

são tipicamente providas pelo Legislativo e Executivo, os poderes eleitos por

voto popular. Ao se tratar da interferência do Estado na esfera dos indivíduos,

o Judiciário tem como função clássica, pelo contrário, impor abstenções ao

Poder Público. A vedação de insuficiência dá ensejo a uma abertura na

margem de atuação dos tribunais. Uma vez demonstrado que os outros

poderes têm performance insatisfatória no provimento de direitos à

população, o Judiciário poderia intervir e tomar ele mesmo as rédeas da

situação. O grande desafio seria, precisamente, demonstrar a insuficiência da

atuação dos outros poderes. É justamente para transpor esse incremento no

encargo argumentativo que serviria o exame de proporcionalidade da

omissão estatal, ou seja, a proibição de proteção insuficiente.

Mesmo desconsiderando o quão polêmica essa teoria é, há nela ainda

outra aresta. Se os tribunais adotassem essa nova incumbência sem, no

entanto, aceitar o maior ônus argumentativo, haveria uma expansão

injustificada das atribuições do Judiciário sobre áreas usualmente reservadas

aos outros poderes. É a isso que Matricardi Rodrigues faz referência quando

expõe sua “hipótese não científica” de que “na condição de instância política,

assumida ou não, o STF vê na proibição de insuficiência meio hábil a dilatar

sua margem de ação para decisão – i.e. sua discrição decisória”18. O fato de

que os direitos sociais, foco deste trabalho, sejam caracteristicamente

dependentes da alocação de recursos do Estado, via orçamento público,

apenas agrava o cenário aventado. A hipótese da presente monografia

também tem como fundamento a teoria (a qual é impossível de se provar

através da simples leitura de decisões) de que o STF se vale da ideia por trás

da proibição de insuficiência, qual seja, a de que o Judiciário pode adentrar

território tipicamente político, para expandir sua área de atuação, sem,

18 Citação retirada de RODRIGUES (2009), p. 14

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17

contudo, cumprir com o maior ônus argumentativo que essa teoria

pressupõe.

1.1.3. Metodologia

Três esclarecimentos sobre o recorte temático da pesquisa são já

necessários. Primeiramente, já foi mencionado que serão analisados somente

casos relativos a direitos sociais. Apesar das divisões teóricas entre os tipos

de direitos fundamentais – apresentadas no tópico 2.1 – aparentarem serem

bem delimitadas entre si, a prática teima em fornecer ao pesquisador

situações em que a identificação da espécie de direito tratado no caso

concreto é tarefa árdua e controversa. Nem sempre se alcançará um

consenso sobre se o direito em jogo no caso X exige uma prestação ou

abstenção, se é organizacional ou social. Para lidar com essa indefinição, esta

monografia referiu-se aos direitos sociais arrolados no artigo 6º da

Constituição Federal e a o que foi escrito pelos ministros nas decisões. Isso

quer dizer que o caso foi considerado referente a direitos sociais quando se

tratava de algum dos exemplos elencados no dispositivo constitucional, ou

quando o próprio ministro decisor dava expressa indicação nesse sentido.

Outro esclarecimento devido refere-se ao tipo de direito social aqui

abordado e, mais uma vez, diz respeito às diferentes espécies de direitos

fundamentais. Optou-se, neste trabalho, a restringir os casos analisados

àqueles que tratam de prestações fáticas19 do Estado. Isso quer dizer que os

julgamentos envolvendo prestações estatais de direitos sociais normativas

não serão analisadas. O intuito desse recorte diz respeito ao curto prazo

existente para a elaboração desta monografia. Sendo as prestações fáticas

aquelas mais usualmente relacionadas aos direitos sociais e visando a evitar

uma sobrecarga de material a ser analisado num período exíguo de tempo,

não serão estudados casos com prestações normativas.

19 A distinção entre prestações fáticas e normativas é abordada no tópico 2.1.2.

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18

Finalmente, há de se esclarecer o que será considerado como um

emprego da proibição de proteção insuficiente, vide a pergunta e as

subperguntas de pesquisa. O intuito deste trabalho é entender como a

vedação de deficiência, ao ser levantada, figura na decisão do ministro ou

ministra do STF. Por isso, a mera menção do instituto já será considerado

como qualificador para análise. Uma vez mencionado o nome do conceito,

será averiguado de que maneira ele foi entendido na decisão. Os julgados em

que o instituto foi apresentado unicamente em alguma citação – seja de

jurisprudência, seja de doutrina – não foram utilizados. Considerou-se que

mencionar algum excerto no qual o termo está presente, sem contudo adotar

o conceito para suas razões de decidir, não constitui emprego da proibição

de insuficiência.

Chegou-se à conclusão, portanto, de que as decisões do STF a serem

estudadas nesta monografia seriam aquelas que versassem sobre prestações

estatais fáticas a direitos sociais e que mencionassem a proibição de

insuficiência.

O âmbito de incidência da pesquisa por jurisprudência foram todos os

julgados do Supremo Tribunal Federal. Não houve recorte de tipo processual.

Devido à relativa novidade da proibição de insuficiência no leque decisório do

STF, não foi necessário estipular uma baliza temporal para a pesquisa; o

ineditismo do conceito constitui uma limitação cronológica por si só.

A pesquisa foi feita inteiramente por meio do sítio eletrônico do STF.

Na página da “Pesquisa de Jurisprudência”, com todos os tipos de decisões

selecionadas, foram digitados os seguintes termos de busca (data e horário

de pesquisa entre parênteses):

Untermassverbot (17/06, 22:30)

3 acórdãos (0 conformes)

13 decisões monocráticas (0 conformes)

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14 decisões da presidência (13 conformes – STA 419; SS 3741; SS 3690;

SS 3751; STA 318; STA 198; STA 277; STA 245; STA 238; SL 228; SL 263;

STA 241; SL 235)

Proibição adj2 insuficiência (17/06, 22:42)

3 decisões monocráticas (0 conformes)

Proibição adj2 deficiência (17/06, 22:45)

1 decisão monocrática (0 conformes)

Vedação adj2 insuficiência (17/06, 22:48)

0 resultados

Vedação adj2 deficiência (17/06, 22:50)

1 acórdão (0 conformes)

2 decisões monocráticas (0 conformes)

Proibição adj2 proteção adj2 insuficiente (17/06, 22:52)20

4 acórdãos (0 conformes)

21 decisões monocráticas (2 conformes - Rcl 25.363; Rcl 18.636)

13 decisões da presidência (13 conformes, todas repetidas - STA 419; SS

3741; SS 3690; SS 3751; STA 318; STA 198; STA 277; STA 245; STA 238;

SL 228; SL 263; STA 241; SL 235)

20 Durante a leitura das decisões em que esse termo era usado, descobri um outro caso (STA 278) em que a expressão “proibição de proteção insuficiente” era usada de maneira a se

encaixar com a minha linha de pesquisa. Esse caso, no entanto, não aparece dentre os resultados de pesquisa do site do STF. Ainda assim, o usarei em minha monografia, por ser mais uma decisão em que a Untermassverbot é usada de acordo com o suporte fático proposto.

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1 decisão da presidência que não aparece entre os resultados de pesquisa do

site do STF (1 conforme - STA 278)

Vedação adj2 proteção adj2 deficiente (17/06, 23:31)

3 acórdãos (0 conformes)

10 decisões monocráticas (0 conformes)

2 decisões da presidência (0 conformes)

Proibição adj2 proteção adj2 deficiente (26/06, 21:15)

18 acórdãos21 (1 conforme - RE 597.854)

33 decisões monocráticas (0 conformes)

1 decisão da presidência (0 conformes)

Vedação adj2 proteção adj2 insuficiente (26/06, 22:30)22

6 acórdãos (6 conformes - ARE 745.745; ARE 727.864; AI 598.212; RE

581.352; RE 763.667; Ag. Reg. STA 223)

66 decisões monocráticas (8 conformes - 2 repetidas = 6 conformes e

novas - RE 816.626; RE 795.749; AI 759.543; RE 488.208; RE 738.255; RE

763.667; AI 764.969; RE 598.212)

1 decisão da presidência (0 conformes)

Ademais, foi utilizada a ferramenta “Solicitação de Pesquisa”, que o

site do Supremo Tribunal Federal oferece. A solicitação foi enviada no dia 14

21 Foi mencionada a proibição de proteção deficiente na análise de restrição a direitos sociais no RE 567.985 e na Rcl 4.374, mas tais casos tratavam de prestações normativas do Estado, a saber, a suficiência da proteção que a LOAS conferia ao idoso e ao miserável. 22 Durante a pesquisa pelo termo, deparei-me com um aparente erro do Min. Celso de Mello. No AI 598.212 e nos REs 488.208, 738.255 e 581.352, o ministro, ao invés de “vedação de

proteção insuficiente”, escreveu “vedação da proibição insuficiente”. É possível afirmar tratar-se de um equívoco dele por conta do contexto em que a expressão foi usada, igual a outros em que ele usou o instituto.

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de junho, às 20:00. Recebi a resposta no dia 15 de junho, ao 12:40. Foram

apontados 19 acórdãos, 51 decisões monocráticas e 14 decisões da

presidência. Parti a analisa-los uma vez encerrada a minha própria busca.

Todos os resultados da pesquisa solicitada já haviam sido anteriormente

computados.

O trabalho contará, então, com a análise das 29 decisões23 que se

encaixam no suporte fático proposto.

Uma vez selecionadas, as decisões foram primeiramente ordenadas

cronologicamente e, em seguida, separadas por tema. Algumas delas

tratavam de assuntos razoavelmente semelhantes entre si, mas ao mesmo

tempo significativamente diferentes. Tomemos a SL 235, por exemplo. Nela,

trata-se da obrigação estatal de implantar unidades socioeducativas de

internação para menores de idade infratores. O conteúdo aproxima-se, em

certa medida, daquele presente nos julgamentos em que o Poder Público é

instado a construir novos estabelecimentos prisionais. Seria possível, por

exemplo, aglutinar tais casos como se fossem relativos ao “cárcere”. Pelo

outro lado, a SL 235 aproxima-se, também, das instâncias nas quais é

pleiteada a instalação de novas escolas; dessa vez, ambos os temas podem

ser considerados como se se tratassem de “direitos da criança e do

adolescente”.

Optou-se, no entanto, por ser deferente à argumentação das decisões.

Isso significa que, por mais que possa haver sobreposição entre certos pontos

de julgamentos, o caso que o magistrado decidiu dando uma maior ênfase à

“educação” em sua justificação foi classificado como tal; na mesma linha,

quando o ministro preferiu argumentar com base nos “direitos da criança e

do adolescente”, definiu-se o caso como pertencente a essa categoria.

Delimitadas as classificações, passou-se ao fichamento dos casos.

Fichou-se um tema de cada vez, seguindo a ordem cronológica interna a eles.

23 Em ordem cronológica, da mais antiga até a mais recente: Ag. Reg. STA 223; SL 235; STA

241; SL 263; SL 228; STA 238; STA 278; STA 245; STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3690;

STA 318; SS 3741; STA 419; AI 598.212; AI 764.969; RE 488.208; RE 763.667; RE 581.352; AI 759.543; RE 738.255; RE 795.749; ARE 727.864; ARE 745.745; Rcl 18.636; RE 812.626; Rcl 25.363; RE 597.854.

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22

Ou seja, fichava-se todos os casos relativos ao direito à saúde, começando

pelo mais antigo e terminando no mais recente. Prosseguia-se, então, a um

outro tema (direito à educação, por exemplo). O intuito desse modelo foi

verificar a existência de desenvolvimento jurisprudencial relativo a cada

direito fundamental.

Os fichamentos buscavam aferir, principalmente, em que contexto a

proibição de proteção insuficiente foi citada, qual seu papel para o deslinde

do julgamento, se o ministro aplicava os subtestes da proporcionalidade e se

as particularidades relevantes de cada caso figuravam como importantes nas

razões do ministro.

1.1.3.1. Como avaliar a proibição de insuficiência?

O estudo do conteúdo de decisões judiciais é sempre uma questão

controvertida. Há a opção de exames meramente expositivos, que buscam

somente apresentar o que é dito pelo juiz, bem como a forma com que ele

diz aquilo. Nessas hipóteses, apesar de ainda estar se tratando de pesquisa

qualitativa, não recai sobre o investigador um encargo pesado de justificar

suas observações, já que elas, teoricamente, não contém uma opinião.

A jornada complica-se, porém, caso a pesquisa emita juízos de valor.

O ônus argumentativo do autor acentua-se; pesa sobre ele o fardo do dever

explicar por que sua visão está correta. A busca por critérios objetivos de

corretude passa longe de ser unívoca e, ainda que seja possível chegar a

alguns acordos mínimos sobre o que constitui um traço desejável ou

indesejável numa decisão, nem sempre será tranquila a tarefa de averiguar

se o objeto de estudo está de fato conforme a o que se considera bom ou

ruim. Por exemplo, mesmo que se chegue à conclusão de que “decisões

judiciais devem sempre levar em conta o que é mais justo para as partes”,

ainda restará necessário um esforço para definir o que significam os termos

dessa proposição universal e, mais ainda, se a decisão examinada

efetivamente “leva em conta o que é mais justo para as partes”.

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É indesejável estudar o emprego da proibição de insuficiência sem

passar por estas duas fases – expositiva e propositiva. A parte expositiva é

importante, principalmente, porque se trata de conceito ainda muito

indefinido e aberto. Descobrir de que forma o STF o concebe passa, em larga

medida, por simplesmente averiguar de que forma ele foi relevante para a

decisão. No entanto, uma análise propositiva, na qual busca-se proferir juízo

acerca da correção de seu emprego, é especialmente desafiador nesse caso.

Seria possível tomar o modelo da doutrina, apresentado no capítulo 2,

como a única maneira correta de entender o que é vedação de proteção

deficiente. Nesse caso, a decisão judicial só estaria aplicando o instituto

corretamente se empregasse os subtestes da proporcionalidade para

examinar quão justificável foi uma omissão estatal; este seria o padrão ótimo,

e quanto mais o julgamento concreto desviasse dessa fórmula, mais errado

ele estaria. Não obstante, tal modo inflexível de ver seria, sobretudo,

inadequado para os fins da pesquisa. Como mencionado, a proibição de

proteção insuficiente é um conceito parcamente desenvolvido, cercado por

um número escasso de certezas. Além dos fatos de que ela se contrapõe à

proibição de excesso e de que ela controla omissões estatais decorrentes da

violação de direitos a prestação, quase não há consenso: ainda que a maioria

a relacione à proporcionalidade, essa visão não é unânime24; enquanto há

quem a conceba como uma ferramenta argumentativa composta por

subtestes, não necessariamente todos a entendem assim25. Existem muitas

dúvidas sobre a proibição de deficiência para se poder afirmar,

categoricamente, qual é o seu uso correto.

Tendo tudo isso posto, há de se esboçar para esta monografia um

critério de corretude que enseje uma análise crítica do emprego da vedação

de proteção insuficiente nas decisões. Esse critério será baseado,

24 Como pode ser depreendido pelo título da monografia – e como ficará claro no tópico 2.2

–, neste trabalho considera-se a proibição de insuficiência parte da proporcionalidade. Esse é o entendimento da grande maioria da doutrina. A opção por, durante a análise dos votos,

admiti-la também como ferramenta ponderativa alheia ao teste da proporcionalidade tem o intuito de garantir maior margem de tolerância para o uso empregado pelo magistrado. O embasamento teórico para tal possibilidade é elucidado na nota de rodapé 27. 25 Esses conceitos serão, também, mais detalhados no tópico 2.2.

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especialmente, nos poucos pontos pacíficos existentes quando se fala do

conceito. Conforme mencionado acima, considera-se, aqui, que eles são: 1)

sua contraposição à proibição de excesso e 2) sua função como controle de

omissões estatais decorrentes de violações a direitos a prestação positiva26.

Outros dois pontos de partida para a elaboração desse critério, dessa vez

baseados nas regras essenciais de argumentação, são: 3) iguais devem ser

tratados como iguais, ao passo que diferentes devem ser tratados como

diferentes e 4) todo fato relevante deve ser considerado para se chegar a

uma decisão final.

A partir desses quatro topoi, foram elaboradas três regras norteadoras

que constituem o que se considerará como um emprego satisfatório da

proibição de insuficiência nas decisões examinadas: i) a proibição de proteção

insuficiente é um juízo ponderativo que analisa necessariamente uma

omissão estatal; ii) as particularidades do caso concreto devem ser levadas

em conta na hora de empregar a ferramenta; iii) o exame das

particularidades do caso não precisa ser tão minucioso caso se deseje decidir

uma demanda alegando que ela é similar a alguma outra já resolvida,

contanto que seja justificado por que ambos os casos merecem ser tratados

como iguais. Evidentemente anotar-se-á outros fatores das decisões que

podem contribuir ou prejudicar a caracterização do emprego conceitual como

de qualidade. Contudo, são esses os principais elementos investigados no

estudo.

Existe outro cenário mais específico que é relevante. Ainda que não

seja unanimidade, a proibição de proteção insuficiente é amplamente

identificada como uma face da proporcionalidade. Caso o ministro faça essa

relação na decisão, serão esperadas duas coisas: primariamente, será

esperada a análise da omissão por meio da aplicação do teste da

proporcionalidade no molde de vedação de insuficiência; caso essa exigência

não seja cumprida, será exigida subsidiariamente, como um mínimo, uma

exposição comparando o nível de afetação de cada princípio colidente (nessa

26 O conceito de direito a prestação positiva é explicado no tópico 2.1.1.

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25

hipótese, será colocada uma ênfase maior ainda na apresentação e

argumentação baseada nas particularidades do caso)27.

2. Conceitos importantes para a compreensão do tema

2.1. Direitos fundamentais

Não há como tratar da vedação de deficiência sem antes dar algumas

breves pinceladas acerca de certos temas de direitos fundamentais dos quais

depende o instituto. Serão abordadas aqui diversas tipologias que auxiliam

na compreensão do conceito.

É, porém, relevante fazer aqui, antes de tudo, um breve

esclarecimento: muito se falará de direitos de defesa, direitos prestacionais,

pretensões, obrigações, deveres, etc. As classificações expostas a seguir têm

como objetivo fazer justamente essas distinções. Há, contudo, um ponto

importante que merece ser tocado. Ao se abrir a Constituição Federal e ver

os diversos direitos fundamentais elencados, deve-se sempre ter em mente

que tais direitos são, antes de tudo, complexos de posições jurídico-

deônticas; isso significa que o direito à saúde, por exemplo, não é somente

um direito a prestações estatais, mas sim um direito composto por diversas

pretensões, liberdades e competências do indivíduo frente ao Estado. Para se

manter no exemplo, dentro do direito à saúde encontram-se pretensões ao

fornecimento de remédios, à construção de hospitais, à edição de leis que

protejam a saúde dos indivíduos, à criação de órgãos de controle e, até, a

27 Conceber a proporcionalidade nesse sentido fraco aproxima-se da primeira lei do sopesamento de Alexy (“quanto mais intensa a interferência sobre o direito fundamental, maiores deverão ser as exigências quanto à importância do objetivo perseguido”. Mais detalhes

no tópico 2.2.3.2.). Essa concepção bebe da fonte de YOUNG (2017), a qual difere o teste escalonado da proporcionalidade do princípio da proporcionalidade; este se assemelharia à lei do sopesamento apresentada. Nesse sentido, a proporcionalidade estaria mais próxima da razoabilidade. Defendendo a separação entre os dois conceitos, cf. SILVA (2002).

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26

que o Estado se abstenha de tomar alguma medida que prejudique a saúde

de um indivíduo28.

Todo direito fundamental é formado por numerosas pretensões do

indivíduo29 contra o Estado e pelas correspondentes obrigações do Estado

frente ao indivíduo30. Essas pretensões vêm em diferentes formas e

tamanhos: podem ser a uma prestação ou a uma abstenção; podem ser a

prestações normativas ou fáticas; podem ser a abstenções de abolir posições

jurídicas ou alterar uma situação de fato, e assim por diante. O importante a

perceber é: a concepção de que o direito fundamental à educação,

tipicamente tido como direito social, equivale simplesmente a um direito a

prestação é demasiado simplista. E o mesmo vale para os direitos

considerados de defesa. Todos eles, na verdade, contêm posições jurídico-

deônticas ativas, relacionadas a abstenções e a prestações. É verdade que o

direito à liberdade de expressão pode conter um maior número de pretensões

a abstenção do que o direito à moradia. Isso não significa, porém, que certas

ações estatais não sejam imprescindíveis para garanti-lo. E o particular tem

o direito de reivindicar tanto tais ações quanto as omissões31.

As diferentes taxologias apresentadas nos tópicos que se seguem

devem ser entendidas dizendo respeito não aos direitos fundamentais como

um todo, é dizer, como complexos de posições jurídico-deônticas, mas sim

28 O exemplo de Jorge Reis Novais é elucidativo: “Assim, podemos, por exemplo, sob a menção

genérica de direito ao ensino, considerar analiticamente o direito a ensino primário gratuito ou o direito ao acesso aos vários graus de ensino, enquanto faculdades ou pretensões, que assumem uma natureza de direitos sociais, tal como podemos, referidas ao mesmo direito global ao ensino, considerar especificamente as liberdades de aprender e de ensinar que, tomadas em si, assumiriam já uma estrutura típica de direitos de liberdade. Mas, podemos também considerar e referirmo-nos ao direito como um todo e qualificá-lo, enquanto tal, como

direito de liberdade ou como direito social consoante consideremos que a dimensão principal

que resulta da norma de direito fundamental é um direito de liberdade ou um direito social. Poderíamos, assim, classificar simplesmente o direito ao ensino como direito social, considerando que, apesar da presença de algumas faculdades particulares identificáveis especificamente como direitos de liberdade, a sua dimensão principal reveste a natureza de direito social”. Citação de NOVAIS (2010), p. 51. 29 Às pretensões somam-se outras posições jurídicas, como as liberdades e competências. 30 Os direitos a prestação já são largamente aceitos no Brasil. Mais que isso, reconhece-se não somente a dimensão objetiva deles, como também sua face subjetiva. Essas considerações

iniciais partiram desse pressuposto: direitos a prestação são reivindicáveis por particulares por serem direitos públicos subjetivos. De qualquer modo, o tema das dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais será abordado ainda no ponto 2.1.4, bem como nas decisões analisadas. 31 Nesse sentido, cf. NOVAIS (2010), p. 123-140, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p.

378-379 e ALEXY (2017), p. 193-253.

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às próprias posições. Ainda que tecnicamente inadequado, a fim de facilitar

a compreensão e a leitura, tomar-se-á “pretensão” como sinônimo de

“direito”, e “obrigação” como sinônimo de “dever”; essas expressões

referem-se a posições deônticas. Pelo contrário, quando se desejar fazer

referência ao direito fundamental como um todo – o “feixe de posições de

direitos fundamentais”, no linguajar de Alexy –, a expressão “direito

fundamental” será usada.

Finda essa introdução, passemos às categorias de pretensões.

