O TEATRO COMO PROCESSO: UM OLHAR SOBRE O …uergspibidteatro.pbworks.com/f/O teatro como processo - Hélbio... · como o professor não deva se preocupar apenas com o seu bem estar

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  • O TEATRO COMO PROCESSO: UM OLHAR SOBRE O SER

    CRIATIVO

    Hlbio Gabriel Rodrigues Pereira1

    Carlos Roberto Mdinger2

    Marli Susana Carrard Sitta3

    1 Iniciando a minha Docncia

    Quando acordo e tomo o meu caf eu procuro que esse seja um processo quase

    que ritualstico, tento buscar minhas energias mais elevadas para comear bem meu dia e

    compartilhar ideias com meus alunos. A iniciao docncia no foi a tarefa mais fcil a

    ser realizada, o comeo, a adaptao a uma escola, foram as tarefas mais difceis que

    enfrentei.

    Nas primeiras semanas como educador eu acordava j tenso, pensando apenas em

    como faria para ter a ateno dos meus alunos. Felizmente acabei notando que esse

    processo estava sendo duro para mim, se tornando pesado, pois eu no estava me sentindo

    seguro diante dos meus alunos, eu queria incansavelmente agrad-los e faz-los me achar

    um bom professor. Sentindo-me distante deles, busquei compartilhar ideias, para saber o

    que ns juntos aprecivamos e como isso poderia dar potncia para as aulas e auxiliar

    para uma maior aproximao.

    A partir da descobri formas diferentes e prazerosas para compartilhar

    conhecimentos. Por isso, a cada dia de aula me preparo para viver experincias com os

    meus alunos, de descobrir algo novo, de juntos criarmos, e diminuirmos distncias entre

    quem ensina e quem aprende, todos ensinamos e todos aprendemos. Acredito que assim

    como o professor no deva se preocupar apenas com o seu bem estar ao dar aula ele

    tambm no deva se preocupar apenas com o bem estar dos seus alunos. Penso que criar

    um ambiente confortvel para o compartilhamento de ideias foi um timo primeiro passo

    para a minha iniciao docncia. Afinal, minha presena no mundo no de quem a ele se

    adapta, mas de quem nele se insere (FREIRE, 1996, p.23).

    O professor malvado. Essa a figura mais presente que tenho de professor que

    no quero ser, pois estes foram os que mais me causaram frustraes em meu ensino

    fundamental. Mas ao mesmo tempo eu me questiono sobre o que ser um bom professor.

    1Acadmico de Licenciatura em Teatro da UERGS. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas

    de Iniciao Docncia PIBID. 2 Coordenador do projeto Pibid/Uergs/Teatro. 3 Coordenadora do projeto Pibid/Uergs/Teatro.

  • Muitas vezes, ao tentar ser um bom professor, eu fui o que penso como o professor

    bonzinho. Tentava no exigir dos alunos uma postura que eu considerava sria demais

    para as suas idades, compreendia que eles queriam conversar enquanto eu precisava

    explicar alguma atividade e tentava no proibir que o fizessem, pois eram alunos

    participativos. Passei a perceber que essa minha postura no estava sendo respeitosa com

    o meu trabalho. As atividades comearam a ser feitas sem a compreenso de todos, o que

    me fazia ter que interromp-las para serem explicadas outra vez. Ao longo do tempo

    percebi que ser um bom professor, no ser um professor bonzinho, permissivo demais

    e acrtico, mas tambm no ser um professor malvado, rspido e intolerante. H

    posturas que eu como professor preciso exercer, para dar potncia ao trabalho, para que

    nele os meus alunos possam se expressar livremente. Encontro apoio nas palavras de

    Freire,

    o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade

    de professor na classe, tomando decises, orientando atividades,

    estabelecendo tarefas, cobrando a produo individual e coletiva do

    grupo no sinal de autoritarismo da minha parte. a minha autoridade

    cumprindo o seu dever. No resolvemos bem, ainda, entre ns, a tenso

    que a contradio autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase

    sempre autoridade com autoritarismo, licena com liberdade. (1996,

    p.25).

