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“O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness’ para alguns operadores de Schr¨ odinger” Rodrigo Augusto Higo Mafra Cabral Disserta¸ ao de mestrado Orientador: Severino Toscano do Rˆ ego Melo Programa de p´ os-gradua¸ ao em Matem´ atica Aplicada Instituto de Matem´ atica e Estat´ ıstica da Universidade de S˜ ao Paulo (IME - USP) Trabalho produzido com apoio financeiro da agˆ encia CNPq Novembro de 2014

O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness ... · para operadores normais utilizando a teoria de C - algebras, e conclui-se uma nova demonstra˘c~ao do teorema espectral

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“O teorema espectral e apropriedade de ‘self-adjointness’ para

alguns operadores de Schrodinger”

Rodrigo Augusto Higo Mafra Cabral

Dissertacao de mestrado

Orientador: Severino Toscano do Rego Melo

Programa de pos-graduacao em Matematica AplicadaInstituto de Matematica e Estatıstica daUniversidade de Sao Paulo (IME - USP)

Trabalho produzido com apoio financeiro da agencia CNPq

Novembro de 2014

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“O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness’ paraalguns operadores de Schrodinger”

Esta versao da dissertacao contem as correcoes e alteracoes sugeridas pelaComissao Julgadora durante a defesa da versao original do trabalho, realizadaem 18/12/2014. Uma copia da versao original esta disponıvel no Instituto deMatematica e Estatıstica da Universidade de Sao Paulo.

Comissao Julgadora:

• Prof. Dr. Severino Toscano do Rego Melo (orientador) - IME-USP

• Prof. Dr. Frank Michael Forger - IME-USP

• Prof. Dr. Cesar Rogerio de Oliveira - DM-UFSCAR

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Agradecimentos

Vivemos, inevitavelmente, integrados num coletivo do qual muitas vezes es-quecemos fazer parte, de modo que o ato de agradecer se torna uma acao vagae de difıcil atribuicao especıfica. Agradeco, entao, a todos os anonimos envolvi-dos. Quanto aos nao-anonimos, agradeco o meu orientador pela paciencia e pelosuporte academico; agradeco tambem os meus pais, meu irmao, meus amigos ea minha namorada pelo suporte emocional e pelos bons (e vitais) momentos dedescontracao.

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Resumo

Neste texto sao demonstrados, a partir do ponto de vista da teoria dos espa-cos de Hilbert e da teoria das C∗-algebras, teoremas relacionados a operadoresauto-adjuntos em espacos de Hilbert, entre os quais estao o Teorema Espec-tral, o teorema de Kato-Rellich e a desigualdade de Kato. Tambem sao dadasaplicacoes destes teoremas a alguns operadores de Schrodinger provenientes daFısica-Matematica.

Palavras-chave: Teorema Espectral, Kato-Rellich, Schrodinger, desigualdadede Kato, “self-adjointness”, C∗-algebras.

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Abstract

In this text we prove, within the Hilbert spaces theory and C∗-algebras pointsof view, some theorems which are related to self-adjoint operators acting on Hil-bert spaces, among which are the Spectral Theorem, the Kato-Rellich theoremand Kato’s inequality. Also, some applications to Schrodinger operators comingfrom the Mathematical-Physics context are given.

Keywords: Spectral Theorem, Kato-Rellich, Schrodinger, Kato’s inequality,self-adjointness, C∗-algebras.

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Sumario

Consideracoes Iniciais 14Algebras de Banach e C∗-algebras - alguns resultados elementares . . 31

1 O Teorema Espectral 42O teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos limitados 43O Calculo Funcional Boreliano relativamente a operadores lineares

auto-adjuntos limitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52Teorema espectral para n-uplas de operadores lineares auto-adjuntos

que comutam dois a dois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56O teorema espectral para operadores lineares normais . . . . . . . . . 62O teorema espectral para operadores auto-adjuntos nao-limitados . . . 64O Calculo Funcional Boreliano relativamente a operadores lineares

auto-adjuntos nao-limitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

2 O Teorema de Kato-Rellich 71

3 Aplicacoes do Teorema de Kato-Rellich 85O domınio de “self-adjointness” do operador −∆ . . . . . . . . . . . . 85O atomo de hidrogenio e um atomo qualquer . . . . . . . . . . . . . . 94

4 A desigualdade de Kato 102Um corolario da desigualdade de Kato . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110Aplicacoes do corolario da desigualdade de Kato . . . . . . . . . . . . 113

5 Apendice A 116Teorema espectral para operadores normais via C∗-algebras . . . . . . 116Teorema de Von Neumann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119O Teorema Espectral - uma outra demonstracao . . . . . . . . . . . . 123

6 Apendice B 127O teorema espectral para colecoes de operadores limitados auto-adjuntos

que comutam dois a dois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

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Introducao

O intuito principal deste texto e fazer uma exposicao de alguns topicos clas-sicos em teoria de operadores nao-limitados auto-adjuntos sobre espacos de Hil-bert.

Nas “Consideracoes Iniciais” sao estabelecidas algumas notacoes, definicoese teoremas que servirao de ferramentas basicas para o desenvolvimento do con-teudo principal. Incluem-se nessa secao:

1. a definicao de somabilidade em espacos de Banach com alguns resultados,para que possamos lidar com espacos de Hilbert nao-separaveis;

2. as definicoes de semi-algebras e algebras de conjuntos, que serao cruciaispara que possamos estabelecer (de maneira um tanto “limpa”) uma esti-mativa vital, quando formos demonstrar o teorema espectral para n-uplasfinitas de operadores lineares limitados auto-adjuntos que comutam doisa dois;1

3. uma subsecao na qual sao expostos alguns resultados rudimentares sobrea teoria de C∗-algebras, que serao importantes para a demonstracao devarios teoremas presentes nos Apendices A e B. As informacoes desta sub-secao so serao utilizadas fortemente nos Apendices A e B, e nao precisamser lidas caso nao se pretenda le-los (na verdade, utilizamos levemente umresultado mencionado logo no inıcio dessa subsecao - a expansao da serie deVon Neumann - para podermos concluir alguns detalhes da demonstracaodo teorema de Kato-Rellich; mas esta e a unica excecao).

O Capıtulo 1 se encarrega da demonstracao detalhada, utilizando-se somentea teoria de espacos de Hilbert e alguns resultados de medida e integracao, daslinhas gerais do teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos ex-postas em [18]. Tal teorema se encarrega da caracterizacao dos operadoreslineares auto-adjuntos (nao-limitados) agindo num espaco de Hilbert (nao ne-cessariamente separavel) como sendo unitariamente equivalentes a um operadorde multiplicacao por uma funcao real e Borel-mensuravel definido num certoespaco de funcoes de quadrado integravel.

No Capıtulo 2 e demonstrado o famoso teorema de Kato-Rellich, que es-tabelece condicoes suficientes para que a perturbacao simetrica de um opera-dor auto-adjunto seja auto-adjunta. Algumas variacoes desse teorema (comoa versao deste teorema para “cores” (ou “cernes”, em portugues) do operadorauto-adjunto em questao e o caso limite em que a cota do operador simetricoem relacao ao auto-adjunto e igual a 1) e uma estimativa muito util para esta-belecer cotas inferiores para um operador auto-adjunto limitado inferiormenteassim perturbado tambem sao demonstradas. Inclusive, para chegarmos a tais

1Agradeco ao professor Daniel V. Tausk pela sugestao de utilizar tais conceitos para esta-belecer a estimativa mencionada

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estimativas utilizamos o Calculo Funcional estabelecido no capıtulo 1 (tambemutilizamos tal Calculo para demonstrar o Lema 2.2).

No Capıtulo 3 apresentamos alguns conceitos basicos relativos a Teoria deDistribuicoes para estabelecer o domınio de “self-adjointness” do Laplaciano, eutiliza-se o teorema de Kato-Rellich para concluir que os operadores de Schro-dinger da forma −∆ + V (x), agindo em L2(Rn), com

V = V1 + V2, V1 ∈ L2(Rn), V2 ∈ L∞(Rn), 0 < n ≤ 3,

estao bem-definidos e sao auto-adjuntos em H2(Rn). Em particular, mostra-seque o operador de Schrodinger que descreve um modelo aproximado do sistemacorrespondente a um atomo de hidrogenio e auto-adjunto em H2(Rn) e limitadoinferiormente. Essa e uma aplicacao muito famosa, e muito importante para aMecanica Quantica nao-relativıstica. Tambem mostramos que o operador deSchrodinger correspondente a um modelo aproximado de um atomo qualquer eauto-adjunto em em H2(Rn).2

O Capıtulo 4 destina-se a demonstracao detalhada da famosa desigualdade(distribucional) de Kato, com uma aplicacao aos operadores de Schrodinger daforma −∆ + V (x), onde MV (x) e um operador de multiplicacao limitado infe-riormente tal que V ∈ L2

loc(Rn) (a saber, mostramos que tais operadores saoessencialmente auto-adjuntos em C∞c (Rn)). Em particular, mostra-se que ooperador de Schrodinger relativo ao potencial de Coulomb em uma dimensao eessencialmente auto-adjunto em C∞c (Rn), e comenta-se como a desigualdade deKato pode ser refinada de modo a podermos aplica-la a operadores de Schrodin-ger relativos a sistemas de n partıculas carregadas sujeitas a acao de um campomagnetico constante.

No Apendice A e dada uma demonstracao alternativa do teorema espectralpara operadores normais utilizando a teoria de C∗-algebras, e conclui-se umanova demonstracao do teorema espectral para operadores auto-adjuntos que naosao limitados, com o auxılio do teorema de Von Neumann (que classifica as ex-tensoes simetricas de um operador simetrico em termos da transformacao deCayley), tambem demonstrado no apendice.

No Apendice B demonstra-se, tambem utilizando a teoria de C∗-algebras,o teorema espectral para uma colecao infinita (de qualquer cardinalidade) deoperadores limitados auto-adjuntos que comutam dois a dois.

2Enfatizamos que este texto nao possui a pretensao de discutir do ponto de vista da Fısicaas aplicacoes dos teoremas demonstrados; a intencao aqui e somente ilustrar os teoremas comexemplos advindos da Fısica-Matematica

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Consideracoes Iniciais

I) todos os espacos vetoriais mencionados serao considerados sobre o corpoC dos numeros complexos;

II) as normas e os produtos internos (que serao considerados lineares naprimeira entrada, seguindo a “nomenclatura dos matematicos”) de um espaconormado (respectivamente, espaco com produto interno) serao representados in-distintamente por ‖·‖/〈·, ·〉, estando subentendido no contexto a qual espaco talnorma (respectivamente, produto interno) se refere;

III) uma notacao recorrente que sera utilizada e a seguinte: se X e um es-paco normado e x ∈ X, com xnn∈N sendo uma sequencia de elementos de Xque converge para x, indicaremos “xn −→ x” para indicar que “limn xn = x”;

IV) se I e um intervalo compacto, ou o produto cartesiano finito de intervaloscompactos, entao:

1. P (I) denota o espaco normado das funcoes polinomiais p com coeficientescomplexos definidas em I, com a norma do sup ‖p‖∞ := sup |p(x)| : x ∈ I;

2. C(I) denota o espaco normado das funcoes contınuas a valores complexosdefinidas em I, com a “norma do sup” ‖f‖∞ := sup |f(x)| : x ∈ I. Afuncao idC(I) sera sempre definida por idC(I)(x) := x, para todo x ∈ I,e a funcao 1C(I), por 1C(I)(x) := 1, para todo x ∈ I (na verdade, paratodo espaco topologico compacto e Hausdorff X, o espaco das funcoescontınuas a valores complexos definidas em X sera denotado por C(X), esera sempre munido da norma do sup, tornando-se um espaco de Banach,desta forma);

3. se µ e uma medida que possui as propriedades da medida construıda noTeorema da Representacao de Riesz (veja a pagina 45), entao Cµ(I) de-nota o espaco normado das classes de equivalencia (segundo a relacao deequivalencia usual induzida pela medida µ) de funcoes contınuas f a va-lores complexos definidas em I, com a norma herdada do espaco L2(I, µ)(a norma induzida pelo produto interno usual). Isto e possıvel devido aofato de que Cµ(I) ⊆ L2(I, µ) (na verdade, Cµ(I) e denso em L2(I, µ)).A notacao idCµ(I) sempre indicara a classe de equivalencia de idC(I) comrespeito a µ, e 1Cµ(I) sempre indicara a classe de equivalencia de 1C(I)

com respeito a µ;

4. B(R) denota o espaco das funcoes definidas em R a valores complexos,Borel-mensuraveis e limitadas, e e munido da norma do sup (inclusive,torna-se um espaco de Banach, desta forma);

Notamos aqui que, quando tratarmos de espacos de medida (M,µ), utiliza-remos a mesma notacao tanto para nos referirmos a uma funcao f : M −→ C

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quanto para nos referirmos a sua classe de equivalencia relativa a µ (por exem-plo, nos espacos Lp(M,µ), 1 ≤ p ≤ +∞. Lembramos que L∞(M,µ) e de-finido como sendo o conjunto das funcoes f mensuraveis tais que ‖f‖∞ :=infλ ∈ R, λ ≥ 0 : µ(|f |−1[(λ,+∞)]) = 0

< +∞; os membros desta algebra

serao chamados de funcoes essencialmente limitadas). Tambem chamamos aatencao para o fato de que usamos a mesma notacao para indicar as normasdo sup e a norma das funcoes essencialmente limitadas, estando implıcito pelocontexto qual delas esta sendo usada;

V) um operador linear A num espaco de Hilbert H sera uma transformacaolinear cujos domınio e conjunto-imagem estao contidos em H, e seu domıniosera sempre um subespaco vetorial de H. O seu domınio sera denotado porDom(A), enquanto sua imagem e kernel serao denotados por Im(A) e Ker(A),respectivamente; seu grafico sera denotado por

Gr(A) := (u, v) ∈ H ×H : u ∈ Dom(A), v = Au ;

VI) se A e B sao dois operadores lineares num espaco de Hilbert H, entaodefiniremos

Dom(A+B) := Dom(A) ∩Dom(B)

eDom(A B) := u ∈ Dom(B) : Bu ∈ Dom(A) ;

note que tais domınios, assim definidos, permanecem sendo subespacos vetoriaisde H;

VII) se A e B sao dois operadores lineares num espaco de Hilbert H, diremosque B e uma extensao de A, e escreveremos A ⊂ B, se Dom(A) ⊆ Dom(B) eB|Dom(A) = A; (perceba que tal notacao torna-se natural se interpretarmos umafuncao definida em H a valores em H como sendo um subconjunto de H ×H)

VIII) se X e um espaco normado, entao B(X) denota o espaco normadodos operadores lineares limitados T : Dom(T ) −→ X tais que Dom(T ) e umsubconjunto denso de X, com a norma dada por

‖T‖ := sup ‖Tx‖ / ‖x‖ : x ∈ Dom(T ), x 6= 0 ,

para todo T ∈ B(X). O operador identidade IB(X) ∈ B(X) e definido porIB(X)(u) := u, para todo u ∈ X, e o operador nulo 0B(X) ∈ B(X) e definido por0B(X)(u) := 0, para todo u ∈ X. Devido ao Lema 1.1 (B.L.T.), demonstradologo no inıcio do capıtulo 1, sempre que tomarmos um elemento T de B(X),suporemos sem perda de generalidade que Dom(T ) = X (salvo em mencaocontraria, como na secao do Teorema de Von Neumann). Como veremos maisadiante, na Observacao X, no contexto dos espacos de Hilbert esta hipotese dedensidade do domınio e equivalente a garantia de podermos definir o operadoradjunto. Lidaremos neste texto essencialmente com operadores nao-limitados

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(ou seja, operadores T tais que ‖T‖ = +∞)3 sobre espacos de Hilbert (e cujooperador adjunto correspondente esteja bem definido). Ainda notamos tambemque, devido ao Teorema do Grafico Fechado,4 vemos que operadores lineares nao-limitados (ou, equivalentemente, nao-contınuos) fechados nao podem satisfazerDom(T ) = X. Alias, notamos aqui como os operadores nao-limitados sao entesbastante naturais, a partir do exemplo de um operador de diferenciacao agindonum espaco de Banach: considere o operador de diferenciacao D : C1([−π, π]) ⊆C([−π, π]) −→ C([π, π]), D : f 7−→ D(f) := f ′. Vamos mostrar que esteoperador nao e limitado. De fato, considere a sequencia fnn∈N definida por

fn(x) :=sen(nx)

n, n ∈ N, x ∈ [−π, π].

Vemos que os elementos desta sequencia estao em C1([−π, π]) e que fn −→0[−π,π], pois ∥∥∥∥ sen(nx)

n

∥∥∥∥∞≤ 1

n,

para todo n ∈ N. No entanto, D(fn)N e uma sequencia de funcoes tal que,para cada x ∈ [−π, π] fixado, o limite limnD(fn)(x) nao existe. Logo, naoexiste um elemento g em C([−π, π]) que possa satisfazer D(fn) −→ g, pois aconvergencia pontual da sequencia e condicao necessaria para que haja a con-vergencia uniforme da sequencia. Em particular, nao podemos ter D(fn) −→D(0C([−π,π])) = 0C([−π,π]), e D nao e um operador contınuo em C([−π, π]). Paraver um exemplo de operador nao-limitado em espacos de Hilbert, basta tomar ooperador de diferenciacao com domınio H1[0, 1] ⊆ L2[0, 1] (com a medida de Le-besgue e norma induzida de L2[0, 1]).5 A sequencia φn(x) :=

√2sen(nπx)n∈N

e formada somente por elementos de norma 1 e esta em L2[0, 1], mas a sequenciade suas derivadas satisfaz ‖φn‖ = nπ, para todo n ∈ N, mostrando novamenteque tal operador nao e contınuo.

Um resultado elementar relativo a geometria de espacos de Hilbert e quesera utilizado frequentemente e o

IX) Teorema I: Se H e um espaco de Hilbert e F ⊆ H e um subespacovetorial fechado, entao H = F ⊕ F⊥, isto e, se x ∈ H, entao existem x1 ∈ F ex2 ∈ F⊥ tais que x = x1 +x2 e, se x = x1 +x2 = (x1)′+(x2)′, com x1, (x1)′ ∈ Fe x2, (x2)′ ∈ F⊥, entao x1 = (x1)′ e x2 = (x2)′; alem disso, existe um parP,Q ∈ B(H) unicamente determinado pelas propriedades: (i) IB(H) = P + Q,

(ii) Im(P ) ⊆ F e (iii) Im(Q) ⊆ F⊥. P e Q possuem as seguintes propriedades

3Salientamos aqui que assumir esta interpretacao para a expressao “nao-limitado” nao euma pratica usual da literatura, ou seja, costuma-se dizer “nao-limitado” (unbounded) paraafirmar que um operador nao e necessariamente limitado. No entanto, nao adotaremos estapratica ambıgua neste texto

4Se T : X ⊇ Dom(T ) −→ Y e uma transformacao linear tal que Dom(T ) e fechado em X ecujo grafico e fechado - segundo a topologia do grafico induzida pela norma (x, y) 7−→ ‖x‖+‖y‖-, entao T e contınua

5Para a definicao do espaco de Sobolev H1[0, 1], veja o inıcio do capıtulo 3

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adicionais: (iv) P Q = Q P = 0B(H) e (v) P 2 = P , Q2 = Q (ou seja, Pe Q sao projecoes - veja a Definicao abaixo). Devido a propriedade (iv), P eQ sao denominadas projecoes ortogonais sobre F e F⊥, respectivamente. Noteque Im(P ) = F e Im(Q) = F⊥

X) se A e um operador linear num espaco de Hilbert H, defina DA :=v ∈ H : existe η ∈ H satisfazendo 〈Au, v〉 = 〈u, η〉, para todo u ∈ Dom(A) .Vamos mostrar que cada v ∈ DA determina unicamente o η da definicao se, esomente se, A e densamente definido, isto e, o conjunto Dom(A) e denso em H:

⇒) Sejam v ∈ DA e η ∈ H um elemento tal que 〈Au, v〉 = 〈u, η〉, paratodo u ∈ Dom(A). Suponhamos que Dom(A) nao seja denso em H. En-tao, Dom(A) 6= H e, pelo Teorema I, garantimos a existencia de um elemento

0 6= w ∈ Dom(A)⊥

. Portanto, 〈Au, v〉 = 〈u, η + w〉 = 〈u, η〉 + 〈u,w〉 = 〈u, η〉,para todo u ∈ Dom(A), e vemos que η+w tambem contempla a definicao, masη + w 6= η (na verdade, (η + αw) contempla a definicao para todo α ∈ C).

⇐) Seja v ∈ DA. Se η1, η2 ambos contemplam a definicao, entao para todou ∈ Dom(A), tem-se que 0 = 〈u, η1 − η2〉. Como Dom(A) e denso em H,sabemos que existe uma sequencia unn∈N de elementos de Dom(A) tal queun −→ (η1 − η2). Da igualdade acima, obtemos 0 = 〈un, η1 − η2〉, para todon ∈ N. Tomando limites em ambos os membros, concluımos 0 = 〈η1−η2, η1−η2〉,e vem que η1 = η2. Logo, o η da definicao esta unicamente determinado.

Assim, se A e um operador linear densamente definido em H, podemos defi-nir em funcao deste um outro operador em H, que denotaremos por A∗, e seratal que Dom(A∗) := DA e A∗v := η, onde η e tal que 〈Au, v〉 = 〈u, η〉, para todou ∈ Dom(A) (note que DA e um espaco vetorial e A∗ e linear).

A∗ sera denominado o operador adjunto de A (lembramos que se A ∈ B(H)- e, portanto, Dom(A) = H -, entao Dom(A∗) = H, pelo Lema de Riesz6).

XI) se A e um operador linear num espaco de Hilbert H, definimos seu resol-vente como sendo o conjunto dos λ ∈ C que satisfazem as seguintes condicoes:

1. (λIB(H) −A) : Dom(A) −→ H e uma bijecao;

2. existe um operador linear limitado (λIB(H) − A)−1 : H −→ Dom(A) quesatisfaz (λIB(H) − A)(λIB(H) − A)−1 = IB(H) e (λIB(H) − A)−1(λIB(H) −A) = IB(Dom(A)).

Denotaremos o resolvente de A por ρ(A); definimos o espectro de A comosendo σ(A) := C\ρ(A);

6Se λ e um funcional linear limitado definido num espaco de Hilbert H, entao existe umunico elemento η ∈ H tal que λu = 〈u, η〉, para todo u ∈ H

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XII) Definicao: Se H e um espaco de Hilbert, entao um operador lineardensamente definido A e dito auto-adjunto se A = A∗.

Em Mecanica Quantica nao-relativıstica, o estado de uma partıcula e dadopor uma funcao R4 3 (x, t) 7−→ ψ(x, t) ∈ C de quadrado integravel sobre R3,para todo t ∈ R fixado (ou melhor, (x, t) 7−→ ψ(x, t) satisfaz

∫R3 |ψ(x, t)|2dx =

C, onde C e uma constante real, para todo t ∈ R fixo). Ela e denominadafuncao de onda da partıcula. Atraves de uma normalizacao, tal aplicacao induzuma distribuicao de probabilidade para a posicao da partıcula. A evolucao destafuncao e governada pela equacao

i~∂

∂tψ = Hψ,

chamada equacao de Schrodinger.7 Aqui, H e um operador

H := − ~2

2m∆ +MV (x)

agindo em um certo domınio Dom(H) ⊆ L2(Rn), e e chamado operador deSchrodinger que, com o domınio adequado, representa a energia mecanica dosistema correspondente. Se o problema de valor inicial

i~ ∂∂tψ = Hψ

ψ|t=0 = ψ0,

para algum ψ0 ∈ Dom(H) fixo, possui uma unica solucao, e que preserva pro-babilidade (i.e., (x, t) 7−→ ψ(x, t) satisfaz

∫R3 |ψ(x, t)|2dx = 1, para todo t ∈ R

fixo), diz-se que existe uma dinamica unitaria. Prova-se que uma dinamica uni-taria existe se, e somente se, H e auto-adjunto. Alem disso, os observaveis daMecanica Quantica tais como posicao, momento, energia, etc., sao represen-tados por operadores auto-adjuntos agindo num espaco de Hilbert. Estes fatossao uma motivacao (provinda de argumentos fısico-matematicos) do porque de apropriedade de “self-adjointness” ser algo importante, e do porque de investigar-se quando se tem a propriedade de “self-adjointness” para operadores da formaH = −∆ +MV (x).

XIII) se f e uma funcao mensuravel e finita em µ-quase toda parte rela-tivamente a um espaco de medida positiva (M,µ), definimos o operador demultiplicacao Mf : Dom(Mf ) −→ L2(M,µ) por Mf (g) = f · g, para todag ∈ Dom(Mf ) :=

g ∈ L2(M,µ) : (f · g) ∈ L2(M,µ)

. Este operador possui

uma participacao fundamental na essencia do Teorema Espectral. Se Mf :Dom(Mf ) −→ L2(M,µ) e um operador de multiplicacao, entao quatro fatosimportantes a respeito deste sao:

1. Mf e densamente definido (e, portanto, o seu adjunto esta sempre bemdefinido);

7~ denota a constante de Planck

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2. (Mf )∗ = Mf ;

3. ‖Mf‖ ≤ ‖f‖∞. Se M for σ-finito, e ‖f‖∞ <∞, entao ‖Mf‖ = ‖f‖∞;

4. se M e σ-finito, entao σ(Mf ) = λ ∈ C : µ(x ∈ M : |λ − f(x)| < ε) >0,∀ε > 0 (este ultimo conjunto e chamado de imagem essencial de f , esera denotado por Imess(f)).

Demonstracao de 1:

Defina, para cada n ∈ N,

En := x ∈M : |f(x)| ∈ [0, n] ,

e seja ξ ∈ Dom(Mf )⊥ ⊆ L2(M,µ). Entao,∫Mξφdµ = 0, para todo φ ∈

Dom(Mf ) e ξχEn ∈ Dom(Mf ), pois ξχEn ∈ L2(M,µ) e∫M

|f(ξχEn)|2dµ =

∫M

|fξ|2|χEn |2dµ =

∫M

|fξ|2χEndµ =

∫En

|fξ|2dµ ≤ n2

∫En

|ξ|2dµ ≤ n2

∫M

|ξ|2dµ <∞.

Portanto,∫M|ξ|2χEndµ =

∫Mξ · ξχEndµ = 0, para todo n ∈ N. Como

|ξ|2χEn −→ |ξ|2 pontualmente e |ξ|2χEn ≤ |ξ|2 ∈ L1(M,µ), para todo n ∈ N,obtemos pelo Teorema da Convergencia Dominada (ou pelo Teorema da Con-vergencia Monotona) que

∫M|ξ|2dµ = limn

∫M|ξ|2χEndµ = 0, o que implica

ξ = 0 ∈ L2(M,µ). Assim, concluımos que Dom(Mf ) = L2(M,µ).

Demonstracao de 2:

Primeiro, notemos que Mf ⊂ (Mf )∗, pois se θ ∈ Dom(Mf ) = Dom(Mf ),entao

〈Mfφ, θ〉 = 〈fφ, θ〉 =

∫M

(fφ)θdµ =

∫M

φ(fθ)dµ = 〈φ, f · θ〉,

para todo φ ∈ Dom(Mf ) e, como (f · θ) ∈ L2(M,µ), segue pela definicao de ad-junto que θ ∈ Dom((Mf )∗), com (Mf )∗θ = Mfθ. Seja, agora, θ ∈ Dom((Mf )∗).

Entao, existe um unico elemento em L2(M,µ), denotado por (Mf )∗θ, tal que〈Mfφ, θ〉 = 〈φ, (Mf )∗θ〉, para todo φ ∈ Dom(Mf ). Vamos mostrar que fθ ∈L2(M,µ). De fato, como para todo ρ ∈ L2(M,µ) a norma do funcional linear

L2(m,µ) 3 ψ 7−→ 〈ψ, ρ〉

e ‖ρ‖, obtemos pelo Teorema da Convergencia Monotona (considerando Encomo acima),

∞ >

∫M

|(Mf )∗θ|2dµ = limn

∫M

|(Mf )∗θ|2χEndµ = limn‖[(Mf )∗θ]χEn‖

2=

19

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limn

(sup|〈ψ, [(Mf )∗θ]χEn〉| : ψ ∈ L2(M,µ), ‖ψ‖ = 1

)2 =

limn

(sup|〈ψ, (Mf )∗θ〉| : ψ ∈ L2(M,µ), ‖ψ‖ = 1, ψ|M\En = 0

)2 =(∗)

limn

(sup|〈Mfψ, θ〉| : ψ ∈ L2(M,µ), ‖ψ‖ = 1, ψ|M\En = 0

)2 =

limn

(sup|〈ψ, fθ〉| : ψ ∈ L2(M,µ), ‖ψ‖ = 1, ψ|M\En = 0

)2 =

limn

(sup|〈ψ, fθχEn〉| : ψ ∈ L2(M,µ), ‖ψ‖ = 1

)2 =

limn

∥∥fθχEn∥∥2= lim

n

∫M

|fθχEn |2dµ =∥∥fθ∥∥2

.

Note que em (∗) foi usado que as funcoes ψ ∈ L2(M,µ), ‖ψ‖ = 1, ψ|M\En = 0pertencem ao domınio de Mf . Segue, entao, que θ e uma funcao de L2(M,µ) talque fθ ∈ L2(M,µ). Portanto, concluımos que Dom((Mf )∗) ⊆ Dom(Mf ). Logo,Dom((Mf )∗) = Dom(Mf ), e como ja foi mostrado que Mf ⊂ (Mf )∗, concluı-mos que Mfθ = (Mf )∗θ, demonstrando que (Mf )∗ ⊂ Mf . Logo, (Mf )∗ = Mf .Obtemos como corolario deste teorema que, se f e uma funcao a valores reais,entao Mf e auto-adjunto.

Demonstracao de 3:

Notemos, primeiramente, que ‖Mf‖ ≤ ‖f‖∞. Se ‖f‖∞ = +∞, a desi-gualdade e trivialmente satisfeita. Suponhamos que ‖f‖∞ < ∞. Para todoφ ∈ Dom(Mf ), tem-se que

‖Mfφ‖2 =

∫M

|fφ|2dµ =

∫|f |−1[(‖f‖∞,+∞)]

|fφ|2dµ+

∫M\|f |−1[(‖f‖∞,+∞)]

|fφ|2dµ =

∫M\|f |−1[(‖f‖∞,+∞)]

|fφ|2dµ =∫|f |−1[0,‖f‖∞]

|fφ|2dµ ≤ ‖f‖2∞∫|f |−1[0,‖f‖∞]

|φ|2dµ ≤

‖f‖2∞∫M

|φ|2dµ = ‖f‖2∞‖φ‖2,

mostrando que ‖Mf‖ ≤ ‖f‖∞. Suponha, agora, que M e σ-finito e que ‖f‖∞ <∞. Para ver que ‖Mf‖ ≥ ‖f‖∞, tome r < ‖f‖∞. Vamos mostrar que ‖Mf‖ > r.Pela definicao de ‖f‖∞, temos que µ(f−1[r,+∞)) > 0. Agora, como (M,µ)e σ-finito, garantimos a existencia de um subconjunto E ⊆ f−1[r,+∞) demedida finita e estritamente positiva. Dessa forma, a funcao caracterısticaχE ∈ Dom(Mf ) (basta fazer um calculo semelhante ao que foi feito no item1 para ver que

∫M|fχE |2dµ ≤ ‖f‖2∞

∫M|χE |2dµ = ‖f‖2∞µ(E)) e

‖Mf (χE)‖2 =

∫M

|fχE |2dµ =

∫E

|f |2dµ > r2

∫E

dµ =

20

Page 22: O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness ... · para operadores normais utilizando a teoria de C - algebras, e conclui-se uma nova demonstra˘c~ao do teorema espectral

r2

∫M

|χE |2dµ = r2‖χE‖2.

Logo, como ‖χE‖ 6= 0, concluımos que ‖Mf‖ > r. Isto finaliza a demonstracao.

Corolario: Se M for σ-finito, entao Mf ser auto-adjunto implica que fseja, a menos de um conjunto de medida nula, uma funcao a valores reais.

Demonstracao: Se Mf for auto-adjunto, entao pelo item 2, temos queMf−f = 0. Logo, pelo que acabou de ser mostrado no item 3, 0 = Mf−f =

‖f − f‖∞, e concluımos que f = f em µ-quase toda parte de M .

Observacao importante: enfatizamos que a propriedade fundamental doespaco de medida (M,µ) utilizada para mostrar que ‖Mf‖ ≥ ‖f‖∞ foi a exis-tencia de um subconjunto E ⊆ f−1[r,+∞) de medida finita e estritamentepositiva. Logo, se ao inves da σ-finitude de M exigıssemos a hipotese maisfraca de que M seja um espaco de medida no qual todo subconjunto S ⊆M demedida estritamente positiva possui um subconjunto E ⊆ S de medida finita eestritamente positiva, concluirıamos que ‖Mf‖ ≥ ‖f‖∞. O espaco de medidaque construiremos no decorrer do Teorema Espectral possuira esta propriedade,como mostraremos na pagina 63.

Demonstracao de 4:

Suponha que λ ∈ ρ(Mf ). Entao, existe um operador limitado L agindo emL2(M,µ) satisfazendo (LMλ−f )φ = φ, para todo φ ∈ Dom(Mλ−f ) (note queλIL2(Mµ) −Mf = Mλ−f ). Isto implica

‖L‖2∫M

|λ− f |2|φ|2dµ ≥∫M

|φ|2dµ,

ou melhor, ∫M

(1

‖L‖2− |λ− f |2

)|φ|2dµ ≤ 0,

para todo φ ∈ Dom(Mλ−f ) = Dom(Mf ). Afirmamos que 1‖L‖2 − |λ − f |

2 ≤ 0

em µ-quase toda parte de M . Suponha, por absurdo, que exista um conjuntode medida positiva S ⊆ M de forma que 1

‖L‖2 − |λ − f |2 > 0 em µ-quase toda

parte de S. Pela σ-finitude de M , podemos encontrar um subconjunto E de Scom medida estritamente positiva e finita. Portanto, como tambem

E = ∪n∈N(E ∩ |f |−1[0, n]),

existe n0 ∈ N tal que +∞ > µ(E ∩ |f |−1[0, n0]) > 0. Assim, χE∩|f |−1[0,n0] ∈Dom(Mf ) e concluımos que∫

M

(1

‖L‖2− |λ− f |2

)|χE∩|f |−1[0,n0]|2dµ =

21

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∫E∩|f |−1[0,n0]

1

‖L‖2− |λ− f |2dµ > 0,

e isto nao pode ocorrer. Portanto,

|λ− f | ≥ 1

‖L‖

em µ-quase toda parte de M , estabelecendo que λ nao esta na imagem essencialde f . Logo, Imess(f) ⊆ σ(Mf ).

(Outra observacao importante: Como no item anterior, poderıamos trocara propriedade de σ-finitude e substituir por aquela outra propriedade mencio-nada, mais fraca, e ainda obterıamos a mesma conclusao).

Suponha, agora, que λ /∈ Imess(f). Entao, por hipotese, existe ε > 0 tal queµ(x ∈ M : |λ − f(x)| < ε) = 0. Portanto, |λ − f(x)| ≥ ε > 0 em µ-quasetoda parte de M , mostrando que esta bem definido em L2(M,µ) e e limitado

o operador M 1|λ−f(x)|

, com Dom(M 1|λ−f(x)|

)= L2(M,µ), pelo item 3 - para

concluir que

Dom(M 1|λ−f(x)|

)= L2(M,µ),

usamos que ∣∣∣∣ 1

λ− f(x)

∣∣∣∣∞≤ 1

ε.

Entao, λ ∈ ρ(Mf ), e isto estabelece a inclusao σ(Mf ) ⊆ Imess(f).

XIV) Definicao: Se A e um operador linear definido num espaco de Hil-bert H, diremos que A e fechado se seu grafico e um subconjunto fechado deH ×H, segundo a norma definida em H ×H dada por ‖(u, v)‖ := ‖u‖ + ‖v‖,para todo (u, v) ∈ H × H; A sera dito fechavel se possuir uma extensao fe-chada. Neste caso, a menor extensao fechada de A - no sentido da inclusao- sera denotada por A, e denominada o fecho de A. Notamos aqui que, seGr(A) := (u, v) ∈ H ×H : u ∈ Dom(A) e v = Au e A for fechavel, entaoGr(A) = Gr(A). Em particular, o conjunto Gr(A) sera o grafico de um opera-dor linear.

Alguns fatos que devem ser ressaltados, e que poderao ser utilizados suma-riamente, sao os seguintes:

se A e um operador linear densamente definido num espaco de Hilbert H,entao:

1. A∗ e um operador fechado;

2. se A for fechavel, entao A = A∗∗ e A∗

= A∗;

3. A e fechavel se, e somente se, A∗ for densamente definido.

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Se A e um operador linear densamente definido num espaco de Hilbert H,diremos que A e simetrico se o seu adjunto o estende. Como o adjunto de umoperador linear e sempre fechado, temos que todo operador linear simetrico efechavel. Alem disso, A e dito ser essencialmente auto-adjunto se o seu fecho eum operador auto-adjunto.

XV) Definicao: Uma transformacao linear U : H1 −→ H2 entre os espa-cos com produto interno H1 e H2 e dito um operador unitario se e bijetor e〈u, v〉 = 〈Uu,Uv〉, para todos u, v ∈ H1. Se U : Dom(U) ⊆ H1 −→ H2 for umabijecao tal que 〈u, v〉 = 〈Uu,Uv〉, para todos u, v ∈ Dom(U) mas Dom(U) naofor necessariamente igual a H1, entao diremos que U e uma isometria. Noteque todo operador unitario e uma isometria.

XVI) Definicao: Se H e um espaco de Hilbert, entao um operador linearN ∈ B(H) e dito normal se N N∗ = N∗ N .

XVII) Definicao: Se H e um espaco de Hilbert, entao um operador linearP ∈ B(H) e dito uma projecao se P 2 = P . Um resultado importante sobreprojecoes e a equivalencia:

Seja P uma projecao. Entao P e auto-adjunta se, e somente se, e a projecaoortogonal sobre algum subespaco fechado F de H.

Demonstracao:

⇒) Vamos mostrar, primeiramente, que a imagem de P e fechada em H.De fato, se unn∈N e uma sequencia de elementos de H tal que Pun −→η ∈ H, entao pela continuidade de P , segue que Pun = P (Pun) −→ P (η)e, pela unicidade do limite, segue que P (η) = η. Definindo o operador li-near Q : u 7−→ (u − Pu), para todo u ∈ H, vemos que 〈Pv, u − Pu〉 =〈v, P ∗(u−Pu)〉 = 〈v, P (u−Pu)〉 = 〈v, Pu−P 2u〉 = 〈v, Pu−Pu〉 = 0, quaisquerque sejam u, v ∈ H. Logo, como se u ∈ H e dado, temos u = Pu + Qu, te-mos ‖Qu‖2 = ‖u‖2 −‖Pu‖2 ≤ ‖u‖2, mostrando que Q ∈ B(H). Entao, fazendoF = Im(P ) no enunciado do Teorema I, garantimos pela unicidade da existenciados operadores ali mencionados que P e a projecao ortogonal sobre sua imagem.

⇐) Sejam Q ∈ B(H) a projecao ortogonal sobre F⊥ e u, v ∈ H. Entao,〈Pu, v〉 = 〈Pu, Pv + Qv〉 = 〈Pu, Pv〉 + 〈Pu,Qv〉 = 〈Pu, Pv〉 = 〈u, P ∗Pv〉.Como tal igualdade e valida para todos u, v ∈ H, concluımos que P ∗ = P ∗P , etemos que P = P ∗∗ = (P ∗P )∗ = P ∗P = P ∗.

