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O suicídio de escravos na Província de Sergipe (1849-1878) José Marcos Santos Maciel 1 O estudo do suicídio de escravos é um ramo proficiente e que desperta a curiosidade dentro da historiografia brasileira contemporânea. Inúmeras são as questões que surgem quando nos aproximamos de tal problemática, como: o suicídio de cativos em Sergipe foi uma forma de negociação? Foi uma resistência individual contra o sistema escravista? Foi uma contestação contra os castigos recebidos pelos seus senhores? Decorrência da cultura africana? Ou foi resultado do banzo uma nostalgia da terra natal? Essas são questões importantes que procuraremos responder no decorrer desta pesquisa. Imagem I 2 1 Professor da Prefeitura Municipal de Boquim e Itabaianinha e Licenciado em história pela Universidade Federal de Sergipe. 2 Imagem retirada do livro: Laços de família e direitos no final da escravidão de Hebe M. Mattos de Castro in: História da vida privada no Brasil; 2, São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 346.

O suicídio de escravos na Província de Sergipe (1849-1878 ... · razão para viver, pois segundo Durkheim, ³nesse caso se afrouxa o laço que liga o homem à vida, é que o laço

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O suicídio de escravos na Província de Sergipe (1849-1878)

José Marcos Santos Maciel1

O estudo do suicídio de escravos é um ramo proficiente e que desperta a

curiosidade dentro da historiografia brasileira contemporânea. Inúmeras são as questões

que surgem quando nos aproximamos de tal problemática, como: o suicídio de cativos

em Sergipe foi uma forma de negociação? Foi uma resistência individual contra o sistema

escravista? Foi uma contestação contra os castigos recebidos pelos seus senhores?

Decorrência da cultura africana? Ou foi resultado do banzo uma nostalgia da terra natal?

Essas são questões importantes que procuraremos responder no decorrer desta

pesquisa.

Imagem I2

1 Professor da Prefeitura Municipal de Boquim e Itabaianinha e Licenciado em história pela Universidade

Federal de Sergipe. 2 Imagem retirada do livro: Laços de família e direitos no final da escravidão de Hebe M. Mattos de

Castro in: História da vida privada no Brasil; 2, São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 346.

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O tipo de morte mostrada na figura acima foi muito comum em Sergipe do

período em estudo, principalmente entre os cativos.

Conforme Emile Durkheim, o suicídio é “todo caso de morte que resulta, direta

ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima e que

ela sabia que deveria produzir esse resultado”3.

Para o sociólogo, “a tentativa é o ato assim definido, mas interrompido antes

que resultasse na morte (...)”4.

Ainda de acordo com o sociólogo, cada sociedade está predisposta a fornecer um

contingente determinado de mortes voluntárias, e o que interessa à sociologia sobre o

suicídio é a análise de todo o processo social, dos fatores sociais que agem não sobre os

indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade. Cada sociedade

possui, a cada momento da sua história, uma atitude definida em relação ao suicídio.

3 DURKHEIM, Émile. O suicídio, Apud. RODRIGUES, José Albertino, Ática, São Paulo-SP, 2000, p.103. 4 Idem.

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Durkheim, divide os suicídios em três etapas: o altruísta, o egoísta e anômico. O

suicídio egoísta é aquele em que o ego individual se firma demasiadamente face ao ego

social, ou seja, há uma individualização. As relações entre os indivíduos e a sociedade se

afrouxam fazendo com que o indivíduo não veja mais sentido na vida, não tenha mais

razão para viver, pois segundo Durkheim, “nesse caso se afrouxa o laço que liga o homem

à vida, é que o laço que o liga à própria sociedade se relaxou”5.

O sociólogo Francês, abrange em três variáveis o suicídio altruísta (o facultativo,

o agudo e o obrigatório). O suicídio altruísta é referido pelo mesmo, como insuficiência

de individualização, ocorrendo mais frequentemente naquilo que Durkheim, chama de

sociedades primitivas, onde os indivíduos estão de tal forma sobreposto pelo coletivo que

por vezes tem o dever de se matar e o fazem, sendo imbuído inclusive de certo sentimento

de heroísmo. Contudo, a pesar de tais suicídios forem praticados com mais frequência nas

sociedades inferiores pode-se encontrá-los também entre as civilizações modernas,

segundo Durkheim. Como por exemplo, os mártires cristãos, como os neófitos “que, se

matavam, se faziam voluntariamente matar”6.

Então, o suicídio altruísta é aquele em que o ego não o pertence, confunde-se

com outra coisa que se situa fora de si mesmo, isto é, em um dos grupos a que o indivíduo

pertence. Podemos também citar os casos dos kamikazes japoneses, os muçulmanos que

colidiram com o World Trade Center em Nova Iorque, em 2001 entre outros.

Por fim, o suicídio anômico para o sociólogo é aquele que ocorre em uma

situação de anomia social, ou seja, quando há ausência de regras na sociedade, gerando o

caos, fazendo com que a normalidade social não seja mantida. Em uma situação de crise

econômica, por exemplo, na qual há uma completa desregulação das regras normais da

sociedade, certos indivíduos ficam em uma situação inferior à que ocupavam

anteriormente. Assim, há uma perda brusca de riquezas e poder, fazendo com que, por

isso mesmo, os índices desse tipo de suicídio aumentem. É importante ressaltar que as

taxas de suicídio anômico são maiores em países ricos, pois os pobres conseguem lidar

melhor com as situações.