    Uma preocupao que sempre tive foi a de ouvir os meus alunos e de saber o que

    eles tm a me dizer e contribuir para o nosso trabalho em aula. O maior cuidado que

    acredito ter como educador o de no abafar as opinies dos meus alunos, por mais que,

    em um grande grupo nem sempre uma ideia agrade a todos, eu fao questo que todos

    partilhem de seus apontamentos para o trabalho, gosto de ouvir os mais tmidos, embora

    nem sempre eles se coloquem, tento trabalhar para traz-los a uma participao mais ativa

    e a uma construo mais coletiva do conhecimento teatral. Mesmo que uma ideia no seja

    aceita em determinado momento precisam perceber que devem continuar expressando-a

    em outros. Aposto na criao de grupos nos quais cada aluno participante se sinta seguro

    para expressar suas ideias, que ele possa tentar, errar, acertar e possa refletir sobre estar

    rodeado de opinies diversas.

    Ainda conforme Freire:

    O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto

    esttico, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua

    sintaxe e a sua prosdia; o professor que ironiza o aluno, que o

  • minimiza, que o manda que ele se ponha em seu lugar ao mais tnue

    sinal de sua rebeldia legtima, tanto quanto o professor que se exime do

    cumprimento de seu dever de propor limites liberdade do aluno, que

    se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente

    experincia formadora do educando, transgride os princpios

    fundamentalmente ticos de nossa existncia. (1996, p.25).

    nesta perspectivaque surge a ideia para o projeto DeixEuFazer, DeixEuVer,

    DeixEuSer, mais pontualmente em um dia que eu estava com os alunos na sala de Teatro

    do Colgio Ivo Bhler- Ciep, onde o Pibid/Teatro/Uergs se desenvolve desde 2014. A

    professora que acompanhava a turma se retirou por alguns instantes, orientando-me de

    que os alunos poderiam mexer nos figurinos que estavam num cabide em um canto da

    sala. Propus ento que eles interagissem de forma espontnea com os figurinos, enquanto

    eu faria os registros em foto e vdeo. Percebi ento que quando eu os filmava eles agiam

    de forma diferente, o que me chamou a ateno, pois percebi que a cmera modificava o

    corpo deles e a forma com que agiam no espao da sala.

    Imagem 1 Imagem 2

    Imagens 1 e 2- Experimentao espontnea com figurinos -16 de julho de 2015 no Colgio Ivo

    Bhler- Ciep. Montenegro.

    A seguir passo a descrever as minhas percepes sobre o projeto DeixEuFazer,

    DeixEuVer, DeixEuSer, que desenvolvi em parceria com meus colegas pibidianos Rafaela

    Giacomeli e Bruno Teixeira e as minhas reflexes sobre teatro e conhecimento a partir

    dele.

    2 Apropriao do territrio

  • O teatro desde sua origem se apropria do territrio4 do qual ele pertence, logo se

    apropria de suas tecnologias5. Podemos perceber na definio de territrio que reconhecer

    a si tambm reconhecer o seu entorno, pois reconhecer o espao que se vive tambm

    reconhecer a si mesmo. O teatro como processo se d a partir do reconhecimento do ator,

    aquele que atua, que age, no espao em que ele se insere. Penso que isso se d em um

    processo de afunilamento, partindo primeiramente de um olhar sobre o seu cotidiano, a

    sociedade aonde se insere e seus hbitos culturais, depois para si mesmo, sua identidade

    cultural, quem voc no espao que habita. Esse processo de observao eficaz para

    que possamos ento criar um novo espao ficcional, com novos signos e um novo ser

    pertencente a este. Sob esse ponto de vista, de suma importncia reconhecer-se para

    ento criar e atuar sobre a prpria criao.