XVIII) Sejam A e B operadores lineares densamente definidos num espacode Hilbert H. Entao, se A+B e AB tambem sao densamente definidos, temosque:

1. A∗ +B∗ ⊂ (A+B)∗ (se A ∈ B(H), entao A∗ +B∗ = (A+B)∗);

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2. B∗ A∗ ⊂ (A B)∗ (se A ∈ B(H), entao B∗ A∗ = (A B)∗).

Demonstracao de 1:

Se ξ ∈ Dom(A∗ + B∗) = Dom(A∗) ∩ Dom(B∗), entao 〈u,A∗ξ + B∗ξ〉 =〈u,A∗ξ〉+ 〈u,B∗ξ〉 = 〈Au, ξ〉+ 〈Bu, ξ〉 = 〈(A+ B)u, ξ〉 = 〈u, (A+ B)∗ξ〉, paratodo u ∈ Dom(A+B) = Dom(A)∩Dom(B). Portanto, da definicao de adjunto,segue que ξ ∈ Dom(A+B)∗ e A∗ξ+B∗ξ = (A+B)∗ξ. Da arbitrariedade de ξ,obtemos A∗ +B∗ ⊂ (A+B)∗.

Suponha, agora, que A ∈ B(H), e tome ξ ∈ Dom((A+B)∗). Entao, pela de-finicao de adjunto, 〈(A+B)u, ξ〉 = 〈u, (A+B)∗ξ〉, para todo u ∈ Dom(A+B).Ainda, como Dom(A + B) = H ∩ Dom(B) = Dom(B) e ξ ∈ Dom(A∗) = H(pois ‖A∗‖ = ‖A‖ < ∞), temos que 〈u,A∗ξ〉 + 〈Bu, ξ〉 = 〈Au, ξ〉 + 〈Bu, ξ〉 =〈(A + B)u, ξ〉 = 〈u, (A + B)∗ξ〉, para todo u ∈ Dom(A + B) = Dom(B).Mas, pela definicao de adjunto, isto e equivalente a dizer que ξ ∈ Dom(B∗) =H ∩ Dom(B∗) = Dom(A∗) ∩ Dom(B∗) e B∗ξ = (A + B)∗ξ − A∗ξ. Portanto,(A+B)∗ ⊂ A∗ +B∗. Concluımos, entao, que A∗ +B∗ = (A+B)∗.

Demonstracao de 2:

Seja ξ ∈ Dom(B∗A∗). Entao, A∗ξ ∈ Dom(B∗), de onde vem que 〈Bu,A∗ξ〉 =〈u, (B∗ A∗)ξ〉, para todo u ∈ Dom(B). Em particular, 〈Bu,A∗ξ〉 = 〈u, (B∗ A∗)ξ〉, para todo u ∈ Dom(A B) = u ∈ Dom(B) : Bu ∈ Dom(A). Por-tanto, 〈(A B)u, ξ〉 = 〈Bu,A∗ξ〉 = 〈u, (B∗ A∗)ξ〉, para todo u ∈ Dom(A B).Logo, pela definicao de adjunto, concluımos que ξ ∈ Dom((A B)∗) e que(A B)∗ξ = (B∗ A∗)ξ. Assim, B∗ A∗ ⊂ (A B)∗.

Suponhamos, agora, que A ∈ B(H), e seja ξ ∈ Dom(A B)∗. Entao,

〈A(Bu), ξ〉 = 〈(A B)u, ξ〉 = 〈u, (A B)∗ξ〉,

para todo u ∈ Dom(A B). Decorre de A ∈ B(H) que

〈Bu,A∗ξ〉 = 〈A(Bu), ξ〉,

para todo u ∈ Dom(A B), uma vez que ξ ∈ Dom(A∗) = H. Assim, concluı-mos que A∗ξ ∈ Dom(B∗), e que B∗(A∗ξ) = (A B)∗ξ. Mostramos, entao, queDom((A B)∗) ⊆ Dom(B∗ A∗), e que (B∗ A∗)|Dom((AB)∗) = (A B)∗, istoe, (A B)∗ ⊂ B∗ A∗, finalizando a demonstracao.

XIX) Demonstraremos, agora, condicoes necessarias e suficientes para queum operador linear simetrico num espaco de Hilbert seja auto-adjunto.

Teorema II: Se H e um espaco de Hilbert, A e um operador linear densa-mente definido e simetrico em H e λ ∈ R, λ > 0, entao sao equivalentes:

1. A e auto-adjunto;

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2. A e fechado e Ker(A∗ ± λiIB(H)) = 0;

3. Im(A± λiIB(H)) = H.

Demonstracao:

1 ⇒ 2) A e fechado, pois A∗ e fechado e A = A∗. Se u ∈ Dom(A∗) =Dom(A∗ + λiIB(H)), entao∥∥(A∗ + λiIB(H))u

∥∥2= ‖A∗u‖2 − λi〈A∗u, u〉+ λi〈u,A∗u〉+ λ2 ‖u‖2 ≥

λ2 ‖u‖2

(note que 〈A∗u, u〉 = 〈u,A∗u〉), o que mostra a injetividade de A∗ + λi. A de-monstracao de Ker(A∗ − λiIB(H)) = 0 e analoga.

2 ⇒ 3) Vamos mostrar que Im(A+λiIB(H)) e um conjunto denso e fechado.Se Im(A+ λiIB(H)) nao fosse denso, entao pelo Teorema I existiria ξ ∈ Im(A+

λiIB(H))⊥ nao-nulo. Mas isto implicaria 0 = 〈(A + λiIB(H))u, ξ〉 = 〈u, 0〉, para

todo u ∈ Dom(A) e, portanto, ξ ∈ Dom((A+ λiIB(H))∗), com

(A+ λiIB(H))∗ξ = (A∗ − λiIB(H))ξ = 0,

contradizendo a hipotese. Logo, Im(A + λiIB(H)) e denso em H. Seja, agora,(A+ λiIB(H))un

n∈N uma sequencia convergente de elementos de Im(A +

λiIB(H)). Como A e simetrico, vale que 〈Au, v〉 = 〈u,Av〉, para todo v ∈Dom(A), o que implica∥∥(A+ λiIB(H))un

∥∥2 ≥ λ2 ‖un‖2 ,

para todo n ∈ N. Por esta ultima desigualdade, segue que unn∈N e uma

sequencia de Cauchy em Dom(A), uma vez que

(A+ λiIB(H))unn∈N tam-

bem o e. Logo, da completude de H, segue que unn∈N converge para algum

elemento de H, e concluımos que

(un, (A+ λiIB(H))un)n∈N e uma sequen-

cia convergente de elementos de Gr(A + λiIB(H)). Como A + λiIB(H) e fe-

chado (pois A e fechado), o limite de

(un, (A+ λiIB(H))un)n∈N tambem per-

tence a Gr(A + λiIB(H)). Em particular, o limite de

(A+ λiIB(H))unn∈N

pertence a imagem de A+λiIB(H), e concluımos que Im(A+λiIB(H)) e fechadoem H. Temos, entao, que Im(A + λiIB(H)) e denso e fechado em H, isto e,Im(A+ λiIB(H)) = H. A demonstracao de que Im(A− λiIB(H)) = H e analogaa que acabou de ser feita.

3 ⇒ 1) Vamos mostrar, primeiramente, que se T e um operador linear qual-quer, entao Im(T )⊥ = Ker(T ∗). De fato, se v ∈ Ker(T ∗), entao 〈Tu, v〉 =〈u, T ∗v〉 = 0, para todo u ∈ Dom(T ). Isso mostra que Ker(T ∗) ⊆ Im(T )⊥.Por outro lado, se v ∈ Im(T )⊥, entao 〈Tu, v〉 = 0 = 〈u, 0〉, para todo u ∈Dom(T ), mostrando que v ∈ Dom(T ∗) e que T ∗v = 0. Logo, v ∈ Ker(T ∗),

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e a outra inclusao esta demonstrada. Voltemos a demonstracao original. Sejaξ ∈ Dom(A∗). Da sobrejetividade de A − λiIB(H), garantimos a existencia deρ ∈ Dom(A − λiIB(H)) = Dom(A) tal que (A − λiIB(H))ρ = (A∗ − λiIB(H))ξ.Como A e simetrico, temos que (A∗ − λiIB(H))(ρ − ξ) = 0. Logo, comoIm(A+λiIB(H)) = H, pelo que acabou de ser demonstrado temos que Ker(A∗−λiIB(H)) = Ker((A + λiIB(H))

∗) = Im(A + λiIB(H))⊥ = 0, e obtemos ξ =

ρ ∈ Dom(A− λiIB(H)) = Dom(A). Portanto, Dom(A∗) ⊆ Dom(A) e, como A esimetrico por hipotese, concluımos que A e auto-adjunto.

Deste teorema que acabamos de mostrar, podemos derivar um criterio paraverificar se um operador linear densamente definido e simetrico e essencialmenteauto-adjunto, bastando substituir A por A:

Se H e um espaco de Hilbert, A e um operador linear densamente definido esimetrico em H, entao A e um operador linear densamente definido e simetricoem H. Portanto, pelo Teorema II, se λ ∈ R, λ > 0, entao sao equivalentes:

1. A e auto-adjunto;

2. Im(A∓ λiIB(H))⊥ = Ker(A∗ ± λiIB(H)) = 0.

Denotaremos, as vezes, A±λIB(H), λ ∈ C, simplesmente por A±λ, alterna-tivamente.

Temos tambem o seguinte lema, que utilizaremos na demonstracao do coro-lario da desigualdade de Kato, no capıtulo 4:

Lema: Seja A um operador densamente definido e simetrico. Se existirλ ∈ R satisfazendo Im(A−λIB(H)) = H entao A e essencialmente auto-adjunto.

Demonstracao: Ja sabemos que A ⊆ A∗ = A∗ = A∗. Vamos mostrar que

Dom(A∗) ⊆ Dom(A). Seja v ∈ Dom(A∗). Pela definicao de adjunto,

〈(A− λ)u, v〉 = 〈u, (A∗ − λ)v〉,

qualquer que seja u ∈ Dom(A) (lembre-se que, pelo que comentamos na Obser-

vacao XIII, A∗

= A∗). Tome w ∈ Dom(A) =: Dom(A− λ) tal que (A− λ)w =(A∗ − λ)v. Entao,

〈(A− λ)u, v〉 = 〈u, (A− λ)w〉 = 〈(A− λ)u,w〉,

para todo u ∈ Dom(A), mostrando que w − v deve ser ortogonal a todo vetorde H. Logo, v = w ∈ Dom(A), e terminamos a demonstracao.

O intuito das proximas duas definicoes8 e generalizar a nocao de convergenciade series em espacos normados. Isto se torna uma necessidade natural devido ao

8Estas definicoes e os subsequentes “Fatos” foram retirados/inspirados na referencia [13]

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fato de nao estarmos lidando com espacos de Hilbert necessariamente separaveis:

XX) Definicao: Seja X um espaco normado. Diremos que a famılia xii∈Ide elementos de X e somavel se existir x ∈ X de forma que, para todo ε > 0 dadoexista Fε ⊆ I finito tal que, para todo F ⊇ Fε finito, se tenha

∥∥(∑i∈F xi)− x

∥∥ <ε. Nesse caso, diremos que a soma de tal famılia e x, e denotaremos x :=∑i∈I xi (note que a soma de uma famılia somavel e unica). Se a famılia

‖xi‖i∈I for somavel, entao diremos que a famılia xii∈I e absolutamentesomavel.

XXI) Definicao: Seja X um espaco normado. Diremos que a famıliaxii∈I de elementos de X e de Cauchy se, dado ε > 0, existe Fε ⊆ I finito tal

que, para todo F ⊆ I finito e disjunto de Fε, tem-se∥∥∑

i∈F xi∥∥ < ε.

Alguns fatos pertinentes relacionados as definicoes XX e XXI sao: (algunssao apresentados sem demonstracao. Os que serao efetivamente utilizados pos-teriormente sao os Fatos 1, 2, 3, a implicacao (⇒) do Fato 4 e o Fato 7)

Fato 1: Dada uma famılia Γ = rii∈I nao-vazia de numeros reais nao-negativos, se existir M > 0 tal que

sup

∑i∈F

ri : F ⊆ I finito

≤M,

entao Γ e somavel e∑i∈I ri = sup

∑i∈F ri : F ⊆ I finito

.

Obs.: daqui para frente, denotaremos o fato de uma famılia de numeros reaisnao-negativos rii∈I ser somavel por

∑i∈I ri <∞.

Demonstracao: Basta mostrar que∑i∈I

ri = sup

∑i∈F

ri : F ⊆ I finito

=: s.

Seja ε > 0. Pela hipotese, sabemos que o supremo de∑

i∈F ri : F ⊆ I finito

existe e e um numero real. Da definicao de supremo, temos que existe Fε ⊆ Ifinito de modo que s− ε <

∑i∈Fε ri. Mas, se F ⊆ I e um subconjunto finito tal

que F ⊇ Fε, entao s− ε <∑i∈Fε ri ≤

∑i∈F ri, o que implica |

∑i∈F ri− s| < ε.

Assim, da unicidade da soma, vem que∑i∈I ri = sup

∑i∈F ri : F ⊆ I finito

.

Fato 2: Se Γ = rii∈I e uma famılia somavel nao-vazia de numeros reais

nao-negativos, entao∑i∈I ri = sup

∑i∈F ri : F ⊆ I finito

=: s.

Demonstracao: Seja ε > 0. Sabemos, por hipotese, que existe Fε ⊆ Ifinito tal que, se F ⊆ I e um subconjunto finito que satisfaz F ⊇ Fε, en-tao |(

∑i∈F ri) −

∑i∈I ri| < ε, e isto implica (

∑i∈I ri) − ε <

∑i∈F ri. Para

27

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finalizar a demonstracao, basta mostrar que∑i∈I ri e uma cota superior de∑

i∈F ri : F ⊆ I finito

. Seja F ⊆ I finito. Entao,∑i∈F ri ≤

∑i∈F∪Fε ri =

(∑i∈F∪Fε ri)− (

∑i∈I ri) + (

∑i∈I ri) < ε+ (

∑i∈I ri) e, como ε e F sao arbitra-

rios, concluiu-se a demonstracao.

Fato 3: Se a famılia xii∈I e de Cauchy, entao o conjunto

E := i ∈ I : xi 6= 0

e enumeravel.

Demonstracao: Como E =⋃n∈N\0 i ∈ I : ‖xi‖ ≥ 1/n, basta mostrar

que En := i ∈ I : ‖xi‖ ≥ 1/n e finito, para todo n ∈ N\ 0. De fato, se Ennao for finito, para algum n ∈ N\ 0, entao dado F ⊆ I finito, garantimos aexistencia de j ∈ En\F . Logo, como En\F e disjunto de F , xii∈I nao podeser de Cauchy.

Fato 4: Se X e um espaco de Banach, entao a famılia xii∈I e somavel se,e somente se, for de Cauchy.

Fato 5: Se xii∈I e uma famılia absolutamente somavel e X e um espacode Banach, entao ela e somavel: de fato, se ε > 0 e dado, sabemos que existe,pelo Fato 4, Fε ⊆ I finito tal que, se F ⊆ I e finito e disjunto de Fε, entao∑i∈F ‖xi‖ < ε e, portanto,

∥∥∑i∈F xi

∥∥ ≤ ∑i∈F ‖xi‖ < ε. Logo, valendo-se

novamente do Fato 4, concluımos que xii∈I e somavel.

Fato 6: Se A e um operador limitado num espaco com produto internoH e xii∈I e uma famılia somavel em H, entao Axii∈I e somavel em H

e∑i∈I Axi = A(

∑i∈I xi). (basta notar que

∥∥∑i∈F Axi −A(

∑i∈I xi)

∥∥ ≤‖A‖

∥∥(∑i∈F xi)−

∑i∈I xi

∥∥, para todo F ⊆ I finito)

Fato 7: Seja Xii∈I uma famılia de espacos normados. Entao,

a) o conjunto

⊕i∈IXi :=

(xi)i∈I ∈

∏i∈I

Xi : i ∈ I : xi 6= 0 e finito

e denso no conjunto

lp :=

(xi)i∈I ∈

∏i∈I

Xi :∑i∈I‖xi‖p <∞

,

se 1 ≤ p <∞ (com a topologia induzida pela norma dada por

‖(xi)i∈I‖ := p

√∑i∈I‖xi‖p,

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para todo (xi)i∈I ∈ lp): de fato, sejam ε > 0 e (xi)i∈I ∈ lp. Da somabilidadede ‖xi‖pi∈I garantimos, pelo Fato 2, a existencia de Fεp ⊆ I finito tal que∑i∈I\Fεp ‖xi‖

p= |

∑i∈Fεp ‖xi‖

p −∑i∈I ‖xi‖

p | < εp. Considere o elemento

(yi)i∈I definido por yi = xi, se i ∈ Fεp e yi = 0, se i ∈ I\Fεp . Entao, (yi)i∈I etal que (yi)i∈I ∈ ⊕i∈IXi e ‖(yi)i∈I − (xi)i∈I‖ < ε.

Logo, se p = 2 e cada Xi := Hi for um espaco com produto interno, l2 seraum espaco com produto interno, sendo este dado por

〈(xi)i∈I , (yi)i∈I〉 :=∑i∈I〈xi, yi〉,

(xi)i∈I , (yi)i∈I ∈∏i∈I Hi.

b) lp e completo se, e somente se, Xi e completo, para todo i ∈ I. Parademonstrar este item, basta usar o Fato 1 e alguns truques simples de Analise.

XXII) Seja X um conjunto nao-vazio.

Uma famılia S nao-vazia de subconjuntos de X e dita ser uma semi-algebraem X se:

1. X ∈ S;

2. para todos A,B ∈ S tem-se que A ∩ B ∈ S; (e, portanto, interseccoesfinitas de elementos de A pertencem a A)

3. para todo A ∈ S, existem n ∈ N e elementos Ai ∈ S, 1 ≤ i ≤ n, comAi ∩Aj = ∅, se i 6= j, tais que X\A = ∪1≤i≤nAi.

Alem disso, uma famılia A nao-vazia de subconjuntos de X e dita ser umaalgebra X se:

1. para todos A,B ∈ A tem-se que A ∪ B ∈ A; (e, portanto, unioes finitasde elementos de A pertencem a A)

2. para todo A ∈ A, tem-se que X\A ∈ A.

(Note que X ∈ A).

Um resultado muito importante que vamos utilizar mais tarde, na demons-tracao do teorema espectral para n-uplas finitas de operadores lineares limitadosauto-adjuntos que comutam dois a dois, e o seguinte:

Lema:9 Seja S uma semi-algebra em X. Entao a algebra gerada por S,A(S), consiste no conjunto D(S) das unioes finitas disjuntas de elementos de

9Este lema foi demonstrado com base em informacoes de [9]

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S.

Demonstracao: E possıvel ver que A(S) e o conjunto das unioes finitas deelementos de S com complementares de elementos de S. Logo, tem-se trivial-mente que D(S) ⊆ A(S). Como D(S) contem S, terminaremos a demonstracaose mostrarmos que D(S) e uma algebra. Vamos mostrar, primeiramente, queD(S) e fechado por complementacao. Sejam Bj , 1 ≤ j ≤ m, elementos de S taisque Bp ∩Bq = ∅, se p 6= q. Definindo B :=

⋃1≤j≤mBj temos que

X\B =⋂

1≤j≤m

X\Bj ,

e cada X\Bj e uma uniao disjunta de elementos de S, digamos X\Bj =⋃1≤k≤r(j)B

kj , para algum r(j) ∈ N e certos Bkj ∈ S. Logo, X\B e a uniao

variando-se nas m-uplas (k(i))1≤i≤m, onde 1 ≤ k(i) ≤ r(i), dos elementos⋂1≤j≤mB

k(j)j . Cada

⋂1≤j≤mB

k(j)j pertence a S, pelo fato de S ser uma semi-

algebra. Alem disso, eles sao dois a dois disjuntos, pois se⋂

1≤j≤mBk1(j)j e⋂

1≤j≤mBk2(j)j sao tais que (k1(i))1≤i≤m 6= (k2(i))1≤i≤m, entao existe i tal

que k1(i) 6= k2(i). Logo, Bk1(i)i ∩ Bk2(i)

i = ∅, mostrando que⋂

1≤j≤mBk1(j)j e⋂

1≤j≤mBk2(j)j sao disjuntos. Isto estabelece que X\B e uma uniao disjunta de

elementos de S. Vamos mostrar, agora, que D(S) e fechado por uniao. SejamAl, 1 ≤ l ≤ n, elementos de S tais que Ai ∩ Aj = ∅, se i 6= j. Vamos mostrarque (

⋃1≤l≤nAl)∪(

⋃1≤j≤mBj) e uma uniao disjunta de elementos de S. Temos

que

(⋃

1≤l≤n

Al) ∪B = (⋃

1≤l≤n

(Al ∩X\B)) ∪B.

Mas X\B e uma uniao disjunta de elementos de S, como ja vimos. Portanto,⋃1≤l≤n(Al ∩ X\B) e uma uniao disjunta de elementos de S, sendo que tais

elementos sao todos disjuntos de B. Isto termina a demonstracao.

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“Algebras de Banach e C∗-algebras - alguns resultados elementares”10

Definiremos uma algebra de Banach A como sendo um C-espaco vetorial noqual:

1. alem das operacoes de soma (+) e de multiplicacao por um escalar (·), estadefinida uma operacao de multiplicacao : A×A −→ A que e associativae bilinear (em particular, vale a distributividade a esquerda e a direita).Os sımbolos de multiplicacao e de multiplicacao por escalar serao sempreomitidos;

2. esta definida uma norma ‖ · ‖ que e submultiplicativa (isto e, ela satisfaz‖ab‖ ≤ ‖a‖‖b‖, para todos a, b ∈ A) e que induz uma metrica segundo aqual A, quando considerada como um espaco metrico, e completo.

Uma algebra de Banach sera dita comutativa se a multiplicacao satisfizerab = ba, para todos a, b ∈ A. Alem disso, se A for uma algebra de Banach naqual existe um elemento IA satisfazendo IA 6= 0, aIA = IAa = a, para todoa ∈ A, e ‖IA‖ = 1 (note que aIA = IAa = a, para todo a ∈ A implica somente‖IA‖ ≥ 1), diremos que tal algebra possui uma unidade (note que sua definicaoimplica sua unicidade). Agora, se A for uma algebra de Banach na qual estadefinida uma aplicacao ∗ : A −→ A satisfazendo, para todos a, b ∈ A e λ ∈ C:

1. (a+ λb)∗ = a∗ + λb∗,

2. (ab)∗ = b∗a∗,

3. (a∗)∗ = a,

com a propriedade adicional ‖a∗a‖ = ‖a‖2, para todo a ∈ A, entao A edita ser uma C∗-algebra (∗ e denominada aplicacao de involucao, e a propri-edade ‖a∗a‖ = ‖a‖2, para todo a ∈ A, e denominada propriedade C∗; alemdisso, a∗ e definido como o adjunto de a). Numa C∗-algebra, a involucaoe uma isometria, isto e, ‖a∗‖ = ‖a‖, para todo a ∈ A. Isto se segue dapropriedade 3 da involucao, da submultiplicatividade da norma e da identi-dade C∗. Se A for uma C∗-algebra que possui uma unidade, dizemos queA e uma C∗-algebra unital. Se A for uma C∗-algebra sem unidade podemosmunir o produto cartesiano A × C com uma estrutura de C∗-algebra unital,na qual a aplicacao a 7−→ (a, 0) := e uma isometria. Basta definirmos asoma, o produto por escalar e a involucao da maneira obvia (coordenada a co-ordenada), o produto por (a, α)(b, β) 7−→ (ab + αb + βa, αβ) e a norma por‖(a, α)‖ = sup (a, α)x : x ∈ A, ‖x‖ ≤ 1, a, b ∈ A,α, β ∈ C. A unidade, nestecaso, sera o elemento (0, 1) (a C∗-algebra A assim obtida e conhecida como aunitizacao de A).

Se A e uma C∗-algebra, dizemos que:

10Esta subsecao foi escrita com inspiracao na leitura de textos presentes em [16], [21], [17]e [3]

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1. a ∈ A e um elemento normal se aa∗ = a∗a, isto e, se a comuta com seuadjunto;

2. a ∈ A e um elemento auto-adjunto se a = a∗;

3. a ∈ A e um elemento unitario se satisfaz aa∗ = a∗a = IA;

4. a ∈ A e uma projecao se satisfaz a∗ = a = a2.11

Ressaltamos aqui, sem demonstracao, que os espacos C(I) e B(H) sao C∗-algebras, se definirmos suas involucoes pela conjugacao complexa e pela operacaode adjuncao, respectivamente.Um homomorfismo entre C∗-algebras sera dito um ∗-homomorfismo se for umhomomorfismo de algebras que preserva a involucao. Se as C∗-algebras foremunitais e tal homomorfismo levar a unidade de uma na unidade da outra, entaoele sera denominado um homomorfismo unital.

Um resultado muito conhecido afirma que, se A e uma algebra de Banachcom unidade IA, entao o elemento IA − a e inversıvel, para todo a ∈ A sa-tisfazendo ‖a‖ < 1. Neste caso, mostra-se que (IA − a)−1 =

∑+∞n=0 a

n (estaformula e conhecida como serie de Von Neumann). Isto mostra que o con-junto G(A) := a ∈ A : a e inversıvel em A (dizer que “a ∈ A e inversı-vel em A” significa dizer que a possui um inverso multiplicativo a−1, isto e,aa−1 = a−1a = IA, e que este pertence a A) e aberto em A, pois se a ∈ G(A)e b ∈ A satisfizer ‖b‖ < ‖a−1‖−1, entao a − b = a(IA − a−1b), e IA − a−1b einversıvel, uma vez que ‖a−1b‖ ≤ ‖a−1‖‖b‖ < 1.

E possıvel provar que a operacao de inversao em G(A) e um homeomorfismodiferenciavel (nao nos aprofundaremos nesta discussao, aqui).

Dado a ∈ A numa algebra de Banach com unidade, definimos o espectro dea com respeito a A por σA(a) := λ ∈ C : λIA − a nao e inversıvel em A, e oseu resolvente (com respeito a A) por ρA(a) := C\σA(a). Definimos, ainda, oraio espectral de a, com respeito a A, por rA(a) := sup |λ| : λ ∈ σA(a) (se A

nao tiver uma unidade, definimos σA(a) :=λ ∈ C : λIA − e inversıvel em A

,

sendo IA = (0, 1)). Alias, o acrescimo “com respeito a A” posto acima nadefinicao de espectro se deve ao fato de que, se um certo elemento a ∈ Apertence a uma subalgebra de Banach de A, digamos B, com IA ∈ B - porexemplo, a subalgebra gerada por a e IA -, entao σA(a) ⊆ σB(a), mas nemsempre se tem a inclusao inversa, pois um elemento inversıvel em A pode naoser inversıvel em B. Portanto, se λ ∈ C, |λ| > ‖a‖, entao λ ∈ ρA(a). De fato,se |λ| > ‖a‖, temos que λ1− a = λ(IA − a/λ), e ‖a/λ‖ < 1. Alem disso, comoC 3 λ 7−→ λIA − a ∈ A e uma aplicacao contınua e σA(a) e a imagem inversade A\G(A) por tal aplicacao, segue que σA(a) e um subconjunto fechado de C.

11Aqui temos uma certa ambiguidade de nomenclaturas, pois se a fosse um operador limi-tado agindo sobre um espaco de Hilbert, ele seria chamado de projecao ortogonal. No entanto,no contexto de C∗-algebras abstratas chamaremos tal elemento somente de projecao

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Logo, σA(a) e um subconjunto compacto de C. Prova-se, inclusive, que σA(a)e sempre nao-vazio.Uma formula extremamente importante afirma que

(R) rA(a) = limn‖an‖1/n.

Com esta formula, mostra-se que, se A for uma C∗-algebra unital, entao rA(a) =‖a‖, sempre que a ∈ A for um elemento normal ou auto-adjunto. Inclusive,usando este fato, podemos dar uma aplicacao interessante aos operadores auto-adjuntos sobre espacos de Hilbert (sejam eles limitados ou nao). Vamos fazeruma breve digressao para mostrar um lema e, logo em seguida, mostrar a apli-cacao mencionada:12

Lema A0: Se A e um operador linear injetor agindo num espaco de HilbertH, entao

σ(A−1)\0 = λ−1 : λ ∈ σ(A)\0,

onde Dom(A−1) := Im(A)

Demonstracao: A identidade algebrica

(z−1 − λ−1)−1 = −λz(z − λ)−1,

valida para quaisquer z, λ ∈ C nao-nulos, nos motiva a ideia da demonstracao:se λ ∈ ρ(A), λ 6= 0, entao para todo u ∈ H,

(A−1 − λ−1)(−λA(A− λ)−1)u = −λ(A− λ)−1u+A(A− λ)−1u = u,

enquanto que para todo v := Aw ∈ Dom(A−1) = Im(A),

(−λA(A− λ)−1)(A−1 − λ−1)v = A(A− λ)−1(−λ+A)w = Aw = v.

Isto mostra que−λA(A− λ)−1 = (A−1 − λ−1)−1

e, como−λA(A− λ)−1 = −λ2(A− λ)−1 − λ

e o membro da direita pertence a B(H), temos pela definicao de resolvente queλ−1 ∈ ρ(A−1). Isto mostra a inclusao ρ(A−1)\0 ⊇ λ−1 : λ ∈ ρ(A)\0, ouseja, σ(A−1)\0 ⊆ λ−1 : λ ∈ σ(A)\0. Usando-se a identidade

−λ−1z−1(z−1 − λ−1)−1 = (z − λ)−1

e a mesma estrategia acima, mostra-se a outra inclusao.

Teorema: O espectro de qualquer operador auto-adjunto A agindo num es-paco de Hilbert H e nao-vazio.

12O lema, bem como a aplicacao mencionada, foram retirados de [6]

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Demonstracao: Se 0 ∈ σ(A), nao ha nada a demonstrar. Suponha que0 /∈ σ(A). Entao, esta bem definido e e limitado o operador A−1. Como A−1

e auto-adjunto,13 rB(H)(A−1) = ‖A−1‖, pelo que acabamos de afirmar. Isto

mostra que σ(A−1) contem um elemento nao-nulo de C, pois caso contrario,A−1 seria nulo, um absurdo. Logo, existe 0 6= λ ∈ σ(A−1). Pelo Lema A0,garantimos que λ−1 ∈ σ(A), mostrando que o espectro de A e nao-vazio. Istoestabelece o resultado desejado.

(na realidade, ganhamos o seguinte corolario, tambem: se A e um operadorlinear agindo sobre um espaco de Hilbert H tal que 0 /∈ σ(A) e A−1 e umoperador normal, entao σ(A) 6= ∅. Isto se deve ao fato de que tambem temosrB(H)(A

−1) = ‖A−1‖, neste caso).

Voltemos a teoria de algebras de Banach.

Devido ao fato de a definicao do raio espectral ser puramente algebrica e a“ponte” criada entre a estrutura algebrica e a estrutura topologica de A pelaformula (R), provamos que o raio espectral de a permanece o mesmo, tanto seo consideramos com respeito a A ou com respeito a alguma subalgebra unitalde A que contenha a (desde que a unidade desta seja a unidade de A). Poreste motivo, representaremos o raio espectral de a simplesmente por r(a), deagora em diante. Prova-se tambem que se A e uma ∗-algebra (isto e, uma al-gebra com uma involucao) que adquire uma estrutura de C∗-algebra quandomunida de uma certa norma ‖ · ‖1 e se, quando munimos A com uma outranorma ‖ · ‖2, (mantendo as mesmas operacoes de soma, multiplicacao, multipli-cacao por escalar e involucao) A tambem se transforma numa C∗-algebra, entao‖·‖1 = ‖·‖2. De fato, se a ∈ A e um elemento de uma algebra de Banach A comunidade que se torna uma C∗-algebra tanto com ‖ · ‖1 quanto com ‖ · ‖2, entao‖a‖21 = ‖a∗a‖1 = r(a∗a) = ‖a∗a‖2 = ‖a‖22, pois a∗a e um elemento auto-adjuntode A.

Devido ao fato (nao trivial) de que o espectro de todo elemento de uma al-gebra de Banach com unidade e nao-vazio, prova-se o seguinte resultado:

Teorema (Gelfand): Se A e uma algebra de Banach com unidade tal quetodo elemento nao-nulo e inversıvel, entao A e isometricamente isomorfa a C(a comutatividade de A tambem e consequencia do teorema).

Demonstracao: notemos, primeiramente, que o espectro de cada elementoa de A, por ser nao-vazio, contem somente um elemento. De fato, se λ, µ ∈σA(a), entao λIA − a = 0 = µIA − a, pela definicao de espectro, uma vez que

13Pois seja A um operador simetrico densamente definido tal que 0 /∈ σ(A). Entao, se v ∈ He u ∈ Dom(A−1), existem x, y ∈ Dom(A) tais que Ax = u e Ay = v. Logo,

〈A−1u, v〉 = 〈x,Ay〉 = 〈Ax, y〉 = 〈u,A−1v〉,

mostrando que A−1 e auto-adjunto

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todo elemento nao-nulo de A e inversıvel. Como IA 6= 0, λ = µ. (o espectro de0A e constituıdo somente pelo 0).Seja a ∈ G(A) e λ ∈ σA(a). Como todo elemento nao-nulo e inversıvel, devemoster λIA − a = 0, pela definicao de espectro. Logo, a = λIA. Isto mostra oresultado, pois entao a aplicacao que associa cada elemento de A ao seu respec-tivo elemento do espectro esta bem definida, e um homomorfismo de algebrasisometrico (se a = λIA, entao ‖a‖ = ‖λIA‖ = |λ|‖IA‖ = |λ|) e e uma bijecao deA em C.

E possıvel, ainda, obter uma outra condicao suficiente para que uma algebrade Banach unital seja isometricamente isomorfa a C. Para tanto, vamos pre-cisar do seguinte lema,14 que tambem sera utilizado depois, por uma outra razao:

Lema A1: Se a ∈ ∂G(A) (∂G(A) denota a fronteira topologica de G(A))e ann∈N e uma sequencia de elementos de G(A) tal que an −→ a, entao‖a−1n ‖ −→ +∞ (note que tal sequencia sempre existe, pois A e um espaco me-

trico; alem disso, ela possui infinitos elementos em sua imagem, pois a /∈ G(A),ja que G(A) e aberto em A).

Demonstracao: Suponhamos que nao valha ‖a−1n ‖ −→ +∞. Entao, exis-

tem uma subsequenciaa−1nk

k∈N de

a−1n

n∈N e M > 0 tais que ‖a−1

nk‖ ≤ M ,

para todo k ∈ N. Como an −→ a, sabemos que existe k0 tal que ‖ank0 − a‖ <1/M e, portanto, ‖IA − a−1

nk0a‖ = ‖a−1

nk0(ank0 − a)‖ ≤ ‖a−1

nk0‖‖(ank0 − a)‖ < 1.

Concluirıamos, entao, pela serie de Von Neumann, que a−1nk0

a = IA−(IA−a−1nk0

)e inversıvel, e terıamos, portanto, que a tambem e inversıvel, um absurdo.

Agora vamos usar o lema acima para mostrar que:

Teorema: Se A e uma algebra de Banach com unidade satisfazendo

‖a‖‖b‖ ≤M‖ab‖,

para algum M > 0 e todos a, b ∈ A, entao A e isometricamente isomorfa a C.

Demonstracao: Vamos mostrar que, se a ∈ ∂G(A), entao a = 0. De fato,seja ann∈N uma sequencia de elementos de G(A) tal que an −→ a. Entao,‖an‖‖a−1

n ‖ ≤ M‖ana−1n ‖ = M‖IA‖ = M , para todo n ∈ N, mostrando que

‖an‖ −→ 0, devido ao lema anterior. Logo, pela continuidade da norma, temosque ‖a‖ = ‖ limn an‖ = limn ‖an‖ = 0 e, portanto, a = 0. Sejam, agora, a ∈ Ae λ ∈ ∂σA(a). Entao, existe uma sequencia λnn∈N em ρ(a) tal que λn −→ λ.Portanto, como λIA − a ∈ ∂G(A) (pois λ ∈ ∂σ(a)), temos que λIA − a = 0,pelo argumento acima. Logo, a conclusao do teorema se da de forma analoga aconclusao do Teorema de Gelfand.

14Este lema, bem como o proximo teorema, foram retirados de [3]

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Dado um espaco de Banach X sobre C, representamos por X ′ o seu dual,isto e, X ′ := f : X −→ C : f e linear e contınuo . Pelo Teorema de Banach-Alaoglu, sabemos que a bola unitaria f ∈ X ′ : ‖f‖ ≤ 1 (onde ‖ · ‖ e a normausual de operador em X ′) e um subconjunto compacto de X ′, quando munidoda topologia fraca-∗.15 Agora, dada uma uma algebra de Banach com unidadeA, podemos considerar o conjunto

ΩA := φ : A −→ C : φ e linear, contınuo e multiplicativo, φ 6= 0 ,

onde ser multiplicativo significa que φ(ab) = φ(a)φ(b), para todos a, b ∈ A. Epossıvel mostrar que todos os elementos de ΩA possuem norma (de operador)igual a 1. Agora, como toda algebra de Banach e, em particular, um espaco deBanach sobre C, as inclusoes

ΩA ⊆ φ ∈ X ′ : ‖φ‖ ≤ 1 ⊆ A′

fazem sentido. Alem disso, se munirmos A′ com a topologia fraca-∗, ΩA sera umsubconjunto fechado (em A′) de φ ∈ X ′ : ‖φ‖ ≤ 1 (para mostrar isso, bastausar a caracterizacao de continuidade via nets e o fato de A′ ser Hausdorff,quando munido da topologia fraca-∗), que e, por sua vez, compacto em A′. As-sim, vemos que ΩA tambem e um subconjunto compacto de A′.Se A for uma C∗-algebra, mostra-se que os elementos φ de ΩA, acima definido,automaticamente satisfazem φ(a∗) = φ(a).

Seja A uma algebra de Banach comutativa com unidade. Entao, a aplicacao(denominada aplicacao de Gelfand)

· : A 3 a −→ a ∈ C(ΩA)

(C(ΩA) sendo munida da norma do sup ‖f‖∞ := max |f(φ)| : φ ∈ C(ΩA),onde a : φ 7−→ φ(a)) e um homomorfismo contınuo de algebras de norma 1.Inclusive, prova-se que, numa C∗-algebra comutativa A com unidade, para todoa ∈ A, σA(a) = φ(a) ∈ C : φ ∈ ΩA. Consequentemente,

‖a‖+∞ := sup |a(φ)| ∈ C : φ ∈ ΩA = sup |φ(a)| ∈ C : φ ∈ ΩA =

max |φ(a)| ∈ C : φ ∈ ΩA = max |λ| : λ ∈ σA(a) = r(a),

onde a antepenultima igualdade se da devido a compacidade de ΩA e a conti-nuidade da funcao | · |. Se, alem disso, A for uma C∗-algebra comutativa unital,entao tal aplicacao sera um ∗-isomorfismo (ou seja, um isomorfismo de algebrasque preserva a involucao) isometrico de A sobre ΩA (um jeito de provar isto e

15A topologia fraca-∗ e a topologia menos fina em X′ que torna as aplicacoes x : X′ −→ C,x : X′ 3 f 7−→ f(x) ∈ C, x ∈ X, contınuas (agradeco ao professor Paulo D. Cordaro poresclarecer certas duvidas nossas quanto a algumas tecnicalidades referentes a esta definicao).Como consequencia da definicao de topologia fraca-∗, as aplicacoes de soma e multiplicacaopor escalar em X′ serao contınuas. Alem disso, como a famılia x : x ∈ X separa pontos -i.e., dados f1, f2 ∈ X com f1 6= f2, existe x ∈ X′′ tal que x(f1) 6= x(f2) -, garantimos que Xe Hausdorff, uma vez que C e Hausdorff

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usando, alem da identidade C∗ e a formula (R), o fato de que ΩA e um espacotopologico Hausdorff e compacto, pois invoca-se o Teorema da Aproximacao deStone-Weierstrass.16

Pelo que foi dito neste paragrafo e pela ultima frase do paragrafo anterior, po-demos mostrar que se A for uma C∗-algebra comutativa unital e a ∈ A for umelemento auto-adjunto, entao seu espectro esta contido em R: seja λ ∈ σA(a).Entao, existe φ ∈ ΩA tal que λ = φ(a). Assim, λ = φ(a) = φ(a∗) = φ(a) = λ,provando o que querıamos.