5 DURKHEIM, op. cit. p.111. 6 DURKHEIM, op. cit. p.115.

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Em nossa pesquisa foi encontrado 58 suicídios e 4 tentativas praticados pela

população livre e escrava sergipana de 1849-1878 presentes nos Relatórios de Presidentes

da Província.

Dos 55 suicídios que identificamos a condição social e as causas das mortes,

acreditamos que os mesmos estão mais próximos da classificação de suicídio egoísta, já

explicado anteriormente. Porém, afirmamos que o suicídio é um ato complexo praticado

por seres humanos, que cujos trazem consigo suas manifestações, sentimentos e

inquietações, por isso não é altamente explicável, como mostraremos no decorrer de nossa

pesquisa que não houve um só motivo para que livres e escravos de Sergipe cometessem

os suicídios.

Observando ainda tais relatórios, percebemos que o suicídio foi uma prática

comum em Sergipe provincial, entre a população livre e escrava, sendo que ocorreu três

no ano de 1858, cinco em 1861, três em 1863, doze em 1865, nove em 1866, sete em

1867, duas em 1868, sete em 1869, quatro em 1870 e quatro em 1873, dois em 1875.

Iremos abaixo descrever os suicídios ocorridos na província conforme os

relatórios de 1849-1878, onde alguns trazem riquezas de detalhes, outros omitem algumas

informações, porém ambos são importantes fontes históricas para o estudo de suicídios

das populações livres e escravas de Sergipe no período em estudo. Entretanto, estamos

cientes, que para um estudo mais detalhado e aprofundado do assunto, seria preciso fazer

uso de outras fontes históricas, como jornais e processos crimes. Sobretudo, utilizamos

de fontes bibliográficas que tratam do referido tema, para dar suporte ao nosso método

investigativo, juntamente com os Relatórios de Presidentes de Província.

Os registros policiais de Sergipe presente nos relatórios, geralmente descreviam

a condição social dos suicidas (livre e escravo), a causa e os métodos praticados por estes,

e em alguns casos apareciam as localidades que aconteceu os fatos. Contudo, a cor não

foi um elemento apresentado na documentação consultada, divergindo de Recife7. A

documentação policial da província sergipana, muitas das vezes, apresentam casos com

parcas informações, na maior parte técnicas (limitando-se aos métodos, as causas das

7 CANARIO, Ezequiel David do Amaral. É mais uma scena da escravidão: suicídio de escravos na cidade

do Recife, 1850-1888. Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, fevereiro, 2011.

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mortes e as vezes os locais), havendo anos em que não localizou nenhum registro de

suicídio em toda a região de Sergipe.

Devemos ressaltar que existia uma grande fragilidade nas fontes policiais, por

conta da ineficiência no momento de registrar os fatos ocorridos, isso na Bahia de 1850-

1888, observado por Jackson Ferreira, contudo, acreditamos que em Sergipe da segunda

metade do século XIX ocorria o mesmo. O autor referido analisando um relato policial

enviado ao Presidente de Província do ano de 1852 na Bahia, observa que

a extensão da Província, a falta de correios, em alguns municípios, e a

morosa comunicação com as comarcas longínquas, além do pouco zelo,

e aptidão de muitos Funcionários públicos do interior da Província, e

quase sempre a ausência de Juízes letrados em tais lugares, são, como

já tive ocasião de ponderar, a causa de alguma demora na remessa à

essa secretaria de Estado de trabalhos estatísticos, como os que hora

transmito, acrescendo também a necessidade de muitas vezes de

desenvolverem à grandes distancias, trabalhos parciais, para serem

reparados alguns, e notáveis faltas, que de certo poriam obstáculos à

exata organização dos mapas gerais8.

Sobre os correios sergipano no período de 1849-1878, esta repartição era pouco

eficiente, pois atrasava com frequência os seus serviços, devido principalmente um

número diminuto de funcionários que ficavam a frente do Correio Geral, onde havia

muitos extravios de malas em que os estafetas levavam cartas, ofícios e outros

documentos por meio de cavalos. Por conta disto, o presidente de Sergipe de 1851

Amancio João Pereira de Andrade, solicitou desde o princípio de sua administração

algumas providências para que as agências dos correios fossem mais bem distribuídas

pela Província. Porque muitas vezes, conforme o presidente, as autoridades mais centrais

não tinham notícias que lhes são expedidas, ou quando tinham era somente quando estas

eram publicadas pela imprensa. E além do mais, um grande número de ofícios que eram

enviados pelas agências dos correios voltavam e eram retardados de 3 até 4 anos sem

terem destinos9.

No ano de 1861 o Administrador do Correio Geral de Sergipe, Ignacio José de

Souza, comentado ao presidente da província do corrente ano, que precisava-se criar mais

sete agências dos Correios na Província e que por causa das diminutas agências alguns

8 FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-1888). Afro-

Ásia, 2004, p. 200. 9 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1859 do Dr. Amancio João Pereira de Andrade, p. 28.

Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 06/01/2016.

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crimes não eram solucionados, em virtude que “não podendo por tais occasiões ser alguém

acusado, visto como não ha meio estabelecido para seu transporte, e só diligencia bem arriscada

dos Agentes effectua-se a entrega”10.

Em todos estes anos frisados, totalizamos 58 mortes provocadas por suicídios,

visto que, cerca de 69% destas foram praticadas por escravos e aproximadamente 31%

por livres11. Tais dados nos remetem afirmar que os suicídios praticados em Sergipe

segundos os relatórios de 1849 a 1878 foram praticados em sua maior parte por escravos.