2.1.1. Direitos de defesa e direitos a prestação.

Os direitos fundamentais foram originalmente concebidos como formas

de evitar que o Estado interviesse ativamente no âmbito de liberdade dos

indivíduos32. Se entendidos a partir desse prisma, direitos postulam que E

(esfera do Estado) não pode agir de maneira a interferir em I (esfera do

indivíduo)33; eles são os chamados “direitos de defesa”, “direitos negativos”

ou “direitos de resistência”. Deles, emanam posições jurídico-deônticas para

ambas as partes: o Estado tem a obrigação de não intervenção na esfera do

indivíduo, enquanto o indivíduo tem a correlata pretensão de não intervenção

pelo Estado em sua esfera.

Há, porém, uma outra categoria de direitos, que se contrapõe aos

direitos de defesa. Ao invés de vedar uma intervenção de E em I, essa outra

categoria de direitos prescreve uma interferência de E em I. Em outras

palavras, o Estado tem a obrigação de agir positivamente de modo a alterar

alguma situação na esfera jurídica do indivíduo34. Esses são os chamados

“direitos a prestações” ou “direitos a ações positivas”.

Eles são contrários aos direitos de defesa porque o objeto de um

(intervenção) é o oposto do objeto do outro (não intervenção). Eles são,

32 Cf. MENDES; BRANCO (2017), p. 128. 33 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 50. 34 Ibid., p. 52.

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também, complementares aos direitos de defesa, por completarem o feixe de

posições que constitui um direito fundamental. Isso quer dizer, mais uma

vez, que o direito fundamental à vida não impõe ao Estado somente uma

obrigação de não matar, mas também uma obrigação de zelar ativamente

pela vida do indivíduo. Igualmente, o direito fundamental à liberdade religiosa

obriga o Estado a não intervir nas práticas religiosas, bem como a atuar de

maneira positiva no sentido de protegê-las. Por fim, além de abster-se de

cercear a livre iniciativa, o Estado deve agir para garanti-la.

Existe mais uma diferença entre pretensões a prestações e pretensões

a abstenções que merece ser destacada aqui. Direitos de defesa obrigam o

Estado a não interferir na esfera dos privados. Assim, a proibição de

interferência implica uma obrigação de não executar qualquer ato que venha

a destruir, obstruir ou intervir no âmbito protegido pelo direito. Por sua vez,

direitos a prestações obrigam o Estado a interferir na esfera dos privados.

Mas isso não significa que o Poder Público tem o dever de fornecer todas as

prestações que sejam capazes de realizar sua obrigação. Com efeito, na

situação em que o Estado precisa agir para prover um direito, é eleita, entre

o extenso rol de opções aptas a cumprir o dever, apenas uma delas. A fim de

fornecer moradia à população, por exemplo, a administração tem a opção de

construir casas através de licitações, criar uma empresa pública, fornecer

incentivos e subsídios para a construção privada e mais tantas outras saídas

criativas35. Dessas alternativas, basta escolher uma. Nos direitos de defesa,

ao contrário, não se escolhe uma maneira de se abster a intervir; é necessário

o cumprimento de todas as abstenções. Enquanto em um caso se tem o

direito a todas as abstenções, no outro tem-se o direito a somente uma

prestação.

A consequência desse leque de opções oferecidas pelas obrigações

prestacionais é de que não existe uma contradição exata à não prestação, ou

35 O exemplo dado por Alexy é o de prestar socorro a alguém que se afoga: “It may be possible

to save a drowning man by swimming to him, or by throwing him a life raft, or by sending out a boat, but it is not the case that all three acts are simultaneously required. Rather, what is required is that either the first act, or the second, or the third be performed”. A citação é retirada de ALEXY (2009), p. 5.

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seja, à omissão. Enquanto uma ação que viola um direito de defesa tem como

seu contrário a abstenção desse ato, a omissão estatal não conta com um

oposto certo, mas sim com várias alternativas aptas a supri-la36.

O nome dado por Alexy a esse tipo de estrutura dos direitos

prestacionais é estrutura disjuntiva. A ela se contrapõem os direitos de

defesa, que contam com uma estrutura conjuntiva.

2.1.2. Direitos a prestação normativa e direitos a prestação fática

Dentro do grupo dos direitos a prestação, existem mais algumas

subdivisões. Uma dessas subdivisões distingue o direito a uma prestação

normativa do direito a uma prestação fática.

Prestações normativas são efetivadas através da criação de normas

pelo Estado. Quando há uma pretensão a esse tipo de prestação, o Estado

tem a obrigação de editar regras legais a fim de provê-la37. No direito

brasileiro, ressalta-se os Mandados de Injunção e as Ações Diretas de

Inconstitucionalidade por Omissão como ferramentas processuais destinadas

à reivindicação de direitos a prestação normativa.

As prestações materiais fornecem aos particulares bens e serviços

adquiríveis no mercado ou serviços de monopólio estatal, como segurança

pública38. Nesse tipo de prestação, é irrelevante de que maneira o Estado

provê o recurso material ao particular. As prestações normativas, pelo

contrário, só poderão ser reconhecidas como tal se fornecidas através de ato

normativo, como uma lei ou portaria do Executivo39.

2.1.3. Direitos a organização e procedimento, a proteção e sociais

36 Cf. ALEXY (2009), p.5, KLATT; MEISTER (2012), p. 88-89 e BERNAL PULIDO (2004), p. 116. 37 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 53. 38 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 53. 39 Cf. ALEXY (2017), p. 202.

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Outra classificação interna no grupo dos direitos a prestações é aquela

que os distingue em direitos a proteção, direitos sociais e direitos a

organização e procedimento40.

Os direitos a proteção41 são direitos dos indivíduos a que o Estado os

proteja de violações de terceiros, e decorrem de deveres de proteção

(Schutzpflichten)42 destinados ao Poder Público. Esse é o caso, por exemplo,

do direito que o Tribunal Constitucional Federal Alemão conferiu ao nascituro

no caso conhecido como Aborto I43. Nele, foi julgada a constitucionalidade de

uma lei que descriminalizava o aborto feito até o terceiro mês de gravidez.

Ao declarar tal lei inconstitucional, o tribunal reconheceu a existência de um

dever de proteção que impunha ao Estado a tutela do titular do direito. Nessa

situação, a ameaça ao direito fundamental seria proveniente não do Estado,

mas de um terceiro (médicos, mãe, familiares ou amigos da gestante) que

interromperia a gravidez, afetando a esfera jurídica do nascituro44. A

discussão ao redor dos direitos de proteção desde então tem se concentrado,

principalmente, na irradiação que os direitos fundamentais exercem nas

relações entre privados e nos perigos que o desenvolvimento tecnológico

oferece à liberdade individual. O tribunal alemão valeu-se do conceito para

julgar casos relacionados à ameaça da energia atômica, engenharia genética,

poluição, proteção de dados, entre outros45.

40 A distinção é de Robert Alexy e foi feita expressamente com a Lei Fundamental Alemã em mente. Ainda assim, a estrutura dos direitos fundamentais daquela constituição é semelhante o suficiente à estrutura dos direitos fundamentais da constituição brasileira, de modo que essa taxonomia já foi adotada por parte da doutrina nacional. Por exemplo, SILVA (2017), p. 78, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 379. 41 Tendo em mente que o foco deste trabalho são os direitos sociais, a exposição feita sobre os direitos a proteção será breve. Para aprofundamento no tema, cf. RODRIGUES (2009), GRIMM (2005), ALEXY (2017), p. 450-470. 42 Em RODRIGUES (2009), p. 67-68, o autor trata da aproximação entre deveres de proteção (Schutzpflichten) e imperativos de tutela (Schutzgebot). A discussão se dá durante um questionamento acerca da possibilidade de se empregar a proibição de proteção insuficiente em casos de direitos sociais, hipótese contemplada por boa parte da doutrina. Para este

trabalho, considerar-se-á deveres de proteção como sinônimo de imperativos de tutela. Ainda que provenientes de duas palavras diferentes, a diferenciação entre eles não é clara e seu significado é semelhante o suficiente para trata-los como tal. 43 BVerfGE 39, 1. 44 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 121. 45 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 122, GRIMM (2005) e CLÉRICO (2008), p. 127.

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Ainda que os direitos de proteção visem a proteger os indivíduos de

interferências de privados, seu destinatário continua sendo o Estado. Sendo

assim, nenhum privado é obrigado por eles; é o Poder Público que tem o

dever de proteger as esferas de liberdade individuais. Sua efetivação pode se

dar tanto por meio de prestações fáticas quanto através de prestações

normativas46.

Os direitos a organização e procedimento formam a segunda espécie

de direitos a prestações. Entende-se por “procedimento” um conjunto

ordenado de regras e/ou princípios com vistas a atingir um resultado. Essa

definição é propositalmente abrangente. A teoria adotada defende que todo

direito fundamental material tem a si vinculado alguns direitos a organização

e procedimento, que possibilitam a efetivação dele através da estrutura

estatal. Certo trecho proferido pelo Tribunal Constitucional Alemão é

esclarecedor para se tratar da importância desse tipo de direitos: “(...) de

acordo com a concepção da Constituição alemã, uma proteção jurídica efetiva

– que garanta a existência da propriedade – [é] um elemento essencial do

próprio direito fundamental”47.

A última espécie de direitos a prestação são os direitos sociais. Estes

são os direitos que obrigam o Estado a tomar medidas, instituídas por

políticas públicas, que fornecem aos indivíduos – especialmente aqueles mais

necessitados – bens materiais ou imateriais imprescindíveis para uma

vivência digna numa sociedade democrática de fato. As ações fomentadoras

de direitos sociais oferecem recursos comumente obteníveis em mercado,

mas cuja aquisição não está disponível a todos, seja por motivos econômicos,

seja por motivos sociais. A disponibilidade desses bens no mercado significa

ainda que a aquisição deles pelo Estado, para posterior atribuição à

população, é onerosa. Por conta disso48, a escassez dos recursos públicos

46 Cf. ALEXY (2017), p. 451. 47 BVerfGE 24, 367, (401). Retirado de ALEXY (2017), p. 475. 48 Outro motivo, apontado menos frequentemente, para a não realização dos direitos sociais são as estruturas já sedimentadas da máquina estatal, que privilegiam sobretudo direitos

considerados comumente de defesa, tal qual a propriedade, a liberdade de expressão e a privacidade. Assegurar esses direitos fundamentais, ao contrário do que dita o senso comum, demanda prestações estatais onerosas, assim como os direitos sociais (ainda que não necessariamente na mesma intensidade). Não obstante, eles costumam ser concretizados de

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impossibilita a promoção plena de todos os direitos sociais ao mesmo tempo,

pelo menos no contexto brasileiro atual49.

Ainda que muitas vezes tratados como direitos coletivos, deve-se

ressaltar que os direitos sociais continuam sendo individuais. Com isso se

quer dizer que, independentemente de seu caráter social, esses direitos têm

titularidade individual e são exercidos por pessoas individualizadas, não uma

coletividade50.

A prestação dos direitos sociais pode ser proporcionada por bens

materiais ou pela edição de leis51. Isso quer dizer, prestações sociais são

efetuadas tanto por vias fáticas quanto por vias normativas52.

2.1.4. Dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais tidos como de defesa antecederam, de certa

maneira, os direitos fundamentais tidos como a ações positivas. A recepção

destes últimos dentro do rol de normas jusfundamentais criou, porém, um

dilema: seriam eles tão exigíveis quanto os direitos de defesa? Sua concepção

como direitos a um fazer, muitas vezes oneroso, contribuiu para que parte

da doutrina (incluindo aí autores como Carl Schmitt) e da jurisprudência os

concebesse como não vinculantes ao Estado; nesse caso, seriam eles meras

maneira muito mais eficiente pelo Estado, em grande parte por conta das escolhas políticas daqueles que estão (e já estiveram) no poder. Privilegia-se uns em detrimento de outros. Nesse sentido, cf. SILVA (2017), p. 240-244. 49 A descrição de direitos sociais oferecida baseou-se nas seguintes obras: ALEXY (2017), p.

499, DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 52-53 e NOVAIS (2010). 50 Cf. NOVAIS (2010), p. 47 e DIMOULIS; MARTINS, p. 52-53. 51 DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 52-53 e NOVAIS (2010), p. 61-62. 52 Sendo essa espécie de direito caracterizada pela concessão de algum bem ao particular,

pode ser difícil conseguir conceber algum cenário em que um direito social seja concedido através de lei, e não através de prestação material. Mesmo assim, eles de fato existem. Por exemplo, pode-se imaginar um dever estatal de incluir certo medicamento na lista de remédios fornecidos pelo SUS. Mais ainda, gastos estatais referentes ao oferecimento de livros didáticos ou à construção de hospitais devem estar previstos em lei orçamentária. Há, portanto, um

dever do Estado de contemplar os diversos direitos fundamentais (tipicamente tidos como) sociais em seu orçamento, sob pena de ferir o direito dos indivíduos a uma prestação normativa. Nesses casos, a lei serve como meio para o fornecimento fático – o fim –, que verdadeiramente concluirá a prestação social.

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sugestões ou fontes de inspiração53. Havia também aqueles que, seguindo

outra linha, conferiam às obrigações prestacionais caráter vinculante frente

ao Estado e que, contudo, não gerariam as correspondentes pretensões do

indivíduo à prestação. Entre teorias que conferem maior ou menor vinculação

e exigibilidade aos direitos prestacionais, diverge-se acerca das dimensões

subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.

A dimensão subjetiva origina-se, primeiramente, na função clássica

dos direitos fundamentais, que veda a intervenção estatal no âmbito de

liberdade dos indivíduos. É ela que conferia ao sujeito a pretensão de resistir

às intervenções do destinatário do direito fundamental (o Estado), bem como

a competência de produzir efeitos sobre determinadas relações jurídicas54 e

liberdades fundamentais. Hoje em dia, a dimensão subjetiva mantém sua

função. Contudo, houve alterações importantes relativas à dogmática dos

direitos fundamentais. A emergência dos direitos fundamentais tidos

tipicamente como prestacionais trouxe consigo a indagação: são esses

“novos” direitos também exigíveis frente ao Estado55? A polêmica ainda não

foi completamente dirimida, mas, pelo menos no contexto brasileiro, a

resposta tipicamente encontrada é afirmativa56. Os direitos sociais, assim

como os direitos a resistência, são reivindicáveis pelos indivíduos frente Poder

Público57.

A dimensão objetiva do direito fundamental, por seu lado, emana um

dever estatal de fomentar o direito – seja através de ações, seja através de

abstenções – que, ao contrário do aspecto subjetivo, independe da saída da

inércia pelo titular58. Isso significa, do ponto de vista axiológico, que o Estado

se guia, a todo momento, pelos valores subjacentes aos direitos

fundamentais; já da perspectiva deôntica, quer dizer que o Estado é detentor

de posições jurídicas passivas – como obrigações, sujeições e não liberdades.

53 Cf. BERNAL PULIDO (2004), p. 118-121. 54 Cf. MENDES; BRANCO (2017), p. 153 55 Uma exposição clara de diversas posições a respeito do tema é feita em BERNAL PULIDO (2004). 56 Nesse sentido, cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 117, MENDES; BRANCO (2017), p. 153, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 644. 57 Cf. SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 371-373. 58 DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 117

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Essa face dos direitos fundamentais acaba por representar valores objetivos

axiológicos do sistema jurídico, que se projetam através de toda a

Constituição e norteiam a atividade pública e a coletividade59. Neles se

cristaliza a “expressão normativa do conjunto de valores básicos de uma

sociedade”60.

As dimensões subjetiva e objetiva não jogam um jogo de soma-zero,

ou seja, uma não se fortalece na medida em que a outra se enfraquece. Pelo

contrário, elas são complementares entre si, de modo a formar o todo de um

direito fundamental, a sua dupla-função. Cada uma serve para evidenciar

funções que os direitos fundamentais cumprem na sua concepção atual, qual

seja, a de normas regentes do Estado Democrático de Direito. A dimensão

subjetiva enaltece a parte relativa ao detentor do direito fundamental, o

indivíduo, ao mesmo tempo que a face objetiva exalta a vinculação e

participação estatal61.

Robert Alexy, em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, elabora uma

tabela que auxilia na compreensão das funções exercidas pelas duas

dimensões dos direitos fundamentais. A tabela ora apresentada é uma

variante mais simples – porém não menos didática – da versão original62.

Tabela 1

Uma norma vinculante é aquela cuja violação seria passível de análise

pela corte constitucional; uma norma não vinculante é aquela cuja violação

59 DO VALE (2006), p. 186. 60 Idem. 61 DO VALE (2006), p. 187. 62 Tabela retirada de ALEXY (2017), p. 501. Abaixo à linha referente às faces subjetiva e objetiva, existe na versão original ainda mais uma linha, com duas colunas para cada dimensão, que as divide em direitos prima facie e direitos definitivos. Estes, que oferecem

proteção mais intensa, formam a estrutura das regras; aqueles, que protegem menos intensamente, formam a estrutura dos princípios. Optou-se por omitir esse detalhamento a fim de simplificar a exposição.

Vinculante Não-vinculante

Subjetivo (1) Objetivo (2) Subjetivo (3) Objetivo (4)

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não seria passível de análise pela corte constitucional; uma norma com

dimensão objetiva é aquela pela qual o destinatário da norma estaria

obrigado, ainda que seu titular não tivesse capacidade de pleitear seu

cumprimento; uma norma com dimensão subjetiva é aquela pela qual o

destinatário estaria vinculado e que conferiria ao titular a pretensão de exigi-

la frente ao destinatário.

O nível de proteção mais forte é conferido por um direito vinculante e

que conta com dimensão subjetiva (posição (1)), porque ele é exigível por

seu titular numa corte constitucional. O direito de posição (2) é vinculante e

conta somente com dimensão objetiva, ou seja, ainda que não possa ser

exigido juridicamente por seu titular, ele obriga o Estado a agir conforme seus

mandamentos. O nível de proteção mais fraco é conferido por um direito não

vinculante e detentor somente de dimensão objetiva (posição (4)). Um direito

com essas características seria unicamente moral, e criaria somente uma

obrigação para o destinatário. Qual exemplo, então, melhor representa os

direitos sociais, parcela do objeto de estudo deste trabalho?

2.1.4.1. A exigibilidade dos direitos sociais

Como mencionado anteriormente, o debate sobre em que medida se

pode exigir algum direito social do Estado é extenso e tortuoso. Carlos Bernal

Pulido, em artigo de 2004, expôs cinco concepções diversas sobre o grau de

exigibilidade desses direitos63. Essa sistematização será usada aqui – de

maneira ligeiramente simplificada64 – para uma breve explanação.

63 Cf. BERNAL PULIDO (2004), p. 117. 64 Ao explicar o entendimento dos direitos sociais como detentores de dimensão subjetiva, Bernal Pulido fez ainda a diferenciação entre eles como direitos definitivos e direitos prima facie. A concepção de direitos sociais como direitos prima facie os conceberia como emanados de princípios, enquanto a visão deles como direitos definitivos os teria como emanados de regras, de acordo com a divisão alexyana. Bernal Pulido acredita que o entendimento mais

correto acerca da estrutura dos direitos sociais os concebe como direitos prima facie. Essa diferenciação não será detalhada aqui, primeiramente porque a distinção entre direitos prima facie e direitos definitivos não foi feita, e também porque ela não é necessária para se ilustrar a dimensão subjetiva dos direitos sociais.

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A primeira concepção de direitos sociais nega que eles tenham caráter

vinculante (ao mesmo tempo que o reconhece no caso dos direitos de

defesa). Eles seriam, nas palavras do autor, disposições programáticas65 de

natureza política, não jurídica. O direito social positivado no Constituição,

então, serviria como mera fonte de inspiração para o legislador, que poderia

optar por agir de forma a promovê-lo ou não. Nenhum dever ou pretensão

jurídica – sequer uma legítima expectativa do indivíduo – poderia emanar

desse tipo de direito. A função exercida pelo direito social constitucional seria

de simples ferramenta argumentativa para a restrição de liberdades. Diante

do exposto, a primeira concepção de direitos sociais aproxima-se da posição

(4) da Tabela 166.

Na segunda concepção apresentada, os direitos sociais obrigam

constitucionalmente o legislador a agir de forma a promovê-los, ainda que

não gere pretensões aos indivíduos. Não obstante, por conta da estrutura dos

direitos sociais como norma de programação final (deve-se atingir o objetivo

A e, portanto, adotar-se o meio B1 ou B2 ou B3 etc.67), somente as instâncias

políticas – legislatura e administração – teriam a legitimidade para deliberar

acerca de como e quando alcançar esses direitos. A vinculação do Legislador

à perseguição do direito estaria condicionado ao nível de abstração ou

65 Cf. BERNAL PULIDO (2004), p. 118-121. Há aqui uma ressalva a ser feita. É comum no direito brasileiro o uso da expressão “programática” para definir normas de direitos fundamentais. Contudo, nessa acepção corrente, a norma programática ainda é entendida como vinculante e geradora de pretensões individuais. Não se deve confundir o termo usado pelo autor com o significado que a mesma palavra tem na prática jurídica brasileira. 66 Uma das razões usadas pelos defensores dessa primeira concepção seria a de que direitos

sociais são imprecisos na hora de definir que ações devem ser tomadas pelo Poder Público a fim de promove-los. Em resposta a essa justificativa, Bernal Pulido traça considerações relevantes, relativas às (não) diferenças entre direitos sociais e direitos de defesa, bem como quanto ao lugar do Judiciário na efetivação dos direitos sociais: “Todas las disposiciones que

establecen los derechos en una constitución son indeterminadas, em el sentido de que no especifican con claridad el conjunto de las prohibiciones, mandatos, permisos y competencias que prescriben. Esta indeterminación normativa afecta tanto a las libertades, como a los

derechos políticos, sociales, procesales y al derecho a la igualdad. Y es por causa de esta indeterminación que frente a todos los derechos fundamentales (...) la lucha ideológica se desplaza desde el ámbito de la política hacia la interpretación constitucional, y por consiguiente, desde el Parlamento hacia los Tribunales Constitucionales. Por esta misma razón, estos tribunales asumen competencias extrañas a las concepciones clásicas del poder judicial y ajenas a los modelos originales sobre la jurisdicción constitucional. Abandonan su papel ideal

como legisladores negativos y se convierten em verdaderos legisladores positivos”. Trecho retirado de BERNAL PULIDO (2004), p. 116. Nesse mesmo sentido, cf. NOVAIS (2010), p. 141-155. 67 Cf. BERNAL PULIDO (2014), p. 122.

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concretude que a norma constitucional apresentasse. A inércia do legislador

só poderia ser controlada pelo Judiciário em casos pontuais68. Remetendo à

Tabela 1, esse segundo entendimento representa uma versão fraca da

posição (2). Existiria vinculação jurídica do Estado frente ao direito social,

mas não apenas o indivíduo não poderia reclamá-lo, como também a ampla

margem de discricionariedade do legislador e da administração limitaria o

poder de controle judicial.

A teoria dos direitos sociais como mandados jurídicos objetivos

reafirma a vinculação do Poder Público a eles, sem ainda conferir aos

indivíduos a capacidade de reivindica-los judicialmente. Esse modelo defende

que a concreção das normas de direitos sociais deve ser feita por via

legislativa, e por isso os tribunais não poderiam deduzir pretensões

individuais delas; já que a constituição não define um meio determinado para

efetivar o direito, este direito não é reivindicável. No entanto, o problema da

indeterminação dos meios tem aqui uma outra solução. A prescrição

constitucional nesta terceira visão, ao contrário da anterior, seria um

mandado objetivo ao qual o legislador estaria estritamente vinculado. Ainda,

haveria uma proibição à omissão estatal, compreendida como omissão

também a adoção de meio demasiadamente não efetivo. Por último, uma

medida legislativa já implementada, que fomentasse um direito social, estaria

protegida de qualquer supressão que apequenasse o nível de proteção do

direito a um patamar equivalente ao da “desatenção grosseira”69. Valendo-se

da Tabela 1, essa concepção de direitos sociais seria um exemplo de versão

forte da posição (2).