    Acredito na potncia dessa era digital e na arte como uma rea que pode ser

    hibrida. Questiono-me ento onde est o corpo na tecnologia, ou onde est a tecnologia

    em nosso corpo? Reconhecer-se, seu corpo e o espao em que ele se insere, faz parte do

    cerne do teatro. Ento onde se inserem as tecnologias do mundo digital, ao qual

    pertencemos, na arte do teatro? Na dana h um novo estilo chamado Dana Digital

    onde atravs de vdeos se estuda o movimento do corpo e para alm este serve como

    smbolo cnico, como material de composio para o espetculo.

    No livro Dana na Cultura Digital, esrito por Ivani Santana, coreografa e

    professora da Universidade Federal da Bahia, pude encontrar suporte para minha pesquisa

    sobre a arte na tecnologia:

    Meu interesse analisar as novas tecnologias de forma crtica, mas

    distanciada, compreendendo que no se trata de um julgamento de valor

    promovido pela metfora do monstro: se ela boa ou m. Isso no

    significa considerar as descobertas (tecnolgicas, cientficas, artsticas)

    como neutras [...]. Qualquer informao colocada no mundo, como signo

    que , carrega consigo um potencial. (2006 p. 21).

    4 Territrio Dimenso Cultural - Nessa concepo, o contedo cultural ou simblico-cultural

    delimita o territrio a partir da teia de representaes e subjetividades que se enrazam em poro

    do espao territrio, dando-lhe identidade. Nesse sentido, o territrio visto como produto da

    apropriao/valorizao simblica de um grupo em relao ao seu espao vivido. (DANTAS;

    MORAIS, 2008 p. 6). 5Segundo Veraszto (2008), inspirado nos pensamentos de Roodrigues (2001) a palavra tecnologia

    provm de uma juno do termo tecno, do grego techn, que saber fazer, e logia, do grego logus,

    razo. Portanto, tecnologia significa a razo do saber fazer. O estudo da tcnica o estudo da

    prpria atividade do modificar, do transformar, do agir.

  • Teatro uma rea do conhecimento humana, em nosso processo damos suma

    importncia ao reconhecimento desse ser. Essa era digital cenrio do territrio que

    vivemos atualmente, nosso propsito nos apropriar deste para a construo de um

    ambiente teatral que se insere ao mundo tecnolgico. Acredito que esses recursos digitais

    aproximam o teatro do contexto social em que ele se encontra, como tambm por

    consequncia, aproxima quem pertence a esse contexto social ao teatro.

    Como primeira ao do projeto DeixEuFazer, DeixEuVer, DeixEuSer,

    apropriamo-nos de recursos udio visuais para a filmagem do corpo em ao no espao

    que este se insere. Acreditamos que essa ferramenta traz uma outra viso sobre o ser. No

    momento que se disponibiliza um material digital para que algum o explore, por

    exemplo, uma cmera de vdeo, podemos ter a uma gama de possibilidades criativas. Isto

    d autonomia ao processo de criao, d ateno para o olhar do ser que captura, atravs

    do vdeo, o territrio no qual ele est inserido. Ele, o outro e o espao.

    3 Autonomia criativa

    O programa Pibid tem como um de seus principais objetivos motivar o licenciando

    para que sua atuao docente seja mais consciente em sala de aula. Acreditando no teatro

    como forma de processo, no qual o aluno pode exercer sua humanidade, o projeto

    DeixEuVer, DeixEuFazer, DeixEuSer utilizou de uma cmara de vdeo colocada

    disposio de 15 alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Esperana onde o

    Pibid/Teatro/Uergs se desenvolve desde Setembro de 2015, para que eles pudessem

    observar a sua escola e registrar alguns acontecimentos durante 10 minutos.

    A cmera foi um estmulo, um instrumento de criao artstica, para que eles se

    deixassem ver atravs dela. Por meio de jogos e exerccios teatrais, as pequenas aes

    cotidianas gravadas transformaram-se em aes dramticas, conferindo-lhes qualidade

    esttica teatral ao trabalho e experincia realizada. Foi preciso muita escuta e

    observao para ressignificar aquilo que se mostra de forma rotineira e aparentemente

    sem atrativos no espao da escola e tentar encontrar brechas de possibilidades para deixar-

    se ver, fazer e ser.

