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André Caixeta da Silva Mendes
O STF E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA
a proporcionalidade na litigância de direitos sociais
Monografia apresentada
à Escola de Formação da
Sociedade Brasileira de
Direito Público - SBDP,
sob a orientação da
Professora Fernanda
Mascarenhas Marques.
SÃO PAULO
2018
2
Resumo: A monografia investiga de que maneira o Supremo Tribunal Federal
(STF) emprega o instituto da proibição de insuficiência (Untermassverbot) no
julgamento de casos em que se pleiteia uma prestação estatal fática relativa
a direitos sociais. A proibição de insuficiência é tida como a face menos
conhecida da proporcionalidade. Ela analisa a constitucionalidade de
omissões estatais, enquanto a sua contraparte mais popular – a proibição de
excesso – trata das intromissões estatais. Ambas buscam conferir maior
racionalidade ao exame e à justificação na limitação de direitos fundamentais.
Através do estudo de 29 decisões do Supremo Tribunal Federal nas quais o
conceito é mencionado, busquei descobrir o que os ministros entendem por
proibição de insuficiência e como a aplicam nos casos de prestação fática de
direitos sociais. Concluiu-se que os Ministros não concebem a proibição de
insuficiência como um instrumento decisório; para eles, sua natureza é
similiar à de um mandamento de otimização, não à de um teste de
constitucionalidade. Ainda, nas poucas ocasiões em que há algum vestígio
dela sendo aplicada como teste, o controle feito, na verdade, se aproxima de
uma proibição de excesso.
Palavras-chave: proibição de insuficiência/Untermassverbot; proibição de
excesso; direitos sociais; proporcionalidade; direitos fundamentais;
princípios.
3
Agradecimentos
Escrever a primeira monografia acadêmica é empreitada árdua,
especialmente se o autor não contar com um resiliente elenco de apoio ao
seu lado. Felizmente, não foi o meu caso.
Agradeço em primeiro lugar à minha orientadora, Fernanda
Mascarenhas Marques, que me guiou de maneira paciente, mas resoluta,
através de todo o processo de organização e redação do trabalho. Numa
primeira incursão à vida acadêmica como essa, o receio e o nervosismo
teimam em aparecer a cada passo do caminho. Devo à Fernanda, por me
ajudar a superá-los. A atenção e o esmero que ela dedicou à minha
monografia fizeram do produto final um trabalho melhor e mais condizente
com o debate jurídico. Grande parte das virtudes que possam vir a aparecer
nesta monografia é atribuível também a ela.
À minha arguidora na banca de avaliação, Maria Claudia Girotto do
Couto, agradeço pelos comentários, observações e provocações. Busquei
assimilar tudo o que foi debatido e, pela sua crítica, acredito ter em mãos
uma monografia melhor do que aquela apresentada à banca.
Ao meu tutor, Pedro Gama. Quando eu mal sabia sobre o que queria
escrever, foi Pedro quem me ajudou a organizar os pensamentos e
sistematizar minhas ideias, a fim de criar um esqueleto daquilo que viria a se
tornar minha pesquisa.
Ao Professor Virgílio Afonso da Silva, que se dispôs a esclarecer
conceitos e tirar dúvidas que dificultavam o desenvolvimento da pesquisa.
À Mari, Rebeca e Yasser, que fizeram de 2018 o melhor ano da minha
graduação. A Escola de Formação é uma experiência incrível por muitos
motivos, mas o maior deles é, sem dúvida, o empenho e o carinho
empreendidos pelos coordenadores.
4
Às colegas e aos colegas da Escola de Formação. Mal posso acreditar
na sorte que tive de encontrar um grupo tão variado de pesquisadores
sensacionais e amigos melhores ainda.
Às amigas e amigos da San Fran, que tiveram de me aturar por seis
meses lamuriando, fazendo drama e os negligenciando. Agora acabou!
Finalmente, agradeço à minha mãe, Nely Caixeta, e ao meu pai,
Armando Mendes. Vem do berço a lição de que, na escrita, deve-se evitar a
pompa prolixa e prezar, sobretudo, pela facilidade na hora de ler. Busquei,
como em seus textos, a clareza jornalística. Espero tê-la alcançado.
5
1. Introdução ................................................................................... 7
1.1. Apresentação da monografia ....................................................... 7
1.1.1. Objetivo ............................................................................. 10
1.1.2. Pergunta e hipótese ............................................................. 14
1.1.3. Metodologia ........................................................................ 17
1.1.3.1. Como avaliar a proibição de insuficiência? ......................... 22
2. Conceitos importantes para a compreensão do tema ................. 25
2.1. Direitos fundamentais ............................................................... 25
2.1.1. Direitos de defesa e direitos a prestação. ............................... 27
2.1.2. Direitos a prestação normativa e direitos a prestação fática ...... 29
2.1.3. Direitos a organização e procedimento, a proteção e sociais ..... 29
2.1.4. Dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ........ 32
2.1.4.1. A exigibilidade dos direitos sociais .................................... 35
2.2. A proibição de insuficiência ........................................................ 38
2.2.1. Relembrando o imperativo de tutela e os direitos a proteção ..... 39
2.2.2. Gênese da proibição de insuficiência ...................................... 40
2.2.3. Proporcionalidade e proibição de insuficiência ......................... 41
2.2.3.1. Proporcionalidade em sentido amplo ................................. 42
2.2.3.2. Proibição de excesso (Übermassverbot) ............................ 44
2.2.3.3. Proibição de insuficiência (Untermassverbot) ..................... 49
3. Análise de casos ......................................................................... 53
3.1. Pesquisa de amostra ................................................................. 54
3.2. Análise qualitativa ..................................................................... 59
3.2.1. Criança e adolescente .......................................................... 60
3.2.1.1. Gilmar Mendes ............................................................... 60
3.2.1.2. Celso de Mello ............................................................... 64
3.2.2. Saúde ................................................................................ 67
3.2.2.1. Celso de Mello ............................................................... 67
3.2.2.2. Gilmar Mendes ............................................................... 71
3.2.3. Educação ............................................................................ 79
3.2.3.1. Gilmar Mendes ............................................................... 80
3.2.3.2. Luiz Fux ........................................................................ 83
3.2.4. Cárcere .............................................................................. 89
3.2.5. Acesso à justiça .................................................................. 92
6
3.2.6. Seguridade Social ................................................................ 93
3.3. Conclusão do capítulo ................................................................ 97
4. Conclusão ................................................................................. 100
4.1. O que é proibição de insuficiência para o STF? ............................ 100
7
1. Introdução
1.1. Apresentação da monografia
Esta monografia tem por objetivo analisar o emprego da proibição de
insuficiência pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgarem
casos que envolvem reivindicações de direitos sociais.
A proibição de insuficiência (Untermassverbot)1 é ferramenta
argumentativa usualmente tida como constituinte da regra da
proporcionalidade. Assim entendida, ela se contrapõe à outra face da
proporcionalidade, a proibição de excesso. As duas diferenciam-se na medida
que uma (a proibição de proteção insuficiente) avalia limitações estatais em
direitos a prestações, ao passo que a outra (a proibição de excesso) avalia
limitações estatais em direitos a abstenções2.
A proibição de proteção insuficiente figura como instrumento decisório
no STF desde 20063. Seu acréscimo ao arsenal de técnicas argumentativas
do tribunal deu ensejo a um estudo, feito em 2009, dedicado exclusivamente
à análise de sua aplicação pelos ministros4. O presente trabalho procura, 9
anos depois, novamente responder à indagação: como o STF usa a proibição
de insuficiência? No entanto, o âmbito de análise dessa vez será mais restrito.
A pesquisa terá como foco os julgamentos nos quais é pleiteada a
prestação estatal fática de algum direito social. Como se verá mais à frente
(no tópico 2.1.3), os direitos que os indivíduos têm a ações positivas do
Estado podem ser dispostos em três categorias distintas. Os direitos sociais
1 Pelo fato de seu nome ser originalmente em alemão, a proibição de insuficiência não conta com tradução exata para o português. Verifica-se variação no tratamento do conceito,
inclusive, entre os próprios ministros do STF. Sendo assim, para fazer referência à Untermassverbot, serão empregadas expressões que intercalam proibição com vedação, e de proteção insuficiente com insuficiente, deficiente e de proteção deficiente. O que isso significa é que, neste trabalho, proibição de proteção insuficiente deve ser entendido como sinônimo de proibição de insuficiência, vedação de proteção insuficiente, vedação de deficiência, etc. 2 A distinção entre direitos a prestações e direitos a abstenções é pormenorizado no tópico 2.1.1, enquanto o tema da proporcionalidade, proibição de excesso e proibição de insuficiência
é abordado no tópico 2.2.3. 3 Cf. RODRIGUES (2009), p. 25. 4 Ibid.
8
compõem uma delas. Optou-se por estabelecer este recorte temático em
função do crescente protagonismo que o Poder Judiciário brasileiro vem
assumindo ao tratar-se da efetivação dos direitos sociais. Nesse cenário, a
emergência de um conceito tal qual a proibição de proteção insuficiente
poderia servir tanto como método argumentativo que racionaliza o processo
decisório e o controle intersubjetivo quanto como pretexto para uma maior
interferência judicial em áreas tidas tradicionalmente como de competência
dos poderes eleitos. Busca-se, neste trabalho, verificar se alguma dessas
alternativas de fato ocorre no contexto brasileiro.
O capítulo 1 é dedicado à apresentação do trabalho. Nele, será
explicado qual a importância de uma monografia que estude o uso da
proibição de insuficiência para direitos sociais (tópico 1.1.1), quais são a
pergunta e a hipótese da pesquisa (tópico 1.1.2) e qual foi a metodologia
empregada, na busca por material (tópico 1.1.3) e na análise dos casos
(tópico 1.1.3.1).
No capítulo 2 serão apresentados tópicos teóricos de direitos
fundamentais importantes para entender o tema, as decisões dos ministros
e as análises delas. Primeiramente, tocar-se-á em diversas subdivisões de
direitos fundamentais (tópico 2.1), como aquela relativa aos direitos de
defesa ou a prestações (tópico 2.1.1), a prestações normativas ou fáticas
(tópico 2.1.2), a direitos a organização, proteção ou sociais (tópico 2.1.3) e
às dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais (tópico 2.1.4).
Uma vez assentados tais conceitos de direitos fundamentais, chegará
a hora de abordar a proibição de insuficiência (tópico 2.2). Haverá duas
exposições sobre o conceito separadas: uma histórica (tópico 2.2.2) e uma
conceitual (tópico 2.2.3), na qual será abordado também o tema conexo da
proporcionalidade (tópico 2.2.3.1) e da proibição de excesso (tópico 2.2.3.2).
A parte dogmática da proibição de insuficiência está reservada para o tópico
2.2.3.3.
É no capítulo 3 que os julgados do STF finalmente serão analisados.
Em primeiro lugar, haverá a breve apresentação de alguns dados levantados
9
pela pesquisa, que respondem às subperguntas a) e c) (tópico 3.1). Em
seguida, o exame do conteúdo das decisões, separadas em seis temas:
criança e adolescente (tópico 3.2.1), saúde (tópico 3.2.2), educação (tópico
3.2.3), cárcere (tópico 3.2.4), acesso à justiça (3.2.5) e seguridade social
(3.2.6). No fim do capítulo, há ainda uma breve recapitulação e conclusão
sua (tópico 3.3). O capítulo 4 conta com a conclusão da monografia, a
resposta à pergunta central e às subperguntas b) e d).
É preciso, antes de passar à apresentação de conceitos, fazer uma
observação preliminar importante. A literatura sobre vedação de insuficiência
é crescente ao redor de todo o mundo, mas ainda parca se comparada à da
proibição de excesso. A produção acerca do tema, tanto pela doutrina
quanto pela jurisprudência, concentra-se fortemente na Alemanha. Disso
decorrem duas consequências: i) as fontes aqui apresentadas serão, em sua
maioria, autores alemães ou autores com linhas de estudo provenientes da
escola alemã, bem como algumas decisões do Tribunal Constitucional Federal
alemão; ii) pouco do que foi escrito sobre o tema está disponível em uma
língua que não o alemão. Dessa forma, não há muito material teórico
disponível para o jurista que não lê a língua. Seria esse fato um impedimento
para que uma pesquisa relativa ao tema fosse feita por alguém que não fala
alemão? Acredito que não.
Como já mencionado, a proibição de proteção insuficiente chegou no
STF há mais de uma década. O Ministro que primeiro introduziu o conceito às
suas decisões, Gilmar Mendes, domina o alemão e pode adquirir
conhecimento diretamente da fonte mais profícua. Os outros ministros, leiam
alemão ou não, também adotaram esse método argumentativo às suas
razões. Se o STF assimila um conceito às suas razões de decidir, é porque
está preparado para ser escrutinado quanto a esse uso. No caso do presente
trabalho, esse escrutínio virá de alguém capaz de acessar um número de
fontes que, não obstante poucas em número, conseguem apresentar o
emprego da vedação de deficiência como estruturado, ordenado e racional5.
Parece razoável, portanto, esperar o mesmo de seu uso pelos ministros.
5 As fontes utilizadas neste trabalho são trabalhos escritos em português, inglês e espanhol.
10
1.1.1. Objetivo
“Em qualquer momento dado, os juízes, mesmo os
do supremo tribunal, são parte de um sistema
cujas regras são suficientemente determinadas na
parte central para fornecer padrões de decisão
judicial correcta. Estes padrões são considerados
pelos tribunais como algo que não pode ser
desrespeitado livremente por eles no exercício da
autoridade para proferir essas decisões, que não
podem ser contestadas dentro do sistema” 6
O objetivo deste trabalho passa, em grande medida, pela resposta a
uma indagação geral: por que é necessário justificar decisões judiciais? O
tema é extenso e intrincado, mas ainda assim estrutural para qualquer
pesquisa relacionada a argumentação jurídica, como é o caso. Nas linhas
seguintes buscar-se-á, sinteticamente, oferecer uma breve relação de
motivos que explicam o dever argumentativo do jurista.
Antes de ser um conjunto de normas, julgamentos, valores e
competências, o Direito é atividade humana compartilhada. Os elementos
listados na frase anterior fazem, sim, parte do Direito, mas não o definem.
Sua definição, na verdade, se aproxima mais daquela tipicamente dada a
jogos. Um jogo é atividade constituída por regras que determinam sua
constituição, quais são as movimentações certas e erradas, qual é o seu
objetivo e, consequentemente, como ganhar. O mesmo vale para o Direito.
Assim como os participantes de qualquer jogo devem seguir certas
regras para efetivamente fazer parte dele (um jogador de xadrez que insiste
em movimentar sua torre na diagonal não está, no fim das contas, jogando
xadrez), o sujeito do Direito também deve seguir as regras impostas pela
6 Citação retirada de HART (2011), p. 159. A referência do autor à incontestabilidade das
decisões refere-se tão somente ao caráter definitivo que elas têm uma vez proferidas pelos supremos tribunais. A correção delas, não obstante, continua em aberto.
11
atividade para ser considerado como participante dela. Qualquer ação,
jurídica ou não, tem um porquê que lhe dá sentido. Este, a princípio, é restrito
ao íntimo do agente, que pode escolher exteriorizar suas razões de agir ou
não. É o caso, por exemplo, da mãe que coloca o filho de castigo sem explicar
o motivo; ainda que essa seja uma atitude não muito bem vista, ela ainda
está de acordo com a dinâmica que rege relações entre pais e filhos. O mesmo
não é verdade para o Direito. Entre muitas de suas regras, podemos destacar
o dever de explicitar a motivação dos atos. Um juiz ou legislador que, no
exercício do cargo, resolver tomar certa atitude sem explicar sua linha de
pensamento não está praticando Direito, já que sua ação fugiu
completamente às regras que compõem essa atividade.
Mas o dever de explicitar razões não é a única regra à qual o
participante do Direito está vinculado. Outras regras que constituem o Direito
são, por exemplo, a igualdade e a não-contradição. Delas decorrem,
principalmente, a obrigação de tratar os iguais igualmente e os desiguais
desigualmente, bem como a vedação de agir de maneira a contradizer alguma
premissa. Essa digressão é importante para mostrar que existem regras das
quais é possível retirar parâmetros de correção e qualidade para a atividade
jurídica; é dizer, “(...) parece claro que pode haver decisões mais ou menos
justificadas, justificadas de modo mais adequado ou menos adequado. E para
dizer isso é preciso ter padrões de excelência, adequação e bondade que não
são dados na esfera “regulativa” da prática, mas na sua esfera constitutiva”7.
Há ações deficientes a ponto de não poderem ser tidas como parte do Direito;
há ações que – mesmo ultrapassando o patamar mínimo constitutivo da
atividade – são consideradas ruins por não cumprirem o suficiente com os
critérios de correção da prática; há ações que transpassam os parâmetros
que constituem o excelente no exercício jurídico e, por isso, são consideradas
boas. Os agentes públicos têm o dever de se esforçar ao máximo para lograr
atingir tais padrões de corretude, e a sociedade tem o direito de fiscalizar
essa empreitada.
7 Citação retirada de LOPES (2009), p. 78.
12
É certo que o juiz julga do jeito que julga por motivos conhecidos, a
priori, só por ele. E é certo que essa situação engendra uma espécie de
paradoxo8: de um lado, um sistema institucional baseado em regras
compartilhadas pré-constituídas que exigem, dos atores, práticas conforme
aos seus ditames; do outro, pessoas que devem, no exercício de sua função
e na medida do possível, assumir uma “persona diferente” e agir não
conforme as suas razões, mas segundo as razões do Estado, ao mesmo
tempo que são vistoriadas por elementos exteriores a si. Ainda que esse
problema seja ontologicamente insolúvel, a sociedade não pode contentar-se
com uma indefinição por completo. Até agora, a melhor maneira encontrada
para constranger os representantes estatais a agir de acordo com os
parâmetros institucionais a eles impostos foi forçá-los a explicar de que
maneira suas ações condizem com o regramento que os rege. No caso dos
juízes, essas explicações costumam ser as justificativas para suas decisões.
O Direito não pode ser entendido como atividade discricionária, movido a bel
prazer pela vontade de seus agentes que, uma vez dentro do sistema, não
se vinculam a nada ou a ninguém. Pelo contrário, é dever do ator jurídico
envidar esforços no sentido de comprovar sua conformidade àquilo que dele
é socialmente e institucionalmente exigido e, consequentemente, esperado.
Junto à ideia de correção no Direito, corre o conceito de objetividade9.
A objetividade nessa seara traz consigo a possibilidade de controlar decisões
judiciais, a fim de se aferir em que medida elas foram capazes de satisfazer
os critérios que constituem uma decisão boa10. Nesse sentido, exige-se do
juiz, sobretudo, clareza, nas palavras e na argumentação. Clareza nas
palavras para que o texto do julgamento não fique hermético, para que a
ideia que o juiz deseja passar seja mais facilmente assimilada pelo leitor;
8 Um paradoxo similar (porém não idêntico) é apresentado em MacCORMICK (2008), p. 17-
42. O autor contrapõe o aspecto institucional do direito ao seu caráter eminentemente argumentativo. Essa aparente antinomia certamente se relaciona também com o presente trabalho. 9 Em SILVA (2011-A), a objetividade na interpretação do direito corresponderia a aumentar a realização do controle intersubjetivo e a possibilidade de previsibilidade das decisões. 10 É fundamental notar, no entanto, que o Direito, por se tratar de prática humana, conta com uma objetividade diversa daquela proporcionada pelas ciências naturais. Esperar uma precisão e rigor igualmente elevados nos dois campos é exigência ingênua e inalcançável. Nesse sentido, cf. LOPES (2016).
13
clareza na argumentação de maneira a possibilitar a compreensão da linha
de raciocínio trilhada pelo juiz para alcançar seu veredito.
Os precedentes relativos à proporcionalidade não são animadores. Em
artigo seu, José Reinaldo de Lima Lopes narra o emprego da técnica por um
ministro do STF no notório caso Ellwanger11. Segundo conta,
“O voto do Ministro Gilmar Mendes estende-se
didaticamente muito mais para explicar o que é o princípio
da proporcionalidade (inclusive com citações de doutrina),
do que para motivar sua decisão. Quem lê o voto tem uma
espécie de aula sobre a definição de proporcionalidade
segundo a doutrina alemã, mas fica em dúvida sobre os fatos
do caso e sobre como e por que no caso sob julgamento o
juízo de condenação do requerente do habeas-corpus
deveria ser mantido. Não há explicitação longa das
circunstâncias do fato, do delito, etc. Em poucas palavras, o
voto está tão preso às generalidades das definições, que não
é fácil extrair dele a ratio decidendi. Não se gasta tempo
suficiente com as qualidades do caso concreto que
justificariam, ou motivariam, seu enquadramento nos
termos e conceitos longa e didaticamente explicados”12
Para conferir objetividade e corretude à decisão judicial, a
proporcionalidade precisa ser empregada de acordo com seus pressupostos
teóricos e técnicos. Ela conta com uma forma estruturada e ordenada,
sobretudo, para que o caminho cursado pelo agente público em seu esforço
decisório seja mais transparente para quem o analisa. Ela é, afinal de contas,
mais um modelo para auxiliar juízes e legisladores a justificar racionalmente
11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. HC 82.424, Rel. Min. Moreira Alves, Rel. p/ o
Acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17/09/2003. No caso Ellwanger, um escritor e editor de livros que negavam o nazismo e exprimiam descarado conteúdo antissemita foi denunciado por praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de religião (conforme o artigo 20 da
Lei 7.716/89). O seu pedido de Habeas Corpus chegou até o STF, onde foi negado. O Tribunal acordou que o conteúdo das publicações do Réu era flagrantemente antissemita. 12 Citação de LOPES (2009), p. 77.
14
o modo como agem. A mera enunciação de sua fórmula não pode ser
considerada como um emprego da proporcionalidade, exatamente por não
cumprir as exigências que conferem a ela sua capacidade de explicitar linhas
de raciocínio. Ao ser “empregada” da maneira como relatada no excerto
acima, a proporcionalidade não mais serve como método esclarecedor de
justificativas.
Tendo em mente que a comunidade acadêmica é um dos principais
controladores da atividade pública, estudar uma ferramenta argumentativa
como a proibição de insuficiência é importante para averiguar se, do seu uso
pelos ministros do STF, decorre de fato uma maior evidenciação das razões
dos magistrados ou se, pelo contrário, o instituto serve para disfarçar uma
ampliação sub-reptícia na margem de atuação do Judiciário13. Meu objetivo é
alcançar uma resposta para esse questionamento.
1.1.2. Pergunta e hipótese
A pergunta central que norteará a pesquisa é: De que maneira o STF
tem empregado a proibição de proteção insuficiente nos casos de tutela de
direitos sociais?14
Dessa indagação central, derivam outras quatro subperguntas. São
elas:
a) Quais os direitos sociais que mais ensejam o emprego
da proibição de insuficiência?
b) A proibição de insuficiência é empregada como teste
decorrente da proporcionalidade? Se não, de que maneira ela
figura na decisão?
13 Essa possibilidade é similar à hipótese levantada em RODRIGUES (2009), p. 14. Mais adiante, no tópico 1.1.2, ficará claro que a hipótese do presente trabalho também não está muito distante dessa aventada nove anos atrás. 14 Como será explicado no tópico 1.1.3, referente à metodologia da pesquisa, o universo de casos analisados será restrito a pleitos por prestações fáticas de direitos sociais. Isso significa
que as respostas para a pergunta central e para as subperguntas só poderão referir-se a decisões em que esse tipo de pretensão está em jogo. A pergunta central e as subperguntas devem, portanto, ser entendidas como circunscritas a esse universo.
15
c) Os ministros comparam a intensidade da interferência
sobre os princípios constitucionais no caso concreto?
d) Quando empregada a proibição de insuficiência, foi
mais frequente o provimento ou a denegação do pleito por
direito social?
Como se percebe, as subperguntas a e d contam com respostas
objetivas: ou trata-se de direito à saúde, ou de direito à segurança; ou o
pleito foi provido, ou ele foi denegado. As subperguntas b e c, por outro lado,
são mais dependentes da subjetividade do pesquisador. Tal desafio é inerente
à pesquisa qualitativa. Para enfrenta-lo, buscar-se-á argumentar expondo
sempre o que foi escrito na decisão. O intuito é mitigar ao máximo essa
subjetividade.
A hipótese do trabalho é a seguinte: os ministros do STF, ao julgar
pleitos por prestações fáticas de direitos sociais, não empregam a proibição
de insuficiência, ainda que o conceito seja mencionado.
Esta hipótese está fundamentada em três motivos principais. Primeiro,
e mais importante, essa foi a conclusão alcançada no trabalho de Luís
Fernando Matricardi Rodrigues, que, em 2009, estudou pela primeira vez o
tema da vedação de deficiência no STF15. Ainda que haja diferenças
importantes entre as duas pesquisas16, a proximidade evidente entre elas
permite afirmar que a presente monografia serve, ao menos parcialmente,
para dar continuidade à investigação de nove anos atrás. Supõe-se, aqui, que
a tendência dos ministros a não aplicar efetivamente a proibição de
deficiência manteve-se.
A hipótese tem por base, em segundo lugar, o emprego insatisfatório
da proporcionalidade – na forma de proibição de excesso – pelo STF. A
proibição de excesso, quando comparada à proibição de insuficiência, é há
mais tempo conhecida e aplicada, no STF e ao redor do mundo. A experiência
de nossa corte constitucional com ela não é animadora17. Partindo-se desse
15 Cf. RODRIGUES (2009). Esse estudo foi seguido por RODRIGUES (2012). 16 Destacando-se, principalmente, a limitação do presente trabalho aos casos que versam sobre
prestações fáticas relativas a direitos sociais (vide tópico 1.3). 17 Cf. SILVA (2002), HERCK (2014), DALLA BARBA; STRECK (2016) e TRINDADE (2013).
16
pressuposto, imagina-se que o emprego, pelo mesmo tribunal, de uma versão
menos conhecida e desenvolvida da proporcionalidade não logrará maior
sucesso.
Em terceiro lugar, por fim, é relevante notar que as prestações estatais
são tipicamente providas pelo Legislativo e Executivo, os poderes eleitos por
voto popular. Ao se tratar da interferência do Estado na esfera dos indivíduos,
o Judiciário tem como função clássica, pelo contrário, impor abstenções ao
Poder Público. A vedação de insuficiência dá ensejo a uma abertura na
margem de atuação dos tribunais. Uma vez demonstrado que os outros
poderes têm performance insatisfatória no provimento de direitos à
população, o Judiciário poderia intervir e tomar ele mesmo as rédeas da
situação. O grande desafio seria, precisamente, demonstrar a insuficiência da
atuação dos outros poderes. É justamente para transpor esse incremento no
encargo argumentativo que serviria o exame de proporcionalidade da
omissão estatal, ou seja, a proibição de proteção insuficiente.