Finalmente, a quarta e última concepção de direitos sociais reconhece

neles a existência de uma relação triangular entre titular–objeto–

68 Ibid., pg. 122-127. 69 Ibid., p. 127-133. O autor traça severas críticas à lógica desse modelo – defendido pelo ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal Alemão Ernst-Wolfgand Böckenförde –, em especial à figura do “mandado jurídico objetivo”. Para ele, a introdução da lógica-deôntica à seara dos

direitos sociais é bem-vinda, mas feita de maneira contraditória: como poderia haver uma relação de direito sem que houvesse um titular, apenas um destinatário e um objeto? E mais, uma vez feitas as proibições de retrocesso e “desatenção grosseira”, de que maneira o mandado jurídico objetivo diferiria dos direito subjetivos, pleiteáveis frente ao Judiciário?

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destinatário. É dizer que, nessa visão, os direitos sociais conferem aos seus

titulares posições jurídicas ativas frente ao destinatário, ou seja, conferem

aos indivíduos pretensões, liberdades e competências perante o Estado. Dá-

se um passo além da ideia defendida anteriormente de que existiria somente

uma obrigação estatal, ao afirmar que tal obrigação seria complementada por

uma pretensão70. Na Tabela 1, a ideia de direitos sociais como direitos

subjetivos equivale à posição (1).

A proibição de insuficiência pressupõe que direitos prestacionais –

como os direitos sociais ou a proteção – sejam judicializáveis. Por isso, o grau

de exigibilidade deles tem de ser, no mínimo, equivalente à posição (2) da

Tabela 1, ou seja, é necessário que possa haver um controle judicial de

omissões estatais para valer-se da vedação de deficiência. Em termos

deontológicos, isso equivale a dizer que o direito prestacional deve contar

com, no mínimo, uma dimensão objetiva, que obriga o Estado a fomentá-lo.

É claro que, no caso de haver concomitantemente uma dimensão subjetiva

(posição (1)), que confere pretensão jurídica ao titular, também é possível o

controle por meio da proibição de deficiência. Como se verá adiante, já é

amplamente reconhecido que os direitos sociais detêm, de fato, essas duas

faces.

2.2. A proibição de insuficiência

Uma vez feita a exposição sobre alguns temas de direitos fundamentais

relevantes para a presente pesquisa, chega a hora de tratar do principal

conceito para nossa análise: a proibição de proteção insuficiente

(Untermassverbot). Este tópico será dedicado para apresentar mais

detidamente o instituto da vedação de insuficiência a partir de variadas

referências doutrinárias para, então, investigar de que maneira ele é

empregado pelo STF.

70 Ibid., p. 133.

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2.2.1. Relembrando o imperativo de tutela e os direitos a proteção

A apresentação dos direitos a proteção – feita no tópico 2.1.3 – é

especialmente importante. Como abordado anteriormente, os direitos

prestacionais de proteção decorrem de uma obrigação estatal diversa daquela

concebida pelas teorias clássicas dos direitos fundamentais, que tinham como

foco a abstenção. Essa espécie de direitos tem como origem o dever estatal

de proteger os indivíduos de ataques, praticados por terceiros, à sua esfera

jurídica.

A ideia de deveres de proteção é decorrente de uma concepção de

direitos fundamentais que, para além de seu caráter deontológico, possuem

uma dimensão axiológica. É dizer, direitos fundamentais não apenas definem

o que se deve ou não fazer, por exemplo, mas também apontam, a partir de

uma ordem objetiva de valores71, aquilo que é valioso e bom72. Essa face

axiológica dos direitos fundamentais se espraia por todas as esferas do

direito, de modo que é indevido um entendimento do ordenamento jurídico

apartado desses valores. Daí a incidência dos direitos fundamentais, também,

nas relações privadas; ainda que, a princípio, o Estado não se envolva nelas,

não se poderia deixar essa área do direito alheia aos valores constitucionais

que norteiam todo o sistema jurídico. Note-se, porém, que mesmo admitindo

a radiação dos direitos às relações privadas, a única parte obrigada por eles

continua sendo o Estado73, que tem o dever de tutelar os titulares dos direitos

de ameaças provenientes de terceiros.

71 O termo ordem objetiva de valores aparece em RODRIGUES (2009), p. 8, que atribui sua origem ao caso Lüth (BVerfGE 7, 198). 72 Para mais acerca da distinção entre conteúdo deontológico e axiológico, cf. DO VALE (2006). Um exemplo didático usado por ele é o do direito à vida. Ao mesmo tempo que deste direito emana um enunciado como “Não se deve matar” (face deontológica), também é possível extrair um enunciado de outro tipo, como por exemplo “A vida é um bem valioso” (face

axiológica). Cf. Ibid, p. 180. 73 Em DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 121, afirma-se que os deveres de proteção são cumpridos, principalmente, pelo Legislativo. Rodrigues (RODRIGUES (2009), p. 9) oferece uma justificativa para essa constatação: “(...) os riscos e lesões a particulares que o Estado se

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2.2.2. Gênese da proibição de insuficiência

O aprofundamento acerca dos imperativos de tutela foi necessário

porque é a partir deles que se origina a proibição de proteção insuficiente. A

criação do termo é de 1984 e atribuída ao privatista Claus-Wilhelm Canaris

que, ao versar sobre a irradiação dos direitos fundamentais sobre a relação

entre particulares, se valeu do papel exercido pelos deveres de proteção para

cunhar o conceito.

A proibição de insuficiência estaria contraposta à proibição de excesso.

Figura amplamente reconhecida, a proibição de excesso seria uma forma de

controle de intervenções estatais na esfera dos privados, efetuada por meio

de proporcionalidade. O debate travado rondava a possibilidade de normas

de direito privado poderem violar direitos fundamentais por serem demasiado

interventivas no âmbito dos indivíduos ou se, pelo contrário, teriam elas o

dever único de vedar omissões estatais. Em outras palavras: era unânime a

opinião de que direitos fundamentais impunham deveres de proteção ao

Estado; questionava-se, porém, se eles também poderiam, através da

proibição de excesso, vedar intervenções exageradas provenientes de leis de

direito privado74.

Ao responder de maneira afirmativa ao questionamento, Canaris

imaginou uma zona de conformidade na qual todas as normas de direito

privado deveriam estar. Essa zona seria constituída por um limite superior e

um limite inferior. Caso a Lei X fosse insuficientemente protetiva de certo

direito fundamental, ela estaria abaixo do limite inferior de conformidade e

seria, portanto, inconstitucional; ao avesso, caso a Lei X interviesse

obriga a proteger nascem de um grupo de outros particulares que, nesta condição, são titulares de direitos fundamentais – nomeadamente de direitos de defesa. Assim, não fica difícil ver que o cumprimento de deveres estatais de proteção não-raro implica restrições a liberdades garantidas pelo mesmo Estado. Contudo, se não pode “restringir

demais” os direitos de defesa atingidos, tampouco poderia “proteger de menos” os direitos de seus titulares a proteção. O Estado, à luz de deveres de proteção, ocuparia posição de garante frente aos cidadãos”. 74 CANARIS (2009), p. 32-37.

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excessivamente em certo direito fundamental, ela estaria acima do limite

superior de conformidade e seria, igualmente, inconstitucional. Entre o limite

inferior e o limite superior restaria a zona de conformidade, constitucional

porque respeitosa aos direitos fundamentais. O legislador poderia criar leis

somente que se encontrassem nesse espaço de conformação constitucional75.

Ainda que a teoria fosse relativamente simples, restava a pergunta essencial:

ora, como aferir quais seriam os limites inferior e superior? Para encontrar o

limite superior, existia a proibição de excesso. Para encontrar o limite inferior,

criou-se a proibição de proteção insuficiente76.

A primeira aparição da vedação de insuficiência em decisões judiciais

foi no caso Aborto II77, julgado pelo Corte Constitucional Federal Alemã em

1993, no qual foi revisto o veredito do caso Aborto I. Nele, foram adaptados

critérios da proporcionalidade na sua vertente da proibição de excesso – tais

quais importância dos direitos em questão, probabilidade de interferência

neles e intensidade de interferência neles – para a análise de uma omissão

estatal78.

2.2.3. Proporcionalidade e proibição de insuficiência

Apesar de haver quem defenda a potencial dissociação entre proibição

de deficiência e proporcionalidade79, o fato da vedação de insuficiência ter

sido concebida como uma contraparte da proibição de excesso comunga para

a aproximação dos dois conceitos. De fato, tanto a doutrina80 quanto a

75 Ibid., p. 34-35 e DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 127. 76 Ibid., p. 59-64. 77 BVerfGE 88, 203 (254). 78 Cf. GRIMM (2005) e RODRIGUES (2009), p. 11. 79 RODRIGUES (2009), p. 35-36. 80 Identificando a proibição de insuficiência como uma das faces da proporcionalidade, cf.

SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 409-413, DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 127, ALEXY (2009), p. 11-12, CANARIS (2009), CLÉRICO (2008), GRIMM (2005), SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 392, KLATT; MEISTER (2012), p. 97, LAURENTIIS (2017), p. 96 e BERNAL PULIDO (2007), p. 806-807.

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jurisprudência81 são taxativas nesse sentido. Mas o que isso significa? Antes

de avançar no assunto, será feita uma breve introdução à proporcionalidade.

2.2.3.1. Proporcionalidade em sentido amplo

O conceito de proporcionalidade no direito constitucional está longe de

ser assunto pacífico, não obstante a hegemonia que ele tem hoje no mundo

jurídico82. Não há unanimidade acerca de sua estrutura, eficiência, emprego,

segurança, fundamento ou racionalidade. Ainda assim, é possível traçar

elementos básicos que definem a proporcionalidade e que constituem um

conteúdo mínimo que permeiam todos seus diferentes modelos. Por isso,

afirma-se que a proporcionalidade é um método decisório racional e

estruturado, que fornece uma base argumentativa para a restrição de direitos

fundamentais pelo Poder Público. Ou seja, a proporcionalidade visa a conferir

racionalidade ao encargo estatal de restringir direitos fundamentais83. Tal

afirmação parte do pressuposto que direitos fundamentais não são absolutos

e, a depender de cada caso concreto, precisam sofrer limitações para que

algum outro fim legítimo seja atingido.

Não obstante ser defensor de uma concepção de direitos fundamentais

e proporcionalidade que destoa em grande medida do mainstream jurídico

brasileiro, Lucas Catib de Laurentiis é esclarecedor ao afirmar que “(...) os

direitos fundamentais são (...) normas de segundo grau, que distribuem

cargas de argumentação e possibilidades de legitimação entre ação

interventiva e a situação protegida juridicamente”84, para, então, completar

“(...) a proporcionalidade nada mais é do que um instrumento voltado a aferir

a justificação da intervenção estatal”85.

81 Além do já mencionado caso Aborto II, no qual foram adaptadas partes do teste da proibição de excesso, a jurisprudência do STF também largamente reconhece a conexão entre proibição de insuficiência e proporcionalidade. Nesse sentido, cf. RODRIGUES (2009), p. 35-36. 82 Cf. KLATT; MEISTER (2012), p. 1-3 e GARDBAUM (2017), p. 221-222. 83 Cf. BARAK (2012), p. 2-4, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 409, BERNAL PULIDO

(2007), p. 81 e DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 177. 84 LAURENTIIS (2017), p. 59. 85 Idem. Categorizar a proporcionalidade como tão somente “instrumento voltado a aferir a justificação da intervenção estatal” não é compatível com os pressupostos da proibição de

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Outro aspecto da proporcionalidade importante para este trabalho é a

sua caracterização. Já vêm de longa data as ressalvas no sentido de que sua

denominação mais comum, o “princípio da proporcionalidade”, apresenta de

maneira inadequada o caráter do instituto. Isso se dá porque os princípios,

segundo o entendimento moderno, são normas que prescrevem

mandamentos de otimização, que podem ser realizados em maior ou menor

medida, a depender das condições fáticas e jurídicas de cada caso. Regras,

por sua vez, postulam determinações com mandamentos definitivos, cuja

concretização não se pode dar parcialmente, mas somente na forma tudo ou

nada. Isso significa que, segundo essa concepção, as regras só podem ser

cumpridas em sua totalidade ou não cumpridas, enquanto os princípios

admitem gradação na realização do fim prescrito. Os conflitos entre regras

são resolvidos por cláusulas de exceção, aferição de hierarquia entre elas ou

pelos já conhecidos adágios lei posterior derroga lei anterior e lei específica

derroga lei geral. Conflitos principiológicos, no entanto, devem ser dirimidos

através de uma ponderação entre eles, de modo a avaliar a precedência de

um princípio sobre o outro no caso concreto, sem que qualquer um seja

declarado inválido86. Essa ponderação, finalmente, é uma das parte da

proporcionalidade. A maioria das normas de direitos fundamentais teriam

estrutura de princípios, ou seja, de mandamentos de otimização87.

É compreensível, então, o problema de entender a proporcionalidade

como princípio. Se ela é uma ferramenta usada justamente para resolver

colisões entre princípios, como pode ser a própria também um princípio?

Alexy já alerta que:

“A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em

sentido estrito [os três subtestes que compõem a

proporcionalidade] não são sopesadas contra algo. Não se

proteção insuficiente, que partem da premissa que a proporcionalidade pode justificar não só intervenções, como omissões estatais. Ainda assim, é valiosa a citação de Laurentiis para o esclarecimento acerca da função da proporcionalidade. 86 Cf. ALEXY (2017), p. 90-94. 87 Cf. BOROWSKI (2000). Para uma concepção diversa, que identifica os direitos fundamentais não como princípios, mas como regras derivadas do sopesamento entre princípios, cf. BARAK (2012), p. 39-42.

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pode dizer que elas às vezes tenham precedência, às vezes

não. O que se indaga é, na verdade, se as máximas parciais

foram satisfeitas ou não, e sua não-satisfação tem como

consequência uma ilegalidade. As três máximas parciais

devem ser, portanto, consideradas como regras”88.

Fugindo do binômio regra-princípio, Humberto Ávila sugeriu a

caracterização da proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo,

ou seja, uma norma que estabeleceria como aplicar outras normas89;

Laurentiis, por sua vez, preferiu a expressão “prova da proporcionalidade”90,

enquanto Dimoulis e Martins utilizam “critério da proporcionalidade” em seu

livro91. Não se adotará aqui uma posição preferida. O intento dessa exposição

foi salientar a diferença ontológica entre a estrutura da proporcionalidade e

a estrutura dos princípios. Estes devem ser realizados na maior medida

possível, considerando os aspectos fáticos e jurídicos; aquela é uma

ferramenta usada para resolver conflitos entre princípios. Essa distinção é

importante para a análise das decisões do STF que (supostamente)

empregaram o instituto da proibição de insuficiência.

2.2.3.2. Proibição de excesso (Übermassverbot)

Por muito tempo, a proibição de excesso foi tomada como sinônimo de

proporcionalidade92. Jorge Reis Novais, por exemplo, em seu tratado sobre

restrições a direitos fundamentais, substitui o termo proporcionalidade por

88 Citação retirada de ALEXY (2017), p. 117, nota de rodapé 84. A observação entre colchetes é nossa. Entendimento semelhante em SILVA (2017), p. 168-169. 89 Cf. ÁVILA (2009), p. 88. 90 Cf. LAURENTIIS (2017). 91 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 177-178. 92 Cf. SILVA (2002), p. 26.

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proibição de excesso93, ainda que reconheça a existência de uma proibição

de proteção insuficiente, que se contrapõe à de excesso94.

Essa identificação ocorria porque a proporcionalidade, como concebida

e aplicada durante a maior parte de sua existência, era ferramenta usada

para medir unicamente a constitucionalidade de intervenções do Estado sobre

a esfera dos particulares. Em outras palavras, a proibição de excesso é

instrumento utilizado para verificar a constitucionalidade de violações estatais

sobre direitos de defesa. Usada nesse sentido, analisa-se se uma medida

estatal positiva – voltada à promoção de um bem jurídico X – intervêm

proporcionalmente no direito fundamental Y do indivíduo. Com o

desenvolvimento da proibição de proteção insuficiente, não mais é próprio

identificar a proporcionalidade e proibição de excesso como sinônimas.

Os testes de proporcionalidade – como proibição de excesso e como

proibição de proteção insuficiente – têm como marca distintiva suas várias

fases encadeadas e estruturadas de modo a averiguar quão justificável foi a

violação ao direito fundamental, frente à Constituição. Quais são e no que

consistem essas fases, porém, é matéria controvertida.

O modelo de proibição de excesso mais popular na América Latina e,

consequentemente, no Brasil é aquele com três sub-regras95: a) adequação,

b) necessidade e c) proporcionalidade em sentido estrito. Ainda assim, essa

divisão está longe de ser unânime. É possível, por exemplo, dividir o subteste

da adequação – que visa a aferir a legitimidade do fim promovido pela

intervenção estatal e quão apta essa intervenção está a fomenta-lo – em dois

subtestes, justamente: a) legitimidade do fim promovido e b) conexão

racional. Nessa versão, a proibição de excesso é composta por quatro sub-

93 Cf. NOVAIS (2003), p. 731. Além dos clássicos subtestes da proporcionalidade, o autor ainda encaixa sob a alcunha de proibição de excesso outros termos, como razoabilidade e determinabilidade. A palavra proporcionalidade para ele, então, fica reservada somente para a terceira fase do teste, comumente conhecida como “proporcionalidade em sentido estrito”. 94 Ibid., p. 77-79. 95 Cf. SILVA (2017), ALEXY (2017), BERNAL PULIDO (2007), NOVAIS (2003), ÁVILA (2009),

SARMENTO; SOUZA NETO (2012), SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), MENDES; BRANCO (2017) e CLÉRICO (2008). LAURENTIIS (2017) também adota três as mesmas subregras para o teste, mas sua teoria dos direitos fundamentais e, consequentemente, da proporcionalidade, é tão diversa dos autores citados que vale mencioná-lo apartadamente.

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regras96. Há também quem a conceba somente com dois subtestes: a)

adequação e b) necessidade. Nesta última variante, a proporcionalidade em

sentido estrito – fase em que tipicamente ocorre a ponderação – é preterida.

Por ser a versão mais utilizada no Brasil – inclusive pelo STF –, apresentar-

se-á aqui como padrão a proibição de excesso composta por três sub-regras.

Elas devem ser aplicadas na sequência apresentada e, no caso da medida

estatal em questão falhar em algum dos testes, não é necessário passar para

o próximo97; a intervenção é inconstitucional. A exposição que se segue busca

apresentar um panorama geral da estrutura da proibição de excesso,

estrutura essa que, como se verá adiante, pode ser em grande parte

aproveitada pela proibição de insuficiência.

O primeiro subteste é o da adequação. Nele, averígua-se, com base

em fatos empíricos, se a medida estatal interventiva é apta a fomentar o fim

a que ela se propõe. É analisada também a legitimidade constitucional desse

fim98. Caso ela seja constitucionalmente legítima e apta a promover o fim

almejado, deve ser considerada adequada. Passa-se, então, à próxima sub-

regra.

O segundo subteste é o da necessidade. A primeira coisa a se ter em

mente é que o exame de necessidade é um teste comparativo. Nele, a medida

interventiva em questão é contraposta com diversas outras medidas

alternativas que seriam capazes de fomentar o mesmo fim constitucional.

96 Cf. BARAK (2012), KLATT; MEISTER (2012) e GARDBAUM (2017). Há uma variante do modelo com quatro subtestes, que é o proposto em DIMOULI; MARTINS (2014). Nele, deixa-se de lado a proporcionalidade em sentido estrito e desmembra-se a subregra da adequação (como tipicamente entendida) em três subregras. O resultado final é o seguinte: a) licitude do propósito perseguido, b) licitude do meio utilizado, c) adequação do meio utilizado e d)

necessidade do meio utilizado. Essa versão é a que mais diverge da proporcionalidade como entendida no direito brasileiro, já que, pretensamente, não ocorre ponderação em nenhuma fase. Nesse sentido, o modelo proposto por Dimoulis e Martins mais se aproxima daqueles em que existem apenas dois subtestes. 97 Em CLÉRICO (2018), p. 34, advoga-se que o uso da proporcionalidade para direitos sociais

seja cumulativa, é dizer, onde a falha em um subteste não implique a falha em toda a proporcionalidade. Essa versão teria como benefício um ganho de racionalidade, já que todos os argumentos – relativos a todos os subtestes – teriam de ser considerados, ao invés de simplesmente acabar o julgamento se um dos subtestes não for satisfeito. 98 Cf. SILVA (2017), p. 169-170, CLÉRICO (2008), p. 129-133 e BERNAL PULIDO (2007), p. 693. Como dito anteriormente, alguns autores dividem os dois passos da subregra da adequação, quais sejam, aferir a legitimidade do fim e aferir se o meio é apto a fomentar o fim, em duas subregras independentes. Por todos, cf. KLATT (2014), p. 27-28.

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São traçados, então, para cada uma das opções postas – tanto a medida

efetivamente analisada quanto suas alternativas hipotéticas –, o nível de

interferência sobre o direito fundamental que cada uma implicaria, bem como

a intensidade em que a medida conseguirá promover o fim almejado. Ou seja,

para cada alternativa, atribui-se duas grandezas: o seu nível de interferência

sobre o direito fundamental e a intensidade com que ela fomentará o fim

constitucional. O ato estatal escrutinado será necessário caso “a realização

do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade,

por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental

atingido”99. Isso significa que

“em primeiro lugar, o meio efetivamente empregado

deve fomentar ou promover o objetivo almejado, no mínimo,

na mesma medida em que o teria feito o meio alternativo. Em

segundo lugar, pode o meio efetivamente empregado levar,

no máximo, a uma interferência tão intensa sobre o princípio

constitucional restringido quanto o emprego – hipotético – do

meio alternativo. Assim sendo, para a aferição da

necessidade, é preciso determinar e – conforme o caso –

comparar os efeitos do meio alternativo hipotético e do meio

efetivamente empregado, tanto no que se refere à persecução

do objetivo legítimo quanto à restrição do princípio

constitucional”100.

Caso exista medida alternativa que promova o fim almejado e

intervenha no direito fundamental nos mesmos graus que o ato estatal em

análise, prestigia-se a opção do legislador, que optou por uma das várias

alternativas possíveis. Uma vez confirmadas todas essas exigências, é

possível afirmar que a medida estatal interventiva é necessária101. Chega a

hora de aplicar o último subteste.

99 Citação retirada de SILVA (2017), p. 171. 100 Citação retirada de KLATT (2014), p. 29. 101 Cf. BERNAL PULIDO (2007), p. 740-742.