Se A e uma C∗-algebra unital e a ∈ A e um elemento normal, podemos definirum ∗-isomorfismo entre a “menor” C∗-algebra que contem a e IA (segundo aordem imposta pela inclusao), que denotaremos por C∗(a), e o conjunto dasfuncoes contınuas a valores complexos definidas em σA(a), C(σA(a)) - este ∗-isomorfismo e denominado Calculo Funcional Contınuo. Alias, note que C∗(a) =∑

i,j,(i+j)≤n cijai(a∗)j , cij ∈ C, n ∈ N

, isto e, C∗(a) e o fecho do conjunto dos

polinomios complexos em a e a∗. E como a e normal, C∗(a) e uma C∗-algebracomutativa.Para estabelecer tal Calculo Funcional, primeiramente notamos que a aplicacao

τ : ΩC∗(a) 3 φ 7−→ φ(a) ∈ σC∗(a)(a).

Note que a acao de τ e a mesma de , definida anteriormente, e que a imagemde τ e σC∗(a)(a), pois

σC∗(a)(a) =φ(a) : φ ∈ ΩC∗(a)

e injetora, devido a simplicidade da estrutura de C∗(a): se φ(a) = ψ(a),φ, ψ ∈ ΩC∗(a), entao φ(a∗) = φ(a) = ψ(a) = ψ(a∗) uma vez que, em uma C∗-

algebra unital A, todo elemento φ de ΩA satisfaz automaticamente φ(a∗) = φ(a).Assim, pela linearidade e a multiplicatividade de φ e ψ, vemos que seus valo-res coincidem sobre todo polinomio complexo em a e a∗. Logo, pela continui-dade de φ e ψ (lembre-se que ‖φ‖ = ‖ψ‖ = 1), concluımos que seus valorescoincidem sobre todo elemento do fecho do conjunto dos polinomios complexosem a e a∗, isto e, sobre C∗(a). Logo, φ = ψ, e verificamos a injetividade deτ . Assim, τ e uma aplicacao contınua e bijetora entre um espaco compactoe um espaco Hausdorff e, consequentemente, e uma aplicacao fechada. Por-tanto, τ e um homeomorfismo. Este homeomorfismo induz um ∗-isomorfismoΛ : C(ΩC∗(a)) −→ C(σC∗(a)(a)), dado por Λ(f) = f τ−1. Logo, Λ · e um∗-isomorfismo de C∗(a) em C(σC∗(a)(a)), e e tal que Λ a = Id, onde Id(z) = z,para todo z ∈ σC∗(a)(a) (na verdade, e o unico ∗-isomorfismo unital de C∗(a)

16Teorema da Aproximacao de Stone-Weierstrass para espacos compactos: Se Xe um espaco topologico compacto Hausdorff e A ⊆ C(X) e uma ∗-subalgebra completamenteseparante de C(X) - uma famılia de funcoes A e separante se, dados x, y ∈ X,x 6= y, existef ∈ A tal que f(x) 6= f(y); se tal famılia, alem de separante, for tal que: para todo x ∈ X,existe f ∈ A satisfazendo f(x) 6= 0, entao esta famılia sera denominada completamenteseparante -, entao A e densa em C(X)

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em C(σC∗(a)(a)) satisfazendo tal propriedade).

No contexto das C∗-algebras existe o seguinte:

Teorema (Invariancia Espectral:) Se A e uma C∗-algebra unital comunidade IA e B ⊆ A e uma sub C∗-algebra de A tal que IA ∈ B, entao para todob ∈ B, tem-se que σB(b) = σA(b) (note que a inclusao σA(b) ⊆ σB(b) e imediata,de modo que o que realmente precisa ser mostrado e a inclusao inversa).

Ja mostramos no caso de algebras de Banach com unidade que existe uma“invariancia” com respeito ao raio espectral, mas no caso de C∗-algebras temosum pouco mais, como acabamos de afirmar. Para provar este teorema vamosprecisar de alguns lemas:

Lema A2: Se A e uma algebra de Banach com unidade IA e B ⊆ A e umasub-algebra fechada de A tal que IA ∈ B, entao para todo b ∈ B, tem-se que∂σB(b) ⊆ ∂σA(b).

Demonstracao: Sejam b ∈ B e λ ∈ ∂σB(b). Pela definicao de fronteira to-pologica, existe uma sequencia (que, alias, possui imagem infinita) λnn∈N deelementos de ρB(b) ⊆ ρA(b) tal que λn −→ λ. Assim, λnIA−b ∈ G(B) ⊆ G(A),para todo n ∈ N. Como σB(b) e fechado em C, segue que λIA − b /∈ G(B).Logo, como λnIA − b −→ λIA − b em A, devemos ter λIA − b ∈ ∂G(B), poisG(B) = int(G(B)) ∪ ∂G(B) e int(G(B)) ⊆ G(B) (alias, lembre-se que a fron-teira considerada aqui e relativa a topologia de A; assim, G(B) pode nao seraberto em A). Portanto, pelo Lema A1, temos que ‖(λnIA − b)−1‖ −→ +∞.Vamos mostrar, agora, que λIA − b ∈ ∂G(A). Ja sabemos que λIA − b ∈ G(A).Se tivessemos λ ∈ int(G(A)) = G(A), entao pela continuidade da operacaode inversao em G(A) e da norma em A, terıamos que ‖(λnIA − b)−1‖ −→‖(λIA − b)−1‖, o que e incoerente com o que acabamos de observar. Portanto,λIA− b ∈ ∂G(A) = ∂(A\G(A)) ⊆ A\G(A) = A\G(A), o que nos leva a concluirque λ ∈ σA(b). Como, tambem, λ e limite de elementos de ρA(b) := C\σA(b),concluımos, finalmente, que λ ∈ ∂σA(b). Isto mostra a inclusao que querıamos.

O proximo lema e de facil demonstracao:

Lema A3: Se A e uma ∗-algebra com unidade, entao a ∈ A e inversıvel emA se, e somente se, aa∗ e a∗a sao inversıveis em A.

Podemos, agora, demonstrar o Teorema da Invariancia Espectral:

Demonstracao: Seja b ∈ B. Facamos, primeiramente, a demonstracaosupondo-se que b e auto-adjunto em B. Como ja observamos anteriormente,o espectro σC∗(b)(b) e real, pois C∗(b) e uma C∗-algebra comutativa. Logo,

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σC∗(b)(b) = ∂σC∗(b)(b), pois int(σC∗(b)(b)) = ∅. Assim,

σB(b) ⊆ σC∗(b)(b) = ∂σC∗(b)(b) ⊆(∗) ∂σB(b) ⊆B (b),

(usamos o Lema A2 em (∗)) mostrando que σC∗(b)(b) = σB(b). Repetindo oargumento acima substituindo-se σB(b) por σA(b), obtemos σC∗(b)(b) = σA(b)e, consequentemente, σB(b) = σA(b). Suponhamos, agora, que b ∈ B e umelemento arbitrario, e seja λ ∈ σB(b). Entao, pela definicao de espectro, λIA− bnao e inversıvel em B. Pelo Lema A3, sabemos que (λIA − b)(λIA − b)∗ ou(λIA − b)∗(λIA − b) nao e inversıvel em B. Portanto, pelo que acabamos demostrar, (λIA− b)(λIA− b)∗ ou (λIA− b)∗(λIA− b) nao e inversıvel em A. Con-cluımos, entao, aplicando novamente o Lema A3 (agora para A), que λIA − bnao e inversıvel em A. Logo, λ ∈ σA(b), como querıamos.

Devido a este teorema, e possıvel inferir a respeito do espectro de um ele-mento auto-adjunto, por exemplo, em uma C∗-algebra unital A qualquer (naonecessariamente comutativa): se a ∈ A e auto-adjunto, entao em particular enormal, de modo que podemos utilizar o Calculo Funcional construıdo acima.Pelo Calculo Funcional, temos que, como a = a∗, entao id = · (id e a fun-cao identidade sobre σC∗(a)(a)), aplicando-se o ∗-isomorfismo Λ · : C∗(a) −→C(σC∗(a)(a)) em ambos os membros, onde · denota a conjugacao complexa emC (ou, mais precisamente, em σC∗(a)). Assim, devemos ter z = z, para todoz ∈ σC∗(a). Pelo Teorema de Invariancia Espectral, concluımos que z = z, paratodo z ∈ σA(a), isto e, o espectro de a e real. Logo, a e auto-adjunto em A se,e somente se, seu espectro esta contido em R.Seguindo passos semelhantes e possıvel mostrar que

1. a ∈ A satisfaz aa∗ = a∗a = IA se, e somente se, σA(a) ⊆ z ∈ C : |z| = 1;

2. a satisfaz a∗ = a = a2 se, e somente se, σA(a) ⊆ 0, 1.

Para finalizar este resumo sobre C∗-algebras, vamos mostrar que todo ∗-homomorfismo bijetor entre duas C∗-algebras unitais e necessariamente umaisometria:

Lema A4: Seja φ : A −→ B um ∗-homomorfismo bijetor e unital entreduas C∗-algebras unitais A e B, de unidades IA e IB, respectivamente. Entao,φ e uma isometria.

Demonstracao: Seja a ∈ A. Se λIA−a ∈ G(A), entao φ(λIA−a) ∈ G(B),pois φ preserva a multiplicacao. Logo, σB(φ(a)) ⊆ σA(a) (note que isto valemesmo que φ nao seja bijetor). Portanto, r(φ(a)) ≤ r(a), para todo a ∈ A.Como ja vimos anteriormente, para todo a ∈ A, temos que r(a∗a) = ‖a∗a‖, poisa∗a e auto-adjunto em A. Logo,

‖φ(a)‖2 = ‖φ(a)∗φ(a)‖ = r(φ(a)∗φ(a)) = r(φ(a∗a)) ≤ r(a∗a) = ‖a∗a‖ = ‖a‖2,

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para todo a ∈ A. Isto mostra que ‖φ(a)‖ ≤ ‖a‖, para todo a ∈ A. Como φ−1

esta bem definido e e um ∗-homomorfismo entre C∗-algebras unitais, concluımosque ‖φ−1(b)‖ ≤ ‖b‖, para todo b ∈ B, estabelecendo o desejado.

Terminamos afirmando (sem demonstracoes) que quocientes de C∗-algebrasA por ideais fechados J ⊆ A podem se tornar C∗-algebras quando munidasdas estruturas algebricas e topologicas adequadas; tais C∗-algebras quocientessao utilizadas para estabelecer o resultado de que a imagem de qualquer ∗-homomorfismo unital entre C∗-algebras unitais e fechado na topologia da C∗-algebra que e o contradomınio. Logo, o resultado que acabamos de mostrar seestende para ∗-homomorfismos unitais injetores, isto e, eles nao precisam sernecessariamente sobrejetores.

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1 O Teorema Espectral

Antes de iniciar a demonstracao do Teorema Espectral, vamos demonstrarum teorema auxiliar que sera utilizado com frequencia, posteriormente:

Lema 1.1 (B.L.T. - Bounded Linear Transformation): Sejam X eY espacos normados nao-triviais, sendo Y completo. Se D ⊆ X e um subes-paco de X e T : D −→ Y e uma transformacao linear limitada com, digamos,‖Tx‖ ≤ C ‖x‖ para um certo C > 0 e todo x ∈ D, entao existe uma unica

transformacao linear limitada T : D −→ Y tal que T |D = T e∥∥∥T x∥∥∥ ≤ C ‖x‖,

para todo x ∈ D. Em particular, se D for denso em X, entao existe uma unica

transformacao linear limitada T : X −→ Y tal que T |D = T e∥∥∥T x∥∥∥ ≤ C ‖x‖,

para todo x ∈ X.

Demonstracao: Sejam x ∈ D e xnn∈N uma sequencia de elementos de

D tal que xn −→ x (tal sequencia existe, pois x ∈ D e todo ponto de X possuiuma base local enumeravel de abertos basicos, uma vez que X e um espacometrico). Vamos mostrar que a aplicacao dada por T x := limn Txn, esta bemdefinida, e e linear e contınua. Primeiramente, notemos que ‖Txn − Txm‖ =‖T (xn − xm)‖ ≤ C ‖xn − xm‖ ≤ C(‖xn − x‖+‖xm − x‖), para todos n,m ∈ N,o que mostra que Txnn∈N e uma sequencia de Cauchy em Y e, da completudede Y , segue a existencia do limite limn Txn (alem disso, este limite e unico, poisY e Hausdorff). Agora, se ynn∈N e uma sequencia de elementos de D tal queyn −→ x, entao ‖Txn − Tyn‖ = ‖T (xn − yn)‖ ≤ C ‖xn − yn‖ ≤ C(‖xn − x‖ +‖yn − x‖) −→ 0, o que mostra que limn(Txn−Tyn) = 0 e, portanto, limn Tyn =limn Tyn+limn(Txn−Tyn) = limn(Tyn+(Txn−Tyn)) = limn Txn. Logo, pelosargumentos anteriores em conjunto, temos que T : D −→ Y esta bem definida.T e linear, pois se z ∈ D, com znn∈N sendo uma sequencia de elementos de D

tal que zn −→ z, e α ∈ C, entao T (αx+ z) := limn T (αxn+ zn) = limn(αTxn+Tzn) = α limn Txn + limn Tzn = αTx + T z. Finalmente, T e contınua, pois‖Txn‖ ≤ C ‖xn‖, para todo n ∈ N e, pela continuidade das normas em Xe Y , obtemos, tomando limites em ambos os membros da desigualdade, que∥∥∥T x∥∥∥ = ‖limn Txn‖ = limn ‖Txn‖ ≤ limn(C ‖xn‖) = C ‖x‖. Portanto, como x

e arbitrario, concluımos que T e limitada em D ou, equivalentemente, contınuaem D (Obs.: para ver que T |D = T , tome x ∈ D e a sequencia xnn∈N tal que

xn = x, para todo n ∈ N. Entao, T x = limn Txn = limn Tx = Tx, mostrandoo desejado).

Para verificar a unicidade de tal aplicacao, suponha a existencia de umaaplicacao linear contınua G : D −→ Y tal que G|D = T . Se x ∈ D e xnn∈N euma sequencia de elementos de D tal que xn −→ x, entao da continuidade de G,segue que Gx = G(limn xn) = limnGxn = limn Txn =: T x e, da arbitrariedadede x, segue a demonstracao do resultado.

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As linhas gerais da demonstracao do teorema abaixo foram retiradas de [18].

Teorema Espectral: Se H e um espaco de Hilbert e A e um operadorlinear densamente definido em H, entao A e auto-adjunto se, e somente se,existem um espaco de medida (N,µ) positiva e uma transformacao linear uni-taria U : H −→ L2(N,µ) tal que U A U−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈L2(N,µ), onde f e uma funcao a valores reais e Borel-mensuravel em N (istoe U A U−1 = Mf , para uma certa f real e Borel-mensuravel em N ; note queN esta provido de uma certa topologia, pois senao nao faria sentido falar emfuncoes Borel-mensuraveis definidas em N).

Demonstracao: Suponhamos, primeiramente, que A e um operador linearauto-adjunto em B(H):

“O teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntoslimitados”

Defina I := [−‖A‖ , ‖A‖] e tome p ∈ P (I), p 6= 0. Vamos mostrar que‖p(A)‖ ≤ sup |p(x)| : x ∈ I.17 Seja u ∈ H, u 6= 0. Se o grau de p for n,entao considere o subespaco vetorial W := span

Aiu : 0 ≤ i ≤ n

. Como W e

fechado (pois dim W < ∞)18, podemos definir a respectiva projecao ortogonalE : H −→ W sobre ele. Note que, como E|W = (IB(H))|W e E2 = E, tem-se que p(EAE)u = p(A)u. Como W e um subespaco fechado de H, sabemosque (EAE)|W e um operador auto-adjunto em W , pela Observacao XVII dasConsideracoes Iniciais (aqui, usamos a completude do espaco W para definir oadjunto de um operador em W ). Assim, (EAE)|W possui uma base ortonormalde auto-vetores de W ,19 digamos, (ei)1≤i≤k, para um certo k =: dim W ≤n + 1, de forma que u :=

∑1≤i≤k uiei. Denotemos para cada j ∈ N, 1 ≤

j ≤ k, por λj o auto-valor relativo ao auto-vetor ej . Logo, ‖(EAE)|W ‖ =max |λi| : 1 ≤ i ≤ k, pois se 0 6= v :=

∑1≤i≤k viei, entao

‖((EAE)|W )v‖2

‖v‖2=

∥∥∥∑1≤i≤k λiviei

∥∥∥2

∥∥∥∑1≤i≤k viei

∥∥∥2 =

∑1≤i≤k |λivi|2∑

1≤i≤k |vi|2≤

max|λi|2 : 1 ≤ i ≤ k

(∑

1≤i≤k |vi|2)∑1≤i≤k |vi|2

= (max |λi| : 1 ≤ i ≤ k)2;

alem disso,‖((EAE)|W )ei‖

‖ei‖= |λi|,

17Se I 3 t 7−→ p(t) :=∑ni=0 aix

i for uma funcao polinomial com coeficientes complexos,definimos p(A) :=

∑ni=0 aiA

i

18dimW denota a dimensao algebrica de W19Este resultado que acabamos de usar e conhecido como o teorema espectral para opera-

dores lineares sobre espacos vetoriais de dimensao finita

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para todo 1 ≤ j ≤ k. Portanto, |λj | ≤ ‖(EAE)|W ‖ ≤ ‖EAE‖ ≤ ‖E‖‖A‖‖E‖ =‖A‖ (a norma de uma projecao ortogonal e 1), para todo 1 ≤ j ≤ k, o queimplica λj ∈ I, para todo 1 ≤ j ≤ k, pois os auto-valores de (EAE)|W saoreais, uma vez que (EAE)|W e auto-adjunto. Concluımos, entao, que

‖p(A)u‖ = ‖p(EAE)u‖ =

∥∥∥∥∥∥∑

1≤i≤k

ui(p(EAE)ei)

∥∥∥∥∥∥ =

∥∥∥∥∥∥∑

1≤i≤k

ui(p(λi)ei)

∥∥∥∥∥∥ =

∥∥∥∥∥∥∑

1≤i≤k

(p(λi)uiei)

∥∥∥∥∥∥ =

√ ∑1≤i≤k

|p(λi)|2|ui|2

≤ max |p(λi)| : 1 ≤ i ≤ k ‖u‖ ≤ sup |p(x)| : x ∈ I ‖u‖

e, da arbitrariedade de u, resulta ‖p(A)‖ ≤ sup |p(x)| : x ∈ I, como querıamos.Alias, como p tambem e arbitrario, temos que ‖p(A)‖ ≤ sup |p(x)| : x ∈ I,para todo p ∈ P (I) (repare que, para p = 0, o resultado e trivial).

Temos, entao, que a aplicacao P (I) 3 p ϕ7−→ p(A) ∈ B(H) e contınua. Mas,como ϕ tambem e linear, P (I) e denso em C(I) (pelo Teorema da Aproximacaode Weierstrass20) e B(H) e um espaco de Banach, sabemos que existe uma unicaaplicacao linear contınua ΦC : C(I) −→ B(H) tal que ΦC |P (I) = ϕ, pelo Lema1.1 (comecaremos, eventualmente, a usar a notacao f(A) para designar o objetoΦC(f), qualquer que seja f ∈ C(I)). Alem disso, ΦC e um ∗-homomorfismo uni-tal entre ∗-algebras (tais definicoes estao explicitadas no texto sobre C∗-algebraslogo apos as Consideracoes Iniciais):

I) se α ∈ C e f, g ∈ C(I), entao ΦC(αf + g) = αΦC(f) + ΦC(g), pois javimos que ΦC e linear;

II) sejam f, g ∈ C(I), sendo (pn)n∈N e (qn)n∈N sequencias de funcoes poli-nomiais uniformemente limitadas tais que pn −→ f e qn −→ g em C(I) (taissequencias podem sempre ser tomadas de modo que sup|pn| : n ∈ N ≤ ‖f‖∞e sup|qn| : n ∈ N ≤ ‖g‖∞). Entao, ΦC(f · g) := limn ϕ(pn · qn) = limn(pn ·qn)(A) = limn[pn(A) qn(A)] = [limn pn(A)] [limn qn(A)] = [limn ϕ(pn)] [limn ϕ(qn)] = ΦC(f) ΦC(g); a antepenultima igualdade vem de

‖pn(A) qn(A)− f(A) g(A)‖ ≤ ‖pn(A) qn(A)− pn(A) g(A)‖+

‖pn(A) g(A)− f(A) g(A)‖ ≤ ‖pn(A)‖ ‖qn(A)− g(A)‖+

‖pn(A)− f(A)‖ ‖qn(A)‖ ,

para todo n ∈ N (note a independencia do resultado relativamente a escolha dassequencias);

20Se f ∈ C(I), onde I e um intervalo compacto da reta real, entao para todo ε > 0 dadoexiste uma funcao polinomial p ∈ P (I) tal que ‖f − p‖ < ε

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III) sejam 1C(I) a funcao identicamente igual a 1 em I (veja as convencoesde notacao na Observacao III das Consideracoes Iniciais) e IB(H) a funcao iden-tidade de B(H). Entao, ΦC(1C(I)) := 1C(I)(A) = IB(H);

IV) seja f ∈ C(I) e (pn)n∈N uma sequencia de funcoes polinomiais tal quepn −→ f em C(I). Entao, como pn −→ f e ∗ : B(H) −→ B(H) e um opera-dor linear contınuo (de fato, a involucao e uma isometria em B(H)), temos queΦCf := limn pn(A) = limn(pn(A))∗ = (limn pn(A))∗ = [f(A)]∗ = (ΦCf)∗.

(Observamos que todos os resultados mostrados ate entao, e que serao mos-trados mais adiante, continuariam validos se trocassemos I por qualquer sub-conjunto compacto de R contendo o espectro de A).

Antes de prosseguir, evidenciamos o seguinte teorema (cuja demonstracao seencontra em [21]), que sera de vital importancia para o progresso da demons-tracao:

Teorema da Representacao de Riesz: Seja X um espaco localmentecompacto Hausdorff, e denotemos por Cc(X) como sendo o conjunto das funcoescontınuas a valores complexos definidas em X que possuem suporte compacto(isto e funcoes contınuas em X a valores complexos f tais que o fecho dex ∈ X : f(x) 6= 0 e um subconjunto compacto de X). Se λ : Cc(X) −→ C eum funcional linear positivo,21 entao existe uma unica medida positiva µ definidanuma σ-algebra Ω que contem a σ-algebra de Borel tal que λf =

∫Xfdµ, para

todo f ∈ Cc(X). Alem disso, tal medida satisfaz as seguintes propriedades:

1. todo K ⊆ X compacto e Ω-mensuravel e satisfaz µ(K) <∞;

2. para todo E que seja Ω-mensuravel,

µ(E) = inf µ(V ) : V ⊇ E e aberto em X ;

3. para todo U aberto em X, ou U que seja Ω-mensuravel e tenha medidafinita, tem-se que

µ(U) = sup µ(K) : K ⊆ U e um compacto de X ;

4. se E e Ω-mensuravel e µ(E) = 0, entao todo subconjunto de E e Ω-mensuravel. (em outras palavras, µ e uma medida completa)

Seja u ∈ H, e defina o funcional λu : C(I) −→ C por λu(f) =< f(A)u, u >.Entao, λu e claramente linear, pelo fato de a aplicacao ΦC ser linear e da bi-linearidade do produto interno. Alem disso, λu e um funcional linear positivo,pois se f ∈ C(I), f ≥ 0 ∈ C(I), entao existe g ∈ C(I) tal que g = g e f = g2,

21Um funcional linear λ : Cc(X) −→ C e dito ser positivo se λ(f) ≥ 0 sempre que f ≥ 0.O Teorema de Riesz possui uma outra versao, que nao exige a posividade do funcional, massim a sua continuidade

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e daı, λu(f) = 〈(g · g)(A)u, u〉 = 〈[g(A) g(A)]u, u〉 = 〈[g(A) g(A)]u, u〉 =〈g(A)(g(A)u), u〉 = 〈g(A)u, (g(A))∗u〉 = 〈g(A)u, g(A)u〉 = 〈g(A)u, g(A)u〉 ≥ 0.Logo, pelo Teorema da Representacao de Riesz, existe uma medida µu em I talque < f(A)u, u >=

∫If(x)dµu(x), para toda f ∈ C(I); Cc(I) = C(I), no nosso

caso, pois I e compacto.

Apesar de nao usarmos isto na demonstracao, note que λu tambem e contı-nuo: de fato, seja f ∈ C(I), f 6= 0 ∈ C(I) e (pn)n∈N uma sequencia de funcoespolinomiais tal que pn −→ f em C(I) e pn 6= 0 ∈ C(I) para todo n ∈ N. Entao,temos que

|〈pn(A)u, u〉|‖pn‖

≤ ‖pn(A)u‖ ‖u‖‖pn‖

≤ ‖pn(A)‖ ‖u‖2

‖pn‖≤ ‖pn‖ ‖u‖

2

‖pn‖= ‖u‖2 .

Portanto,

|λu(f)|‖f‖

=|〈[limn pn(A)]u, u〉|

‖limn pn‖= lim

n

|〈pn(A)u, u〉|‖pn‖

≤ ‖u‖2 ,

e como f era arbitraria, concluımos o desejado.

Defina, agora, o subespaco vetorial Hu := Aiu : i ∈ N ∪ 0. Vamos mos-trar, agora, que existe uma unica transformacao linear unitaria Ωu : Hu −→L2(I, µu) tal que Ωuu = 1Cµu (I) (veja as convencoes sobre notacoes na Observa-

cao IV das Consideracoes Iniciais) e Ωu A Ω−1u = MidCµu (I)

. Para isso, vamos

proceder por partes. Primeiro, note que Gu := f(A)u : f ∈ C(I) ⊆ Hu e queo conjunto Gu e denso em Hu (segundo a topologia de H), pois

spanAiu : i ∈ N ∪ 0

⊆ f(A)u : f ∈ C(I) ,

e spanAiu : i ∈ N ∪ 0

e denso em Hu, por definicao. Vamos, agora, definir

uma aplicacao Ωu : Gu −→ Cµu(I) por f(A)uΩu7−→ f . Mostremos que Ωu e uma

transformacao linear unitaria: Ωu esta bem definida, pois se f, g ∈ C(I) (note adiferenca de espacos, aqui: f e g pertencem a C(I), e nao a Cµu(I)!) e f(A)u =

g(A)u, entao (f−g)(A)u = 0 e, portanto, |f−g|2(A)u = [(f − g)·(f−g)](A)u =(f − g)(A)(f − g)(A)u = 0. Logo, 0 = 〈|f − g|2(A)u, u〉 =

∫I|f − g|2(x)dµu(x),

e concluımos que f = g em quase todo ponto de I, o que implica que f = gem Cµu(I), e Ωu esta bem definida. Que Ωu e linear e sobrejetora e obvio.Verifiquemos que Ωu preserva produto interno. De fato,

〈f(A)u, g(A)u〉 = 〈u, [f(A)]∗(g(A)u)〉 = 〈[f(A)]∗(g(A)u), u〉 = 〈f(A)(g(A)u), u〉

= 〈(f · g)(A)u), u〉 =

∫I

(f · g)(x)dµu(x) =

∫I

(f · g)(x)dµu(x) =∫I

(f · g)(x)dµu(x) = 〈f, g〉,

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para quaisquer f, g ∈ Cµu(I). Isto tambem mostra a injetividade.

Para terminar a demonstracao da existencia de Ωu vamos precisar do:

Lema 1.2: Sejam H1 e H2 espacos de Hilbert nao-triviais. Se existemD ⊆ H1 um subespaco denso de H1, E ⊆ H2 um subespaco denso de H2 e umatransformacao linear unitaria U : D −→ E, entao existe uma unica aplicacaolinear unitaria U tal que U : H1 −→ H2 e U |D = U .

Demonstracao: Ja sabemos pelo Lema 1.1 que, se definirmos U por Ux :=limn Uxn, para cada x ∈ H1, onde xnn∈N e uma sequencia de elementos de

D tal que xn −→ x, entao U sera uma aplicacao linear e contınua de H1 emH2 que estende U . Basta, entao, mostrar que U preserva o produto interno,e bijetora, e que so existe uma aplicacao unitaria que satisfaz tal propriedade.Sejam x, y ∈ H1 e xnn∈N, ymm∈N sequencias de elementos de D tais quexn −→ x e ym −→ x. Entao,

< Ux, Uy >=< limnUxn, lim

mUym >= lim

m< lim

nUxn, Uym >=

limm

(limn< Uxn, Uym >) = lim

m(limn< xn, ym >) = lim

m< lim

nxn, ym >=

< limnxn, lim

mym >=< x, y >,

e isso mostra que U preserva o produto interno (em particular, esta mostradoque U e injetora). Para mostrar a sobrejetividade de U vamos usar que E e densoem H2 e a completude de H1 como espaco metrico. Seja z ∈ H2 e znn∈N umasequencia de elementos de E tal que zn −→ z. Da sobrejetividade de U , sabemosque existe wn ∈ D tal que zn = Uwn, para todo n ∈ N. Como ‖wn − wm‖ =‖U(wn − wm)‖ = ‖Uwn − Uwm‖, para quaisquer m,n ∈ N, e Uwnn∈N e umasequencia de Cauchy em H2 (pois e convergente em H2), concluımos que existew ∈ H1 tal que limwn := w, pois H1 e completo. Entao, da continuidade de Uem H1 vem que Uw = U(limn wn) = limn Uwn = limn Uwn = limn zn = z. Aunicidade segue do Lema 1.1, ja que U e unitaria e, portanto, contınua em D.

Voltemos a demonstracao.

Notando que Gu e denso em Hu e que Cµu(I) e denso em L2(I, µu), ve-

mos que de fato existe uma unica transformacao linear unitaria Ωu : Hu −→L2(I, µu) tal que Ωu|Gu = Ωu, pelo Lema 1.2. Alem disso, Ωuu = 1Cµu (I), pela

definicao de Ωu e Ωu A Ω−1u = MidCµu (I)

: de fato, sejam f ∈ L2(I, µu) e

fnn∈N uma sequencia de funcoes contınuas tais que fn −→ f em L2(I, µu).Entao,

(Ωu A Ω−1u )(f) = Ωu(A(lim

nΩ−1u (fn))) = Ωu(A(lim

n[fn(A)u])) =

Ωu(limn

[Afn(A)u]) = Ωu(limn

[idC(I) · fn](A)u) =

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limn

Ωu([idC(I) · fn](A)u) = limn

(idCµu (I) · fn) = idCµu (I) · f =

MidCµu (I)(f),

onde a penultima igualdade (∗) vem de∥∥idCµu (I)(fn)− idCµu (I)(f)∥∥2

=

∫x∈I|x(fn(x)− f(x))|2dµuα ≤

‖A‖∫x∈I|(fn(x)− f(x))|2dµu −→ 0.

Agora usaremos o Lema de Zorn para decompor H como uma soma di-reta de subespacos fechados e dois-a-dois ortogonais. Tomemos uma indexa-cao (bijetora) de H, θ : S 7−→ H, θ : α 7−→ uα, e consideremos o conjuntoΣ :=

B ∈ ℘(S) : (α, β ∈ B,α 6= β) =⇒ (Huα⊥Huβ )

(lembre-se da definicao

de Hu dada acima), com uma ordem parcial definida pela inclusao “⊆” (vejaque Σ e nao-vazio). Seja ∆ ⊆ Σ uma cadeia em Σ. Entao,

⋃∆ e uma cota

superior de ∆ (note que⋃

∆ ∈ Σ, pois se α, β ∈⋃

∆, α 6= β, entao existemBα, Bβ ∈ ∆ tais que α ∈ Bα e β ∈ Bβ ; mas, como ∆ e uma cadeia, deve-mos ter Bα ⊆ Bβ ou Bβ ⊆ Bα. Suponhamos, sem perda de generalidade, queBα ⊆ Bβ . Assim, α, β ∈ Bβ , e Huα⊥Huβ pela definicao de Bβ). Concluımos,entao, pelo Lema de Zorn, que Σ possui um elemento maximal, M . Afirmamosque H = ⊕α∈MHuα (note que aqui fizemos uma identificacao entre o espaco dassomas finitas de elementos dos subespacos Huα e o espaco ⊕α∈MHuα , via umaaplicacao unitaria canonica - observe a definicao presente no Fato 7, a), das Con-sideracoes Iniciais; adotaremos tal identificacao para o resto da demonstracao).Suponhamos, por absurdo, que H 6= ⊕α∈MHuα . Entao, existe w 6= 0 tal quew ∈ (⊕α∈MHuα)⊥. Mas ⊕α∈MHuα e A-invariante, pois se x ∈ ⊕α∈MHuα entaoexistem subconjuntos finitos Fm ⊆ M,m ∈ N de modo que xm :=

∑α∈Fm vα,

com vα ∈ Huα e (xm)m∈N e uma sequencia de elementos de ⊕α∈MHuα queconverge para x (note que todo ponto de ⊕α∈MHuα possui uma base local enu-meravel de abertos). Entao,

Ax = A(limmxm) = lim

mA(xm) = lim

mA(∑α∈Fm

vα) = limm

∑α∈Fm

Avα

e, como∑α∈Fm Avα ∈ ⊕α∈MHuα , para todo m ∈ N (pois cada Huα e A-

invariante), temos que ⊕α∈MHuα e A-invariante. Como A e auto-adjuntoem H, (⊕α∈MHuα)⊥ tambem e A-invariante. Logo,

Aiw : i ∈ N ∪ 0

(⊕α∈MHuα)⊥ e, consequentemente, Aiw : i ∈ N ∪ 0 ⊆ (⊕α∈MHuα)⊥, pois(⊕α∈MHuα)⊥ e fechado. Mas, entao, concluımos que Hw ⊥Huα , para todoα ∈ M e, como w = uβ , para algum β ∈ S −M (uma vez que w /∈ Huα , paratodo α ∈ M), contradissemos a maximalidade de M . Assim, segue que temosde fato a identificacao H = ⊕α∈MHuα .

Definindo Ω : ⊕α∈MHuα −→ ⊕α∈ML2(I, µuα) por

Ω(vα)α∈M := (Ωuαvα)α∈M ,

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obtemos uma aplicacao linear unitaria Ω. Novamente, devido ao Lema 1.2,podemos estender Ω a uma unica aplicacao linear unitaria

Ω : ⊕α∈MHuα −→ ⊕α∈ML2(I, µuα),

sendo⊕α∈ML2(I, µuα)

o completamento de espacos de Hilbert de ⊕α∈ML2(I, µuα), e que coincidecom o espaco l2 construıdo na Observacao XXI das Consideracoes Iniciais.O produto interno em ⊕α∈ML2(I, µuα) e definido por 〈(fα)α∈M , (gα)α∈M 〉 :=∑α∈M 〈fα, gα〉, quaisquer que sejam (fα)α∈M , (gα)α∈M ∈ ⊕α∈ML2(I, µuα).

Para terminar a demonstracao desta implicacao no caso em que A e um ope-rador linear contınuo, precisamos construir uma transformacao linear unitariade ⊕α∈ML2(I, µuα) num certo espaco L2(N,µ), para algum conjunto N e al-guma medida µ. Definamos N :=

⋃α∈M (α, x) : x ∈ I = M × I (em qualquer

contexto futuro que necessite de uma estrutura topologica, M sempre possuiraa topologia discreta), e considere a σ-algebra em N como sendo o conjuntodos E ⊆ M × I tais que πα(E ∩ (α × I)) e um subconjunto mensuravel deI, para todo α ∈ M , onde πα : α × I −→ I e a projecao em I, definidapor πα(α, x) = x, para todo (α, x) ∈ α × I. Defina, tambem, a medidanesta σ-algebra por µ(E) =

∑α∈M µuα(πα(E ∩ (α × I))). Podemos definir

uma aplicacao Ψ que transforma cada elemento (fα)α∈M de∏α∈M L2(I, µuα)

em uma classe de equivalencia f de CM×I segundo a medida µ, definida porf(α, x) := fα(x), para cada α ∈M , para todo x ∈ I. Note que, devido a propriadefinicao de µ, tal aplicacao esta bem definida - logo abaixo vamos mostrar que,em particular, Ψ transforma cada elemento (fα)α∈M de ⊕α∈ML2(I, µuα) em

uma funcao f de L2(N,µ), considerando-se que temos a descricao explıcita de⊕α∈ML2(I, µuα) dada por

⊕α∈ML2(I, µuα) =

(fα)α∈M ∈

∏α∈M

L2(I, µuα) :∑α∈M

‖fα‖2 <∞

(pelo Fato 7, a), com p = 2). Vamos mostrar que Ψ e tal que Im(Ψ) ⊆ L2(N,µ),e que esta aplicacao preserva produto interno. De fato, vamos mostrar que Ψpreserva normas. Se (fα)α∈M ∈ ⊕α∈ML2(I, µuα), entao

‖(fα)α∈M‖2 :=∑α∈M

∫I

|fα(x)|2dµuα =(∗)

∑α∈M

∫α×I

|f(α, x)|2dµ =(∗∗)∫M×I

|f(α, x)|2dµ =:

‖f‖2.

Vamos mostrar que (∗) e (∗∗) sao verdadeiras:

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1. se α e fixado e E ⊆ α × I, entao

µ(E) = µuα(x ∈ I : (α, x) ∈ E) = µuα(πα(E));

se α e fixado e F ⊆ I, entao

µuα(F ) = µuα(x ∈ I : (α, x) ∈ π−1

α (F )

) = µ(α × F ).

Portanto, como tambem |f(α, x)|2 = |fα(x)|2, para cada α ∈M , para todo

x ∈ I, temos∫α×I |f(α, x)|2dµ =

∫I|fα(x)|2dµuα , para todo α ∈M , pela

definicao de integral. Como‖fα‖2 =

∫I|fα(x)|2dµuα

α∈M e somavel em

R, concluımos pelo Fato 2 das Consideracoes Iniciais que∑α∈M

∫I

|fα(x)|2dµuα = sup∑α∈F

∫α×I

|fα(x)|2dµuα , F ⊆M finito.

Finalmente, como

∞ > sup∑α∈F

∫I

|fα(x)|2dµuα , F ⊆M finito =

sup∑α∈F

∫α×I

|f(α, x)|2dµ, F ⊆M finito,

concluımos pelo Fato 1 que

sup∑α∈F

∫α×I

|f(α, x)|2dµ, F ⊆M finito =∑α∈M

∫α×I

|f(α, x)|2dµ

e que a famılia∫α×I |f(α, x)|2dµ

α∈M

e somavel em R. Estes argu-

mentos mostram (∗);

2. pelos Fatos 3 e 4, sabemos que so existe uma quantidade enumeravel deelementos desta famılia diferentes de 0. Como todos os seus elementossao positivos e µ e uma medida positiva, podemos aplicar o teorema derearranjo de Riemann para series numericas e o Teorema da ConvergenciaMonotona para concluir que∑

α∈M

∫α×I

|f(α, x)|2dµ =

∫M×I

|f(α, x)|2dµ.