Mesmo desconsiderando o quão polêmica essa teoria é, há nela ainda
outra aresta. Se os tribunais adotassem essa nova incumbência sem, no
entanto, aceitar o maior ônus argumentativo, haveria uma expansão
injustificada das atribuições do Judiciário sobre áreas usualmente reservadas
aos outros poderes. É a isso que Matricardi Rodrigues faz referência quando
expõe sua “hipótese não científica” de que “na condição de instância política,
assumida ou não, o STF vê na proibição de insuficiência meio hábil a dilatar
sua margem de ação para decisão – i.e. sua discrição decisória”18. O fato de
que os direitos sociais, foco deste trabalho, sejam caracteristicamente
dependentes da alocação de recursos do Estado, via orçamento público,
apenas agrava o cenário aventado. A hipótese da presente monografia
também tem como fundamento a teoria (a qual é impossível de se provar
através da simples leitura de decisões) de que o STF se vale da ideia por trás
da proibição de insuficiência, qual seja, a de que o Judiciário pode adentrar
território tipicamente político, para expandir sua área de atuação, sem,
18 Citação retirada de RODRIGUES (2009), p. 14
17
contudo, cumprir com o maior ônus argumentativo que essa teoria
pressupõe.
1.1.3. Metodologia
Três esclarecimentos sobre o recorte temático da pesquisa são já
necessários. Primeiramente, já foi mencionado que serão analisados somente
casos relativos a direitos sociais. Apesar das divisões teóricas entre os tipos
de direitos fundamentais – apresentadas no tópico 2.1 – aparentarem serem
bem delimitadas entre si, a prática teima em fornecer ao pesquisador
situações em que a identificação da espécie de direito tratado no caso
concreto é tarefa árdua e controversa. Nem sempre se alcançará um
consenso sobre se o direito em jogo no caso X exige uma prestação ou
abstenção, se é organizacional ou social. Para lidar com essa indefinição, esta
monografia referiu-se aos direitos sociais arrolados no artigo 6º da
Constituição Federal e a o que foi escrito pelos ministros nas decisões. Isso
quer dizer que o caso foi considerado referente a direitos sociais quando se
tratava de algum dos exemplos elencados no dispositivo constitucional, ou
quando o próprio ministro decisor dava expressa indicação nesse sentido.
Outro esclarecimento devido refere-se ao tipo de direito social aqui
abordado e, mais uma vez, diz respeito às diferentes espécies de direitos
fundamentais. Optou-se, neste trabalho, a restringir os casos analisados
àqueles que tratam de prestações fáticas19 do Estado. Isso quer dizer que os
julgamentos envolvendo prestações estatais de direitos sociais normativas
não serão analisadas. O intuito desse recorte diz respeito ao curto prazo
existente para a elaboração desta monografia. Sendo as prestações fáticas
aquelas mais usualmente relacionadas aos direitos sociais e visando a evitar
uma sobrecarga de material a ser analisado num período exíguo de tempo,
não serão estudados casos com prestações normativas.
19 A distinção entre prestações fáticas e normativas é abordada no tópico 2.1.2.
18
Finalmente, há de se esclarecer o que será considerado como um
emprego da proibição de proteção insuficiente, vide a pergunta e as
subperguntas de pesquisa. O intuito deste trabalho é entender como a
vedação de deficiência, ao ser levantada, figura na decisão do ministro ou
ministra do STF. Por isso, a mera menção do instituto já será considerado
como qualificador para análise. Uma vez mencionado o nome do conceito,
será averiguado de que maneira ele foi entendido na decisão. Os julgados em
que o instituto foi apresentado unicamente em alguma citação – seja de
jurisprudência, seja de doutrina – não foram utilizados. Considerou-se que
mencionar algum excerto no qual o termo está presente, sem contudo adotar
o conceito para suas razões de decidir, não constitui emprego da proibição
de insuficiência.
Chegou-se à conclusão, portanto, de que as decisões do STF a serem
estudadas nesta monografia seriam aquelas que versassem sobre prestações
estatais fáticas a direitos sociais e que mencionassem a proibição de
insuficiência.
O âmbito de incidência da pesquisa por jurisprudência foram todos os
julgados do Supremo Tribunal Federal. Não houve recorte de tipo processual.
Devido à relativa novidade da proibição de insuficiência no leque decisório do
STF, não foi necessário estipular uma baliza temporal para a pesquisa; o
ineditismo do conceito constitui uma limitação cronológica por si só.
A pesquisa foi feita inteiramente por meio do sítio eletrônico do STF.
Na página da “Pesquisa de Jurisprudência”, com todos os tipos de decisões
selecionadas, foram digitados os seguintes termos de busca (data e horário
de pesquisa entre parênteses):
Untermassverbot (17/06, 22:30)
3 acórdãos (0 conformes)
13 decisões monocráticas (0 conformes)
19
14 decisões da presidência (13 conformes – STA 419; SS 3741; SS 3690;
SS 3751; STA 318; STA 198; STA 277; STA 245; STA 238; SL 228; SL 263;
STA 241; SL 235)
Proibição adj2 insuficiência (17/06, 22:42)
3 decisões monocráticas (0 conformes)
Proibição adj2 deficiência (17/06, 22:45)
1 decisão monocrática (0 conformes)
Vedação adj2 insuficiência (17/06, 22:48)
0 resultados
Vedação adj2 deficiência (17/06, 22:50)
1 acórdão (0 conformes)
2 decisões monocráticas (0 conformes)
Proibição adj2 proteção adj2 insuficiente (17/06, 22:52)20
4 acórdãos (0 conformes)
21 decisões monocráticas (2 conformes - Rcl 25.363; Rcl 18.636)
13 decisões da presidência (13 conformes, todas repetidas - STA 419; SS
3741; SS 3690; SS 3751; STA 318; STA 198; STA 277; STA 245; STA 238;
SL 228; SL 263; STA 241; SL 235)
20 Durante a leitura das decisões em que esse termo era usado, descobri um outro caso (STA 278) em que a expressão “proibição de proteção insuficiente” era usada de maneira a se
encaixar com a minha linha de pesquisa. Esse caso, no entanto, não aparece dentre os resultados de pesquisa do site do STF. Ainda assim, o usarei em minha monografia, por ser mais uma decisão em que a Untermassverbot é usada de acordo com o suporte fático proposto.
20
1 decisão da presidência que não aparece entre os resultados de pesquisa do
site do STF (1 conforme - STA 278)
Vedação adj2 proteção adj2 deficiente (17/06, 23:31)
3 acórdãos (0 conformes)
10 decisões monocráticas (0 conformes)
2 decisões da presidência (0 conformes)
Proibição adj2 proteção adj2 deficiente (26/06, 21:15)
18 acórdãos21 (1 conforme - RE 597.854)
33 decisões monocráticas (0 conformes)
1 decisão da presidência (0 conformes)
Vedação adj2 proteção adj2 insuficiente (26/06, 22:30)22
6 acórdãos (6 conformes - ARE 745.745; ARE 727.864; AI 598.212; RE
581.352; RE 763.667; Ag. Reg. STA 223)
66 decisões monocráticas (8 conformes - 2 repetidas = 6 conformes e
novas - RE 816.626; RE 795.749; AI 759.543; RE 488.208; RE 738.255; RE
763.667; AI 764.969; RE 598.212)
1 decisão da presidência (0 conformes)
Ademais, foi utilizada a ferramenta “Solicitação de Pesquisa”, que o
site do Supremo Tribunal Federal oferece. A solicitação foi enviada no dia 14
21 Foi mencionada a proibição de proteção deficiente na análise de restrição a direitos sociais no RE 567.985 e na Rcl 4.374, mas tais casos tratavam de prestações normativas do Estado, a saber, a suficiência da proteção que a LOAS conferia ao idoso e ao miserável. 22 Durante a pesquisa pelo termo, deparei-me com um aparente erro do Min. Celso de Mello. No AI 598.212 e nos REs 488.208, 738.255 e 581.352, o ministro, ao invés de “vedação de
proteção insuficiente”, escreveu “vedação da proibição insuficiente”. É possível afirmar tratar-se de um equívoco dele por conta do contexto em que a expressão foi usada, igual a outros em que ele usou o instituto.
21
de junho, às 20:00. Recebi a resposta no dia 15 de junho, ao 12:40. Foram
apontados 19 acórdãos, 51 decisões monocráticas e 14 decisões da
presidência. Parti a analisa-los uma vez encerrada a minha própria busca.
Todos os resultados da pesquisa solicitada já haviam sido anteriormente
computados.
O trabalho contará, então, com a análise das 29 decisões23 que se
encaixam no suporte fático proposto.
Uma vez selecionadas, as decisões foram primeiramente ordenadas
cronologicamente e, em seguida, separadas por tema. Algumas delas
tratavam de assuntos razoavelmente semelhantes entre si, mas ao mesmo
tempo significativamente diferentes. Tomemos a SL 235, por exemplo. Nela,
trata-se da obrigação estatal de implantar unidades socioeducativas de
internação para menores de idade infratores. O conteúdo aproxima-se, em
certa medida, daquele presente nos julgamentos em que o Poder Público é
instado a construir novos estabelecimentos prisionais. Seria possível, por
exemplo, aglutinar tais casos como se fossem relativos ao “cárcere”. Pelo
outro lado, a SL 235 aproxima-se, também, das instâncias nas quais é
pleiteada a instalação de novas escolas; dessa vez, ambos os temas podem
ser considerados como se se tratassem de “direitos da criança e do
adolescente”.
Optou-se, no entanto, por ser deferente à argumentação das decisões.
Isso significa que, por mais que possa haver sobreposição entre certos pontos
de julgamentos, o caso que o magistrado decidiu dando uma maior ênfase à
“educação” em sua justificação foi classificado como tal; na mesma linha,
quando o ministro preferiu argumentar com base nos “direitos da criança e
do adolescente”, definiu-se o caso como pertencente a essa categoria.
Delimitadas as classificações, passou-se ao fichamento dos casos.
Fichou-se um tema de cada vez, seguindo a ordem cronológica interna a eles.
23 Em ordem cronológica, da mais antiga até a mais recente: Ag. Reg. STA 223; SL 235; STA
241; SL 263; SL 228; STA 238; STA 278; STA 245; STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3690;
STA 318; SS 3741; STA 419; AI 598.212; AI 764.969; RE 488.208; RE 763.667; RE 581.352; AI 759.543; RE 738.255; RE 795.749; ARE 727.864; ARE 745.745; Rcl 18.636; RE 812.626; Rcl 25.363; RE 597.854.
22
Ou seja, fichava-se todos os casos relativos ao direito à saúde, começando
pelo mais antigo e terminando no mais recente. Prosseguia-se, então, a um
outro tema (direito à educação, por exemplo). O intuito desse modelo foi
verificar a existência de desenvolvimento jurisprudencial relativo a cada
direito fundamental.
Os fichamentos buscavam aferir, principalmente, em que contexto a
proibição de proteção insuficiente foi citada, qual seu papel para o deslinde
do julgamento, se o ministro aplicava os subtestes da proporcionalidade e se
as particularidades relevantes de cada caso figuravam como importantes nas
razões do ministro.
1.1.3.1. Como avaliar a proibição de insuficiência?
O estudo do conteúdo de decisões judiciais é sempre uma questão
controvertida. Há a opção de exames meramente expositivos, que buscam
somente apresentar o que é dito pelo juiz, bem como a forma com que ele
diz aquilo. Nessas hipóteses, apesar de ainda estar se tratando de pesquisa
qualitativa, não recai sobre o investigador um encargo pesado de justificar
suas observações, já que elas, teoricamente, não contém uma opinião.
A jornada complica-se, porém, caso a pesquisa emita juízos de valor.
O ônus argumentativo do autor acentua-se; pesa sobre ele o fardo do dever
explicar por que sua visão está correta. A busca por critérios objetivos de
corretude passa longe de ser unívoca e, ainda que seja possível chegar a
alguns acordos mínimos sobre o que constitui um traço desejável ou
indesejável numa decisão, nem sempre será tranquila a tarefa de averiguar
se o objeto de estudo está de fato conforme a o que se considera bom ou
ruim. Por exemplo, mesmo que se chegue à conclusão de que “decisões
judiciais devem sempre levar em conta o que é mais justo para as partes”,
ainda restará necessário um esforço para definir o que significam os termos
dessa proposição universal e, mais ainda, se a decisão examinada
efetivamente “leva em conta o que é mais justo para as partes”.
23
É indesejável estudar o emprego da proibição de insuficiência sem
passar por estas duas fases – expositiva e propositiva. A parte expositiva é
importante, principalmente, porque se trata de conceito ainda muito
indefinido e aberto. Descobrir de que forma o STF o concebe passa, em larga
medida, por simplesmente averiguar de que forma ele foi relevante para a
decisão. No entanto, uma análise propositiva, na qual busca-se proferir juízo
acerca da correção de seu emprego, é especialmente desafiador nesse caso.
Seria possível tomar o modelo da doutrina, apresentado no capítulo 2,
como a única maneira correta de entender o que é vedação de proteção
deficiente. Nesse caso, a decisão judicial só estaria aplicando o instituto
corretamente se empregasse os subtestes da proporcionalidade para
examinar quão justificável foi uma omissão estatal; este seria o padrão ótimo,
e quanto mais o julgamento concreto desviasse dessa fórmula, mais errado
ele estaria. Não obstante, tal modo inflexível de ver seria, sobretudo,
inadequado para os fins da pesquisa. Como mencionado, a proibição de
proteção insuficiente é um conceito parcamente desenvolvido, cercado por
um número escasso de certezas. Além dos fatos de que ela se contrapõe à
proibição de excesso e de que ela controla omissões estatais decorrentes da
violação de direitos a prestação, quase não há consenso: ainda que a maioria
a relacione à proporcionalidade, essa visão não é unânime24; enquanto há
quem a conceba como uma ferramenta argumentativa composta por
subtestes, não necessariamente todos a entendem assim25. Existem muitas
dúvidas sobre a proibição de deficiência para se poder afirmar,
categoricamente, qual é o seu uso correto.
Tendo tudo isso posto, há de se esboçar para esta monografia um
critério de corretude que enseje uma análise crítica do emprego da vedação
de proteção insuficiente nas decisões. Esse critério será baseado,
24 Como pode ser depreendido pelo título da monografia – e como ficará claro no tópico 2.2
–, neste trabalho considera-se a proibição de insuficiência parte da proporcionalidade. Esse é o entendimento da grande maioria da doutrina. A opção por, durante a análise dos votos,
admiti-la também como ferramenta ponderativa alheia ao teste da proporcionalidade tem o intuito de garantir maior margem de tolerância para o uso empregado pelo magistrado. O embasamento teórico para tal possibilidade é elucidado na nota de rodapé 27. 25 Esses conceitos serão, também, mais detalhados no tópico 2.2.
24
especialmente, nos poucos pontos pacíficos existentes quando se fala do
conceito. Conforme mencionado acima, considera-se, aqui, que eles são: 1)
sua contraposição à proibição de excesso e 2) sua função como controle de
omissões estatais decorrentes de violações a direitos a prestação positiva26.
Outros dois pontos de partida para a elaboração desse critério, dessa vez
baseados nas regras essenciais de argumentação, são: 3) iguais devem ser
tratados como iguais, ao passo que diferentes devem ser tratados como
diferentes e 4) todo fato relevante deve ser considerado para se chegar a
uma decisão final.
A partir desses quatro topoi, foram elaboradas três regras norteadoras
que constituem o que se considerará como um emprego satisfatório da
proibição de insuficiência nas decisões examinadas: i) a proibição de proteção
insuficiente é um juízo ponderativo que analisa necessariamente uma
omissão estatal; ii) as particularidades do caso concreto devem ser levadas
em conta na hora de empregar a ferramenta; iii) o exame das
particularidades do caso não precisa ser tão minucioso caso se deseje decidir
uma demanda alegando que ela é similar a alguma outra já resolvida,
contanto que seja justificado por que ambos os casos merecem ser tratados
como iguais. Evidentemente anotar-se-á outros fatores das decisões que
podem contribuir ou prejudicar a caracterização do emprego conceitual como
de qualidade. Contudo, são esses os principais elementos investigados no
estudo.
Existe outro cenário mais específico que é relevante. Ainda que não
seja unanimidade, a proibição de proteção insuficiente é amplamente
identificada como uma face da proporcionalidade. Caso o ministro faça essa
relação na decisão, serão esperadas duas coisas: primariamente, será
esperada a análise da omissão por meio da aplicação do teste da
proporcionalidade no molde de vedação de insuficiência; caso essa exigência
não seja cumprida, será exigida subsidiariamente, como um mínimo, uma
exposição comparando o nível de afetação de cada princípio colidente (nessa
26 O conceito de direito a prestação positiva é explicado no tópico 2.1.1.
25
hipótese, será colocada uma ênfase maior ainda na apresentação e
argumentação baseada nas particularidades do caso)27.
2. Conceitos importantes para a compreensão do tema
2.1. Direitos fundamentais
Não há como tratar da vedação de deficiência sem antes dar algumas
breves pinceladas acerca de certos temas de direitos fundamentais dos quais
depende o instituto. Serão abordadas aqui diversas tipologias que auxiliam
na compreensão do conceito.
É, porém, relevante fazer aqui, antes de tudo, um breve
esclarecimento: muito se falará de direitos de defesa, direitos prestacionais,
pretensões, obrigações, deveres, etc. As classificações expostas a seguir têm
como objetivo fazer justamente essas distinções. Há, contudo, um ponto
importante que merece ser tocado. Ao se abrir a Constituição Federal e ver
os diversos direitos fundamentais elencados, deve-se sempre ter em mente
que tais direitos são, antes de tudo, complexos de posições jurídico-
deônticas; isso significa que o direito à saúde, por exemplo, não é somente
um direito a prestações estatais, mas sim um direito composto por diversas
pretensões, liberdades e competências do indivíduo frente ao Estado. Para se
manter no exemplo, dentro do direito à saúde encontram-se pretensões ao
fornecimento de remédios, à construção de hospitais, à edição de leis que
protejam a saúde dos indivíduos, à criação de órgãos de controle e, até, a
27 Conceber a proporcionalidade nesse sentido fraco aproxima-se da primeira lei do sopesamento de Alexy (“quanto mais intensa a interferência sobre o direito fundamental, maiores deverão ser as exigências quanto à importância do objetivo perseguido”. Mais detalhes
no tópico 2.2.3.2.). Essa concepção bebe da fonte de YOUNG (2017), a qual difere o teste escalonado da proporcionalidade do princípio da proporcionalidade; este se assemelharia à lei do sopesamento apresentada. Nesse sentido, a proporcionalidade estaria mais próxima da razoabilidade. Defendendo a separação entre os dois conceitos, cf. SILVA (2002).
26
que o Estado se abstenha de tomar alguma medida que prejudique a saúde
de um indivíduo28.
Todo direito fundamental é formado por numerosas pretensões do
indivíduo29 contra o Estado e pelas correspondentes obrigações do Estado
frente ao indivíduo30. Essas pretensões vêm em diferentes formas e
tamanhos: podem ser a uma prestação ou a uma abstenção; podem ser a
prestações normativas ou fáticas; podem ser a abstenções de abolir posições
jurídicas ou alterar uma situação de fato, e assim por diante. O importante a
perceber é: a concepção de que o direito fundamental à educação,
tipicamente tido como direito social, equivale simplesmente a um direito a
prestação é demasiado simplista. E o mesmo vale para os direitos
considerados de defesa. Todos eles, na verdade, contêm posições jurídico-
deônticas ativas, relacionadas a abstenções e a prestações. É verdade que o
direito à liberdade de expressão pode conter um maior número de pretensões
a abstenção do que o direito à moradia. Isso não significa, porém, que certas
ações estatais não sejam imprescindíveis para garanti-lo. E o particular tem
o direito de reivindicar tanto tais ações quanto as omissões31.
As diferentes taxologias apresentadas nos tópicos que se seguem
devem ser entendidas dizendo respeito não aos direitos fundamentais como
um todo, é dizer, como complexos de posições jurídico-deônticas, mas sim
28 O exemplo de Jorge Reis Novais é elucidativo: “Assim, podemos, por exemplo, sob a menção
genérica de direito ao ensino, considerar analiticamente o direito a ensino primário gratuito ou o direito ao acesso aos vários graus de ensino, enquanto faculdades ou pretensões, que assumem uma natureza de direitos sociais, tal como podemos, referidas ao mesmo direito global ao ensino, considerar especificamente as liberdades de aprender e de ensinar que, tomadas em si, assumiriam já uma estrutura típica de direitos de liberdade. Mas, podemos também considerar e referirmo-nos ao direito como um todo e qualificá-lo, enquanto tal, como
direito de liberdade ou como direito social consoante consideremos que a dimensão principal
que resulta da norma de direito fundamental é um direito de liberdade ou um direito social. Poderíamos, assim, classificar simplesmente o direito ao ensino como direito social, considerando que, apesar da presença de algumas faculdades particulares identificáveis especificamente como direitos de liberdade, a sua dimensão principal reveste a natureza de direito social”. Citação de NOVAIS (2010), p. 51. 29 Às pretensões somam-se outras posições jurídicas, como as liberdades e competências. 30 Os direitos a prestação já são largamente aceitos no Brasil. Mais que isso, reconhece-se não somente a dimensão objetiva deles, como também sua face subjetiva. Essas considerações
iniciais partiram desse pressuposto: direitos a prestação são reivindicáveis por particulares por serem direitos públicos subjetivos. De qualquer modo, o tema das dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais será abordado ainda no ponto 2.1.4, bem como nas decisões analisadas. 31 Nesse sentido, cf. NOVAIS (2010), p. 123-140, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p.
378-379 e ALEXY (2017), p. 193-253.
27
às próprias posições. Ainda que tecnicamente inadequado, a fim de facilitar
a compreensão e a leitura, tomar-se-á “pretensão” como sinônimo de
“direito”, e “obrigação” como sinônimo de “dever”; essas expressões
referem-se a posições deônticas. Pelo contrário, quando se desejar fazer
referência ao direito fundamental como um todo – o “feixe de posições de
direitos fundamentais”, no linguajar de Alexy –, a expressão “direito
fundamental” será usada.
Finda essa introdução, passemos às categorias de pretensões.
2.1.1. Direitos de defesa e direitos a prestação.
Os direitos fundamentais foram originalmente concebidos como formas
de evitar que o Estado interviesse ativamente no âmbito de liberdade dos
indivíduos32. Se entendidos a partir desse prisma, direitos postulam que E
(esfera do Estado) não pode agir de maneira a interferir em I (esfera do
indivíduo)33; eles são os chamados “direitos de defesa”, “direitos negativos”
ou “direitos de resistência”. Deles, emanam posições jurídico-deônticas para
ambas as partes: o Estado tem a obrigação de não intervenção na esfera do
indivíduo, enquanto o indivíduo tem a correlata pretensão de não intervenção
pelo Estado em sua esfera.
Há, porém, uma outra categoria de direitos, que se contrapõe aos
direitos de defesa. Ao invés de vedar uma intervenção de E em I, essa outra
categoria de direitos prescreve uma interferência de E em I. Em outras
palavras, o Estado tem a obrigação de agir positivamente de modo a alterar
alguma situação na esfera jurídica do indivíduo34. Esses são os chamados
“direitos a prestações” ou “direitos a ações positivas”.
Eles são contrários aos direitos de defesa porque o objeto de um
(intervenção) é o oposto do objeto do outro (não intervenção). Eles são,
32 Cf. MENDES; BRANCO (2017), p. 128. 33 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 50. 34 Ibid., p. 52.
28
também, complementares aos direitos de defesa, por completarem o feixe de
posições que constitui um direito fundamental. Isso quer dizer, mais uma
vez, que o direito fundamental à vida não impõe ao Estado somente uma
obrigação de não matar, mas também uma obrigação de zelar ativamente
pela vida do indivíduo. Igualmente, o direito fundamental à liberdade religiosa
obriga o Estado a não intervir nas práticas religiosas, bem como a atuar de
maneira positiva no sentido de protegê-las. Por fim, além de abster-se de
cercear a livre iniciativa, o Estado deve agir para garanti-la.
Existe mais uma diferença entre pretensões a prestações e pretensões
a abstenções que merece ser destacada aqui. Direitos de defesa obrigam o
Estado a não interferir na esfera dos privados. Assim, a proibição de
interferência implica uma obrigação de não executar qualquer ato que venha
a destruir, obstruir ou intervir no âmbito protegido pelo direito. Por sua vez,
direitos a prestações obrigam o Estado a interferir na esfera dos privados.
Mas isso não significa que o Poder Público tem o dever de fornecer todas as
prestações que sejam capazes de realizar sua obrigação. Com efeito, na
situação em que o Estado precisa agir para prover um direito, é eleita, entre
o extenso rol de opções aptas a cumprir o dever, apenas uma delas. A fim de
fornecer moradia à população, por exemplo, a administração tem a opção de
construir casas através de licitações, criar uma empresa pública, fornecer
incentivos e subsídios para a construção privada e mais tantas outras saídas
criativas35. Dessas alternativas, basta escolher uma. Nos direitos de defesa,
ao contrário, não se escolhe uma maneira de se abster a intervir; é necessário
o cumprimento de todas as abstenções. Enquanto em um caso se tem o
direito a todas as abstenções, no outro tem-se o direito a somente uma
prestação.
A consequência desse leque de opções oferecidas pelas obrigações
prestacionais é de que não existe uma contradição exata à não prestação, ou
35 O exemplo dado por Alexy é o de prestar socorro a alguém que se afoga: “It may be possible
to save a drowning man by swimming to him, or by throwing him a life raft, or by sending out a boat, but it is not the case that all three acts are simultaneously required. Rather, what is required is that either the first act, or the second, or the third be performed”. A citação é retirada de ALEXY (2009), p. 5.
29
seja, à omissão. Enquanto uma ação que viola um direito de defesa tem como
seu contrário a abstenção desse ato, a omissão estatal não conta com um
oposto certo, mas sim com várias alternativas aptas a supri-la36.