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A proporcionalidade em sentido estrito, consistente numa ponderação

entre o direito fundamental e o fim almejado, é a sub-regra mais polêmica

da proporcionalidade. Não são poucas as críticas relativas a uma

subjetividade demasiada e suposta irracionalidade do sopesamento, bem

como à ameaça que ela representa à separação de poderes102. Não obstante,

a proporcionalidade em sentido estrito faz parte da maioria dos modelos de

proibição de excesso. Nela, parte-se da ideia central de que restrições a um

princípio devem ser proporcionais à intensidade com que se promove o

princípio colidente. Em outras palavras, no que ficou conhecido como a

primeira lei do sopesamento de Alexy, “quanto mais intensa a interferência

sobre o direito fundamental, maiores deverão ser as exigências quanto à

importância do objetivo perseguido”103. O subteste da proporcionalidade em

sentido estrito pode ser divido em três momentos diferentes: primeiramente,

averígua-se o nível de interferência que recai sobre o direito fundamental no

caso concreto; depois, apura-se qual a intensidade de fomento do fim

constitucional no caso concreto promovido pela medida interventiva;

finalmente, contrapõe-se ambas as grandezas, a fim de emitir um juízo

acerca da proporcionalidade entre afetação do direito fundamental e

promoção do fim almejado104.

Paralelamente à intensidade de interferência ao direito fundamental no

caso concreto, certas variações da ponderação costumam levar em conta

também o valor abstrato do direito fundamental. Nas palavras de Klatt, “O

peso abstrato é o significado que o princípio possui independentemente do

caso concreto. Quanto maior for o peso abstrato, maior será a chance de o

princípio sobrepor-se, no sopesamento, diante de um princípio colidente”105.

O peso abstrato altera a dinâmica de distribuição do ônus argumentativo, ao

102 Cf. MARTINS (2003), p. 36-37 e DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 221-227, que apresentam outras objeções à proporcionalidade em sentido estrito além das duas mencionadas. Boa parte delas é retrucada em KLATT (2015), KLATT; MEISTER (2012), p. 45-73, SILVA (2011-B) e ALEXY (2017), p. 575-627. 103 Citação retirada de KLATT (2014), p. 31-32. 104 Idem. Com o intuito de ser claro e sucinto, este trabalho não tratará de detalhes da ponderação como a Fórmula Peso, as justificações interna e externa ou as discricionariedades estrutural e epistêmica. Sobre esses temas, cf. BARAK (2012), KLATT; MEISTER (2012). 105 Ibidem, p. 34. Para mais acerca dos pesos abstratos dos princípios, cf. KLATT; MEISTER

(2012), 30-38.

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dar preferência a um dos princípios colidentes; é necessário um maior esforço

argumentativo para o outro princípio prevalecer. A atribuição de intensidade

à promoção e afetação de princípios costuma ser levada a cabo com o auxílio

de uma escala triádica, que classifica as interferências e importâncias nos

níveis leve, moderado e sério. Proporcional em sentido estrito é aquela

intervenção cujo nível de fomento do fim é maior ou igual ao nível de afetação

do direito fundamental. Uma vez chancelada nesta última sub-regra, a

intervenção terá passado no teste da proibição de excesso, já que

considerada adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

2.2.3.3. Proibição de insuficiência (Untermassverbot)

A proibição de proteção insuficiente é um conceito relativamente novo

e inexplorado. Sua estrutura e modo de emprego ainda são pouco

desenvolvidos pela doutrina ou jurisprudência, e os escritos sobre o tema são

esparsos e pouco dialogam entre si106. Disso tudo resulta um cenário em que

muitas pessoas estão cientes da existência da vedação de deficiência, mas

não há consenso sobre do que objetivamente se trata ou como ela é usada.

Sua menção em manuais nacionais costuma limitar-se a apontar que

ela é a outra face do princípio da proporcionalidade, decorrente dos

imperativos de tutela e formada pelos mesmos três subtestes da proibição de

excesso107. Parte da literatura estrangeira acessível em português, inglês e

espanhol também costuma se limitar a delinear os contornos básicos de como

seria um teste de proibição de insuficiência, ainda que de maneira mais

106 Em GARDBAUM (2017), p. 241-242, aventa-se quatro hipóteses para o parco

desenvolvimento jurisprudencial acerca da vedação de deficiência: a) a incompatibilidade entre a estrutura de direitos prestacionais e a proporcionalidade, b) a redundância dos testes da adequação e necessidade para direitos prestacionais, c) desconforto dos juízes em prescrever uma ação ao invés de proibi-la, e d) desconforto dos juízes em usar uma ferramenta tal qual

a proporcionalidade, que de certa forma relativiza o valor inerente aos direitos fundamentais, para justificar a situação de miséria de tantas pessoas. 107 Cf. SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 392-394, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 409-413 e MENDES; BRANCO (2017), p. 431-432.

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detalhada108. Há, porém, quem se arrisca a desenvolver para ela um modelo

de aplicação e demonstrá-lo num caso prático109. A exposição do instituto,

portanto, será feita principalmente com base na doutrina estrangeira, que

levou o desenvolvimento da proibição de insuficiência além do que fez a

literatura brasileira até aqui110.

Antes da exposição, porém, deve ser repisado: assim como ao tratar

da proibição de excesso, não está aqui se tentando impor um modelo de

vedação de deficiência com três sub-regras. A opção por ele é decorrência

das fontes encontradas. Caso, durante a análise dos casos, seja empregado

algum modelo de teste da proibição de insuficiência que varie do que foi ora

descrito, não haverá alteração nos critérios de análise.

Como apresentado no tópico 2.2.3.2, a proibição de excesso é tida

como a face da proporcionalidade que analisa a interferência do Poder Público

no âmbito de um direito de defesa de um indivíduo. Considerando que os

direitos de defesa são pretensões a abstenção estatal, a violação a um deles

deve necessariamente se dar por meio de uma ação. Esse tipo de direito tem

como contraparte, portanto, um dever estatal de não ação. Direitos a

prestações estatais, por outro lado, não são ameaçados por ações. O

indivíduo que tem pretensão a uma ação positiva do Estado terá esse direito

violado justamente no caso dessa pretensão não ser fornecida. Direitos a

prestação têm como contraparte um dever estatal de agir, e sua violação

ocorre por meio de uma omissão ou ação insuficiente do Poder Público. Por

isso, enquanto a proibição de excesso tem como objeto de análise uma ação,

o objeto de análise da proibição de insuficiência é uma omissão ou uma ação

insuficiente. Essa mudança implica diferenças importantes no modo de

108 Cf. BARAK (2012), p. 429-434 e BERNAL PULIDO (2007), p. 806-811. 109 Cf. ALEXY (2009), CLÉRICO (2008), CLÉRICO (2013) e KLATT; MEISTER (2012), p. 85-108. 110 Exceção a essa tendência é RODRIGUES (2009) e RODRIGUES (2012), que apresentam extenso conteúdo concernente ao tema.

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aplicação das sub-regras111. Por mais que nenhum dos autores analisados112

tenha alterado a quantidade ou as características principais das fases da

proibição de excesso, todos, com a exceção de Mendes e Branco, ressaltaram

as alterações necessárias para se aplicar os testes como vedação de

insuficiência.

O pressuposto na proibição de deficiência, assim como na proibição de

excesso, é que existem dois princípios se chocando. Um deles é o direito

fundamental que está sendo prejudicado pela omissão ou ação insuficiente

estatal. O outro é o fim que o Estado busca promover ao se omitir.

Por exemplo, caso se julgue que o Estado não regula o setor financeiro

de maneira rigorosa o suficiente, poderá ser argumentado que ele está

aquém de fornecer o dever mínimo de diligência e, por isso, incorrendo em

insuficiência. Nesse sentido, uma associação representante dos

consumidores, por exemplo, poderia entrar com uma ação reivindicando

maior proteção estatal através do endurecimento na regulação financeira.

Para averiguar se a proteção atualmente dispensada pelo Estado é suficiente

ou insuficiente – como alega a associação –, o Judiciário pode se valer da

proibição de insuficiência. Pelo outro lado, há o argumento de que o Estado

111 Isso não foi percebido por todos. Enquanto dois dos autores trouxeram um julgado da Corte

Europeia de Direitos Humanos no qual é afirmado que não é importante definir se o direito em questão tem como objeto uma ação ou abstenção (KLATT; MEISTER (2012), p. 88), Mendes e Branco vão além e transpõem os testes da proibição de excesso para a proibição de deficiência (MENDES; BRANCO (2017), p. 431-432). Ao tratar dela, afirmam: “O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de

satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção”. Basta substituir a palavra “ato” pela palavra “omissão” para perceber o erro. Parte-

se do pressuposto que a omissão estatal que interfere num direito fundamental tem uma razão de ser, uma finalidade. Portanto, o propósito da omissão tem de ser o fim estatal (mencionado somente no último subteste), não a proteção do direito fundamental, como é afirmado na subregra da adequação; a omissão, pelo contrário, fomenta o fim estatal em detrimento do

direito fundamental. A exposição do subteste da necessidade também não satisfaz. Novamente, ao trocar a palavra “medidas” pela palavra “omissões”, percebe-se a incongruência do que é afirmado. Mesmo que se trate de uma omissão que interfira num direito fundamental com o intuito de proteger algum outro direito fundamental – o que muitas vezes não é o caso –, é errado afirmar que, caso existam omissões alternativas que protejam mais o fim estatal, a omissão escolhida é não necessária. Ela só o será se existir alguma outra opção omissiva que afete menos o direito prejudicado e, ao mesmo tempo, afete igualmente, ou

menos, o direito protegido. Percebe-se que, mesmo se se tratasse da proibição de excesso, a explicação de Mendes e Branco estaria errada. 112 São aqueles citados nas notas de rodapé 107, 108, 109.

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não interfira nesse setor justamente para preservar a liberdade de iniciativa,

que é direito fundamental dos particulares. Caso alguma federação de bancos

mova ação judicial alegando regulação excessiva do Estado, poderiam as

juízas resolver o pleito utilizando a proibição de excesso. Nesses exemplos,

os dois princípios em conflito são, de um lado, a higidez do sistema financeiro

– materializada no artigo 192 da Constituição Federal – e, do outro, a livre

iniciativa – prevista no Art. 1º, IV da Constituição Federal.

Passa-se, então, a analisar a estrutura do teste da proibição de

insuficiência.

Diante de uma omissão ou ação insuficiente estatal, o subteste da

adequação, no contexto da proibição de suficiência, tem a mesma finalidade

que sua contraparte da proibição de excesso. Isso significa: deve-se

averiguar, no teste da adequação, se 1) a omissão estatal analisada foi

perpetrada com um fim legítimo em mente e, mais, se 2) ela é apta a de fato

fomentar tal fim113. Ao tratar da proibição de proteção insuficiente, a questão

do fim legitimo se agudiza. É possível que o Estado, com o intuito de

preservar algum direito fundamental, se omita e, colateralmente, interfira em

algum outro. É inequívoco, nesse caso em que a finalidade é resguardar um

direito fundamental, se tratar de um fim legítimo. A resposta não é tão clara,

contudo, quando a omissão estatal tem como fim algum outro objetivo que

não é direito fundamental individual, como a saúde financeira pública114.

Ainda que não seja o objetivo desse trabalho fornecer uma resposta à

questão, parece-nos que uma posição que desconsidere por completo a

capacidade fática dos cofres públicos arcarem com os custos ínsitos a grande

113 Laura Clérico, em CLÉRICO (2008), p. 137-141, defende que na proibição de insuficiência se deva ser mais exigente ao analisar a aptidão que a omissão tem para fomentar o fim estatal almejado, se comparada à da proteção de excesso. Enquanto a exigência de fomento na

proibição de excesso seria uma exigência “débil”, na vedação de insuficiência ela seria uma “dupla exigência de adequação”. Aharon Barak, por sua vez, acredita que a margem de discrição do legislador é igualmente ampla – e a discrição judicial, consequentemente, igualmente baixa – para ambos os casos. Cf. BARAK (2012), p. 432. 114 José Reinaldo de Lima Lopes, em LOPES (2008), p. 191-192, levanta ponto interessante ao notar que uma decisão que conceda uma prestação fática à pessoa que entrou com a ação

judicial pode ferir o direito fundamental à isonomia, se o Estado não for capaz de conceder a mesma prestação para todas as pessoas que se encontrarem na mesma situação que a pleiteante. Nesse caso, a preservação das contas públicas seria, de fato, maneira de proteger um direito fundamental.

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parte das prestações estatais, ou que deixe de lado a violação prima facie do

princípio formal da separação de poderes, é uma posição equivocada. O que

se quer dizer é que a alegação de insuficiência financeira por parte do Estado

aparenta ser um motivo muitas vezes aceitável para ele não cumprir uma

obrigação sua, seja pela impossibilidade fática, seja pela importância que o

princípio da separação de poderes tem para o Estado de Direito115.

O subteste da necessidade também tem uma estrutura semelhante,

mas aplicação distinta, à sua correspondente na proibição de excesso. Ao

averiguar a necessidade de uma omissão do Poder Público, procura-se a

existência de alguma alternativa que prejudique menos o direito fundamental

afetado e proteja, no mínimo, igualmente o fim estatal protegido. Caso ela

exista, a omissão é desnecessária; caso não exista tal alternativa, a omissão

estatal é necessária116.

O subteste da proporcionalidade em sentido estrito procura descobrir

se a omissão estatal analisada limita proporcionalmente o direito a prestação.

Essa aferição é feita ao comparar a intensidade de interferência sobre o

direito a prestação com a intensidade de realização do fim estatal. Uma

omissão seria considerada insuficiente se ela interviesse mais no direito a

prestação do que promovesse o fim estatal que lhe motivou117.

3. Análise de casos

115 Em KLATT (2015), defende-se que o Judiciário defina se ele pode ou não interferir no âmbito de competência prima facie dos poderes eleitos através de uma ponderação, que deve ser feita

em cada caso, envolvendo princípios formais relativos à competência de cada poder. Mais notavelmente, o autor, na p. 365, arrola a “estabilidade financeira do orçamento nacional”

como um princípio material digno de ponderação. Isso leva a crer que, em sua opinião, a mera “insuficiência financeira” do Estado já seria considerada um fim legítimo para o teste da proporcionalidade. Afonso da Silva, em SILVA (2013), sustenta posição similar. Para mais sobre a distinção entre princípios formais e materiais, bem como sobre a legitimidade e papel

do Judiciário, cf. ALEXY (2014) e SILVA (2012). 116 Cf. BERNAL PULIDO (2007), p. 810 e BARAK (2012), p. 433. Clérico (CLÉRICO (2008), p. 150-156) concorda, mas ressalva que, quanto maior for a restrição ao direito fundamental vítima da omissão estatal, tanto menor é a margem de discricionariedade do legislador. 117 ALEXY (2009), p. 11, BERNAL PULIDO (2007), p. 810 e KLATT; MEISTER (2012), p. 97. Em CLÉRICO, (2008), p. 168-171, defende-se uma visão de que é preciso considerar a importância que a omissão terá na vida dos afetados. Em casos de prestação de direitos sociais básicos

para populações vulneráveis, o Estado carregaria um ônus argumentativo maior para justificar uma possível omissão. Sendo assim, quanto mais imprescindível fosse a prestação estatal, mais difícil seria a existência de uma omissão justificada.

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3.1. Pesquisa de amostra

O terceiro capítulo do trabalho contém o estudo das decisões

encontradas. A primeira parte trata da análise desses casos sob uma

perspectiva quantitativa, revelando a pesquisa de amostra. Nela, apresenta-

se dados estatísticos revelados pela pesquisa de jurisprudência. Como

apresentado no tópico 1.1.3, foram selecionados os 29 casos resultantes da

pesquisa que satisfizeram o suporte fático proposto na monografia, qual seja,

decisões que citam a proibição de insuficiência e analisam a omissão de

prestação fática referente a um direito social118. São esses 29 julgamentos,

portanto, que compõem o universo amostral aqui examinado.

Uma ressalva é importante. Os números apresentados a seguir são

relativos a uma parcela pequena dos julgados nos quais a vedação de

deficiência foi usada pelo STF; a maior parte das decisões que empregaram

o instituto não satisfaziam os critérios propostos e, por isso, não foram

analisadas. É possível afirmar isso com base na quantidade de casos que a

pesquisa por termos no site do STF retornou119. Dessa forma, os 29

julgamentos analisados aqui fazem parte de um montante consideravelmente

maior de decisões em que a proibição de proteção insuficiente foi citada. É

indevido, portanto, extrapolar as conclusões aqui alcançadas para todo o

universo de casos em que o conceito figura como presente. As estatísticas

seguintes dizem respeito única e tão somente às hipóteses que se encaixam

no molde proposto, não ao emprego da vedação de deficiência pelo STF em

geral120.

118 Era comum, por exemplo, deparar-se com menções ao instituto em decisões que tratavam de direitos a proteção. Essas decisões ficaram de fora desta monografia. Para maiores detalhes acerca do suporte fático da pesquisa, ver tópico 1.1.3. 119 Mais uma vez, o tópico 1.1.3 conta com os pormenores da assertiva. Nele encontram-se os termos pesquisados e os casos retornados. 120 Vale repisar: para um estudo mais abrangente de como o instrumento é usado pelo STF, sem qualquer recorte de tema, cf. RODRIGUES (2009) e RODRIGUES (2012).

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Tendo isso esclarecido, passemos aos dados.

Gráfico 1121

Salta aos olhos a irregularidade dos números. Longe de oferecer

alguma tendência de constante crescimento ou diminuição, não há padrão

detectável na distribuição cronológica dos casos. É possível, contudo, separar

o lapso temporal analisado em três momentos. O primeiro é de 2008 a 2010;

o segundo, 2011 e 2012; o terceiro e último momento abrange 2013 a 2017.

O período de 2008 a 2010 conta com uma forte concentração de

decisões. Isso se deve ao fato desse ser o período em que o Ministro Gilmar

Mendes ocupou a Presidência do STF. O presidente do STF tem, entre outras

atribuições, a competência para julgar suspensões de tutela antecipada

(STA), de segurança (SS) e de liminar (SL). Gilmar Mendes, no exercício do

cargo, valeu-se diversas vezes da proibição de deficiência para analisar casos

relativos a tutelas antecipadas, liminares e medidas de segurança que

concediam ou denegavam prestações fáticas de direitos sociais aos

121 Apesar da proibição de insuficiência estar presente no STF desde 2006, a primeira decisão a encaixar-se no suporte fático proposto é de 2008. Por conta disso, esse é o primeiro ano no gráfico.

10

4

1

0 0

7

3

1 1

2

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Número de decisões por ano

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indivíduos. Com efeito, 14 das 15 decisões analisadas do período de 2008 a

2010 foram proferidas por Gilmar Mendes no julgamento de alguma STA, SS

ou SL122. A outra menção ao termo foi feita num Agravo Regimental de STA123,

e teve como autor o Ministro Celso de Mello.

O Ministro Gilmar Mendes julgou sua última suspensão de tutela

antecipada (entre as aqui analisadas) em 6 de abril de 2010. Seu mandato

como presidente do tribunal acabou mais tarde naquele mês. Não por

coincidência, a proibição de insuficiência só voltou a ser mencionada para

analisar omissão de prestação fática de direito social mais de três anos

depois, em junho de 2013, pelo Ministro Celso de Mello. É nesse ponto que

se inicia o terceiro período estudado, que vai até o último caso estudado, em

2017. O protagonista dessa parte é justamente Celso de Mello: das 14

decisões, ele foi o autor de 13124. O julgado restante foi feito por Luiz Fux125.

O gráfico 2 mostra visualmente essa divisão no emprego da vedação

de insuficiência entre os ministros.

122 Em ordem cronológica, da mais antiga para a mais recente: SL 235; STA 241; SL 263; SL 228; STA 238; STA 278; STA 245; STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3.690; STA 318; SS

3.741; STA 419. 123 STA 223 AgR. 124 Em ordem cronológica, da mais antiga para a mais recente: AI 598.212; AI 764.969; RE 488.208; RE 763.667; RE 581.352; AI 759.543; RE 738.255; RE 795.749; ARE 727.864; ARE 745.745; Rcl. 18.636; RE 812.626; Rcl. 25.363. 125 RE 597.854.

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Gráfico 2

Gráfico 3

14

14

1

Quantidade de decisões que cada ministro cita a proibição de insuficiência

Gilmar Mendes Celso de Mello Luiz Fux

15

4

4

3

21

Número de decisões por tema

Saúde Educação

Acesso à Justiça Criança e Adolescente

Seguridade Social Cárcere

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Mais da metade das decisões estudadas versam sobre o direito à

saúde. Sucedem elas os julgamentos sobre direito à educação e direito de

acesso à justiça. Há, ainda, três casos relativos especificamente a direitos da

criança e do adolescente, dois referentes a benefícios sociais e mais outro

tratando de melhorias nas condições do cárcere.

Gráfico 4126

O ente federativo mais vezes responsável pela omissão reivindicada

judicialmente foram os estados. Das 29 decisões, em 20 exige-se do estado

– seja exclusivamente, seja solidariamente – a prestação. É relevante notar

que todas as decisões em que imputou-se, nas instâncias inferiores,

responsabilidade solidária entre município, estado e União tratavam de direito

à saúde127.

126 As Rcl. 18.636 e 25.363 tinham como parte processada não um ente federativo, mas o

INSS. Optou-se por considera-las como fazendo parte do grupo de decisões em que o ente omisso era a União. 127 As decisões que julgaram a responsabilidade solidária entre União, estado e município são: SL 228; STA 198; STA 245. As decisões que julgaram a responsabilidade solidária somente entre estado e município são: SS 3.690; SS 3.741; STA 238.

3

14

6

3 3

União Estado Município União, estado e

município

Estado e

município

Ente federativo omisso

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Gráfico 5

Talvez a estatística mais notável esteja no Gráfico 5. Entre os 29 casos

analisados, somente uma vez a proibição de proteção insuficiente foi

empregada de modo a denegar o pleito por prestação social128; isso quer

dizer, entre os julgados examinados neste trabalho, aproximadamente 97%

das vezes o veredito final do ministro a utilizar o conceito foi no sentido de

conceder o pedido. Os tópicos seguintes serão dedicados à análise qualitativa

das decisões estudadas.

3.2. Análise qualitativa

A ordem escolhida para apresentar as decisões foi baseada,

principalmente, na disposição cronológica dos julgados. Como optou-se por

estruturar a exposição ao redor dos temas, serão analisados primeiro os

temas cujas decisões tem maior incidência no começo do período estudado

128 RE 597.854. Análise do caso no tópico 3.2.3.

28

1

A prestação social é concedida pelo ministro?

Sim Não

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(ou seja, em 2008). O primeiro direito social a ser apresentado, portanto,

será o de proteção à criança e ao adolescente.

Ao justificar seus vereditos, os ministros reaproveitavam decisões

próprias anteriores em sua quase completa inteireza. Não foi possível

particularizar uma identidade própria de cada julgado, já que todos eles eram

praticamente idênticos entre si (em especial aqueles do Ministro Celso de

Mello). Dividiu-se, então, as análises primeiramente por tema e,

secundariamente, por julgador.

3.2.1. Criança e adolescente

Dentre os 29 casos que satisfizeram o suporte fático do trabalho, três

tratavam especificamente dos direitos da criança e do adolescente. Enquanto

o primeiro – decidido pelo Ministro Gilmar Mendes – teve como pano de fundo

as condições da retenção de menores infratores, os outros dois versavam

sobre a necessidade de criação de Conselhos Tutelares. Estes últimos foram

julgados pelo Ministro Celso de Mello.