    O teatro quer compreender melhor o que h entre o mundo da arte e o mundo da

    educao e de que modo a docncia pode se dar a atravessamentos, a entrelugares, a

    experincias, construindo-se menos linearmente e de forma mais aberta, menos racional

    e mais potica. Busquei subsdios terico/prticos em autores estudados no curso de

  • Licenciatura em Teatro em que sou aluno, principalmente nos de Gilberto Icle, quando

    escreve sobre o teatro como cuidado de si e Paulo Freire, que nos faz refletir sobre a

    pedagogia da autonomia.

    O objetivo que, desta forma, os alunos possam se enxergar como seres criativos,

    espontneos e autnomos; antes mesmo que ns, enquanto mediadores, possamos trazer

    alguma proposta. Aps obter, por meio das gravaes pessoais, essa viso artstica de

    cada aluno, trouxemos nossas proposies a partir do material coletado, para que estes

    tambm se vissem como seres criadores de arte. Acredito que agregar esse material d

    uma viso de um processo espontneo, que no exige uma habilidade especfica e sim a

    expresso livre do humano e seu olhar sobre o seu territrio.

    O professor, diretor de teatro e pesquisador Gilberto Icle nos faz refletir,

    dizendo:

    Muitos processos e ensino-aprendizagem nas escolas ou em outros

    espaos pedaggicos refletem esta falta de conhecimento a respeito da

    arte do ator. A valorizao do chamado talento como sendo o nico

    valor nas aulas de teatro, dentro da disciplina de Educao Artstica ou

    em oficinas livres, ainda o tom principal praticado em muitos casos

    por profissionais reconhecidos tanto pelo senso comum quanto pelo

    meio acadmico. (2002, p. 30).

    O processo se deu com alunos de 5 ano, adolescentes e pr-adolescentes. Acredito

    que essa uma fase de descobertas corporais e sociais, por isso exploramos o uso da

    imagem como agregadora ao fazer teatral. Embora seja inserido esse material

    tecnolgico, em nenhum momento nos esquecemos da caracterstica de relao direta, ao

    vivo, do teatro. O olhar externo, do vdeo, apenas um ponto de partida para um olhar

    interno atravs dos jogos teatrais propostos.

    Icle (2002, p. 48) cita Grotowski dizendo que podemos, pois, definir o teatro

    como o que ocorre entre o ator e o espectador. Depois ele mesmo diz: Isto no descarta

    a presena, pois no cinema, por exemplo, h ator e espectador, no entanto, o ator est

    mediado pelo filme. A presena fsica do ator caracteriza isso que ocorre entre os dois,

    definindo o teatro.

    Porm, nos apropriamos da cultura do cinema, pesquisando sua dimenso cultural

    no territrio escolar. Cinema e teatro trabalham com pblico, porm se sabe que

    socialmente o cinema tem sua fama popular em destaque ao longo dos avanos

    tecnolgicos, e digitais e de difuso. Partindo dessa linguagem popular, buscamos nos

  • apropriar dela para trabalh-la e agreg-la ao teatro, trazemos uma viso hibrida para que

    possamos pensar essas duas artes como parceiras. Nessa era digital percebemos que a

    presena do udio visual muito forte na sociedade e, por conseguinte, nas escolas.

    Muitos professores utilizam desses recursos para suas aulas, esses materiais esto muito

    prximos dos alunos. Sem contar a produo audiovisual massificada de filmes e de

    novelas em nosso pas, que hoje atinge as classes mais populares. Portanto ao invs de

    descartar e excluir essa linguagem de nossa prtica pedaggica, e resolvemos agreg-la

    ao processo.