Tratando desse assunto, Kátia Mattoso, também argumenta que “os escravos

suicidaram-se em muito maior número do que os homens livres”12. Tal historiadora para

cimentar sua hipótese, relata casos de suicídios em Sergipe, Rio de Janeiro e Bahia. Por

exemplo, no primeiro Estado citado, Mattoso, afirma que no ano de 1865 de cada cinco

casos desse tipo de morte, quatro são de cativos13. Também encontramos esses dados no

relatório do presidente Cicinnato Pinto da Silva, do ano de 1865.

O fato de haver mais suicidas escravos do que indivíduos livres é explicado pelo

presidente de província Dr. Cincinnato Pinto da Silva, em sua fala ele afirma que “não

ha duvidas que a escravidão é, como todas as grandes aberrações da lei moral, uma

origem funesta de excessos, crimes e horrores, ante as quaes se perturba e se confrange

o sentimento e espirito humano”14.

Porém, é bom mensurar que as pessoas livres ocultavam os casos de suicídios e

também de tentativas, pois segundo o historiador João José Reis, estes procuravam evitar

sanções morais e religiosas15. Por isso, possivelmente em Sergipe do período em estudo

houve mais casos de suicídios de livres que não foram relatados nos relatórios.

Neste sentido Ferreira cita o caso do coronel Raimundo Francisco de Macedo

Magarão que morava na freguesia da Vitória, em Salvador. Ele suicidou-se em março de

10 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1861 do governo de Dr. Thomaz Alves Junior, p. S7-

2. Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 20/01/2016. 11 Como não sabemos a classe social dos suicidas do ano de 1858, ou seja, se estes eram cativos ou livres,

e os motivos de sua mortes, então não calculamos os três suicídios ocorridos neste ano para facilitar os

cálculos.

12 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil, São Paulo: Brasiliense, 2003, p.155. 13 Idem. 14 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1865 do governo do Dr. Cincinnato Pinto da Silva, p.

S9-13. Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 05/01/2016. 15 REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX, São

Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 192.

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1871 e utilizou o método do envenenamento, todavia, tentou encenar que foi uma morte

por afogamento. Mas seu plano deu errado, pois foi encontrado “o frasco contendo

láudano, que no dia anterior se encontrava em sua mesa de trabalho, foi encontrado na

praia no mesmo local onde ele havia sido resgatado. A suspeita de suicídio foi

confirmada pela autópsia”16.

Com isso então o autor afirma que “apesar do coronel Magarão não ter logrado

êxito no seu objetivo, é provável que outros suicidas o tivessem”17.

Ainda com relação aos suicídios de escravos, Roger Bastide propõe que isto seria

um motivo de protesto contra a escravidão, cujo seria um meio de se libertar de uma vida

de pleno castigos, como também seria resultante das saudades da terra natal18.

Conforme Antônio Muniz de Souza, os rigorosos castigos, o intenso trabalho na

labuta diária dia e noite, sol e chuva, “cada hum destes motivos he para hum escravo

cauza bastante de morrer até voluntariamente”19. Este mensura, ainda, que os cativos

tiravam suas vidas de diversas formas e uma delas era se precipitando nos rios20.Para

Mary Karasch, uma das razões para a tentativa e o suicídio era a crença, entre os cativos,

de que após a morte os seus espíritos iriam retornar à África21.

Em relação a fuga, a escrava Maria, no ano de 1866, “tentou fugir diversas vezes,

mas ao ser capturada era castigada e tentou o suicídio, porém não teve êxito”22.

Karasch, em intenso estudo na primeira metade do século XIX, no Rio de

Janeiro, através de variados tipos de fontes, identificou como práticas mais corriqueiras

16 FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-1888). Afro-

Ásia, 2004, p. 200-2001. 17 FERREIRA, op. cit. 2001. 18 BASTIDE, Roger. Os suicídios em São Paulo, segundo a cor. Apud: OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA,

Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da

escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.2, abr.-jun. 2008, p. 384. 19 SOUZA, Antonio Muniz. Viagens e observações de um brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro, 1834, p. 32,

In: Rubens Borba Alves de Moraes, Brasiliana, USP, cópia digital disponível no site

https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/1. 20 SOUZA, Antonio Muniz. Viagens e observações de um brasileiro. 3 ed., Salvador: IGHB, 2000pp.

172-173, In: SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre Farinhadas, Procissões e Famílias: a vida de homens e

mulheres escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850-1888), Salvador, 2004, Dissertação (Mestrado

em História). Pós-graduação em História Social - Universidade Federal da Bahia, pp 156-157. 21 MARY, Karash C. A vida dos escravos no Rio Janeiro (1808-1850), São Paulo: Companhia das

letras, 2000, pp.397-438. 22 SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre Farinhadas, Procissões e Famílias: a vida de homens e mulheres

escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850-1888), Salvador, 2004, Dissertação (Mestrado em

História). Pós-graduação em História Social - Universidade Federal da Bahia, p. 156.

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para os suicídios, o afogamento, o enforcamento ou estrangulamento e o uso de armas

branca e de fogo. Em nossa pesquisa podemos enxergar que em Sergipe essas foram as

práticas mais utilizadas pela população livre e escrava. Com relação ao que levaram as

causas dos suicídios, a seguinte historiadora:

Levanta e comenta o que considera as principais motivações para os

suicídios: rebeldia contra a condição cativa e consequência dos maus-

tratos; a nostalgia chamada de banzo e outras perturbações mentais

graves; e desejo de retorno espiritual à África. Quanto ao último ponto,

procura estabelecer conexões entre as crenças religiosas de grupos

étnicos africanos mais presentes no Rio de Janeiro da época (como os

ali chamados de congos, oriundos do centro-oeste africano) e o uso de

métodos de suicídios como enforcamento ou afogamento, que

facilitariam a desejada viagem espiritual à terra natal23.