Isto conclui (∗∗).

Mostrou-se, entao, que Im(Ψ) ⊆ L2(N,µ), e que Ψ preserva produto interno,pela identidade de polarizacao. Usando a definicao de Ψ e o fato se ela ser umaisometria vemos que ela e sobrejetora. Alem disso, pelo fato de Ψ ser uma iso-metria vemos que e, em particular, injetora.

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Logo, a aplicacao definida por Ψ Ω =: U : H −→ L2(N,µ) e unitaria (poise a composicao de duas aplicacoes unitarias). Vamos mostrar que U satisfazU A U−1 : Dom(Mw) 3 g 7−→ w · g ∈ L2(N,µ), onde w e uma funcao realem µ-quase toda parte e Borel-mensuravel em N (na verdade, vamos mostrar,

ainda, que w = h, onde h := (idCµuα (I))α∈M , isto e, w age como “copias”

da identidade em cada “nıvel” α). Tome L2(N,µ) 3 Ψ((fα)α∈M ) := f . PeloFato 7, a), sabemos que existe uma sequencia lnn∈N em ⊕α∈ML2(I, µuα) talque ln −→ (fα)α∈M , de forma que existe para cada n ∈ N um conjunto finitoFn ⊆ M tal que ln :=

∑α∈Fn f

nα com fnα 6= 0, se α ∈ Fn e fnα = 0, caso

contrario. Alem disso, dado n ∈ N, para cada α ∈ Fn existe uma sequenciahn,mα m∈N em Cµuα (I) tal que hn,mα −→ fnα . Logo,

(A U−1)(f) = A(Ω−1Ψ−1(f)) = A(Ω−1(fα)α∈M ) = A(Ω−1(limnln)) =

A(limn

Ω−1ln) = A(limn

Ω−1(∑α∈Fn

fnα )) = A(limn

∑α∈Fn

Ω−1(fnα )) =

A(limn

∑α∈Fn

Ω−1(limmhn,mα )) = A(lim

n

∑α∈Fn

limm

Ω−1(hn,mα )) =

limnA(∑α∈Fn

limmhn,mα (A)uα) = lim

nlimm

∑α∈Fn

(A hn,mα (A))uα) =

limn

limm

∑α∈Fn

(idC(I) · hn,mα )(A)uα.

Portanto,

(U A U−1)(f) = Ψ(limn

limm

∑α∈Fn

Ω((idC(I) · hn,mα )(A)uα)) =

Ψ(limn

limm

∑α∈Fn

idCµuα (I) · hn,mα ) = Ψ(limn

∑α∈Fn

limm

(idCµuα (I) · hn,mα )) =

Ψ(limn

∑α∈Fn

(idCµuα (I) · fnα )) =(∗) Ψ((idCµuα (I) · fα)α∈M ) =

w · f .

A penultima igualdade (∗) vem do fato que∥∥∥(idCµuα (I) · fnα )α∈Fn − (idCµuα (I) · fα)α∈M

∥∥∥2

=∑α∈M

∥∥∥idCµuα (I) · (fnα − fα)∥∥∥2

‖A‖2∑α∈M

‖fnα − fα‖2 −→ 0,

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onde a desigualdade vem de∥∥∥idCµuα (I) · (fnα − fα)∥∥∥ =

(∫I

|idCµuα (I)|2|fnα − fα|2dµα)1/2

≤ ‖A‖ ‖fnα − fα‖ ,

para cada α ∈M , e do fato que

sup

∑α∈F

∥∥∥idCµuα (I) · (fnα − fα)∥∥∥ : F ⊆M e finito

sup

∑α∈F‖A‖ ‖fnα − fα‖ : F ⊆M e finito

=

‖A‖ sup

∑α∈F‖fnα − fα‖ : F ⊆M e finito

.

Agora, os Fatos 1 e 2 se encarregam de dar a conclusao desejada.

Finalizamos, assim, o teorema espectral para operadores lineares limitadosauto-adjuntos. Antes de progredirmos para a demonstracao no caso em que Ae um operador linear nao necessariamente limitado, vamos tentar dar sentidoa expressao f(A), com f ∈ B(R) e A sendo um operador linear limitado auto-adjunto, atraves do homomorfismo ΦB : f 7−→ f(A). Posteriormente, vamosdemonstrar o teorema espectral para operadores normais. Para tanto, vamosutilizar a construcao feita para demonstrar o teorema espectral para operadoreslineares limitados auto-adjuntos.

“O Calculo Funcional Boreliano relativamente a operadores linearesauto-adjuntos limitados”

Defina ΦB : B(R) 3 f 7−→ U−1 Mf U ∈ B(H), onde f e definida por

f(α, x) := f(x), para todo (α, x) ∈ N , isto e, f := f w, w como antes (noteque f e Borel-mensuravel). Se u ∈ H, denote U(u) := u.

DefinamosSP := f ∈ B(R) : f |I ∈ P (I)

eSC := f ∈ B(R) : f |I ∈ C(I) ,

notando que sao subespacos vetoriais de B(R). Como A = U−1MwU , temosque p(A) = U−1MpwU , para todo p ∈ P (I). Para cada p ∈ P (I), associeum elemento pB ∈ SP tal que pB |I = p (note que tal elemento existe, fazendopB(x) = 0 em R\I, por exemplo). Entao, pela definicao de w, temos que pBw =p w, de modo que p(A) = Φ−1MpBwΦ. Associe, tambem, para cada f ∈ C(I)um elemento fB ∈ SC tal que fB |I = f (note, novamente, que tal elemento

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existe, fazendo fB(x) = 0 em R\I, por exemplo). Tomando uma sequenciapnn∈N de funcoes polinomiais em I que aproximam uniformemente f , vemos

quepBn w

n∈N e uma sequencia de funcoes que aproxima uniformemente fB

w, poissupy∈N|((pBn − fB) w)(y)| = sup

x∈I|(pn − f)(x)|,

para todo n ∈ N. Logo,

‖U−1MpBn wU − U−1MfBwU‖ = ‖MpBn w −MfBw‖ ≤

‖(pBn − fB) w‖∞ ≤(∗) supy∈N|((pBn − fB) w)(y)| = sup

x∈I|(pn − f)(x)|.

Em (∗) foi usado o seguinte fato: se g ∈ L∞(N,µ) e M > 0, entao ‖g‖∞ ≤ Mse, e somente se, g(x) ≤ M em µ-quase toda parte de N . Como pn(A) =U−1MpBn wU , para todo n ∈ N e pn(A) −→ f(A) em B(H), temos que

f(A) = U−1MfBwU.

Tome f ∈ SC . Entao,f |I(A) = U−1MfwU.

Isto mostra que ΦB(f) so depende do comportamento de f sobre I, para todaf ∈ SC .

Temos que ΦB e uma aplicacao satisfazendo as seguintes propriedades:

1. ΦB(f) = f |I(A) = ΦC(f |I), qualquer que seja f ∈ SC , de modo queque ΦB e uma especie de extensao de ΦC (lembre-se da definicao do ∗-homomorfismo ΦC , definido no comeco da demonstracao do Teorema Es-pectral).

2. ΦB e um ∗-homomorfismo unital entre algebras com involucao: sejamf, g ∈ B(R) e z0 ∈ C. Entao

• ΦB(f + z0g) = U−1Mf+z0gU = U−1(Mf + z0Mg)U =

U−1MfU + z0(U−1MgU) = ΦB(f) + z0ΦB(g),

• ΦB(f)ΦB(g) = (U−1MfU)(U−1MgU) = U−1MfMgU =

U−1Mf ·gU = ΦB(f · g) e

• ΦB(1B(R)) = IB(H). Alem disso,

(ΦB(f))∗ =(∗) U∗M∗f

(U−1)∗ = U−1M∗fU =

U−1MfU = ΦB(f),

ja que U e unitario (a justificativa para (∗) esta na Observacao XVIIIdas Consideracoes Iniciais).

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3. se hnn∈N e uma sequencia de funcoes uniformemente limitada em B(R)que converge pontualmente para h ∈ B(R), entao ΦB(hn)u converge paraΦB(h)u, para todo u ∈ H. De fato, se u ∈ H, entao∥∥Mhn

U(u)−MhU(u)∥∥2

=

∫N

|(hn − h)2u2|dµ −→ 0,

pelo Teorema da Convergencia Dominada (note que a convergencia pon-

tual de hnn∈N para h acarreta a convergencia pontual dehn

n∈N

para

h). Assim, pela continuidade de U , vem o resultado.

Podemos melhorar a definicao f(A) := U−1 Mf U , para toda f ∈ B(R),ao mostrar que tal definicao nao depende do operador unitario U . Suponhamos,entao, que Λ1 e Λ2 sao aplicacoes de B(R) em B(H) satisfazendo:

1. Λ1(f) = Λ2(f), qualquer que seja f ∈ SC ;

2. Λ1 e Λ2 sao ∗-homomorfismos unitais;

3. se hnn∈N e uma sequencia de funcoes uniformemente limitada em B(R)que converge pontualmente para h ∈ B(R), entao Λi(hn)u converge paraΛi(h)u, para todo u ∈ H, para i = 1, 2.

Mostraremos que Λ1 = Λ2.

SejamB := B ⊆ R : B pertence a σ − algebra de Borel

eJ := B ∈ B : Λ1(χB) = Λ2(χB) ,

onde χB denota a funcao caracterıstica relativa ao boreliano B.

Vamos mostrar que J ⊇ B (E, portanto, vamos mostrar que J e igual aσ-algebra de Borel).

J e uma σ-algebra:

• R ∈ J , pois Λ1 e Λ2 sao unitais;

• se B ∈ J , entao R\B ∈ J , pois Λ1(χR\B) = Λ1(1B(R)−χB) = Λ1(1B(R))−Λ1(χB) = Λ2(1B(R))− Λ2(χB) = Λ2(1B(R) − χB) = Λ2(χI\B);

• sejam u ∈ H e Enn∈N uma sequencia em J . Queremos mostrar que(⋃n∈NEn) ∈ J . Pelo passo anterior, podemos sem perda de generalidade

supor que Ei ∩ Ej = ∅, se i 6= j. Se n ∈ N, entao

Λ1(

i=n∑i=1

χEi)u =

i=n∑i=1

Λ1(χEi)u =

i=n∑i=1

Λ2(χEi)u =

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Λ2(

i=n∑i=1

χEi)u.

Logo, como∑i=ni=1 χEi converge pontualmente para χ⋃

n∈N En, concluımos

que

Λ1(χ⋃n∈N En

)u = limn

Λ1(

i=n∑i=1

χEi)u = limn

Λ2(

i=n∑i=1

(χEi))u =

Λ2(χ⋃n∈N En

)u.

Da arbitrariedade de u, segue o resultado.

J contem todos os intervalos abertos da reta real: se L ⊆ R e um intervalo,pode-se facilmente construir uma sequencia de funcoes hnn∈N em SC queconverge pontualmente para χL. Logo, se v ∈ H, teremos que

limn

Λ1(hn)v = Λ1(χL)v

elimn

Λ2(hn)v = Λ2(χL)v.

Por outro lado,Λ1(hn) = hn|I(A) = Λ2(hn),

para todo n ∈ N e, portanto, Λ1(χL)v = Λ2(χL)v. Concluımos, entao, queJ ⊇ B, pela definicao da σ-algebra de Borel. Assim, Λ1 e Λ2 coincidem sobre asfuncoes caracterısticas de borelianos da reta real e, portanto, pela linearidade detais aplicacoes, elas coincidem tambem sobre as funcoes simples de borelianos deR. Como toda funcao positiva de B(R) e limite pontual de funcoes simples deborelianos de R, concluımos que Λ1 e Λ2 coincidem sobre as funcoes positivasde B(R). Novamente devido a linearidade de Λ1 e Λ2, concluımos que estasaplicacoes coincidem sobre B(R).

Logo, a expressao f(A) esta bem definida, qualquer que seja f ∈ B(R), in-dependentemente de U . Em particular, χB(A) esta bem definida, para todoB ⊆ R boreliano. Chamaremos o ∗-homomorfismo ΦB de “Calculo FuncionalBoreliano”.

χB(A) e auto-adjunto, para todo B ⊆ R boreliano, uma vez que (χB(A))∗ =χB(A) = χB(A). Alem disso, χB(A) tambem e uma projecao, pois χB(A) χB(A) = (χB ·χB)(A) = χB(A). Portanto, pela Observacao XVII das Conside-racoes Iniciais, χB(A) e a projecao ortogonal sobre sua imagem (χB(A) e deno-minada a projecao espectral de A relativa ao boreliano B e, como a aplicacaoB 7−→ χB(A) possui certas propriedades que lembram uma medida, ela e cha-mada de medida espectral). Para ver que a comutatividade de dois operadores

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lineares limitados e auto-adjuntos A1 e A2 implica a comutatividade dos opera-dores χB1(A1) e χB2(A2), quaisquer que sejam B1, B2 ⊆ R borelianos, precisa-mos primeiro definir o conjunto J ′ := B ⊆ R : A1 χB(A2) = χB(A2) A1 emostrar que ele contem o conjunto B, definido acima. Para ver que J ′ e umaσ-algebra, basta argumentar de maneira analoga a feita acima. Para ver queJ ′ contem os intervalos abertos, procedemos da seguinte forma: primeiro, ob-servamos que A1 comuta com operadores da forma p(A2), com p ∈ SP , pois jaobservamos que p(A2) = p|I(A2), na pagina 53, e A1 claramente comuta comp|I(A2). Como toda funcao de Cc(R) ⊆ SC e limite uniforme de elementos deSP e

(pn − f)(A2) = (pn − f)|I(A2) = ΦC(pn|I − f |I) −→ 0,

sempre que f ∈ Cc(R) e pnn∈N for uma sequencia de funcoes em SP queconverge uniformemente a f (pelo item 1, na pagina 53), temos que A1f(A2) =f(A2) A1, para toda f ∈ Cc(R). Finalmente, como toda funcao caracterısticarelativa a um intervalo limitado e limite pontual de funcoes de Cc(R), temospelo item 3 (pagina 54) que

A1 χL(A2) = χL(A2) A1,

para todo intervalo aberto e limitado, L. Isto mostra que J ′ ⊇ B. Para fi-nalmente mostrarmos o que queremos, basta fixar um operador limitado auto-adjunto C que comuta com A1 e repetir os mesmos passos que acabamos defazer para ver que

B ⊆ R : χB(A1) C = C χB(A1) ⊇ B.

Em particular, fixando um boreliano da reta, B2, mostramos que

B ⊆ R : χB(A1) χB2(A2) = χB2(A2) χB(A1) ⊇ B.

Um passo intermediario para mostrarmos o teorema espectral para operado-res nao-limitados e mostrarmos antes uma versao sua para operadores normaise, para esse fim, precisaremos do:

“Teorema espectral para n-uplas de operadores linearesauto-adjuntos que comutam dois a dois”

Sejam n ∈ N, n ≥ 1, e Ai ∈ B(H) : 1 ≤ i ≤ n um conjunto finito de ope-radores lineares auto-adjuntos limitados que comutam dois a dois. Defina

Ii := [−‖Ai‖ , ‖Ai‖], I :=∏

1≤i≤n

Ii

e S como sendo a famılia dos conjuntos da forma∏

1≤i≤nBi onde Bi e umsubconjunto boreliano de Ii, para todo 1 ≤ i ≤ n. Note que S e uma semi-algebra em I (veja a definicao na Observacao XXII das Consideracoes Iniciais).

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Defina, agora, V := spanχB : B ∈ S e A(S) como sendo a algebra geradapor S. Defina tambem o subconjunto W das funcoes g :=

∑1≤j≤m ajχBj de

V que possuem a propriedade de os Bj ’s serem elementos de S dois a dois dis-juntos. Vamos mostrar que, na verdade, tem-se W = V. Note que W contemos geradores de V. Logo, a demonstracao estara concluıda se mostrarmos queW e um espaco vetorial (para mostrar isto, sera importante o fato de A(S) seruma algebra). Com este fim, mostraremos que o conjunto F das funcoes sim-ples A(S)-mensuraveis (isto e, as funcoes f que possuem um conjunto-imagemfinito e tais que f−1[c] e um conjunto pertencente a A(S)), que e um es-paco vetorial sobre C, coincide com W. A inclusao W ⊆ F e imediata. Paraver a outra inclusao, tome f ∈ F . Entao f e uma combinacao linear finitade funcoes caracterısticas de conjuntos de A(S), sendo estes conjuntos dois adois disjuntos. Tais conjuntos sao, a saber, da forma f−1[c], com c variandono conjunto-imagem de f . Agora, pelo resultado demonstrado na ObservacaoXXII das Consideracoes Iniciais, sabemos que cada conjunto f−1[c], com cpertencente ao conjunto-imagem de f , e uma uniao disjunta de elementos de S.Logo, f e uma combinacao linear de funcoes caracterısticas relativas a conjuntosdois a dois disjuntos de S. Isto estabelece a outra inclusao e mostra o resultadodesejado.

Vamos definir agora, para cada funcao f := χB deW, com B :=∏

1≤k≤nBk,

o operador (χB)(A1, ..., An) :=∏

1≤k≤n χBk(Ak),22 e estenda esta definicaopara todas as funcoes de W por linearidade. Notemos que tal construcao e bemdefinida: suponha que f :=

∑1≤i≤p biχBi e g :=

∑1≤j≤q cjχCj sao elemen-

tos de W tais que f = g. Suponha tambem, sem perda de generalidade, que⋃1≤i≤pB

i =⋃

1≤j≤q Cj = I (alias, sempre que escrevermos um elemento de

W por extenso, faremos esta convencao; faremos tambem a convencao de que,sempre que for escrita por extenso uma funcao de W, nenhum dos elementos deS relativos aos quais foi escrita tal funcao seja o conjunto vazio).Note que para cada 1 ≤ j ≤ q fixado,

∑1≤i≤p biχBi∩Cj = cjχCj : se x ∈ I nao

pertence a Cj , entao

(∑

1≤i≤p

biχBi∩Cj )(x) = 0 = (cjχCj )(x).

Se x ∈ Cj , entao existe um, e somente um, 1 ≤ i0 ≤ p tal que x ∈ Bi0 ∩ Cj ,pois tais Bi’s sao dois a dois disjuntos e

⋃1≤i≤pB

i = I. Mas como por hipotese∑1≤i≤p biχBi =

∑1≤j≤q cjχCj , temos que

bi0 = cj .

Portanto, (∑

1≤i≤p biχBi∩Cj )(x) = bi0χBi0∩Cj (x) = bi0 = cj = (cjχCj )(x). Istoestabelece a igualdade desejada.

22Note que tais operadores estao bem-definidos, pois χBi (Ai) e χBj (Aj) comutam entre si,como ja provamos

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Concluımos, entao, que

f(A1, ..., An) =∑

1≤i≤p

(biχBi)(A1, ..., An) =∑

1≤i≤p

(∑

1≤j≤q

biχBi∩Cj )(A1, ..., An) =

∑1≤i≤p

∑1≤j≤q

biχBi∩Cj (A1, ..., An) =∑

1≤j≤q

∑1≤i≤p

biχBi∩Cj (A1, ..., An) =

∑1≤j≤q

(∑

1≤i≤p

biχBi∩Cj )(A1, ..., An) =∑

1≤j≤q

cjχCj (A1, ..., An) = g(A1, ..., An),

mostrando que a aplicacao

ΛI :W 3 f 7−→ f(A1, ..., An) ∈ B(H)

esta bem definida. Alem disso, tal aplicacao e claramente linear. Vamos mostrarque ela e contınua. Como B(I) e um espaco normado (completo) e B(H) e umespaco de Banach, vamos mostrar que a aplicacao ΛI se estende linearmente econtinuamente para seu fecho em B(I), utilizando o Lema 1.1 (B.L.T.). Escolhaum elemento f :=

∑1≤i≤p biχBi de W, e vamos mostrar que ‖f(A1, ..., An)‖ ≤

supx∈I |f(x)| = ‖f‖∞.23

Sejam Pi := χBi(A1, ..., An), para 1 ≤ i ≤ p. Entao Pi1≤i≤p e uma colecaode projecoes auto-adjuntas duas a duas ortogonais e, portanto, o operador P :=∑

1≤i≤p Pi tambem e uma projecao auto-adjunta. Logo, P e IB(H)−P tambemsao ortogonais e

‖u‖2 = ‖Pu+ (u− Pu)‖2 = ‖Pu‖2 + ‖u− Pu‖2,

para todo u ∈ H. Assim, se u ∈ H, ‖Pu‖2 =∑

1≤i≤p ‖Piu‖2 e

‖f(A1, ..., An)u‖2 = ‖∑

1≤i≤p

biχBi(A1, ..., An)u‖2 =

∑1≤i≤p

|bi|2‖χBi(A1, ..., An)u‖2

≤ (max|bi| : 1 ≤ i ≤ p)2∑

1≤i≤p

‖χBi(A1, ..., An)u‖2 =

(max|bi| : 1 ≤ i ≤ p)2‖Pu‖2 ≤ (max|bi| : 1 ≤ i ≤ p)2(‖Pu‖2+‖u−Pu‖2) =

(max|bi| : 1 ≤ i ≤ p)2‖u‖2.

Para terminar a demonstracao da desigualdade em questao, basta mostrar quemax|bi| : 1 ≤ i ≤ p = ‖f‖∞. Se x ∈ I, entao existe um, e somente um,1 ≤ i0 ≤ p tal que x ∈ Bi0 (lembre-se que convencionamos que

⋃1≤i≤pB

i = I).Logo, |f(x)| = |bi0 | ≤ max|bi| : 1 ≤ i ≤ p, e a arbitrariedade de x ∈ I implica‖f‖∞ ≤ max|bi| : 1 ≤ i ≤ p. Para cada 1 ≤ i ≤ p existe um xi ∈ Bi tal que

23E esta a estimativa que mencionamos na Introducao

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|f(xi)| = |bi| (lembre-se que, pelo que convencionamos, Bi 6= ∅, para todo 1 ≤i ≤ p). Isto estabelece que existe x ∈ I tal que |f(x)| = max|bi| : 1 ≤ i ≤ p.Concluımos, portanto, que

max|bi| : 1 ≤ i ≤ p = ‖f‖∞,

como querıamos. Isto conclui a demonstracao de que

‖f(A1, ..., An)‖ ≤ ‖f‖∞,

qualquer que seja f ∈ W.

Para podermos finalmente aplicar o Lema 1.1, precisamos mostrar que todafuncao f := u+iv ∈ C(I) e limite uniforme de elementos deW. Para tanto, sejaε > 0. Como I e compacto, u e v sao uniformemente contınuas em I e, portanto,existe δ > 0 tal que x, y ∈ I, |x − y| < δ implica |u(x) − u(y)| < ε/2 e |v(x) −v(y)| < ε/2. Vamos construir uma funcao s ∈ W que seja uma combinacao linearde funcoes caracterısticas de hiperparalelepıpedos (nao necessariamente con-tendo suas respectivas fronteiras) e que satisfaca sup |s(x)− f(x)| : x ∈ I < ε.Para tanto, fixe k ∈ N tal que (max 2‖Ai‖/k : 1 ≤ i ≤ n)

√n < 2δ. Fa-

zendo isso, temos a pretensao de construir kn hiperparalelepıpedos, de dimen-soes 2‖Ai‖/k, 1 ≤ i ≤ n, de modo que cada um deles esteja contido em umabola aberta de raio δ. Esta ultima exigencia e satisfeita devido a desigualdade(max 2‖Ai‖/k : 1 ≤ i ≤ n)

√n < 2δ, que nada mais e do que impor que a “di-

agonal” do hipercubo de lado max 2‖Ai‖/k : 1 ≤ i ≤ n seja menor do que odiametro da bola de raio δ. Isto de fato e suficiente, pois se x = (xj)1≤j≤n e umponto de um tal hiperparalelepıpedo centrado num ponto p = (pj)1≤j≤n, entao

‖x− p‖ =

√ ∑1≤j≤n

|xj − pj |2 ≤√ ∑

1≤j≤n

‖Aj‖2/k2 ≤

√n(max ‖Aj‖/k : 1 ≤ j ≤ n)2 =

√n(max ‖Aj‖/k : 1 ≤ j ≤ n) < δ.

Portanto, todos os hiperparalelepıpedos em questao estao contidos em uma bolaaberta de raio δ. Estando estabelecidos quais sao os comprimentos das dimen-soes dos hiperparalelepıpedos, vamos construir os lados destes, de modo querecubram I. Cada intervalo Ij , 1 ≤ j ≤ n, esta dividido em k segmentos com-

pactos de mesmo comprimento, Iljj , 1 ≤ lj ≤ k. Entao definiremos cada hiperpa-

ralelepıpedo como sendo da forma∏

1≤j≤n Iljj , onde cada lj e um inteiro entre 1

e k. Tome uma enumeracao destes hiperparalelepıpedos compactos Pi1≤i≤kn .

Vamos agora, obter uma colecao de hiperparalelepıpedosPi

1≤i≤kn

(nao ne-

cessariamente compactos) de forma que continuem recobrindo I, mas sejamdois a dois disjuntos. Defina P1 := P1 e, para cada 2 ≤ i ≤ kn, definaPi := Pi\

⋃1≤j≤i−1 Pj . Entao, vemos que

⋃1≤i≤kn Pi = I e Pi ∩ Pj = ∅, se

i 6= j. Definamos, finalmente,

s :=∑

1≤i≤kn[(min u(x) : x ∈ Pi)χPi + i(min v(x) : x ∈ Pi)χPi ],

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e seja x ∈ I. Entao, x ∈ Pj , para somente um 1 ≤ j ≤ kn e

|s(x)−f(x)| = |[(min u(x) : x ∈ Pj)−u(x)]+i[(min v(x) : x ∈ Pi)−v(x)]| ≤

|(min u(x) : x ∈ Pj)− u(x)|+ |(min v(x) : x ∈ Pi)− v(x)| <

ε/2 + ε/2 = ε.

Como x ∈ I e arbitrario, resulta que sup |s(x)− f(x)| : x ∈ I < ε. Assim,como para todo ε > 0 dado e possıvel achar um elemento de W uniformementeproximo a f , concluımos que existe uma sequencia em W que converge unifor-memente a f .

Para toda funcao f de W, temos entao que ‖f(A1, ..., An)‖ ≤ ‖f‖∞ e,como toda funcao contınua a valores complexos definida em I e limite uni-forme de funcoes de W (ou, em outras palavras, C(I) ⊆ W ⊆ B(I)) e B(H) ecompleto, concluımos pelo Lema 1.1 que, para toda g ∈ C(I), pode-se definirg(A1, ..., An) := limn fn(A1, ..., An), onde fnn∈N e uma sequencia em W talque fn −→ g em C(I).

Tendo em vista, entao, que a aplicacao linear e contınua

C(I) 3 g ΛI7−→ g(A1, ..., An) ∈ B(H)

esta bem definida, pelos argumentos do paragrafo acima, podemos estendero teorema espectral quando n ∈ N, n ≥ 1, e Ai ∈ B(H) : 1 ≤ i ≤ n e umconjunto finito de operadores lineares auto-adjuntos limitados que comutamdois a dois, fazendo as seguintes adaptacoes:

1. assim como a aplicacao ΦC definida na pagina 44, ΛI e contınuo, e um∗-homomorfismo unital entre ∗-algebras (a demonstracao e analoga, coma excecao de que, agora, usamos a densidade de W em C(I), ao inves dadensidade de P (I) em C(I); inclusive, para mostrar a compatibilidade dohomomorfismo com a multiplicacao em C(I), podemos tomar sequenciasem W uniformemente limitadas, exatamente como fizemos na pagina 44);

2. o “I” agora em questao permanece sendo um conjunto compacto e Haus-dorff, e podemos aplicar o Teorema da Representacao de Riesz, assim comofeito na pagina 45. “Hu” sera agora definido por

Hu := f(A1, . . . , An)u ∈ B(H) : f ∈ C(I),

e “Gu” sera definido agora por

Gu := f(A1, . . . , An)u ∈ B(H) : f ∈ C(I)

- note que se tem Gu denso em Hu, por definicao. Garante-se, assim, aexistencia da aplicacao Ωu (adaptada, e claro);

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3. agora, ao inves de provar que ΩuAΩ−1u = MidCµu (I)

, como o exposto logo

apos o que foi tratado no item acima, devemos provar que Ωu Ai Ω−1u =

Mπi , para todo 1 ≤ i ≤ n, onde πi e a i-esima projecao canonica. Paratanto, basta substituir A por πi(A1, . . . , An), e a demonstracao segue demaneira analoga a feita anteriormente. Isso decorre de πi(A1, . . . , An) =Ai e do fato de ΛI ser um homomorfismo de algebras. Vamos mostrarque πi(A1, . . . , An) = Ai. Para cada 1 ≤ 1 ≤ n, podemos construir umasequencia de funcoes simples relativas a segmentos disjuntos de Ii (este eum detalhe importante), smm∈N, que converge uniformemente a funcaoidC(Ii). Defina, para cada m ∈ N, a funcao de n variaveis dada porgm(x1, . . . , xn) := sm(xi), para todo (xj)1≤j≤n ∈ I - note que isto implicagm(A1, ..., An) = sm(Ai), para todo m ∈ N: se sm =

∑1≤j≤q ajχBij com

os Bij ’s dois a dois disjuntos, entao basta tomar

gm :=∑

1≤j≤q

aj(χBij

∏1≤k≤n,k 6=i

χIk),

pois χIk = 1C(Ik). Entao, gmm∈N e uma sequencia de funcoes deW (vejaa definicao acima) que converge uniformemente a funcao πi. Portanto,pela definicao de ΛI , temos que πi(A1, ..., An) = limm gm(A1, ..., An).Por outro lado, pela definicao de gm, temos que limm gm(A1, ..., An) =limm sm(Ai) = idC(Ii)(Ai) = Ai. Logo, pela unicidade do limite, segueque πi(A1, ..., An) = Ai;

4. em seguida, na aplicacao do Lema de Zorn, basta substituir o A que aliaparece por Ai = πi(A1, ..., An), para todos 1 ≤ i ≤ n, e concluiremosque ⊕α∈MHuα e Ai-invariante, para todo 1 ≤ i ≤ n, pois cada Huα eπi(A1, ..., An)-invariante (ou Ai-invariante), para todo 1 ≤ i ≤ n. Logo,(⊕α∈MHuα)⊥ sera Ai-invariante, para todo 1 ≤ i ≤ n. Logo,

f(Ai)w ∈ (⊕α∈MHuα)⊥,

para toda f ∈ C(Ii), 1 ≤ i ≤ n (w 6= 0 sendo um elemento que, porhipotese, pertence a (⊕α∈MHuα)⊥), pois (⊕α∈MHuα)⊥ e um subespacovetorial fechado de H. Como toda funcao caracterıstica relativa a um su-bintervalo Ji de Ii pode ser aproximada pontualmente por uma sequenciauniformemente limitada de funcoes contınuas, temos que

ΦB(χJi)w = χJi(Ai)w ∈ (⊕α∈MHuα)⊥,

para todo 1 ≤ i ≤ n, pela propriedade 3 do ∗-homomorfismo ΦB defi-nido na pagina 52 (note que para cada 1 ≤ i ≤ n temos um ΦB corres-pondente e que ΦB(χJi) esta bem definido para todo intervalo Ji ⊆ Ii).Portanto, como mostramos que toda funcao contınua definida em I e li-mite uniforme de funcoes caracterısticas relativas a produtos de subin-tervalos de Ii, temos pela ultima estimativa (desigualdade) obtida quef(A1, ..., An)w ∈ (⊕α∈MHuα)⊥, para toda f ∈ C(I). Isto estabelece a

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contradicao necessaria, analogamente a obtida na aplicacao do lema deZorn da demonstracao anterior.

5. uma ultima adaptacao que vale a pena ser mencionada e que ao inves demostrar que U A U−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2(N,µ), para uma freal e Borel-mensuravel, basta substituir A por πi(A1, ..., An), para cada1 ≤ i ≤ n, e obteremos, finalmente, o:

Teorema espectral para n-uplas de operadores lineares auto-adjuntos que comutam dois a dois: Se H e um espaco de Hilbert,n ∈ N, n ≥ 1, e Ai ∈ B(H) : 1 ≤ i ≤ n e um conjunto finito de ope-radores lineares auto-adjuntos limitados que comutam dois a dois, entaoexistem um espaco de medida (N,µ) (N := M × I, com I sendo um pro-duto finito de intervalos) e uma transformacao linear unitaria U : H −→L2(N,µ) tais que U Ai U−1 = Mπi , para todo 1 ≤ i ≤ n, com πi := pi,sendo pi := ((πi)Cµuα (I))α∈M .

Agora vamos mostrar que se T ∈ B(H), entao existem operadores linearesauto-adjuntos A,B ∈ B(H) tais que T = A + iB, que sao unicamente deter-minados por T (isto e possıvel de ser feito em qualquer C∗-algebra). De fato,definindo

A :=T + T ∗

2e

B :=T − T ∗

2i,

vemos que T = A+ iB e que ‖A‖ ≤ ‖T‖, ‖B‖ ≤ ‖T‖. Temos, ainda,

A∗ =T ∗ + T ∗∗

2=T ∗ + T

2=T + T ∗

2= A

e

B∗ =[i(T ∗ − T )]∗

2=−i(T ∗∗ − T ∗)

2=i(T ∗ − T )

2=T − T ∗

2i= B,

mostrando que A e B sao auto-adjuntos. Para verificar a unicidade basta no-tar que, se tambem T = C + iD para certos operadores lineares auto-adjuntosC,D ∈ B(H), entao temos a equacao 0B(H) = T−T = (A−C)+i(B−D). Logo,vale tambem que (A−C)+i(B−D) = 0B(H) = 0∗B(H) = (A∗−C∗)−i(B∗−D∗) =

(A − C) − i(B − D), o que implica B = D. Assim, devemos ter tambem0B(H) = A− C, isto e, A = C, e esta mostrada a unicidade.

O proximo passo agora e mostrar:

“O teorema espectral para operadores lineares normais”

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Seja T um operador normal. Como todo operador linear normal e, em parti-cular, limitado (por definicao), podemos representar T como T = A+ iB, sendoA = T+T∗

2 e B = T−T∗2i . Como, ainda, T comuta com seu adjunto, temos que

A e B comutam, pois

AB =

(T + T ∗

2

)(T − T ∗

2i

)=T 2 − TT ∗ + T ∗T − (T ∗)2

2 · 2i=

T 2 − T ∗T + TT ∗ − (T ∗)2

2i · 2=

(T − T ∗

2i

)(T + T ∗

2

)= BA.

Assim, pelo teorema espectral para n-uplas finitas de operadores lineares auto-adjuntos que comutam dois a dois, garantimos a existencia de um espaco demedida (N,µ) e uma transformacao linear unitaria U : H −→ L2(N,µ) tais queUAU−1 = Mπ1 e UBU−1 = Mπ2 , onde

I1 = [−‖A‖ , ‖A‖], I2 = [−‖B‖ , ‖B‖], N = M × (I1 × I2)

e πi := p, com p := ((πi)Cµuα (I))α∈M , i = 1, 2. Portanto,

T = A+ iB = U−1Mπ1U + i(U−1Mπ2

U) =

U−1(Mπ1+Mi·π2

)U = U−1(Mπ1+i·π2)U,

e mostramos que UTU−1 = Mf , sendo f uma funcao a valores complexos eBorel-mensuravel em N . Esta demonstrado, assim, o teorema espectral paraoperadores normais.

Antes de prosseguir, vamos relembrar algo que foi dito na Observacao XIIIdas Consideracoes Iniciais, momento em que foram definidos os operadores demultiplicacao. Dissemos la que o espaco de medida construıdo no decorrer doTeorema Espectral possui a propriedade de que todo subconjunto seu de medidaestritamente positiva, S, possui um subconjunto E ⊆ S de medida finita eestritamente positiva. Vamos mostrar, entao, que o espaco (N,µ) (sendo N eµ como acima) possui esta propriedade, assumindo as hipoteses de que H 6=0 e A 6= 0. Como H 6= 0 e A e nao-nulo, garantimos a existencia de0 6= uα ∈ H e, consequentemente, a existencia de um funcional nao-nulo λuα :C(I) 7−→ 〈f(A)uα, uα〉 (I sendo um intervalo compacto ou um produto deintervalos compactos). Note que µ 6= 0, pois se assim nao fosse, pelo Fato 1 dasConsideracoes Iniciais terıamos

0 = µ(N) =∑α∈M

µuα(πα(α × I)) ≥

µuα(I),

o que implica µuα = 0. Logo, λuα = 0, o que e um absurdo, pois assim terıamos0 = λ(1C(I)) = 〈uα, uα〉, e concluirıamos que uα = 0. Esta argumentacaomostra que existe um elemento no domınio de µ que possui medida estritamente

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positiva. Seja S ⊆ N um conjunto de medida µ(S) estritamente positiva. Seµ(S) < ∞, nao ha nada a demonstrar. Suponhamos que µ(S) = +∞. Entaoexiste um conjunto finito βi1≤i≤no ∈M tal que∑

1≤i≤n0

µuβi (πβi(S ∩ (βi × I))) > 0,

pois caso contrario, terıamos µ(S) = 0. Alem disso, µuα possui a propriedadede ser finita sobre compactos, o que mostra

0 <∑

1≤i≤n0

µuβi (πβi(S ∩ (βi × I))) := µ(S ∩ (βi × I)) <∞.

Logo, S ∩ ∪1≤i≤n0(βi × I) e o conjunto com as propriedades desejadas.

“O teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntosnao-limitados”

Seja, agora, (finalmente) A um operador linear auto-adjunto, nao-limitado.Pelo Teorema II (Observacao XIX das Consideracoes Iniciais), sabemos que(A − iIB(H)) : Dom(A) −→ H e uma bijecao, isto e, garantimos a existenciade um operador (A − iIB(H))

−1 : H −→ Dom(A) tal que (A − iIB(H))(A −iIB(H))

−1 = IB(H) e (A − iIB(H))−1(A − iIB(H)) = IB(Dom(A)). Ainda, como

para todo u ∈ Dom(A− iIB(H)) = Dom(A),∥∥(A− iIB(H))u∥∥2

= ‖Au‖2 + i〈Au, u〉 − i〈u,Au〉+ ‖u‖2 ≥ ‖u‖2

(note que 〈Au, u〉 = 〈u,Au〉), temos que (A− iIB(H))−1 ∈ B(H), com∥∥(A− iIB(H))

−1∥∥ ≤ 1.

Pela Observacao XVIII, obtemos

((A− iIB(H))−1)∗(A− iIB(H))

∗ ⊂ IB(H)

e(A− iIB(H))

∗((A− iIB(H))−1)∗ = (IB(Dom(A)))

∗ = IB(H),

mostrando que

((A− iIB(H))−1)∗ = ((A− iIB(H))

∗)−1 = (A+ iIB(H))−1

(note que, como∥∥(A− iIB(H))

−1∥∥ =

∥∥((A− iIB(H))−1)∗

∥∥, segue que (A +iIB(H))

−1 = ((A − iIB(H))−1)∗ tambem e limitado). Vamos mostrar que (A −

iIB(H))−1 e normal. Pelo Teorema II, (A− iIB(H)) e (A+ iIB(H)) sao bijetores,

e portanto as compostas (A − iIB(H))(A + iIB(H)) e (A + iIB(H))(A − iIB(H))tambem o sao. Definindo, entao,

D := u ∈ Dom(A) : Au ∈ Dom(A) = Dom((A+ iIB(H))(A− iIB(H))) =

64

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Dom((A− iIB(H))(A+ iIB(H))),

sabemos que existe uma unica aplicacao L : H −→ D tal que

[(A− iIB(H))(A+ iIB(H))]L = IB(H)

eL[(A− iIB(H))(A+ iIB(H))] = IB(D).