O nome dado por Alexy a esse tipo de estrutura dos direitos
prestacionais é estrutura disjuntiva. A ela se contrapõem os direitos de
defesa, que contam com uma estrutura conjuntiva.
2.1.2. Direitos a prestação normativa e direitos a prestação fática
Dentro do grupo dos direitos a prestação, existem mais algumas
subdivisões. Uma dessas subdivisões distingue o direito a uma prestação
normativa do direito a uma prestação fática.
Prestações normativas são efetivadas através da criação de normas
pelo Estado. Quando há uma pretensão a esse tipo de prestação, o Estado
tem a obrigação de editar regras legais a fim de provê-la37. No direito
brasileiro, ressalta-se os Mandados de Injunção e as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade por Omissão como ferramentas processuais destinadas
à reivindicação de direitos a prestação normativa.
As prestações materiais fornecem aos particulares bens e serviços
adquiríveis no mercado ou serviços de monopólio estatal, como segurança
pública38. Nesse tipo de prestação, é irrelevante de que maneira o Estado
provê o recurso material ao particular. As prestações normativas, pelo
contrário, só poderão ser reconhecidas como tal se fornecidas através de ato
normativo, como uma lei ou portaria do Executivo39.
2.1.3. Direitos a organização e procedimento, a proteção e sociais
36 Cf. ALEXY (2009), p.5, KLATT; MEISTER (2012), p. 88-89 e BERNAL PULIDO (2004), p. 116. 37 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 53. 38 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 53. 39 Cf. ALEXY (2017), p. 202.
30
Outra classificação interna no grupo dos direitos a prestações é aquela
que os distingue em direitos a proteção, direitos sociais e direitos a
organização e procedimento40.
Os direitos a proteção41 são direitos dos indivíduos a que o Estado os
proteja de violações de terceiros, e decorrem de deveres de proteção
(Schutzpflichten)42 destinados ao Poder Público. Esse é o caso, por exemplo,
do direito que o Tribunal Constitucional Federal Alemão conferiu ao nascituro
no caso conhecido como Aborto I43. Nele, foi julgada a constitucionalidade de
uma lei que descriminalizava o aborto feito até o terceiro mês de gravidez.
Ao declarar tal lei inconstitucional, o tribunal reconheceu a existência de um
dever de proteção que impunha ao Estado a tutela do titular do direito. Nessa
situação, a ameaça ao direito fundamental seria proveniente não do Estado,
mas de um terceiro (médicos, mãe, familiares ou amigos da gestante) que
interromperia a gravidez, afetando a esfera jurídica do nascituro44. A
discussão ao redor dos direitos de proteção desde então tem se concentrado,
principalmente, na irradiação que os direitos fundamentais exercem nas
relações entre privados e nos perigos que o desenvolvimento tecnológico
oferece à liberdade individual. O tribunal alemão valeu-se do conceito para
julgar casos relacionados à ameaça da energia atômica, engenharia genética,
poluição, proteção de dados, entre outros45.
40 A distinção é de Robert Alexy e foi feita expressamente com a Lei Fundamental Alemã em mente. Ainda assim, a estrutura dos direitos fundamentais daquela constituição é semelhante o suficiente à estrutura dos direitos fundamentais da constituição brasileira, de modo que essa taxonomia já foi adotada por parte da doutrina nacional. Por exemplo, SILVA (2017), p. 78, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 379. 41 Tendo em mente que o foco deste trabalho são os direitos sociais, a exposição feita sobre os direitos a proteção será breve. Para aprofundamento no tema, cf. RODRIGUES (2009), GRIMM (2005), ALEXY (2017), p. 450-470. 42 Em RODRIGUES (2009), p. 67-68, o autor trata da aproximação entre deveres de proteção (Schutzpflichten) e imperativos de tutela (Schutzgebot). A discussão se dá durante um questionamento acerca da possibilidade de se empregar a proibição de proteção insuficiente em casos de direitos sociais, hipótese contemplada por boa parte da doutrina. Para este
trabalho, considerar-se-á deveres de proteção como sinônimo de imperativos de tutela. Ainda que provenientes de duas palavras diferentes, a diferenciação entre eles não é clara e seu significado é semelhante o suficiente para trata-los como tal. 43 BVerfGE 39, 1. 44 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 121. 45 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 122, GRIMM (2005) e CLÉRICO (2008), p. 127.
31
Ainda que os direitos de proteção visem a proteger os indivíduos de
interferências de privados, seu destinatário continua sendo o Estado. Sendo
assim, nenhum privado é obrigado por eles; é o Poder Público que tem o
dever de proteger as esferas de liberdade individuais. Sua efetivação pode se
dar tanto por meio de prestações fáticas quanto através de prestações
normativas46.
Os direitos a organização e procedimento formam a segunda espécie
de direitos a prestações. Entende-se por “procedimento” um conjunto
ordenado de regras e/ou princípios com vistas a atingir um resultado. Essa
definição é propositalmente abrangente. A teoria adotada defende que todo
direito fundamental material tem a si vinculado alguns direitos a organização
e procedimento, que possibilitam a efetivação dele através da estrutura
estatal. Certo trecho proferido pelo Tribunal Constitucional Alemão é
esclarecedor para se tratar da importância desse tipo de direitos: “(...) de
acordo com a concepção da Constituição alemã, uma proteção jurídica efetiva
– que garanta a existência da propriedade – [é] um elemento essencial do
próprio direito fundamental”47.
A última espécie de direitos a prestação são os direitos sociais. Estes
são os direitos que obrigam o Estado a tomar medidas, instituídas por
políticas públicas, que fornecem aos indivíduos – especialmente aqueles mais
necessitados – bens materiais ou imateriais imprescindíveis para uma
vivência digna numa sociedade democrática de fato. As ações fomentadoras
de direitos sociais oferecem recursos comumente obteníveis em mercado,
mas cuja aquisição não está disponível a todos, seja por motivos econômicos,
seja por motivos sociais. A disponibilidade desses bens no mercado significa
ainda que a aquisição deles pelo Estado, para posterior atribuição à
população, é onerosa. Por conta disso48, a escassez dos recursos públicos
46 Cf. ALEXY (2017), p. 451. 47 BVerfGE 24, 367, (401). Retirado de ALEXY (2017), p. 475. 48 Outro motivo, apontado menos frequentemente, para a não realização dos direitos sociais são as estruturas já sedimentadas da máquina estatal, que privilegiam sobretudo direitos
considerados comumente de defesa, tal qual a propriedade, a liberdade de expressão e a privacidade. Assegurar esses direitos fundamentais, ao contrário do que dita o senso comum, demanda prestações estatais onerosas, assim como os direitos sociais (ainda que não necessariamente na mesma intensidade). Não obstante, eles costumam ser concretizados de
32
impossibilita a promoção plena de todos os direitos sociais ao mesmo tempo,
pelo menos no contexto brasileiro atual49.
Ainda que muitas vezes tratados como direitos coletivos, deve-se
ressaltar que os direitos sociais continuam sendo individuais. Com isso se
quer dizer que, independentemente de seu caráter social, esses direitos têm
titularidade individual e são exercidos por pessoas individualizadas, não uma
coletividade50.
A prestação dos direitos sociais pode ser proporcionada por bens
materiais ou pela edição de leis51. Isso quer dizer, prestações sociais são
efetuadas tanto por vias fáticas quanto por vias normativas52.
2.1.4. Dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais tidos como de defesa antecederam, de certa
maneira, os direitos fundamentais tidos como a ações positivas. A recepção
destes últimos dentro do rol de normas jusfundamentais criou, porém, um
dilema: seriam eles tão exigíveis quanto os direitos de defesa? Sua concepção
como direitos a um fazer, muitas vezes oneroso, contribuiu para que parte
da doutrina (incluindo aí autores como Carl Schmitt) e da jurisprudência os
concebesse como não vinculantes ao Estado; nesse caso, seriam eles meras
maneira muito mais eficiente pelo Estado, em grande parte por conta das escolhas políticas daqueles que estão (e já estiveram) no poder. Privilegia-se uns em detrimento de outros. Nesse sentido, cf. SILVA (2017), p. 240-244. 49 A descrição de direitos sociais oferecida baseou-se nas seguintes obras: ALEXY (2017), p.
499, DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 52-53 e NOVAIS (2010). 50 Cf. NOVAIS (2010), p. 47 e DIMOULIS; MARTINS, p. 52-53. 51 DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 52-53 e NOVAIS (2010), p. 61-62. 52 Sendo essa espécie de direito caracterizada pela concessão de algum bem ao particular,
pode ser difícil conseguir conceber algum cenário em que um direito social seja concedido através de lei, e não através de prestação material. Mesmo assim, eles de fato existem. Por exemplo, pode-se imaginar um dever estatal de incluir certo medicamento na lista de remédios fornecidos pelo SUS. Mais ainda, gastos estatais referentes ao oferecimento de livros didáticos ou à construção de hospitais devem estar previstos em lei orçamentária. Há, portanto, um
dever do Estado de contemplar os diversos direitos fundamentais (tipicamente tidos como) sociais em seu orçamento, sob pena de ferir o direito dos indivíduos a uma prestação normativa. Nesses casos, a lei serve como meio para o fornecimento fático – o fim –, que verdadeiramente concluirá a prestação social.
33
sugestões ou fontes de inspiração53. Havia também aqueles que, seguindo
outra linha, conferiam às obrigações prestacionais caráter vinculante frente
ao Estado e que, contudo, não gerariam as correspondentes pretensões do
indivíduo à prestação. Entre teorias que conferem maior ou menor vinculação
e exigibilidade aos direitos prestacionais, diverge-se acerca das dimensões
subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.
A dimensão subjetiva origina-se, primeiramente, na função clássica
dos direitos fundamentais, que veda a intervenção estatal no âmbito de
liberdade dos indivíduos. É ela que conferia ao sujeito a pretensão de resistir
às intervenções do destinatário do direito fundamental (o Estado), bem como
a competência de produzir efeitos sobre determinadas relações jurídicas54 e
liberdades fundamentais. Hoje em dia, a dimensão subjetiva mantém sua
função. Contudo, houve alterações importantes relativas à dogmática dos
direitos fundamentais. A emergência dos direitos fundamentais tidos
tipicamente como prestacionais trouxe consigo a indagação: são esses
“novos” direitos também exigíveis frente ao Estado55? A polêmica ainda não
foi completamente dirimida, mas, pelo menos no contexto brasileiro, a
resposta tipicamente encontrada é afirmativa56. Os direitos sociais, assim
como os direitos a resistência, são reivindicáveis pelos indivíduos frente Poder
Público57.
A dimensão objetiva do direito fundamental, por seu lado, emana um
dever estatal de fomentar o direito – seja através de ações, seja através de
abstenções – que, ao contrário do aspecto subjetivo, independe da saída da
inércia pelo titular58. Isso significa, do ponto de vista axiológico, que o Estado
se guia, a todo momento, pelos valores subjacentes aos direitos
fundamentais; já da perspectiva deôntica, quer dizer que o Estado é detentor
de posições jurídicas passivas – como obrigações, sujeições e não liberdades.
53 Cf. BERNAL PULIDO (2004), p. 118-121. 54 Cf. MENDES; BRANCO (2017), p. 153 55 Uma exposição clara de diversas posições a respeito do tema é feita em BERNAL PULIDO (2004). 56 Nesse sentido, cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 117, MENDES; BRANCO (2017), p. 153, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 644. 57 Cf. SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 371-373. 58 DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 117
34
Essa face dos direitos fundamentais acaba por representar valores objetivos
axiológicos do sistema jurídico, que se projetam através de toda a
Constituição e norteiam a atividade pública e a coletividade59. Neles se
cristaliza a “expressão normativa do conjunto de valores básicos de uma
sociedade”60.
As dimensões subjetiva e objetiva não jogam um jogo de soma-zero,
ou seja, uma não se fortalece na medida em que a outra se enfraquece. Pelo
contrário, elas são complementares entre si, de modo a formar o todo de um
direito fundamental, a sua dupla-função. Cada uma serve para evidenciar
funções que os direitos fundamentais cumprem na sua concepção atual, qual
seja, a de normas regentes do Estado Democrático de Direito. A dimensão
subjetiva enaltece a parte relativa ao detentor do direito fundamental, o
indivíduo, ao mesmo tempo que a face objetiva exalta a vinculação e
participação estatal61.
Robert Alexy, em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, elabora uma
tabela que auxilia na compreensão das funções exercidas pelas duas
dimensões dos direitos fundamentais. A tabela ora apresentada é uma
variante mais simples – porém não menos didática – da versão original62.
Tabela 1
Uma norma vinculante é aquela cuja violação seria passível de análise
pela corte constitucional; uma norma não vinculante é aquela cuja violação
59 DO VALE (2006), p. 186. 60 Idem. 61 DO VALE (2006), p. 187. 62 Tabela retirada de ALEXY (2017), p. 501. Abaixo à linha referente às faces subjetiva e objetiva, existe na versão original ainda mais uma linha, com duas colunas para cada dimensão, que as divide em direitos prima facie e direitos definitivos. Estes, que oferecem
proteção mais intensa, formam a estrutura das regras; aqueles, que protegem menos intensamente, formam a estrutura dos princípios. Optou-se por omitir esse detalhamento a fim de simplificar a exposição.
Vinculante Não-vinculante
Subjetivo (1) Objetivo (2) Subjetivo (3) Objetivo (4)
35
não seria passível de análise pela corte constitucional; uma norma com
dimensão objetiva é aquela pela qual o destinatário da norma estaria
obrigado, ainda que seu titular não tivesse capacidade de pleitear seu
cumprimento; uma norma com dimensão subjetiva é aquela pela qual o
destinatário estaria vinculado e que conferiria ao titular a pretensão de exigi-
la frente ao destinatário.
O nível de proteção mais forte é conferido por um direito vinculante e
que conta com dimensão subjetiva (posição (1)), porque ele é exigível por
seu titular numa corte constitucional. O direito de posição (2) é vinculante e
conta somente com dimensão objetiva, ou seja, ainda que não possa ser
exigido juridicamente por seu titular, ele obriga o Estado a agir conforme seus
mandamentos. O nível de proteção mais fraco é conferido por um direito não
vinculante e detentor somente de dimensão objetiva (posição (4)). Um direito
com essas características seria unicamente moral, e criaria somente uma
obrigação para o destinatário. Qual exemplo, então, melhor representa os
direitos sociais, parcela do objeto de estudo deste trabalho?
2.1.4.1. A exigibilidade dos direitos sociais
Como mencionado anteriormente, o debate sobre em que medida se
pode exigir algum direito social do Estado é extenso e tortuoso. Carlos Bernal
Pulido, em artigo de 2004, expôs cinco concepções diversas sobre o grau de
exigibilidade desses direitos63. Essa sistematização será usada aqui – de
maneira ligeiramente simplificada64 – para uma breve explanação.
63 Cf. BERNAL PULIDO (2004), p. 117. 64 Ao explicar o entendimento dos direitos sociais como detentores de dimensão subjetiva, Bernal Pulido fez ainda a diferenciação entre eles como direitos definitivos e direitos prima facie. A concepção de direitos sociais como direitos prima facie os conceberia como emanados de princípios, enquanto a visão deles como direitos definitivos os teria como emanados de regras, de acordo com a divisão alexyana. Bernal Pulido acredita que o entendimento mais
correto acerca da estrutura dos direitos sociais os concebe como direitos prima facie. Essa diferenciação não será detalhada aqui, primeiramente porque a distinção entre direitos prima facie e direitos definitivos não foi feita, e também porque ela não é necessária para se ilustrar a dimensão subjetiva dos direitos sociais.
36
A primeira concepção de direitos sociais nega que eles tenham caráter
vinculante (ao mesmo tempo que o reconhece no caso dos direitos de
defesa). Eles seriam, nas palavras do autor, disposições programáticas65 de
natureza política, não jurídica. O direito social positivado no Constituição,
então, serviria como mera fonte de inspiração para o legislador, que poderia
optar por agir de forma a promovê-lo ou não. Nenhum dever ou pretensão
jurídica – sequer uma legítima expectativa do indivíduo – poderia emanar
desse tipo de direito. A função exercida pelo direito social constitucional seria
de simples ferramenta argumentativa para a restrição de liberdades. Diante
do exposto, a primeira concepção de direitos sociais aproxima-se da posição
(4) da Tabela 166.
Na segunda concepção apresentada, os direitos sociais obrigam
constitucionalmente o legislador a agir de forma a promovê-los, ainda que
não gere pretensões aos indivíduos. Não obstante, por conta da estrutura dos
direitos sociais como norma de programação final (deve-se atingir o objetivo
A e, portanto, adotar-se o meio B1 ou B2 ou B3 etc.67), somente as instâncias
políticas – legislatura e administração – teriam a legitimidade para deliberar
acerca de como e quando alcançar esses direitos. A vinculação do Legislador
à perseguição do direito estaria condicionado ao nível de abstração ou
65 Cf. BERNAL PULIDO (2004), p. 118-121. Há aqui uma ressalva a ser feita. É comum no direito brasileiro o uso da expressão “programática” para definir normas de direitos fundamentais. Contudo, nessa acepção corrente, a norma programática ainda é entendida como vinculante e geradora de pretensões individuais. Não se deve confundir o termo usado pelo autor com o significado que a mesma palavra tem na prática jurídica brasileira. 66 Uma das razões usadas pelos defensores dessa primeira concepção seria a de que direitos
sociais são imprecisos na hora de definir que ações devem ser tomadas pelo Poder Público a fim de promove-los. Em resposta a essa justificativa, Bernal Pulido traça considerações relevantes, relativas às (não) diferenças entre direitos sociais e direitos de defesa, bem como quanto ao lugar do Judiciário na efetivação dos direitos sociais: “Todas las disposiciones que
establecen los derechos en una constitución son indeterminadas, em el sentido de que no especifican con claridad el conjunto de las prohibiciones, mandatos, permisos y competencias que prescriben. Esta indeterminación normativa afecta tanto a las libertades, como a los
derechos políticos, sociales, procesales y al derecho a la igualdad. Y es por causa de esta indeterminación que frente a todos los derechos fundamentales (...) la lucha ideológica se desplaza desde el ámbito de la política hacia la interpretación constitucional, y por consiguiente, desde el Parlamento hacia los Tribunales Constitucionales. Por esta misma razón, estos tribunales asumen competencias extrañas a las concepciones clásicas del poder judicial y ajenas a los modelos originales sobre la jurisdicción constitucional. Abandonan su papel ideal
como legisladores negativos y se convierten em verdaderos legisladores positivos”. Trecho retirado de BERNAL PULIDO (2004), p. 116. Nesse mesmo sentido, cf. NOVAIS (2010), p. 141-155. 67 Cf. BERNAL PULIDO (2014), p. 122.
37
concretude que a norma constitucional apresentasse. A inércia do legislador
só poderia ser controlada pelo Judiciário em casos pontuais68. Remetendo à
Tabela 1, esse segundo entendimento representa uma versão fraca da
posição (2). Existiria vinculação jurídica do Estado frente ao direito social,
mas não apenas o indivíduo não poderia reclamá-lo, como também a ampla
margem de discricionariedade do legislador e da administração limitaria o
poder de controle judicial.
A teoria dos direitos sociais como mandados jurídicos objetivos
reafirma a vinculação do Poder Público a eles, sem ainda conferir aos
indivíduos a capacidade de reivindica-los judicialmente. Esse modelo defende
que a concreção das normas de direitos sociais deve ser feita por via
legislativa, e por isso os tribunais não poderiam deduzir pretensões
individuais delas; já que a constituição não define um meio determinado para
efetivar o direito, este direito não é reivindicável. No entanto, o problema da
indeterminação dos meios tem aqui uma outra solução. A prescrição
constitucional nesta terceira visão, ao contrário da anterior, seria um
mandado objetivo ao qual o legislador estaria estritamente vinculado. Ainda,
haveria uma proibição à omissão estatal, compreendida como omissão
também a adoção de meio demasiadamente não efetivo. Por último, uma
medida legislativa já implementada, que fomentasse um direito social, estaria
protegida de qualquer supressão que apequenasse o nível de proteção do
direito a um patamar equivalente ao da “desatenção grosseira”69. Valendo-se
da Tabela 1, essa concepção de direitos sociais seria um exemplo de versão
forte da posição (2).
Finalmente, a quarta e última concepção de direitos sociais reconhece
neles a existência de uma relação triangular entre titular–objeto–
68 Ibid., pg. 122-127. 69 Ibid., p. 127-133. O autor traça severas críticas à lógica desse modelo – defendido pelo ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal Alemão Ernst-Wolfgand Böckenförde –, em especial à figura do “mandado jurídico objetivo”. Para ele, a introdução da lógica-deôntica à seara dos
direitos sociais é bem-vinda, mas feita de maneira contraditória: como poderia haver uma relação de direito sem que houvesse um titular, apenas um destinatário e um objeto? E mais, uma vez feitas as proibições de retrocesso e “desatenção grosseira”, de que maneira o mandado jurídico objetivo diferiria dos direito subjetivos, pleiteáveis frente ao Judiciário?
38
destinatário. É dizer que, nessa visão, os direitos sociais conferem aos seus
titulares posições jurídicas ativas frente ao destinatário, ou seja, conferem
aos indivíduos pretensões, liberdades e competências perante o Estado. Dá-
se um passo além da ideia defendida anteriormente de que existiria somente
uma obrigação estatal, ao afirmar que tal obrigação seria complementada por
uma pretensão70. Na Tabela 1, a ideia de direitos sociais como direitos
subjetivos equivale à posição (1).
A proibição de insuficiência pressupõe que direitos prestacionais –
como os direitos sociais ou a proteção – sejam judicializáveis. Por isso, o grau
de exigibilidade deles tem de ser, no mínimo, equivalente à posição (2) da
Tabela 1, ou seja, é necessário que possa haver um controle judicial de
omissões estatais para valer-se da vedação de deficiência. Em termos
deontológicos, isso equivale a dizer que o direito prestacional deve contar
com, no mínimo, uma dimensão objetiva, que obriga o Estado a fomentá-lo.
É claro que, no caso de haver concomitantemente uma dimensão subjetiva
(posição (1)), que confere pretensão jurídica ao titular, também é possível o
controle por meio da proibição de deficiência. Como se verá adiante, já é
amplamente reconhecido que os direitos sociais detêm, de fato, essas duas
faces.
2.2. A proibição de insuficiência
Uma vez feita a exposição sobre alguns temas de direitos fundamentais
relevantes para a presente pesquisa, chega a hora de tratar do principal
conceito para nossa análise: a proibição de proteção insuficiente
(Untermassverbot). Este tópico será dedicado para apresentar mais
detidamente o instituto da vedação de insuficiência a partir de variadas
referências doutrinárias para, então, investigar de que maneira ele é
empregado pelo STF.
70 Ibid., p. 133.
39
2.2.1. Relembrando o imperativo de tutela e os direitos a proteção
A apresentação dos direitos a proteção – feita no tópico 2.1.3 – é
especialmente importante. Como abordado anteriormente, os direitos
prestacionais de proteção decorrem de uma obrigação estatal diversa daquela
concebida pelas teorias clássicas dos direitos fundamentais, que tinham como
foco a abstenção. Essa espécie de direitos tem como origem o dever estatal
de proteger os indivíduos de ataques, praticados por terceiros, à sua esfera
jurídica.
A ideia de deveres de proteção é decorrente de uma concepção de
direitos fundamentais que, para além de seu caráter deontológico, possuem
uma dimensão axiológica. É dizer, direitos fundamentais não apenas definem
o que se deve ou não fazer, por exemplo, mas também apontam, a partir de
uma ordem objetiva de valores71, aquilo que é valioso e bom72. Essa face
axiológica dos direitos fundamentais se espraia por todas as esferas do
direito, de modo que é indevido um entendimento do ordenamento jurídico
apartado desses valores. Daí a incidência dos direitos fundamentais, também,
nas relações privadas; ainda que, a princípio, o Estado não se envolva nelas,
não se poderia deixar essa área do direito alheia aos valores constitucionais
que norteiam todo o sistema jurídico. Note-se, porém, que mesmo admitindo
a radiação dos direitos às relações privadas, a única parte obrigada por eles
continua sendo o Estado73, que tem o dever de tutelar os titulares dos direitos
de ameaças provenientes de terceiros.
71 O termo ordem objetiva de valores aparece em RODRIGUES (2009), p. 8, que atribui sua origem ao caso Lüth (BVerfGE 7, 198). 72 Para mais acerca da distinção entre conteúdo deontológico e axiológico, cf. DO VALE (2006). Um exemplo didático usado por ele é o do direito à vida. Ao mesmo tempo que deste direito emana um enunciado como “Não se deve matar” (face deontológica), também é possível extrair um enunciado de outro tipo, como por exemplo “A vida é um bem valioso” (face
axiológica). Cf. Ibid, p. 180. 73 Em DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 121, afirma-se que os deveres de proteção são cumpridos, principalmente, pelo Legislativo. Rodrigues (RODRIGUES (2009), p. 9) oferece uma justificativa para essa constatação: “(...) os riscos e lesões a particulares que o Estado se
40
2.2.2. Gênese da proibição de insuficiência
O aprofundamento acerca dos imperativos de tutela foi necessário
porque é a partir deles que se origina a proibição de proteção insuficiente. A
criação do termo é de 1984 e atribuída ao privatista Claus-Wilhelm Canaris
que, ao versar sobre a irradiação dos direitos fundamentais sobre a relação
entre particulares, se valeu do papel exercido pelos deveres de proteção para
cunhar o conceito.
A proibição de insuficiência estaria contraposta à proibição de excesso.
Figura amplamente reconhecida, a proibição de excesso seria uma forma de
controle de intervenções estatais na esfera dos privados, efetuada por meio
de proporcionalidade. O debate travado rondava a possibilidade de normas
de direito privado poderem violar direitos fundamentais por serem demasiado
interventivas no âmbito dos indivíduos ou se, pelo contrário, teriam elas o
dever único de vedar omissões estatais. Em outras palavras: era unânime a
opinião de que direitos fundamentais impunham deveres de proteção ao
Estado; questionava-se, porém, se eles também poderiam, através da
proibição de excesso, vedar intervenções exageradas provenientes de leis de
direito privado74.