Tratando do banzo, este é relacionado por Clóvis Moura como “estado de

depressão psicológica que se apossava do africano logo após seu embarque no Brasil.

Geralmente os que caíam nessa situação de nostalgia profunda terminavam

morrendo”24.

Provavelmente o escravo do tenente coronel João Dantas Martins dos Reis,

chamado Liandro, morreu de banzo. Por que de posse do livro de óbito de Riachão do

Dantas, visualizamos que a causa da sua morte foi ocasionada pela fome. Liandro era

solteiro e faleceu em 10 de abril de 1859, aos 45 anos de idade e foi enterrado no cemitério

da vila de Riachão25.

Para esclarecer melhor a respeito das informações apresentadas sobre a maneira

como foram praticados e as causas que levaram os suicídios. Vejamos os gráficos e tabela

logo a seguir.

23

OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo, O suicídio de escravos em São Paulo

nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15,

n. 2, 2008, p. 374. 24 MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil, São Paulo, Edusp, 2004, p. 63. 25 Livro de óbito de Riachão do Dantas de 1856 – 1873, p. 17v.

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Gráfico 1 - Suicídios da população livre e escrava de Sergipe (1849-1878)

Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878

Vislumbrando o gráfico 1, percebemos que o enforcamento foi a prática mais

comum dos suicidas livres e escravos sergipanos, com 63,6%, conforme os relatórios

pesquisados. Tal método foi praticado em maior índice pela população escrava (29) e

livre (06), ou seja, quase 83% dos enforcados eram cativos. Outra forma de suicídios

bastante realizados pela população cativa e a livre foi o envenenamento, com 12,7%,

porém, os indivíduos livres executaram com mais frequência esse tipo de técnica que os

cativos, com cerca de 57% para 43% respectivamente.

De acordo com a documentação pesquisada, podemos afirmar que tanto o

enforcamento como o envenenamento foram às táticas mais empregadas por livres e

escravos, pois dos suicídios ocorrido entre 1849 a 1878 presentes nos relatórios,

aproximadamente 76% utilizaram-se destes métodos. Enquanto os afogamentos,

navalhadas no pescoço, arma branca e de fogo representam 24% dos suicídios. Os dois

primeiros foram métodos praticados por cativos e os outros por livres, com exceção de

um escravo que se matou com arma de fogo.

12,7%

63,6%

5,5%3,6%

7,3%7,3%

Suicídios: meios como foram praticados (%)

substância venenosa

enforcamento

afogamento

navalhadas no pescoço

arma branca

arma de fogo

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TABELA 1- Suicídios da população escrava de Sergipe e métodos praticados

(1849-1878)

Métodos Quantidades Porcentagem

Substância venenosa 03 7.9%

Afogamento 03 7.9%

Enforcamento 29 76.3%

Navalhadas no pescoço 02 5.3%

Arma de fogo 01 2.6%

Total 38 100%

Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878.

Analisando a tabela a cima percebemos que os cativos de Sergipe utilizaram em

maior quantidade como prática de suicídios o enforcamento. Em seguida vem com o

mesmo percentual as substâncias venenosas e o afogamento. Por fim, as práticas menos

utilizadas pelos escravos suicidas foram navalhadas no pescoço com 5.3% e a arma de

fogo 2.6%.

Em relação aos suicídios de livres encontramos 17 no decorrer desta pesquisa.

Estes foram divididos na ordem decrescente da seguinte maneira: 6 enforcamentos que

representa 35.3% dos suicidas livres. Depois vem representados com o mesmo percentual

23.5% cada (substância venenosa e arma branca). E por último vem os suicídios

perpetrado por arma de fogo com duas mortes representando 17.7% dos suicídios dos

livres.

Em São Paulo, Saulo Veiga Oliveira e Ana Maria Galdini Raimundo Oda na

pesquisa “O suicídios de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da

escravidão” segundo estes autores os meios mais utilizados pelos suicidas escravos foram

enforcamento, afogamento e arma de fogo. Já a população livre utilizou-se com mais

frequência o uso de arma de fogo e envenenamento26.

26 OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo

nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15,

n.2, abr.-jun. 2008, p. 381.

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Tratando do suicídio de escravo na Bahia, Jackson Ferreira encontra um número

de 155 cativos que tiraram suas vidas. As práticas mais comum encontradas por ele foi o

enforcamento (44,5%), o envenenamento (21,9%) e afogamento (19,4%)27.

Ainda de acordo com o mencionado autor, o que fazia com que o cativo

escolhesse o método de sua morte era que “em primeiro lugar, o objetivo no ato conta

muito na escolha do meio”28. Ou seja, para os escravos que desejasse somente forçar uma

situação de negociação com seu proprietário, mostrando a seu senhor que o mesmo

poderia perder a sua valiosa mão de obra. Então, Ferreira indaga que “a opção pelas

armas brancas era mais eficaz, já que 31,3% dos suicidas malsucedidos optaram por

essa modalidade”29.

Em Sergipe do período em estudo encontramos três escravos utilizando da arma

branca (faca) para tirar sua vida, mas ficou na tentativa. Supomos que os escravos que

acabaram sobrevivendo, após tais atos negociaram com seu senhor melhores condições

no cativeiro, assim argumentado acima por Ferreira.