3.2.1.1. Gilmar Mendes

A Suspensão de Liminar 235 foi julgada em oito de julho de 2008 pelo então

Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes. Nela, o Estado de Tocantins

recorria contra decisão proferida a favor do Ministério Público de Tocantins,

que havia requerido a instalação de unidades para cumprimento de medidas

sócio-educativas voltada para menores infratores.

O primeiro aspecto relevante no tocante à proibição de insuficiência é

de que ela é citada poucas vezes. De fato – e esse é um ponto importante do

trabalho –, nas decisões em que foi mencionado pelo Ministro Gilmar Mendes,

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o conceito estudado estava sempre num mesmo parágrafo, repetido todas as

vezes. O parágrafo é o seguinte:

“Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos

fundamentais não contêm apenas uma proibição de

intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um

postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para

utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição

de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de

proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm

Canaris, Grundrechtswirkungen um

Verhältnismässigkeitprinzip in der richterlichen Anwendung

und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161).”129

Essa citação tem sempre como contexto uma exposição acerca da

dimensão objetiva dos direitos fundamentais130, que obriga o Estado a agir

no sentido de efetivá-los. No caso específico em tela, o ministro acrescenta,

ainda, o mandamento constitucional que confere “absoluta prioridade” ao

fomento dos direitos fundamentais da criança e do adolescente (art. 227, CF).

A vedação de deficiência entra, portanto, como evidência do fato de que o

Estado deve não apenas omitir-se (sob pena de controle por meio da

proibição de excesso), mas também agir positivamente para realizar os

direitos fundamentais dos indivíduos. Ainda que o nome da obra de Canaris

mencionada na decisão faça referência à proporcionalidade

(Verhältnissmässigkeitprinzip), em nenhum momento o próprio ministro cita

a nas suas razões. Admitiu-se, por isso, que a decisão não cita a

proporcionalidade e, consequentemente, que não incidem sobre o ministro os

encargos elaborados no final do tópico 1.1.3.1.

A vedação de insuficiência foi mencionada mais três vezes nesse

julgado131. Não obstante, nenhuma dessas referências foge do que já havia

129 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 235, Min. Gilmar Mendes, j. 08/07/2008, p. 6-7. 130 Ver tópico 2.1.4. 131 Um exemplo: “A proibição da proteção insuficiente exige do Estado a proibição de inércia e

omissão na proteção aos adolescentes infratores, com primazia, com preferencial formulação e execução de políticas públicas de valores que a própria Constituição define como de absoluta

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sido traçado anteriormente. Todas as vezes que se refere ao conceito, faz-se

para reforçar o dever estatal de ação. A quase totalidade da decisão é usada

para discorrer acerca de temas como a possibilidade de controle judicial sobre

omissões estatais, a prioridade constitucional garantida aos direitos da

criança e do adolescente e a separação de poderes. E por mais que as

exposições sobre tais matérias sejam de fato bem desenvolvidas, não há

qualquer consideração sobre as particularidades do caso que seriam

relevantes para se alcançar um veredito.

O Ministério Público argumenta, por exemplo, que a inexistência de

unidade para ressocialização naquela comarca implicava a transferência dos

adolescentes infratores para um município a 160 quilômetros de distância, o

que inviabilizaria o contato com os familiares. Esse fato relevante não se faz

presente nas razões do ministro, mesmo com sua decisão indo no sentido de

conceder o pleito social (ao negar o pedido do Estado do Tocantins pela

suspensão de liminar).

É constantemente ressaltado na decisão, contudo, o já mencionado

artigo 227 da Constituição, que confere aos direitos da criança e do

adolescente absoluta prioridade, inclusive postulando “respeito à condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer

medida privativa da liberdade”, conforme seu parágrafo 1º, inciso V. Nesse

quesito, é inegável o esforço empregado para se atentar às especificidades

relativas à judicialização desse direito em específico. Inclusive, o ministro

oferece razões que podem servir de motivos para a pouca atenção dada às

especificidades do caso:

“No presente caso, vislumbra-se possível proteção

insuficiente dos direitos da criança e do adolescente pelo

Estado, que deve ser coibida, conforme já destacado. O Poder

Judiciário não está a criar políticas públicas, nem usurpa a

iniciativa do Poder Executivo. A decisão impugnada apenas

determina o cumprimento de política pública

prioridade”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 235, Min. Gilmar Mendes, j. 08/07/2008, p. 13). As outras citações estão nas páginas 10 e 12.

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63

constitucionalmente definida (art. 227, caput, e §3º) e

especificada de maneira clara e concreta no ECA, inclusive

quanto à forma de executá-la.”132;

“Não há violação ao princípio da separação dos Poderes

quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo

estadual o cumprimento do dever constitucional específico de

proteção adequada dos adolescentes infratores, em unidade

especializada, pois a determinação é da própria Constituição,

em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento

(art. 227, §1º, V, CF/88).”133

A particularidade da absoluta prioridade conferida pela Constituição ao

direito fundamental de proteção à criança e ao adolescente leva o ministro a

considerar que uma intervenção judiciária no orçamento não é uma

intromissão na área de discricionariedade do Executivo, mas mera

concretização do texto constitucional. Ele se priva, assim, de sopesar. Em

outras palavras – e lendo com a ótica da teoria dos princípios exposta

anteriormente –, não há ponderação entre princípios, já que a prioridade

constitucional atribuiria ao direito da criança e do adolescente uma lógica de

regra. Isso justificaria a consideração pequena dada aos detalhes da questão

em julgamento, tendo em vista a inexistência de sopesamento do caso

concreto. Essa lógica, se levada ao extremo, implicaria um cenário perigoso:

toda aparente colisão entre o direito da criança e do adolescente com um

princípio levaria a uma prevalência daquela; toda intervenção do Judiciário

no Executivo e Legislativo com o fim de fomentar esse direito seria justificada,

independente das circunstâncias concretas134. Ainda assim, esse seria um

motivo para se ater a generalidades durante a decisão.

Não obstante, o ministro acata parte do pedido do Estado de Tocantins

ao vedar a imposição de multa diária, como havia feito a decisão impugnada.

132 Ibid., p. 9-10. 133 Ibid., p. 12. 134 Essa hipótese parte do pressuposto de uma teoria dos direitos fundamentais similar à aqui

apresentada. Obviamente, não se pode impor a um juiz que ele decida a partir de uma ou outra base teórica específica. Por certo não é o nosso intuito.

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64

Segundo ele, “(...) a fixação de multa em valor elevado e sem limitação

máxima constitui ônus excessivo ao Poder Público e à coletividade, pois impõe

remanejamento financeiro das contas estaduais, em detrimento de outras

políticas públicas estaduais de alta prioridade”135. Essa motivação, no

entanto, parece ser demasiado genérica; ela poderia levar, paradoxalmente,

à impossibilidade de qualquer intromissão do Judiciário nos outros poderes.

Em suma, a proibição de proteção insuficiente na SL 235 figura apenas

como justificadora da intervenção judicial e do dever estatal de prestação.

Não se faz menção à proporcionalidade, muito menos a seus subtestes.

3.2.1.2. Celso de Mello

O Ministro Celso de Mello julgou dois casos, extremamente parecidos

entre si, que tratavam de uma omissão relacionada ao direitos da criança e

do adolescente. São eles os Recursos Extraordinários 488.208 e 738.255.

Ambos foram interpostos por Ministério Público estadual contra julgamentos

que denegaram uma demanda pela instalação de Conselhos Tutelares. O RE

488.208 insurgiu-se contra decisão proferida em favor da cidade de

Florianópolis, ao passo que o RE 738.255 teve como objeto decisão de

segunda instância favorável ao Município de Itaubal do Piririm, no Amapá.

Percebe-se, sem dúvida, que trata-se de situações muitíssimo semelhantes.

Ainda assim, é questionável a opção do Ministro por usar o mesmo

texto para justificar ambos os julgamentos. Para além, de todas as similitudes

entre os dois, existem especificidades próprias de cada situação que merecem

ser levadas em consideração. Com efeito (e isso é verdade para qualquer dois

julgamentos), independentemente de suas correspondências, é impossível

dois processos serem completamente iguais entre si. No entanto, como se

verá mais adiante, Celso de Mello reutiliza os mesmo trechos em quase todas

as suas decisões; pouco importa qual seja o tema dela, quem sejam as partes

135 Idem.

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65

ou quais sejam as circunstâncias fáticas. Verificam-se sempre as mesmas

razões.

O mesmo fenômeno se passa com a proibição de insuficiência. Em

todos os julgados do Ministro Celso de Mello examinados nesta monografia,

a menção ao instituto é feita de maneira extremamente passageira, na

ementa do caso. O contexto é o seguinte:

“(...) CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA

OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE

FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA

NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS

CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL,

PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA

PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO)

(...)”136

Na maior parte das vezes, essa é a única referência ao instituto. Nos

REs 488.208 e 738.255, porém, ele é também citado no corpo da decisão.

Essa reincidência, ainda assim, é somente uma breve explicação daquilo que

já estava na ementa:

“(...) as limitações a direitos fundamentais, como o de

que ora se cuida, sujeitam-se, em seu processo

hermenêutico, a uma exegese necessariamente restritiva,

sob pena de ofensa a determinados parâmetros de índole

constitucional, como, p. ex., aqueles fundados na proibição

de retrocesso social, na proteção ao mínimo existencial (que

deriva do princípio da dignidade da pessoa humana), na

vedação da proibição [sic] insuficiente e, também, na

proibição de excesso”137

136 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 488.208. Rel. Min. Celso de Mello. j. 01/07/2013, p.3. 137 Ibid., p. 10. Grifos no original. O erro no nome do instituto está presente no texto dos

julgados. Ainda que ele não comprometa o julgamento, é impossível não tomar esse ato falho como sintomático do descaso do Ministro para com a vedação de proteção insuficiente.

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66

Como se vê de imediato, o Ministro Celso de Mello insere a vedação de

proteção deficiente num rol de quatro parâmetros constitucionais que

norteiam o exercício da limitação de direitos fundamentais, a saber, proibição

de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção

insuficiente (a qual ele errou o nome) e proibição de excesso. Não obstante,

ao estudar mais a fundo a decisão, verifica-se que nenhum dos conceitos

citados são efetivamente apresentados em sua fundamentação. Não há que

se falar, em qualquer uma das decisões de Celso de Mello, em retrocesso

social ou em intervenção excessiva do Estado sobre o indivíduo. Ou seja,

dentre os quatro parâmetros mencionados, dois não se encaixam

absolutamente nos casos, já que não há qualquer intervenção estatal sobre

direito social – que ensejaria a proibição de excesso – e não há qualquer

direito já constituído a ser enfraquecido – pressuposto da proibição de

retrocesso social. Quanto à proteção ao mínimo existencial e à proibição de

proteção insuficiente, nada mais sobre elas é trabalhado na decisão.

Refere-se a tais conceitos com um nível de abstração tão elevado, que

a impressão final é a de que eles só estão presentes na sentença para

preenche-la com um conteúdo – paradoxalmente – vazio; diante da

reincidência do exato trecho em todas as ementas lavradas pelo Ministro

Celso de Mello que foram examinadas nesta monografia, a conclusão lógica

é a de que, para ele, a proibição de insuficiência serve como penduricalho

retórico ou como prova de erudição.

Em se tratando especificamente de direitos da criança e do

adolescente, os REs 488.208 e 738.255 seguem a mesma fórmula usada pelo

Ministro Celso de Mello em todas as suas decisões: discorre-se sobre a

inegável importância do direito em questão138, sobre a competência do

Judiciário para colmatar omissões estatais139 e a não efetivação de direitos

138 “O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à

proteção da criança e do adolescente (...) não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, um de seus precípuos destinatários”. Ibid., p. 6. 139 “(...) o Poder Judiciário dispõe de competência para exercer, no caso concreto, controle de

legitimidade sobre a omissão do Estado na implementação de políticas públicas cuja efetivação lhe incumbe por efeito de expressa determinação constitucional (...)”. Ibid., p 12.

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sociais140; reconhece-se a reserva do possível, para pronta e vigorosamente

afastar sua incidência141; questiona-se a boa-vontade do agente público142 e,

finalmente, concede-se o pleito social. A única inovação particular a esses

dois julgados é o acréscimo de um parágrafo que versa especificamente sobre

Conselhos Tutelares143. É esse o máximo de proximidade a que Celso de Mello

chega das particularidades do litígio. Nesse cenário de distanciamento do

caso, um juízo ponderativo acerca dele, pressuposto da proibição de

deficiência, revela-se impossível.

3.2.2. Saúde

Os casos referentes ao direito à saúde compõem mais da metade – 15,

de 29 julgados – do universo pesquisado. Contudo, é possível afirmar que

não existe grande variação entre eles. E isso não somente em relação ao

resultado final, já que o desfecho de todas foi no sentido de conceder o

provimento estatal, mas também quanto à estrutura argumentativa. Não é

difícil compreender o motivo. Dentre essas 15 decisões examinadas, nove

foram de autoria do Ministro Gilmar Mendes e seis do Ministro Celso de Mello.

3.2.2.1. Celso de Mello

140 “(...) o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais (...)”. Ibid., p. 7. 141 “Não deixo de conferir (...) significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível”,

notadamente em sede de efetivação e implementação (usualmente onerosas) de determinados direitos cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida

manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o arbitrário, ilegítimo e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência e de gozo de direitos fundamentais (...)”. Ibid., p. 9-10. 142 “(...) a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável

gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República”. Ibid., p. 17. 143 Ibid., p. 14.

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O primeiro julgamento que trata de uma prestação relacionada ao

direito à saúde é o Agravo Regimental da Suspensão de Tutela Antecipada

223 (STA 223-AgR); julgado em 14 de abril de 2008, é, também, a primeira

decisão encontrada pelos critérios levantados nesta pesquisa. O caso é

especialmente intrincado: um indivíduo, que ficara tetraplégico após sofrer

um tiro numa tentativa de assalto, reivindicava do Estado de Pernambuco o

custeio de uma cirurgia que o permitiria respirar sem a assistência de um

respirador mecânico. Ao pleito pelo pagamento da operação, somava-se o

pedido de indenização do Estado por falhar em prover a segurança necessária

que impediria a tentativa de assalto que vitimou o Autor. Haveria então,

segundo o reclamante, duas omissões: uma relativa ao direito à segurança e

outra, corolária da primeira, referente ao direito à saúde.

Para emaranhar mais a situação, o procedimento cirúrgico reivindicado

– na época, recém desenvolvido por pesquisadores de Yale – estaria ainda

em fase de testes, não havia sido aprovado sequer pelo órgão regulador

americano, só poderia ser executado por um médico americano em específico

e custaria 150.000 dólares. No voto da Ministra Ellen Gracie, relatora do caso,

constam ainda laudos técnicos que questionavam a eficácia de dito

tratamento para o paciente em questão144. A própria Ministra, no exercício do

cargo de Presidente do STF, havia denegado o pleito do reclamante quando

do julgamento da suspensão de tutela. Isso ensejou o agravo regimental ao

plenário.

O voto inicial foi o da Ministra Relatora Ellen Gracie. Nele, a então

Presidente do tribunal ressaltou jurisprudência da corte que exonerava o

Estado de responsabilidade objetiva por dano decorrente de crime, a falta de

segurança que um procedimento experimental como o requisitado conferia

ao paciente, seu alto custo e a impossibilidade de executar antecipadamente

o Tesouro Público (como era exigido pelo reclamante), sob risco de gerar

144 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. STA 223-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello. j. 14/04/2008, p. 15.

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grave lesão à ordem pública. Esse acúmulo de razões levou a relatora a

denegar provimento ao agravo145.

O voto seguinte, que chegou a conclusão contrária à de Ellen Gracie,

foi o do Ministro Celso de Mello.

Nele, não apenas inexiste qualquer menção à proporcionalidade ou à

vedação de deficiência durante todo o corpo do voto, como também o Ministro

deixa de lado a opção do sopesamento em favor de uma hierarquia pré

estabelecida de princípios. É o que se depreende de sua fala quando ele

afirma que:

“(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à

saúde – que se qualifica como direito subjetivo inalienável

(...) – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa

fundamental, um interesse financeiro e secundário do

Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que

razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma

só e possível opção: aquela que privilegia o respeito

indeclinável à vida e à saúde humanas”146

A opção por julgar baseado unicamente em uma hierarquia prévia

entre princípios – que prescinda de qualquer juízo de ponderação147 – é

possível, mas não compatível com uma aplicação da proibição de proteção

insuficiente, sugerida pela ementa do acórdão.

Quanto à reserva do possível, o Ministro Celso de Mello de fato ressalva

a possibilidade de ela ser pertinente na “ocorrência de justo motivo

145 Ibid., p. 6-20. 146 Ibid., p. 35-36. Grifos no original. 147 Conforme brevemente pincelado no tópico 2.2.3.2, é possível conciliar a ideia de hierarquia

entre princípios e sopesamento. Caso atribua-se pesos abstratos a princípios, existirá de fato uma ordem de preferência a priori entre eles, que deverá ser levada em conta na hora da ponderação. A diferença entre esse modelo e aquele empregado pelo Ministro Celso de Mello na decisão estudada é justamente que, para o ministro, a preferência de um princípio sobre o outro (nesse caso, da saúde sobre a separação de poderes/saúde fiscal do Estado) é definitiva, não deixa margem para maiores considerações. Já uma dogmática que conceba ponderar-se

levando em conta o valor a priori de um princípio fatorará em sua decisão outros aspectos relevantes do caso concreto; enquanto no primeiro método existe uma ponderação abstrata que incide sobre os casos concretos, no segundo a ponderação é feita caso a caso. Cf. KLATT; MEISTER (2012), p. 15-45.

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objetivamente aferível”. Nos outros casos, porém, sua aplicação é afastada

sob alegações de “mera conveniência e/ou oportunidade” ou de criação de

“obstáculo artificial” pelo Poder Público, através de “manipulação de sua

atividade financeira e/ou político-administrativa” com o intuito “de fraudar,

de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação (...) de

condições materiais mínimas de existência”148. O texto é, em grande parte,

igual àquele futuramente usado nos já apresentados REs 488.208 e 738.255,

que seriam julgados 5 anos depois desse Agravo Regimental.

As outras decisões do Ministro Celso de Mello referentes à saúde são,

ressalvados alguns pequenos detalhes em cada julgamento, extremamente

similares àquela do STA 223-AgR, que as antecede por no mínimo cinco anos.

Por exemplo, nos RE 581.352149, AI 759.543150 e RE 812.626151 – decisões

monocráticas que tratavam, respectivamente, de ampliação no atendimento

a gestantes, melhorias em hospital público e implantação de vagas em

serviços residenciais terapêuticos para portadores de distúrbios psíquicos – a

proteção de insuficiência volta a aparecer unicamente na ementa da decisão

(junto à proibição de retrocesso social, à proteção ao mínimo existencial e à

proibição de excesso), o direito à saúde mantém sua inquestionável

superioridade hierárquica definitiva frente à saúde financeira do Estado e,

consequentemente, o pleito social acaba sendo concedido.

Os argumentos acerca da legitimidade do Poder Judiciário para invadir

essa zona de competência dos poderes eleitos, a condição de aplicação da

reserva do possível, a necessidade de se fazer “escolhas trágicas”, o dever

de respeito à Constituição são todos completamente reaproveitados da

decisão anterior referente à saúde. Os acréscimos desses julgados em

comparação ao STA 223-AgR são um excerto referente à legitimidade do

148 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. STA 223-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; Rel. p/

o acórdão Min. Celso de Mello. j. 14/04/2008, p. 28. 149 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 581.352. Rel. Min. Celso de Mello. j. 24/09/2013. Nessa

decisão, o Ministro volta a escrever “vedação da proibição insuficiente” ao invés de “vedação da proteção insuficiente”. O erro foi também cometido nas REs 488.208 e 738.255, como

apresentado no tópico 3.2.1.2. 150 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI 759.543. Rel. Min. Celso de Mello. j. 28/10/2013. 151 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 812.626. Rel. Min. Celso de Mello. j. 09/08/2016.

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Ministério Público para propor Ação Civil Pública voltada à defesa de direitos

metaindividuais e uma longa exposição que versa sobre o princípio da

proibição de retrocesso152. Ela, por mais que exaustiva e repleta de conteúdo,

pouco diz a respeito dos casos, que reivindicavam serviços ainda antes não

prestados; não é possível falar de retrocesso se, em nenhum momento,

houve qualquer prestação. Há, ainda, no RE 581.352 um parágrafo dedicado

à relevância especial da assistência materno-infantil 153, tema em discussão

no litígio. Esse desenvolvimento, ainda assim, não passou do plano abstrato

do conceito; as particularidades da situação continuaram postas de lado.

O ARE 727.864 AgR154, referente ao custeio estatal dos serviços

realizados por hospitais privados que tratam de pacientes do SUS atendidos

pelo SAMU no caso de inexistência de leitos na rede pública, e o ARE 745.745

AgR155, que tratava da rede de assistência à saúde da criança e do

adolescente, seguem linha expositiva idêntica à das decisões apresentadas,

com a diferença formal de não serem decisões monocráticas. Ambos os

julgamentos foram julgados pela Segunda Turma e tiveram votação unânime

em favor da concessão de prestação social. No caso do voto do Ministro Celso

de Mello na ARE 745.745 AgR156, sequer foi mencionada a prioridade absoluta

conferida pelo Art. 227 da Constituição Federal à criança e ao adolescente,

ponto enfatizado reiteradamente pelo Ministro Gilmar Mendes na já analisada

SL 235157 e pertinente ao julgado em questão.

3.2.2.2. Gilmar Mendes

152 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 581.352. Rel. Min. Celso de Mello. j. 24/09/2013, p.

22-25. 153 Ibid., p. 26 154 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. ARE 727.864 AgR. Rel. Min. Celso de Mello. j. 04/11/2014. 155 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. ARE 745.745 AgR. Rel. Min. Celso de Mello. j. 02/12/2014. 156 Tendo em vista que o presente trabalho se foca no instituto da proibição de insuficiência, o

foco da análise será sempre a decisão que citou o conceito, mesmo que o caso seja resolvido por órgão colegiado e, portanto, conte com mais de um voto. 157 Ver tópico 3.2.1.

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O julgamento relacionado ao direito à saúde inaugural do Ministro

Gilmar Mendes é a Suspensão de Liminar 228158. Nela, tratou-se da falta de

Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) nos hospitais públicos do Município

de Sobral – CE. A ação inicial dos Ministérios Públicos Federal e do Ceará

tinha vistas à transferência de pacientes necessitados para hospitais que

contassem com UTIs e à construção dessas unidades nos hospitais públicos

da cidade. Após o Tribunal Regional Federal da 5ª Região manter a decisão

da 1ª instância que concedia o pleito, a União ajuizou a Suspensão de Liminar

no STF.

Conforme dito anteriormente, a única menção que Gilmar Mendes faz

em suas decisões à vedação de deficiência é sempre um mesmo parágrafo,

já transcrito no tópico 3.2.1, no qual ele contrapõe o conceito à proibição de

excesso e não faz referência expressa à proporcionalidade. Logicamente, é o

caso na SL 223 também. Contudo, as razões expostas pelo Ministro para essa

decisão variam muito daquelas já analisadas, referentes à SL 235.