Mas(A− iIB(H))(A+ iIB(H)) = (A+ iIB(H))(A− iIB(H))

em D (lembre-se que D e o domınio da composicao (A− iIB(H))(A+ iIB(H)) =(A+ iIB(H))(A− iIB(H)) - veja a Observacao VI). Portanto

(A+ iIB(H))−1(A− iIB(H))

−1 = [(A− iIB(H))(A+ iIB(H))]−1 =

[(A+ iIB(H))(A− iIB(H))]−1 = (A− iIB(H))

−1(A+ iIB(H))−1,

e vemos que

((A− iIB(H))−1)∗(A− iIB(H))

−1 = (A+ iIB(H))−1(A− iIB(H))

−1 = L =

(A− iIB(H))−1(A+ iIB(H))

−1 = (A− iIB(H))−1((A− iIB(H))

−1)∗,

concluindo que (A − iIB(H))−1 e normal. Logo, pelo teorema espectral para

operadores normais garantimos a existencia de um espaco de medida (N,µ),com N := M× ([−‖B‖, ‖B‖]× [−‖C‖, ‖C‖]), sendo (A− iIB(H))

−1 = B+ iC, Be C auto-adjuntos e limitados, e uma transformacao linear unitaria U : H −→L2(N,µ) tal que (A−iIB(H))

−1 = U−1MfU , sendo f uma funcao essencialmentelimitada (por 3 da Observacao XIII das Consideracoes Iniciais) a valores com-plexos e Borel-mensuravel em N (na verdade, temos f(α, (x, y)) = x + iy, α ∈M,x ∈ [−‖B‖, ‖B‖], y ∈ [−‖C‖, ‖C‖] em µ-quase toda parte de N). f 6= 0 emµ-quase toda parte de N , pois (A − iIB(H))

−1 e injetor. De fato, suponhamosque f seja igual a zero num conjunto E de medida positiva. Entao, como Ue uma bijecao, existe um unico vetor (nao-nulo) v em H tal que χE = U(v).Alem disso, χE ∈ Dom(Mf ) = L2(N,µ) e (MfU)(v) = 0 ∈ L2(N,µ). Portanto,(U−1MfU)(v) = 0, e (A − iIB(H))

−1v = 0 para um vetor nao-nulo de H, umabsurdo, pois (A − iIB(H))

−1 e injetor. Logo, f 6= 0 em µ-quase toda parte de

N e esta bem definida a funcao f−1 ∈ L2(N,µ). Definindo 1C(I) : N −→ Cpor 1C(I)(α, (x, y)) := 1, para cada α ∈ M, (x, y) ∈ [−‖B‖, ‖B‖]× [−‖C‖, ‖C‖](como sempre, o “til” sobre a funcao indica que tal funcao age como varias“copias” de 1C(I) em cada “nıvel” α), temos que f−1 + i · 1C(I) e uma funcao

Borel-mensuravel em N . Definindo g := f−1 +i · 1C(I), notamos que g(α, x, y) =x

x2+y2 + x2+y2−yx2+y2 i em µ-quase toda parte de N . Temos A = U−1MgU , pois:

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1. Dom(U−1MgU) = Dom(A), uma vez que u ∈ Dom(A) se, e somente se,U(u) ∈ Dom(Mg): se u ∈ Dom(A), entao u = (A − iIB(H))

−1v, paraalgum v ∈ H. Portanto, U(u) = U((A − iIB(H))

−1v), o que implicag·(U(u)) = g·(MfU(v)). Como g·f e uma funcao essencialmente limitada,segue que

g · (U(u)) = g · (f · (U(v))) ∈ L2(M,µ),

mostrando que U(u) ∈ Dom(Mg). Por outro lado, se U(u) ∈ Dom(Mg),entao g · (U(u)) ∈ L2(M,µ), e portanto

f−1 · (U(u)) = [g − (i · 1C(I))] · (U(u)) ∈ L2(M,µ).

Da sobrejetividade de U , garantimos a existencia de v ∈ H tal que U(v) =f−1 · (U(u)), e daı, decorre que

Dom(A) 3 (A− iIB(H))−1v = (U−1MfU)v = (U−1Mf )(U(v)) =

(U−1Mf )[f−1 · (U(u))] = u,

finalizando a demonstracao;

2. se u ∈ Dom(A), entao existe v ∈ H tal que u = (A − iIB(H))−1v. Logo,

(A− iIB(H))u = ((A− iIB(H))(A− iIB(H))−1)v = IB(H)v = v, e vem que

Au = v + iu. Portanto,

U(Au) = U(v + iu) = U(v) + iU(u) = Mf−1U(u) + iU(u) =

(Mf−1 + iIL2(N,µ))(U(u)) = Mf−1+i1C(I)(U(u)) = Mg(U(u)),

onde na 3a. igualdade foi usado que u = (A− iIB(H))−1v = (U−1MfU)v.

Da arbitrariedade de u, e do fato que Im(U |Dom(A)) = Dom(Mg), comofoi mostrado acima, podemos substituir u por U−1ψ, onde ψ ∈ Dom(Mg),e concluir que UAU−1 = Mg, que e o resultado que querıamos mostrar.

Como A e auto-adjunto, temos pelo item 2 da Observacao XVIII que

U−1MgU = A = ((U−1Mg)U)∗ ⊇ U∗(U−1Mg)∗ ⊇ U∗(M∗gU) = U−1M∗gU,

de onde vem que M∗g ⊆ Mg. Como foi provado no item 2 da Observacao XIIIque Mg ⊆ (Mg)

∗, devemos ter Mg = Mg, uma vez que Dom(Mg) = Dom(Mg).Logo, g = f−1 + i · 1C(I) e uma funcao a valores reais e Borel-mensuravel emN , pelo Corolario do item 3 da Observacao XIII, das Consideracoes Iniciais. Fi-nalizamos, assim, a demonstracao de uma das implicacoes do Teorema Espectral.

Havıamos notado que g(α, x, y) = xx2+y2 + x2+y2−y

x2+y2 i em µ-quase toda partede N . Impondo-se, agora, a conclusao de que g e real em µ-quase toda partede N , concluımos que x2 + y2 − y = 0 em µ-quase toda parte de N e, portanto,g(α, x, y) = x

y em µ-quase toda parte de N . Como a demonstracao feita paraoperadores nao limitados poderia ser feita supondo-se A limitado, poderıamos

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ter a impressao de que existe uma contradicao com o resultado obtido anteri-ormente para operadores limitados auto-adjuntos. A razao para tal impressaoe a afirmacao do teorema espectral para operadores auto-adjuntos limitadosde que A e unitariamente equivalente a funcao id(α, x) := x, x ∈ [−‖A‖, ‖A‖]em µ-quase toda parte de M × [−‖A‖, ‖A‖] (note que a medida µ em ques-tao nao e a mesma medida µ utilizada acima, proveniente do teorema espec-tral para operadores normais), pois a funcao x/y com o domınio acima es-pecificado nao tem a “cara” da funcao id, principalmente porque, para cadax ∈ [−‖B‖, ‖B‖] fixado, limy−→0 |x|/|y| = +∞. Vamos mostrar que estaaparente contradicao nao passa de uma ilusao. Seja, entao, A um operadorauto-adjunto limitado. Como ja observamos anteriormente, podemos escre-ver (A − iIB(H))

−1 = B + iC, de forma que C = [(A − iIB(H))−1 − (A −

iIB(H))−1∗]/2i = [(A − iIB(H))

−1 − (A + iIB(H))−1]/2i. Pelo teorema espec-

tral para operadores auto-adjuntos limitados, concluımos que A e unitaria-mente equivalente a funcao id(α, x) := x, x ∈ [−‖A‖, ‖A‖] em µ-quase todaparte de M × [−‖A‖, ‖A‖] e, portanto, pelo Calculo Funcional desenvolvido, te-mos que C e unitariamente equivalente ao operador de multiplicacao Mf , onde

f(α, x) := 1/(x2 + 1), em µ-quase toda parte de M × [−‖A‖, ‖A‖]. Logo, comotal operador e claramente inversıvel em B(L2(M × [−‖A‖, ‖A‖], µ)), segue que0 /∈ σ(Mf ) = σ(C) = σ(Mπ[−‖C‖,‖C‖]), onde π[−‖C‖,‖C‖](α, x, y) = y em µ-quasetoda parte de N . Assim, como o espectro do operador Mπ[−‖C‖,‖C‖] e a imagemessencial de π[−‖C‖,‖C‖] (pelo item 4 da Observacao XIII), concluımos que existe

r > 0 tal que µ(

(α, x, y) ∈ N : |y| = |π[−‖C‖,‖C‖](α, x, y)− 0| < r

) = 0. Por-tanto, |y| ≥ r > 0 em µ-quase toda parte de N . Isto mostra que |x|/|y| ≤ ‖B‖rem µ-quase toda parte de N , garantindo que ‖A‖ = ‖Mg‖ = ‖g‖∞ ≤ ‖B‖r <∞.

Reciprocamente, suponha que existem um espaco de medida (N,µ) positivae uma transformacao linear unitaria U : H −→ L2(N,µ) tal que UAU−1 :Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2(N,µ), onde f e uma funcao a valores reais eBorel-mensuravel em N . Entao, novamente pelo item 2 da observacao XIII dasConsideracoes Iniciais, concluımos que Mf = UAU−1 e auto-adjunto. Portanto,

UAU−1 = (UAU−1)∗ = ((UA)U−1)∗ ⊇ (U−1)∗(UA)∗ ⊇ U(A∗U∗) = UA∗U−1,

pelo item 2 da observacao inicial XVIII, e vem que A ⊇ A∗. Como A ⊆ A∗ porhipotese, concluımos que A = A∗, e A e auto-adjunto.

Concluımos, assim, o teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntosnao-limitados.

“O Calculo Funcional Boreliano relativamente a operadores linearesauto-adjuntos nao-limitados”

Antes de finalizar este capıtulo, lembremos que logo apos a demonstracaodo teorema espectral para operadores lineares limitados auto-adjuntos, estabe-lecemos a existencia e unicidade do Calculo Funcional sobre B(R) atraves do

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∗-homomorfismo unital ΦB : B(R) −→ B(H). No caso em que A e um operadorlinear nao-limitado (i.e., ‖A‖ = +∞) podemos tambem estabelecer a existen-cia e a unicidade de um ∗-homomorfismo unital Φ′B : B(R) −→ B(H), devidoao Teorema Espectral que acabamos de provar. Para mostrar a existencia,basta reproduzir a mesma filosofia feita antes: se A = UMfU

−1 definimos

Φ′B(g) := U−1MgfU.

Basta repetir a argumentacao feita no caso limitado para ver que:

2’. Φ′B e um ∗-homomorfismo unital entre algebras com involucao;

3’. se hnn∈N e uma sequencia de funcoes uniformemente limitada emB(R) que converge pontualmente para h ∈ B(R), entao Φ′B(hn)u converge paraΦ′B(h)u, para todo u ∈ H.

No entanto, como nao temos um Calculo Funcional para A estabelecido so-bre C(I), nao podemos proceder de maneira analoga a feita la para obter apropriedade

1’. ΦB(f) = f |I(A) = ΦC(f |I), qualquer que seja f ∈ C0(R)24

Tal complicacao se deve ao fato de expressoes da forma∑

0≤i≤n aiAi, n ∈

N, ai ∈ C, (i.e., polinomios avaliados em A) nao estarem bem definidas em geral,ja que a operacao de composicao entre operadores nao-limitados nao e bem de-finida, em geral (pois nao temos, necessariamente, que Dom(A) = H). Em con-trapartida, sabemos que o operador Mf+i e invertıvel, com (Mf+i)

−1 = M 1f+i

(note que M 1f+i

e limitado, com ‖M 1f+i‖ ≤ 1, pois Im(f) ⊆ R) e, portanto, como

A = UMfU−1, concluımos que (A + i)−1 = UM 1

f+iU−1 = Φ′B( 1

f+i ) (veja que

isso e consistente com a Observacao XIX das Consideracoes Iniciais!). Vamosver que se substituirmos a propriedade 1’ pela propriedade

1”. Φ′B( 1f+i ) = (A+i)−1 (veja como o membro da direita nao depende de U),

e acrescentarmos a hipotese de que Φ′B |C0(R) seja contınuo em 2’:

2”. Φ′B e um ∗-homomorfismo unital entre algebras com involucao tal queΦ′B |C0(R) e contınuo,

24Enfatizamos que a unicidade do Calculo Funcional estabelecido anteriormente continuariavalida se substituıssemos SC por C0(R) - se X e um espaco topologico localmente compacto,definimos o espaco C0(X) como sendo o conjunto das funcoes contınuas definidas em R avalores complexos tais que, para todo ε > 0, existe um compacto Kε ⊆ R tal que |f | < ε, emtodo ponto de R\Kε; este e um espaco de Banach com a norma do sup: f 7−→ ‖f‖∞.Assim, existe um unico ∗-homomorfismo unital de algebras com involucao de B(R) em B(H)satisfazendo 1, substituindo-se SC por C0(R), e 3. Convencionaremos que o Calculo FuncionalBoreliano utilizado neste trabalho sera o proveniente de tal substituicao

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(na verdade, Φ′B e contınuo sobre todo B(R), pois ‖Φ′B(f)‖ ≤ ‖f‖∞, pelaObservacao XIII das Consideracoes Iniciais) e possıvel estabelecer a unicidadedo Calculo Funcional Boreliano para o operador nao-limitado A, ou melhor:se A e um operador linear auto-adjunto nao-limitado e Λ′1 e Λ′2 sao aplicacoesdefinidas em B(R) a valores em B(H) satisfazendo as propriedades 1”, 2” e 3’apontadas acima, entao Λ′1 = Λ′2. Vamos precisar do seguinte teorema:

Teorema da Aproximacao de Stone-Weierstrass para espacos lo-calmente compactos:25 Se X e um espaco topologico localmente compacto eA ⊆ C0(X) e uma ∗-subalgebra completamente separante26 de C0(X), entao Ae densa em C0(X).

Vamos a demonstracao.

Seja A a ∗-subalgebra gerada pela funcao

R 3 x 7−→ 1

x+ i

de C0(X). Tal ∗-subalgebra satisfaz as hipoteses do teorema acima, pois oconjunto x 7−→ 1

x+i e completamente separante. Logo, A e densa em C0(X).Como Λ′1 e Λ′2 satisfazem

Λ′1

(1

x+ i

)= (A+ i)−1 = Λ′2

(1

x+ i

),

e sao ∗-homomorfismos definidos em B(R), por hipotese, eles devem coinci-dir sobre A. Assim, pela continuidade de Λ′1 e Λ′2 sobre C0(R), temos queΛ′1|C0(R) = Λ′2|C0(R). Logo, pelo resultado de unicidade estabelecido no caso emque A era um operador limitado - a saber, que se Λ1 e Λ2 sao ∗-homomorfismosunitais de B(R) em B(H) que coincidem sobre os elementos de C0(R) e satisfa-zem 3’, entao Λ1 = Λ2 - temos que Λ′1 = Λ′2.

Isto estabelece a unicidade do Calculo Funcional para operadores linearesauto-adjuntos nao-limitados. Portanto, podemos escrever sem ambiguidadesg(A) para designar o objeto Φ′B(g), qualquer que seja g ∈ B(R).

No Apendice A, daremos uma demonstracao alternativa para o TeoremaEspectral.

25Veja [14]26Uma famılia de funcoes A e separante se, dados x, y ∈ X,x 6= y, existe f ∈ A tal que

f(x) 6= f(y). Se tal famılia, alem de separante, for tal que: para todo x ∈ X, existe f ∈ Asatisfazendo f(x) 6= 0, entao esta famılia sera denominada completamente separante

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2 O Teorema de Kato-Rellich

Os espacos de medida neste capıtulo serao sempre em relacao a medida deLebesgue.

Definicao 2.1: Seja A um operador densamente definido num espaco deHilbert H. Entao, se A e fechado e D ⊆ Dom(A) e um subespaco vetorial deH, entao dizemos que D e um core (ou cerne) de A se A|D = A.

Definicao 2.2: Se A e B sao operadores densamente definidos simetricosnum espaco de Hilbert H, dizemos que B e A-limitado se Dom(B) ⊇ Dom(A)e existem a, b ≥ 0 tais que

‖Bv‖ ≤ a‖Av‖+ b‖v‖,

para todo v ∈ Dom(A). O ınfimo de tais a ≥ 0 e denominada a cota de Brelativa a A, e sera denotada por NA(B). Uma formulacao equivalente destadefinicao sera utilizada (e devidamente justificada) ao final do capıtulo 3.

Definicao 2.3: Seja A um operador densamente definido e simetrico numespaco de Hilbert H. Dizemos que A e limitado inferiormente se existe um nu-mero real M tal que 〈Au, u〉 ≥ M‖u‖2, para todo u ∈ Dom(A). Neste caso,dizemos que A e limitado inferiormente por M .

Vamos comecar este capıtulo com os seguintes lemas:

Lema 2.1: Seja A um operador auto-adjunto num espaco de Hilbert H li-mitado inferiormente por M . Se A e um operador auto-adjunto unitariamenteequivalente a um operador de multiplicacao Mf (sendo (N,µ) o espaco de medidasubjacente construıdo na demonstracao do Teorema Espectral), entao f ≥M emµ-quase toda parte de N .

Demonstracao: Pela hipotese, 〈(U−1MfU)u, u〉 ≥ M‖u‖2, e isto implica〈Mf (Uu), Uu〉 ≥ M‖u‖2, para todo u ∈ Dom(A). Como U aplica Dom(A) emDom(Mf ) de maneira sobrejetora, tal afirmacao e equivalente a∫

N

f |φ|2dµ ≥M∫N

|φ|2dµ,

para toda φ ∈ Dom(Mf ). Suponha, por absurdo, que exista um conjunto P ⊆ Nde medida estritamente positiva tal que f < M em P . Entao, garantimos aexistencia de um conjunto de medida finita e estritamente positiva, Q ⊆ P ,devido a natureza do espaco de medida em questao (veja a primeira ObservacaoImportante referente a Observacao XIII). Temos, ainda, que

Q = (∪n∈N(Q ∩ f−1[−n, 0])) ∪ (∪n∈N(Q ∩ f−1[0, n])).

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Temos dois casos a considerar:

1. existe n0 ∈ N tal que ∞ > µ(Q ∩ f−1[0, n]) > 0: a definicao de Q implicaque ∫

N

f |χQ∩f−1[0,n0]|2dµ =

∫Q∩f−1[0,n0]

fdµ <∫Q∩f−1[0,n0]

Mdµ =

∫N

M |χQ∩f−1[0,n0]|2dµ,

o que contradiz a hipotese do enunciado, pois χQ∩f−1[0,n0] pertence aodomınio de Mf ;

2. f < 0 em µ-quase toda parte de Q: neste caso, deve existir um n1 ∈ Nsatisfazendo ∞ > µ(Q ∩ f−1[−n1, 0]) > 0. Portanto, max0,−M <−f < n1 sobre Q ∩ f−1[−n1, 0], e concluımos como no item anterior que∫

N

(−f)|χQ∩f−1[−n0,0]|2dµ =

∫Q∩f−1[−n0,0]

(−f)dµ >

∫Q∩f−1[−n0,0]

(−M)dµ =

∫N

(−M)|χQ∩f−1[−n0,0]|2dµ,

ou seja, ∫N

f |χQ∩f−1[−n0,0]|2dµ <∫N

M |χQ∩f−1[−n0,0]|2dµ,

o que novamente e uma contradicao.

Isto mostra que devemos ter f ≥ M em µ-quase toda parte de N , comoquerıamos.

Lema 2.2: Seja A um operador auto-adjunto num espaco de Hilbert H.Entao, A e limitado inferiormente por M se, e somente se, σ(A) ⊆ [M,+∞).27

Demonstracao: Vamos mostrar primeiro a implicacao (⇒). Fixe γ < M .Por hipotese, sabemos que 〈Au, u〉 ≥M‖u‖2, para todo u ∈ Dom(A). Somando−γ〈u, u〉 em ambos os membros, obtemos 〈(A − γ)u, u〉 ≥ (M − γ)‖u‖2, paratodo u ∈ Dom(A). Uma aplicacao da desigualdade de Cauchy-Schwartz nos da

‖(A− γ)u‖ ≥ (M − γ)‖u‖,

para todo u ∈ Dom(A), e vemos imediatamente que A − γ e injetor e que ooperador inverso (A − γ)−1 : Im(A − γ) −→ Dom(A) e limitado, com normamenor ou igual a (M − γ)−1. De Ker(A − γ) = 0 e da validade da identi-dade Ker(T ∗) = (Im(T ))⊥, para qualquer operador densamente definido em H,

27A demonstracao da implicacao (⇐) foi adaptada de [12]; ao inves de usar o procedimentola feito - que utiliza integracao em espacos de Banach -, aqui a demonstracao e feita utilizando-se o Teorema Espectral e o Calculo Funcional Boreliano

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temos que a imagem de M − γ e densa em H. Para ver que tal imagem e fe-chada, basta utilizar novamente a desigualdade que obtivemos e proceder comona demonstracao da implicacao (2⇒ 3) da Observacao XIX das ConsideracoesIniciais. Logo, γ ∈ ρ(A), estabelecendo o desejado.

Para mostrar (⇐) vamos supor, sem perda de generalidade, que σ(A) ⊆[0,+∞). Vamos mostrar que A e positivo (i.e., 〈Au, u〉 ≥ 0, para todo u ∈Dom(A)). Pelo Teorema Espectral, A e unitariamente equivalente (via umaaplicacao unitaria U : H −→ L2(M, µ)) a um operador de multiplicacao Mf

agindo em L2(M, µ), para um certo espaco de medida positiva (M, µ) e umacerta funcao f , real em µ-quase toda parte de M . Pelo item 4 da ObservacaoXIII, das Consideracoes Iniciais (veja a Observacao Importante presente na de-monstracao, na pagina 22), temos que σ(A) = σ(Mf ) = Imess(f). Como porhipotese, Imess(f) ⊆ [0,+∞), a definicao de Imess(f) implica que, para cadax ∈ (−∞, 0), existe um εx > 0 tal que µ(f−1[(x − εx, x + εx)]) = µ(m ∈ M :|f(m)−x| < εx) = 0. Alem disso, como (−∞, 0) possui uma base enumeravelde abertos B sabemos que, para cada x ∈ (−∞, 0), existe um conjunto Bx ∈ Bsatisfazendo Bx ⊆ (x− εx, x+ εx). Portanto, como

f−1[(−∞, 0)] ⊆ f−1

⋃x∈(−∞,0)

Bx

,segue da subaditividade de µ e da enumerabilidade de B que

µ(m ∈ M : f(m) ∈ (−∞, 0)) = µ(f−1[(−∞, 0)]) ≤

µ

f−1

⋃x∈(−∞,0)

Bx

= 0,

pois a uniao enumeravel de conjuntos de medida nula possui medida nula. Logo,f ≥ 0 em µ-quase toda parte de M . Esta conclusao implica que, se tomarmost > 0 e definirmos a funcao

g(x) :=

1/(x+ t), se x ∈ [0,+∞)0, se x ∈ (−∞, 0)

a composicao g f e uma funcao satisfazendo

(g f)(m) =1

f(m) + t,

para µ-quase todo m de M . Portanto, A + t = U−1Mf+tU e (A + t)−1 =

U−1Mgf U , pelo Calculo Funcional estabelecido no capıtulo anterior (note queg ∈ B(R)). Ainda, pela notacao que convencionamos la, (A + t)−1 = g(A).Como g ≥ 0, existe uma funcao h ∈ B(R) satisfazendo h2 = g, a saber

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h(x) :=

1/√x+ t, se x ∈ [0,+∞)

0, se x ∈ (−∞, 0)

Portanto, como o Calculo Funcional e um ∗-homomorfismo,

〈(A+ t)−1u, u〉 = 〈g(A)u, u〉 = 〈h2(A)u, u〉 = 〈h(A)(h(A)u), u〉 =

〈h(A)u, (h(A))∗u〉 = 〈h(A)u, h(A)u〉 = 〈h(A)u, h(A)u〉 ≥ 0,

para todo u ∈ Dom(A). Logo, (A+ t)−1 e um operador positivo. Por hipotese,−t ∈ ρ(A). Logo, para cada u ∈ Dom(A), existe v ∈ H tal que u = (A+ t)−1v,de modo que

〈(A+ t)u, u〉 = 〈v, (A+ t)−1v〉 = 〈(A+ t)−1v, v〉 ≥ 0,

para todo u ∈ Dom(A) (usamos que (A+ t)−1 e auto-adjunto, na ultima igual-dade). Como t > 0 era arbitrario, podemos tomar o limite t → 0 e obter〈Au, u〉 ≥ 0, para todo u ∈ Dom(A), estabelecendo que A e positivo.

Isto encerra a demonstracao.

Temos como um corolario imediato do Lema 2.2 que, se A e um operadorauto-adjunto positivo, entao (A + t)−1 e um operador auto-adjunto positivo,para todo t > 0. Conforme veremos no Capıtulo 3, o operador H0 (que e o ope-rador −∆ definido no seu domınio de “self-adjointness”, Dom(−∆) = H2(Rn))e positivo, pois σ(H0) = Imess(x 7−→ |x|2 :=

∑1≤i≤n |xi|2) = [0,+∞), pela

Observacao XIII. Logo, o operador (H0 + t)−1 e positivo, para todo t > 0.

Na Mecanica Classica, se o potencial V em Rn e limitado inferiormente porM (ou seja, V (x) ≥ M , para todo x ∈ Rn), entao a energia mecanica de umapartıcula dada por, digamos,

E =p2

2m+ V (x),

nao pode ser menor do que M , pois caso contrario concluirıamos que p2 < 0. Asituacao analoga na Mecanica Quantica e descrita pelo seguinte:

Corolario:28 Sejam A um operador positivo auto-adjunto em L2(Rn) e Vuma funcao Lebesgue-mensuravel. Se MV e limitado inferiormente por M ∈ R,A + MV e auto-adjunto em Dom(A + MV ) e Dom(A) ⊆ Dom(MV ), entaoσ(A+MV ) ⊆ [M,+∞) (veja que este corolario tambem se aplica para A = H0).

Demonstracao: Como MV e limitado inferiormente por M e A e positivo,temos que A + MV e limitado inferiormente por M . Pelo Lema 2.2, concluı-mos que σ(A + MV ) ⊆ [M,+∞), uma vez que A + MV e auto-adjunto em

28Retirado de [6]

74

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Dom(A+MV ).

Proximo ao contexto deste ultimo corolario, esta o:29

Teorema de Kato-Rellich: Sejam H um espaco de Hilbert, A um ope-rador linear auto-adjunto em Dom(A) ⊆ H e B um operador linear simetricoe fechado30 em Dom(B) ⊆ H que e A-limitado (em particular, Dom(A) ⊆Dom(B)), de forma que a cota de B relativa a A e a < 1 (isto e, NA(B) := a <1). Entao, A+ B e auto-adjunto em Dom(A) e e essencialmente auto-adjuntoem todo core de A (note que, como A e auto-adjunto, A e fechado). Alem disso,se A e limitado inferiormente por M , entao A+B e limitado inferiormente porM −max b/(1− a), a|M |+ b.

Demonstracao: Vamos mostrar que existe µ > 0 tal que Im(A + B ±µi) = H. Seja u ∈ Dom(A). Como A e, em particular, simetrico, temos que〈Au, v〉 = 〈u,Av〉, para todo v ∈ Dom(A) e, portanto,

(i) ‖(A− µi)u‖2 = ‖Au‖2 +iµ〈Au, u〉−iµ〈u,Au〉+µ2 ‖u‖2 = ‖Au‖2 +µ2 ‖u‖2 ,

para todo µ > 0 (lembremos que Dom(A − µi) := Dom(A) ∩ Dom(−µi) =Dom(A) ∩ H = Dom(A) - veja a Observacao VI das Consideracoes Iniciais).Como A e auto-adjunto, pelo Teorema II das observacoes iniciais garantimosa existencia de um operador linear (A − µi)−1 : H −→ Dom(A) tal que (A −µi)−1(A − µi) = IB(Dom(A)) e (A − µi)(A − µi)−1 = IB(H), para todo µ > 0.Logo, da equacao (i), concluımos que, para todo v ∈ Dom((A− µi)−1) = H,

µ−1 ‖v‖ ≥∥∥(A− µi)−1v

∥∥e

‖v‖ ≥∥∥A((A− µi)−1v)

∥∥ ,para todo µ > 0, e obtemos as relacoes∥∥(A− µi)−1

∥∥ ≤ µ−1

e ∥∥A(A− µi)−1∥∥ ≤ 1.

Pela hipotese do enunciado, existe b ≥ 0 tal que a equacao

(ii) ‖Bv‖ ≤ a ‖Av‖+ b ‖v‖

e valida para todo v ∈ Dom(A). Logo, concluımos que, para todo v ∈ Dom((A−µi)−1) = H, temos∥∥B(A− µi)−1v

∥∥ ≤ a ∥∥A(A− µi)−1v∥∥+ b

∥∥(A− µi)−1v∥∥

29Os tres ultimos teoremas deste capıtulo sao versoes detalhadas da exposicao feita em [20]30Em [20] nao e colocada a hipotese de B ser fechado

75

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(note que Dom(A(A − µi)−1) ⊆ Dom(B(A − µi)−1), pois H = Dom(A(A −µi)−1) = Dom(B(A − µi)−1), de modo que a evaluacao B((A − µi)−1v) estabem definida), e desta ultima equacao decorre que∥∥B(A− µi)−1

∥∥ ≤ a∥∥A(A− µi)−1∥∥+ b

∥∥(A− µi)−1∥∥ ≤ a+ b(µ−1),

para todo µ > 0. Escolha um µ > 0 suficientemente grande para que tenhamos∥∥B(A− µi)−1∥∥ < 1. Entao, como B(H) e uma C∗-algebra unital, garantimos

que IB(H) + B(A − µi)−1 e inversıvel em B(H), isto e, −1 /∈ σ(B(A − µi)−1)- veja o primeiro comentario feito a respeito de C∗-algebras na introducao (noentanto, enfatizamos que somente a sobrejetividade de IB(H) + B(A − µi)−1

sera usada na demonstracao). Devido ao Teorema II da observacao XIX dasConsideracoes Iniciais, temos que o operador A − µi e sobrejetor. Portanto,A + B − µi = (IB(H) + B(A − µi)−1)(A − µi), sendo a composta de dois ope-radores sobrejetores, e tambem sobrejetor. Argumentando de maneira analoga,concluımos tambem que A+B+µi e sobrejetor. Logo, novamente pelo TeoremaII, temos que A+B e auto-adjunto em Dom(A+B) := Dom(A).

Vamos mostrar que A+B e essencialmente auto-adjunto em todo core de A.Para tanto, basta mostrar que (A+B)|D = A+B, uma vez que ja foi mostradoque A + B e auto-adjunto em Dom(A + B) = Dom(A). Seja D ⊆ Dom(A)um core de A, e seja u ∈ Dom(A). Entao, A|D = A e, portanto, existem umasequencia unn∈N em D tal que un −→ u e uma sequencia Aunn∈N tal queAun −→ Au. Agora, como ‖Bv‖ ≤ a‖Av‖ + b‖v‖, para todo v ∈ Dom(A),os fatos de unn∈N e Aunn∈N serem sequencias de Cauchy em H implicamque Bunn∈N seja, tambem, uma sequencia de Cauchy em H. Da comple-tude de H, segue a existencia de w ∈ H tal que Bun −→ w. Por outrolado, como un ∈ Dom(B), para todo n ∈ N (pois Dom(B) ⊃ Dom(A), pordefinicao), e B e fechado, temos que u ∈ Dom(B) e w = Bu. Isto nos levaa conclusao de que (u, (A + B)u) ∈ Gr((A+B)|D). Em particular, mostra-mos que Dom(A + B) = Dom(A) ⊆ Dom((A+B)|D). Como ja sabıamos que(A+B)|D ⊂ A + B (pois A + B e auto-adjunto e, portanto, e uma extensaofechada de (A+B)|D), concluımos que (A+B)|D = A+B.

Suponhamos que A e limitado inferiormente por M . Pelo Teorema Espectral,sabemos que existem um espaco de medida (N,µ) positiva e uma transformacaolinear unitaria U : H −→ L2(N,µ) tal que U A U−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→f · g ∈ L2(N,µ), onde f e uma funcao a valores reais e Borel-mensuravel em N .Entao, temos pelo Lema 2.1 que f(x) ≥ M em µ-quase todo parte de N . Estainformacao sera de vital importancia para podermos utilizar o Calculo Funcionale obter as estimativas que queremos. Seja t < M . Entao t ∈ ρ(A), pelo lemaque mostramos, e∥∥B(A− t)−1

∥∥ ≤ a ∥∥A(A− t)−1∥∥+ b

∥∥(A− t)−1∥∥ ,

por (ii). Ambas as funcoes

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f1(s) :=

s/(s− t), se s ∈ [M,+∞)0, se s /∈ [M,+∞)

e

f2(s) :=

1/(s− t), se s ∈ [M,+∞)0, se s /∈ [M,+∞)

pertencem a B(R). Como |f1| ≤ max 1, |M |/(M − t) (pois f1|[M,+∞) ou emonotona, se t 6= 0, ou e igual a 1 em todos os pontos de [M,+∞). Alem disso,lims→+∞ f1(s) = 1), pelo Calculo Funcional desenvolvido, sabemos que

‖A(A− t)−1‖ = ‖f1 f‖∞ ≤ sup |f1(s)| : s ∈ [M,+∞) ≤

max 1, |M |/(M − t)

(note que para concluir a segunda desigualdade usou-se que

|f1 f | ≤ sup |f1(s)| : s ∈ [M,+∞)

em µ-quase toda parte de N . Para a primeira igualdade, veja o item 3 da Ob-servacao XIII, nas Consideracoes Iniciais). f2|[M,+∞) e estritamente decrescentee

lims→+∞

f2(s) = 0,

mostrando que |f2| ≤ 1/(M − t). Novamente pelo Calculo Funcional obtemosde maneira analoga a feita acima que

‖(A− t)−1‖ ≤ ‖f2 f‖∞ ≤ sup |f2(s)| : s ∈ [M,+∞) ≤ 1/(M − t).

Portanto, temos que ‖B(A − t)−1‖ ≤ amax 1, |M |/(M − t) + b/(M − t). Setivermos

amax 1, |M |/(M − t)+b

M − t< 1,

concluiremos que A+B − t e inversıvel, pois

A+B − t = (IB(H) +B(A− t)−1)(A− t)

e A− t e inversıvel, com inversa limitada, uma vez que t ∈ ρ(A). Mas se

M − t > max a|M |+ b, b/(1− a) ,

entao temos que

amax

1,|M |M − t

+

b

M − t< 1.

De fato, se max 1, |M |/(M − t) = 1, entao

amax

1,|M |M − t

+ b/(M − t) = a+

b

M − t<

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a+ b · 1− ab

= a+ (1− a) = 1;

por outro lado, se max 1, |M |/(M − t) = |M |/(M − t), entao

amax

1,|M |M − t

+

b

M − t= a

|M |M − t

+b

M − t< (a|M |+ b) · 1

a|M |+ b= 1.

Portanto, se

t < min

M,M −max

a|M |+ b,

b

1− a

= M −max

a|M |+ b,

b

1− a

,

entao t ∈ ρ(A+B). Logo,

σ(A+B) ⊆ [M −max b/(1− a), a|M |+ b ,+∞).

Pelo Lema 2.2, temos que A+B e limitado inferiormente por

M −max

a|M |+ b,

b

1− a

.

Existe o seguinte corolario, que e uma forma simetrica do Teorema de Kato-Rellich:

Teorema: Sejam A e C operadores densamente definidos e simetricos emum espaco de Hilbert H, e suponha que D ⊆ Dom(A)∩Dom(C) e um subespacovetorial de H tal que

(∗) ‖(A− C)v‖ ≤ a(‖Av‖+ ‖Cv‖) + b‖v‖,

para todo v ∈ D, com a < 1. Entao, A e essencialmente auto-adjunto em D se,e somente se, C e essencialmente auto-adjunto em D.

Demonstracao: Vamos mostrar, primeiramente, que se S e T sao opera-dores lineares simetricos (logo, fechaveis) com D = Dom(S) = Dom(T ), taisque

(∗′) M‖Sv‖ ≤ N‖Tv‖+ P‖v‖,

para todo v ∈ D, com M,N > 0, P ≥ 0, entao Dom(S) ⊇ Dom(T ). Emparticular, se T for densamente definido, S tambem sera. Seja u ∈ Dom(T ).Entao existem sequencias unn∈N em D e Tunn∈N em Im(T ) tais que un −→u e Tun −→ Tu. (∗′) implica que Sunn∈N e uma sequencia de Cauchy em H,uma vez que unn∈N em D e Tunn∈N sao sequencias de Cauchy em H. Como

H e um espaco metrico completo, existe limn Sun. Como S e um operadorfechado, u ∈ Dom(S) e limn Sun = Su. Isto mostra a inclusao Dom(S) ⊇Dom(T ) (note que, em particular, mostramos que (∗′) implica

M‖(S)v‖ ≤ N‖(T )v‖+ P‖v‖,

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para todo v ∈ Dom(T ), devido a continuidade da norma).Vemos que (∗) implica (1− a)‖Av‖ ≤ (1 + a)‖Cv‖+ b‖v‖ e (1− a)‖Cv‖ ≤

(1 + a)‖Av‖ + b‖v‖, para todo v ∈ D e, portanto, em particular, Dom(A|D) =Dom(C|D), pelo que demonstramos acima.

Vamos a demonstracao.

Suponha que C e essencialmente auto-adjunto em D. Defina B := A − Ce o caminho F (α) := C + αB, 0 ≤ α ≤ 1, de modo que C = F (α) − αB eA = C + B = F (α) + (1 − α)B. Utilizando a desigualdade triangular, (∗) setransforma em

‖Bv‖ ≤ a(‖F (α)v‖+ ‖(1− α)Bv‖+ ‖F (α)v‖+ ‖αBv‖) + b‖v‖,

de modo que obtemos

(∗∗) ‖Bv‖ ≤ 2a

1− a‖F (α)v‖+

b

1− a‖v‖,

para todo v ∈ D e todo α ∈ [0, 1] (na verdade, para todo α ∈ R). Seja n ∈ Ntal que 2a

n(1−a) < 1. Multiplicando os dois membros de (∗∗) por 1/n, obtemos

(∗∗′) ‖(1/n)Bv‖ ≤ 2a

n(1− a)‖F (α)v‖+

b

n(1− a)‖v‖,

para todo v ∈ D e todo α ∈ [0, 1]. Escolhendo α = 0 em (∗∗′), podemos utilizara argumentacao feita no inıcio da demonstracao para concluir que possuımostodas as hipoteses do Teorema de Kato-Rellich e inferir que C|D + (1/n)B|D eauto-adjunto em Dom(C|D) (lembre-se de que, pelo que foi mostrado no inıcioda demonstracao,

‖(1/n)B|Dv‖ ≤2a

n(1− a)‖C|Dv‖+

b

n(1− a)‖v‖,

para todo v ∈ Dom(C|D), e Dom(B|D) ⊇ Dom(C|D). Usamos tambem que ofecho de um operador simetrico e simetrico).