Além destas tentativas de suicídios houve o caso de uma africana livre de nome

Virginia que morava na rua São Cristóvão em Aracaju que no dia 07 de agosto de 1875,

em casa do africano de nome Sebastião, também tentou se suicidar com uma faca. A ex

escrava mencionada, felizmente escapou da morte, porém o ferimento foi grave30. No

documento não consta o motivo que levou Virginia a fazer tal ato. Em nossa pesquisa

observamos também que quatro homens livres suicidaram-se usando este tipo de método.

Todavia, assim como Ferreira pontua que o enforcamento foi a modalidade mais

praticada pelos escravos baianos, em Sergipe este método também foi o mais praticado

pelos cativos com 76.3% como podemos ver na tabela 1 anteriormente. Assim

concordamos com o dito autor, quando este afirma que:

a disponibilidade do instrumento utilizado é outra questão que

não pode ser desprezada, pois para muitos escravos era mais fácil

encontrar cordas com as quais poderiam subtrair a própria vida

27 FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia (1850-1888), Afro-

Ásia, 2004, p. 221. 28 Idem. 29 FERREIRA, op. cit. p. 221-222. 30 Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1875 do governo de Antonio dos Passos Miranda, p.

18. Disponível no site http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe > acessado em 04/01/2016.

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do que uma arma de fogo, instrumento perigosíssimo nas mãos

de um escravo e por isso mais longe de seu alcance31.

Contudo, se a disponibilidade do instrumento for o fator determinante na escolha

do escravo, então porque em nossa pesquisa o envenenamento foi equiparado ao

afogamento com 3 mortes cada, pois o veneno era restrito aos cativos?

Este fato é explicado pela historiadora Mary Karasch, quando esta afirma que o

suicídio praticado por afogamento era mais comum do que o registrado. Isso porque os

cativos que tiravam suas próprias vidas utilizando-se desta modalidade não eram

identificados como suicidas, exceto caso tivesse testemunha.

Houve uma morte de asfixia por submersão (afogamento), a do escravo Nicolao

acusado de cometer um crime de morte na Vila de Simão Dias, foi preso pelo delegado

de Jeremoabo e passando com a escolta que o conduzia sobre uma ponte no ribeiro Caiçá,

já perto daquela vila, lançou-se ao ribeiro no dia dez de outubro, aparecendo dias depois,

onde o seu cadáver encontrava-se em estado de putrefação adiantada, ou seja, neste caso

houve testemunhas. Por conseguinte, segundo Karasch, neste caso as autoridades

policiais registravam apenas os números de mortos encontrados, sem se preocuparem em

averiguar as causas das mortes32. Por isso, acreditamos que houve em Sergipe mais casos

de suicídios por afogamentos praticados por escravos, do que os três casos encontrados.

Conforme Jackson Ferreira, a escolha de um escravo em morrer enforcado em

uma árvore, pode estar ligada a razões culturais, ou possivelmente à maior disponibilidade

de cordas ou cipós. Em Sergipe encontramos três cativos que se utilizaram deste método

no ano de 1865. Em 12 de abril, foi encontrado no Termo de Santa Luzia o escravo Olavo,

suspenso a uma árvore preso por um laço de cipó no pasto do engenho do Comandante

Superior Antonio Martins Fontes-senhor deste. Também foram encontrados da mesma

maneira, os escravos David e Luiz. O primeiro era cativo do Tenente Coronel Joaquim

José de Calasans Bittencourt e foi visto no pasto de seu senhor, morto como Olavo, no

dia nove de maio, no mesmo Termo em Santa Luzia. O segundo era escravo de Guilherme

José Barboza e foi achado no sítio Jardim perto da cidade de São Cristóvão no dia dez de

31 FERREIRA, op. cit. p. 222. 32 MARY, Karash C. A vida dos escravos no Rio Janeiro (1808-1850), São Paulo: Companhia das

letras, 2000, p. 416.

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dezembro, morto do mesmo modo que os dois, de asfixia por estrangulação

(enforcamento).

De acordo com Saulo Veiga Oliveira e Ana Maria Galdini Raimundo Oda:

Os meios empregados pelos suicidas podem refletir maior ou

menor determinação de morrer e ter sido escolhidos conforme

sua letalidade presumida (muito alta no caso de enforcamento,

por exemplo), mas certamente considerando sua disponibilidade.

Os poucos casos de escolha de arma de fogo parecem estar

associados ao acesso a esse meio, muito restrito no caso de

escravos; já o enforcamento poderia ser executado de várias

maneiras, usando objetos e circunstâncias disponíveis, tal como

descrito nas notícias (com cordas, peças de roupa, em árvores,

nas grades da cadeia etc.). De forma semelhante, instrumentos

cortantes de uso cotidiano, como facas de cozinha, canivetes ou

navalhas, poderiam ser obtidos pelos escravos sem muitas

dificuldades.

Henry Coor, frisa que os cativos de origem da Costa do Ouro, por exemplo,

preferiam se suicidar cortando a garganta, já os escravos das regiões interioranas

priorizavam o enforcamento. Conforme o mesmo autor, na Jamaica quatorze escravos por

conta dos castigos excessivos, fugiram para a floresta e cortaram as suas gargantas33.

Também encontramos dois casos de escravos utilizando-se de navalhas e que se

suicidou cortando o pescoço. Um no ano de 1865 e outro em 1873. O primeiro cortou a

garganta com golpes de navalhas, devido ter sido castigado com prisão e também foi

ameaçado de ser vendido. O segundo era originário da Chapada (atual Cristinápolis), usou

também a navalha para suicidar cortando a sua própria garganta, sendo o motivo por tal

ato alienação mental.