Ao responder de maneira afirmativa ao questionamento, Canaris
imaginou uma zona de conformidade na qual todas as normas de direito
privado deveriam estar. Essa zona seria constituída por um limite superior e
um limite inferior. Caso a Lei X fosse insuficientemente protetiva de certo
direito fundamental, ela estaria abaixo do limite inferior de conformidade e
seria, portanto, inconstitucional; ao avesso, caso a Lei X interviesse
obriga a proteger nascem de um grupo de outros particulares que, nesta condição, são titulares de direitos fundamentais – nomeadamente de direitos de defesa. Assim, não fica difícil ver que o cumprimento de deveres estatais de proteção não-raro implica restrições a liberdades garantidas pelo mesmo Estado. Contudo, se não pode “restringir
demais” os direitos de defesa atingidos, tampouco poderia “proteger de menos” os direitos de seus titulares a proteção. O Estado, à luz de deveres de proteção, ocuparia posição de garante frente aos cidadãos”. 74 CANARIS (2009), p. 32-37.
41
excessivamente em certo direito fundamental, ela estaria acima do limite
superior de conformidade e seria, igualmente, inconstitucional. Entre o limite
inferior e o limite superior restaria a zona de conformidade, constitucional
porque respeitosa aos direitos fundamentais. O legislador poderia criar leis
somente que se encontrassem nesse espaço de conformação constitucional75.
Ainda que a teoria fosse relativamente simples, restava a pergunta essencial:
ora, como aferir quais seriam os limites inferior e superior? Para encontrar o
limite superior, existia a proibição de excesso. Para encontrar o limite inferior,
criou-se a proibição de proteção insuficiente76.
A primeira aparição da vedação de insuficiência em decisões judiciais
foi no caso Aborto II77, julgado pelo Corte Constitucional Federal Alemã em
1993, no qual foi revisto o veredito do caso Aborto I. Nele, foram adaptados
critérios da proporcionalidade na sua vertente da proibição de excesso – tais
quais importância dos direitos em questão, probabilidade de interferência
neles e intensidade de interferência neles – para a análise de uma omissão
estatal78.
2.2.3. Proporcionalidade e proibição de insuficiência
Apesar de haver quem defenda a potencial dissociação entre proibição
de deficiência e proporcionalidade79, o fato da vedação de insuficiência ter
sido concebida como uma contraparte da proibição de excesso comunga para
a aproximação dos dois conceitos. De fato, tanto a doutrina80 quanto a
75 Ibid., p. 34-35 e DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 127. 76 Ibid., p. 59-64. 77 BVerfGE 88, 203 (254). 78 Cf. GRIMM (2005) e RODRIGUES (2009), p. 11. 79 RODRIGUES (2009), p. 35-36. 80 Identificando a proibição de insuficiência como uma das faces da proporcionalidade, cf.
SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 409-413, DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 127, ALEXY (2009), p. 11-12, CANARIS (2009), CLÉRICO (2008), GRIMM (2005), SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 392, KLATT; MEISTER (2012), p. 97, LAURENTIIS (2017), p. 96 e BERNAL PULIDO (2007), p. 806-807.
42
jurisprudência81 são taxativas nesse sentido. Mas o que isso significa? Antes
de avançar no assunto, será feita uma breve introdução à proporcionalidade.
2.2.3.1. Proporcionalidade em sentido amplo
O conceito de proporcionalidade no direito constitucional está longe de
ser assunto pacífico, não obstante a hegemonia que ele tem hoje no mundo
jurídico82. Não há unanimidade acerca de sua estrutura, eficiência, emprego,
segurança, fundamento ou racionalidade. Ainda assim, é possível traçar
elementos básicos que definem a proporcionalidade e que constituem um
conteúdo mínimo que permeiam todos seus diferentes modelos. Por isso,
afirma-se que a proporcionalidade é um método decisório racional e
estruturado, que fornece uma base argumentativa para a restrição de direitos
fundamentais pelo Poder Público. Ou seja, a proporcionalidade visa a conferir
racionalidade ao encargo estatal de restringir direitos fundamentais83. Tal
afirmação parte do pressuposto que direitos fundamentais não são absolutos
e, a depender de cada caso concreto, precisam sofrer limitações para que
algum outro fim legítimo seja atingido.
Não obstante ser defensor de uma concepção de direitos fundamentais
e proporcionalidade que destoa em grande medida do mainstream jurídico
brasileiro, Lucas Catib de Laurentiis é esclarecedor ao afirmar que “(...) os
direitos fundamentais são (...) normas de segundo grau, que distribuem
cargas de argumentação e possibilidades de legitimação entre ação
interventiva e a situação protegida juridicamente”84, para, então, completar
“(...) a proporcionalidade nada mais é do que um instrumento voltado a aferir
a justificação da intervenção estatal”85.
81 Além do já mencionado caso Aborto II, no qual foram adaptadas partes do teste da proibição de excesso, a jurisprudência do STF também largamente reconhece a conexão entre proibição de insuficiência e proporcionalidade. Nesse sentido, cf. RODRIGUES (2009), p. 35-36. 82 Cf. KLATT; MEISTER (2012), p. 1-3 e GARDBAUM (2017), p. 221-222. 83 Cf. BARAK (2012), p. 2-4, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 409, BERNAL PULIDO
(2007), p. 81 e DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 177. 84 LAURENTIIS (2017), p. 59. 85 Idem. Categorizar a proporcionalidade como tão somente “instrumento voltado a aferir a justificação da intervenção estatal” não é compatível com os pressupostos da proibição de
43
Outro aspecto da proporcionalidade importante para este trabalho é a
sua caracterização. Já vêm de longa data as ressalvas no sentido de que sua
denominação mais comum, o “princípio da proporcionalidade”, apresenta de
maneira inadequada o caráter do instituto. Isso se dá porque os princípios,
segundo o entendimento moderno, são normas que prescrevem
mandamentos de otimização, que podem ser realizados em maior ou menor
medida, a depender das condições fáticas e jurídicas de cada caso. Regras,
por sua vez, postulam determinações com mandamentos definitivos, cuja
concretização não se pode dar parcialmente, mas somente na forma tudo ou
nada. Isso significa que, segundo essa concepção, as regras só podem ser
cumpridas em sua totalidade ou não cumpridas, enquanto os princípios
admitem gradação na realização do fim prescrito. Os conflitos entre regras
são resolvidos por cláusulas de exceção, aferição de hierarquia entre elas ou
pelos já conhecidos adágios lei posterior derroga lei anterior e lei específica
derroga lei geral. Conflitos principiológicos, no entanto, devem ser dirimidos
através de uma ponderação entre eles, de modo a avaliar a precedência de
um princípio sobre o outro no caso concreto, sem que qualquer um seja
declarado inválido86. Essa ponderação, finalmente, é uma das parte da
proporcionalidade. A maioria das normas de direitos fundamentais teriam
estrutura de princípios, ou seja, de mandamentos de otimização87.
É compreensível, então, o problema de entender a proporcionalidade
como princípio. Se ela é uma ferramenta usada justamente para resolver
colisões entre princípios, como pode ser a própria também um princípio?
Alexy já alerta que:
“A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em
sentido estrito [os três subtestes que compõem a
proporcionalidade] não são sopesadas contra algo. Não se
proteção insuficiente, que partem da premissa que a proporcionalidade pode justificar não só intervenções, como omissões estatais. Ainda assim, é valiosa a citação de Laurentiis para o esclarecimento acerca da função da proporcionalidade. 86 Cf. ALEXY (2017), p. 90-94. 87 Cf. BOROWSKI (2000). Para uma concepção diversa, que identifica os direitos fundamentais não como princípios, mas como regras derivadas do sopesamento entre princípios, cf. BARAK (2012), p. 39-42.
44
pode dizer que elas às vezes tenham precedência, às vezes
não. O que se indaga é, na verdade, se as máximas parciais
foram satisfeitas ou não, e sua não-satisfação tem como
consequência uma ilegalidade. As três máximas parciais
devem ser, portanto, consideradas como regras”88.
Fugindo do binômio regra-princípio, Humberto Ávila sugeriu a
caracterização da proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo,
ou seja, uma norma que estabeleceria como aplicar outras normas89;
Laurentiis, por sua vez, preferiu a expressão “prova da proporcionalidade”90,
enquanto Dimoulis e Martins utilizam “critério da proporcionalidade” em seu
livro91. Não se adotará aqui uma posição preferida. O intento dessa exposição
foi salientar a diferença ontológica entre a estrutura da proporcionalidade e
a estrutura dos princípios. Estes devem ser realizados na maior medida
possível, considerando os aspectos fáticos e jurídicos; aquela é uma
ferramenta usada para resolver conflitos entre princípios. Essa distinção é
importante para a análise das decisões do STF que (supostamente)
empregaram o instituto da proibição de insuficiência.
2.2.3.2. Proibição de excesso (Übermassverbot)
Por muito tempo, a proibição de excesso foi tomada como sinônimo de
proporcionalidade92. Jorge Reis Novais, por exemplo, em seu tratado sobre
restrições a direitos fundamentais, substitui o termo proporcionalidade por
88 Citação retirada de ALEXY (2017), p. 117, nota de rodapé 84. A observação entre colchetes é nossa. Entendimento semelhante em SILVA (2017), p. 168-169. 89 Cf. ÁVILA (2009), p. 88. 90 Cf. LAURENTIIS (2017). 91 Cf. DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 177-178. 92 Cf. SILVA (2002), p. 26.
45
proibição de excesso93, ainda que reconheça a existência de uma proibição
de proteção insuficiente, que se contrapõe à de excesso94.
Essa identificação ocorria porque a proporcionalidade, como concebida
e aplicada durante a maior parte de sua existência, era ferramenta usada
para medir unicamente a constitucionalidade de intervenções do Estado sobre
a esfera dos particulares. Em outras palavras, a proibição de excesso é
instrumento utilizado para verificar a constitucionalidade de violações estatais
sobre direitos de defesa. Usada nesse sentido, analisa-se se uma medida
estatal positiva – voltada à promoção de um bem jurídico X – intervêm
proporcionalmente no direito fundamental Y do indivíduo. Com o
desenvolvimento da proibição de proteção insuficiente, não mais é próprio
identificar a proporcionalidade e proibição de excesso como sinônimas.
Os testes de proporcionalidade – como proibição de excesso e como
proibição de proteção insuficiente – têm como marca distintiva suas várias
fases encadeadas e estruturadas de modo a averiguar quão justificável foi a
violação ao direito fundamental, frente à Constituição. Quais são e no que
consistem essas fases, porém, é matéria controvertida.
O modelo de proibição de excesso mais popular na América Latina e,
consequentemente, no Brasil é aquele com três sub-regras95: a) adequação,
b) necessidade e c) proporcionalidade em sentido estrito. Ainda assim, essa
divisão está longe de ser unânime. É possível, por exemplo, dividir o subteste
da adequação – que visa a aferir a legitimidade do fim promovido pela
intervenção estatal e quão apta essa intervenção está a fomenta-lo – em dois
subtestes, justamente: a) legitimidade do fim promovido e b) conexão
racional. Nessa versão, a proibição de excesso é composta por quatro sub-
93 Cf. NOVAIS (2003), p. 731. Além dos clássicos subtestes da proporcionalidade, o autor ainda encaixa sob a alcunha de proibição de excesso outros termos, como razoabilidade e determinabilidade. A palavra proporcionalidade para ele, então, fica reservada somente para a terceira fase do teste, comumente conhecida como “proporcionalidade em sentido estrito”. 94 Ibid., p. 77-79. 95 Cf. SILVA (2017), ALEXY (2017), BERNAL PULIDO (2007), NOVAIS (2003), ÁVILA (2009),
SARMENTO; SOUZA NETO (2012), SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), MENDES; BRANCO (2017) e CLÉRICO (2008). LAURENTIIS (2017) também adota três as mesmas subregras para o teste, mas sua teoria dos direitos fundamentais e, consequentemente, da proporcionalidade, é tão diversa dos autores citados que vale mencioná-lo apartadamente.
46
regras96. Há também quem a conceba somente com dois subtestes: a)
adequação e b) necessidade. Nesta última variante, a proporcionalidade em
sentido estrito – fase em que tipicamente ocorre a ponderação – é preterida.
Por ser a versão mais utilizada no Brasil – inclusive pelo STF –, apresentar-
se-á aqui como padrão a proibição de excesso composta por três sub-regras.
Elas devem ser aplicadas na sequência apresentada e, no caso da medida
estatal em questão falhar em algum dos testes, não é necessário passar para
o próximo97; a intervenção é inconstitucional. A exposição que se segue busca
apresentar um panorama geral da estrutura da proibição de excesso,
estrutura essa que, como se verá adiante, pode ser em grande parte
aproveitada pela proibição de insuficiência.
O primeiro subteste é o da adequação. Nele, averígua-se, com base
em fatos empíricos, se a medida estatal interventiva é apta a fomentar o fim
a que ela se propõe. É analisada também a legitimidade constitucional desse
fim98. Caso ela seja constitucionalmente legítima e apta a promover o fim
almejado, deve ser considerada adequada. Passa-se, então, à próxima sub-
regra.
O segundo subteste é o da necessidade. A primeira coisa a se ter em
mente é que o exame de necessidade é um teste comparativo. Nele, a medida
interventiva em questão é contraposta com diversas outras medidas
alternativas que seriam capazes de fomentar o mesmo fim constitucional.
96 Cf. BARAK (2012), KLATT; MEISTER (2012) e GARDBAUM (2017). Há uma variante do modelo com quatro subtestes, que é o proposto em DIMOULI; MARTINS (2014). Nele, deixa-se de lado a proporcionalidade em sentido estrito e desmembra-se a subregra da adequação (como tipicamente entendida) em três subregras. O resultado final é o seguinte: a) licitude do propósito perseguido, b) licitude do meio utilizado, c) adequação do meio utilizado e d)
necessidade do meio utilizado. Essa versão é a que mais diverge da proporcionalidade como entendida no direito brasileiro, já que, pretensamente, não ocorre ponderação em nenhuma fase. Nesse sentido, o modelo proposto por Dimoulis e Martins mais se aproxima daqueles em que existem apenas dois subtestes. 97 Em CLÉRICO (2018), p. 34, advoga-se que o uso da proporcionalidade para direitos sociais
seja cumulativa, é dizer, onde a falha em um subteste não implique a falha em toda a proporcionalidade. Essa versão teria como benefício um ganho de racionalidade, já que todos os argumentos – relativos a todos os subtestes – teriam de ser considerados, ao invés de simplesmente acabar o julgamento se um dos subtestes não for satisfeito. 98 Cf. SILVA (2017), p. 169-170, CLÉRICO (2008), p. 129-133 e BERNAL PULIDO (2007), p. 693. Como dito anteriormente, alguns autores dividem os dois passos da subregra da adequação, quais sejam, aferir a legitimidade do fim e aferir se o meio é apto a fomentar o fim, em duas subregras independentes. Por todos, cf. KLATT (2014), p. 27-28.
47
São traçados, então, para cada uma das opções postas – tanto a medida
efetivamente analisada quanto suas alternativas hipotéticas –, o nível de
interferência sobre o direito fundamental que cada uma implicaria, bem como
a intensidade em que a medida conseguirá promover o fim almejado. Ou seja,
para cada alternativa, atribui-se duas grandezas: o seu nível de interferência
sobre o direito fundamental e a intensidade com que ela fomentará o fim
constitucional. O ato estatal escrutinado será necessário caso “a realização
do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade,
por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental
atingido”99. Isso significa que
“em primeiro lugar, o meio efetivamente empregado
deve fomentar ou promover o objetivo almejado, no mínimo,
na mesma medida em que o teria feito o meio alternativo. Em
segundo lugar, pode o meio efetivamente empregado levar,
no máximo, a uma interferência tão intensa sobre o princípio
constitucional restringido quanto o emprego – hipotético – do
meio alternativo. Assim sendo, para a aferição da
necessidade, é preciso determinar e – conforme o caso –
comparar os efeitos do meio alternativo hipotético e do meio
efetivamente empregado, tanto no que se refere à persecução
do objetivo legítimo quanto à restrição do princípio
constitucional”100.
Caso exista medida alternativa que promova o fim almejado e
intervenha no direito fundamental nos mesmos graus que o ato estatal em
análise, prestigia-se a opção do legislador, que optou por uma das várias
alternativas possíveis. Uma vez confirmadas todas essas exigências, é
possível afirmar que a medida estatal interventiva é necessária101. Chega a
hora de aplicar o último subteste.
99 Citação retirada de SILVA (2017), p. 171. 100 Citação retirada de KLATT (2014), p. 29. 101 Cf. BERNAL PULIDO (2007), p. 740-742.
48
A proporcionalidade em sentido estrito, consistente numa ponderação
entre o direito fundamental e o fim almejado, é a sub-regra mais polêmica
da proporcionalidade. Não são poucas as críticas relativas a uma
subjetividade demasiada e suposta irracionalidade do sopesamento, bem
como à ameaça que ela representa à separação de poderes102. Não obstante,
a proporcionalidade em sentido estrito faz parte da maioria dos modelos de
proibição de excesso. Nela, parte-se da ideia central de que restrições a um
princípio devem ser proporcionais à intensidade com que se promove o
princípio colidente. Em outras palavras, no que ficou conhecido como a
primeira lei do sopesamento de Alexy, “quanto mais intensa a interferência
sobre o direito fundamental, maiores deverão ser as exigências quanto à
importância do objetivo perseguido”103. O subteste da proporcionalidade em
sentido estrito pode ser divido em três momentos diferentes: primeiramente,
averígua-se o nível de interferência que recai sobre o direito fundamental no
caso concreto; depois, apura-se qual a intensidade de fomento do fim
constitucional no caso concreto promovido pela medida interventiva;
finalmente, contrapõe-se ambas as grandezas, a fim de emitir um juízo
acerca da proporcionalidade entre afetação do direito fundamental e
promoção do fim almejado104.
Paralelamente à intensidade de interferência ao direito fundamental no
caso concreto, certas variações da ponderação costumam levar em conta
também o valor abstrato do direito fundamental. Nas palavras de Klatt, “O
peso abstrato é o significado que o princípio possui independentemente do
caso concreto. Quanto maior for o peso abstrato, maior será a chance de o
princípio sobrepor-se, no sopesamento, diante de um princípio colidente”105.
O peso abstrato altera a dinâmica de distribuição do ônus argumentativo, ao
102 Cf. MARTINS (2003), p. 36-37 e DIMOULIS; MARTINS (2014), p. 221-227, que apresentam outras objeções à proporcionalidade em sentido estrito além das duas mencionadas. Boa parte delas é retrucada em KLATT (2015), KLATT; MEISTER (2012), p. 45-73, SILVA (2011-B) e ALEXY (2017), p. 575-627. 103 Citação retirada de KLATT (2014), p. 31-32. 104 Idem. Com o intuito de ser claro e sucinto, este trabalho não tratará de detalhes da ponderação como a Fórmula Peso, as justificações interna e externa ou as discricionariedades estrutural e epistêmica. Sobre esses temas, cf. BARAK (2012), KLATT; MEISTER (2012). 105 Ibidem, p. 34. Para mais acerca dos pesos abstratos dos princípios, cf. KLATT; MEISTER
(2012), 30-38.
49
dar preferência a um dos princípios colidentes; é necessário um maior esforço
argumentativo para o outro princípio prevalecer. A atribuição de intensidade
à promoção e afetação de princípios costuma ser levada a cabo com o auxílio
de uma escala triádica, que classifica as interferências e importâncias nos
níveis leve, moderado e sério. Proporcional em sentido estrito é aquela
intervenção cujo nível de fomento do fim é maior ou igual ao nível de afetação
do direito fundamental. Uma vez chancelada nesta última sub-regra, a
intervenção terá passado no teste da proibição de excesso, já que
considerada adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
2.2.3.3. Proibição de insuficiência (Untermassverbot)
A proibição de proteção insuficiente é um conceito relativamente novo
e inexplorado. Sua estrutura e modo de emprego ainda são pouco
desenvolvidos pela doutrina ou jurisprudência, e os escritos sobre o tema são
esparsos e pouco dialogam entre si106. Disso tudo resulta um cenário em que
muitas pessoas estão cientes da existência da vedação de deficiência, mas
não há consenso sobre do que objetivamente se trata ou como ela é usada.
Sua menção em manuais nacionais costuma limitar-se a apontar que
ela é a outra face do princípio da proporcionalidade, decorrente dos
imperativos de tutela e formada pelos mesmos três subtestes da proibição de
excesso107. Parte da literatura estrangeira acessível em português, inglês e
espanhol também costuma se limitar a delinear os contornos básicos de como
seria um teste de proibição de insuficiência, ainda que de maneira mais
106 Em GARDBAUM (2017), p. 241-242, aventa-se quatro hipóteses para o parco
desenvolvimento jurisprudencial acerca da vedação de deficiência: a) a incompatibilidade entre a estrutura de direitos prestacionais e a proporcionalidade, b) a redundância dos testes da adequação e necessidade para direitos prestacionais, c) desconforto dos juízes em prescrever uma ação ao invés de proibi-la, e d) desconforto dos juízes em usar uma ferramenta tal qual
a proporcionalidade, que de certa forma relativiza o valor inerente aos direitos fundamentais, para justificar a situação de miséria de tantas pessoas. 107 Cf. SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 392-394, SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017), p. 409-413 e MENDES; BRANCO (2017), p. 431-432.
50
detalhada108. Há, porém, quem se arrisca a desenvolver para ela um modelo
de aplicação e demonstrá-lo num caso prático109. A exposição do instituto,
portanto, será feita principalmente com base na doutrina estrangeira, que
levou o desenvolvimento da proibição de insuficiência além do que fez a
literatura brasileira até aqui110.
Antes da exposição, porém, deve ser repisado: assim como ao tratar
da proibição de excesso, não está aqui se tentando impor um modelo de
vedação de deficiência com três sub-regras. A opção por ele é decorrência
das fontes encontradas. Caso, durante a análise dos casos, seja empregado
algum modelo de teste da proibição de insuficiência que varie do que foi ora
descrito, não haverá alteração nos critérios de análise.
Como apresentado no tópico 2.2.3.2, a proibição de excesso é tida
como a face da proporcionalidade que analisa a interferência do Poder Público
no âmbito de um direito de defesa de um indivíduo. Considerando que os
direitos de defesa são pretensões a abstenção estatal, a violação a um deles
deve necessariamente se dar por meio de uma ação. Esse tipo de direito tem
como contraparte, portanto, um dever estatal de não ação. Direitos a
prestações estatais, por outro lado, não são ameaçados por ações. O
indivíduo que tem pretensão a uma ação positiva do Estado terá esse direito
violado justamente no caso dessa pretensão não ser fornecida. Direitos a
prestação têm como contraparte um dever estatal de agir, e sua violação
ocorre por meio de uma omissão ou ação insuficiente do Poder Público. Por
isso, enquanto a proibição de excesso tem como objeto de análise uma ação,
o objeto de análise da proibição de insuficiência é uma omissão ou uma ação
insuficiente. Essa mudança implica diferenças importantes no modo de
108 Cf. BARAK (2012), p. 429-434 e BERNAL PULIDO (2007), p. 806-811. 109 Cf. ALEXY (2009), CLÉRICO (2008), CLÉRICO (2013) e KLATT; MEISTER (2012), p. 85-108. 110 Exceção a essa tendência é RODRIGUES (2009) e RODRIGUES (2012), que apresentam extenso conteúdo concernente ao tema.
51
aplicação das sub-regras111. Por mais que nenhum dos autores analisados112
tenha alterado a quantidade ou as características principais das fases da
proibição de excesso, todos, com a exceção de Mendes e Branco, ressaltaram
as alterações necessárias para se aplicar os testes como vedação de
insuficiência.
O pressuposto na proibição de deficiência, assim como na proibição de
excesso, é que existem dois princípios se chocando. Um deles é o direito
fundamental que está sendo prejudicado pela omissão ou ação insuficiente
estatal. O outro é o fim que o Estado busca promover ao se omitir.
Por exemplo, caso se julgue que o Estado não regula o setor financeiro
de maneira rigorosa o suficiente, poderá ser argumentado que ele está
aquém de fornecer o dever mínimo de diligência e, por isso, incorrendo em
insuficiência. Nesse sentido, uma associação representante dos
consumidores, por exemplo, poderia entrar com uma ação reivindicando
maior proteção estatal através do endurecimento na regulação financeira.
Para averiguar se a proteção atualmente dispensada pelo Estado é suficiente
ou insuficiente – como alega a associação –, o Judiciário pode se valer da
proibição de insuficiência. Pelo outro lado, há o argumento de que o Estado
111 Isso não foi percebido por todos. Enquanto dois dos autores trouxeram um julgado da Corte
Europeia de Direitos Humanos no qual é afirmado que não é importante definir se o direito em questão tem como objeto uma ação ou abstenção (KLATT; MEISTER (2012), p. 88), Mendes e Branco vão além e transpõem os testes da proibição de excesso para a proibição de deficiência (MENDES; BRANCO (2017), p. 431-432). Ao tratar dela, afirmam: “O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de
satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção”. Basta substituir a palavra “ato” pela palavra “omissão” para perceber o erro. Parte-
se do pressuposto que a omissão estatal que interfere num direito fundamental tem uma razão de ser, uma finalidade. Portanto, o propósito da omissão tem de ser o fim estatal (mencionado somente no último subteste), não a proteção do direito fundamental, como é afirmado na subregra da adequação; a omissão, pelo contrário, fomenta o fim estatal em detrimento do
direito fundamental. A exposição do subteste da necessidade também não satisfaz. Novamente, ao trocar a palavra “medidas” pela palavra “omissões”, percebe-se a incongruência do que é afirmado. Mesmo que se trate de uma omissão que interfira num direito fundamental com o intuito de proteger algum outro direito fundamental – o que muitas vezes não é o caso –, é errado afirmar que, caso existam omissões alternativas que protejam mais o fim estatal, a omissão escolhida é não necessária. Ela só o será se existir alguma outra opção omissiva que afete menos o direito prejudicado e, ao mesmo tempo, afete igualmente, ou
menos, o direito protegido. Percebe-se que, mesmo se se tratasse da proibição de excesso, a explicação de Mendes e Branco estaria errada. 112 São aqueles citados nas notas de rodapé 107, 108, 109.
52
não interfira nesse setor justamente para preservar a liberdade de iniciativa,
que é direito fundamental dos particulares. Caso alguma federação de bancos
mova ação judicial alegando regulação excessiva do Estado, poderiam as
juízas resolver o pleito utilizando a proibição de excesso. Nesses exemplos,
os dois princípios em conflito são, de um lado, a higidez do sistema financeiro
– materializada no artigo 192 da Constituição Federal – e, do outro, a livre
iniciativa – prevista no Art. 1º, IV da Constituição Federal.