    4 Meu corpo, meu territrio

    As imagens coletadas pelos alunos possibilitaram um repertrio de aes fsicas e

    de possibilidades imagticas para se trabalhar durante o processo teatral. No captulo O

    Treinamento do Ator do livro Em Busca de Um Teatro Pobre, Jerzy Grotowski (1992)

    nos orienta para criar imagens em nossas mentes que justifiquem nossas aes. Seguindo

    est orientao, utilizamos alguns termos indicativos da ao, como por exemplo, Pulem

    como se o cho estivesse em chamas, pulem como se houvesse ar nos joelhos, Fixem

    seus ps no cho como razes na terra. Essas imagens, que so dadas como estmulos,

    possibilitam mudar o foco dos pensamentos cotidianos para as imagens que esto sendo

    visualizadas, exercitando a mente criativa. Assim como Grotowski nos diz,

    Mesmo durante estes exerccios de aquecimento, o ator deve justificar

    cada detalhe do treinamento com uma imagem precisa, real ou

    imaginria. O exerccio s corretamente executado se o corpo no

    opuser nenhuma resistncia durante a realizao da imagem em

    questo. O corpo deve parecer sem peso, to malevel quanto o plstico

    aos impulsos, to duro quanto o ao quando atua como suporte, capaz

    at de vencer a lei da gravidade. (1992, p. 109).

    As imagens cotidianas do espao escolar captadas pelos alunos e gravadas em

    vdeos serviram de mote para a criao teatral. Se o vdeo capturava um colega correndo

    atrs do outro, podemos criar como possibilidade teatral a imagem de correr atrs de um

    colega imaginrio. Partindo da podemos explorar como seria encostar nesse colega

    imaginrio, como seria abra-lo, dar bom dia, dentre outros. A cada captao de imagem

    h infinitas possibilidades teatrais a serem criadas com o corpo.

  • Imagem 3 Imagem 4

    Imagens 5 Imagem 6

    As imagens 3, 4, 5 e 6 registram momentos de gravao, coleta de imagens e jogos teatrais

    realizados com os motes dos vdeos 21 de Novembro e 12 de Novembro de 2015 na E.M.E.F.

    Esperana. Montenegro.

    Antes de desenvolver qualquer trabalho, procuro conhecer meus alunos e o

    ambiente escolar, para que esse conhecimento sirva de impulso para o meu trabalho. No

    um processo que se d em um dia, ele geralmente lento. Minhas primeiras atividades

    propostas so sempre para despertar de forma natural a essncia dos meus alunos e

    apresentar a eles a minha. Assim, penso que podemos nos conhecer e juntos criar algo,

    me preocupo com meus alunos e com o aprendizado deles, mas tambm quero que este

    seja um processo prazeroso para todos, incluindo a mim como educador.

    Como disse, quero me sentir no processo, mas a voz que desejo que seja ouvida

    no a minha e sim dos meus alunos, quero saber o que eles tm a dizer ao mundo e

    transformar isto em arte. Esse conceito tem como base as palavras de Freire: No haveria

    criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos pe pacientemente impaciente

    diante do mundo que no fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos. (1996, p. 15).

    Quero saber o que eles tm curiosidade de descobrir para podermos criar algo que os faa

  • refletir sobre quem eles so, onde esto e onde vivem, cada um com suas vivncias, para

    que eles possam se ver como criadores e que o que eles fazem e pensam influencia o

    espao em volta deles.

    Como professor procuro que meus alunos descubram o teatro dentro deles, que

    eles achem a sua forma de ser arte. A arte para mim tambm a forma do ser humano

    poder ser quem , e dar voz e imagem ao que ele tem para mostrar ao mundo. Procuro

    que meus alunos se mostrem aos colegas, quem so, suas fragilidades, medos, alegrias e

    que, atravs disso, se descubram como seres sensveis, passando do eu individual, para

    um eu coletivo, que constri com os colegas e professor. Atravs desse material

    audiovisual posso conhecer mais de meus alunos e ver neles a arte, juntos podemos

    mold-la e aprender com ela.

    A cmera me d tambm suporte como professor para ouvir, ver, o que meus

    alunos tem para dizer sobre o seu territrio. Para que eu possa ento ensinar atravs desse

    material, assim como nos diz Freire:

    Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto s

    indagaes, curiosidade, s perguntas dos alunos, suas inibies; um

    ser crtico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho a de

    ensinar e no de transferir conhecimento. (1996, p. 21).