A parte expositiva teórica da decisão do Ministro Gilmar Mendes é

exaustiva e toca em diversos pontos importantes relativos à judicialização

dos Direitos Fundamentais, em especial à dos direitos sociais159. É abordado,

por exemplo, em que medida os indivíduos podem exigir prestações de direito

à saúde por vias judiciais e de que forma essa indagação se relaciona ao

mínimo existencial e à reserva do possível160. Esta última, quando comparado

às decisões do Min. Celso de Mello, aparenta ter um relevo maior na razões

de decidir de Gilmar Mendes: ele trata de temas como a escassez de recursos

públicos e da decorrente necessidade da Administração fazer escolhas

alocativas161 que muitas vezes impossibilitam uma efetivação satisfatória e

158 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 228. Min. Gilmar Mendes. j. 14/10/2008. 159 “Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos a prestações em sentido estrito (positivos), quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento

contrário à sua judicialização”, em Ibid. p. 6. 160 Ibid., p. 4. 161 “Assim, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de

todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas”, em Ibid., p. 6.

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concomitante de todos os direitos fundamentais162. O argumento contrário à

imiscuição do Judiciário na prestação de direitos sociais é resumido pelo

Ministro da seguinte forma:

“A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos

direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender

que as normas que consagram tais direitos assumem a feição

de normas programáticas, dependentes, portanto, da

formulação de políticas públicas para se tornarem

exigíveis.”163

A fim de resolver esse entrave, o Ministro Gilmar Mendes recorre à

Constituição Federal. Lá, ele se apoia i) no artigo 6º, o qual elenca os direitos

fundamentais sociais, ii) no fato de que a Constituição não distingue os

direitos individuais e coletivos dos direitos sociais, e iii) na cláusula que

confere aos direitos fundamentais aplicação imediata (artigo 5º, §1º da

CF/88), para chegar à conclusão que, independentemente da discussão

doutrinária, a Constituição brasileira consagra os direitos sociais como

plenamente eficazes e reivindicáveis164. Ainda que seja feita uma ressalva

quanto à lógica própria de cada tipo de direito – decorrente da estrutura e

dos custos de cada um –, tal embasamento constitucional serve de bom

argumento para, no contexto brasileiro, garantir aos indivíduos pretensões

jurídicas por prestações de direitos sociais.

Diante de, por um lado, a grande relevância da manutenção da higidez

orçamentária e, por outro lado, a competência dos privados para pleitear no

162 Outro ponto interessante levantado pelo ministro, ainda enfatizando a necessidade de

escolhas alocativas, é o do que “Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um valor determinado para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com

outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos”, em Ibid., p. 6. Essa linha de pensamento aparece também em LOPES (2008), p. 176-177. 163 Ibid., p. 5-6. O tema foi tratado no tópico 2.1.4.1. 164 Ibid., p. 9-10.

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judiciário a prestação de direitos sociais, o Ministro Gilmar Mendes chega a

uma conclusão. Ele constata que:

“(...) ao fim e ao cabo, problemas concretos deverão ser

resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas

que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de

ponderação são inevitáveis nesse contexto prenhe de

complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes

políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e

bens coletivos”165

“Portanto, ante a impreterível necessidade de ponderações,

são as circunstâncias específicas de cada caso que serão

decisivas para a solução da controvérsia”166

Dessa conclusão decorre, ainda, uma outra afirmação central para o

julgado, a saber:

“(...) não há um direito absoluto a todo e qualquer

procedimento necessário para a proteção, promoção e

recuperação da saúde, independentemente da existência de

uma política pública que o concretize. (...) Dessa forma, a

garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie,

estaria condicionada ao não comprometimento do

funcionamento do Sistema Único de Saúde.”167

É notável a diferença entre as abordagens dos Ministros Gilmar

Mendes e Celso de Mello nas decisões estudadas: para este, há uma

precedência definitiva do direito individual à saúde frente ao interesse do

Estado de saúde orçamentária; para aquele, não existe hierarquia prévia

definitiva entre esses dois princípios e, por isso, é preciso averiguar as

165 Ibid., p. 8. 166 Ibid., p. 10. 167 Ibid., p. 11-12. O curioso é que, para ilustrar seu ponto, o Min. Gilmar Mendes cita parte de um voto do Min. Celso de Mello (ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello), magistrado esse que, como visto nas páginas anteriores, tem método decisório completamente diverso.

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circunstâncias de cada caso concreto para, através de uma ponderação,

chegar a um veredito.

Se se afirmou que o método do Ministro Celso de Mello é incompatível

com a proibição de insuficiência, o método do Ministro Gilmar Mendes parece

coadunar-se com o instituto. Sendo assim, se na SL 235168 a vedação de

proibição deficiente aparece unicamente para justificar a existência de

deveres estatais de prestação, na SL 228 parece ser possível entender a

utilização do conceito como ferramenta decisória que enseje a ponderação de

princípios, caso, como se verá à frente, o Ministro de fato sopese com base

nas particularidades do cenário concreto; não obstante a proibição de

proteção insuficiente aparecer, em ambos os julgamentos, numa mesma

frase e contexto, a variação no desenvolvimento das razões do juiz enseja

uma compreensão diferente do que ela significou para cada caso.

No fim da exposição, e já encaminhando para a resolução do caso em

pauta, Gilmar Mendes advoga pela criação de um critério para decisões

judiciais a respeito de pedidos por efetivação do direito à saúde. Segundo ele,

a maioria das omissões estatais referentes ao direito à saúde não são

completas, mas parciais. É dizer, é mais comum o Estado implantar uma

política pública falha do que a omissão ser decorrente de uma inação em

absoluto. Para o Ministro, essa distinção é importante porque, no caso de

omissões parciais, o Judiciário teria maior margem de manobra, uma vez que

os outros poderes já teriam se movimentado; pelo contrário, na hipótese de

uma omissão absoluta, seria necessário antes de tudo averiguar qual foi o

motivo dessa inércia estatal169. É importante destacar isso porque, em se

tratando de vedação de deficiência, diferenciar essas duas situações é de fato

fundamental, e a proposição do Ministro é extremamente valiosa.

Infelizmente, como será visto nos próximos julgados de Gilmar Mendes sobre

a saúde, o desenvolvimento de tal critério não prospera.

168 Relativa aos direitos da criança e do adolescente, examinada no tópico 3.2.1. 169 Ibid., p. 15-16. A distinção entre omissão e ação insuficiente, e como lidar com cada uma,

é tema recorrente nos escritos de Laura Clérico sobre proibição de deficiência. Cf. CLÉRICO (2008).

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O Ministro separa claramente a parte em que faz a exposição sobre os

tópicos teóricos relevantes para o assunto, da parte em que ele efetivamente

se debruça sobre e julga o caso em questão. Essa delimitação é importante,

porque apresenta os conceitos relevantes para o deslinde do litígio e facilita

o controle da argumentação. Gilmar Mendes se vale desse método em todas

as suas decisões sobre o direito à saúde. Se a maioria dos julgados até aqui

analisados não trataram das particularidades do caso, o modelo de Gilmar

Mendes consegue justamente evidenciar em que altura da decisão elas serão

levadas em conta.

Essa novidade seria bem-vinda, não fosse o fato de que o Ministro,

novamente, emprega sempre os mesmos argumentos em todas as decisões;

ainda que seja aceitável copiar e transpor a exposição teórica de um

julgamento para o outro, fazer o mesmo com as razões de decidir – logo após

advogar pela criação de um critério que leve em conta as particularidades de

cada caso – culmina numa motivação para decidir insatisfatória.

Ainda que sejam levantados pontos extremamente relevantes para

aferir o nível de interferência sobre o direito à saúde na omissão da SL 228,

como o número de leitos de UTI por pessoa na região, a superlotação perene

dessas unidades, a inexistência de UTIs pediátricas e neonatais, o estado de

miséria encontrado nos hospitais e mais outros, a mera descrição dos dados

fornecidos pelas partes e pelas decisões das instâncias inferiores não é

suficiente para configurar um juízo de ponderação sobre os fatos. Mais

importante que isso, a transcrição dos exatos mesmos motivos para a não

ocorrência de lesão à ordem pública e à economia pública, quando se tratando

de julgamentos tão diferentes entre si, revela que a preocupação em

considerar as particularidades de cada caso num processo de sopesamento

não foi levada adiante. Isso é evidenciado, sobretudo, pelo fato de que todos

os casos sobre direito à saúde julgados por Gilmar Mendes, tão diversos entre

si, chegaram à mesma conclusão: concessão da prestação estatal.

Se outrora foi afirmado que a proibição de proteção insuficiente, nesse

modelo de voto do Ministro Gilmar Mendes, poderia ser realmente entendida

como ferramenta decisória, uma análise sobre o conjunto de decisões do

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ministro revela que, mais uma vez, o conceito serviu como mero pretexto

para o Judiciário conceder um pleito por prestação social.

Por mais que na situação da SL 228 sejam apresentados bons

argumentos no sentido de que o fornecimento de saúde pública na cidade de

Sobral estaria aquém do mínimo constitucional e legal170, todos os outros oito

casos171 julgados por Gilmar Mendes utilizam os mesmo argumentos e

desaguam na mesma determinação sobre a prestação, independentemente

das várias diferenças existentes entre eles. Não foi levado em conta se o caso

tratava de pleito individual ou coletivo172, se se buscava a construção de

unidades ou o fornecimento de remédios173, se esses remédios estavam

previstos na lista do Serviço Único de Saúde (SUS) ou não174, se a

responsabilidade era de um ente federativo ou de vários ao mesmo tempo175.

Isso quer dizer que, mesmo sendo tais fatos e a legislação pertinente a cada

um deles apresentados pelo Ministro, não se elaborou qualquer

argumentação em cima deles.

Na prática, isso significou que casos diversos, como um pleito por

remédio constante na lista de SUS e outro pleito por remédio fora dela,

tiveram como diferença fundamental em sua resolução poucas linhas, tais

quais “O alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não

fornecimento (...)”176 e “O Município de Pelotas, apesar de alegar lesão à

economia pública, não comprova a ocorrência da lesão, limitando-se a

sustentar que o medicamento não consta das listas do SUS”177.

170 O Ministro cita, por exemplo, o Secretário Municipal da Saúde de Sobral, que informa: “na

macro-região de Sobral, a proporção é de 88.000 pessoas para cada leito de UTI, enquanto a

recomendação da Organização mundial de Saúde indica a necessidade de 10.000 pessoas para

cada leito da UTI”. Ibid., p. 20. 171 Em ordem cronológica, do mais antigo para o mais recente: STA 238; STA 278; STA 245;

STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3690; SS 3741 172 Por exemplo, STA 277 e SS 3690, respectivamente. 173 Por exemplo, SL 228 e SS 3751, respectivamente; 174 Por exemplo, STA 277 e STA 278, respectivamente 175 Por exemplo, STA 245 e STA 238, respectivamente. 176 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 198, Min. Gilmar Mendes, j. 22/12/2008, p. 22. No

caso, o custo do remédio seria de R$ 1.316.510,00, e o impacto anual no orçamento da saúde se somados os valores dos pedidos das ações que tramitavam na Justiça Federal referentes à doença em questão seria de R$ 15.837.691,20 (p. 8). 177 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 245, Min. Gilmar Mendes, j. 22/10/2008, p. 21.

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Há, contudo, uma observação importante a se fazer. Nos últimos três

julgamentos do grupo examinado – as Suspensões de Segurança 3751178,

3690179 e 3741180 –, o Min. Gilmar Mendes, após expor os seus pontos sempre

reincidentes, colocou ao fim de sua decisão uma clara alusão à

proporcionalidade181. Tomando a SS 3751 como exemplo, aduziu o Ministro:

“O fornecimento do medicamento Lamitor a paciente portador de problemas

psiquiátricos, na hipótese dos autos, mostra-se necessário, adequado e

proporcional”182. Essa mesma locução se repetiu nos outros dois julgados,

ressalvadas as alterações necessárias para conformar a decisão aos fatos do

caso, por exemplo o nome dos requerentes e o objeto da reivindicação. Ou

seja, nas três decisões foi afirmado que a concessão de medicamento pelo

Poder Público era necessária, adequada e proporcional.

Para além do fato de não existir qualquer desenvolvimento explícito a

respeito da afirmação, nota-se que é analisada a proporcionalidade não de

uma restrição estatal a direito fundamental, mas sim de uma medida positiva

de fomento a direito fundamental; não há que se falar em uma proibição de

insuficiência, nem em uma proibição de excesso. Ao passo que a

proporcionalidade é amplamente entendida como método decisório para

avaliar se é legítimo o Poder Público limitar certo direito fundamental, Gilmar

Mendes extrapola essa concepção e analisa caso a promoção estatal do direito

fundamental é proporcional. Com certeza, trata-se de uma reviravolta no

entendimento do que é a proporcionalidade, reviravolta essa que: i) ou não

é bem pormenorizada como devia ser; ii) ou decorre de ato falho do julgador;

iii) ou exemplifica como a proporcionalidade é tratada como recurso retórico

vazio, do qual os ministros do STF lançam mão para ornar suas decisões183.

178 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3751, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009. 179 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3690, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009. 180 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3741, Min. Gilmar Mendes, j. 27/05/2009. 181 Ainda que a ordem de apresentação das subregras esteja errada (com a necessidade

precedendo à adequação), a menção dos três testes em conjunto deixa pouca margem a

ceticismo quanto ao fato de ter sido feita uma referência à proporcionalidade. 182 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3751, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009, p. 21. 183 A crítica do uso da proporcionalidade pelo STF já foi exemplificada na nota de rodapé 17.

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Ao analisar esses mesmos julgamentos, Matricardi Rodrigues chega à

conclusão de que Gilmar Mendes não controla a proporcionalidade do ato

(comissivo ou omissivo) estatal, mas sim da decisão de segunda instância

recorrida. Ele o faria, ainda, a partir da proibição de excesso184. Essa tese,

porém, não logra justificar o uso da proporcionalidade pelo Ministro. Seria

possível que ele estivesse analisando o excesso da decisão judicial recorrida

se esta frustrasse direitos fundamentais, ou seja, se ela não concedesse o

remédio ao pleiteante. Não é o caso. Nos três julgamentos estudados, a

decisão de segunda instância – que serve de objeto para a Suspensão de

Segurança – acaba por deferir o provimento dos fármacos. Isso quer dizer

que, ao invés das decisões recorridas limitarem o direito à saúde, elas, pelo

contrário, o fomentam. A análise de proporcionalidade do Ministro, que nas

primeiras páginas da decisão já havia citado tanto a proibição de insuficiência

quanto a proibição de excesso, não se encaixa em nenhuma dessas

classificações, uma vez que não analisa limitação de direito fundamental, mas

sim uma promoção deles185.

3.2.3. Educação

As decisões sobre educação contam com o único julgamento analisado

nesta monografia não proferido por Gilmar Mendes ou Celso de Mello. Trata-

se do voto do Ministro Luiz Fux no Recurso Extraordinário 597.854. Essa

decisão é, também, uma das mais discrepantes entre as estudadas, e será

184 “Tem-se claro, assim, que o ministro está controlando a proporcionalidade não do ato

executivo que nega direito social, senão das medidas judiciais objeto do pedido de suspensão

– e como proibição de excesso”. Citação retirada de RODRIGUES (2009), p. 66. 185 Pode-se conceber, por exemplo, uma análise acerca de quão proporcional foi a decisão de

segunda instância que concedeu o remédio ao peticionário, tendo como base a intervenção ao bem público da sanidade fiscal. Nessa hipótese, a proporcionalidade não analisaria uma intervenção a direito fundamental de indivíduo, mas sim uma medida excessiva do Estado cometida contra o princípio da “sanidade do orçamento público”. Como se vê, para que essa hipótese seja viável, o conceito de proporcionalidade teria que ser expandido a ponto de controlar a limitação de qualquer princípio (incluídos aí os interesses públicos), não só aqueles que são direitos fundamentais. Para que a afirmação do Ministro Gilmar Mendes faça sentido,

ele precisaria explicar o que ele entende por proporcionalidade e por que ela pode servir para examinar não apenas a limitação, mas também o fomento de direitos fundamentais. Isso não é feito.

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abordada no tópico 3.2.3.3. O primeiro ministro estudado neste tópico será

Gilmar Mendes, já que foi ele quem emitiu o julgado inicial relacionado ao

direito à educação.

3.2.3.1. Gilmar Mendes

O primeiro julgado relacionado ao direito à educação é a Suspensão de

Tutela Antecipada 241. Ela é seguida pela Suspensão de Liminar 263,

decidida 4 dias depois. Ambos os casos dizem respeito a Ações Civis Públicas

que tinham como intuito obrigar o do Rio de Janeiro a preencher o quadro de

professores em escolas estaduais do município de Queimados, na STA, e do

município de São João do Meriti, no caso da SL. Devido à similaridade entre

os dois casos, o Ministro Gilmar Mendes resolveu por emitir decisões

idênticas, alterando somente os pronunciamentos das partes e do Ministério

Público Federal.

Das decisões analisadas neste trabalho, a única de autoria de Gilmar

Mendes e que já havia sido proferida quando da publicação da STA 241 é a

SL 235, estudada no tópico 3.2.1. Não coincidentemente, a maioria dos

argumentos de uma (SL 235) é reutilizado na outra (STA 241), que então é

copiado para a terceira (SL 263). Ainda assim, o Ministro alterou certos

trechos para que o direito em relevo seja o direito à educação, não o da

criança e do adolescente.

O mesmo argumento usado na SL 235 – de que os direitos da criança

e do adolescente contam com uma prioridade decorrente do texto

constitucional – torna a aparecer na argumentação da STA 241 e da SL

263186. Inalterado, também, está o parágrafo que trata da proibição de

proteção insuficiente. Por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes anota que o

artigo 208, §1º da CF187 consigna a dimensão subjetiva do direito à educação,

186 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 241, Min. Gilmar Mendes, j. 10/10/2008, p. 7. 187 Ibid., p. 6. Constituição Federal, Artigo 208, §1º: “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.”

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pelo menos no que diz respeito à sua parcela gratuita e obrigatória. Esse fato

já impermeabiliza a decisão contra objeções que possam vir a ser feitas no

sentido de que os direitos sociais não são reivindicáveis por seus titulares.

A parte final da sentença, que trata especificamente do direito à

educação em abstrato, mais uma vez não se aprofunda nas particularidades

de cada caso. Não poderia ser diferente, considerando que ela foi utilizada

sem qualquer alteração em dois casos que, não obstante as múltiplas

semelhanças entre si, são distintos. Os métodos utilizados pelo Ministro são

os mesmo que na SL 235: prioridade constitucional do direito fundamental

em questão, obrigação do ente federativo a prever tais gastos em seu

orçamento, não incidência da reserva do possível e, consequentemente, não

ocorrência de imiscuição infundada do Judiciário188.

O que o Ministro faz, com efeito, é transcrever passagens relevantes

de manifestações relativas aos detalhes dos casos, que podem servir para

demonstrar a magnitude da interferência que a omissão estatal gera sobre o

direito à educação. Dessa maneira, fatos a respeito da necessidade de

professores terem de trabalhar turnos duplos, a falta de docentes para

determinadas matérias e a inércia reiterada do Estado do Rio de Janeiro

funcionam para traçar um contorno básico da situação enfrentada. Assim,

ainda que ele próprio não verse sobre o nível de limitação do direito

fundamental, a reprodução dos fatos serve como substituto rudimentar. Essa

opção ainda não é suficiente, mas parece ser preferível a uma abstenção total

no fornecimento de informações189.

Há outro momento em que Gilmar Mendes trata do caso em particular.

Ele afirma que:

“(...) se a realização de concurso público implica

planejamento a longo prazo, e se a transferência de

188 Tomar como exemplo o seguinte parágrafo: “Não há violação ao princípio da separação dos Poderes quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo estadual o cumprimento do dever constitucional específico de oferecimento de ensino fundamental, pois a determinação é da própria Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Ibid., p. 15. Comparar com nota de rodapé 131. 189 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 263, Min. Gilmar Mendes, j. 14/10/2008, p. 14.

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professores de outros municípios implicaria comprometer o

ensino em outras localidades, sempre resta ao poder público

a contratação temporária desses profissionais, mediante

processo seletivo simplificado”190

Como visto ao longo do tópico 2.2, a proporcionalidade trabalha com o

oferecimento de soluções alternativas para a medida estatal efetivamente

sendo analisada, com o intuito de averiguar a existência de opção menos

gravosa para o direito fundamental e que fomente o objetivo estatal no

mesmo nível. No excerto destacado, o Ministro propõe uma alternativa ao

governo do Estado do Rio de Janeiro. Ela não é, contudo, uma alternativa no

sentido que pressupõe o teste da proporcionalidade.

Na proporcionalidade entendida como proibição de excesso, a

intervenção estatal analisada deve ser comparada com alternativas que

prejudiquem menos o direito fundamental por ela afetado; se aplicada como

proibição de insuficiência, a omissão ou ação estatal insuficiente deve ser

comparada com outras ações, à procura de alguma que fomente o fim estatal

na mesma medida, ao mesmo tempo que prejudique menos o direito

fundamental afetado – o direito à educação, neste caso. A proposta do Min.

Gilmar Mendes, por sua vez, refere-se a um cenário no qual o Poder Público

já foi condenado e passa por uma situação na qual se vê obrigado a realizar

um concurso público num exíguo espaço de tempo; ela é, na verdade, uma

resposta ao argumento consequencialista do Estado do Rio de Janeiro de que,

se condenado, ele se veria num cenário impossível de acatar a decisão judicial

sem comprometer algum outro interesse público ou direito fundamental. Isso

não quer dizer que a observação do Ministro seja descabida ou não ofereça

um bom argumento; significa, apenas, que não pode ser entendida como a

realização do subteste da necessidade.

O outro julgamento do Ministro Gilmar Mendes relativo à educação é a

STA 318. Nela, o Ministério Público demandava do Estado do Rio Grande do

Sul a disponibilização de transporte para os alunos de Ensino Médio da rede

municipal de ensino público na cidade de Lajeado. Em linhas gerais, o Estado

190 Ibid., p. 13.

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do Rio Grande do Sul, ao redarguir, alegou que não recaía sobre ele a

completa responsabilidade pela omissão, uma vez que também seria

incumbência do Município de Lajeado prestar tal serviço.

O notável a respeito dessa decisão é de que, ao contrário daquelas que

a antecederam, não está a se tratar primariamente de um conflito direito

social X separação de poderes/orçamento público, mas sim de um choque

entre os princípios direito social X federalismo. A objeção central ao

deferimento do pleito não é seu impacto financeiro ou a legitimidade do Poder

Judiciário para afetar contas públicas, mas sim se realmente estaria a se

tratar de uma omissão imputável exclusivamente ao Estado. Esse fato é

reconhecido por Gilmar Mendes, já que, no meio de sua exposição usual

afirmando a capacidade do Judiciário para efetivar direitos sociais, ele afirma:

“Nesse sentido, nem mesmo eventual fundamento na violação ao princípio da

separação de poderes (art. 2º, CF/88) socorreria o requerente”191.