Karasch propõe que alguns métodos que os africanos usavam para tirar suas

próprias vidas ligava-se ao desejo de retorna à África, e que

O afogamento e o enforcamento em árvores, significativos no

contexto das crenças africanas, facilitariam a passagem de seus

espíritos para a terra natal. Os que se afogavam talvez

acreditassem que a água era a barreira (Calunga) que detinham

de cruzar para chegar à África e reunir-se aos ancestrais34.

33 COOR, Henry, apud: FERREIRA, Jackson. “Por hoje se acaba a lida”: suicídio de escravo na Bahia

(1850-1888), Afro-Ásia, 2004, p. 223. 34 Karasch, op. cit. p. 418.

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Além disso, o afogamento e o enforcamento é visto por Roger Bastide como

sendo conectado a representações da gênese africana, por estes métodos facilitarem o

regresso à África, por intermédio da reencarnação35.

Gráfico 2 - Suicídios da população livre e escrava de Sergipe (1849-1878)

35 BASTIDE, Roger. Os suicídios em São Paulo, segundo a cor. Apud: OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA,

Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da

escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.2, abr.-jun. 2008, p. 382.

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Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878

Observando o gráfico 2, podemos visualizar que 58,2% das causas dos suicídios

foram ignorados (não consta) na documentação o motivo porque as pessoas se mataram.

Foram 32 o número de mortes ignoradas, sendo aproximadamente 81% de escravos e

19% de livres.

Segundo os relatórios de presidente de província de 1849 – 1878, os motivos que

mais levou a população livre e escrava sergipana a tirarem suas próprias vidas foram

castigos excessivos (escravos) e perturbação mental. De acordo com os relatórios, das 8

mortes ocasionadas pela perturbação mental, 62,5% foi por livres e 37,5% por escravos.

Depois vêm as prisões e punições como criminoso (cativos), ciúmes e paixões (livres).

Por fim, aparece a falta de recursos financeiros, embriagues, prisão e ameaças de ser

vendido. Os dois primeiros foram fatores determinantes que levaram pessoas livres a

cometerem suicídios e o último de um cativo.

1,9% 1,9%

58,2%12,7%

1,8%

3,6%

1,8%14,5%

3,6%

Suicídios: causas que determinou as

mortes (%)falta de recursos

embriagues

ignorada

castigos excessivos

prisão e punição comocriminoso

ciúmes

prisão e ameças de servendido

pertubação mental

paixão

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Se analisarmos as causas dos suicídios em Sergipe do século XIX por condição

social encontraremos os seguintes dados: a maioria das causas das mortes dos escravos

foram ignoradas, conforme os relatórios de 1849-1878, sendo que, dos 38 suicídios

cometidos pela população cativa, 25 não consta as causas. Encontramos que 7 suicídios

foram ocasionados por conta dos castigos excessivos, 3 foram devido a perturbação

mental, 1 captura após fuga, e os outros dois foram 1 prisão e ameaças de ser vendido e

1 prisão e punição como criminoso de morte. Já dos 17 suicídios cometidos pelos livres,

6 foram ignoradas as causas, 5 suicídios foram ocasionados pela perturbação mental, 2

por paixão, 2 por ciúmes, falta de recursos e embriagues um cada.

De forma semelhantes, aos casos, de São Paulo e Bahia, onde Oliveira e Oda e

Ferreira, apontaram que as causas diretamente submitidas à escravidão (captura após

fuga, ameaça de venda e castigo) foram responsáveis por metade das possíveis

motivações dos suicídios. Em Sergipe, dos 13 casos que constam os motivos das mortes,

9 estavam ligadas diretamente à escravidão, ou seja, cerca de 69%.

Os suicídios de livres e escravos ocorreram em maior número em Santa Luzia e

em Itabaianinha com 6,9% (4) suicidas cada, do total que constam os nomes das

localidades em que aconteceram as mortes. Em seguida estão: Maruim, Estância, Rosário,

São Cristóvão, Divina Pastora e Lagoa Vermelha, ambos com dois suicídios, sendo

representado no gráfico por 3,45% e totalizando 20,7% dos suicidas em Sergipe do

período. Representando 10.3% dos suicidas sergipanos, estão: Laranjeiras, Chapada,

Campo do Brito, Socorro, Simão Dias e Riachuelo com 1 morte por município.

Infelizmente 32 suicídios da nossa amostra não constam nos relatórios os nomes das

localidades que se sucederam, o qual representa 55,4% do total de 58 mortos que tiraram

suas vidas na Província no período estudado.

Se dividimos os suicídios por freguesias e as condições sociais fica da maneira

a seguir.

TABELA 2 - Suicídios por localidades e condições sociais

Localidades Livres Escravos Não informa

Santa Luzia 01 02 01

Itabaianinha - 01 03

Maruim - - 02

Estância - - 02

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Rosário 01 - 01

São Cristóvão 01 01 -

Divina Pastora - - 02

Lagoa Vermelha 01 01 -

Simão Dias - 01 -

Socorro - 01 -

Riachuelo - 01 -

Laranjeiras - - 01

Chapada - 01 -

Campo do Brito 01 - -

Total 05 09 12

Fonte: Relatórios de Presidentes de Província de Sergipe de 1849-1878.