Passa-se, então, a analisar a estrutura do teste da proibição de
insuficiência.
Diante de uma omissão ou ação insuficiente estatal, o subteste da
adequação, no contexto da proibição de suficiência, tem a mesma finalidade
que sua contraparte da proibição de excesso. Isso significa: deve-se
averiguar, no teste da adequação, se 1) a omissão estatal analisada foi
perpetrada com um fim legítimo em mente e, mais, se 2) ela é apta a de fato
fomentar tal fim113. Ao tratar da proibição de proteção insuficiente, a questão
do fim legitimo se agudiza. É possível que o Estado, com o intuito de
preservar algum direito fundamental, se omita e, colateralmente, interfira em
algum outro. É inequívoco, nesse caso em que a finalidade é resguardar um
direito fundamental, se tratar de um fim legítimo. A resposta não é tão clara,
contudo, quando a omissão estatal tem como fim algum outro objetivo que
não é direito fundamental individual, como a saúde financeira pública114.
Ainda que não seja o objetivo desse trabalho fornecer uma resposta à
questão, parece-nos que uma posição que desconsidere por completo a
capacidade fática dos cofres públicos arcarem com os custos ínsitos a grande
113 Laura Clérico, em CLÉRICO (2008), p. 137-141, defende que na proibição de insuficiência se deva ser mais exigente ao analisar a aptidão que a omissão tem para fomentar o fim estatal almejado, se comparada à da proteção de excesso. Enquanto a exigência de fomento na
proibição de excesso seria uma exigência “débil”, na vedação de insuficiência ela seria uma “dupla exigência de adequação”. Aharon Barak, por sua vez, acredita que a margem de discrição do legislador é igualmente ampla – e a discrição judicial, consequentemente, igualmente baixa – para ambos os casos. Cf. BARAK (2012), p. 432. 114 José Reinaldo de Lima Lopes, em LOPES (2008), p. 191-192, levanta ponto interessante ao notar que uma decisão que conceda uma prestação fática à pessoa que entrou com a ação
judicial pode ferir o direito fundamental à isonomia, se o Estado não for capaz de conceder a mesma prestação para todas as pessoas que se encontrarem na mesma situação que a pleiteante. Nesse caso, a preservação das contas públicas seria, de fato, maneira de proteger um direito fundamental.
53
parte das prestações estatais, ou que deixe de lado a violação prima facie do
princípio formal da separação de poderes, é uma posição equivocada. O que
se quer dizer é que a alegação de insuficiência financeira por parte do Estado
aparenta ser um motivo muitas vezes aceitável para ele não cumprir uma
obrigação sua, seja pela impossibilidade fática, seja pela importância que o
princípio da separação de poderes tem para o Estado de Direito115.
O subteste da necessidade também tem uma estrutura semelhante,
mas aplicação distinta, à sua correspondente na proibição de excesso. Ao
averiguar a necessidade de uma omissão do Poder Público, procura-se a
existência de alguma alternativa que prejudique menos o direito fundamental
afetado e proteja, no mínimo, igualmente o fim estatal protegido. Caso ela
exista, a omissão é desnecessária; caso não exista tal alternativa, a omissão
estatal é necessária116.
O subteste da proporcionalidade em sentido estrito procura descobrir
se a omissão estatal analisada limita proporcionalmente o direito a prestação.
Essa aferição é feita ao comparar a intensidade de interferência sobre o
direito a prestação com a intensidade de realização do fim estatal. Uma
omissão seria considerada insuficiente se ela interviesse mais no direito a
prestação do que promovesse o fim estatal que lhe motivou117.
3. Análise de casos
115 Em KLATT (2015), defende-se que o Judiciário defina se ele pode ou não interferir no âmbito de competência prima facie dos poderes eleitos através de uma ponderação, que deve ser feita
em cada caso, envolvendo princípios formais relativos à competência de cada poder. Mais notavelmente, o autor, na p. 365, arrola a “estabilidade financeira do orçamento nacional”
como um princípio material digno de ponderação. Isso leva a crer que, em sua opinião, a mera “insuficiência financeira” do Estado já seria considerada um fim legítimo para o teste da proporcionalidade. Afonso da Silva, em SILVA (2013), sustenta posição similar. Para mais sobre a distinção entre princípios formais e materiais, bem como sobre a legitimidade e papel
do Judiciário, cf. ALEXY (2014) e SILVA (2012). 116 Cf. BERNAL PULIDO (2007), p. 810 e BARAK (2012), p. 433. Clérico (CLÉRICO (2008), p. 150-156) concorda, mas ressalva que, quanto maior for a restrição ao direito fundamental vítima da omissão estatal, tanto menor é a margem de discricionariedade do legislador. 117 ALEXY (2009), p. 11, BERNAL PULIDO (2007), p. 810 e KLATT; MEISTER (2012), p. 97. Em CLÉRICO, (2008), p. 168-171, defende-se uma visão de que é preciso considerar a importância que a omissão terá na vida dos afetados. Em casos de prestação de direitos sociais básicos
para populações vulneráveis, o Estado carregaria um ônus argumentativo maior para justificar uma possível omissão. Sendo assim, quanto mais imprescindível fosse a prestação estatal, mais difícil seria a existência de uma omissão justificada.
54
3.1. Pesquisa de amostra
O terceiro capítulo do trabalho contém o estudo das decisões
encontradas. A primeira parte trata da análise desses casos sob uma
perspectiva quantitativa, revelando a pesquisa de amostra. Nela, apresenta-
se dados estatísticos revelados pela pesquisa de jurisprudência. Como
apresentado no tópico 1.1.3, foram selecionados os 29 casos resultantes da
pesquisa que satisfizeram o suporte fático proposto na monografia, qual seja,
decisões que citam a proibição de insuficiência e analisam a omissão de
prestação fática referente a um direito social118. São esses 29 julgamentos,
portanto, que compõem o universo amostral aqui examinado.
Uma ressalva é importante. Os números apresentados a seguir são
relativos a uma parcela pequena dos julgados nos quais a vedação de
deficiência foi usada pelo STF; a maior parte das decisões que empregaram
o instituto não satisfaziam os critérios propostos e, por isso, não foram
analisadas. É possível afirmar isso com base na quantidade de casos que a
pesquisa por termos no site do STF retornou119. Dessa forma, os 29
julgamentos analisados aqui fazem parte de um montante consideravelmente
maior de decisões em que a proibição de proteção insuficiente foi citada. É
indevido, portanto, extrapolar as conclusões aqui alcançadas para todo o
universo de casos em que o conceito figura como presente. As estatísticas
seguintes dizem respeito única e tão somente às hipóteses que se encaixam
no molde proposto, não ao emprego da vedação de deficiência pelo STF em
geral120.
118 Era comum, por exemplo, deparar-se com menções ao instituto em decisões que tratavam de direitos a proteção. Essas decisões ficaram de fora desta monografia. Para maiores detalhes acerca do suporte fático da pesquisa, ver tópico 1.1.3. 119 Mais uma vez, o tópico 1.1.3 conta com os pormenores da assertiva. Nele encontram-se os termos pesquisados e os casos retornados. 120 Vale repisar: para um estudo mais abrangente de como o instrumento é usado pelo STF, sem qualquer recorte de tema, cf. RODRIGUES (2009) e RODRIGUES (2012).
55
Tendo isso esclarecido, passemos aos dados.
Gráfico 1121
Salta aos olhos a irregularidade dos números. Longe de oferecer
alguma tendência de constante crescimento ou diminuição, não há padrão
detectável na distribuição cronológica dos casos. É possível, contudo, separar
o lapso temporal analisado em três momentos. O primeiro é de 2008 a 2010;
o segundo, 2011 e 2012; o terceiro e último momento abrange 2013 a 2017.
O período de 2008 a 2010 conta com uma forte concentração de
decisões. Isso se deve ao fato desse ser o período em que o Ministro Gilmar
Mendes ocupou a Presidência do STF. O presidente do STF tem, entre outras
atribuições, a competência para julgar suspensões de tutela antecipada
(STA), de segurança (SS) e de liminar (SL). Gilmar Mendes, no exercício do
cargo, valeu-se diversas vezes da proibição de deficiência para analisar casos
relativos a tutelas antecipadas, liminares e medidas de segurança que
concediam ou denegavam prestações fáticas de direitos sociais aos
121 Apesar da proibição de insuficiência estar presente no STF desde 2006, a primeira decisão a encaixar-se no suporte fático proposto é de 2008. Por conta disso, esse é o primeiro ano no gráfico.
10
4
1
0 0
7
3
1 1
2
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Número de decisões por ano
56
indivíduos. Com efeito, 14 das 15 decisões analisadas do período de 2008 a
2010 foram proferidas por Gilmar Mendes no julgamento de alguma STA, SS
ou SL122. A outra menção ao termo foi feita num Agravo Regimental de STA123,
e teve como autor o Ministro Celso de Mello.
O Ministro Gilmar Mendes julgou sua última suspensão de tutela
antecipada (entre as aqui analisadas) em 6 de abril de 2010. Seu mandato
como presidente do tribunal acabou mais tarde naquele mês. Não por
coincidência, a proibição de insuficiência só voltou a ser mencionada para
analisar omissão de prestação fática de direito social mais de três anos
depois, em junho de 2013, pelo Ministro Celso de Mello. É nesse ponto que
se inicia o terceiro período estudado, que vai até o último caso estudado, em
2017. O protagonista dessa parte é justamente Celso de Mello: das 14
decisões, ele foi o autor de 13124. O julgado restante foi feito por Luiz Fux125.
O gráfico 2 mostra visualmente essa divisão no emprego da vedação
de insuficiência entre os ministros.
122 Em ordem cronológica, da mais antiga para a mais recente: SL 235; STA 241; SL 263; SL 228; STA 238; STA 278; STA 245; STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3.690; STA 318; SS
3.741; STA 419. 123 STA 223 AgR. 124 Em ordem cronológica, da mais antiga para a mais recente: AI 598.212; AI 764.969; RE 488.208; RE 763.667; RE 581.352; AI 759.543; RE 738.255; RE 795.749; ARE 727.864; ARE 745.745; Rcl. 18.636; RE 812.626; Rcl. 25.363. 125 RE 597.854.
57
Gráfico 2
Gráfico 3
14
14
1
Quantidade de decisões que cada ministro cita a proibição de insuficiência
Gilmar Mendes Celso de Mello Luiz Fux
15
4
4
3
21
Número de decisões por tema
Saúde Educação
Acesso à Justiça Criança e Adolescente
Seguridade Social Cárcere
58
Mais da metade das decisões estudadas versam sobre o direito à
saúde. Sucedem elas os julgamentos sobre direito à educação e direito de
acesso à justiça. Há, ainda, três casos relativos especificamente a direitos da
criança e do adolescente, dois referentes a benefícios sociais e mais outro
tratando de melhorias nas condições do cárcere.
Gráfico 4126
O ente federativo mais vezes responsável pela omissão reivindicada
judicialmente foram os estados. Das 29 decisões, em 20 exige-se do estado
– seja exclusivamente, seja solidariamente – a prestação. É relevante notar
que todas as decisões em que imputou-se, nas instâncias inferiores,
responsabilidade solidária entre município, estado e União tratavam de direito
à saúde127.
126 As Rcl. 18.636 e 25.363 tinham como parte processada não um ente federativo, mas o
INSS. Optou-se por considera-las como fazendo parte do grupo de decisões em que o ente omisso era a União. 127 As decisões que julgaram a responsabilidade solidária entre União, estado e município são: SL 228; STA 198; STA 245. As decisões que julgaram a responsabilidade solidária somente entre estado e município são: SS 3.690; SS 3.741; STA 238.
3
14
6
3 3
União Estado Município União, estado e
município
Estado e
município
Ente federativo omisso
59
Gráfico 5
Talvez a estatística mais notável esteja no Gráfico 5. Entre os 29 casos
analisados, somente uma vez a proibição de proteção insuficiente foi
empregada de modo a denegar o pleito por prestação social128; isso quer
dizer, entre os julgados examinados neste trabalho, aproximadamente 97%
das vezes o veredito final do ministro a utilizar o conceito foi no sentido de
conceder o pedido. Os tópicos seguintes serão dedicados à análise qualitativa
das decisões estudadas.
3.2. Análise qualitativa
A ordem escolhida para apresentar as decisões foi baseada,
principalmente, na disposição cronológica dos julgados. Como optou-se por
estruturar a exposição ao redor dos temas, serão analisados primeiro os
temas cujas decisões tem maior incidência no começo do período estudado
128 RE 597.854. Análise do caso no tópico 3.2.3.
28
1
A prestação social é concedida pelo ministro?
Sim Não
60
(ou seja, em 2008). O primeiro direito social a ser apresentado, portanto,
será o de proteção à criança e ao adolescente.
Ao justificar seus vereditos, os ministros reaproveitavam decisões
próprias anteriores em sua quase completa inteireza. Não foi possível
particularizar uma identidade própria de cada julgado, já que todos eles eram
praticamente idênticos entre si (em especial aqueles do Ministro Celso de
Mello). Dividiu-se, então, as análises primeiramente por tema e,
secundariamente, por julgador.
3.2.1. Criança e adolescente
Dentre os 29 casos que satisfizeram o suporte fático do trabalho, três
tratavam especificamente dos direitos da criança e do adolescente. Enquanto
o primeiro – decidido pelo Ministro Gilmar Mendes – teve como pano de fundo
as condições da retenção de menores infratores, os outros dois versavam
sobre a necessidade de criação de Conselhos Tutelares. Estes últimos foram
julgados pelo Ministro Celso de Mello.
3.2.1.1. Gilmar Mendes
A Suspensão de Liminar 235 foi julgada em oito de julho de 2008 pelo então
Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes. Nela, o Estado de Tocantins
recorria contra decisão proferida a favor do Ministério Público de Tocantins,
que havia requerido a instalação de unidades para cumprimento de medidas
sócio-educativas voltada para menores infratores.
O primeiro aspecto relevante no tocante à proibição de insuficiência é
de que ela é citada poucas vezes. De fato – e esse é um ponto importante do
trabalho –, nas decisões em que foi mencionado pelo Ministro Gilmar Mendes,
61
o conceito estudado estava sempre num mesmo parágrafo, repetido todas as
vezes. O parágrafo é o seguinte:
“Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos
fundamentais não contêm apenas uma proibição de
intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para
utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição
de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de
proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm
Canaris, Grundrechtswirkungen um
Verhältnismässigkeitprinzip in der richterlichen Anwendung
und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161).”129
Essa citação tem sempre como contexto uma exposição acerca da
dimensão objetiva dos direitos fundamentais130, que obriga o Estado a agir
no sentido de efetivá-los. No caso específico em tela, o ministro acrescenta,
ainda, o mandamento constitucional que confere “absoluta prioridade” ao
fomento dos direitos fundamentais da criança e do adolescente (art. 227, CF).
A vedação de deficiência entra, portanto, como evidência do fato de que o
Estado deve não apenas omitir-se (sob pena de controle por meio da
proibição de excesso), mas também agir positivamente para realizar os
direitos fundamentais dos indivíduos. Ainda que o nome da obra de Canaris
mencionada na decisão faça referência à proporcionalidade
(Verhältnissmässigkeitprinzip), em nenhum momento o próprio ministro cita
a nas suas razões. Admitiu-se, por isso, que a decisão não cita a
proporcionalidade e, consequentemente, que não incidem sobre o ministro os
encargos elaborados no final do tópico 1.1.3.1.
A vedação de insuficiência foi mencionada mais três vezes nesse
julgado131. Não obstante, nenhuma dessas referências foge do que já havia
129 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 235, Min. Gilmar Mendes, j. 08/07/2008, p. 6-7. 130 Ver tópico 2.1.4. 131 Um exemplo: “A proibição da proteção insuficiente exige do Estado a proibição de inércia e
omissão na proteção aos adolescentes infratores, com primazia, com preferencial formulação e execução de políticas públicas de valores que a própria Constituição define como de absoluta
62
sido traçado anteriormente. Todas as vezes que se refere ao conceito, faz-se
para reforçar o dever estatal de ação. A quase totalidade da decisão é usada
para discorrer acerca de temas como a possibilidade de controle judicial sobre
omissões estatais, a prioridade constitucional garantida aos direitos da
criança e do adolescente e a separação de poderes. E por mais que as
exposições sobre tais matérias sejam de fato bem desenvolvidas, não há
qualquer consideração sobre as particularidades do caso que seriam
relevantes para se alcançar um veredito.
O Ministério Público argumenta, por exemplo, que a inexistência de
unidade para ressocialização naquela comarca implicava a transferência dos
adolescentes infratores para um município a 160 quilômetros de distância, o
que inviabilizaria o contato com os familiares. Esse fato relevante não se faz
presente nas razões do ministro, mesmo com sua decisão indo no sentido de
conceder o pleito social (ao negar o pedido do Estado do Tocantins pela
suspensão de liminar).
É constantemente ressaltado na decisão, contudo, o já mencionado
artigo 227 da Constituição, que confere aos direitos da criança e do
adolescente absoluta prioridade, inclusive postulando “respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer
medida privativa da liberdade”, conforme seu parágrafo 1º, inciso V. Nesse
quesito, é inegável o esforço empregado para se atentar às especificidades
relativas à judicialização desse direito em específico. Inclusive, o ministro
oferece razões que podem servir de motivos para a pouca atenção dada às
especificidades do caso:
“No presente caso, vislumbra-se possível proteção
insuficiente dos direitos da criança e do adolescente pelo
Estado, que deve ser coibida, conforme já destacado. O Poder
Judiciário não está a criar políticas públicas, nem usurpa a
iniciativa do Poder Executivo. A decisão impugnada apenas
determina o cumprimento de política pública
prioridade”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 235, Min. Gilmar Mendes, j. 08/07/2008, p. 13). As outras citações estão nas páginas 10 e 12.
63
constitucionalmente definida (art. 227, caput, e §3º) e
especificada de maneira clara e concreta no ECA, inclusive
quanto à forma de executá-la.”132;
“Não há violação ao princípio da separação dos Poderes
quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo
estadual o cumprimento do dever constitucional específico de
proteção adequada dos adolescentes infratores, em unidade
especializada, pois a determinação é da própria Constituição,
em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento
(art. 227, §1º, V, CF/88).”133
A particularidade da absoluta prioridade conferida pela Constituição ao
direito fundamental de proteção à criança e ao adolescente leva o ministro a
considerar que uma intervenção judiciária no orçamento não é uma
intromissão na área de discricionariedade do Executivo, mas mera
concretização do texto constitucional. Ele se priva, assim, de sopesar. Em
outras palavras – e lendo com a ótica da teoria dos princípios exposta
anteriormente –, não há ponderação entre princípios, já que a prioridade
constitucional atribuiria ao direito da criança e do adolescente uma lógica de
regra. Isso justificaria a consideração pequena dada aos detalhes da questão
em julgamento, tendo em vista a inexistência de sopesamento do caso
concreto. Essa lógica, se levada ao extremo, implicaria um cenário perigoso:
toda aparente colisão entre o direito da criança e do adolescente com um
princípio levaria a uma prevalência daquela; toda intervenção do Judiciário
no Executivo e Legislativo com o fim de fomentar esse direito seria justificada,
independente das circunstâncias concretas134. Ainda assim, esse seria um
motivo para se ater a generalidades durante a decisão.
Não obstante, o ministro acata parte do pedido do Estado de Tocantins
ao vedar a imposição de multa diária, como havia feito a decisão impugnada.
132 Ibid., p. 9-10. 133 Ibid., p. 12. 134 Essa hipótese parte do pressuposto de uma teoria dos direitos fundamentais similar à aqui
apresentada. Obviamente, não se pode impor a um juiz que ele decida a partir de uma ou outra base teórica específica. Por certo não é o nosso intuito.
64
Segundo ele, “(...) a fixação de multa em valor elevado e sem limitação
máxima constitui ônus excessivo ao Poder Público e à coletividade, pois impõe
remanejamento financeiro das contas estaduais, em detrimento de outras
políticas públicas estaduais de alta prioridade”135. Essa motivação, no
entanto, parece ser demasiado genérica; ela poderia levar, paradoxalmente,
à impossibilidade de qualquer intromissão do Judiciário nos outros poderes.
Em suma, a proibição de proteção insuficiente na SL 235 figura apenas
como justificadora da intervenção judicial e do dever estatal de prestação.
Não se faz menção à proporcionalidade, muito menos a seus subtestes.
3.2.1.2. Celso de Mello
O Ministro Celso de Mello julgou dois casos, extremamente parecidos
entre si, que tratavam de uma omissão relacionada ao direitos da criança e
do adolescente. São eles os Recursos Extraordinários 488.208 e 738.255.
Ambos foram interpostos por Ministério Público estadual contra julgamentos
que denegaram uma demanda pela instalação de Conselhos Tutelares. O RE
488.208 insurgiu-se contra decisão proferida em favor da cidade de
Florianópolis, ao passo que o RE 738.255 teve como objeto decisão de
segunda instância favorável ao Município de Itaubal do Piririm, no Amapá.
Percebe-se, sem dúvida, que trata-se de situações muitíssimo semelhantes.
Ainda assim, é questionável a opção do Ministro por usar o mesmo
texto para justificar ambos os julgamentos. Para além, de todas as similitudes
entre os dois, existem especificidades próprias de cada situação que merecem
ser levadas em consideração. Com efeito (e isso é verdade para qualquer dois
julgamentos), independentemente de suas correspondências, é impossível
dois processos serem completamente iguais entre si. No entanto, como se
verá mais adiante, Celso de Mello reutiliza os mesmo trechos em quase todas
as suas decisões; pouco importa qual seja o tema dela, quem sejam as partes
135 Idem.
65
ou quais sejam as circunstâncias fáticas. Verificam-se sempre as mesmas
razões.
O mesmo fenômeno se passa com a proibição de insuficiência. Em
todos os julgados do Ministro Celso de Mello examinados nesta monografia,
a menção ao instituto é feita de maneira extremamente passageira, na
ementa do caso. O contexto é o seguinte:
“(...) CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA
OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE
FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS
CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL,
PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA
PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO)
(...)”136
Na maior parte das vezes, essa é a única referência ao instituto. Nos
REs 488.208 e 738.255, porém, ele é também citado no corpo da decisão.
Essa reincidência, ainda assim, é somente uma breve explicação daquilo que
já estava na ementa:
“(...) as limitações a direitos fundamentais, como o de
que ora se cuida, sujeitam-se, em seu processo
hermenêutico, a uma exegese necessariamente restritiva,
sob pena de ofensa a determinados parâmetros de índole
constitucional, como, p. ex., aqueles fundados na proibição
de retrocesso social, na proteção ao mínimo existencial (que
deriva do princípio da dignidade da pessoa humana), na
vedação da proibição [sic] insuficiente e, também, na
proibição de excesso”137
136 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 488.208. Rel. Min. Celso de Mello. j. 01/07/2013, p.3. 137 Ibid., p. 10. Grifos no original. O erro no nome do instituto está presente no texto dos
julgados. Ainda que ele não comprometa o julgamento, é impossível não tomar esse ato falho como sintomático do descaso do Ministro para com a vedação de proteção insuficiente.
66
Como se vê de imediato, o Ministro Celso de Mello insere a vedação de
proteção deficiente num rol de quatro parâmetros constitucionais que
norteiam o exercício da limitação de direitos fundamentais, a saber, proibição
de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção
insuficiente (a qual ele errou o nome) e proibição de excesso. Não obstante,
ao estudar mais a fundo a decisão, verifica-se que nenhum dos conceitos
citados são efetivamente apresentados em sua fundamentação. Não há que
se falar, em qualquer uma das decisões de Celso de Mello, em retrocesso
social ou em intervenção excessiva do Estado sobre o indivíduo. Ou seja,
dentre os quatro parâmetros mencionados, dois não se encaixam
absolutamente nos casos, já que não há qualquer intervenção estatal sobre
direito social – que ensejaria a proibição de excesso – e não há qualquer
direito já constituído a ser enfraquecido – pressuposto da proibição de
retrocesso social. Quanto à proteção ao mínimo existencial e à proibição de
proteção insuficiente, nada mais sobre elas é trabalhado na decisão.
Refere-se a tais conceitos com um nível de abstração tão elevado, que
a impressão final é a de que eles só estão presentes na sentença para
preenche-la com um conteúdo – paradoxalmente – vazio; diante da
reincidência do exato trecho em todas as ementas lavradas pelo Ministro
Celso de Mello que foram examinadas nesta monografia, a conclusão lógica
é a de que, para ele, a proibição de insuficiência serve como penduricalho
retórico ou como prova de erudição.
Em se tratando especificamente de direitos da criança e do
adolescente, os REs 488.208 e 738.255 seguem a mesma fórmula usada pelo
Ministro Celso de Mello em todas as suas decisões: discorre-se sobre a
inegável importância do direito em questão138, sobre a competência do
Judiciário para colmatar omissões estatais139 e a não efetivação de direitos
138 “O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à
proteção da criança e do adolescente (...) não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, um de seus precípuos destinatários”. Ibid., p. 6. 139 “(...) o Poder Judiciário dispõe de competência para exercer, no caso concreto, controle de
legitimidade sobre a omissão do Estado na implementação de políticas públicas cuja efetivação lhe incumbe por efeito de expressa determinação constitucional (...)”. Ibid., p 12.
67
sociais140; reconhece-se a reserva do possível, para pronta e vigorosamente
afastar sua incidência141; questiona-se a boa-vontade do agente público142 e,
finalmente, concede-se o pleito social. A única inovação particular a esses
dois julgados é o acréscimo de um parágrafo que versa especificamente sobre
Conselhos Tutelares143. É esse o máximo de proximidade a que Celso de Mello
chega das particularidades do litígio. Nesse cenário de distanciamento do
caso, um juízo ponderativo acerca dele, pressuposto da proibição de
deficiência, revela-se impossível.
3.2.2. Saúde
Os casos referentes ao direito à saúde compõem mais da metade – 15,
de 29 julgados – do universo pesquisado. Contudo, é possível afirmar que
não existe grande variação entre eles. E isso não somente em relação ao
resultado final, já que o desfecho de todas foi no sentido de conceder o
provimento estatal, mas também quanto à estrutura argumentativa. Não é
difícil compreender o motivo. Dentre essas 15 decisões examinadas, nove
foram de autoria do Ministro Gilmar Mendes e seis do Ministro Celso de Mello.