Isso não o impede, contudo, de valer-se do exato mesmo texto dos

seus julgamentos anteriores sobre a educação, a STA 241 e a SL 263, cujo

cerne versava justamente sobre separação de poderes. A reciclagem chega

a escancarar-se de tal maneira que, em certo ponto, o Ministro esquece de

trocar o nome do estado envolvido na disputa: ao invés de ele escrever Rio

Grande do Sul, consta na decisão o Estado do Rio de Janeiro192. Em outras

palavras, são oferecidas razões pertinentes à separação de poderes, quando

na verdade o assunto tratado era o federalismo.

Mais uma vez a vedação de deficiência figura no mesmo parágrafo de

sempre e, a julgar pelo resto do julgado, mais uma vez ela tem valor

meramente retórico para a decisão.

3.2.3.2. Luiz Fux

191 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 318, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009, p. 10. Vale anotar que a STA 318 é posterior a quase todos os já analisados julgamentos do Ministro a respeito do direito à saúde, nos quais é feita uma exaustiva exposição a respeito da justiciabilidade dos direitos sociais. Tal exposição, presente em todas as decisões sobre saúde, não aparece nessa Suspensão de Tutela. 192 Ibid., p. 3: “Contra tal decisão, o Estado do Rio de Janeiro interpôs no TJ (...)”

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O voto de Luiz Fux no RE 597.854 é o único julgamento analisado neste

trabalho que não foi decidido por Gilmar Mendes ou Celso de Mello. É,

inusitadamente, também aquele que mais se aproxima de empregar a

vedação de deficiência como ferramenta decisória, ao mesmo tempo que

inova na argumentação.

A querela em questão tratava da possibilidade de universidades

públicas cobrarem mensalidade por cursos de pós-graduação. O litígio tomou

forma quando um privado entrou com ação frente à Universidade Federal de

Goiás (UFGO), reclamando seu direito de cursar a pós-graduação da

instituição sem qualquer cobrança. Após a o juízo de primeira instância

denegar o pedido do Autor e o TRF-1 reformar esse entendimento, o processo

chegou ao STF via Recurso Extraordinário impetrado pela própria

Universidade. Reconheceu-se a repercussão geral do caso, que foi então

levado ao plenário do Supremo193.

O relator do caso, Ministro Edson Fachin deu provimento ao recurso da

Universidade, chegando à conclusão de que seria possível a cobrança de

mensalidade em cursos de pós-graduação em sentido lato. O cerne da

argumentação do Ministro foi a diferenciação entre atividades de pesquisa,

extensão e ensino, distinção essa prevista na própria Constituição (por

exemplo em seus artigos 207 e 213). Segundo ele, e em linhas gerais,

enquanto o ensino público deveria ser financiado exclusivamente por recursos

públicos, a pesquisa e a extensão poderiam captar recursos privados, por

exemplo através da cobrança de mensalidades. Os cursos de especialização

193 Não obstante o debate travado pelos ministros nesse julgamento ter girado em torno de

como interpretar os dispositivos relacionados à educação presentes na Constituição para, ao fim, elaborar uma tese universal referente ao tema, entendeu-se que este caso não trata de prestação normativa do Estado, mas sim de uma prestação material. Dado o fato de que a parte nos autos era uma pessoa que reivindicava a possibilidade de educação gratuita,

considerou-se a omissão estatal como fática. Ainda que, depois, o reconhecimento de repercussão geral ensejou uma expansão da discussão de um viés particular para um universal, o litígio continuou dizendo respeito ao indivíduo que buscava pós-graduação gratuita na UFGO.

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são caracterizados pelo Ministro como pertencentes à pesquisa e extensão e,

portanto, poderiam exigir contraprestação de seus alunos194.

Ao final do voto do relator, foi iniciada uma discussão sobre a

possibilidade de estender a permissão de cobrança para cursos de pós-

graduação sctricto sensu, ampliando a proposta inicial do Ministro Fachin.

Nesse contexto, o Ministro Luiz Fux fez observações já relevantes para a

monografia. Foi dito:

“Na verdade, essa limitação que se impõe hoje às

universidades públicas, que estão absolutamente sucateadas,

demonstra que uma interpretação literal em contraposição a

uma interpretação da razoabilidade à luz da proteção

ineficiente consagra exatamente a necessidade de se atingir

teleologicamente um alcance maior, não só dos dispositivos,

mas também, eventualmente, da tese que se está debatendo

(...)

“Então, essa possibilidade [de cobrar em pós graduação

stricto sensu] que Vossa Excelência, generosamente, abriu,

depois de abrir a primeira porta, que era a mais importante,

acho que nós devemos também, à semelhança do que o

Ministro Gilmar sugeriu, realmente aproveitar, em nome do

princípio que veda a proteção deficiente, porque é

inequívoco - e qualquer outra versão não é verdadeira -, as

universidades públicas estão sucateadas”195

A primeira coisa a se notar é a menção da “razoabilidade à luz da

proteção ineficiente”. Estaria ele se referindo à vedação de proteção

insuficiente? Parece que sim, uma vez que, dois parágrafos depois, ele volta

a referir-se ao “princípio que veda a proteção deficiente”. Mais à frente, ainda,

o Ministro Fux afirma que “(...) um dos princípios materiais de interpretação

194 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. RE 597.854, Rel. Min. Edson Fachin, j.

26/04/2017, p. 13-14; 18-20. 195 Ibid., p. 33-34. Negritado nosso.

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da Constituição é o princípio da razoabilidade, que tem como subprincípio a

vedação à proteção deficiente”196. Não há dúvida de que ele está a tratar da

proibição de insuficiência investigada neste trabalho.

Uma primeira observação: é ponto pacífico que a vedação de

deficiência faz parte da proporcionalidade. Advogar por uma “razoabilidade à

luz da proteção ineficiente” implica igualar a proporcionalidade à

razoabilidade. Essa identificação pelo Ministro Luiz Fux é controversa e

merece ser apontada197. O segundo ponto relevante: o intuito do Ministro, ao

trazer a proibição de insuficiência para o debate, é fugir de uma interpretação

literal da Constituição, que vedaria a cobrança de mensalidade, e tomar uma

aproximação teleológica ao assunto, de forma a conferir maior efetividade ao

direito à educação, como será pormenorizado por ele. Essa eficiência seria

alcançada pela possibilidade de cobrança, também, na pós-graduação pública

stricto sensu198.

Com efeito, em seu voto199, o Ministro Luiz Fux admite que julga o caso

por uma perspectiva pragmática, que busca acima de tudo conferir maior

efetividade ao direito à educação200. Para tal, estaria a valer-se do princípio

hermenêutico da vedação de insuficiência, que proporcionaria uma

interpretação finalística da Constituição. É por esse motivo que:

196 Ibid., p. 50. 197 Vide nota de rodapé 27. 198 Luiz Fux reconhece que propõe inovação que extrapola o texto da lei, ao exortar seus colegas: “O Supremo Tribunal Federal está habituadíssimo a proferir sentenças aditivas, sem

problema nenhum. Aqui é o momento. (...) Hoje em dia - para uma análise econômica até do processo -, as partes têm que ter o máximo de resultado com o mínimo de esforço. Aqui é uma oportunidade de se ter o máximo de resultado pró-futuro, com o mínimo de esforço.

Formalmente, num formalismo extremamente desnecessário, nós poderíamos até dizer: "não, a tese é essa e vamos ficar só nisso””. Ibid., p. 50-51. 199 Ainda que neste trabalho se trate unicamente dos argumentos usados pelo Ministro

pertinentes à proibição de insuficiência, deve-se notar que seu voto não se resume a isso. Luiz Fux aborda também outras justificativas para seu veredito, como a já mencionada distinção entre ensino, pesquisa e extensão. 200 “(...) a possibilidade de financiamento privado em cursos de pós-graduação decorre também

do argumento teleológico. A melhor interpretação dos dispositivos constitucionais que tratam do direito à educação não pode ser aquela que conduz ao sucateamento da prestação do

serviço público, com o evidente e imediato prejuízo do alunado e da sociedade. Ora, o direito social à educação pública deve ser interpretado de forma a atender à sua máxima efetividade, o que corresponde ao atendimento dos princípios e diretrizes dispostos pelo constituinte”. Ibid., p. 61. Negritado no original.

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“(...) a tramitação da PEC 395/2014 macularia também o

princípio da proporcionalidade, especialmente na sua vertente

da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), na

medida em que o processo legislativo vergastado se

encaminharia para o esvaziamento da proteção

constitucionalmente prevista ao direito à educação (...)”201

“Dessa forma, tem-se que a atuação do legislador, ainda que

constituinte, deve ser pautada pelo propósito de assegurar a

máxima efetividade do direito fundamental. Tratando-se de

direitos sociais, a proibição à proteção insuficiente pauta a

extensão da obrigação positiva que pode ser exigida do

Estado.”202

Há muito com que se trabalhar aqui. O Ministro Luiz Fux pela primeira

vez atrela a proibição de proteção deficiente à proporcionalidade, mesmo que

antes o tenha feito relacionando-a à razoabilidade. Isso parece sustentar a

implicação feita anteriormente de que, para ele, os dois conceitos podem ser

tomados como sinônimos. Ademais, a compreensão do Ministro sobre o que

é a vedação de insuficiência é mais uma vez explicitada: para ele, tratar-se-

ia de um princípio (entendido como mandamento de otimização) que

impediria que certo direito fundamental tivesse sua efetividade fática tolhida

abaixo de certo ponto. Ou seja, caso restasse assentada a gratuidade dos

cursos de pós-graduação, o Estado descumpriria o seu dever de velar pelo

direito à educação, porque a consequência seria o “sucateamento das

faculdades”.

Em seguida, porém, Luiz Fux menciona obra doutrinária para alargar

sua exposição sobre a proibição de excesso. No trecho transcrito, é ressaltada

a dimensão objetiva dos direitos fundamentais e o consequente dever de

201 Ibid., p. 61. A PEC 395/2014 foi um projeto de emenda à Constituição que dirimia a dúvida

colocada no caso, ao atestar a gratuidade dos cursos de pós graduação stricto sensu oferecidos por universidades públicas. Ainda que se pudesse argumentar que essa alteração facilitaria a cobrança de contraprestação por cursos de especialização, a vedação de cobrança no mestrado e doutorado aparentemente tornou o projeto indesejado para o Ministro Fux. 202 Ibid., p. 62.

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proteção estatal, que veda a inação do Poder Público203. Ou seja, a

apresentação do conceito pelo Ministro se aproxima daquela feita por Gilmar

Mendes, onde apenas os conceitos de imperativo de tutela, proibição de

excesso e proibição de proteção insuficiente são abordados. No caso de Fux,

porém, há um complicador. Os autores citados por ele, dois parágrafos em

seguida ao transcrito na decisão, apresentam a estruturação da proibição de

deficiência como teste de proporcionalidade. Evidenciam, portanto, que o

teste da vedação de insuficiência conta com três subtestes, análogos aos da

proibição de excesso, pelos quais uma omissão estatal tem de passar para

poder ser considerada constitucional204. Esse detalhe, fundamentalmente

importante, foi aparentemente omitido pelo Ministro Fux em seu voto. É

possível, contudo, identificar indícios de aplicação das sub-regras.

“No caso, a restrição absoluta a qualquer forma de

financiamento privado em universidades públicas, sem que

tenha sido essa a vontade manifestada pelo constituinte

originário, sequer contribui para um outro objetivo

legítimo. Ainda que o fizesse, a possibilidade de se conceder

bolsas, isenções ou empréstimos atenderia ao dever estatal

de assegurar a equalização de oportunidades educacionais, o

acesso aos níveis mais elevados de educação e formação para

o trabalho, consistindo em meio menos prejudicial ao

direito à educação”205

Ao afirmar que a restrição a financiamento privado em universidade

públicas não contribui para qualquer objetivo legítimo, o Ministro faz clara

referência à primeira sub-regra da proporcionalidade, a adequação. Em

seguida, ao propor a possibilidade do Estado fornecer financiamento àqueles

que não pudessem arcar com as custas da educação, e afirmar que esse meio

203 Ibid., p. 61-62. A obra citada é a já mencionada Direito Constitucional: teoria, história e

métodos de trabalho, de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto (SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 392). 204 Cf. SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 393. 205 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. RE 597.854, Rel. Min. Edson Fachin, j.

26/04/2017, p. 62. Negritados nossos.

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seria menos prejudicial ao direito à educação, o ministro aplica a sub-regra

da necessidade.

O interessante a se notar é que, segundo o voto, o Estado estaria se

omitindo ao não permitir a cobrança de mensalidade; em outras palavras, a

omissão decorreria de uma intervenção do Estado sobre as faculdades. Para

ele, o Estado tem o dever de prestar uma não-intromissão, ou seja, tem o

dever de não intervir. O Ministro, talvez inadvertidamente, acaba não fazendo

um controle de proteção insuficiente, mas sim de proibição de excesso.

Ao tomar a vedação de deficiência como um princípio a proteger o

direito à educação – e ao partir da premissa de que o financiamento

exclusivamente público prejudica esse direito, enquanto o financiamento

privado o fomenta –, Fux passa a controlar a intervenção que o Estado exerce

sobre as faculdades ao privá-las de financiamento privado. A questão é que

a proibição de proteção insuficiente controla omissões; o que controla

intervenções é a proibição de excesso. A faculdade, no caso, não tem uma

pretensão prima facie a uma prestação do Estado, mas sim a uma abstenção,

qual seja, a de não tolher o direito da faculdade ao financiamento privado.

Apesar de aparentemente tratar a proporcionalidade como teste (ainda

que só fazendo referência às sub-regras da adequação e necessidade e,

portanto, deixando a proporcionalidade em sentido estrito de lado), o Ministro

enxerga a proibição de proteção insuficiente como um princípio que comanda

a máxima efetivação de um direito, e isso o leva a confundir o tipo de teste

a ser realizado; ainda que alegue estar aplicando a vedação de proteção

deficiente, ele está, em realidade, valendo-se da proibição de excesso.

3.2.4. Cárcere

Obviamente, não existe algo como um “direito ao cárcere”. O tema a

ser tratado aqui é o da dignidade do encarcerado e da obrigação estatal de

garantir condições dignas de vida para ele. É possível afirmar que o caso

tratado neste tópico diz respeito à dignidade da pessoa humana. Por certo o

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faz. Optou-se por caracterizá-lo como relativo ao tema do encarceramento,

porém, com vistas a proporcionar maior especificidade à matéria abordada

no julgamento.

Só um caso entre os estudados se encaixa nessa categorização206. É a

Suspensão de Tutela Antecipada 241, o último julgado de Gilmar Mendes

entre os examinados neste trabalho. Nela, discutiu-se a superlotação de certa

Delegacia de Polícia Civil no Estado do Rio Grande do Norte, consequência da

falta de vagas nas cadeias públicas. A manutenção de presos – provisórios e

já condenados – em número superior ao limite do estabelecimento acarretava

na falta de respeito aos direitos dos reclusos, bem como no comprometimento

da prestação de serviço de segurança por parte da Polícia Civil. Foi nesse

cenário que o Ministério Público do Rio Grande do Norte entrou com Ação Civil

Pública visando à obtenção de medidas que mitigassem a situação de

limitação nos direitos fundamentais, dos presos e da população.

Não é tarefa fácil definir se a STA 241 trata de direito social. Por um

lado, o pedido versa sobre prestação material do Estado, onerosa para os

cofres estatais e instituída por política pública; por outro, é incorreto afirmar

que a construção de penitenciárias pode ser adquirida de outros particulares,

no mercado comum207. Ainda, pode soar estranho afirmar que um caso

referente, sobretudo, ao direito à segurança seja um caso relativo a direitos

sociais. É certo que o forte elemento da dignidade humana presente no caso

enseja uma maior aproximação aos direitos sociais; o entendimento comum

da dignidade humana como um grande “direito guarda-chuva”, que engloba

todos os outros direitos, leva a essa linha de pensamento. No final das contas,

o critério definitivo que sedimentou o preenchimento do suporte fático da

monografia neste caso foram as próprias palavras do Ministro Gilmar Mendes

ao resolver a STA 241. É o próprio julgador quem repetidamente afirma estar

206 Seria possível considerar também a SL 235 (tópico 3.2.1.1), que tratou da obrigação do

Estado construir unidades de reclusão para menores infratores, como concernente ao presente tema. A argumentação do Min. Gilmar Mendes na resolução dela, contudo, teve foco nos direitos específicos da criança e do adolescente, conforme já analisado. Por isso, reputou-se mais correto encarar tal julgado como condizente à seara própria das crianças e adolescentes. 207 Essa é, por exemplo, a definição de direitos sociais encontrada em ALEXY (2017), p. 499.

A definição de direito social usada neste trabalho encontra-se no tópico 2.1.3.

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se tratando de um direito social. Considerou-se por bem acatar a

caracterização do Ministro.

A decisão de Gilmar Mendes na STA 241 é baseada majoritariamente

em razões já expostas nos seus julgados anteriores. Passa-se pelo parágrafo

que distingue a proibição de excesso da proibição de insuficiência, afirma-se

a necessidade de ação estatal positiva, rechaça-se a caracterização de lesão

à ordem e economia públicas. Há, no entanto, um parágrafo em que o

Ministro, brevemente, toca em uma particularidade relevante do caso:

“(...) a ordem judicial não determina a construção imediata

de estabelecimentos prisionais. Pelo contrário, a decisão de

segundo grau foi expressa em retirar o prazo de 6 (seis)

meses para a criação de novas vagas e em submetê-la à

implementação gradativa, estabelecendo apenas prazo para

que o requerente apresente um plano de realocação dos

presos, com autogerência quanto ao estabelecimento de

metas para a tomada de providências essenciais à garantia da

segurança pública”208

Em suas decisões, os momentos em que Gilmar Mendes foge dos

argumentos genéricos costumam ser aqueles nos quais ele evidencia o direito

fundamental em jogo, sem, no entanto, adentrar nos detalhes da situação.

Não é o que ocorre dessa vez. Ainda que apenas apontando um fato e sem

emitir qualquer juízo de valor, o Ministro apresenta algo relevante e único do

caso. Por mais que esse parágrafo seja insuficiente para caracterizar por si

uma ponderação, saber que não está a se ordenar a construção imediata de

prisões, mas sim impondo que o Executivo elabore planos de realocação dos

detentos, é extremamente importante para aferir o nível de afetação ao

princípio da separação de poderes e para um eventual sopesamento. Nesse

cenário, a vedação de deficiência poderia entrar em ação.

208 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 419, Min. Gilmar Mendes, j. 06/04/2010, p. 6.

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3.2.5. Acesso à justiça

Os quatro casos examinados relativos ao direito de acesso à justiça

foram proferidos pelo Ministro Celso de Mello num curto espaço de tempo: de

junho de 2013 a fevereiro de 2014. Eles todos tratam de demandas pela

instalação de defensorias públicas em localidades carentes de representação

jurídica para a população hipossuficiente.

O primeiro julgado do grupo foi o AI 598.212, no qual exigia-se a

expansão da recém criada Defensoria Pública do Paraná, até então restrita à

capital Curitiba, para todo o estado. Nele, o Ministro não foge do já conhecido

roteiro de expor a importância do direito fundamental em questão209,

consignar a legitimidade do Judiciário para intervir em áreas de políticas

públicas210, questionar a motivação e a boa vontade do administrador

público211, reconhecer a existência da reserva do possível, prontamente

rechaça-la212 e, ao fim, prover o pedido de prestação. Tudo isso através do

mesmo texto usado em suas decisões anteriores.

A proibição de insuficiência é mencionada na ementa da decisão e no

corpo da pesquisa. Em ambos, Celso de Mello volta a errar o nome do

conceito, chamando-lhe de “vedação da proibição insuficiente”. Como já dito,

esse erro não compromete em si a decisão, mas poderia servir como indicador

do menoscabo do Ministro para com o instituto.

A única parte que distingue os julgados relativos ao direito de acesso

à justiça das outras decisões proferidas por Celso de Mello é aquela na qual

ele discorre sobre esse direito fundamental em específico. O principal

argumento a favor do relevo dele é o estado precário em que se encontra no

contexto brasileiro, e sua funda centralidade para o exercício da cidadania,

liberdade e igualdade. Esses fatores, ainda que repletos de razão, não são

somados a considerações sobre o caso concreto e, por isso, não embasam

209 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI 598.212, Min. Celso de Mello, j. 10/06/2013, p. 3-6. 210 Ibid., p. 7; 16. 211 Ibid., 9-12. 212 Ibid., 13-15.

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qualquer ponderação. Como de costume, a motivação do Ministro Celso de

Mello resume-se a elucubrar acerca de conceitos abstratos e gerais para, num

salto pseudológico, proferir a decisão do litígio.

A única diferença das outras três decisões sobre o tema – a AI 764.969,

o RE 763.667 e o RE 795.749 – para a AI 598.212 é que, nestas, o Ministro

corrige seu ato falho e não escreve “vedação da proibição insuficiente”. De

resto, os julgados mantêm a mesma estrutura já observada.

3.2.6. Seguridade Social

O último direito social abordado é o da seguridade social. Há duas

decisões relativas ao tema que serão aqui examinadas (Rcl 18.636, Rcl

25.363), ambas sentenciadas pelo Ministro Celso de Mello. Os dois julgados

dizem respeito ao artigo 20, §3º da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS,

Lei 8.742/93)213. Nele, consta que a família com pessoa idosa ou com

deficiência, para poder receber o benefício de prestação continuada, precisa

comprovar renda mensal per capita inferior a um quarto de salário mínimo.

Esse dispositivo foi declarado parcialmente inconstitucional quando do

julgamento da Reclamação 4.374. Nela, o plenário do STF derrubou

entendimento firmado anteriormente em sede de controle concentrado214, e

consignou que tal critério estipulado no art. 20, §3º da LOAS era demasiado

baixo e incompleto; ele havia passado por processo de inconstitucionalização,

de modo a não mais lograr refletir a realidade fática e normativa. Desse

modo, configurou-se omissão inconstitucional parcial, o que levou a corte a

revogar seu precedente e declarar o parágrafo parcialmente inconstitucional.

213 “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (...) §3º. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a

família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”. Negritado no original 214 Na ADI 1.232, Rel. Min. Ilmar Galvão, Rel p/ o Acórdão Min. Nelson Jobim.

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As Reclamações 18.636 e 25.363, estudadas nesta monografia,

insurgiram-se contra decisões judiciais que ratificaram recusas do Instituto

Nacional de Segurança Social (INSS) contrárias ao entendimento firmado na

Reclamação 4.374. Tais decisões recusavam o pleito pelo benefício de

prestação continuada feito por família com pessoa deficiente, mas cujo salário

per capita era superior ao um quarto do salário mínimo previsto no dispositivo

da LOAS. Argumentavam os reclamantes que a denegação do benefício pelo

INSS era inconstitucional porque ia na contramão daquilo que havia sido

julgado na Reclamação 4.374.

As Reclamações 18.636 e 25.363 podem ser separadas em dois

momentos: um primeiro, onde se justifica por que o entendimento firmado

em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232) pode ser revogado

pelo que foi deliberado numa Reclamação Constitucional (Rcl 4.374) além de,

seguindo adiante, por que o que foi decidido numa Reclamação Constitucional

geraria efeitos jurídicos para terceiros, tais quais os pleiteantes das

Reclamações 18.636 e 25.363; um segundo momento onde, uma vez

assentada a relevância da primeira Reclamação para as duas subsequentes,

resolve-se o caso concreto. É neste segundo momento que a vedação de

deficiência se faz presente e, por isso, é ele que será analisado.