Vamos mostrar que C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D. Ja sabemos que

C|D + (1/n)B|D ⊃ C|D + (1/n)B|D,

pois C|D+(1/n)B|D e auto-adjunto em Dom(C|D) e, portanto, e uma extensaofechada de C|D + (1/n)B|D. Verifiquemos que

C|D + (1/n)B|D ⊂ C|D + (1/n)B|D :

tome (v, (C|D + (1/n)B|D)v) ∈ Gr(C|D + (1/n)B|D). Como

v ∈ Dom(C|D) = Dom(C|D + (1/n)B|D),

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(lembre-se de que Dom(B|D) ⊇ Dom(C|D)), existem sequencias vmm∈N em D

e Cvmm∈N em Im(C|D) tais que vm −→ v e Cvm −→ C|Dv. Logo, por (∗∗′) eum argumento analogo ao feito logo no inıcio da demonstracao, concluımos que

(1/n)B|Dvm −→ (1/n)B|Dv

e(C|D + (1/n)B|D)vm −→ (C|D + (1/n)B|D)v.

Portanto, vmm∈N e uma sequencia em D convergente em H e

(C|D + (1/n)B|D)vmm∈N

e uma sequencia convergente em H. Pela unicidade do limite e a definicao defecho de um operador, temos que

(C|D + (1/n)B|D)v ⊂ C|D + (1/n)B|Dv.

Isto mostra a inclusao desejada e estabelece que

C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D,

como querıamos.Em resumo, para α = 0, temos que

C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D

e um operador auto-adjunto em Dom(C|D).Podemos tambem utilizar (∗∗)′ com α = 1/n de modo que, pelas observacoes

no inıcio da demonstracao, possuımos as hipoteses necessarias para poder aplicaro Teorema de Kato-Rellich e concluir que

C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D

e auto-adjunto em Dom(C|D + (1/n)B|D) = Dom(C|D).De maneira analoga a feita para mostrar que

C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D,

podemos provar que

C|D + (2/n)B|D = C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D.

Portanto,C|D + (2/n)B|D = C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D =

C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|De um operador auto-adjunto em Dom(C|D).

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Suponha, agora, que 2 ≤ j ≤ n − 1 e um natural que possui a seguintepropriedade:

C|D + (j/n)B|D = C|D + ((j − 1)/n)B|D + (1/n)B|D = C|D +∑

1≤i≤j

(1/n)B|D

e C|D + (j/n)B|D e auto-adjunto em Dom(C|D). Vamos mostrar que tal pro-priedade tambem e valida para j + 1. Aplicando Kato-Rellich para α = j/ne o fato de que C|D + (j/n)B|D = C|D +

∑1≤i≤j (1/n)B|D, concluımos que o

operadorC|D + (j/n)B|D + (1/n)B|D

e auto-adjunto em Dom(C|D). Fazendo um procedimento analogo ao feito parademonstrar que C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D, concluımos que

C|D + ((j + 1)/n)B|D = C|D + (j/n)B|D + (1/n)B|D.

Logo, temos queC|D + ((j + 1)/n)B|D

e um operador auto-adjunto em Dom(C|D).

Fica mostrado, entao, que

C|D + (j/n)B|D

e um operador auto-adjunto em Dom(C|D), para todo j ∈ N. Em particular,fazendo j = n, concluımos que C|D +B|D = C|D + (A|D − C|D) = A|D e auto-adjunto em Dom(C|D) = Dom(A|D), terminando a demonstracao de uma dasimplicacoes.

Como podemos escrever (∗) como

(∗) ‖(C −A)v‖ ≤ a(‖Cv‖+ ‖Av‖) + b‖v‖,

para todo v ∈ D, a recıproca e uma mera repeticao da demonstracao que aca-bamos de terminar.

Quando a cota de B relativa a A e igual a 1, temos uma conclusao um poucomais fraca do que a do Teorema de Kato-Rellich:

Teorema (Wust): Sejam H um espaco de Hilbert, A um operador linearauto-adjunto em H e B um operador linear simetrico e fechado em H que eA-limitado, de forma que a cota de B relativa a A e a = 1. Entao, A + B eessencialmente auto-adjunto em Dom(A) (e em todo core de A).

Demonstracao: Seja w ∈ Ker((A+B + i)∗). Como

(I) ‖Bv‖ ≤ ‖Av‖+ b‖v‖,

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para todo v ∈ Dom(A), multiplicando-se os dois membros por 0 < t < 1,sabemos pelo Teorema de Kato-Rellich que A+ tB e auto-adjunto em Dom(A).Logo, para cada 0 < t < 1, existe yt ∈ Dom(A) tal que (A + tB + i)yt = w.Defina zt := w − tByt + Byt = (A + tB + i)yt − tByt + Byt = (A + B + i)yt.Entao,

〈zt, w〉 = 〈(A+B + i)yt, w〉 = 〈yt, (A+B + i)∗w〉 = 0,

qualquer que seja 0 < t < 1. Ainda, como A+ tB e simetrico,

‖w‖2 = ‖(A+ tB + i)yt‖2 = ‖(A+ tB)yt‖2 + ‖yt‖2,

mostrando que(II) ‖yt‖ ≤ ‖w‖

e(III) ‖(A+ tB)yt‖ ≤ ‖w‖,

para todo 0 < t < 1. Pela desigualdade triangular e (I) multiplicado por t,temos

‖Ayt‖ ≤ ‖(A+ tB)yt‖+ t‖Byt‖ ≤ ‖(A+ tB)yt‖+ t(‖Ayt‖+ b‖yt‖),

e concluımos por (III) que

(1− t)‖Ayt‖ ≤ ‖(A+ tB)yt‖+ tb‖yt‖ ≤ ‖w‖+ tb‖w‖,

para todo 0 < t < 1, mostrando que sup (1− t)‖Ayt‖ : t ∈ (0, 1) < ∞. Logo,por (I) multiplicado por 1− t e (II), concluımos que

sup (1− t)‖Byt‖ : t ∈ (0, 1) <∞

e, portanto, sup ‖zt‖ : t ∈ (0, 1) = sup ‖w − (1− t)Byt‖ : t ∈ (0, 1) ≤ M ,para algum M > 0 real.

Seja η ∈ Dom(A). Para todo 0 < t < 1,

〈η, zt〉 − 〈η, w〉 = 〈η, (1− t)Byt〉 = (1− t)〈Bη, yt〉,

e concluımos que

|〈η, zt − w〉| ≤ (1− t)‖Bη‖‖yt‖ ≤ (1− t)‖Bη‖‖w‖.

Logo, o limite lateral limt→1−〈η, zt〉 existe e e igual a 〈η, w〉, para todo η ∈Dom(A). Seja x ∈ H, e seja ε > 0. Da densidade de Dom(A) em H, segue queexiste η ∈ Dom(A) tal que

‖x− η‖ < min ε/3M, ε/3(‖w‖+ 1) .

Pelo que acabou de ser argumentado, garantimos a existencia de um δ > 0 talque se t ∈ (0, 1) satisfaz |t− 1| < δ, entao |〈η, zt〉 − 〈η, w〉| < ε/3. Logo,

|〈x, zt〉 − 〈x,w〉| ≤ |〈x, zt〉 − 〈η, zt〉|+ |〈η, zt〉 − 〈η, w〉|+ |〈η, w〉 − 〈x,w〉| ≤

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‖x− η‖M + ε/3 + ‖η − x‖‖w‖ < Mε

3M+ ε/3 +

ε

3(‖w‖+ 1)‖w‖ < ε.

Isto estabelece que limt→1−〈x, zt〉 = 〈x,w〉, qualquer que seja x ∈ H. Emparticular, tomando x = w, obtemos limt→1−〈w, zt〉 = 〈w,w〉. Como foi vistoanteriormente que 〈zt, w〉 = 0, para todo 0 < t < 1, temos que ‖w‖ = 0.Logo, w = 0 e, da arbitrariedade de w, concluımos que Im((A + B + i))⊥ =Ker((A+B+ i)∗) = 0. Analogamente, podemos repetir os passos feitos acimae ver tambem que Im((A + B − i))⊥ = 0. Portanto, Im((A + B ± i)) saodensos em H, e temos que A + B e essencialmente auto-adjunto em Dom(A),pela Observacao XIX.

Um exemplo simples para ver que a tese “A + B e essencialmente auto-adjunto em Dom(A)” do ultimo teorema nao pode ser melhorada para “A + Be auto-adjunto em Dom(A)” e tomar B := −A. Vemos que todas as hipotesesdo teorema se mantem, mas

A+B = 0Dom(A),

mostrando que A+ B nao e auto-adjunto, pois (0Dom(A))∗ = 0B(H) 6= 0Dom(A).

No entanto, note que 0Dom(A) = 0B(H), de modo que o operador 0B(H) e essen-cialmente auto-adjunto.

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3 Aplicacoes do Teorema de Kato-Rellich

(Observacao: os espacos de medida neste capıtulo serao sempre em relacaoa medida de Lebesgue.)

Seja S(Rn) o conjunto das φ ∈ C∞(Rn) tais que

lim‖x‖→+∞

(1 + ‖x‖)m|Dβφ| = 0,

para todos m ∈ N, β ∈ Nn, isto e, o espaco de Schwartz das funcoes infinitamentediferenciaveis de rapido decrescimento cujas derivadas tambem sao de rapidodecrescimento. Mostra-se que a transformada de Fourier esta bem definida por

= : φ 7−→ =(φ)(ξ) :=1

(2π)n/2

∫Rne−ix·ξφ(x)dx

em S(Rn), e assume valores em S(Rn). Prova-se tambem que se munirmosS(Rn) da norma de L2(Rn) (uma vez que S(Rn) e um subespaco vetorial deL2(Rn)), entao = : S(Rn) −→ S(Rn) sera uma isometria sobrejetora. Utilizandoa propriedade de comutacao da transformada de Fourier com a operacao dederivacao parcial, e possıvel ver que =(−∆)=−1 = (M|ξ|2)|S(Rn),

31 onde M|ξ|2 eo operador de multiplicacao

M|ξ|2 : Dom(M|ξ|2) 3 φ 7−→ |ξ|2φ(ξ)

(note que S(Rn) ⊆ Dom(M|ξ|2)). Como S(Rn), sob essas circunstancias, edenso em L2(Rn), temos pelo Lema 1.2 do capıtulo 1 que existe uma unicaextensao unitaria de = a L2(Rn), que denotaremos por =. Foi mostrado na Ob-servacao XIII (no item 2) das Consideracoes Iniciais que M|ξ|2 e auto-adjuntoem Dom(M|ξ|2). Definindo, entao, Dom(H0) := =−1Dom(M|ξ|2) e H0 :==−1M|ξ|2=, entao sua acao estendera a acao usual de −∆ em S(Rn), e taloperador sera auto-adjunto, uma vez que e unitariamente equivalente a um ope-rador auto-adjunto. Mas quem e Dom(H0)? Uma vez que a derivacao fracae uma operacao que estende a derivacao usual em C∞(Rn), uma boa sugestaopara tentar desmistificar tal domınio (e a subsequente acao do operador H0) se-

ria (possivelmente) explorando esta ideia. E esta a tentativa que faremos agora.Mas, antes, vamos deixar claro qual e a definicao de derivada fraca, apresen-tando os espacos de Sobolev:

“O domınio de ‘self-adjointness’ do operador −∆”

Definicao: Seja Ω ⊆ Rn um aberto. Definimos o espaco de Sobolev W 1,p(Ω)como sendo o conjunto das u ∈ Lp(Ω) satisfazendo a seguinte propriedade:

existem gi ∈ Lp(Ω), 1 ≤ i ≤ n, tais que

∫Ω

u∂φ

∂xidx = −

∫Ω

giφdx,

31|ξ|2 :=∑

1≤i≤n |ξi|2

85

Page 87: O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness ... · para operadores normais utilizando a teoria de C - algebras, e conclui-se uma nova demonstra˘c~ao do teorema espectral

para toda φ ∈ C∞c (Ω), 1 ≤ i ≤ n. Denotaremos gi por Diu. Procedendo demaneira recursiva, dado um natural m ≥ 1, podemos definir o espaco Wm,p(Ω)como sendo o conjunto das u ∈ Lp(Ω) satisfazendo a seguinte propriedade: paratodo multi-ındice α ∈ Nm, com |α| ≤ m,

existem gα ∈ Lp(Ω) tais que

∫Ω

uDαφdx = (−1)|α|∫

Ω

gαφdx,

para toda φ ∈ C∞c (Ω) (pode-se mostrar que esta propriedade implica a validadeda mesma trocando-se C∞c (Ω) por S(Rn) - usaremos este fato mais tarde, nestecapıtulo). Wm,p(Ω) se torna um espaco de Banach com a norma definida por

‖u‖Wm,p(Ω) :=

∑|α|≤m

‖Dαu‖pLp(Ω)

(se p = 2, Wm,p(Ω) e um espaco de Hilbert). As gi’s e gα’s sao chamadas de

derivadas fracas de u. E usual na literatura denotar-se Wm,2(Ω) por Hm(Ω), efaremos o mesmo, aqui. Neste texto, tais espacos Wm,p(Ω) serao normalmenteconsiderados como subespacos normados de Lp(Rn), de modo que ao inves deespacos de Banach eles serao subespacos densos de Lp(Rn) (pois eles contemC∞c (Rn), que e denso em Lp(Rn) - tal densidade sera usada com frequencianeste capıtulo). Caso eles sejam utilizados com a sua norma de Banach, haveraum cuidado especial com a notacao (como na demonstracao do Teorema 3.2,por exemplo).

Vamos dividir a demonstracao em partes. Primeiramente, temos o seguintelema:

Dom(H0) ⊆ H2(Rn) e −∆|H2(Rn) = H0 (∆ denota o Laplaciano correspon-dente as derivacoes fracas):

Seja f ∈ Dom(H0), isto e, uma funcao f ∈ L2(Rn) tal que M|ξ|2(=f) ∈L2(Rn). Vamos mostrar que f ∈ H2(Rn). Para tanto, vamos mostrar que(−=−1Mξi·ξj=)(f) = (DiDj)(f) (Di denota a derivada fraca com respeito ai-esima coordenada):∫

Rn(−=−1Mξi·ξj=)(f)(x)φ(x)dx =

∫Rn

(−Mξi·ξj=)(f)(x)(=−1φ)(x)dx =

∫Rn−xixj=f(x)=−1φ(x)dx =

∫Rn=f(x)[(−i)2xixj=−1φ(x)]dx =∫

Rn=f(x)=−1(DiDjφ)(x)dx =

∫Rn

(=−1(=f))(x)(DiDjφ)(x)dx =∫Rnf(x)(DiDjφ)(x)dx,

86

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para toda φ ∈ C∞c (Rn). Isto estabelece a inclusao Dom(H0) ⊆ H2(Rn) e, emparticular, que (=−1M|ξ|2=)(f) = −

∑1≤i≤n D

2i (f) = −∆(f), qualquer que seja

f ∈ Dom(H0).

Para mostrar a inclusao H2(Rn) ⊆ Dom(H0), faremos (levemente) o uso doconceito de distribuicoes (poderıamos faze-lo sem utilizar tal conceito, mas oscalculos se tornam mais “limpos” com esta abordagem).

Representaremos o conjunto das distribuicoes u : S(Rn) −→ C por S′(Rn).Tais objetos sao funcionais lineares contınuos sobre S(Rn), de modo que o con-ceito de continuidade pode ser traduzido da seguinte forma: u e contınuo se,e somente se, toda sequencia φjj∈N em S(Rn) tal que φj −→ 0 em S(Rn)

implica u(φj) −→ 0 em C, de modo que φj −→ 0 significa supx∈Rn(1 +‖x‖)m|Dβφ(x)| −→ 0 em C para todos m ∈ N, β ∈ Nn.

O conjunto das distribuicoes u : C∞c (Rn) −→ C sera denotado por D′(Rn)(nao utilizaremos estas distribuicoes neste capıtulo, somente as distribuicoesprovenientes de S′(Rn); as distribuicoes de D′(Rn) serao utilizadas fortementeno Capıtulo 4). Esta notacao vem do fato de que denota-se por D(Rn) o espacoC∞c (Rn), na literatura tradicional.32

Quando se trata de C∞c (Rn), existem certos elementos que sao particular-mente importantes. Tome u ∈ L1

loc(Rn) := f : Rn −→ C :∫K|f | dx <

∞, para qualquer K ⊆ Rn e m ∈ C∞c (Rn) tal que m ≥ 0 e∫Rn mdx = 1 - por

exemplo, tomando m tal que

m(x) :=

ce

1|x|2−1 , se |x| < 1

0, se |x| ≥ 1

e c e uma constante real escolhida de modo que se tenha∫Rn mdx = 1.

Para cada r > 0, definimos

mr(x) :=1

rnm(xr

)e u(r) := u ∗mr,

sendo u ∗mr o denominado produto de convolucao entre u e mr, definido por

(u ∗mr)(x) :=

∫Rnu(y)mr(x− y)dy,

para todo x ∈ Rn. Dois fatos importantes a respeito destas funcoes sao queu(r) ∈ C∞(Rn) e que u(r) −→ u em Lp(Rn), para todo u ∈ Lp(Rn), se

32Em D′(Rn), a continuidade pode ser traduzida da seguinte forma: u e contınuo se, esomente se, para toda sequencia φjj∈N em C∞c (Rn) tal que φj −→ 0 em C∞c (Rn), tem-se

que u(φj) −→ 0 em C, sendo que φj −→ 0 em C∞c (Rn) significa que existem n0 ∈ N eum compacto K ⊆ Rn tal que supp (φj) ⊆ K, para j ≥ n0 e ‖Dαφj‖∞ −→ 0, para todomulti-ındice α ∈ Nn

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1 ≤ p < +∞.

Um resultado basico e essencial para motivar certas definicoes na teoria dedistribuicoes e a seguinte:

Proposicao: Se f ∈ L1loc(Rn) e tal que

∫Rn f(x)φ(x)dx = 0, qualquer

que seja φ ∈ C∞c (Rn), entao f = 0 em quase toda parte de Rn (note quetal proposicao continua valida se trocarmos C∞c (Rn) por S(Rn), uma vez queC∞c (Rn) ⊆ S(Rn)).33

Demonstracao: E um fato bastante conhecido que, dado um compactoK ⊆ Rn existe uma funcao φ ∈ C∞c (Rn) tal que 0 ≤ φ ≤ 1 e φ|K = 1. Entao,para cada n ∈ N, podemos fixar uma ψn ∈ C∞c (Rn) satisfazendo 0 ≤ ψn ≤ 1e ψn(x) = 1, para todo x ∈ B(0, n) = x ∈ Rn : |x| ≤ n.34 Dessa forma,fψn ∈ L1(Rn) e

((fψn) ∗mr)(x) =

∫Rnf(y)ψn(y)mr(x− y)dy,

para todo x ∈ Rn. Como para cada x ∈ Rn fixado, a aplicacao y 7−→ ψn(y)mr(x−y) pertence a C∞c (Rn), temos por hipotese que ((fψn) ∗mr)(x) = 0, para todox ∈ Rn. Ainda, como havıamos observado que ((fψn)∗mr)(x) −→ fψn quandor −→ 0, concluımos que fψn = 0 em quase toda parte de Rn, para cada n ∈ N.Em particular, f = 0 em quase toda parte de B(0, n), para cada n ∈ N. Logo,f = 0 em quase toda parte de Rn.

Esta Proposicao e muito importante, pois se definirmos W como sendo oespaco vetorial das f ∈ L1

loc(Rn) tais que existem C > 0, N ∈ N satisfazendo|f(x)| ≤ C(1 + |x|2)N em quase toda parte de Rn (note que W contem Lp(Rn),para todo 1 ≤ p ≤ +∞), garantimos a existencia de uma aplicacao injetorajS : W −→ S′(Rn) dada por

jS(u)(φ) :=

∫Rnuφ dx,

para toda φ ∈ S(Rn), uma vez que C∞c (Rn) ⊆ S(Rn).35

Vamos ver como isto pode ser usado em nossa demonstracao.

33Retirada de [4], Teorema 1.734B(0, n) := x ∈ Rn : |x| < n35Tambem tem-se a existencia de uma aplicacao injetora jD : L1

loc(Rn) −→ D′(Rn) dada

por

jD(u)(φ) :=

∫Rn

uφ dx,

para toda φ ∈ C∞c (Rn) - ao contrario do observado na aplicacao jD, nao e toda funcao deL1loc(R

n) que define uma distribuicao de S′(Rn)

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Sejam A : S(Rn) −→ S(Rn) uma aplicacao linear contınua e B : S(Rn) −→S(Rn) uma aplicacao linear contınua que satisfazem∫

RnAφψdx =

∫RnφBψdx,

para todos φ, ψ ∈ S(Rn).36 Entao, a aplicacao

ΛA : S′(Rn) 3 u 7−→ u B ∈ S′(Rn)

esta bem definida, e ela estende a aplicacao A a S′(Rn), no sentido em que

jS A = ΛA (jS)|S(Rn),

ja que (jS)|S(Rn) e uma aplicacao injetora (observamos aqui que, se B for umisomorfismo - ou seja, um isomorfismo algebrico que e um homeomorfismo -entao ΛA sera um isomorfismo algebrico; usaremos isto mais tarde). Logo,como as operacoes Mα : φ 7−→ xαφ,Dα : φ 7−→ Dαφ e = sao operadoreslineares contınuos em S(Rn) e satisfazem∫

Rn(Mαφ)ψdx =

∫Rnφ(Mαψ)dx,

∫Rn

(Dαφ)ψdx =

∫Rnφ[(−1)|α|Dαψ]dx

e ∫Rn

(=φ)ψdx =

∫Rnφ(=ψ)dx,

para todos φ, ψ ∈ S(Rn), podemos definir as respectivas extensoes ΛMα,ΛDα

e Λ= em S′(Rn) (toda a discussao feita neste paragrafo pode ser repetidasubstituindo-se S(Rn) por C∞c (Rn), S′(Rn) por D′(Rn) e jS por jD, com exce-cao da transformada de Fourier).

Observamos para um uso posterior que se A := ∆ e B := ∆ : S(Rn) −→S(Rn), entao A : H2(Rn) −→ L2(Rn) nao se encaixa nas hipoteses acima (nao eum operador em S(Rn)), mas conseguimos definir apropriadamente a aplicacao

Λ∆ : S′(Rn) 3 u 7−→ u ∆ ∈ S′(Rn)

de modo que esta estenda a aplicacao A para S′(Rn), ou seja,

(∗) jS A = Λ∆ (jS)|H2(Rn),

pela definicao de derivacao fraca e pela observacao (presente na definicao dapagina 86) de que podemos trocar C∞c (Rn) por S(Rn).

36Na verdade, nao precisamos exigir nem a linearidade nem a continuidade da aplicacao A:a linearidade de B implica a linearidade de A, e uma versao do Teorema do Grafico Fechadopara espacos de Frechet implica a continuidade de A

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De maneira similar, se A := = : L2(Rn) −→ L2(Rn) e B := =, podemosdefinir tambem a aplicacao

Λ= : S′(Rn) 3 u 7−→ u = ∈ S′(Rn),

de modo que temos a igualdade∫Rn

(=f)ψdx =

∫Rnf(=ψ)dx,

para todos f ∈ L2(Rn) e ψ ∈ S(Rn). De fato, como S(Rn) e denso em L2(Rn)(pois C∞c (Rn) e denso em L2(Rn)), seja φjj∈N uma sequencia em S(Rn) que

converge a f ∈ L2(Rn), em L2(Rn). Entao,

〈=φj , ψ〉 =

∫Rn=φjψdx =

∫Rnφj=ψdx = 〈φj ,=ψ〉 = 〈φj ,=ψ〉,

para todo j ∈ N, pelo que ja sabemos. Assim, pela continuidade do produtointerno e da transformada de Fourier, obtemos∫

Rn=fψdx = 〈=f, ψ〉 = 〈f,=ψ〉 =

∫Rnf=ψdx,

provando a assercao. Portanto,

(∗∗) (jS =)(f) = (Λ= (jS)|L2(Rn))(f),

qualquer que seja f ∈ L2(Rn).

Assim, mostramos que Λ= estende a aplicacao = : L2(Rn) −→ L2(Rn) paraS′(Rn).

Vamos mostrar agora que

H2(Rn) ⊆ Dom(H0):

Seja f ∈ H2(Rn).

Como M|ξ|2 e auto-adjunto em Dom(|ξ|2) (que contem S(Rn)), temos que

=(−∆)=−1 = =−1(−∆)=, e da definicao da aplicacao Λ= vemos que

(∗ ∗ ∗) Λ=−1(−∆)= = Λ(M|ξ|2 )|S(Rn).

Ainda, como por definicao

Λ=−1(−∆)= = Λ= Λ−∆ Λ=−1 ,

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(note que Λ=−1 esta bem definida, pois =−1 e um isomorfismo sobre S(Rn))compondo os dois membros de (∗ ∗ ∗) com Λ=, obtemos

Λ= Λ−∆ = Λ(M|ξ|2 )|S(Rn) Λ=.

Aplicando esta igualdade na distribuicao jS(f) obtemos

(Λ= Λ−∆)(jS(f)) = (Λ(M|ξ|2 )|S(Rn) Λ=)(jS(f)),

que em notacao integral significa que∫Rnf(x)[−∆(=ψ)(x)] dx =

∫Rnf(x)[(=(|ξ|2ψ))(x)] dx,

qualquer que seja ψ ∈ S(Rn). Por (∗) e (∗∗), o membro da esquerda torna-se∫Rnf(x)[−∆(=ψ)(x)] dx =

∫Rn

[=(−∆f)](x)ψ(x) dx,

qualquer que seja ψ ∈ S(Rn). Por outro lado, aplicando (∗∗) no membro dadireita obtemos∫

Rnf(x)[(=(|ξ|2ψ))(x)] dx =

∫Rn

[|x|2(=f)(x)]ψ(x) dx,

para toda ψ ∈ S(Rn). Combinando as tres ultimas igualdades, concluımos que∫Rn

[=(−∆f)](x)ψ(x) dx =

∫Rn

[|x|2(=f)(x)]ψ(x) dx,

para toda ψ ∈ S(Rn). Como =(−∆f) ∈ L2(Rn) ⊆ L2loc(Rn) ⊆ L1

loc(Rn) e|x|2(=f)(x) ∈ L1

loc(Rn) (pois e o produto de duas funcoes de L2loc(Rn)), concluı-

mos pela Proposicao da pagina 88 que

|x|2(=f)(x) = =(−∆f) ∈ L2(Rn).

Logo, =f ∈ Dom(M|x|2) e, portanto, f ∈ Dom(−∆), uma vez que f ∈ Dom(−∆)se, e somente se, =f ∈ Dom(M|x|2). Isso finaliza a demonstracao de que

Dom(H0) = H2(Rn).

Na literatura tradicional, o operador “menos” Laplaciano (fraco) −∆, con-siderado sobre seu domınio de “self-adjointness” H2(Rn), e denotado por H0.Seguiremos tal convencao, a partir de agora. Alem disso, vamos comecar a de-notar o operador ∆ simplesmente por ∆, por uma questao de simplicidade.

Vamos agora demonstrar dois lemas37 que serao necessarios para forneceruma aplicacao do Teorema de Kato-Rellich:

37Suas demonstracoes foram inspiradas na exposicao feita em [20]

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Lema 3.1: Seja n um natural tal que 0 < n ≤ 3. Dado a > 0 existe b > 0tal que ‖ψ‖∞ ≤ a‖H0ψ‖2 + b‖ψ‖2, para toda ψ ∈ Dom(H0).

Demonstracao: Devido as definicoes da transformada de Fourier e danorma ‖ · ‖∞, sabemos que ‖=−1ψ‖∞ ≤ ‖ψ‖1, qualquer que seja ψ ∈ L1(Rn) ∩L2(Rn). Tome uma ψ ∈ Dom(H0). Devido ao que acabou de ser dito, semostrarmos que =ψ ∈ L1(Rn) e que para cada a > 0 existe b ∈ R satisfazendo

‖=ψ‖1 ≤ a‖M|λ|2=ψ‖2 + b‖=ψ‖2,

obteremos o resultado desejado, uma vez que a transformada de Fourier e umaisometria sobrejetora em L2(Rn) (e a sua inversa tambem). Seja a > 0. Comoψ ∈ Dom(H0) se, e somente se, =ψ ∈ Dom(M|λ|2), temos que |λ|2(=ψ)(λ) ∈L2(Rn). Assim, como tambem 1

1+|λ|2 ∈ L2(Rn) (foi aqui que usamos n ≤ 3),

pela desigualdade de Holder garantimos que [(1 + |λ|2)(=ψ)] · 1(1+|λ|2) = =ψ ∈

L1(Rn) e

(∗)∫Rn|(=ψ)(λ)|dλ ≤

√∫Rn

(1 + |λ|2)2|=ψ|2(λ)dλ ·

√∫Rn

1

(1 + |λ|2)2dλ

√∫Rn

1

(1 + |λ|2)2dλ (‖|λ|2(=ψ)(λ)‖2 + ‖(=ψ)‖2).

Defina, para cada r > 0 a funcao (=ψ)r por (=ψ)r(λ) := rn(=ψ)(rλ), paratodo λ ∈ Rn. Entao valem as relacoes ‖(=ψ)r‖1 = ‖(=ψ)‖1, ‖(=ψ)r‖2 =

rn/2‖(=ψ)‖2 e ‖|λ|2(=ψ)r(λ)‖2 = rn−42 ‖|λ|2(=ψ)(λ)‖2 pois∫

Rn|rn(=ψ)(rλ)|dλ = rn

∫Rn|(=ψ)(y)| 1

rndy =

∫Rn|(=ψ)(y)|dy,√∫

Rn|rn(=ψ)(rλ)|2dλ = rn

√∫Rn|(=ψ)(y)|2 1

rndy = rn/2

√∫Rn|(=ψ)(y)|2dy

e √∫Rn|rn|λ|2(=ψ)(rλ)|2dλ = rn

√∫Rn

∣∣∣∣∣∣∣yr ∣∣∣2 (=ψ)(y)

∣∣∣∣2 1

rndy =

r(n−n+42 )

√∫Rn||y|2(=ψ)(y)|2dy =

rn−42

√∫Rn||y|2(=ψ)(y)|2dy.

Assim, (=ψ)r ∈ L1(Rn) e podemos substituir (=ψ) por (=ψ)r em (∗), de ondeobtemos

‖(=ψ)‖1 = ‖(=ψ)r‖1 ≤

√∫Rn

1

(1 + |λ|2)dλ (r

n−42 ‖|λ|2(=ψ)(λ)‖2+rn/2‖(=ψ)‖2).

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Como n ≤ 3, e a ultima desigualdade obtida e valida para todo r > 0, podemos

escolher um r > 0 grande o suficiente para que tenhamos√∫

Rn1

(1+|λ|2)dλ rn−42 <

a. Assim, concluımos a validade da desigualdade

‖=ψ‖1 ≤ a‖M|λ|2=ψ‖2 + b‖=ψ‖2

para algum b > 0 e, consequentemente, o resultado que querıamos provar.

Teorema 3.2 (Kato): Seja V uma funcao Lebesgue-mensuravel definidaem Rn, 0 < n ≤ 3, que assume somente valores reais. Assuma que V ∈L2(Rn) + L∞(Rn), isto e, que existem V1 ∈ L2(Rn) e V2 ∈ L∞(Rn) tais queV = V1 + V2. Entao, o operador H0 + MV e essencialmente auto-adjunto emC∞c (Rn) e auto-adjunto em Dom(H0) := H2(Rn) (seguindo a literatura usual,representaremos o operador MV simplesmente por V ).

Demonstracao: Pelo resultado mostrado no item 2 da Observacao XIIIdas Consideracoes Iniciais, sabemos que o operador de multiplicacao V e auto-adjunto (e, portanto, em particular, e fechado e simetrico). Para toda φ ∈C∞c (Rn), temos a desigualdade

‖V φ‖22 =

∫Rn|V1φ+ V2φ|2dx ≤∫

Rn|V1φ|2dx+ 2

∫Rn|V1φ||V2φ|dx+

∫Rn|V2φ|2dx

≤ ‖V1‖22‖φ‖2∞ + 2‖V1φ‖1‖V2‖∞‖φ‖∞ + ‖V2‖22‖φ‖2∞ ≤(∗)

‖V1‖22‖φ‖2∞ + 2‖V1‖2‖φ‖2‖V2‖∞‖φ‖∞ + ‖V2‖22‖φ‖2∞ =

(‖V1‖2‖φ‖∞ + ‖φ‖2‖V2‖∞)2,

o que mostra C∞c (Rn) ⊆ Dom(V ) (em (∗) usamos a desigualdade de Holder).Aplicando o resultado do Lema 3.1 na desigualdade acima obtida, concluımosque, tomando a := 1

1+‖V1‖2 > 0, existe b > 0 tal que

‖V φ‖2 ≤ a‖V1‖2‖H0φ‖2 + (b‖V1‖2 + ‖V2‖∞)‖φ‖2,

qualquer que seja φ ∈ C∞c (Rn). Para podermos aplicar o Teorema de Kato-Rellich a ultima desigualdade, precisamos, antes de mais nada, garantir queDom(V ) ⊇ H2(Rn). Tome, entao, ψ ∈ Dom(H0). Como C∞c (Rn) e densoem H2(Rn) (este e um fato nao-trivial que vamos usar, e que cuja demonstra-cao pode ser encontrada extraindo-se informacoes de [15] e [23]), garantimosa existencia de uma sequencia φnn∈N em C∞c (Rn) tal que φn −→ ψ emH2(Rn). Assim, ela e tambem uma sequencia de Cauchy em H2(Rn). Mas,entao, V φnn∈N e uma sequencia de Cauchy em L2(Rn), pois

‖V φn − V φm‖2 ≤ (maxa‖V1‖2, (b‖V1‖2 + ‖V2‖∞))‖φn − φm‖H2(Rn),

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para todos m,n ∈ N. Da completude de L2(Rn), segue a existencia de limn V φn.Como V e um operador fechado, concluımos que ψ ∈ Dom(V ) e limn V φn = V ψ.Isto mostra que Dom(V ) ⊇ H2(Rn). Alem disso, o argumento acima nos mostraque

‖V ψ‖2 ≤ v‖H0ψ‖2 + (b‖V1‖2 + ‖V2‖∞)‖ψ‖2,para um certo 0 ≤ v < 1 e um certo b > 0, qualquer que seja ψ ∈ H2(Rn), demodo que, pelo Teorema de Kato-Rellich, temos que H0 +V e auto-adjunto emDom(H0) = H2(Rn) e essenciamente auto-adjunto em C∞c (Rn), uma vez queC∞c (Rn) e um core de H0.

Finalmente, vamos dar as aplicacoes prometidas.38

“O atomo de hidrogenio e um atomo qualquer”

O Hamiltoniano quantico nao-relativıstico correspondente ao sistema com-posto por uma uma partıcula de massa m sujeita a acao do potencial V e dadopelo operador de Schrodinger

H = − ~2

2m∆ + V (x)

agindo em L2(R3).

A funcao V : Rn 3 x 7−→ V (x) := − κ‖x‖ , onde κ ∈ R, e denominada po-

tencial de Coulomb, e representa a interacao eletrostatica entre duas partıculascarregadas, em que e feita a aproximacao de que uma das partıculas possui umamassa muito grande em relacao a da outra, de modo que a partıcula com “massagrande” permanece em repouso na origem. Se κ = −e2, onde −e e a carga deum eletron (e > 0), entao V representa o potencial Coulombiano correspondenteao atomo de hidrogenio.

Como para um r > 0 fixado,

V = V χB(0,r) + V χR3\B(0,r),

V χB(0,r) ∈ L2(R3) e V χR3\B(0,r) ∈ L∞(Rn), vemos pelo Teorema 3.2 que H =H0 +V (x) e auto-adjunto em H2(R3), e representa o observavel de energia totaldo sistema em questao. Alem disso, de acordo com a Mecanica Classica, o atomode hidrogenio e instavel: conforme o eletron orbita o nucleo ele irradia energiae colapsa no nucleo. Em Mecanica Quantica, a propriedade de estabilidade doatomo de hidrogenio e expressa matematicamente pelo fato de o Hamiltonianoser um operador auto-adjunto limitado inferiormente. Como σ(H0) = [0,+∞)39(e, portanto, H0 e limitado inferiormente por 0, pelo Lema 2.2), vemos pelasestimativas obtidas no Teorema de Kato-Rellich que

σ(H) ⊆ [−max b/(1− a), b ,+∞)

38Tais aplicacoes foram retiradas de [20], [6], [8] e [12]39Pelo que provamos neste capıtulo e pelo item 4 da Observacao XIII

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e, portanto, H e limitado inferiormente, pelo Lema 2.2. Assim, a MecanicaQuantica da a predicao (correta) de que o atomo de hidrogenio e estavel, quefoi um dos primeiros grandes triunfos desta teoria.

Podemos estender este resultado para um Hamiltoniano (aproximado) de umatomo qualquer, dado por

−∑

1≤i≤n

∆i −∑

1≤i≤n

ne2

‖xi‖+

∑1≤i,j≤n,i<j

e2

‖xi − xj‖,

(note que∑

1≤i≤n ∆i = ∆, onde ∆ e o Laplaciano em 3n dimensoes) agindo

em L2(R3n), e mostrar que ele e auto-adjunto em Dom(H0) = H2(R3n), eessencialmente auto-adjunto em C∞c (R3n). Seja V uma funcao real e mensuraveldefinida em R3, e que pertence a L2(R3) + L∞(R3) (na verdade, V e umafuncao real e mensuravel definida em R3n, mas que possui dependencia efetivade somente tres dessas variaveis; em relacao a estas tres variaveis, pedimos queas funcoes pertencam a L2(R3)+L∞(R3)). Suponha que y = (~yj)1≤j≤n e V (~yk)e um operador de multiplicacao em L2(R3n), onde ~yk e um vetor que possui tresdas coordenadas de R3n, relativamente as quais V possui dependencia. Usandoo fato de o operador −∆ ser invariante por rotacoes de coordenadas, podemosassumir sem perda de generalidade que as variaveis das quais V depende saoy1, y2 e y3. Denotemos por ∆1 o Laplaciano correspondente a estas tres variaveis.Como as normas ‖ ·‖2 e ‖ ·‖∞ sao invariantes por rotacoes de coordenadas e porum passo intermediario presente na demonstracao do Teorema 3.2 concluımosque, para toda φ ∈ R3n temos, fixando todas as variaveis ~yj , 2 ≤ j ≤ n que,dado a > 0, existe b > 0 satisfazendo

‖V φ‖2L2(R3) ≤ (a‖V1‖L2(R3)‖−∆1φ‖L2(R3)+(b‖V1‖L2(R3)+‖V2‖∞)‖φ‖L2(R3))2 =

a2‖V1‖2L2(R3)‖ −∆1φ‖2L2(R3) + (b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2‖φ‖2L2(R3)+

2a‖V1‖L2(R3)‖ −∆1φ‖L2(R3)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)‖φ‖L2(R3).

Mas, desenvolvendo a identidade(rs− 1

rt

)2

≥ 0,

onde r, s, t ∈ R, obtemos a desigualdade

2st ≤ r2s2 +1

r2t2.

Fazendo s := a‖V1‖L2(R3)‖−∆1φ‖L2(R3) e t := (b‖V1‖L2(R3) +‖V2‖∞)‖φ‖L2(R3),podemos utilizar esta ultima desigualdade para obtermos

(D) ‖V φ‖2L2(R3) ≤(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3)‖ −∆1φ‖2L2(R3)+(

1 +1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2‖φ‖2L2(R3).