3.2.2.1. Celso de Mello
140 “(...) o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais (...)”. Ibid., p. 7. 141 “Não deixo de conferir (...) significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível”,
notadamente em sede de efetivação e implementação (usualmente onerosas) de determinados direitos cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida
manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o arbitrário, ilegítimo e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência e de gozo de direitos fundamentais (...)”. Ibid., p. 9-10. 142 “(...) a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável
gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República”. Ibid., p. 17. 143 Ibid., p. 14.
68
O primeiro julgamento que trata de uma prestação relacionada ao
direito à saúde é o Agravo Regimental da Suspensão de Tutela Antecipada
223 (STA 223-AgR); julgado em 14 de abril de 2008, é, também, a primeira
decisão encontrada pelos critérios levantados nesta pesquisa. O caso é
especialmente intrincado: um indivíduo, que ficara tetraplégico após sofrer
um tiro numa tentativa de assalto, reivindicava do Estado de Pernambuco o
custeio de uma cirurgia que o permitiria respirar sem a assistência de um
respirador mecânico. Ao pleito pelo pagamento da operação, somava-se o
pedido de indenização do Estado por falhar em prover a segurança necessária
que impediria a tentativa de assalto que vitimou o Autor. Haveria então,
segundo o reclamante, duas omissões: uma relativa ao direito à segurança e
outra, corolária da primeira, referente ao direito à saúde.
Para emaranhar mais a situação, o procedimento cirúrgico reivindicado
– na época, recém desenvolvido por pesquisadores de Yale – estaria ainda
em fase de testes, não havia sido aprovado sequer pelo órgão regulador
americano, só poderia ser executado por um médico americano em específico
e custaria 150.000 dólares. No voto da Ministra Ellen Gracie, relatora do caso,
constam ainda laudos técnicos que questionavam a eficácia de dito
tratamento para o paciente em questão144. A própria Ministra, no exercício do
cargo de Presidente do STF, havia denegado o pleito do reclamante quando
do julgamento da suspensão de tutela. Isso ensejou o agravo regimental ao
plenário.
O voto inicial foi o da Ministra Relatora Ellen Gracie. Nele, a então
Presidente do tribunal ressaltou jurisprudência da corte que exonerava o
Estado de responsabilidade objetiva por dano decorrente de crime, a falta de
segurança que um procedimento experimental como o requisitado conferia
ao paciente, seu alto custo e a impossibilidade de executar antecipadamente
o Tesouro Público (como era exigido pelo reclamante), sob risco de gerar
144 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. STA 223-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello. j. 14/04/2008, p. 15.
69
grave lesão à ordem pública. Esse acúmulo de razões levou a relatora a
denegar provimento ao agravo145.
O voto seguinte, que chegou a conclusão contrária à de Ellen Gracie,
foi o do Ministro Celso de Mello.
Nele, não apenas inexiste qualquer menção à proporcionalidade ou à
vedação de deficiência durante todo o corpo do voto, como também o Ministro
deixa de lado a opção do sopesamento em favor de uma hierarquia pré
estabelecida de princípios. É o que se depreende de sua fala quando ele
afirma que:
“(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à
saúde – que se qualifica como direito subjetivo inalienável
(...) – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa
fundamental, um interesse financeiro e secundário do
Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que
razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma
só e possível opção: aquela que privilegia o respeito
indeclinável à vida e à saúde humanas”146
A opção por julgar baseado unicamente em uma hierarquia prévia
entre princípios – que prescinda de qualquer juízo de ponderação147 – é
possível, mas não compatível com uma aplicação da proibição de proteção
insuficiente, sugerida pela ementa do acórdão.
Quanto à reserva do possível, o Ministro Celso de Mello de fato ressalva
a possibilidade de ela ser pertinente na “ocorrência de justo motivo
145 Ibid., p. 6-20. 146 Ibid., p. 35-36. Grifos no original. 147 Conforme brevemente pincelado no tópico 2.2.3.2, é possível conciliar a ideia de hierarquia
entre princípios e sopesamento. Caso atribua-se pesos abstratos a princípios, existirá de fato uma ordem de preferência a priori entre eles, que deverá ser levada em conta na hora da ponderação. A diferença entre esse modelo e aquele empregado pelo Ministro Celso de Mello na decisão estudada é justamente que, para o ministro, a preferência de um princípio sobre o outro (nesse caso, da saúde sobre a separação de poderes/saúde fiscal do Estado) é definitiva, não deixa margem para maiores considerações. Já uma dogmática que conceba ponderar-se
levando em conta o valor a priori de um princípio fatorará em sua decisão outros aspectos relevantes do caso concreto; enquanto no primeiro método existe uma ponderação abstrata que incide sobre os casos concretos, no segundo a ponderação é feita caso a caso. Cf. KLATT; MEISTER (2012), p. 15-45.
70
objetivamente aferível”. Nos outros casos, porém, sua aplicação é afastada
sob alegações de “mera conveniência e/ou oportunidade” ou de criação de
“obstáculo artificial” pelo Poder Público, através de “manipulação de sua
atividade financeira e/ou político-administrativa” com o intuito “de fraudar,
de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação (...) de
condições materiais mínimas de existência”148. O texto é, em grande parte,
igual àquele futuramente usado nos já apresentados REs 488.208 e 738.255,
que seriam julgados 5 anos depois desse Agravo Regimental.
As outras decisões do Ministro Celso de Mello referentes à saúde são,
ressalvados alguns pequenos detalhes em cada julgamento, extremamente
similares àquela do STA 223-AgR, que as antecede por no mínimo cinco anos.
Por exemplo, nos RE 581.352149, AI 759.543150 e RE 812.626151 – decisões
monocráticas que tratavam, respectivamente, de ampliação no atendimento
a gestantes, melhorias em hospital público e implantação de vagas em
serviços residenciais terapêuticos para portadores de distúrbios psíquicos – a
proteção de insuficiência volta a aparecer unicamente na ementa da decisão
(junto à proibição de retrocesso social, à proteção ao mínimo existencial e à
proibição de excesso), o direito à saúde mantém sua inquestionável
superioridade hierárquica definitiva frente à saúde financeira do Estado e,
consequentemente, o pleito social acaba sendo concedido.
Os argumentos acerca da legitimidade do Poder Judiciário para invadir
essa zona de competência dos poderes eleitos, a condição de aplicação da
reserva do possível, a necessidade de se fazer “escolhas trágicas”, o dever
de respeito à Constituição são todos completamente reaproveitados da
decisão anterior referente à saúde. Os acréscimos desses julgados em
comparação ao STA 223-AgR são um excerto referente à legitimidade do
148 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. STA 223-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; Rel. p/
o acórdão Min. Celso de Mello. j. 14/04/2008, p. 28. 149 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 581.352. Rel. Min. Celso de Mello. j. 24/09/2013. Nessa
decisão, o Ministro volta a escrever “vedação da proibição insuficiente” ao invés de “vedação da proteção insuficiente”. O erro foi também cometido nas REs 488.208 e 738.255, como
apresentado no tópico 3.2.1.2. 150 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI 759.543. Rel. Min. Celso de Mello. j. 28/10/2013. 151 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 812.626. Rel. Min. Celso de Mello. j. 09/08/2016.
71
Ministério Público para propor Ação Civil Pública voltada à defesa de direitos
metaindividuais e uma longa exposição que versa sobre o princípio da
proibição de retrocesso152. Ela, por mais que exaustiva e repleta de conteúdo,
pouco diz a respeito dos casos, que reivindicavam serviços ainda antes não
prestados; não é possível falar de retrocesso se, em nenhum momento,
houve qualquer prestação. Há, ainda, no RE 581.352 um parágrafo dedicado
à relevância especial da assistência materno-infantil 153, tema em discussão
no litígio. Esse desenvolvimento, ainda assim, não passou do plano abstrato
do conceito; as particularidades da situação continuaram postas de lado.
O ARE 727.864 AgR154, referente ao custeio estatal dos serviços
realizados por hospitais privados que tratam de pacientes do SUS atendidos
pelo SAMU no caso de inexistência de leitos na rede pública, e o ARE 745.745
AgR155, que tratava da rede de assistência à saúde da criança e do
adolescente, seguem linha expositiva idêntica à das decisões apresentadas,
com a diferença formal de não serem decisões monocráticas. Ambos os
julgamentos foram julgados pela Segunda Turma e tiveram votação unânime
em favor da concessão de prestação social. No caso do voto do Ministro Celso
de Mello na ARE 745.745 AgR156, sequer foi mencionada a prioridade absoluta
conferida pelo Art. 227 da Constituição Federal à criança e ao adolescente,
ponto enfatizado reiteradamente pelo Ministro Gilmar Mendes na já analisada
SL 235157 e pertinente ao julgado em questão.
3.2.2.2. Gilmar Mendes
152 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 581.352. Rel. Min. Celso de Mello. j. 24/09/2013, p.
22-25. 153 Ibid., p. 26 154 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. ARE 727.864 AgR. Rel. Min. Celso de Mello. j. 04/11/2014. 155 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. ARE 745.745 AgR. Rel. Min. Celso de Mello. j. 02/12/2014. 156 Tendo em vista que o presente trabalho se foca no instituto da proibição de insuficiência, o
foco da análise será sempre a decisão que citou o conceito, mesmo que o caso seja resolvido por órgão colegiado e, portanto, conte com mais de um voto. 157 Ver tópico 3.2.1.
72
O julgamento relacionado ao direito à saúde inaugural do Ministro
Gilmar Mendes é a Suspensão de Liminar 228158. Nela, tratou-se da falta de
Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) nos hospitais públicos do Município
de Sobral – CE. A ação inicial dos Ministérios Públicos Federal e do Ceará
tinha vistas à transferência de pacientes necessitados para hospitais que
contassem com UTIs e à construção dessas unidades nos hospitais públicos
da cidade. Após o Tribunal Regional Federal da 5ª Região manter a decisão
da 1ª instância que concedia o pleito, a União ajuizou a Suspensão de Liminar
no STF.
Conforme dito anteriormente, a única menção que Gilmar Mendes faz
em suas decisões à vedação de deficiência é sempre um mesmo parágrafo,
já transcrito no tópico 3.2.1, no qual ele contrapõe o conceito à proibição de
excesso e não faz referência expressa à proporcionalidade. Logicamente, é o
caso na SL 223 também. Contudo, as razões expostas pelo Ministro para essa
decisão variam muito daquelas já analisadas, referentes à SL 235.
A parte expositiva teórica da decisão do Ministro Gilmar Mendes é
exaustiva e toca em diversos pontos importantes relativos à judicialização
dos Direitos Fundamentais, em especial à dos direitos sociais159. É abordado,
por exemplo, em que medida os indivíduos podem exigir prestações de direito
à saúde por vias judiciais e de que forma essa indagação se relaciona ao
mínimo existencial e à reserva do possível160. Esta última, quando comparado
às decisões do Min. Celso de Mello, aparenta ter um relevo maior na razões
de decidir de Gilmar Mendes: ele trata de temas como a escassez de recursos
públicos e da decorrente necessidade da Administração fazer escolhas
alocativas161 que muitas vezes impossibilitam uma efetivação satisfatória e
158 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 228. Min. Gilmar Mendes. j. 14/10/2008. 159 “Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos a prestações em sentido estrito (positivos), quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento
contrário à sua judicialização”, em Ibid. p. 6. 160 Ibid., p. 4. 161 “Assim, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de
todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas”, em Ibid., p. 6.
73
concomitante de todos os direitos fundamentais162. O argumento contrário à
imiscuição do Judiciário na prestação de direitos sociais é resumido pelo
Ministro da seguinte forma:
“A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos
direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender
que as normas que consagram tais direitos assumem a feição
de normas programáticas, dependentes, portanto, da
formulação de políticas públicas para se tornarem
exigíveis.”163
A fim de resolver esse entrave, o Ministro Gilmar Mendes recorre à
Constituição Federal. Lá, ele se apoia i) no artigo 6º, o qual elenca os direitos
fundamentais sociais, ii) no fato de que a Constituição não distingue os
direitos individuais e coletivos dos direitos sociais, e iii) na cláusula que
confere aos direitos fundamentais aplicação imediata (artigo 5º, §1º da
CF/88), para chegar à conclusão que, independentemente da discussão
doutrinária, a Constituição brasileira consagra os direitos sociais como
plenamente eficazes e reivindicáveis164. Ainda que seja feita uma ressalva
quanto à lógica própria de cada tipo de direito – decorrente da estrutura e
dos custos de cada um –, tal embasamento constitucional serve de bom
argumento para, no contexto brasileiro, garantir aos indivíduos pretensões
jurídicas por prestações de direitos sociais.
Diante de, por um lado, a grande relevância da manutenção da higidez
orçamentária e, por outro lado, a competência dos privados para pleitear no
162 Outro ponto interessante levantado pelo ministro, ainda enfatizando a necessidade de
escolhas alocativas, é o do que “Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um valor determinado para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com
outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos”, em Ibid., p. 6. Essa linha de pensamento aparece também em LOPES (2008), p. 176-177. 163 Ibid., p. 5-6. O tema foi tratado no tópico 2.1.4.1. 164 Ibid., p. 9-10.
74
judiciário a prestação de direitos sociais, o Ministro Gilmar Mendes chega a
uma conclusão. Ele constata que:
“(...) ao fim e ao cabo, problemas concretos deverão ser
resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas
que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de
ponderação são inevitáveis nesse contexto prenhe de
complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes
políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e
bens coletivos”165
“Portanto, ante a impreterível necessidade de ponderações,
são as circunstâncias específicas de cada caso que serão
decisivas para a solução da controvérsia”166
Dessa conclusão decorre, ainda, uma outra afirmação central para o
julgado, a saber:
“(...) não há um direito absoluto a todo e qualquer
procedimento necessário para a proteção, promoção e
recuperação da saúde, independentemente da existência de
uma política pública que o concretize. (...) Dessa forma, a
garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie,
estaria condicionada ao não comprometimento do
funcionamento do Sistema Único de Saúde.”167
É notável a diferença entre as abordagens dos Ministros Gilmar
Mendes e Celso de Mello nas decisões estudadas: para este, há uma
precedência definitiva do direito individual à saúde frente ao interesse do
Estado de saúde orçamentária; para aquele, não existe hierarquia prévia
definitiva entre esses dois princípios e, por isso, é preciso averiguar as
165 Ibid., p. 8. 166 Ibid., p. 10. 167 Ibid., p. 11-12. O curioso é que, para ilustrar seu ponto, o Min. Gilmar Mendes cita parte de um voto do Min. Celso de Mello (ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello), magistrado esse que, como visto nas páginas anteriores, tem método decisório completamente diverso.
75
circunstâncias de cada caso concreto para, através de uma ponderação,
chegar a um veredito.
Se se afirmou que o método do Ministro Celso de Mello é incompatível
com a proibição de insuficiência, o método do Ministro Gilmar Mendes parece
coadunar-se com o instituto. Sendo assim, se na SL 235168 a vedação de
proibição deficiente aparece unicamente para justificar a existência de
deveres estatais de prestação, na SL 228 parece ser possível entender a
utilização do conceito como ferramenta decisória que enseje a ponderação de
princípios, caso, como se verá à frente, o Ministro de fato sopese com base
nas particularidades do cenário concreto; não obstante a proibição de
proteção insuficiente aparecer, em ambos os julgamentos, numa mesma
frase e contexto, a variação no desenvolvimento das razões do juiz enseja
uma compreensão diferente do que ela significou para cada caso.
No fim da exposição, e já encaminhando para a resolução do caso em
pauta, Gilmar Mendes advoga pela criação de um critério para decisões
judiciais a respeito de pedidos por efetivação do direito à saúde. Segundo ele,
a maioria das omissões estatais referentes ao direito à saúde não são
completas, mas parciais. É dizer, é mais comum o Estado implantar uma
política pública falha do que a omissão ser decorrente de uma inação em
absoluto. Para o Ministro, essa distinção é importante porque, no caso de
omissões parciais, o Judiciário teria maior margem de manobra, uma vez que
os outros poderes já teriam se movimentado; pelo contrário, na hipótese de
uma omissão absoluta, seria necessário antes de tudo averiguar qual foi o
motivo dessa inércia estatal169. É importante destacar isso porque, em se
tratando de vedação de deficiência, diferenciar essas duas situações é de fato
fundamental, e a proposição do Ministro é extremamente valiosa.
Infelizmente, como será visto nos próximos julgados de Gilmar Mendes sobre
a saúde, o desenvolvimento de tal critério não prospera.
168 Relativa aos direitos da criança e do adolescente, examinada no tópico 3.2.1. 169 Ibid., p. 15-16. A distinção entre omissão e ação insuficiente, e como lidar com cada uma,
é tema recorrente nos escritos de Laura Clérico sobre proibição de deficiência. Cf. CLÉRICO (2008).
76
O Ministro separa claramente a parte em que faz a exposição sobre os
tópicos teóricos relevantes para o assunto, da parte em que ele efetivamente
se debruça sobre e julga o caso em questão. Essa delimitação é importante,
porque apresenta os conceitos relevantes para o deslinde do litígio e facilita
o controle da argumentação. Gilmar Mendes se vale desse método em todas
as suas decisões sobre o direito à saúde. Se a maioria dos julgados até aqui
analisados não trataram das particularidades do caso, o modelo de Gilmar
Mendes consegue justamente evidenciar em que altura da decisão elas serão
levadas em conta.
Essa novidade seria bem-vinda, não fosse o fato de que o Ministro,
novamente, emprega sempre os mesmos argumentos em todas as decisões;
ainda que seja aceitável copiar e transpor a exposição teórica de um
julgamento para o outro, fazer o mesmo com as razões de decidir – logo após
advogar pela criação de um critério que leve em conta as particularidades de
cada caso – culmina numa motivação para decidir insatisfatória.
Ainda que sejam levantados pontos extremamente relevantes para
aferir o nível de interferência sobre o direito à saúde na omissão da SL 228,
como o número de leitos de UTI por pessoa na região, a superlotação perene
dessas unidades, a inexistência de UTIs pediátricas e neonatais, o estado de
miséria encontrado nos hospitais e mais outros, a mera descrição dos dados
fornecidos pelas partes e pelas decisões das instâncias inferiores não é
suficiente para configurar um juízo de ponderação sobre os fatos. Mais
importante que isso, a transcrição dos exatos mesmos motivos para a não
ocorrência de lesão à ordem pública e à economia pública, quando se tratando
de julgamentos tão diferentes entre si, revela que a preocupação em
considerar as particularidades de cada caso num processo de sopesamento
não foi levada adiante. Isso é evidenciado, sobretudo, pelo fato de que todos
os casos sobre direito à saúde julgados por Gilmar Mendes, tão diversos entre
si, chegaram à mesma conclusão: concessão da prestação estatal.
Se outrora foi afirmado que a proibição de proteção insuficiente, nesse
modelo de voto do Ministro Gilmar Mendes, poderia ser realmente entendida
como ferramenta decisória, uma análise sobre o conjunto de decisões do
77
ministro revela que, mais uma vez, o conceito serviu como mero pretexto
para o Judiciário conceder um pleito por prestação social.
Por mais que na situação da SL 228 sejam apresentados bons
argumentos no sentido de que o fornecimento de saúde pública na cidade de
Sobral estaria aquém do mínimo constitucional e legal170, todos os outros oito
casos171 julgados por Gilmar Mendes utilizam os mesmo argumentos e
desaguam na mesma determinação sobre a prestação, independentemente
das várias diferenças existentes entre eles. Não foi levado em conta se o caso
tratava de pleito individual ou coletivo172, se se buscava a construção de
unidades ou o fornecimento de remédios173, se esses remédios estavam
previstos na lista do Serviço Único de Saúde (SUS) ou não174, se a
responsabilidade era de um ente federativo ou de vários ao mesmo tempo175.
Isso quer dizer que, mesmo sendo tais fatos e a legislação pertinente a cada
um deles apresentados pelo Ministro, não se elaborou qualquer
argumentação em cima deles.
Na prática, isso significou que casos diversos, como um pleito por
remédio constante na lista de SUS e outro pleito por remédio fora dela,
tiveram como diferença fundamental em sua resolução poucas linhas, tais
quais “O alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não
fornecimento (...)”176 e “O Município de Pelotas, apesar de alegar lesão à
economia pública, não comprova a ocorrência da lesão, limitando-se a
sustentar que o medicamento não consta das listas do SUS”177.
170 O Ministro cita, por exemplo, o Secretário Municipal da Saúde de Sobral, que informa: “na
macro-região de Sobral, a proporção é de 88.000 pessoas para cada leito de UTI, enquanto a
recomendação da Organização mundial de Saúde indica a necessidade de 10.000 pessoas para
cada leito da UTI”. Ibid., p. 20. 171 Em ordem cronológica, do mais antigo para o mais recente: STA 238; STA 278; STA 245;
STA 277; STA 198; SS 3751; SS 3690; SS 3741 172 Por exemplo, STA 277 e SS 3690, respectivamente. 173 Por exemplo, SL 228 e SS 3751, respectivamente; 174 Por exemplo, STA 277 e STA 278, respectivamente 175 Por exemplo, STA 245 e STA 238, respectivamente. 176 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 198, Min. Gilmar Mendes, j. 22/12/2008, p. 22. No
caso, o custo do remédio seria de R$ 1.316.510,00, e o impacto anual no orçamento da saúde se somados os valores dos pedidos das ações que tramitavam na Justiça Federal referentes à doença em questão seria de R$ 15.837.691,20 (p. 8). 177 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 245, Min. Gilmar Mendes, j. 22/10/2008, p. 21.
78
Há, contudo, uma observação importante a se fazer. Nos últimos três
julgamentos do grupo examinado – as Suspensões de Segurança 3751178,
3690179 e 3741180 –, o Min. Gilmar Mendes, após expor os seus pontos sempre
reincidentes, colocou ao fim de sua decisão uma clara alusão à
proporcionalidade181. Tomando a SS 3751 como exemplo, aduziu o Ministro:
“O fornecimento do medicamento Lamitor a paciente portador de problemas
psiquiátricos, na hipótese dos autos, mostra-se necessário, adequado e
proporcional”182. Essa mesma locução se repetiu nos outros dois julgados,
ressalvadas as alterações necessárias para conformar a decisão aos fatos do
caso, por exemplo o nome dos requerentes e o objeto da reivindicação. Ou
seja, nas três decisões foi afirmado que a concessão de medicamento pelo
Poder Público era necessária, adequada e proporcional.
Para além do fato de não existir qualquer desenvolvimento explícito a
respeito da afirmação, nota-se que é analisada a proporcionalidade não de
uma restrição estatal a direito fundamental, mas sim de uma medida positiva
de fomento a direito fundamental; não há que se falar em uma proibição de
insuficiência, nem em uma proibição de excesso. Ao passo que a
proporcionalidade é amplamente entendida como método decisório para
avaliar se é legítimo o Poder Público limitar certo direito fundamental, Gilmar
Mendes extrapola essa concepção e analisa caso a promoção estatal do direito
fundamental é proporcional. Com certeza, trata-se de uma reviravolta no
entendimento do que é a proporcionalidade, reviravolta essa que: i) ou não
é bem pormenorizada como devia ser; ii) ou decorre de ato falho do julgador;
iii) ou exemplifica como a proporcionalidade é tratada como recurso retórico
vazio, do qual os ministros do STF lançam mão para ornar suas decisões183.
178 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3751, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009. 179 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3690, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009. 180 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3741, Min. Gilmar Mendes, j. 27/05/2009. 181 Ainda que a ordem de apresentação das subregras esteja errada (com a necessidade
precedendo à adequação), a menção dos três testes em conjunto deixa pouca margem a
ceticismo quanto ao fato de ter sido feita uma referência à proporcionalidade. 182 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 3751, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009, p. 21. 183 A crítica do uso da proporcionalidade pelo STF já foi exemplificada na nota de rodapé 17.
79
Ao analisar esses mesmos julgamentos, Matricardi Rodrigues chega à
conclusão de que Gilmar Mendes não controla a proporcionalidade do ato
(comissivo ou omissivo) estatal, mas sim da decisão de segunda instância
recorrida. Ele o faria, ainda, a partir da proibição de excesso184. Essa tese,
porém, não logra justificar o uso da proporcionalidade pelo Ministro. Seria
possível que ele estivesse analisando o excesso da decisão judicial recorrida
se esta frustrasse direitos fundamentais, ou seja, se ela não concedesse o
remédio ao pleiteante. Não é o caso. Nos três julgamentos estudados, a
decisão de segunda instância – que serve de objeto para a Suspensão de
Segurança – acaba por deferir o provimento dos fármacos. Isso quer dizer
que, ao invés das decisões recorridas limitarem o direito à saúde, elas, pelo
contrário, o fomentam. A análise de proporcionalidade do Ministro, que nas
primeiras páginas da decisão já havia citado tanto a proibição de insuficiência
quanto a proibição de excesso, não se encaixa em nenhuma dessas
classificações, uma vez que não analisa limitação de direito fundamental, mas
sim uma promoção deles185.
3.2.3. Educação
As decisões sobre educação contam com o único julgamento analisado
nesta monografia não proferido por Gilmar Mendes ou Celso de Mello. Trata-
se do voto do Ministro Luiz Fux no Recurso Extraordinário 597.854. Essa
decisão é, também, uma das mais discrepantes entre as estudadas, e será
184 “Tem-se claro, assim, que o ministro está controlando a proporcionalidade não do ato
executivo que nega direito social, senão das medidas judiciais objeto do pedido de suspensão
– e como proibição de excesso”. Citação retirada de RODRIGUES (2009), p. 66. 185 Pode-se conceber, por exemplo, uma análise acerca de quão proporcional foi a decisão de
segunda instância que concedeu o remédio ao peticionário, tendo como base a intervenção ao bem público da sanidade fiscal. Nessa hipótese, a proporcionalidade não analisaria uma intervenção a direito fundamental de indivíduo, mas sim uma medida excessiva do Estado cometida contra o princípio da “sanidade do orçamento público”. Como se vê, para que essa hipótese seja viável, o conceito de proporcionalidade teria que ser expandido a ponto de controlar a limitação de qualquer princípio (incluídos aí os interesses públicos), não só aqueles que são direitos fundamentais. Para que a afirmação do Ministro Gilmar Mendes faça sentido,
ele precisaria explicar o que ele entende por proporcionalidade e por que ela pode servir para examinar não apenas a limitação, mas também o fomento de direitos fundamentais. Isso não é feito.