Dos 26 suicidas que é declarada a localidade em que aconteceu o ato,

encontramos 05 suicídios de livres, 09 de cativos e 12 não consta as condições sociais nos

relatórios. Dessa amostra 34.6% são escravos, 19.2% são livres e 46.2% não consta a

condição social. Vejamos abaixo a tabela referente a condição social dos suicidas por

década.

TABELA 3 - Condição social dos suicidas em Sergipe por década

Década Escravo Livre Total

1849-1859 - - 0336

1860-1869 31 14 45

1870-1878 07 03 10

Total 38 17 58

Fonte: Relatórios de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878.

Analisando a tabela 3, podemos averiguar que a década que aconteceu mais

suicídios de escravos e livres foi a de sessenta com aproximadamente 80%. Nos anos

setenta do século XIX, ocorreu dez suicídios, o qual representa 17,2%. Os suicídios da

década de sessenta tiveram um aumento de 1.500% em relação a década anterior, um

número absurdamente alto. Contudo, se compararmos os suicídios da década de sessenta

36 Só houve três suicídios nesta década, mais especificamente no ano de 1858, porém, não sabemos as

condições dos suicidas.

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com a posterior houve uma diminuição de aproximadamente 563%, também é um número

bastante alto.

Sobre a assertiva que denota a década de 60 do século XIX, com uma grande

superioridade de suicídios da população livre e escrava de Sergipe, colocaremos algumas

hipóteses. A primeira é que na década de 50 do devido século, a província sergipana foi

massacrada pelo cólera-morbo, ceifando inúmeras vidas. O que pode ter ocasionado a

mudança de foco das autoridades para solucionar o dito problema, deixando talvez de

registrar os suicídios que aconteceram neste período, explicando o baixíssimo número de

mortos que se utilizaram desta prática. Segundo, que a dita epidemia massacrou tanto

livres como cativos reduzindo o número de habitantes em Sergipe e consequentemente o

número de suicídios. Terceiro, que na década de sessenta, houve uma diminuição nas

mortes ocasionadas pelo cólera, mas não foi o fim, pois postulamos que tal flagelo

continuou matando pessoas nos primeiros anos da mesma década, porém, não com a

mesma intensidade dos anos cinquenta. Então, com um pouco de alívio dos sergipanos

em relação a dita doença, provavelmente as autoridades passou a registrar com mais

frequência os suicídios.

Se levarmos em conta a conjuntura em que estava passando o povo sergipano,

onde viviam tempos difíceis devido o cólera, que matou milhares de pessoas, ocasionando

falta de mão de obra e a carestia dos alimentos, conforme os relatórios consultados. Na

década de 70 do século XIX, o cólera parou de ceifar vidas em Sergipe. Entretanto, outro

flagelo ganha destaque, a varíola, que no ano de 1873 toma caráter epidêmico

principalmente na Capital, Maruim, Laranjeiras, Estância e Divina Pastora. Inclusive em

Aracaju causou neste mesmo ano 274 mortes. Talvez este motivo explica a grande

diminuição no número de suicídios nesta década, pois as autoridades estavam

preocupadas em solucionar o problema com a varíola e provavelmente não registrou os

suicídios corretamente. Outro fator que pode ter contribuído para a diminuição dos

suicídios é que no período de 1873 a 1886, ocorreu uma redução no número de escravos

na Província sergipana conforme Passos Subrinho:

Já vimos com base nos dados fornecidos pelos boletins estatísticos de

atualização da matrícula de escravos de 1873, que no período 1873-86

a população escrava teve uma redução de 10.192 pessoas. Deste total,

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5.376 deve-se às mortes, 3.526 às alforrias de escravos e 893 à

exportação líquida de escravos37.

Também segundo o autor frisado, assistiu-se em Sergipe na segunda metade da

década de 70 do século XIX “uma retomada das exportações de escravos”38. Estes são

fatores que possivelmente pode ter acarretado decisivamente na diminuição de suicídios

em Sergipe, principalmente da população escrava.

Um fato é importante que devemos mencionar é que em Sergipe em todas as

décadas o suicídio de escravo foi superior ao livre. Enquanto na Bahia houve uma

acentuada diminuição nos suicídios de escravos entre 1850-1888 e os livres ocorreu

oscilações nas diferentes décadas e inclusive sendo superior nas décadas de 70 e 8039.

Tabela 4 - Sexo e condição, nos relatos policiais publicados nos relatórios

de Presidente de Província de Sergipe40

Sexo Escravos Livres

Suicídios Tentativas Total Suicídios Tentativas Total

Masculino 37 (100%) 03 (100%) 40 (100%) 17

(94,5%)

0 17

(89,5%)

Feminino 0 0 0 1

(5,5%)41

1

(100%)42

2

(10,5%)

Total 37 (100%) 03 (100%) 40 (100%) 18

(100%)

1 (100%) 19

(100%)

Fonte: Relatório de Presidente de Província de Sergipe de 1849-1878.

Na tabela 4, percebe-se que os homens predominaram nos suicídios entre livres

e cativos. E nas tentativas entre escravos o sexo masculino também foi superior. Com

37 PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho

livre no Nordeste açucareiro, Sergipe 1850-1930. Aracaju: Funcaju,2000, p. 133. 38 PASSOS SUBRINHO, op. cit. 2000, p. 129. 39 FERREIRA, op. cit. p. 206. 40 Em relação ao gênero dos suicidas em alguns relatórios existiam tabelas que continham os números de

suicídios, sendo indicados da seguinte forma: escravos e livres, mas não indicando o gênero. Contudo,

computamos como gênero masculino, pois em outros relatórios quando aconteceu uma tentativa, suicídio

e até homicídio foi divulgado o sexo feminino. 41 Esta mulher que praticou o suicídio chamava-se Virginia de tal. Acreditamos que esta era uma ex cativa. 42 Computamos juntamente com os livres o suicídio da africana liberta que também chamava-se Virginia.