95

Page 97: O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness ... · para operadores normais utilizando a teoria de C - algebras, e conclui-se uma nova demonstra˘c~ao do teorema espectral

Agora, como−∆1 = =−1M∑3

i=1 |yi|2=

e = e uma aplicacao unitaria em S(R3) (considerando-se S(R3) como um subes-paco normado de L2(R3)), temos que

‖−∆1φ‖2L2(R3) =∥∥∥(=−1M∑3

i=1 |yi|2=)φ(~y1, ..., ~yn)

∥∥∥2

L2(R3)=

∥∥∥(M∑3i=1 |yi|2

)(=φ)(~y1, ..., ~yn)

∥∥∥2

L2(R3)=

∫R3

(3∑i=1

|yi|2)2

|(=φ)(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3 ≤(∗)

∫R3

(3n∑i=1

|yi|2)2

|(=φ)(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3

((∗) lembre-se de que as variaveis ~yj , 2 ≤ j ≤ n estao fixas). Assim, da desigual-dade (D) vem que

‖V φ‖2L2(R3) =

∫R3

|V (~y1)φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3 ≤

(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3)

∫R3

(3n∑i=1

|yi|2)2

|(=φ)(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3 +

(1 +

1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2

∫R3

|φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3.

Finalmente, integrando-se as outras dimensoes, obtemos∫R3n−3

[∫R3

|V (~y1)φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3

]. . . dy3n ≤

(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3)

∫R3n−3

∫R3

(3n∑i=1

|yi|2)2

|(=φ)(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3

. . . dy3n

+(1 +

1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) +‖V2‖∞)2

∫R3n−3

[∫R3

|φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3

]. . . dy3n

e, pelo Teorema de Fubini, vemos que

‖V φ‖2L2(R3n) =

∫R3n

|V (~y1)φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3 . . . dy3n =

∫R3n−3

[∫R3

|V (~y1)φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1dy2dy3

]. . . dy3n ≤

96

Page 98: O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness ... · para operadores normais utilizando a teoria de C - algebras, e conclui-se uma nova demonstra˘c~ao do teorema espectral

(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3)

∫R3n

(3n∑i=1

|yi|2)2

|(=φ)(~y1, ..., ~yn)|2 dy1 . . . dy3n +

(1 +

1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2

∫R3n

|φ(~y1, ..., ~yn)|2 dy1 . . . dy3n =

(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3)

∥∥∥∥∥(

3n∑i=1

|yi|2)

(=φ)(~y1, ..., ~yn)

∥∥∥∥∥2

L2(R3n)

+

(1 +

1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2‖φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n) =(

1 + r2)a2‖V1‖2L2(R3) ‖H0φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n) +(

1 +1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2‖φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n).

Assim, concluımos que, para todo a > 0 existe b > 0 satisfazendo a desigualdade

(E) ‖V φ‖2L2(R3n) ≤(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3) ‖H0φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n) +(

1 +1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2‖φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n),

para toda φ ∈ C∞c (R3n) e todo 0 6= r ∈ R. Na realidade, argumentando comona demonstracao do Teorema 3.2, garantimos a validade da desigualdade (E)para toda φ ∈ H2(R3n).

Veja que tal argumento continuaria valido se V , ao inves de pertencer aL2(R3) + L∞(R3) (no sentido explicitado acima), fosse uma funcao que de-pendesse efetivamente de algumas (ou todas) as coordenadas ~yj , 1 ≤ j ≤ ne tal que exista uma coordenada ~yj0 com a propriedade de que, fixadas to-das as outras coordenadas, a funcao ~yj0 7−→ V (~y1, . . . , ~yj0 , . . . , ~yn) pertencaa L2(R3) + L∞(R3). Em particular, se j 6= k, entao fixando ~yj , a funcao~yk 7−→ V (~yk − ~yj) (que sera de nosso interesse, em breve) satisfaz essa proprie-dade: de maneira analoga, podemos assumir sem perda de generalidade que Vdepende de ~y1 (isto e, ~y1 7−→ V (~y1 − ~yj)) com j 6= 1 e, fixando todas as outrascoordenadas ~yi, 2 ≤ i ≤ n, obter uma desigualdade

‖V (~y1 − ~yj)φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3) ≤(1 + r2

)a2‖V1(~y1 − ~yj)‖2L2(R3)‖ −∆1φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3)+(

1 +1

r2

)(b‖V1(~y1 − ~yj)‖L2(R3) + ‖V2(~y1 − ~yj)‖∞)2‖φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3);

97

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procedendo de maneira analoga, tambem concluımos que, para todo a > 0 existeb > 0 satisfazendo a desigualdade

(E’) ‖V (~y1 − ~yj)φ‖2L2(R3n) ≤(1 + r2

)a2‖V1‖2L2(R3) ‖H0φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n) +(

1 +1

r2

)(b‖V1‖L2(R3) + ‖V2‖∞)2‖φ(~y1, ..., ~yn)‖2L2(R3n),

para toda φ ∈ H2(R3n) e todo 0 6= r ∈ R.

Vamos agora utilizar estes resultados para mostrar o resultado que prome-temos.

Sejam n,m ∈ N maiores do que 0 e V uma funcao real e mensuravel definidaem R3, e que pertence a L2(R3)+L∞(R3) (novamente, cada Vk e uma funcao reale mensuravel definida em R3n, mas que possui dependencia efetiva de somentetres dessas variaveis). Entao, o operador

H = H0 + V (~y1, ..., ~yn),

agindo em L2(R3n), onde

V (~y1, ..., ~yn) := −κ1

∑1≤k≤n

V (yk) + κ2

∑1≤i,j≤n,i<j

V (~yi − ~yj),

κ1, κ2 > 0, e auto-adjunto em Dom(H0) = H2(R3n), e essencialmente auto-adjunto em C∞c (R3n): tomando r = 1 em (E) e (E′),

δ := max κ1, κ2(n+

n(n− 1)

2

),

usando que∥∥∥∥∥∥−κ1

∑1≤k≤n

V (yk) + κ2

∑1≤i,j≤n,i<j

V (~yi − ~yj)

φ

∥∥∥∥∥∥2

L2(R3n)

≤(∗∗)

δ

∑1≤k≤n

‖V (yk)φ‖2L2(R3n) +∑

1≤i,j≤n,i<j

‖V (~yi − ~yj)φ‖2L2(R3n)

((∗∗) basta usar a desigualdade triangular e a desigualdade ∑

1≤k≤m

rk

2

=∑

1≤k,l≤m

rkrl ≤1

2

∑1≤k,l≤m

(r2k + r2

l ) =

98

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1

2

∑1≤k≤m

∑1≤l≤m

r2k

+

1

2

∑1≤k≤m

∑1≤l≤m

r2l

= m∑

1≤i≤m

r2i ,

com rk ≥ 0, para todo 1 ≤ k ≤ m), para toda φ ∈ H2(R3n), e escolhendo-se asuficientemente pequeno, mostra-se que existem 0 ≤ a′ < 1 e b′ > 0 satisfazendo∥∥∥V (~y1, ..., ~yn)φ

∥∥∥2

L2(R3n)≤ (a′)2‖H0φ‖2L2(R3n) + (b′)2‖φ‖2L2(R3n),

para toda φ ∈ H2(R3n). Para podermos aplicar o Teorema de Kato-Rellich,precisamos verificar que a Definicao 2.2 e equivalente a seguinte definicao: se Ae B sao operadores densamente definidos simetricos num espaco de Hilbert H,dizemos que B e A-limitado se Dom(B) ⊇ Dom(A) e existem a, b ≥ 0 tais que

‖Bv‖2 ≤ a2‖Av‖2 + b2‖v‖2,

para todo v ∈ Dom(A). O ınfimo de tais a ≥ 0 e denominada a cota de Brelativa a A, e sera denotado por N ′A(B). Sejam a, b ≥ 0 satisfazendo a desi-gualdade presente na Definicao 2.2. Elevando os dois membros da desigualdadeao quadrado obtemos

‖Bv‖2 ≤ a2‖Av‖2 + b2‖v‖2 + 2ab‖Av‖‖v‖,

para todo v ∈ Dom(A). Utilizando a desigualdade

2st ≤ r2s2 +1

r2t2

da pagina 95, temos que para qualquer r ∈ R\0,

‖Bv‖2 ≤(1 + r2

)a2‖Av‖2 +

(1 +

1

r2

)b2‖v‖2,

para todo v ∈ Dom(A). Assim, como tal desigualdade e valida para r′s arbitra-riamente pequenos, vemos que a Definicao 2.2 implica a outra, mencionada logoacima, e que N ′A(B) ≤ NA(B). Para ver a outra implicacao basta ver que, se

‖Bv‖2 ≤ a2‖Av‖2 + b2‖v‖2,

para todo v ∈ Dom(A), entao

‖Bv‖2 ≤ a2‖Av‖2 + b2‖v‖2 + 2ab‖Av‖‖v‖ = (a‖Av‖+ b‖v‖)2,

para todo v ∈ Dom(A), mostrando que

‖Bv‖ ≤ a‖Av‖+ b‖v‖,

para todo v ∈ Dom(A). Isto estabelece NA(B) ≤ N ′A(B), e mostra a equivalen-cia das duas definicoes.

99

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Assim, podemos aplicar o Teorema de Kato-Rellich e concluir, finalmente,que o operador

H = H0 + V (~y1, ..., ~yn)

acima e auto-adjunto em Dom(H0) = H2(R3n), e essencialmente auto-adjuntoem C∞c (R3n). Concluımos, em particular, que o operador de Schrodinger

−∑

1≤i≤n

∆i −∑

1≤i≤n

ne2

‖xi‖+

∑1≤i,j≤n,i<j

e2

‖xi − xj‖,

(note que∑

1≤i≤n ∆i = ∆, onde ∆ e o Laplaciano em 3n dimensoes) agindo

em L2(R3n) e auto-adjunto em Dom(H0) = H2(R3n), e essencialmente auto-adjunto em C∞c (R3n), uma vez que C∞c (R3n) e um core de H0.

Terminamos este capıtulo observando que, na verdade, o Teorema 3.2 nospermite concluir que o Hamiltoniano dado por H = H0− κ

‖x‖α , com 0 < α < 3/2

e κ ∈ R, e auto-adjunto em Dom(H0) = H2(R3), e essencialmente auto-adjuntoem C∞c (R3).

O Hamiltoniano com o potencial de Yukawa dado por

H = H0 −κ

‖x‖e−µ‖x‖,

κ, µ > 0, tambem e auto-adjunto em Dom(H0) e essencialmente auto-adjuntoem C∞c (R3), pelo Teorema 3.2, pois V (x) = − κ

‖x‖e−µ‖x‖ ∈ L2(R3). O potencial

de Yukawa representa um modelo aproximado de forcas nucleares transmitidaspor uma partıcula de massa µ > 0.

100

Page 102: O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness ... · para operadores normais utilizando a teoria de C - algebras, e conclui-se uma nova demonstra˘c~ao do teorema espectral

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4 A desigualdade de Kato40

Neste capıtulo, introduzimos o conceito de positividade para distribuicoes.Dizemos que u ∈ D′(Rn) e positiva (e denotamos por u ≥d 0) se u(φ) ≥ 0,para toda φ ∈ C∞c (Ω) tal que φ ≥ 0. Isto induz uma ordem parcial em D′(Rn):dadas duas distribuicoes u, v ∈ D′(Rn), diremos que u ≥d v se u− v ≥d 0.

Para todo u ∈ L1loc(Rn) e ε > 0, defina uε :=

√|u|2 + ε2,

sgn u(x) :=

0, se u(x) = 0u/|u|, se u(x) 6= 0

esgnεu := u/uε.

Estas notacoes serao utilizadas ao longo do capıtulo e, como nos dois capıtulosanteriores, a medida em questao neste capıtulo sera sempre a medida de Lebes-gue:

Lema 4.1: Se ρ ∈ C∞(Rn), entao vale a desigualdade

∆(ρε)(x) ≥ Re ((sgnερ)∆ρ)(x),

para todo x ∈ Rn.

Demonstracao: Por definicao,

ρ2ε = |ρ|2 + ε2

e, tomando a diferencial nos dois membros da equacao - ou melhor, o gradientenos dois membros da equacao -, obtemos no membro da direita

((∂iρ)ρ+ ρ (∂iρ))1≤i≤n = (ρ(∂iρ) + ρ(∂iρ))1≤i≤n =

(2Re ρ(∂iρ))1≤i≤n

e (lembre-se que ρε e uma funcao a valores reais)

(2ρε(∂iρε))1≤i≤n = 2ρε∇ρε

na esquerda, isto e,

Re (ρ(∇ρ)) := (Re (ρ(∂iρ)))1≤i≤n = ρε∇ρε.40A demonstracao da desigualdade de Kato e de seu corolario foram inspiradas na exposicao

feita em [6]

102

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Desta ultima equacao derivam duas outras: a primeira e obtida tomando odivergente desta:

‖∇ρ‖2 + Re (ρ∆ρ) =

∇ · (Re (ρ(∂iρ)))1≤i≤n = ∇ · (ρε∇ρε) =

‖∇ρε‖2 + ρε∆ρε.

A segunda e (lembre-se que ρε nao se anula em Rn, e que ρε ≥ |ρ|)

‖∇ρε‖ =‖Re (ρ(∇ρ))‖

ρε≤ ‖ρ(∇ρ)‖

|ρ|≤ ‖∇ρ‖.

Combinando estas duas relacoes, obtemos a relacao

ρε∆ρε − Re (ρ∆ρ) ≥ 0

e, dividindo os dois membros por ρε, concluımos que

∆ρε ≥Re (ρ∆ρ)

ρε= Re ((sgnερ)∆ρ).

Isto mostra o que desejamos. Note que, em particular, tambem vale a desigual-dade distribucional

∆ρε ≥d Re ((sgnερ)∆ρ),

isto e, ∫Rnρε∆φdx ≥

∫Rn

Re ((sgnερ)∆ρ)φdx = Re

∫Rn

(sgnερ)∆ρφ dx,

qualquer que seja φ ∈ C∞c (Rn) com φ ≥ 0.

Definicao: Seja u ∈ L1loc(Rn). Dizemos que uma sequencia de funcoes

unn∈N de L1loc(Rn) converge a u em L1

loc(Rn) se para todo compacto K ⊆ Rntem-se que ∫

K

|un − u|dx −→ 0,

quando n→ +∞.

Lema 4.2: (Muitas notacoes utilizadas aqui foram definidas no capıtuloanterior) Se u ∈ L1

loc(Rn), entao∫K

|u(r) − u|dx −→ 0,

para todo K ⊆ Rn compacto, quando r → 0. Alem disso, se xmm∈N e umasequencia real de elementos nao-nulos tal que xm −→ 0, entao podemos extrairuma subsequencia ymjj∈N de xmm∈N tal que u(ymj ) −→ u pontualmente em

103

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quase toda parte de Rn e tal que u(ymj ) converge a u em L1loc(Rn).

Demonstracao: Seja K ⊆ Rn um compacto. Vamos mostrar que

limr→0

∫K

|u(r) − u|dx = 0.

Tome ε > 0. Para cada real r > 0 fixado, temos que∫K

|u(r)−u|dx =

∫K

∣∣∣∣(∫Rnu(x− y)

1

rnm(yr

)dy

)−∫Rnu(x)

1

rnm(yr

)dy

∣∣∣∣ dx ≤∫K

(∫Rn|u(x− y)− u(x)| 1

rnm(yr

)dy

)dx =∫

K

(∫Rn|u(x− ry)− u(x)|m(y) dy

)dx =∫

supp(m)

(∫K

|u(x− ry)− u(x)|dx)m(y)dy.

Vamos analisar a integral ∫K

|u(x− ry)− u(x)|dx,

segundo os parametros r e y. Tome uma bola aberta B(0, a), a > 0 tal quesupp(m) ⊆ B(0, a) e Ω uma bola aberta com raio suficientemente grande paraque se tenha

r1K + r2B(0, a) ⊆ Ω,

para todos r1, r2 ∈ [−1, 1]\0 (note que, em particular, K ⊂ Ω) e dist(K, ∂Ω) :=inf|k − x| : x ∈ ∂Ω, k ∈ K > 0. Fixe y ∈ supp(m). A funcao uχΩ pertence aL1(Ω), de modo que existe φ ∈ C∞c (Ω) tal que∫

K

|u(x)− φ(x)|dx ≤∫

Ω

|u(x)− φ(x)|dx < ε

3.

Fixe, agora, r ∈ [−1, 1]\0. E tambem verdade que (agora vamos usar aexigencia de que r1K + r2B(0, a) ⊆ Ω, para todos r1, r2 ∈ [−1, 1]\0)∫

K

|u(x− ry)− φ(x− ry)|dx =

∫rK

1

rn

∣∣∣u(xr− ry

)− φ

(xr− ry

)∣∣∣ dx =

∫r2y+rK

1

rn

∣∣∣u(xr

)− φ

(xr

)∣∣∣ dx =

∫ry+K

|u(x)− φ(x)|dx ≤∫Ω

|u(x)− φ(x)|dx < ε

3.

104

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Temos entao que, para cada y ∈ supp(m) e todo r ∈ [−1, 1]\0,∫K

|u(x− ry)− u(x)|dx ≤

∫K

|u(x− ry)− φ(x− ry)|dx+

∫K

|φ(x− ry)− φ(x)|dx+

∫K

|φ(x)− u(x)|dx <

ε

3+

∫K

|φ(x− ry)− φ(x)|dx+ε

3.

Vamos mostrar que existe r0 > 0 possuindo a propriedade de que, para todor ∈ (−r0, r0)\0, ∫

K

|φ(x− ry)− φ(x)|dx < ε

3,

qualquer que seja y ∈ supp(m). Fixe y ∈ supp(m). Estendendo φ continu-amente ao bordo ∂Ω (fazendo φ = 0 em ∂Ω), temos que φ e uniformementecontınua em Ω (uma vez que este conjunto e compacto), e garantimos a exis-tencia de dist(K, ∂Ω) > δ > 0 de modo que, se x1, x2 ∈ Ω e |x1 − x2| < δ,entao

|φ(x1)− φ(x2)| < ε

3(µL(K) + 1),

µL(K) sendo a medida de Lebesgue de K, que e finita. Da compacidade de K,sabemos que existe um conjunto finito de pontos ki1≤i≤p de K satisfazendoK ⊆ ∪1≤i≤pB(ki, δ/2) (note que ∪1≤i≤pB(ki, δ/2) ⊆ Ω, pois 0 < dist(K, ∂Ω) <δ). Faca r0 := δ

2a . Para cada x ∈ K, o vetor x + ry satisfaz, para todor ∈ (−r0, r0)\0, a propriedade de que |ry| = |r||y| < r0a = δ/2. Alem disso,se x ∈ K, entao |x− ki| < δ/2 para algum 1 ≤ i ≤ p e

|(x+ ry)− ki| ≤ |(x+ ry)− x|+ |x− ki| <δ

2+δ

2= δ,

mostrando que x+ry ∈ B(ki, δ) ⊆ Ω, para todo r ∈ (−r0, r0)\0. Estes ultimosargumentos nos dizem que se r ∈ (−r0, r0)\0, a diferenca |φ(x− ry)−φ(x)| emenor do que ε

3(µL(K)+1) , quaisquer que sejam x ∈ K, y ∈ supp(m) e, portanto,que ∫

K

|φ(x− ry)− φ(x)|dx < ε

3.

Juntando todos os argumentos acima vemos que, se 0 6= |r| ≤ 1 e |r| < r0, entao∫K

|u(x− ry)− u(x)|dx < ε

3+ε

3+ε

3= ε.

Isto estabelece que∫supp(m)

(∫K

|u(x− ry)− u(x)|dx)m(y)dy ≤ ε

∫supp(m)

m(y)dy = ε,

105

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e termina a demonstracao de que

limr→0

∫K

|u(r) − u|dx = 0.

Seja xmm∈N uma sequencia como no enunciado. Pelo que acabou de serprovado e claro que ∫

K

|u(xm) − u|dx −→ 0,

qualquer que seja o compacto K ⊆ Rn. Vamos extrair desta sequencia umasubsequencia como no enunciado. Rn e σ-compacto com, por exemplo, Rn =∪l∈NKl, sendo Kl := B(0, l) = x ∈ Rn : ‖x‖ ≤ l. Temos que∫

K1

|u(xm) − u|dx −→ 0,

pelo que provamos ha pouco. Portanto, existe uma subsequencia xm1kk∈N de

xmm∈N tal que

u

(xm1k

)−→ u

pontualmente em todo ponto de um certo subconjunto A1 ⊆ K1 tal que

µL(K1\A1) = 0.

Tal subsequencia tambem satisfaz xm1k−→ 0 e, portanto,

∫K2

|u

(xm1k

)− u|dx −→ 0.

Logo, existe uma subsequencia de xm1kk∈N, digamos, xm2

kk∈N, tal que

u

(xm2k

)−→ u

pontualmente em todo ponto de um certo subconjunto A2 ⊆ K2 tal que

µL(K2\A2) = 0.

Aplicando este argumento recursivamente, dada a subsequencia xmjkk∈N que

satisfaz

u

(xmjk

)−→ u

em todo ponto de um certo subconjunto Aj ⊆ Kj satisfazendo µL(Kj\Aj) = 0,podemos sempre extrair uma subsequencia xmj+1

kk∈N de xmjkk∈N tal que

u

(xmj+1k

)−→ u

106

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pontualmente em todo ponto de um certo subconjunto Aj+1 ⊆ Kj+1 satisfa-zendo µL(Kj+1\Aj+1) = 0. Tome a sequencia xmjjj∈N. Entao xmjjj∈N e

uma subsequencia de xmm∈N (note que mj+1j+1 > mj+1

j ≥ mjj) e

u

(xmjj

)−→ u

pontualmente em quase toda parte de Rn. De fato, se x ∈ ∪Aj , entao existej ∈ N tal que x ∈ Aj e, como xmkkk≥j e uma subsequencia de xmjkk∈N,temos que

u

(xmkk

)(x) −→ u(x).

Alem disso,

Rn =

(⋃n∈N

An

)⋃(⋃n∈N

Kn\An

)e µL

(⋃n∈NKn\An

)= 0. Como xmjj

−→ 0, vale tambem que

∫K

|u

(xmjj

)− u|dx −→ 0,

qualquer que seja o compacto K ⊆ Rn.

Antes de ir para o teorema principal da secao, facamos uma breve pausa paradiscutir algumas notacoes. De acordo com o que foi discutido no capıtulo ante-rior a respeito da aplicacao jD,41 podemos identificar as funcoes u ∈ L1

loc(Rn)com as distribuicoes jD(u), de acordo com a literatura usual, e e isso o quefaremos agora.

Assim, diremos que uma distribuicao u ∈ D′(Rn) esta em L1loc(Rn) se existir

alguma f ∈ L1loc(Rn) tal que u = jD(f), e representaremos, por um abuso de

notacao, u = f . Tambem estenderemos a filosofia discutida la para definirmosa diferenciacao em distribuicoes de D′(Rn) por

Dα(u)(φ) := (−1)|α|u(Dαφ),

para todo multi-ındice α ∈ Nn e toda φ ∈ C∞c (Rn) (note que tambem simplifi-camos a notacao aqui, e estamos escrevendo Dα ao inves de ΛDα).

Desigualdade de Kato: Se ψ ∈ L1loc(Rn) e ∆ψ e uma distribuicao em

L1loc(Rn), entao vale a desigualdade distribucional

∆|ψ| =d ∆((sgn ψ)ψ) ≥d Re ((sgn ψ)∆ψ),

isto e, ∫Rn|ψ|∆φdx =

∫Rn

(sgn ψ)ψ∆φdx ≥ Re

∫Rn

(sgn ψ)[∆ψ]φdx,

41Veja a nota de rodape na pagina 88

107

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para toda φ ∈ C∞c (Rn) com φ ≥ 0.

Demonstracao: Como ψ(r) ∈ C∞(Rn) ⊆ L1loc(Rn), sabemos pelo Lema 4.1

que

(∗)∫Rn

(ψ(r))ε∆φdx ≥ Re

∫Rn

sgnε(ψ(r))∆(ψ(r))φdx,

quaisquer que sejam r > 0, ε > 0 e φ ∈ C∞c (Rn), φ ≥ 0. A estrategia dademonstracao consiste em, primeiramente, fazer r −→ 0 e, depois, fazer ε −→ 0.Vamos, entao, mostrar que∫

Rnψε∆φdx ≥ Re

∫Rn

(sgn εψ)[∆ψ]φdx.

Fixe φ ∈ C∞c (Rn), φ ≥ 0 e ε > 0. E valida a desigualdade

|(ψ(r))ε − ψε| = |(|ψ(r)|2 + ε2)12 − (|ψ|2 + ε2)

12 | =

|(|ψ(r)|2 + ε2)− (|ψ|2 + ε2)|(|ψ(r)|2 + ε2)

12 + (|ψ|2 + ε2)

12

=

|ψ(r) − ψ| |ψ(r) + ψ||(|ψ(r)|2 + ε2)

12 + (|ψ|2 + ε2)

12 |≤

|ψ(r) − ψ| (|(ψ(r)|2)12 + (|ψ)|2)

12

|(|ψ(r)|2 + ε2)12 + (|ψ|2 + ε2)

12 |<

|ψ(r) − ψ|.

Pelo Lema 4.2 sabemos que para todo compacto K ⊆ Rn temos∫K

|ψ(r) − ψ|dx −→ 0,

de modo que podemos extrair uma subsequencia ψ(1/mk)k∈N de ψ(1/m)m∈Ntal que ψ(1/mk) −→ ψ pontualmente em quase toda parte de Rn (extraımos talsubsequencia para aplicar o Teorema da Convergencia Dominada, em breve).Pela desigualdade acima,∫

K

|(ψ(1/mk))ε − ψε|dx −→ 0,

quando k → +∞, qualquer que seja o compacto K ⊆ Rn, pelo Lema 4.2. Peloque acabamos de argumentar, vemos no membro esquerdo de (∗) que∣∣∣∣∫

Rn[(ψ(1/mk))ε − ψε]∆φdx

∣∣∣∣ ≤ ‖∆φ‖∞ ∫supp(∆φ)

|(ψ(1/mk))ε − ψε|dx −→ 0.

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Isto mostra a convergencia desejada do membro da esquerda. Novamente, devidoao Lema 4.2, temos que (usando que ∆ψ(1/mk) = (∆ψ)(1/mk))∣∣∣∣∫

Rn[∆ψ(1/mk) −∆ψ]φdx

∣∣∣∣ ≤‖φ‖∞

∫supp(φ)

|∆ψ(1/mk) −∆ψ|dx −→ 0,

e, portanto, ∣∣∣∣∫Rn

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ(1/mk) −∆ψ]φdx

∣∣∣∣ −→ 0,

pois sgnε(ψ)(1/mk) ≤ 1. A convergencia ψ(1/mk) −→ ψ pontual em quase todaparte de Rn acarreta

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ]φχsupp(φ) −→ (sgnεψ)[∆ψ]φχsupp(φ)

pontualmente em quase toda parte de Rn. Como tambem

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ]φχsupp(φ) ≤ [∆ψ]φχsupp(φ),

e[∆ψ]φχsupp(φ) ∈ L1(Rn),

temos pelo Teorema da Convergencia Dominada que∫Rn

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ]φdx −→∫Rn

(sgnεψ)[∆ψ]φdx.

Combinando as duas ultimas convergencias de integrais, concluımos que∫Rn

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ(1/mk)]φdx =(∫Rn

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ(1/mk)]φdx−∫Rn

sgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ]φdx

)+∫

Rnsgnε(ψ)(1/mk)[∆ψ]φdx −→

0 +

∫Rn

(sgnεψ)[∆ψ]φdx.

Isto mostra a convergencia desejada no membro direito, de forma que obtemos∫Rnψε∆φdx ≥ Re

∫Rn

(sgn εψ)[∆ψ]φdx,

qualquer que seja ε > 0. A ideia agora e fazer ε→ 0, para obtermos a desigual-dade final desejada. Sabemos que e valida a desigualdade∫

Rnψ1/m∆φdx ≥ Re

∫Rn

(sgn1/mψ)[∆ψ]φdx,

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para todo m ∈ N. Temos∣∣∣∣∫Rnψ1/m∆φdx−

∫Rn|ψ|∆φdx

∣∣∣∣ ≤∫Rn|ψ1/m − |ψ|||∆φ| dx =∫

supp(∆φ)

(1/m)2

(|ψ|2 + (1/m)2)1/2 + |ψ||∆φ| dx ≤

1

m‖∆φ‖∞

∫supp(∆φ)

dx −→ 0,

quando m → +∞, de modo que o membro da esquerda tende a∫Rn |ψ|∆φdx.

Comosgn1/mψ −→ sgn ψ

pontualmente, uma aplicacao do Teorema da Convergencia Dominada nos mos-tra que o membro da direita tende a Re

∫Rn(sgn ψ)[∆ψ]φdx, quando m→ +∞.

Isto encerra a demonstracao da desigualdade de Kato.

Lema 4.3 Se ψ ∈ H2(Rn) e 〈ψ,H0ψ〉L2(Rn) =∫Rn ψH0ψ dx = 0, entao

ψ = 0 ∈ L2(Rn).

Demonstracao: Sabemos do Capıtulo 3 que

H0 = =−1M|λ|2=, com Dom(H0) = H2(Rn).

Logo,〈ψ,H0ψ〉L2(Rn) = 〈ψ(λ),=−1M|λ|2=ψ(λ)〉L2(Rn) =

〈(=ψ)(λ),Mλ[Mλ(=ψ)(λ)]〉L2(Rn) = 〈Mλ(=ψ)(λ),Mλ(=ψ)(λ)〉L2(Rn) =

‖Mλ(=ψ)(λ)‖2L2(Rn).

Portanto, a funcao λ(=ψ(λ)) e zero em quase toda parte de Rn, segundo a me-dida de Lebesgue. Como a funcao λ 7−→ λ e zero se, e somente se, λ = 0,temos que (=ψ(λ)) e zero em quase toda parte, segundo a medida de Lebesgue.Logo, (=ψ(λ)) = 0 ∈ L2(Rn) e, como = e um operador unitario em L2(Rn) (e,em particular, e uma aplicacao linear injetora), concluımos que ψ = 0 ∈ L2(Rn).

“Um corolario da desigualdade de Kato”

Corolario da desigualdade de Kato: Seja V ∈ L2loc(Rn) tal que existe

α ∈ R satisfazendo V (x) ≥ α, para todo x ∈ Rn. Entao, o operador

H = H0 + V,

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com Dom(V ) = C∞c (Rn) ⊆ L2(Rn) e essencialmente auto-adjunto.

Observacao: antes de demonstrarmos o corolario, observamos que V ∈L2loc(Rn) e a condicao minimal para que o operador de multiplicacao MV esteja

bem definido sobre C∞c (Rn): se V ∈ L2loc(Rn), entao e claro que V φ ∈ L2(Rn),

qualquer que seja φ ∈ C∞c (Rn). Suponhamos que Im((MV )|C∞c (Rn)) ⊆ L2(Rn),e vamos mostrar que V ∈ L2

loc(Rn). Seja K ⊆ Rn um compacto. Como existeuma φ ∈ C∞c (Rn) satisfazendo φ|K = 1, vemos que∫

K

|V |2dx =

∫K

|V φ|2dx ≤∫Rn|V φ|2dx < +∞,

mostrando que V ∈ L2loc(Rn). Vamos a demonstracao.

Demonstracao: Tome β ∈ R satisfazendo α+ β > 0, e seja ψ ∈ Ker((H +β)∗). Vamos mostrar que ψ = 0 ∈ L2(Rn). Usando a definicao de adjunto,temos que

〈(H + β)φ, ψ〉 = 〈φ, (H + β)∗ψ〉 = 0,

para toda φ ∈ C∞c (Rn). Logo,

0 =

∫Rnψ [(H0 + V + β)φ] dx,

para toda φ ∈ C∞c (Rn). Como o Laplaciano comuta com a conjugacao com-plexa, V e uma funcao a valores reais e β e real, obtemos

0 =

∫Rnψ [(−∆ + V + β)φ] dx,

para toda φ ∈ C∞c (Rn), o que implica

(V + β)ψ =d ∆ψ.

Logo, ∆ψ ∈ L1loc(Rn), e pela desigualdade de Kato vem que

∆|ψ| =d ∆(sgn ψ)ψ ≥d Re (sgn ψ(∆ψ)) =d Re (sgn ψ((V + β)ψ)) =d

Re ((V + β)|ψ|) =d (V + β)|ψ| ≥d 0.

Fixe x ∈ Rn. Pelo que acabou de ser argumentado, temos que

∆(|ψ|(1/j))(x) =

∫Rn|ψ|(y)∆m(1/j)(x− y)dy ≥ 0,

para todo j ∈ N, pois

(y 7−→ m(1/j)(x− y)) ∈ C∞c (Rn)

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e m(1/j)(x − y) ≥ 0, qualquer que seja y ∈ Rn, para todo j ∈ N. Notemos

que |ψ|(1/j) ∈ H2(Rn), para todo j ∈ N, pela desigualdade de Young42, pois|ψ| ∈ L2(Rn) e Dα(m1/j) ∈ L1(Rn), para todo multi-ındice α ∈ Nn. Assim,concluımos que

〈|ψ|(1/j),∆(|ψ|(1/j))〉 =

∫Rn|ψ|(1/j)∆(|ψ|(1/j)) dx ≥ 0,

ou ainda〈|ψ|(1/j), H0(|ψ|(1/j))〉 ≤ 0.

Argumentando de maneira analoga a feita na desigualdade acima (na qual foiusada a desigualdade de Kato), vem que

〈|ψ|(1/j), H0(|ψ|(1/j))〉 ≥ 0,

para todo j ∈ N, de forma que temos |ψ|(1/j) = 0 ∈ L2(Rn), qualquer que sejaj ∈ N, pelo Lema 4.3. Para cada j ∈ N, existe um subconjunto Aj ⊆ Rn tal que|ψ|(1/j) = 0 em Aj e a medida de Rn\Aj e 0. Pelo Lema 4.2,∫

K

||ψ|(1/j) − |ψ||dx −→ 0

sobre todos os compactos de Rn e existe uma subsequencia 1/jkk∈N de 1/jj∈Ntal que |ψ|(1/jk) −→ |ψ| em todos os pontos de um certo conjunto A ⊆ Rn, deforma que a medida de Rn\A e 0. Assim, escolhendo um ponto x de

A ∩ (∩j∈NAj),

vemos que |ψ|(1/jk)(x) = 0, qualquer que seja k ∈ N e, tomando o limitequando k −→ +∞, vemos que |ψ|(x) = 0. Como

Rn\(A ∩ (∩j∈NAj)) = (Rn\A) ∪ (∪j∈N(Rn\Aj)

possui medida zero, concluımos que ψ = 0 ∈ L2(Rn). Assim, pelo lema da Ob-servacao XIX, vemos que Im(H + β)⊥ = Ker(H∗ + β) = 0, e que Im(H + β)e densa em L2(Rn). Mas, como 〈(H + β)φ, φ〉 ≥ 〈(α + β)φ, φ〉, para todaφ ∈ C∞c (Rn) (lembre-se de que 〈−∆φ, φ〉 ≥ 0, para toda φ ∈ H2(Rn)), temosque ‖(H + β)φ‖ ≥ (α + β)‖φ‖, para toda φ ∈ C∞c (Rn), por Cauchy-Schwartz.Logo, ‖(H+β)φ‖ ≥ (α+β)‖φ‖, para toda φ ∈ Dom(H) (pois H+β = H + β),mostrando que a imagem deH+β e fechada em L2(Rn), ja queH+β e um opera-dor fechado (a soma de um operador fechado com um operador limitado e sempreum operador fechado). Logo, Im(H + β) = L2(Rn), e concluımos pelo lema daObservacao XIX que H e essencialmente auto-adjunto em Dom(H) = C∞c (Rn).

42Se u ∈ Lp(Rn), 1 ≤ p ≤ +∞, e v ∈ L1(Rn), entao (u ∗ v)(x) esta bem definido para quasetodo x e ‖u ∗ v‖Lp(Rn) ≤ ‖u‖Lp(Rn)‖v‖L1(Rn)

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“Aplicacoes do corolario da desigualdade de Kato”

A propriedade de um operador densamente definido e simetrico ser essencial-mente auto-adjunto e importante pois, como demonstramos na secao “Teoremade Von Neumann”, do Apendice A, ela e equivalente ao fato de haver somenteuma extensao auto-adjunta deste operador. Algumas aplicacoes do corolario dadesigualdade de Kato sao as seguintes:43

1. o Hamiltoniano relativo a interacao Coulombiana entre duas par-tıculas carregadas em dimensao 1, dado por H = H0 + κ‖x‖,κ > 0, e essencialmente auto-adjunto em C∞c (R): basta ver queV1(x) = κ‖x‖ ∈ L2

loc(R) e MV1 e um operador positivo. O caso de intera-coes Coulombianas em tres dimensoes foi tratada no Capıtulo 3. O casobidimensional com V2(x) = κ ln|x|, κ > 0, precisa de outras tecnicas para

ser tratado, e pode ser encontrado em [10]. As vezes, considera-se o poten-cial V (x) = − κ

‖x‖ para os Hamiltonianos em 1 e 2 dimensoes, e inspeciona-

se a existencia de extensoes auto-adjuntas (nestes casos, precisa-se retirara origem do espaco para que o operador Hamiltoniano fique bem-definido,isto e, define-se H sobre C∞c (R\0) e C∞c (R2\0), respectivamente). Aocontrario do que acontece quando se coloca os potenciais V1 e V2 menci-onados acima (que sao as solucoes fundamentais da equacao de Laplace),tais operadores terao infinitas extensoes auto-adjuntas. Isto pode ser vistoem [7];44

2. o Hamiltoniano do oscilador harmonico, H = H0 + k2‖x‖

2, k > 0:e a versao da Mecanica Quantica para o Hamiltoniano de uma partıculaoscilante em torno de um ponto de equilıbrio sujeito a uma forca restau-radora F (x) = −kx. Como o potencial V (x) = k

2‖x‖2, k > 0, pertence a

L2loc(Rn) e o operador MV e positivo, o corolario da desigualdade de Kato

nos diz que o operador de Schrodinger H = H0 + k2‖x‖

2, com k > 0, eessencialmente auto-adjunto em Dom(H) := C∞c (Rn). Na verdade, qual-quer operador da forma H = H0 +

∑1≤k≤m ‖x‖2k,m ∈ N,m ≥ 2 (que

sao Hamiltonianos quanticos relativos a potenciais nao-harmonicos) saoessencialmente auto-adjuntos, pelo corolario;

3. o Hamiltoniano H = −∑

1≤k≤n1

2mk(∂k − iak)2 + V , onde ak e uma

funcao a valores reais que pertence a C1(Rn), V = V1 + V2, comV1 ≥ 0, V1 ∈ L2

loc(Rn) e V2 sendo ∆-limitado com cota 0 ≤ a < 1, eessencialmente auto-adjunto em Cc(Rn): este teorema e provado em[20], utilizando-se uma versao mais sofisticada da desigualdade de Kato:considere os operadores

u 3 D′(Rn) 7−→ Dk(u) :=1

i

∂u

∂xk− aku ∈ D′(Rn),

43Tais aplicacoes foram retiradas principalmente de [20]44Agradeco ao professor Frank M. Forger pela conversa elucidativa sobre este artigo

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ak como acima. Se D2 :=∑

1≤k≤nD2k, entao para toda u ∈ L2

loc(Rn) que

satisfaca D2u ∈ L1loc(Rn), tem-se a desigualdade distribucional

∆|u| ≥d −Re ((sgn u)D2u).