80
abordada no tópico 3.2.3.3. O primeiro ministro estudado neste tópico será
Gilmar Mendes, já que foi ele quem emitiu o julgado inicial relacionado ao
direito à educação.
3.2.3.1. Gilmar Mendes
O primeiro julgado relacionado ao direito à educação é a Suspensão de
Tutela Antecipada 241. Ela é seguida pela Suspensão de Liminar 263,
decidida 4 dias depois. Ambos os casos dizem respeito a Ações Civis Públicas
que tinham como intuito obrigar o do Rio de Janeiro a preencher o quadro de
professores em escolas estaduais do município de Queimados, na STA, e do
município de São João do Meriti, no caso da SL. Devido à similaridade entre
os dois casos, o Ministro Gilmar Mendes resolveu por emitir decisões
idênticas, alterando somente os pronunciamentos das partes e do Ministério
Público Federal.
Das decisões analisadas neste trabalho, a única de autoria de Gilmar
Mendes e que já havia sido proferida quando da publicação da STA 241 é a
SL 235, estudada no tópico 3.2.1. Não coincidentemente, a maioria dos
argumentos de uma (SL 235) é reutilizado na outra (STA 241), que então é
copiado para a terceira (SL 263). Ainda assim, o Ministro alterou certos
trechos para que o direito em relevo seja o direito à educação, não o da
criança e do adolescente.
O mesmo argumento usado na SL 235 – de que os direitos da criança
e do adolescente contam com uma prioridade decorrente do texto
constitucional – torna a aparecer na argumentação da STA 241 e da SL
263186. Inalterado, também, está o parágrafo que trata da proibição de
proteção insuficiente. Por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes anota que o
artigo 208, §1º da CF187 consigna a dimensão subjetiva do direito à educação,
186 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 241, Min. Gilmar Mendes, j. 10/10/2008, p. 7. 187 Ibid., p. 6. Constituição Federal, Artigo 208, §1º: “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.”
81
pelo menos no que diz respeito à sua parcela gratuita e obrigatória. Esse fato
já impermeabiliza a decisão contra objeções que possam vir a ser feitas no
sentido de que os direitos sociais não são reivindicáveis por seus titulares.
A parte final da sentença, que trata especificamente do direito à
educação em abstrato, mais uma vez não se aprofunda nas particularidades
de cada caso. Não poderia ser diferente, considerando que ela foi utilizada
sem qualquer alteração em dois casos que, não obstante as múltiplas
semelhanças entre si, são distintos. Os métodos utilizados pelo Ministro são
os mesmo que na SL 235: prioridade constitucional do direito fundamental
em questão, obrigação do ente federativo a prever tais gastos em seu
orçamento, não incidência da reserva do possível e, consequentemente, não
ocorrência de imiscuição infundada do Judiciário188.
O que o Ministro faz, com efeito, é transcrever passagens relevantes
de manifestações relativas aos detalhes dos casos, que podem servir para
demonstrar a magnitude da interferência que a omissão estatal gera sobre o
direito à educação. Dessa maneira, fatos a respeito da necessidade de
professores terem de trabalhar turnos duplos, a falta de docentes para
determinadas matérias e a inércia reiterada do Estado do Rio de Janeiro
funcionam para traçar um contorno básico da situação enfrentada. Assim,
ainda que ele próprio não verse sobre o nível de limitação do direito
fundamental, a reprodução dos fatos serve como substituto rudimentar. Essa
opção ainda não é suficiente, mas parece ser preferível a uma abstenção total
no fornecimento de informações189.
Há outro momento em que Gilmar Mendes trata do caso em particular.
Ele afirma que:
“(...) se a realização de concurso público implica
planejamento a longo prazo, e se a transferência de
188 Tomar como exemplo o seguinte parágrafo: “Não há violação ao princípio da separação dos Poderes quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo estadual o cumprimento do dever constitucional específico de oferecimento de ensino fundamental, pois a determinação é da própria Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Ibid., p. 15. Comparar com nota de rodapé 131. 189 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 263, Min. Gilmar Mendes, j. 14/10/2008, p. 14.
82
professores de outros municípios implicaria comprometer o
ensino em outras localidades, sempre resta ao poder público
a contratação temporária desses profissionais, mediante
processo seletivo simplificado”190
Como visto ao longo do tópico 2.2, a proporcionalidade trabalha com o
oferecimento de soluções alternativas para a medida estatal efetivamente
sendo analisada, com o intuito de averiguar a existência de opção menos
gravosa para o direito fundamental e que fomente o objetivo estatal no
mesmo nível. No excerto destacado, o Ministro propõe uma alternativa ao
governo do Estado do Rio de Janeiro. Ela não é, contudo, uma alternativa no
sentido que pressupõe o teste da proporcionalidade.
Na proporcionalidade entendida como proibição de excesso, a
intervenção estatal analisada deve ser comparada com alternativas que
prejudiquem menos o direito fundamental por ela afetado; se aplicada como
proibição de insuficiência, a omissão ou ação estatal insuficiente deve ser
comparada com outras ações, à procura de alguma que fomente o fim estatal
na mesma medida, ao mesmo tempo que prejudique menos o direito
fundamental afetado – o direito à educação, neste caso. A proposta do Min.
Gilmar Mendes, por sua vez, refere-se a um cenário no qual o Poder Público
já foi condenado e passa por uma situação na qual se vê obrigado a realizar
um concurso público num exíguo espaço de tempo; ela é, na verdade, uma
resposta ao argumento consequencialista do Estado do Rio de Janeiro de que,
se condenado, ele se veria num cenário impossível de acatar a decisão judicial
sem comprometer algum outro interesse público ou direito fundamental. Isso
não quer dizer que a observação do Ministro seja descabida ou não ofereça
um bom argumento; significa, apenas, que não pode ser entendida como a
realização do subteste da necessidade.
O outro julgamento do Ministro Gilmar Mendes relativo à educação é a
STA 318. Nela, o Ministério Público demandava do Estado do Rio Grande do
Sul a disponibilização de transporte para os alunos de Ensino Médio da rede
municipal de ensino público na cidade de Lajeado. Em linhas gerais, o Estado
190 Ibid., p. 13.
83
do Rio Grande do Sul, ao redarguir, alegou que não recaía sobre ele a
completa responsabilidade pela omissão, uma vez que também seria
incumbência do Município de Lajeado prestar tal serviço.
O notável a respeito dessa decisão é de que, ao contrário daquelas que
a antecederam, não está a se tratar primariamente de um conflito direito
social X separação de poderes/orçamento público, mas sim de um choque
entre os princípios direito social X federalismo. A objeção central ao
deferimento do pleito não é seu impacto financeiro ou a legitimidade do Poder
Judiciário para afetar contas públicas, mas sim se realmente estaria a se
tratar de uma omissão imputável exclusivamente ao Estado. Esse fato é
reconhecido por Gilmar Mendes, já que, no meio de sua exposição usual
afirmando a capacidade do Judiciário para efetivar direitos sociais, ele afirma:
“Nesse sentido, nem mesmo eventual fundamento na violação ao princípio da
separação de poderes (art. 2º, CF/88) socorreria o requerente”191.
Isso não o impede, contudo, de valer-se do exato mesmo texto dos
seus julgamentos anteriores sobre a educação, a STA 241 e a SL 263, cujo
cerne versava justamente sobre separação de poderes. A reciclagem chega
a escancarar-se de tal maneira que, em certo ponto, o Ministro esquece de
trocar o nome do estado envolvido na disputa: ao invés de ele escrever Rio
Grande do Sul, consta na decisão o Estado do Rio de Janeiro192. Em outras
palavras, são oferecidas razões pertinentes à separação de poderes, quando
na verdade o assunto tratado era o federalismo.
Mais uma vez a vedação de deficiência figura no mesmo parágrafo de
sempre e, a julgar pelo resto do julgado, mais uma vez ela tem valor
meramente retórico para a decisão.
3.2.3.2. Luiz Fux
191 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 318, Min. Gilmar Mendes, j. 20/04/2009, p. 10. Vale anotar que a STA 318 é posterior a quase todos os já analisados julgamentos do Ministro a respeito do direito à saúde, nos quais é feita uma exaustiva exposição a respeito da justiciabilidade dos direitos sociais. Tal exposição, presente em todas as decisões sobre saúde, não aparece nessa Suspensão de Tutela. 192 Ibid., p. 3: “Contra tal decisão, o Estado do Rio de Janeiro interpôs no TJ (...)”
84
O voto de Luiz Fux no RE 597.854 é o único julgamento analisado neste
trabalho que não foi decidido por Gilmar Mendes ou Celso de Mello. É,
inusitadamente, também aquele que mais se aproxima de empregar a
vedação de deficiência como ferramenta decisória, ao mesmo tempo que
inova na argumentação.
A querela em questão tratava da possibilidade de universidades
públicas cobrarem mensalidade por cursos de pós-graduação. O litígio tomou
forma quando um privado entrou com ação frente à Universidade Federal de
Goiás (UFGO), reclamando seu direito de cursar a pós-graduação da
instituição sem qualquer cobrança. Após a o juízo de primeira instância
denegar o pedido do Autor e o TRF-1 reformar esse entendimento, o processo
chegou ao STF via Recurso Extraordinário impetrado pela própria
Universidade. Reconheceu-se a repercussão geral do caso, que foi então
levado ao plenário do Supremo193.
O relator do caso, Ministro Edson Fachin deu provimento ao recurso da
Universidade, chegando à conclusão de que seria possível a cobrança de
mensalidade em cursos de pós-graduação em sentido lato. O cerne da
argumentação do Ministro foi a diferenciação entre atividades de pesquisa,
extensão e ensino, distinção essa prevista na própria Constituição (por
exemplo em seus artigos 207 e 213). Segundo ele, e em linhas gerais,
enquanto o ensino público deveria ser financiado exclusivamente por recursos
públicos, a pesquisa e a extensão poderiam captar recursos privados, por
exemplo através da cobrança de mensalidades. Os cursos de especialização
193 Não obstante o debate travado pelos ministros nesse julgamento ter girado em torno de
como interpretar os dispositivos relacionados à educação presentes na Constituição para, ao fim, elaborar uma tese universal referente ao tema, entendeu-se que este caso não trata de prestação normativa do Estado, mas sim de uma prestação material. Dado o fato de que a parte nos autos era uma pessoa que reivindicava a possibilidade de educação gratuita,
considerou-se a omissão estatal como fática. Ainda que, depois, o reconhecimento de repercussão geral ensejou uma expansão da discussão de um viés particular para um universal, o litígio continuou dizendo respeito ao indivíduo que buscava pós-graduação gratuita na UFGO.
85
são caracterizados pelo Ministro como pertencentes à pesquisa e extensão e,
portanto, poderiam exigir contraprestação de seus alunos194.
Ao final do voto do relator, foi iniciada uma discussão sobre a
possibilidade de estender a permissão de cobrança para cursos de pós-
graduação sctricto sensu, ampliando a proposta inicial do Ministro Fachin.
Nesse contexto, o Ministro Luiz Fux fez observações já relevantes para a
monografia. Foi dito:
“Na verdade, essa limitação que se impõe hoje às
universidades públicas, que estão absolutamente sucateadas,
demonstra que uma interpretação literal em contraposição a
uma interpretação da razoabilidade à luz da proteção
ineficiente consagra exatamente a necessidade de se atingir
teleologicamente um alcance maior, não só dos dispositivos,
mas também, eventualmente, da tese que se está debatendo
(...)
“Então, essa possibilidade [de cobrar em pós graduação
stricto sensu] que Vossa Excelência, generosamente, abriu,
depois de abrir a primeira porta, que era a mais importante,
acho que nós devemos também, à semelhança do que o
Ministro Gilmar sugeriu, realmente aproveitar, em nome do
princípio que veda a proteção deficiente, porque é
inequívoco - e qualquer outra versão não é verdadeira -, as
universidades públicas estão sucateadas”195
A primeira coisa a se notar é a menção da “razoabilidade à luz da
proteção ineficiente”. Estaria ele se referindo à vedação de proteção
insuficiente? Parece que sim, uma vez que, dois parágrafos depois, ele volta
a referir-se ao “princípio que veda a proteção deficiente”. Mais à frente, ainda,
o Ministro Fux afirma que “(...) um dos princípios materiais de interpretação
194 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. RE 597.854, Rel. Min. Edson Fachin, j.
26/04/2017, p. 13-14; 18-20. 195 Ibid., p. 33-34. Negritado nosso.
86
da Constituição é o princípio da razoabilidade, que tem como subprincípio a
vedação à proteção deficiente”196. Não há dúvida de que ele está a tratar da
proibição de insuficiência investigada neste trabalho.
Uma primeira observação: é ponto pacífico que a vedação de
deficiência faz parte da proporcionalidade. Advogar por uma “razoabilidade à
luz da proteção ineficiente” implica igualar a proporcionalidade à
razoabilidade. Essa identificação pelo Ministro Luiz Fux é controversa e
merece ser apontada197. O segundo ponto relevante: o intuito do Ministro, ao
trazer a proibição de insuficiência para o debate, é fugir de uma interpretação
literal da Constituição, que vedaria a cobrança de mensalidade, e tomar uma
aproximação teleológica ao assunto, de forma a conferir maior efetividade ao
direito à educação, como será pormenorizado por ele. Essa eficiência seria
alcançada pela possibilidade de cobrança, também, na pós-graduação pública
stricto sensu198.
Com efeito, em seu voto199, o Ministro Luiz Fux admite que julga o caso
por uma perspectiva pragmática, que busca acima de tudo conferir maior
efetividade ao direito à educação200. Para tal, estaria a valer-se do princípio
hermenêutico da vedação de insuficiência, que proporcionaria uma
interpretação finalística da Constituição. É por esse motivo que:
196 Ibid., p. 50. 197 Vide nota de rodapé 27. 198 Luiz Fux reconhece que propõe inovação que extrapola o texto da lei, ao exortar seus colegas: “O Supremo Tribunal Federal está habituadíssimo a proferir sentenças aditivas, sem
problema nenhum. Aqui é o momento. (...) Hoje em dia - para uma análise econômica até do processo -, as partes têm que ter o máximo de resultado com o mínimo de esforço. Aqui é uma oportunidade de se ter o máximo de resultado pró-futuro, com o mínimo de esforço.
Formalmente, num formalismo extremamente desnecessário, nós poderíamos até dizer: "não, a tese é essa e vamos ficar só nisso””. Ibid., p. 50-51. 199 Ainda que neste trabalho se trate unicamente dos argumentos usados pelo Ministro
pertinentes à proibição de insuficiência, deve-se notar que seu voto não se resume a isso. Luiz Fux aborda também outras justificativas para seu veredito, como a já mencionada distinção entre ensino, pesquisa e extensão. 200 “(...) a possibilidade de financiamento privado em cursos de pós-graduação decorre também
do argumento teleológico. A melhor interpretação dos dispositivos constitucionais que tratam do direito à educação não pode ser aquela que conduz ao sucateamento da prestação do
serviço público, com o evidente e imediato prejuízo do alunado e da sociedade. Ora, o direito social à educação pública deve ser interpretado de forma a atender à sua máxima efetividade, o que corresponde ao atendimento dos princípios e diretrizes dispostos pelo constituinte”. Ibid., p. 61. Negritado no original.
87
“(...) a tramitação da PEC 395/2014 macularia também o
princípio da proporcionalidade, especialmente na sua vertente
da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), na
medida em que o processo legislativo vergastado se
encaminharia para o esvaziamento da proteção
constitucionalmente prevista ao direito à educação (...)”201
“Dessa forma, tem-se que a atuação do legislador, ainda que
constituinte, deve ser pautada pelo propósito de assegurar a
máxima efetividade do direito fundamental. Tratando-se de
direitos sociais, a proibição à proteção insuficiente pauta a
extensão da obrigação positiva que pode ser exigida do
Estado.”202
Há muito com que se trabalhar aqui. O Ministro Luiz Fux pela primeira
vez atrela a proibição de proteção deficiente à proporcionalidade, mesmo que
antes o tenha feito relacionando-a à razoabilidade. Isso parece sustentar a
implicação feita anteriormente de que, para ele, os dois conceitos podem ser
tomados como sinônimos. Ademais, a compreensão do Ministro sobre o que
é a vedação de insuficiência é mais uma vez explicitada: para ele, tratar-se-
ia de um princípio (entendido como mandamento de otimização) que
impediria que certo direito fundamental tivesse sua efetividade fática tolhida
abaixo de certo ponto. Ou seja, caso restasse assentada a gratuidade dos
cursos de pós-graduação, o Estado descumpriria o seu dever de velar pelo
direito à educação, porque a consequência seria o “sucateamento das
faculdades”.
Em seguida, porém, Luiz Fux menciona obra doutrinária para alargar
sua exposição sobre a proibição de excesso. No trecho transcrito, é ressaltada
a dimensão objetiva dos direitos fundamentais e o consequente dever de
201 Ibid., p. 61. A PEC 395/2014 foi um projeto de emenda à Constituição que dirimia a dúvida
colocada no caso, ao atestar a gratuidade dos cursos de pós graduação stricto sensu oferecidos por universidades públicas. Ainda que se pudesse argumentar que essa alteração facilitaria a cobrança de contraprestação por cursos de especialização, a vedação de cobrança no mestrado e doutorado aparentemente tornou o projeto indesejado para o Ministro Fux. 202 Ibid., p. 62.
88
proteção estatal, que veda a inação do Poder Público203. Ou seja, a
apresentação do conceito pelo Ministro se aproxima daquela feita por Gilmar
Mendes, onde apenas os conceitos de imperativo de tutela, proibição de
excesso e proibição de proteção insuficiente são abordados. No caso de Fux,
porém, há um complicador. Os autores citados por ele, dois parágrafos em
seguida ao transcrito na decisão, apresentam a estruturação da proibição de
deficiência como teste de proporcionalidade. Evidenciam, portanto, que o
teste da vedação de insuficiência conta com três subtestes, análogos aos da
proibição de excesso, pelos quais uma omissão estatal tem de passar para
poder ser considerada constitucional204. Esse detalhe, fundamentalmente
importante, foi aparentemente omitido pelo Ministro Fux em seu voto. É
possível, contudo, identificar indícios de aplicação das sub-regras.
“No caso, a restrição absoluta a qualquer forma de
financiamento privado em universidades públicas, sem que
tenha sido essa a vontade manifestada pelo constituinte
originário, sequer contribui para um outro objetivo
legítimo. Ainda que o fizesse, a possibilidade de se conceder
bolsas, isenções ou empréstimos atenderia ao dever estatal
de assegurar a equalização de oportunidades educacionais, o
acesso aos níveis mais elevados de educação e formação para
o trabalho, consistindo em meio menos prejudicial ao
direito à educação”205
Ao afirmar que a restrição a financiamento privado em universidade
públicas não contribui para qualquer objetivo legítimo, o Ministro faz clara
referência à primeira sub-regra da proporcionalidade, a adequação. Em
seguida, ao propor a possibilidade do Estado fornecer financiamento àqueles
que não pudessem arcar com as custas da educação, e afirmar que esse meio
203 Ibid., p. 61-62. A obra citada é a já mencionada Direito Constitucional: teoria, história e
métodos de trabalho, de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto (SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 392). 204 Cf. SARMENTO; SOUZA NETO (2012), p. 393. 205 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. RE 597.854, Rel. Min. Edson Fachin, j.
26/04/2017, p. 62. Negritados nossos.
89
seria menos prejudicial ao direito à educação, o ministro aplica a sub-regra
da necessidade.
O interessante a se notar é que, segundo o voto, o Estado estaria se
omitindo ao não permitir a cobrança de mensalidade; em outras palavras, a
omissão decorreria de uma intervenção do Estado sobre as faculdades. Para
ele, o Estado tem o dever de prestar uma não-intromissão, ou seja, tem o
dever de não intervir. O Ministro, talvez inadvertidamente, acaba não fazendo
um controle de proteção insuficiente, mas sim de proibição de excesso.
Ao tomar a vedação de deficiência como um princípio a proteger o
direito à educação – e ao partir da premissa de que o financiamento
exclusivamente público prejudica esse direito, enquanto o financiamento
privado o fomenta –, Fux passa a controlar a intervenção que o Estado exerce
sobre as faculdades ao privá-las de financiamento privado. A questão é que
a proibição de proteção insuficiente controla omissões; o que controla
intervenções é a proibição de excesso. A faculdade, no caso, não tem uma
pretensão prima facie a uma prestação do Estado, mas sim a uma abstenção,
qual seja, a de não tolher o direito da faculdade ao financiamento privado.
Apesar de aparentemente tratar a proporcionalidade como teste (ainda
que só fazendo referência às sub-regras da adequação e necessidade e,
portanto, deixando a proporcionalidade em sentido estrito de lado), o Ministro
enxerga a proibição de proteção insuficiente como um princípio que comanda
a máxima efetivação de um direito, e isso o leva a confundir o tipo de teste
a ser realizado; ainda que alegue estar aplicando a vedação de proteção
deficiente, ele está, em realidade, valendo-se da proibição de excesso.
3.2.4. Cárcere
Obviamente, não existe algo como um “direito ao cárcere”. O tema a
ser tratado aqui é o da dignidade do encarcerado e da obrigação estatal de
garantir condições dignas de vida para ele. É possível afirmar que o caso
tratado neste tópico diz respeito à dignidade da pessoa humana. Por certo o
90
faz. Optou-se por caracterizá-lo como relativo ao tema do encarceramento,
porém, com vistas a proporcionar maior especificidade à matéria abordada
no julgamento.
Só um caso entre os estudados se encaixa nessa categorização206. É a
Suspensão de Tutela Antecipada 241, o último julgado de Gilmar Mendes
entre os examinados neste trabalho. Nela, discutiu-se a superlotação de certa
Delegacia de Polícia Civil no Estado do Rio Grande do Norte, consequência da
falta de vagas nas cadeias públicas. A manutenção de presos – provisórios e
já condenados – em número superior ao limite do estabelecimento acarretava
na falta de respeito aos direitos dos reclusos, bem como no comprometimento
da prestação de serviço de segurança por parte da Polícia Civil. Foi nesse
cenário que o Ministério Público do Rio Grande do Norte entrou com Ação Civil
Pública visando à obtenção de medidas que mitigassem a situação de
limitação nos direitos fundamentais, dos presos e da população.
Não é tarefa fácil definir se a STA 241 trata de direito social. Por um
lado, o pedido versa sobre prestação material do Estado, onerosa para os
cofres estatais e instituída por política pública; por outro, é incorreto afirmar
que a construção de penitenciárias pode ser adquirida de outros particulares,
no mercado comum207. Ainda, pode soar estranho afirmar que um caso
referente, sobretudo, ao direito à segurança seja um caso relativo a direitos
sociais. É certo que o forte elemento da dignidade humana presente no caso
enseja uma maior aproximação aos direitos sociais; o entendimento comum
da dignidade humana como um grande “direito guarda-chuva”, que engloba
todos os outros direitos, leva a essa linha de pensamento. No final das contas,
o critério definitivo que sedimentou o preenchimento do suporte fático da
monografia neste caso foram as próprias palavras do Ministro Gilmar Mendes
ao resolver a STA 241. É o próprio julgador quem repetidamente afirma estar
206 Seria possível considerar também a SL 235 (tópico 3.2.1.1), que tratou da obrigação do
Estado construir unidades de reclusão para menores infratores, como concernente ao presente tema. A argumentação do Min. Gilmar Mendes na resolução dela, contudo, teve foco nos direitos específicos da criança e do adolescente, conforme já analisado. Por isso, reputou-se mais correto encarar tal julgado como condizente à seara própria das crianças e adolescentes. 207 Essa é, por exemplo, a definição de direitos sociais encontrada em ALEXY (2017), p. 499.
A definição de direito social usada neste trabalho encontra-se no tópico 2.1.3.
91
se tratando de um direito social. Considerou-se por bem acatar a
caracterização do Ministro.
A decisão de Gilmar Mendes na STA 241 é baseada majoritariamente
em razões já expostas nos seus julgados anteriores. Passa-se pelo parágrafo
que distingue a proibição de excesso da proibição de insuficiência, afirma-se
a necessidade de ação estatal positiva, rechaça-se a caracterização de lesão
à ordem e economia públicas. Há, no entanto, um parágrafo em que o
Ministro, brevemente, toca em uma particularidade relevante do caso:
“(...) a ordem judicial não determina a construção imediata
de estabelecimentos prisionais. Pelo contrário, a decisão de
segundo grau foi expressa em retirar o prazo de 6 (seis)
meses para a criação de novas vagas e em submetê-la à
implementação gradativa, estabelecendo apenas prazo para
que o requerente apresente um plano de realocação dos
presos, com autogerência quanto ao estabelecimento de
metas para a tomada de providências essenciais à garantia da
segurança pública”208
Em suas decisões, os momentos em que Gilmar Mendes foge dos
argumentos genéricos costumam ser aqueles nos quais ele evidencia o direito
fundamental em jogo, sem, no entanto, adentrar nos detalhes da situação.
Não é o que ocorre dessa vez. Ainda que apenas apontando um fato e sem
emitir qualquer juízo de valor, o Ministro apresenta algo relevante e único do
caso. Por mais que esse parágrafo seja insuficiente para caracterizar por si
uma ponderação, saber que não está a se ordenar a construção imediata de
prisões, mas sim impondo que o Executivo elabore planos de realocação dos
detentos, é extremamente importante para aferir o nível de afetação ao
princípio da separação de poderes e para um eventual sopesamento. Nesse
cenário, a vedação de deficiência poderia entrar em ação.
208 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STA 419, Min. Gilmar Mendes, j. 06/04/2010, p. 6.
92
3.2.5. Acesso à justiça
Os quatro casos examinados relativos ao direito de acesso à justiça
foram proferidos pelo Ministro Celso de Mello num curto espaço de tempo: de
junho de 2013 a fevereiro de 2014. Eles todos tratam de demandas pela
instalação de defensorias públicas em localidades carentes de representação
jurídica para a população hipossuficiente.
O primeiro julgado do grupo foi o AI 598.212, no qual exigia-se a
expansão da recém criada Defensoria Pública do Paraná, até então restrita à
capital Curitiba, para todo o estado. Nele, o Ministro não foge do já conhecido
roteiro de expor a importância do direito fundamental em questão209,
consignar a legitimidade do Judiciário para intervir em áreas de políticas
públicas210, questionar a motivação e a boa vontade do administrador
público211, reconhecer a existência da reserva do possível, prontamente
rechaça-la212 e, ao fim, prover o pedido de prestação. Tudo isso através do
mesmo texto usado em suas decisões anteriores.