A menção ao conceito é feita, mais uma vez, somente na ementa do

julgado. No entanto, o Ministro Celso de Mello desvia do usual e insere a

proibição de proteção insuficiente num contexto diverso do que ele faz em

todas suas outras decisões, onde ela é arrolada junto à proibição de excesso,

proibição de retrocesso e a proteção ao mínimo existencial. Nas Reclamações

em questão, a ementa indica:

“(...) Injustificada recusa do INSS em conceder à beneficiária,

que é portadora de graves deficiências físicas, o pretendido

benefício assistencial. Inadmissibilidade dessa recusa

administrativa, pois, caso acolhida, transgrediria,

frontalmente, o postulado constitucional que, dirigido ao

Estado, veda a proteção insuficiente de direitos

fundamentais (como o direito à assistência social). A

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proibição da proteção insuficiente como uma das

expressões derivadas do princípio da

proporcionalidade”215

A diferença é substancial. Em primeiro lugar, porque o conceito é

atrelado à proporcionalidade, passo que não é dado nas decisões analisadas

anteriormente (até mesmo no RE 812.626, que é cronologicamente posterior

à Rcl 18.636); em segundo lugar, porque o Ministro é explícito ao tratar a

vedação de deficiência como um “postulado constitucional que (...) veda a

proteção insuficiente de direitos fundamentais”. Essa frase é de grande valor

para ajudar a esclarecer o que Celso de Mello tem para si como proibição de

proteção insuficiente (que em outros julgados ele se refere por vedação da

proteção insuficiente). Nela, o Ministro deixa claro algo que seus julgados

anteriores só deixavam margem para especulação: para ele, o conceito

funciona de modo a impedir a limitação de direitos fundamentais. Nesse

sentido, a proibição de deficiência não seria uma ferramenta para averiguar

quando um direito fundamental é restringido justificadamente. Seria, na

verdade, uma espécie de mandamento de otimização que prescreve a

atuação estatal na efetivação de direitos fundamentais.

A diferença pode ser sútil, mas é importante. Ela remete ao debate

terminológico trazido no tópico 2.2.3.1, no qual se discutia a natureza da

proporcionalidade como princípio, regra, metaregra, comando, prova, teste

ou critério. Conforme então apresentado, a denominação usual de “princípio

da proporcionalidade” é tida por muitos como imprecisa. Isso porque os

princípios seriam tipos de normas que prescreveriam a máxima efetivação de

um valor tido pela ordem jurídica como relevante. O princípio do acesso à

justiça, portanto, equivaleria a um mandamento que estabeleceria, em

primeiro lugar, que o acesso à justiça é reputado importante pelo

ordenamento jurídico e, em segundo lugar, que o Estado tem que agir de

maneira a promover esse valor ao seu grau máximo. Os princípios seriam,

então, mandamentos de otimização.

215 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Rcl 18.636, Min. Celso de Mello, j. 10/11/2015, p. 2-3.

Negritado nosso.

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A proporcionalidade (compreendendo aí a proibição de excesso e a

proibição de insuficiência), entendida como uma ferramenta para examinar a

limitação de direitos fundamentais, é claramente diversa de princípios que

impõem a otimização de um objetivo, tais quais a separação de poderes, a

eficiência e – se se admitir que direitos fundamentais também têm estrutura

de princípio – o direito à saúde, por exemplo. Ela não estabelece a consecução

de um valor até o seu grau ótimo. Na verdade, a proporcionalidade é um

meio para resolver conflitos entre normas. Ou seja, ao passo que o direito à

liberdade de expressão, enquanto princípio, ordena que o Estado atue tendo

em vista a máxima efetivação do objetivo “liberdade de expressão”, o

“princípio” da proporcionalidade não consiste na especificação de um fim a

ser almejado, mas sim na estruturação de um meio para alcança-lo216. Tanto

a vedação de deficiência quanto a proibição de excesso, como componentes

da proporcionalidade, se encaixam nessa caracterização de meios para um

fim; seu valor é instrumental.

Essa distinção parece passar ao largo do Ministro Celso de Mello. Ao

caracterizar a proibição de proteção insuficiente como “postulado

constitucional que (...) veda a proteção insuficiente de direitos

fundamentais”, ele parece admitir que vê o conceito como uma ordem,

emanada da Constituição, que proíbe o Estado de se omitir na realização de

direitos fundamentais. A vedação de insuficiência deixa de ser uma

ferramenta de medição, para se transformar numa prescrição constitucional,

um mandamento de otimização, enfim, um princípio. Nesse sentido, ela não

mais serve como a balança na qual se pesa o valor de princípios colidentes

num caso concreto; ela própria vira um dos princípios, a ser colocado na

balança para pesagem.

No caso das Reclamações 18.636 e 25.363, não é julgada uma colisão

entre a legalidade (representada pela letra fria da LOAS) X o direito à

seguridade social, mas sim um conflito entre a legalidade X o direito à

seguridade social + o “princípio” da proibição de insuficiência. Por mais que

216 Vide tópico 2.2.

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a vedação de deficiência tenha sido cunhada para sopesar colisões, nos casos

aqui analisados, ela acaba pendendo a balança para um dos lados.

3.3. Conclusão do capítulo

Inicialmente, verificou-se que não há linearidade cronológica no

emprego da proibição de insuficiência para prestações fáticas de direitos

sociais. Os julgamentos se concentram na época da presidência do STF pelo

Ministro Gilmar Mendes e no período pós-2013, no qual o Ministro Celso de

Mello passou a citar o conceito frequentemente. O único outro julgamento

que se encaixou na proposta da monografia foi de 2017, proferido pelo

Ministro Luiz Fux.

O direito fundamental social que mais ensejou a menção do instituto

foi o direito à saúde, com ampla margem de diferença para o segundo

colocado. O nível federativo mais vezes acionado por ter se omitido foi o dos

estados. A estatística mais chamativa foi a que revelou com qual frequência

o STF concede o pleito social. Dos 29 casos estudados, somente em um a

proibição de proteção insuficiente foi mencionada de modo a denegar o

pedido por prestação. Isso equivale a aproximadamente 3% dos casos.

Quanto ao emprego do conceito, não foi possível traçar um

denominador comum a todo o STF. Na verdade, cada ministro utilizava a

vedação de deficiência de seu próprio modo, sem qualquer conexão com as

vezes que ela já havia sido usada por outro colega. Não houve diálogo entre

os ministros no tocante ao conceito, já que sequer foram feitas referências

às outras vezes em que ele fora mencionado anteriormente na Corte. A maior

constante das decisões foi, como já exposto, a concessão do pleito social.

No caso do Ministro Gilmar Mendes, o instituto foi mencionado na

mesma frase em todos os julgados (com exceção da SL 235, na qual houve

também uma menção posterior ao instituto, mas sem qualquer diferença

prática): ele era contraposto à proibição de excesso e justificava a existência

de deveres estatais de prestação positiva. Disso, porém, não seguia qualquer

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aprofundamento sobre o tema. A proporcionalidade não era mencionada

diretamente, apenas no título da obra usada como referência. Na maioria das

vezes, a argumentação do Ministro resumia-se a discorrer sobre diversos

conceitos relacionados ao caso, sem em nenhum momento adentrar nos

detalhes dele. Os julgamentos sobre direito a saúde, porém, contaram com

uma exposição mais completa sobre o tema e uma maior preocupação em

apresentar particularidades do litígio, ainda que o próprio Gilmar Mendes não

tenha feito considerações próprias sobre eles e tenha julgado os processos

de maneira igual, sem levar em conta suas muitas diferenças. No fim, não

obstante o reconhecimento do Ministro da importância da reserva do possível

e da necessidade por ponderação, todos os julgamentos foram favoráveis ao

pleiteante.

Nas Suspensões de Segurança 3751, 3690 e 3741, o Ministro Gilmar

Mendes valeu-se dos subtestes da proporcionalidade ao afirmar que a

prestação de medicamentos para os autores das ações era necessária,

adequada e proporcional. A frase do Ministro causa estranhamento porque a

proporcionalidade é usada como ferramenta para averiguar quão justificável

é uma limitação de direitos fundamentais, não sua promoção. Ao conceder a

prestação e classifica-la como proporcional, Gilmar Mendes controla quão

justificável é o fomento de um direito fundamental; não é sequer aplicação

de proibição de excesso e muito menos de proibição de insuficiência.

O Ministro Luiz Fux citou a proibição de proteção deficiente apenas uma

vez, no RE 597.854. Nela, o Ministro apresentou o conceito como decorrente

da razoabilidade; ele seria um vetor interpretativo que visaria a conferir a

máxima efetividade ao direito fundamental. Nesse sentido, se aproxima do

entendimento, mais evidente nos votos de Celso de Mello, de que a vedação

de insuficiência seria um mandamento de otimização. Curiosamente, porém,

esse argumento foi usado para denegar o pleito social. Segundo o voto, caso

o pedido de pós-graduação gratuita fosse concedido, a oferta da educação

pública restaria comprometida. Mais adiante, ainda, o Ministro fez alusão aos

subtestes da adequação e da necessidade. O controle feito por ele, contudo,

incidiu sobre a proibição de financiamento privado das universidades

públicas. Considerando que a proporcionalidade é aplicada sobre uma

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intervenção estatal, o teste utilizado foi a proibição de excesso, não a

proibição de insuficiência.

Com exceção dos dois casos referentes à seguridade social, o Ministro

Celso de Mello, assim como o Ministro Gilmar Mendes, empregou a proibição

de insuficiência sempre num mesmo contexto e sempre na ementa. Nessas

vezes, ela foi colocada ao lado da proibição de excesso, proibição de

retrocesso e proteção ao mínimo existencial, ainda que alguns destes

parâmetros não eram sequer pertinentes ao caso em questão. De forma ainda

mais acentuada que Gilmar Mendes, Celso de Mello esquivou-se das

particularidades de cada situação e restringiu-se a apresentar generalidades

sobre o direito fundamental em foco e a afirmar a legitimidade do Judiciário

para intervir na Administração Pública. Não houve ponderação alguma em

nenhum momento. Quando presente no corpo da decisão, a vedação de

deficiência era mencionada no mesmo contexto que na ementa, ou seja,

apenas relacionada aos outros três parâmetros constitucionais. O conceito

parece ter menos importância do que nos julgamentos de Gilmar Mendes.

A menção à proibição de insuficiência nas Reclamações 18.636 e

35.363, porém, fugiu do padrão do Ministro; ela não foi colocada junto à

proibição de excesso, à proibição de retrocesso e à proteção do mínimo

existencial. Nesses julgamentos, o instituto foi associado à proporcionalidade.

Mais importante que isso, Celso de Mello revelou que entende a proibição de

proteção insuficiente como um imperativo a prestações estatais, que vedaria

a inação do Poder Público quando ele devesse agir. Essa concepção mais

aproxima o conceito a um princípio – que ordena a maximização de algum

objetivo – do que a uma ferramenta decisória – usada para resolver conflitos

entre normas.

Tal percepção sobre a vedação de insuficiência, se generalizada

também ao Ministro Gilmar Mendes, pode elucidar o motivo pelo qual apenas

um entre os 29 casos em que o conceito apareceu teve o pedido por prestação

denegado.

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4. Conclusão

“Pretende-se de fato que o direito como estudo de

uma vida é mais do que uma ciência: ele pertence

tanto à práxis quanto à techne. Particularmente,

poderíamos sugerir que o aprendizado do direito

que se satisfizesse com listar ou repetir ou mesmo

aprender todas as regras e princípios jurídicos

afirmados abstratamente não chegaria à

iurisprudentia. Ela consiste nessas regras,

princípios e valores implícitos trazidos a uma

situação concreta, sopesados, equilibrados e

finalmente aplicados para produzir uma resposta a

uma questão concreta de direito que chega

(quando bem feita) a ser iurisprudentia

compreendida própria e totalmente” 217

4.1. O que é proibição de insuficiência para o STF?

Uma conclusão da pesquisa é a de que não há uma maneira central

com que o STF emprega a proibição de insuficiência ao julgar a concessão de

prestação fática de direitos sociais. O que existe, na verdade, são os

diferentes modos com que cada ministro traz o conceito para suas decisões.

Isso não quer dizer, porém, que seja impossível traçar pontos de intersecção

entre cada julgador.

O primeiro e mais flagrante ponto de intersecção é o de que cada

ministro costuma citar a vedação de proteção insuficiente (em casos que se

encaixam ao suporte fático do trabalho) sempre no mesmo contexto e com

as mesmas palavras, já que suas decisões tendem a ser cópias quase

idênticas de outros julgados passados. Essa conclusão decorre do exame de

decisões dos dois ministros com mais de um julgado analisado, Gilmar

Mendes e Celso de Mello. Ainda que algumas vezes haja alterações pontuais

relevantes de caso para caso – por exemplo, quando se trata de um direito

fundamental diferente daquele previamente abordado – a maior parte do

217 Trecho pertencente a MacCORMICK (2001), p. 81. Foi traduzido do inglês e citado primeiro em LOPES (2009), p. 78.

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corpo das decisões é reaproveitado de sentenças anteriores, palavra por

palavra.

Dessa primeira coincidência decorre uma segunda: quando

suscitados, os detalhes de cada julgamento costumam ser levantados

superficialmente e pouco contribuem para o desenrolar da decisão. Ora, se

os Ministros reciclam seus julgados, logicamente não irão colocar as

particularidades dos julgamentos em suas razões.

Quem mais se aproximou de expor propriamente os pormenores de

cada caso foi o Ministro Gilmar Mendes em seus julgamentos sobre direito à

saúde. Ele o fazia, porém, porque a sua fórmula de decisão para casos

relativos à saúde assim exigia. Além da menção aos fatos relevantes, não se

verificava qualquer racionalização do Ministro baseado neles. Mais que isso,

enquanto o seu voto exortava o desenvolvimento de diferentes critérios de

ponderação para diferentes casos, o Ministro Gilmar Mendes sentenciou todos

os casos do tema – que variavam de pedidos por construção de hospitais,

passando por pedidos de remédios existentes na lista do SUS ou não

existentes na lista do SUS, a pleitos pelo fornecimento de leite de soja218 –

usando as mesmas palavras.

No caso do Ministro Celso de Mello, a reincidência nos argumentos

era acompanhada de um aparente menosprezo para com a escassez de

recursos e o interesse estatal de não ter seu orçamento manipulado pelo

Judiciário. É recorrente a imputação ao Poder Público de criar “obstáculo

artificial” que, através “de indevida manipulação de sua atividade financeira

e/ou político-administrativa”, tem o “arbitrário, ilegítimo e censurável

propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar”219 a fruição dos direitos

fundamentais pelos indivíduos. A julgar por suas palavras, as 14 omissões

julgadas por ele e aqui estudadas foram decorrência da crueldade dos

administradores públicos, tendo em vista que a incidência da reserva do

possível foi afastada a cada vez.

218 Cf. SS 3690, p. 18. 219 Citações retiradas do AI 598.212, p. 14.

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Num cenário onde não se decide o caso concreto – com todos seus

detalhes e vilosidades –, mas sim um conflito abstrato de princípios que, uma

vez resolvido, engendra a resolução de todos os casos que a ele se

subsumem, não é possível falar de proibição de insuficiência. Ela, pelo

contrário, pressupõe o choque ad hoc entre princípios, e fornece a solução de

um litígio por vez. A julgar pelo índice estonteante de concessões de

prestação e, acima de tudo, pelas razões repetidas dos ministros, esse

conflito caso a caso não ocorria; para os Ministros Celso de Mello e Gilmar

Mendes, no choque entre um direito social e o interesse público de preservar

o orçamento estatal ou a separação de poderes, o primeiro sempre

prevaleceria, seja isso admitido abertamente (como o faz Celso de Mello em

decisões relacionadas à saúde220), seja escondido sobre uma suposta

necessidade de ponderação ad hoc221.

Fugiu à regra o voto do Ministro Luiz Fux no RE 597.854. Isso não

somente porque ele teve apenas uma decisão analisada, mas também porque

foi ele o único a associar a proibição de insuficiência com o direito

fundamental em debate no caso. Não decorreu disso, contudo, um

sopesamento entre os princípios em conflito: mais uma vez, detalhes do

julgamento foram postos de lado222. A ligação entre a vedação de deficiência

e o direito à educação foi feita, na verdade, como se ela um princípio fosse.

O Ministro é claro ao afirmar que a proibição de proteção insuficiente funciona

de modo a garantir maior efetividade ao direito à educação. Esse

entendimento é similar ao esposado por Celso de Mello nas Reclamações

Constitucionais 18.636 e 25.363. Neles, a vedação de deficiência é um

mandamento de otimização.

Já foi dito que a proibição de insuficiência não é um conceito unívoco.

Para o pouco que foi abordado sobre ela na doutrina e jurisprudência, há

220 Por exemplo, STA 233-AgR, p. 35-36. 221 Por exemplo, SL 228, p. 8; 10. 222 Nesse caso, porém, o Ministro Fux tem ainda uma justificativa razoável: por mais que o

julgado fosse um Recurso Extraordinário, fruto do controle difuso de constitucionalidade, o reconhecimento de repercussão geral fez com que o litígio perdesse seu valor particular e

adquirisse caráter universal. Os detalhes referentes ao pleiteante, que moveu ação contra a UFGO pela gratuidade da pós-graduação, acabam sendo naturalmente mitigados frente ao impacto generalizado que a decisão terá.

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menos ainda sistematizado. Ao contrário da proibição de excesso, que já

conta com diferentes estruturações sólidas e delineadas, bem como pontos

de partida epistemológicos, a vedação de proteção deficiente engatinha em

seu desenvolvimento. Falar sobre ela, se comparado a outros institutos já

mais bem sedimentados, beira o tatear no escuro.

Não por isso deva se aceitar qualquer subjetivismo. Sabe-se, por

exemplo, que a proibição de deficiência diz respeito a deveres estatais de

prestação. É pacífico, também, que ela é a contraparte da proibição de

excesso. Sendo assim, é possível afirmar que se trata de método avaliativo

de limitações a direitos fundamentais. Mas quais direitos? Justamente aqueles

decorrentes do supracitado dever estatal de prestação, quais sejam, os

direitos individuais a prestação. Mesmo que seja pouco, ter para si que, ao

se falar de proibição de insuficiência, está se tratando de ferramenta para

julgar casos de limitações a direitos prestacionais é, já, um ponto de partida

com o qual se pode trabalhar. O capítulo 2, dedicado à exposição de temas

sobre direitos fundamentais, proporcionalidade, proibição de excesso e

proibição de insuficiência tinha como objetivo, justamente, tentar construir o

maior topos possível para abordar o assunto. Ao mesmo tempo – e em

sentido contrário –, dada a maleabilidade do conceito, existiu o esforço para

não definir a vedação de deficiência de maneira demasiadamente inflexível;

não era desejável impor aos ministros um critério não só criado

posteriormente às suas decisões, como também intransigente. Isso quer

dizer: prezou-se pela objetividade e, ao mesmo tempo, pela fluidez.

Não obstante essa aspiração por elaborar um critério avaliativo

concomitantemente definido e tolerante, o entendimento de que a proibição

de insuficiência é um mandamento de otimização não pode ser aceitado.

Conforme explicado, para além de todas as dúvidas que rondam o instituto,

as poucas certezas sobre ele impedem a sua interpretação como um princípio.

Desde o seu surgimento com Canaris, passando pelo desenvolvimento

jurisprudencial e doutrinário223, é clara a sua natureza de ferramenta para a

resolução de casos. Sua associação com o teste da proporcionalidade apenas

223 Vide tópicos 2.2.2 e 2.2.3.

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serve para evidenciar que a vedação de deficiência, antes de ser princípio, é

na verdade um teste (assim como a proibição de excesso). E isso remete a

outro ponto relevante da pesquisa.

Ainda que a doutrina nacional e internacional seja quase unânime

quanto à ligação entre os conceitos de proporcionalidade e proibição de

insuficiência224, poucas vezes os ministros explicitaram isso. Não obstante,

cada um o fez pelo menos uma vez, de alguma maneira. O Ministro Gilmar

Mendes mencionou os subtestes da necessidade, adequação e

proporcionalidade nos parágrafos finais das Suspensões de Segurança 3751,

3690 e 3741 (além de retirar a proibição de insuficiência de uma referência

doutrinária cujo nome contém a palavra proporcionalidade em alemão); o

Ministro Celso de Mello fez a associação nas Rcls 18.636 e 25.363; e no único

voto do Ministro Luiz Fux aqui analisado, RE 597.854, a proibição de

insuficiência foi relacionada tanto à proporcionalidade quanto à razoabilidade.

Não obstante, apenas em decisões dos Ministros Fux e Mendes se

aproximou de algo semelhante ao teste da proporcionalidade. Em nenhuma

dessas vezes, contudo, a proporcionalidade aplicada foi a vedação de

deficiência. Enquanto Luiz Fux aplicou uma proibição de excesso velada, o

Ministro Gilmar Mendes valeu-se dos testes da proporcionalidade para avaliar

a constitucionalidade de uma promoção de direito fundamental. Celso de

Mello, nas vezes que menciona a proporcionalidade, não trabalha a vinculação

entre os dois conceitos.

Diante do fato de que a proibição de insuficiência não enseja nem um

sopesamento entre um direito prestacional e um outro princípio, nem leva a

uma aplicação dos subtestes da proporcionalidade para avaliar uma omissão

estatal, a conclusão desta monografia é similar àquela alcançada por

Matricardi Rodrigues em 2009225: nos casos de reivindicação por prestação

estatal fática de direitos sociais, os ministros do STF não aplicam a proibição

de insuficiência, ainda que a mencionem em suas razões.

224 Vide tópico 2.2.3. 225 RODRIGUES (2009), p. 75.

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Seria isso um equívoco dos ministros? A reciclagem de decisões é

fruto do volume colossal de processos a serem resolvidos por cada juiz do

STF? Ao contrário, estariam eles se valendo de um conceito pouco conhecido

para extrapolar suas atribuições e, consequentemente, ganhar mais poder226?

Não há como obter resposta para essas perguntas, pelo menos não através

dos resultados deste trabalho sozinho. O fato é o de que, nos casos

analisados, ainda que a proibição de insuficiência seja trazida à tona pelo

ministro, ela não é de fato aplicada.

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226 Esta pergunta representa uma teoria que embasou a hipótese deste trabalho, e é similar à

“hipótese não científica” em RODRIGUES (2009), p. 14, conforme apresentado no tópico 1.1.2.

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248-272.

Casos citados

Supremo Tribunal Federal

HC 84.424; Ag. Reg. STA 223; SL 235; STA 241; SL 263; SL 228; STA 238;

STA 278; STA 245; STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3690; STA 318; SS

3741; STA 419; Rcl 4.374; AI 598.212; AI 764.969; RE 488.208; RE

763.667; RE 581.352; AI 759.543; RE 738.255; RE 795.749; ARE 727.864;

ARE 745.745; Rcl 18.636; RE 812.626; Rcl 25.363; RE 597.854.

Tribunal Constitucional Federal Alemão (BVerfGE)

BVerfGE 7, 198; BVerfGE 24, 367; BVerfGE 39, 1; BVerfGE 88, 203