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relação ao segundo grupo o baixo número de mulheres utilizando-se de tal procedimento,

possivelmente está ligado a posição social destas, que as tornava exclusiva ao lar e com

isso eram preservadas da exposição pública de seus atos suicidas, especialmente nos casos

das famílias mais abastadas e declaradas importantes, assim relatado por Oliveira e Oda

em São Paulo43. Tanto em São Paulo como na Bahia umas das razões para a superioridade

de homens escravos praticando o suicídio está relacionado o predomínio destes nos

plantéis, devido a preferência do tráfico negreiro por homens44.

Todavia, não podemos reportar tais conclusões para Sergipe, pois a diferença

entre sexo na província era pequena. E inclusive segundo a matricula de escravos de 1872

e 1887 havia mais mulher cativa que homem de mesma condição. Por exemplo, 1872

tinham 11.193 cativas e 10.302 cativos e em 1887 o número de mulheres escravas era de

8.728 para 8.147 escravos45. Supomos que o fator da superioridade masculina cometendo

o ato suicida está relacionado as pressões no cativeiro que era exercida com maior vigor

sobre os homens, assim proposto por Ferreira.

Por diversas razões, as escravas conseguiam mais facilmente a

liberdade que seus companheiros. Não obstante, as mulheres também

se suicidavam. O fato de ser mãe e não querer o mesmo destino de

humilhação e cativeiro para seus filhos pode ter pesado na decisão de

algumas escravas de tentar o suicídio46.

Ferreira, ainda cita o caso da escrava Joaquina que cometeu suicídio em 1853,

por meio do enforcamento na freguesia de Santo Antônio, estando grávida. Então, o autor

frisado, argumenta que “por outro lado, filhos e família podem ter servido como

mecanismo de proteção contra o suicídio, diminuindo a proporção de escravas entre os

que cometiam esse ato”47.

A liberdade do cativeiro não representava uma melhor condição de vida

materialmente para os libertos, porque os mesmos tinham que sobreviver concorrendo o

43 OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São

Paulo nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro,

v.15, n.2, abr.-jun. 2008, p. 381. 44 OLIVEIRA & ODA, op. cit. p. 381. FERREIRA, op. cit. p. 229. 45 PASSOS SUBRINHO, op. cit. 2000, pp. 425 e 430. 46 FERREIRA, op. cit. p. 229. 47 Idem.

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mercado de trabalho com seus ex-companheiros48. Isto provavelmente intermediou na

tentativa de suicídio da africana liberta de nome Virginia, já apresentado.

Considerações finais

Haja vista, o que foi abordado, concluímos que em Sergipe do período de 1849-

1878, os escravos cometeram tentativas e suicídios em maior quantidade que a população

livre, conforme os relatórios analisados.

Portanto, a história social da escravidão pontua o caráter humano de

proprietários e cativos, assim como sua ação como agentes históricos, mas não

desconsiderando as desigualdades de posições sociais pertinente à escravidão. Não

obstante, é nesta perspectiva, que o suicídio de escravos pode ser enxergado também,

como uma maneira de protestar contra a situação proveniente do cativeiro, porém não

unicamente. Porque devemos considerar a complexidade da experiência da escravidão e

sem deixar de pautar a capacidade humana de encontrar outras formas de viver em

variadas situações e condições.

É neste sentido, que esclarecemos que o fenômeno do suicídio entre cativos no

Brasil e em Sergipe não são altamente explicável, pois os atos suicidas são sobretudo

manifestações humanas e que deve sempre ser esplanadas e ligadas ao contexto histórico

em que se passa. Por isso, esperamos que esta pesquisa traga novos olhares e embate

sobre o suicídio de escravos no Brasil e principalmente em Sergipe, pois na historiografia

sergipana este tema é debatido de forma “simplória”, ou seja, quase sempre de passagem,

geralmente acompanhando comentários genéricos sobre fugas, homicídios, formação de

quilombos, e outras formas de violências que expressam a rebeldia ou meios de

negociações dos escravos e esporadicamente recebeu tratamento meticuloso. E estamos

cientes que esta pesquisa não está pronta e acabada, e que precisa futuramente ser

retomada, estudada e aprofundada com novas fontes históricas, confrontando-as com os

relatórios estudados para tornar a pesquisa mais rica e dinâmica. Esperamos também que

48 FERREIRA, op. cit. p. 232.

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através desse estudo novos pesquisadores se interessem sobre a temática e tragam novas

abordagens sobre os suicídios de cativos e livres em Sergipe do século XIX.

Referências

FONTES MANUSCRITAS

Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS). Relatórios de Presidente de província

de Sergipe. Disponível no site http://wwwapps.crl.edu/brazil/provincial/sergipe.

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1834, p. 32, In: Rubens Borba Alves de Moraes, Brasiliana, USP, cópia digital disponível

no site https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/1.

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Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. O suicídio de escravos em São Paulo nas

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Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, fevereiro, 2011.

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OLIVEIRA, Saulo Veiga & ODA, Ana Maria Galdini Raimundo, O suicídio de escravos

em São Paulo nas últimas duas décadas da escravidão, História, Ciências, Saúde –

Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, 2008.

PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Reordenamento do trabalho: trabalho

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