A proibição de insuficiência é mencionada na ementa da decisão e no
corpo da pesquisa. Em ambos, Celso de Mello volta a errar o nome do
conceito, chamando-lhe de “vedação da proibição insuficiente”. Como já dito,
esse erro não compromete em si a decisão, mas poderia servir como indicador
do menoscabo do Ministro para com o instituto.
A única parte que distingue os julgados relativos ao direito de acesso
à justiça das outras decisões proferidas por Celso de Mello é aquela na qual
ele discorre sobre esse direito fundamental em específico. O principal
argumento a favor do relevo dele é o estado precário em que se encontra no
contexto brasileiro, e sua funda centralidade para o exercício da cidadania,
liberdade e igualdade. Esses fatores, ainda que repletos de razão, não são
somados a considerações sobre o caso concreto e, por isso, não embasam
209 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI 598.212, Min. Celso de Mello, j. 10/06/2013, p. 3-6. 210 Ibid., p. 7; 16. 211 Ibid., 9-12. 212 Ibid., 13-15.
93
qualquer ponderação. Como de costume, a motivação do Ministro Celso de
Mello resume-se a elucubrar acerca de conceitos abstratos e gerais para, num
salto pseudológico, proferir a decisão do litígio.
A única diferença das outras três decisões sobre o tema – a AI 764.969,
o RE 763.667 e o RE 795.749 – para a AI 598.212 é que, nestas, o Ministro
corrige seu ato falho e não escreve “vedação da proibição insuficiente”. De
resto, os julgados mantêm a mesma estrutura já observada.
3.2.6. Seguridade Social
O último direito social abordado é o da seguridade social. Há duas
decisões relativas ao tema que serão aqui examinadas (Rcl 18.636, Rcl
25.363), ambas sentenciadas pelo Ministro Celso de Mello. Os dois julgados
dizem respeito ao artigo 20, §3º da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS,
Lei 8.742/93)213. Nele, consta que a família com pessoa idosa ou com
deficiência, para poder receber o benefício de prestação continuada, precisa
comprovar renda mensal per capita inferior a um quarto de salário mínimo.
Esse dispositivo foi declarado parcialmente inconstitucional quando do
julgamento da Reclamação 4.374. Nela, o plenário do STF derrubou
entendimento firmado anteriormente em sede de controle concentrado214, e
consignou que tal critério estipulado no art. 20, §3º da LOAS era demasiado
baixo e incompleto; ele havia passado por processo de inconstitucionalização,
de modo a não mais lograr refletir a realidade fática e normativa. Desse
modo, configurou-se omissão inconstitucional parcial, o que levou a corte a
revogar seu precedente e declarar o parágrafo parcialmente inconstitucional.
213 “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (...) §3º. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”. Negritado no original 214 Na ADI 1.232, Rel. Min. Ilmar Galvão, Rel p/ o Acórdão Min. Nelson Jobim.
94
As Reclamações 18.636 e 25.363, estudadas nesta monografia,
insurgiram-se contra decisões judiciais que ratificaram recusas do Instituto
Nacional de Segurança Social (INSS) contrárias ao entendimento firmado na
Reclamação 4.374. Tais decisões recusavam o pleito pelo benefício de
prestação continuada feito por família com pessoa deficiente, mas cujo salário
per capita era superior ao um quarto do salário mínimo previsto no dispositivo
da LOAS. Argumentavam os reclamantes que a denegação do benefício pelo
INSS era inconstitucional porque ia na contramão daquilo que havia sido
julgado na Reclamação 4.374.
As Reclamações 18.636 e 25.363 podem ser separadas em dois
momentos: um primeiro, onde se justifica por que o entendimento firmado
em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232) pode ser revogado
pelo que foi deliberado numa Reclamação Constitucional (Rcl 4.374) além de,
seguindo adiante, por que o que foi decidido numa Reclamação Constitucional
geraria efeitos jurídicos para terceiros, tais quais os pleiteantes das
Reclamações 18.636 e 25.363; um segundo momento onde, uma vez
assentada a relevância da primeira Reclamação para as duas subsequentes,
resolve-se o caso concreto. É neste segundo momento que a vedação de
deficiência se faz presente e, por isso, é ele que será analisado.
A menção ao conceito é feita, mais uma vez, somente na ementa do
julgado. No entanto, o Ministro Celso de Mello desvia do usual e insere a
proibição de proteção insuficiente num contexto diverso do que ele faz em
todas suas outras decisões, onde ela é arrolada junto à proibição de excesso,
proibição de retrocesso e a proteção ao mínimo existencial. Nas Reclamações
em questão, a ementa indica:
“(...) Injustificada recusa do INSS em conceder à beneficiária,
que é portadora de graves deficiências físicas, o pretendido
benefício assistencial. Inadmissibilidade dessa recusa
administrativa, pois, caso acolhida, transgrediria,
frontalmente, o postulado constitucional que, dirigido ao
Estado, veda a proteção insuficiente de direitos
fundamentais (como o direito à assistência social). A
95
proibição da proteção insuficiente como uma das
expressões derivadas do princípio da
proporcionalidade”215
A diferença é substancial. Em primeiro lugar, porque o conceito é
atrelado à proporcionalidade, passo que não é dado nas decisões analisadas
anteriormente (até mesmo no RE 812.626, que é cronologicamente posterior
à Rcl 18.636); em segundo lugar, porque o Ministro é explícito ao tratar a
vedação de deficiência como um “postulado constitucional que (...) veda a
proteção insuficiente de direitos fundamentais”. Essa frase é de grande valor
para ajudar a esclarecer o que Celso de Mello tem para si como proibição de
proteção insuficiente (que em outros julgados ele se refere por vedação da
proteção insuficiente). Nela, o Ministro deixa claro algo que seus julgados
anteriores só deixavam margem para especulação: para ele, o conceito
funciona de modo a impedir a limitação de direitos fundamentais. Nesse
sentido, a proibição de deficiência não seria uma ferramenta para averiguar
quando um direito fundamental é restringido justificadamente. Seria, na
verdade, uma espécie de mandamento de otimização que prescreve a
atuação estatal na efetivação de direitos fundamentais.
A diferença pode ser sútil, mas é importante. Ela remete ao debate
terminológico trazido no tópico 2.2.3.1, no qual se discutia a natureza da
proporcionalidade como princípio, regra, metaregra, comando, prova, teste
ou critério. Conforme então apresentado, a denominação usual de “princípio
da proporcionalidade” é tida por muitos como imprecisa. Isso porque os
princípios seriam tipos de normas que prescreveriam a máxima efetivação de
um valor tido pela ordem jurídica como relevante. O princípio do acesso à
justiça, portanto, equivaleria a um mandamento que estabeleceria, em
primeiro lugar, que o acesso à justiça é reputado importante pelo
ordenamento jurídico e, em segundo lugar, que o Estado tem que agir de
maneira a promover esse valor ao seu grau máximo. Os princípios seriam,
então, mandamentos de otimização.
215 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Rcl 18.636, Min. Celso de Mello, j. 10/11/2015, p. 2-3.
Negritado nosso.
96
A proporcionalidade (compreendendo aí a proibição de excesso e a
proibição de insuficiência), entendida como uma ferramenta para examinar a
limitação de direitos fundamentais, é claramente diversa de princípios que
impõem a otimização de um objetivo, tais quais a separação de poderes, a
eficiência e – se se admitir que direitos fundamentais também têm estrutura
de princípio – o direito à saúde, por exemplo. Ela não estabelece a consecução
de um valor até o seu grau ótimo. Na verdade, a proporcionalidade é um
meio para resolver conflitos entre normas. Ou seja, ao passo que o direito à
liberdade de expressão, enquanto princípio, ordena que o Estado atue tendo
em vista a máxima efetivação do objetivo “liberdade de expressão”, o
“princípio” da proporcionalidade não consiste na especificação de um fim a
ser almejado, mas sim na estruturação de um meio para alcança-lo216. Tanto
a vedação de deficiência quanto a proibição de excesso, como componentes
da proporcionalidade, se encaixam nessa caracterização de meios para um
fim; seu valor é instrumental.
Essa distinção parece passar ao largo do Ministro Celso de Mello. Ao
caracterizar a proibição de proteção insuficiente como “postulado
constitucional que (...) veda a proteção insuficiente de direitos
fundamentais”, ele parece admitir que vê o conceito como uma ordem,
emanada da Constituição, que proíbe o Estado de se omitir na realização de
direitos fundamentais. A vedação de insuficiência deixa de ser uma
ferramenta de medição, para se transformar numa prescrição constitucional,
um mandamento de otimização, enfim, um princípio. Nesse sentido, ela não
mais serve como a balança na qual se pesa o valor de princípios colidentes
num caso concreto; ela própria vira um dos princípios, a ser colocado na
balança para pesagem.
No caso das Reclamações 18.636 e 25.363, não é julgada uma colisão
entre a legalidade (representada pela letra fria da LOAS) X o direito à
seguridade social, mas sim um conflito entre a legalidade X o direito à
seguridade social + o “princípio” da proibição de insuficiência. Por mais que
216 Vide tópico 2.2.
97
a vedação de deficiência tenha sido cunhada para sopesar colisões, nos casos
aqui analisados, ela acaba pendendo a balança para um dos lados.
3.3. Conclusão do capítulo
Inicialmente, verificou-se que não há linearidade cronológica no
emprego da proibição de insuficiência para prestações fáticas de direitos
sociais. Os julgamentos se concentram na época da presidência do STF pelo
Ministro Gilmar Mendes e no período pós-2013, no qual o Ministro Celso de
Mello passou a citar o conceito frequentemente. O único outro julgamento
que se encaixou na proposta da monografia foi de 2017, proferido pelo
Ministro Luiz Fux.
O direito fundamental social que mais ensejou a menção do instituto
foi o direito à saúde, com ampla margem de diferença para o segundo
colocado. O nível federativo mais vezes acionado por ter se omitido foi o dos
estados. A estatística mais chamativa foi a que revelou com qual frequência
o STF concede o pleito social. Dos 29 casos estudados, somente em um a
proibição de proteção insuficiente foi mencionada de modo a denegar o
pedido por prestação. Isso equivale a aproximadamente 3% dos casos.
Quanto ao emprego do conceito, não foi possível traçar um
denominador comum a todo o STF. Na verdade, cada ministro utilizava a
vedação de deficiência de seu próprio modo, sem qualquer conexão com as
vezes que ela já havia sido usada por outro colega. Não houve diálogo entre
os ministros no tocante ao conceito, já que sequer foram feitas referências
às outras vezes em que ele fora mencionado anteriormente na Corte. A maior
constante das decisões foi, como já exposto, a concessão do pleito social.
No caso do Ministro Gilmar Mendes, o instituto foi mencionado na
mesma frase em todos os julgados (com exceção da SL 235, na qual houve
também uma menção posterior ao instituto, mas sem qualquer diferença
prática): ele era contraposto à proibição de excesso e justificava a existência
de deveres estatais de prestação positiva. Disso, porém, não seguia qualquer
98
aprofundamento sobre o tema. A proporcionalidade não era mencionada
diretamente, apenas no título da obra usada como referência. Na maioria das
vezes, a argumentação do Ministro resumia-se a discorrer sobre diversos
conceitos relacionados ao caso, sem em nenhum momento adentrar nos
detalhes dele. Os julgamentos sobre direito a saúde, porém, contaram com
uma exposição mais completa sobre o tema e uma maior preocupação em
apresentar particularidades do litígio, ainda que o próprio Gilmar Mendes não
tenha feito considerações próprias sobre eles e tenha julgado os processos
de maneira igual, sem levar em conta suas muitas diferenças. No fim, não
obstante o reconhecimento do Ministro da importância da reserva do possível
e da necessidade por ponderação, todos os julgamentos foram favoráveis ao
pleiteante.
Nas Suspensões de Segurança 3751, 3690 e 3741, o Ministro Gilmar
Mendes valeu-se dos subtestes da proporcionalidade ao afirmar que a
prestação de medicamentos para os autores das ações era necessária,
adequada e proporcional. A frase do Ministro causa estranhamento porque a
proporcionalidade é usada como ferramenta para averiguar quão justificável
é uma limitação de direitos fundamentais, não sua promoção. Ao conceder a
prestação e classifica-la como proporcional, Gilmar Mendes controla quão
justificável é o fomento de um direito fundamental; não é sequer aplicação
de proibição de excesso e muito menos de proibição de insuficiência.
O Ministro Luiz Fux citou a proibição de proteção deficiente apenas uma
vez, no RE 597.854. Nela, o Ministro apresentou o conceito como decorrente
da razoabilidade; ele seria um vetor interpretativo que visaria a conferir a
máxima efetividade ao direito fundamental. Nesse sentido, se aproxima do
entendimento, mais evidente nos votos de Celso de Mello, de que a vedação
de insuficiência seria um mandamento de otimização. Curiosamente, porém,
esse argumento foi usado para denegar o pleito social. Segundo o voto, caso
o pedido de pós-graduação gratuita fosse concedido, a oferta da educação
pública restaria comprometida. Mais adiante, ainda, o Ministro fez alusão aos
subtestes da adequação e da necessidade. O controle feito por ele, contudo,
incidiu sobre a proibição de financiamento privado das universidades
públicas. Considerando que a proporcionalidade é aplicada sobre uma
99
intervenção estatal, o teste utilizado foi a proibição de excesso, não a
proibição de insuficiência.
Com exceção dos dois casos referentes à seguridade social, o Ministro
Celso de Mello, assim como o Ministro Gilmar Mendes, empregou a proibição
de insuficiência sempre num mesmo contexto e sempre na ementa. Nessas
vezes, ela foi colocada ao lado da proibição de excesso, proibição de
retrocesso e proteção ao mínimo existencial, ainda que alguns destes
parâmetros não eram sequer pertinentes ao caso em questão. De forma ainda
mais acentuada que Gilmar Mendes, Celso de Mello esquivou-se das
particularidades de cada situação e restringiu-se a apresentar generalidades
sobre o direito fundamental em foco e a afirmar a legitimidade do Judiciário
para intervir na Administração Pública. Não houve ponderação alguma em
nenhum momento. Quando presente no corpo da decisão, a vedação de
deficiência era mencionada no mesmo contexto que na ementa, ou seja,
apenas relacionada aos outros três parâmetros constitucionais. O conceito
parece ter menos importância do que nos julgamentos de Gilmar Mendes.
A menção à proibição de insuficiência nas Reclamações 18.636 e
35.363, porém, fugiu do padrão do Ministro; ela não foi colocada junto à
proibição de excesso, à proibição de retrocesso e à proteção do mínimo
existencial. Nesses julgamentos, o instituto foi associado à proporcionalidade.
Mais importante que isso, Celso de Mello revelou que entende a proibição de
proteção insuficiente como um imperativo a prestações estatais, que vedaria
a inação do Poder Público quando ele devesse agir. Essa concepção mais
aproxima o conceito a um princípio – que ordena a maximização de algum
objetivo – do que a uma ferramenta decisória – usada para resolver conflitos
entre normas.
Tal percepção sobre a vedação de insuficiência, se generalizada
também ao Ministro Gilmar Mendes, pode elucidar o motivo pelo qual apenas
um entre os 29 casos em que o conceito apareceu teve o pedido por prestação
denegado.
100
4. Conclusão
“Pretende-se de fato que o direito como estudo de
uma vida é mais do que uma ciência: ele pertence
tanto à práxis quanto à techne. Particularmente,
poderíamos sugerir que o aprendizado do direito
que se satisfizesse com listar ou repetir ou mesmo
aprender todas as regras e princípios jurídicos
afirmados abstratamente não chegaria à
iurisprudentia. Ela consiste nessas regras,
princípios e valores implícitos trazidos a uma
situação concreta, sopesados, equilibrados e
finalmente aplicados para produzir uma resposta a
uma questão concreta de direito que chega
(quando bem feita) a ser iurisprudentia
compreendida própria e totalmente” 217
4.1. O que é proibição de insuficiência para o STF?
Uma conclusão da pesquisa é a de que não há uma maneira central
com que o STF emprega a proibição de insuficiência ao julgar a concessão de
prestação fática de direitos sociais. O que existe, na verdade, são os
diferentes modos com que cada ministro traz o conceito para suas decisões.
Isso não quer dizer, porém, que seja impossível traçar pontos de intersecção
entre cada julgador.
O primeiro e mais flagrante ponto de intersecção é o de que cada
ministro costuma citar a vedação de proteção insuficiente (em casos que se
encaixam ao suporte fático do trabalho) sempre no mesmo contexto e com
as mesmas palavras, já que suas decisões tendem a ser cópias quase
idênticas de outros julgados passados. Essa conclusão decorre do exame de
decisões dos dois ministros com mais de um julgado analisado, Gilmar
Mendes e Celso de Mello. Ainda que algumas vezes haja alterações pontuais
relevantes de caso para caso – por exemplo, quando se trata de um direito
fundamental diferente daquele previamente abordado – a maior parte do
217 Trecho pertencente a MacCORMICK (2001), p. 81. Foi traduzido do inglês e citado primeiro em LOPES (2009), p. 78.
101
corpo das decisões é reaproveitado de sentenças anteriores, palavra por
palavra.
Dessa primeira coincidência decorre uma segunda: quando
suscitados, os detalhes de cada julgamento costumam ser levantados
superficialmente e pouco contribuem para o desenrolar da decisão. Ora, se
os Ministros reciclam seus julgados, logicamente não irão colocar as
particularidades dos julgamentos em suas razões.
Quem mais se aproximou de expor propriamente os pormenores de
cada caso foi o Ministro Gilmar Mendes em seus julgamentos sobre direito à
saúde. Ele o fazia, porém, porque a sua fórmula de decisão para casos
relativos à saúde assim exigia. Além da menção aos fatos relevantes, não se
verificava qualquer racionalização do Ministro baseado neles. Mais que isso,
enquanto o seu voto exortava o desenvolvimento de diferentes critérios de
ponderação para diferentes casos, o Ministro Gilmar Mendes sentenciou todos
os casos do tema – que variavam de pedidos por construção de hospitais,
passando por pedidos de remédios existentes na lista do SUS ou não
existentes na lista do SUS, a pleitos pelo fornecimento de leite de soja218 –
usando as mesmas palavras.
No caso do Ministro Celso de Mello, a reincidência nos argumentos
era acompanhada de um aparente menosprezo para com a escassez de
recursos e o interesse estatal de não ter seu orçamento manipulado pelo
Judiciário. É recorrente a imputação ao Poder Público de criar “obstáculo
artificial” que, através “de indevida manipulação de sua atividade financeira
e/ou político-administrativa”, tem o “arbitrário, ilegítimo e censurável
propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar”219 a fruição dos direitos
fundamentais pelos indivíduos. A julgar por suas palavras, as 14 omissões
julgadas por ele e aqui estudadas foram decorrência da crueldade dos
administradores públicos, tendo em vista que a incidência da reserva do
possível foi afastada a cada vez.
218 Cf. SS 3690, p. 18. 219 Citações retiradas do AI 598.212, p. 14.
102
Num cenário onde não se decide o caso concreto – com todos seus
detalhes e vilosidades –, mas sim um conflito abstrato de princípios que, uma
vez resolvido, engendra a resolução de todos os casos que a ele se
subsumem, não é possível falar de proibição de insuficiência. Ela, pelo
contrário, pressupõe o choque ad hoc entre princípios, e fornece a solução de
um litígio por vez. A julgar pelo índice estonteante de concessões de
prestação e, acima de tudo, pelas razões repetidas dos ministros, esse
conflito caso a caso não ocorria; para os Ministros Celso de Mello e Gilmar
Mendes, no choque entre um direito social e o interesse público de preservar
o orçamento estatal ou a separação de poderes, o primeiro sempre
prevaleceria, seja isso admitido abertamente (como o faz Celso de Mello em
decisões relacionadas à saúde220), seja escondido sobre uma suposta
necessidade de ponderação ad hoc221.
Fugiu à regra o voto do Ministro Luiz Fux no RE 597.854. Isso não
somente porque ele teve apenas uma decisão analisada, mas também porque
foi ele o único a associar a proibição de insuficiência com o direito
fundamental em debate no caso. Não decorreu disso, contudo, um
sopesamento entre os princípios em conflito: mais uma vez, detalhes do
julgamento foram postos de lado222. A ligação entre a vedação de deficiência
e o direito à educação foi feita, na verdade, como se ela um princípio fosse.
O Ministro é claro ao afirmar que a proibição de proteção insuficiente funciona
de modo a garantir maior efetividade ao direito à educação. Esse
entendimento é similar ao esposado por Celso de Mello nas Reclamações
Constitucionais 18.636 e 25.363. Neles, a vedação de deficiência é um
mandamento de otimização.
Já foi dito que a proibição de insuficiência não é um conceito unívoco.
Para o pouco que foi abordado sobre ela na doutrina e jurisprudência, há
220 Por exemplo, STA 233-AgR, p. 35-36. 221 Por exemplo, SL 228, p. 8; 10. 222 Nesse caso, porém, o Ministro Fux tem ainda uma justificativa razoável: por mais que o
julgado fosse um Recurso Extraordinário, fruto do controle difuso de constitucionalidade, o reconhecimento de repercussão geral fez com que o litígio perdesse seu valor particular e
adquirisse caráter universal. Os detalhes referentes ao pleiteante, que moveu ação contra a UFGO pela gratuidade da pós-graduação, acabam sendo naturalmente mitigados frente ao impacto generalizado que a decisão terá.
103
menos ainda sistematizado. Ao contrário da proibição de excesso, que já
conta com diferentes estruturações sólidas e delineadas, bem como pontos
de partida epistemológicos, a vedação de proteção deficiente engatinha em
seu desenvolvimento. Falar sobre ela, se comparado a outros institutos já
mais bem sedimentados, beira o tatear no escuro.
Não por isso deva se aceitar qualquer subjetivismo. Sabe-se, por
exemplo, que a proibição de deficiência diz respeito a deveres estatais de
prestação. É pacífico, também, que ela é a contraparte da proibição de
excesso. Sendo assim, é possível afirmar que se trata de método avaliativo
de limitações a direitos fundamentais. Mas quais direitos? Justamente aqueles
decorrentes do supracitado dever estatal de prestação, quais sejam, os
direitos individuais a prestação. Mesmo que seja pouco, ter para si que, ao
se falar de proibição de insuficiência, está se tratando de ferramenta para
julgar casos de limitações a direitos prestacionais é, já, um ponto de partida
com o qual se pode trabalhar. O capítulo 2, dedicado à exposição de temas
sobre direitos fundamentais, proporcionalidade, proibição de excesso e
proibição de insuficiência tinha como objetivo, justamente, tentar construir o
maior topos possível para abordar o assunto. Ao mesmo tempo – e em
sentido contrário –, dada a maleabilidade do conceito, existiu o esforço para
não definir a vedação de deficiência de maneira demasiadamente inflexível;
não era desejável impor aos ministros um critério não só criado
posteriormente às suas decisões, como também intransigente. Isso quer
dizer: prezou-se pela objetividade e, ao mesmo tempo, pela fluidez.
Não obstante essa aspiração por elaborar um critério avaliativo
concomitantemente definido e tolerante, o entendimento de que a proibição
de insuficiência é um mandamento de otimização não pode ser aceitado.
Conforme explicado, para além de todas as dúvidas que rondam o instituto,
as poucas certezas sobre ele impedem a sua interpretação como um princípio.
Desde o seu surgimento com Canaris, passando pelo desenvolvimento
jurisprudencial e doutrinário223, é clara a sua natureza de ferramenta para a
resolução de casos. Sua associação com o teste da proporcionalidade apenas
223 Vide tópicos 2.2.2 e 2.2.3.
104
serve para evidenciar que a vedação de deficiência, antes de ser princípio, é
na verdade um teste (assim como a proibição de excesso). E isso remete a
outro ponto relevante da pesquisa.
Ainda que a doutrina nacional e internacional seja quase unânime
quanto à ligação entre os conceitos de proporcionalidade e proibição de
insuficiência224, poucas vezes os ministros explicitaram isso. Não obstante,
cada um o fez pelo menos uma vez, de alguma maneira. O Ministro Gilmar
Mendes mencionou os subtestes da necessidade, adequação e
proporcionalidade nos parágrafos finais das Suspensões de Segurança 3751,
3690 e 3741 (além de retirar a proibição de insuficiência de uma referência
doutrinária cujo nome contém a palavra proporcionalidade em alemão); o
Ministro Celso de Mello fez a associação nas Rcls 18.636 e 25.363; e no único
voto do Ministro Luiz Fux aqui analisado, RE 597.854, a proibição de
insuficiência foi relacionada tanto à proporcionalidade quanto à razoabilidade.
Não obstante, apenas em decisões dos Ministros Fux e Mendes se
aproximou de algo semelhante ao teste da proporcionalidade. Em nenhuma
dessas vezes, contudo, a proporcionalidade aplicada foi a vedação de
deficiência. Enquanto Luiz Fux aplicou uma proibição de excesso velada, o
Ministro Gilmar Mendes valeu-se dos testes da proporcionalidade para avaliar
a constitucionalidade de uma promoção de direito fundamental. Celso de
Mello, nas vezes que menciona a proporcionalidade, não trabalha a vinculação
entre os dois conceitos.
Diante do fato de que a proibição de insuficiência não enseja nem um
sopesamento entre um direito prestacional e um outro princípio, nem leva a
uma aplicação dos subtestes da proporcionalidade para avaliar uma omissão
estatal, a conclusão desta monografia é similar àquela alcançada por
Matricardi Rodrigues em 2009225: nos casos de reivindicação por prestação
estatal fática de direitos sociais, os ministros do STF não aplicam a proibição
de insuficiência, ainda que a mencionem em suas razões.
224 Vide tópico 2.2.3. 225 RODRIGUES (2009), p. 75.
105
Seria isso um equívoco dos ministros? A reciclagem de decisões é
fruto do volume colossal de processos a serem resolvidos por cada juiz do
STF? Ao contrário, estariam eles se valendo de um conceito pouco conhecido
para extrapolar suas atribuições e, consequentemente, ganhar mais poder226?
Não há como obter resposta para essas perguntas, pelo menos não através
dos resultados deste trabalho sozinho. O fato é o de que, nos casos
analisados, ainda que a proibição de insuficiência seja trazida à tona pelo
ministro, ela não é de fato aplicada.
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226 Esta pergunta representa uma teoria que embasou a hipótese deste trabalho, e é similar à
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