    5 Influncias do territrio

    Por qu?. Para mim, questionar uma das melhores formas de fazer os meus

    alunos refletirem e pensarem nos passos que esto dando ao longo do processo, acho

    extremamente importante eles expressarem suas identidades, assim como eu a minha, mas

    acho importante ns a questionarmos. Uma dificuldade que tive como professor foi a de

    lidar com as crenas e culturas distintas de meus alunos, que muitas vezes eram desafios

    a serem enfrentado nos processos em sala de aula. As aulas de teatro dadas por mim no

    poderiam se resumir a exerccios e apresentaes, essa foi uma escolha minha, pois este

    era o momento em que meu territrio influenciava no processo pedaggico.

    Acredito na formao crtica dos meus alunos, eu discordo da frase pronta

    educao se d em casa, pois para mim a educao se d em todos os espaos formados

    por pessoas, em todos os lugares que h debate, em todos os lugares onde eu e meus

    alunos possamos expressar nossas opinies. Com diz Freire em seu livro: A educao

  • no vira poltica por causa da deciso deste ou daquele educador. Ela poltica. (1996,

    p.42). Para isso tento criar um ambiente onde eles se sintam livres a debater, mas

    principalmente refletir sobre esse debate, no apenas dizer pelo dito, que eles saibam que

    podem e tm o direito de se expressar e respeitar a livre expresso do outro.

    Com meus alunos estou podendo ter debates muito mais produtivos do que com

    alguns de meus colegas de academia, que tem opinies prontas sobre o mundo e no

    acreditando ter nada a aprender em um debate, apenas acrescentar. Com meus alunos

    venho aprendendo, venho crescendo e me permitindo mudar, compartilhar conhecimento,

    criar novas ideias polticas para o meu territrio, me tornando um professor mais presente,

    que fala, mas que escuta. Esse professor que estou me tornando est me modificando, me

    fazendo refletir sobre opinies prontas que eu antes tinha, mas tambm fazendo com que

    meus alunos passem por esse processo junto comigo. Penso isso atravs de Freire:

    na minha disponibilidade permanente vida que entrego de corpo

    inteiro, pensar crtico, emoo, curiosidade, desejo, que vou

    aprendendo a ser eu mesmo em minha relao com o contrrio de mim.

    E quanto mais me dou experincia de lidar sem medo, sem

    preconceito, com as diferenas, tanto melhor me conheo e construo o

    meu perfil. (1996, p.50).

    Com meus alunos eu tambm creso, amadureo e me torno um ser mais humano,

    no formado apenas por mim mesmo e minhas experincias, mas sim dividindo meus

    saberes e sendo presenteado com novas histrias e vises de um mesmo mundo.

    Em uma das aulas durante o projeto os alunos observavam as aes dos colegas

    que apareciam no vdeo, partindo dessa anlise era proposto um jogo usando como

    referncia as aes dos colegas, como, por exemplo, quando no vdeo uma das alunas se

    mostra envergonhada por ser filmada. Partindo dessa ao foi solicitado a todos que

    imaginassem uma situao em que estivessem envergonhados e andassem pela sala

    usando a ao corporal "da vergonha". Notou-se uma postura curva de todos, onde o rosto

    era coberto. Em outro momento, um dos meninos com a cmera pedia aos colegas para

    fazerem caretas, aos meninos ele dizia "faam caretas de meninas", e as meninas ele

    simplesmente pedia uma careta. Antes de ser mostrado esse fragmento do vdeo ns

    pedimos que todos fizessem caretas e observassem os colegas, depois pedimos que os

    meninos e as meninas se separassem em dois grupos, pedimos que as meninas fizessem

    "careta de menino" e os meninos fizessem careta de menina, foram propostas aes

    caricatas dos gneros. Aps, solicitamos novamente que todos fizessem caretas pessoais

  • e se observassem. Fizemos ento a pergunta: h diferena entre caretas de meninas e de

    meninos? A resposta de todos foi que no, quando questionados sobre o porqu de os

    meninos terem representado as meninas em um formato caricato eles no souberam

    responder, o mesmo as meninas em relao aos meninos.

    Imagens 6 caretas filmadas pelo aluno que usava a cmera 21 de Novembro de 2015 na

    E.M.E.F. Esperana. Montenegro.

    Os vdeos tm trazido questes polticas, como questes de gnero e violncia.

    Procuramos, atravs disso, dar potncia teatral a essas questes em nossos encontros e

    exerccios. O autor que nos ajuda a pensar sobre essas questes para o teatro o brasileiro

    Augusto Boal (1999), que trabalha o teatro atravs de questes da opresso social.

    Acredito que, como professor e formador, eu estaria indo contra mim mesmo se ignorasse

    e descartasse essas questes de sala de aula, pois estaria fingindo que elas no existem e

    esse no o tipo de fico que me agrada trabalhar.

    6 O processo Consideraes finas

    Comecei a perceber o processo de criao como um espao para o reconhecimento

    do ser, para que antes de interpretar um personagem se pudesse conhecer a si mesmo,

    saber interpretar quem se . Olhar as possibilidades que seu corpo/mente/voz tem ao agir.

    Para que ento se explorasse, depois, outro ser em si, usando seu corpo como suporte para

    desenvolver a ao desse ser. A criao do personagem.

    Permiti me apropriar sem preconceitos dos recursos digitais, para poder

    compartilhar o teatro atravs de tecnologias que pertencem a nossa poca. Aposto no

    teatro como expresso do humano e do territrio onde se insere. Acreditando nisso me

  • aproprio do espao, olho para mim e para o territrio da escola e me aproprio do que vejo

    para ento poder compartilhar o teatro como algo que se aproxima, (...) O teatro no tem

    categorias, sobre a vida. Este o nico ponto de partida, e alm dele nada realmente

    fundamental. Teatro vida. (BROOK, 1999, p.7).

    Esse processo de ter um espao para olhar para si pode ser rico para o ensino

    escolar, pois pode despertar no aluno a sensibilidade humana, o reconhecimento dele

    mesmo, isso pode se dar no processo teatral. No descarto o produto, o resultado do

    processo, que seria a apresentao, montagem de um espetculo, mas podemos perceber

    que a fase do processo de criao em sala de aula geradora de conhecimento e

    reconhecimento pessoal. Penso que isto j se vale como potncia de ensino e

    aprendizagem, sem necessariamente precisar de um produto final.

    A cortina est aberta para a experincia criativa. Venha experimentar!!!

    Imagem 8 - jogos teatrais realizados com os motes dos vdeos 21 de Novembro e 12 de

    Novembro, 2015 na E.M.E.F. Esperana. Montenegro

  • Referncias:

    BOAL, Augusto. Jogos para atores e no atores. 2ed. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, 1999.

    BORGES, M. Amlia.Territrio e territorialidade uma abordagem contempornea,

    tendo o cinema da retomada como inspirao. Anais do X Encontro de Gegrafos da

    Amrica Latina 20 a 26 de maro de 2005 Universidade de So Paulo.

    BROOK, Peter. A Porta Aberta. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1999.

    DANTAS, Eugnia M.; MORAIS, Ione R. D. Territrio e territorialidade: abordagens

    conceituais. Paraba: UNIDIS. 2008.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. So

    Paulo: Paz e Terra. 1996.

    GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, 1992

    ICLE, Gilberto. Teatro como construo de conhecimento. Porto Alegre: Mercado

    Aberto, 2002.

    VERASZTO, EstfanoVizconde. et al.Tecnologia: Buscando uma definio para o

    conceito. In: Revista Prisma.com.n7, p. 60-85, 2008.Encontrado em:

    http://revistas.ua.pt/index.php/prismacom/article/viewFile/681/pdf. Acesso em: 30 de

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    Encontrado em: http://books.scielo.org/id/zn6c5/03. Acesso em: 05 de jan. 2016.

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