Uma vez demonstrada esta desigualdade aprimorada (cuja demonstracaosegue uma ideia parecida com a da demonstracao da desigualdade de Kato)mostra-se, seguindo uma linha semelhante a do corolario da desigualdadede Kato, o resultado mencionado. Em particular, mostra-se que o Ha-miltoniano de um atomo com N eletrons de massa m (cujo nucleo possuimassa M) sujeito a acao externa de um campo magnetico constante B0

dado por

H = − 1

2M(∇0 − iNea(x0)/c)2 − 1

2m

∑1≤k≤N

(∇k + iea(xk)/c)2

−∑

1≤k≤N

Ne2

‖xk − x0‖+

1

2

∑1≤k,l≤N,k 6=l

e2

‖xk − xl‖,

onde a(x) = 12x×B0 (os xk’s, os xl’s e o x0 sao variaveis tridimensionais),

e essencialmente auto-adjunto em C∞c (R3N+3), pois V = V1 + V2, com

V1 =1

2

∑1≤k,l≤N,k 6=l

e2

‖xk − xl‖∈ L2

loc(R3N+3)

sendo positivo e

V2 = −∑

1≤k≤N

Ne2

‖xk − x0‖∈ L2(R3N+3) + L∞(R3N+3).

Em [22], considera-se div(a) = 0 e tenta-se enfraquecer as hipoteses deregularidade sobre a, de modo a obter-se as mesmas conclusoes de queH e essencialmente auto-adjunto sobre as funcoes C∞ de suporte com-pacto. A desigualdade de Kato refinada, acima, e deduzida novamenteneste contexto do a “menos regular”.

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5 Apendice A45

Conforme visto no Capıtulo 1, a maior dificuldade da demonstracao do Teo-rema Espectral foi demonstrar sua validade para operadores normais. Uma vezmostrada esta versao do Teorema, o resultado mais geral e concluıdo sem gran-des dificuldades. Existe uma maneira mais abstrata de demonstrar o teoremaespectral para operadores normais e, para contempla-la, precisaremos utilizarum pouco da teoria das C∗-algebras: (perceba a grande semelhanca desta de-monstracao com a que fizemos anteriormente)

Vamos agora ao

“Teorema espectral para operadores normais via C∗-algebras”

Definicao: Se H e um espaco de Hilbert e

= ⊆ B(H) := T : H −→ H : T e linear e limitado

e uma sub C∗-algebra de B(H) que contem IB(H), dizemos que v ∈ H e um vetor=-cıclico se o conjunto =v := Tv : T ∈ = e denso em H.

Teorema 1: Se H e um espaco de Hilbert e = ⊆ B(H) e uma sub C∗-algebracomutativa de B(H) que contem IB(H) tal que v ∈ H e um vetor =-cıclico,entao existem um espaco de medida finita (X,µ) e uma transformacao linearunitaria U : L2(X,µ) −→ H de forma que, para cada A ∈ =, existe um ope-rador de multiplicacao MfA : L2(X,µ) 3 g 7−→ fAg ∈ L2(X,µ) que satisfazU−1AU = MfA , onde fA ∈ Cµ(X), sendo Cµ(X) a ∗-algebra C(X) das fun-coes contınuas definidas em X a valores complexos munida da norma do espacoL2(X,µ), isto e, Cµ(X) ⊆ L2(X,µ) e um subespaco normado de L2(X,µ) (euma ∗-algebra tambem).

Demonstracao: Sabemos que = e ∗-isomorfa a C(X), para algum espacoHausdorff compacto X, com C(X) munida da norma do sup. Para cada f ∈C(X), seja Tf ∈ = o correspondente por tal ∗-isomorfismo. Considere o funcio-nal linear C(X) 3 f 7−→ 〈Tfv, v〉. Tal funcional e positivo, pois se f ≥ 0, entaof = g2, para alguma g ∈ C(X) nao-negativa, e temos que 〈Tfv, v〉 = 〈Tg2v, v〉 =〈[Tg(Tg)]v, v〉 = 〈Tgv, (Tg)∗v〉 = 〈Tgv, (Tg)v〉 = 〈Tgv, Tgv〉 = ‖Tg‖2 ≥ 0. PeloTeorema da Representacao de Riesz (note que, no nosso caso, Cc(X) = C(X),pois X e compacto) garantimos a existencia de uma medida µ (que depende, eclaro, de v) que satisfaz 〈Tfv, v〉 =

∫Xfdµ, para toda f ∈ C(X). Vamos definir,

45O desenvolvimento deste apendice foi inspirado na leitura das exposicoes feitas em [5],[16], e [6]

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agora, uma transformacao linear unitaria U : L2(X,µ) −→ H definindo, primei-

ramente, uma aplicacao unitaria U : Cµ(X) −→ Im(U) :=Ug : g ∈ Cµ(X)

.

Definamos a aplicacao

V : =v 3 Tfv 7−→ f ∈ Cµ(X).

Ela esta bem definida, pois se Tfv = Tgv, com f, g ∈ C(X), entao Tf−gv = 0,pois f 7−→ Tf e um homomorfismo de algebras e portanto e, em particular,linear. Assim, 0 = 〈Tf−gv, v〉 =

∫X

(f − g)dµ, mostrando que f = g em µ-quasetoda parte de X, e que V esta bem definida. Alem disso, V e sobrejetora e euma isometria, pois

‖Tfv‖2 = 〈Tfv, Tfv〉 = 〈(Tf )∗Tfv, v〉 = 〈TfTfv, v〉 =

〈Tffv, v〉 =

∫X

|f |2dµ = ‖f‖2.

Portanto, pela identidade de polarizacao, vemos que V : =v −→ Cµ(X) e uma

aplicacao unitaria, sendo portanto U := V −1 : Cµ(X) −→ =v tambem umaaplicacao unitaria. Utilizando o Lema 1.2, obtemos uma extensao unitariaU : L2(X,µ) −→ H de U , devido a ciclicidade de v com respeito a = e aofato de µ satisfazer as propriedades do Teorema da Representacao de Riesz,pois este fato implica a densidade de Cµ(X) em L2(X,µ).

Tome Tf ∈ =. Entao, para toda g ∈ Cµ(X), TfU(g) = Tf (Ug) = TfTgv =Tfgv = U(fg) = UMfg (note que Dom(Mf ) = L2(X,µ), pois f ∈ Cµ(X)).Assim, como TfU = UMf num subconjunto denso de L2(X,µ), e TfU e UMf

sao ambas transformacoes lineares e contınuas definidas em L2(x, µ), segue queTfU = UMf , pelo Lema 1.1.

Definicao: Se F e um subespaco fechado de um espaco de Hilbert H e = euma sub C∗-algebra de B(H) que contem IB(H), de forma que F e =-invariante,isto e, =F := Tv : T ∈ B(H), v ∈ F ⊆ F , dizemos que v ∈ F e um vetor=-F -cıclico se o conjunto =v e denso em F (neste caso, F sera dito ser umsubespaco =-cıclico).

Teorema 2: Se H e um espaco de Hilbert e = ⊆ B(H) e uma sub C∗-algebrade B(H) que contem IB(H), entao existe uma famılia de subespacos fechadosΩ := Hα : α ∈M, dois a dois ortogonais, =-invariantes e =-cıclicos de H,tal que

H = ⊕Hα =

(hα)α∈M ∈

∏α∈M

Hα :∑α∈M

‖hα‖2 <∞

(na literatura usual costuma-se omitir o fecho na segunda igualdade).

Demonstracao: Basta aplicar o Lema de Zorn no conjunto das famıliasde subespacos fechados, dois a dois ortogonais =-invariantes e =-cıclicos de H,

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parcialmente ordenado pela relacao de inclusao.

O Teorema 1 fornecera os “atomos” do teorema espectral, e o Teorema 2tratara de reuni-los:

Teorema espectral para operadores normais: Se A ∈ B(H) e um ope-rador linear normal sobre o espaco de Hilbert H, entao existem um espaco demedida finita (X,µ) e uma transformacao unitaria U : L2(X,µ) −→ H que sa-tisfaz U−1AU = Mf , onde f e uma funcao mensuravel (na verdade, contınua).

Demonstracao: Seja = a C∗-algebra gerada por A e IB(H), isto e, = =C∗(A). Pelo Teorema 2, sabemos que existe uma famılia de subespacos fecha-dos, dois a dois ortogonais, =-invariantes e =-cıclicos de H, Ω := Hα : α ∈M,tal que H = ⊕Hα. Defina Aα := A|Hα . Pelo Teorema 1, sabemos queexistem espacos de medida finita (Xα, µα) e transformacoes lineares unitariasUα : L2(Xα, µα) −→ Hα de forma que, para cada α, existe um operadorde multiplicacao Mfα : L2(Xα, µα) 3 g 7−→ fαg ∈ L2(Xα, µα) que satisfazU−1α AαUα = Mfα , onde fα ∈ Cµα(Xα) (basta substituir = por C∗(Aα) no

Teorema 1, onde C∗(Aα) e a C∗-algebra gerada por Aα e Iα := IB(H)|Hα ;assim, pelo que mostramos na pagina 37, a respeito do Calculo Funcional Con-tınuo, sabemos que podemos tomar Xα = σ(Aα)). Para cada α ∈ M , sejaXα := α × Xα, e defina X :=

⋃α∈M Xα, ou seja, X e a uniao disjunta dos

Xα. O operador U := ⊕Uα : ⊕α∈ML2(Xα, µα) −→ ⊕Hα = H definido porU(gα)α∈M = (Uαgα)α∈M e uma isometria, pois

‖(Ugα)α∈M‖2 :=∑α∈M

‖Uαgα‖2 =∑α∈M

‖gα‖2 =: ‖(gα)α∈M‖2.

O fato de U ser linear e sobrejetor decorre diretamente de cada Uα ser linear esobrejetor. Vamos definir agora uma medida em X, para depois sermos capazesde definir um operador Λ : L2(X,µ) −→ ⊕α∈ML2(Xα, µα) unitario. Defina,primeiramente, uma σ-algebra em X como sendo a famılia dos conjuntos Etais que πα(E ∩ Xα) e um conjunto mensuravel de Xα, para todo α ∈ M ,onde πα : α × Xα 3 (α, x) 7−→ x ∈ Xα e uma projecao em Xα. Entao,definimos uma medida µ nesta σ-algebra impondo que, para cada α ∈ M ,µ(α × F ) = µα(F ), para todo F que seja µα-mensuravel, e depois, definimosµ(E) :=

∑α∈M µα(E ∩ Xα), para todo E ⊆ X que seja mensuravel em X.

Considere a aplicacao Λ : L2(X,µ) 3 g 7−→ (gα)α∈M ∈ ⊕α∈ML2(Xα, µα), comgα := g|α×Xα = g|Xα . Entao, Λ e uma sobrejecao linear. Agora, notemos que,se α e fixado e E ⊆ α × I e mensuravel em X, entao

µ(E) = µα(πα(E))

e, se α e fixado e F ⊆ I e mensuravel em Xα, entao

µα(F ) = µ(α × F ).

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Portanto, como tambem g(α, x) = gα(x), para cada α ∈M , para todo x ∈ Xα,temos

∫Xα|g(α, x)|2dµ =

∫α×Xα |g(α, x)|2dµ =

∫Xα|gα(x)|2dµα, para todo

α ∈M , pela definicao de integral. Logo,

‖g‖2 :=

∫⋃α∈M Xα

|g(α, x)|2dµ =∑α∈M

∫Xα

|g(α, x)|2dµ =

∑α∈M

∫Xα

|gα(x)|2dµα =: ‖(gα)α∈M‖2,

para todo g ∈ L2(X,µ), mostrando que Λ e uma isometria. Concluımos, entao,que Λ e uma transformacao unitaria.Assim, W := U Λ e uma transformacao unitaria. Tomando (gα)α∈M ∈⊕α∈ML2(Xα, µα) e definindo g := Λ−1(gα)α∈M , f := Λ−1(fα)α∈M ,

WMfg = UΛ(fg) = U(fαgα)α∈M = (UαMfαgα)α∈M = (AαUαgα)α∈M =

⊕α∈MAαU(gα)α∈M = ⊕α∈MAαUΛg = ⊕α∈MAαWg.

Identificando A com ⊕α∈MAα (ao se identificar H com ⊕Hα), finalizamos ademonstracao.

“Teorema de Von Neumann”

Seja T um operador linear densamente definido e simetrico num espaco deHilbert H. Podemos associar a este um operador linear (denominado transfor-macao de Cayley)

WT : Im(T + iIB(H)) 3 (T + iIB(H))ξ 7−→ (T − iIB(H))ξ ∈ Im(T − iIB(H)),

via uma aplicacao W : T 7−→ WT . Pelo fato de T ser simetrico, tal operadoresta bem definido: se ξ1, ξ2 ∈ Dom(T ) e (T + iIB(H))ξ1 = (T + iIB(H))ξ2, entao(T + iIB(H))(ξ1 − ξ2) = 0. Como um auto-valor de T deve ser necessariamentereal (de fato, se 0 6= u ∈ Dom(T ) satisfaz Tu = λu, para algum λ ∈ C, entaoλ〈u, u〉 = 〈Tu, u〉 = 〈u, Tu〉 = λ〈u, u〉), devemos ter ξ1 − ξ2 = 0, mostrando quetal aplicacao esta, de fato, bem definida (note que este argumento e equivalenteao fato de T +iIB(H) ser injetor e, portanto, WT := (T −iIB(H))(T +iIB(H))

−1).Alem de ser claramente linear notamos, tambem, que por T ser simetrico, WT

e uma isometria e, portanto, e uma aplicacao injetora. Devido a sua definicaovemos que, dado η =: (T + iIB(H))ξ ∈ Im(T + iIB(H)) := Dom(WT ), temos que(IB(H) −WT )η = (T + iIB(H))ξ − (T − iIB(H))ξ = 2iξ ∈ Dom(T ). Como talargumento e reversıvel, nota-se que Im(IB(H)−WT ) = Dom(T ). Alem disso, seη ∈ Dom(WT ) e ξ ∈ Ker(IB(H) −WT ), entao WT ξ = ξ e

〈ξ, (IB(H) −WT )η〉 = 〈ξ, IB(H)η〉 − 〈ξ,WT η〉 =

〈ξ, η〉 − 〈WT ξ,WT η〉 = 〈ξ, η〉 − 〈ξ, η〉 = 0.

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Como Im(IB(H) −WT ) e densa em H, concluımos que ξ = 0, e que IB(H) −WT

e injetor. Note que para chegar a tal conclusao nao usamos a definicao de WT ,mas somente os fatos de que Im(IB(H) −WT ) e densa em H e WT e uma iso-metria. Chegamos, assim, a conclusao de que, se U : Dom(U) −→ H e umaisometria linear tal que Im(IB(H)−U) e densa em H, entao IB(H)−U e injetor.

Usando o fato de que Im(IB(H) − WT ) = Dom(T ) e denso em H pode-mos, baseados num argumento de dualidade, definir um operador linear densa-mente definido AWT

: Im(IB(H) −WT ) 3 (IB(H) −WT )η 7−→ (IB(H) + WT )η ∈Im(IB(H) +WT ) (pois ao inves de construir uma isometria a partir de um ope-rador densamente definido, queremos realizar o processo inverso), seguindo umafilosofia analoga a utilizada para definir WT via uma aplicacao A : WT 7−→ AWT

(note que AWTesta bem definida, pois IB(H) − WT e injetora). Seja ξ ∈

Dom(T ). Entao, escrevendo η := (T + iIB(H))ξ, temos AWT((IB(H) −WT )η) =

(IB(H) +WT )η = (IB(H) +WT )((T + iIB(H))ξ) = (Tξ + iξ) + (Tξ − iξ) = 2Tξ.

Por outro lado, AWT((IB(H) −WT )η) = AWT

((IB(H) −WT )(T + iIB(H))ξ) =

AWT((T + iIB(H))ξ− (T − iIB(H))ξ) = 2iAWT

ξ. Portanto, definindo a aplicacao

A := iA, temos que AWT= T , para todo T linear, densamente definido em H

e simetrico. Esta argumentacao nos indica que se U : Dom(U) −→ H for umaisometria linear tal que Im(IB(H) − U) e densa em H, entao

AU : Im(IB(H) − U) 3 (IB(H) − U)η 7−→ i(IB(H) + U)η ∈ Im(IB(H) + U)

e um operador linear densamente definido e simetrico (a densidade foi verificadano paragrafo anterior). Vamos verificar a simetria: dados u, v ∈ Dom(AU ) :=Im(IB(H) − U), temos u := (IB(H) − U)ξ1 e v := (IB(H) − U)ξ2 para certosξ1, ξ2 ∈ Dom(U),

〈AUu, v〉 = i〈ξ1 + Uξ1, ξ2 − Uξ2〉 =

i〈ξ1, ξ2〉 − i〈ξ1, Uξ2〉+ i〈Uξ1, ξ2〉 − i〈Uξ1, Uξ2〉 =

i〈ξ1, ξ2〉 − i〈ξ1, Uξ2〉+ i〈Uξ1, ξ2〉 − i〈ξ1, ξ2〉

e〈u,AUv〉 = −i〈ξ1 − Uξ1, ξ2 + Uξ2〉 =

−i〈ξ1, ξ2〉 − i〈ξ1, Uξ2〉+ i〈Uξ1, ξ2〉+ i〈Uξ1, Uξ2〉 =

−i〈ξ1, ξ2〉 − i〈ξ1, Uξ2〉+ i〈Uξ1, ξ2〉+ i〈ξ1, ξ2〉.

Isto mostra a simetria de AU . Esta bem definida entao, a isometria WAU :Im(AU + iIB(H)) 3 (AU + iIB(H))η 7−→ (AU − iIB(H))η ∈ Im(AU − iIB(H)), seU : Dom(U) −→ H for uma isometria linear tal que Im(IB(H) − U) e densa emH. Mas

Im(AU + iIB(H)) =(AU + iIB(H))η : η ∈ Dom(AU ) := Im(IB(H) − U)

=

(AU + iIB(H))(IB(H) − U)ξ : ξ ∈ Dom(U)

=

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i(IB(H) + U)ξ + i(IB(H) − U)ξ : ξ ∈ Dom(U)

=

2iξ : ξ ∈ Dom(U) = Dom(U)

e, se η := (IB(H) − U)ξ, ξ ∈ Dom(U), entao WAU (AU + iIB(H))η = (AU −iIB(H))η = (AU − iIB(H))(IB(H)−U)ξ = i(IB(H) +U)ξ− i(IB(H)−U)ξ = 2iUξ.Logo, devido aos primeiro e ultimo conjuntos que figuram na sequencia de igual-dades acima, concluımos que WAU = U .

Concluımos, entao, nestes dois ultimos paragrafos, que existe uma bijecaoentre os operadores lineares densamente definidos e simetricos

T : Dom(T ) −→ H,

de H, e as isometrias lineares

U : Dom(U) −→ H

tais que Im(IB(H) − U) e densa em H, sendo W e A as aplicacoes que ilustramesta verdade pois, como foi visto acima, uma e a inversa da outra. Alem disso,ao pensarmos em operadores como graficos, vemos facilmente que tais aplica-coes preservam inclusoes, isto e, se T e S sao operadores lineares densamentedefinidos e simetricos, entao

T ⊂ S se, e somente se, WT ⊂WS .

(e, dessa forma, temos que

T = S se, e somente se, WT = WS).

Concluımos tambem que, se T e um operador linear densamente definido e si-metrico, existe uma correspondencia biunıvoca entre suas extensoes simetricase as isometrias que estendem WT (para ver a sobrejetividade da aplicacao queleva tais extensoes simetricas, tome U uma isometria linear tal que WT ⊂ U .Como IB(H) −WT tem imagem densa em H e IB(H) −WT ⊂ IB(H) − U con-cluımos que IB(H) − U tambem possui imagem densa em H. Logo, pelo quefoi argumentado logo acima, neste mesmo paragrafo, garantimos a existencia deum operador linear densamente definido simetrico, S, tal que T ⊂ S e U = WS).

Definamos n+ := dim(Im(T + iIB(H))⊥) e n− := dim(Im(T − iIB(H))

⊥) (adimensao aqui deve ser interpretada como a dimensao de espaco de Hilbert).Dado T um operador linear densamente definido num espaco de Hilbert H esimetrico, podemos nos perguntar se e possıvel aumentar seu domınio e definirnele um operador que o estenda e seja auto-adjunto. Em outras palavras, que-remos saber se T possui extensoes auto-adjuntas:

Teorema: T possui extensoes auto-adjuntas se, e somente se, n+ = n−.

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Demonstracao: Notamos primeiramente que, dado um operador linearU : H −→ G, onde H e G sao espacos de Hilbert, U sera uma isometria se,e somente se, U manda bases (hilbertianas) de H em bases (hilbertianas) emG. Suponhamos, entao, que T possua uma extensao auto-adjunta, S. Entao,Dom(WS) = Im(S + iIB(H)) = H e Im(WS) = Im(S − iIB(H)) = H, pela

observacao XIX). Portanto, como H = Im(T + iIB(H)) ⊕ Im(T + iIB(H))⊥ e

WT ⊂WS ,

WS |Im(T+iIB(H))⊥ : Im(T + iIB(H))⊥ −→ Im(T − iIB(H))

e uma isometria sobrejetora, pois e a restricao de um operador unitario, e WS

preserva angulos (note que o contradomınio de WS |Im(T+iIB(H))⊥ e, de fato,

Im(T − iIB(H))⊥: seja φ ∈ Im(T + iIB(H))

⊥. Dado η ∈ Im(T − iIB(H)), temosque η = WT ξ, para algum ξ ∈ Dom(WT ) := Im(T + iIB(H)), e

〈WSφ, η〉 = 〈WSφ,WT ξ〉 = 〈WSφ,WSξ〉 = 〈φ, ξ〉 = 0.

Da arbitrariedade de η segue que

Im(WS |Im(T+iIB(H))⊥) ⊆ Im(T − iIB(H))⊥.

Para ver a sobrejetividade, tome φ ∈ Im(T + iIB(H))⊥. Da sobrejetividade

de WS segue que existem ξ1 ∈ Im(T + iIB(H)) e ξ2 ∈ Im(T + iIB(H))⊥ tais

que WS(ξ1 + ξ2) = WT (ξ1) + WS(ξ2) = φ, onde WT : Im(T + iIB(H)) −→Im(T − iIB(H)) denota a unica extensao linear isometrica de WT ao fecho deseu domınio, cuja existencia e garantida pelo Lema 1.2 (pagina 47). A ultimaigualdade, combinada com o que acabou de ser mostrado, termina a demons-tracao). Assim, a equivalencia mencionada no inıcio da demonstracao concluio resultado. Suponhamos, agora, que n+ = n−. Sejam =1 := eii∈I e =2

bases hilbertianas de Im(T + iIB(H))⊥ e Im(T − iIB(H))

⊥, respectivamente. Va-

mos construir uma isometria linear entre Im(T + iIB(H))⊥ e Im(T − iIB(H))

⊥,

digamos W , a partir da definicao de uma aplicacao W . Por hipotese, existeuma bijecao φ : =1 −→ =2. Defina W (ei) := φ(ei), para todo i ∈ I. Es-tendendo W por linearidade, vemos que W e uma aplicacao (isometrica) defi-nida no conjunto de todas as combinacoes lineares de elementos de =1 a valo-res no conjunto de todas as combinacoes lineares de elementos de =2. Comotais conjuntos sao densos em Im(T + iIB(H))

⊥ e Im(T − iIB(H))⊥ (pois =1

e =2 sao bases hilbertianas de Im(T + iIB(H))⊥ e Im(T − iIB(H))

⊥, respec-tivamente), concluımos pelo Lema 1.2 que existe uma unica isometria linearW : Im(T+iIB(H))

⊥ −→ Im(T−iIB(H))⊥ que estende W . Assim, U := WT⊕W

(WT como antes) e uma aplicacao unitaria de H que estende WT e, portanto,e tal que Im(IB(H) − U) e densa em H, pois como WT ⊂ U , temos queIB(H)−WT ⊂ IB(H)−U , o que implica Im(IB(H)−WT ) ⊆ Im(IB(H)−U) (lembre-se que Im(IB(H) −WT ) = Dom(T )). Logo, AU e uma extensao auto-adjunta deT : de fato, WAU = U e, como H = Dom(U) = Dom(WAU ) := Im(AU + iIB(H))e H = Im(U) = Im(WAU ) := Im(AU − iIB(H)), concluımos pela Observacao

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XIX que AU e auto-adjunto.

Notamos que a demonstracao tambem mostra que, se n+ = n− ≥ 1, entaoexiste uma infinidade de extensoes auto-adjuntas de T (para cada base hil-bertiana =2 e cada bijecao φ escolhida, teremos uma isometria W diferente e,consequentemente, uma U e uma extensao AU diferentes). Alem disso, vemosque T e essencialmente auto-adjunto se, e somente se, n+ = n− = 0, pela Ob-servacao XIX.

Notamos tambem que se T e S sao operadores lineares densamente definidose simetricos tais que T ⊂ S, entao S∗ ⊂ T ∗, pela propria definicao de adjunto.Logo, T ⊂ S ⊂ S∗ ⊂ T ∗. Isto implica que, dado um operador linear densamentedefinido e simetrico, T , suas extensoes auto-adjuntas sao extensoes maximais.De fato, se S e uma extensao auto-adjunta de T e R e uma extensao simetricade S, entao S ⊂ R ⊂ R∗ ⊂ S∗. Como S = S∗, vem que R = S (e R = R∗).Assim, T e essencialmente auto-adjunto se, e somente se, possui uma unicaextensao auto-adjunta: se T e essencialmente auto-adjunto, entao tome umaextensao auto-adjunta S de T . Como T

∗= T ∗ e S e, em particular, simetrica,

temos pela analise feita acima que T ⊂ S = S∗ ⊂ T ∗ = T∗

= T . Como S∗ euma extensao fechada de T , da definicao de fecho de um operador, temos queT ⊂ S = S∗ ⊂ T ∗ = T , mostrando que S = T = T ∗ = T

∗, e que a unica ex-

tensao auto-adjunta e o seu fecho. Reciprocamente, suponha que exista apenasuma extensao auto-adjunta de T . Se T nao fosse essencialmente auto-adjunto,entao pelo que observamos acima, ou n+ = n− ≥ 1 ou n+ 6= n−. No primeirocaso, obterıamos uma infinidade de extensoes auto-adjuntas, o que e absurdo.No segundo caso, nao poderıamos ter nenhuma extensao auto-adjunta, o quecontradiz a hipotese. Logo, T deve ser essencialmente auto-adjunto.

Para terminar este capıtulo, vamos demonstrar a implicacao (=⇒) do teo-rema espectral para operadores lineares auto-adjuntos nao-limitados, utilizandoa demonstracao para operadores normais, via C∗-algebras, e utilizando o Teo-rema de Von Neumann, acima.

“O Teorema Espectral - uma outra demonstracao”

Precisaremos de dois lemas:

Lema 3: Se f e uma funcao real e mensuravel relativamente a um espacode medida positiva (M,µ), entao WMf

= Mφ, sendo φ : M −→ C definida porφ := (f − i)(f + i)−1.

Demonstracao: Im(Mf + iIB(H)) =: Dom(WMf) = L2(M,µ), pois se

ψ ∈ L2(M,µ), entao ψ = (f + i)(f + i)−1ψ e, como (f + i)−1ψ ∈ Dom(Mf ) =Dom(Mf+iIB(H)) (pois |(f+i)−1ψ| ≤ |ψ| - o que implica (f+i)−1ψ ∈ L2(M,µ)- e |f(f + i)−1ψ| ≤ |ψ| - o que implica f(f + i)−1ψ ∈ L2(M,µ)), mostra-mos que L2(M,µ) ⊆ Im(Mf + iIB(H)). Seja ψ ∈ L2(M,µ). Temos WMf

ψ =

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WMf(f+i)(f+i)−1ψ = (f−i)(f+i)−1ψ = φψ, mostrando queWMf

⊃Mφ. MasDom(Mφ) = L2(M,µ), pois |(f − i)(f + i)−1| = 1. Isto mostra que WMf

= Mφ.

Lema 4: Sejam T, S operadores lineares densamente definidos num espacode Hilbert. Entao, T e S sao unitariamente equivalentes se, e somente se, WT

e WS sao unitariamente equivalentes.

Teorema Espectral: Se H e um espaco de Hilbert e A e um operador li-near densamente definido em H e auto-adjunto, existem um espaco de medida(X,µ) positiva e uma transformacao linear unitaria Φ : H −→ L2(X,µ) tal queΦAΦ−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2(X,µ), onde f e uma funcao a valoresreais e Borel-mensuravel em X. (isto e ΦAΦ−1 = Mf , para uma certa f reale Borel-mensuravel em X. Note que X esta provido de uma certa topologia, poiscaso contrario nao faria sentido falar em funcoes Borel-mensuraveis definidasem X).

Demonstracao: Suponhamos H 6= 0 e A 6= 0 pois, caso contrario, oteorema e trivial. Seja WA a transformacao de Cayley associada a A. Peloteorema espectral para operadores normais, sabemos que existem um espaco demedida positiva (X,µ) e uma transformacao linear unitaria Φ : H −→ L2(X,µ)tal que Φ WA Φ−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2(X,µ), onde f e uma funcaoa valores complexos e Borel-mensuravel em

X :=⋃α∈Mα ×Xα,

sendo Xα = σ(WA|Hα), usando a notacao do teorema espectral para operadoresnormais, na pagina 116 (na verdade, f(α, x+iy) = x+iy, para todo (α, x+iy) ∈α × Xα). Vamos procurar uma funcao mensuravel em X e a valores reais,φ, tal que WMφ

= Mf . O Lema 3 nos sugere que procuremos uma φ quesatisfaca (φ − i)(φ + i)−1 = f , ou melhor, φ = i(1 + f)(1 − f)−1. Precisamosverificar duas coisas: que f e diferente de 1 em µ-quase toda parte de X e queφ e real. Se f fosse igual a 1 num conjunto de medida positiva e finita, E (noteque tal conjunto existe, pois pode-se mostrar de maneira analoga a feita noCapıtulo 1, paginas 63 e 64, que todo conjunto de medida estritamente positivade X possui um subconjunto de medida finita e estritamente positiva), entao(IL2(X,µ) −Mf )χE = 0, e concluirıamos que Mf nao e injetor. Mas isto e umabsurdo, pois Mf e unitariamente equivalente a WA, que e injetor. Logo, f 6= 1em µ-quase toda parte de X. Vamos mostrar que φ e real em µ-quase toda partede X. Primeiramente, vamos mostrar que x2 + y2 = 1 em µ-quase toda partede X. σ(Mf ) = σ(WA) ⊆ v ∈ C : |v| = 1, pois WA e unitario (veja a pagina39). Como σ(Mf ) e a imagem essencial de f (veja o item 4 da ObservacaoXIII, das Consideracoes Iniciais) sabemos que, para todo z /∈ v ∈ C : |v| = 1,existe εz > 0 tal que µ(w ∈ X : |z − f(w)| < εz) = µ(f−1[B(z, εz)]) = 0.46

Como C e segundo-contavel (isto e, possui uma base enumeravel Λ de abertos),

46B(z, εz) := v ∈ C : |v − z| < εz

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garantimos que para cada z /∈ v ∈ C : |v| = 1 existe um elemento Bz ∈ Λsatisfazendo Bz ⊆ B(z, εz). Logo, como

f−1[v ∈ C : |v| 6= 1] ⊆ f−1

⋃z∈v∈C:|v|6=1

Bz

,vem da subaditividade de µ e da enumerabilidade de Λ que

µ(w ∈ X : |f(w)| 6= 1) = µ(f−1[v ∈ C : |v| 6= 1]) ≤

µ

f−1

⋃z∈v∈C:|v|6=1

Bz

= 0,

mostrando que x2 + y2 = 1 em µ-quase toda parte de X. Agora, para µ-quasetodo (α, x+ iy) ∈ X obtemos, fazendo alguns calculos, que

φ(α, x+ iy) = i(1 + f(α, x+ iy))(1− f(α, x+ iy))−1 =

i(1 + x+ iy)(1− x− iy)−1 =(1− x2 − y2)i− 2y

1− 2x+ x2 + y2=−y

1− x,

provando que φ e real em µ-quase toda parte de X (note que φ esta bem defi-nida, pois como ja vimos antes, x 6= 1 em µ-quase toda parte de X). Aplicando,entao, o Lema 3, concluımos que WMφ

= Mf . Assim, WMφe unitariamente

equivalente a WA e, pelo Lema 4, obtemos que A e unitariamente equivalente aMφ, como querıamos demonstrar.

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6 Apendice B

Agora, vamos demonstrar o teorema espectral para colecoes arbitrariamentegrandes de operadores lineares auto-adjuntos que comutam dois a dois, com oauxılio da teoria de C∗-algebras.

“O teorema espectral para colecoes de operadores limitadosauto-adjuntos que comutam dois a dois”

Seja All∈L uma colecao nao-vazia de operadores lineares limitados auto-adjuntos que comutam dois a dois, definidos em H. Definamos Al como sendo aC∗-algebra gerada por Al e IB(H) (que e C∗(Al), seguindo a notacao estabelecidaanteriormente), para todo l ∈ L, e A como sendo a C∗-algebra gerada portodos os operadores Al juntamente com o operador identidade IB(H) (note queAl ⊆ A, para todo l ∈ L). O objetivo, no momento, e mostrar que existeum ∗-homomorfismo unital de C∗-algebras Γ : C(K) −→ A, onde K e umsubespaco topologico fechado de

∏l∈L σ(Al). Pode-se mostrar que todos os

elementos φ de ΩC(X) (veja a definicao de ΩC(X) no resumo sobre C∗-algebrasfeito anteriormente) sao da forma φ : f 7−→ φ(f), com φ(f) = f(xφ), paraalgum xφ ∈ X, quando X e um espaco topologico compacto Hausdorff. E seX = σ(Al), por exemplo, tal xφ e unico, pois se x ∈ σ(Al) tambem satisfizessetal propriedade, aplicando-se φ a funcao idC(σ(Al)) concluımos que x = xφ. Istonos permite definir uma funcao

il : ΩC(σ(Al)) 3 φ 7−→ il(φ) := xφ ∈ σ(Al),

para todo l ∈ L. Sejaψl : C(σ(Al)) −→ Al

o Calculo Funcional estabelecido antes, ou seja, ψl e o unico ∗-isomomorfismode C(σ(Al)) em Al tal que ψl(idC(σ(Al))) = Al e ψl(1C(σ(Al))) = IB(H), paracada l ∈ L. Entao, para qualquer w ∈ ΩA, temos que (w ψl)(f) = f(xwψl),para toda f ∈ C(σ(Al)), uma vez que w ψl ∈ ΩC(σ(Al)) (e il(w ψl) = xwψl).Vamos definir agora uma aplicacao

i : ΩA −→∏l∈L

σ(Al)

pori : w 7−→ (il(w ψl))l∈L

e mostrar que ela e um homeomorfismo. Que ela esta bem definida e decorrenciado fato de todas os il’s estarem bem definidos. Para ver a continuidade de itome wαα∈M uma rede de elementos de ΩA tal que wα −→ w em ΩA. Entaopara todo l ∈ L

xwαψl = idC(σ(Al))(xwαψl) = (wα ψl)(idC(σ(Al))) =

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wα(Al) −→ w(Al) =

(w ψl)(idC(σAl )) = idC(σ(Al))(xwψl) = xwψl .

Isto mostra que πli e contınua, para todo l ∈ L e, por um teorema de topologiageral,47 concluımos que i e contınua.Vamos mostrar a injetividade. Se i(w1) = i(w2), para w1, w2 ∈ ΩA, entaopara todo l ∈ L tem-se que xw1ψl = xw2ψl . Logo, para cada l ∈ L, asaplicacoes w1 ψl e w2 ψl coincidem sobre as funcoes polinomiais definidasem σ(Al). Pelo Teorema da Aproximacao de Stone-Weierstrass, concluımos quew1 ψl = w2 ψl (em C(σ(Al))). Da sobrejetividade de ψl, vem que w1 = w2 emAl. Pela definicao de A, concluımos que w1 = w2. Isto estabelece a injetividadede i. Agora, como ΩA e compacto e

∏l∈L σ(Al) e Hausdorff, segue que i e um

homeomorfismo sobre sua imagem. Logo, a aplicacao

γ : C(i[ΩA]) −→ C(ΩA)

dada porγ : f 7−→ f i

e um ∗-isomorfismo entre C∗-algebras. Sejam F um ∗-isomorfismo entre C(ΩA)e A (faca F := (·)−1, por exemplo, i.e, defina F como sendo a inversa da aplica-cao de Gelfand, estabelecida anteriormente nas informacoes sobre C∗-algebras).Entao, definindo K := i[ΩA] e

Γ := F γ,

temos que Γ e um ∗-isomorfismo entre C(K) e A e, portanto, e uma isometria,como ja observamos nas observacoes feitas acerca de C∗-algebras. Defina

R : C(∏l∈L

σ(Al)) 3 f 7−→ f |K ∈ C(K)

como sendo a aplicacao de restricao. Entao, para toda f ∈ C(∏l∈L σ(Al)) temos

a estimativa‖(Γ R)(f)‖ = ‖R(f)‖ ≤ ‖f‖.

Considere a ∗-subalgebra P gerada pelas projecoes canonicas πl e a aplica-cao constante igual a 1, 1C(

∏l∈L[−‖Al‖,‖Al‖]). Tal ∗-subalgebra separa pontos e

contem as aplicacoes constantes e, como∏l∈L[−‖Al‖, ‖Al‖] e compacto (pelo

Teorema de Tychonoff 48) e Hausdorff, temos pelo Teorema da Aproximacao deWeierstrass que P e denso em C(

∏l∈L σ(Al)).

Esta definida, portanto, uma aplicacao linear

Λ : C(∏l∈L

σ(Al)) −→ A ⊆ B(H),

47Seja X um espaco topologico e Xii∈I , I 6= ∅ uma colecao de espacos topologicos. Entao,f : X −→

∏i∈I Xi e contınua se, e somente se, πi f e contınua para todo i ∈ I

48Se I 6= ∅ e Xi e um espaco topologico compacto e nao-vazio, para todo i ∈ I, entao∏i∈I Xi e compacto

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dada por Λ := Γ R, que e contınua, devido a estimativa

‖Λ(f)‖ = ‖(Γ R)(f)‖ = ‖R(f)‖ ≤ ‖f‖,

para toda f ∈ C(∏l∈L[−‖Al‖, ‖Al‖]) (P ⊆ C(

∏l∈L[−‖Al‖, ‖Al‖])). Pode-

mos mostrar o teorema espectral para uma colecao de operadores lineares auto-adjuntos que comutam dois a dois, assim como foi feito para o caso em tınhamosapenas um operador linear limitado auto-adjunto, mas fazendo algumas modi-ficacoes:

1. assim como a aplicacao ΦC definida na pagina 44, Λ e contınuo, e um∗-homomorfismo unital entre ∗-algebras, pois e a composta de dois ∗-homomorfismos contınuos unitais;

2. o“K”, agora em questao, permanece sendo um conjunto compacto e Haus-dorff, e podemos aplicar o Teorema da Representacao de Riesz, assim comofeito na pagina 45. “Hu” sera agora definido por

Hu := f((Al)l∈L)u ∈ B(H) : f ∈ C(K),

e “Gu” sera definido agora por

Gu := f((Al)l∈L)u ∈ B(H) : f ∈ C(K) ,

- de modo que temos Gu denso em Hu. Garante-se, assim, a existencia daaplicacao Ωu (adaptada, e claro);

3. agora, ao inves de provar que Ωu A Ω−1u = MidCµu (I)

, devemos provar

que Ωu Aj Ω−1u = Mπj , para todo j ∈ L, onde πj e a j-esima projecao

canonica. Para tanto, basta substituir A por πj((Al)l∈L), e a demons-tracao segue de maneira analoga a feita anteriormente. Isso decorre dosfatos que πj((Al)l∈L) = Aj e Λ e um homomorfismo de algebras. Vamosmostrar que πj((Al)l∈L) = Aj . Para cada j ∈ L, vemos que

Λ(πj) = (F γ R)(πj) = F (πj |K i),

ondeπj |K i : ΩA −→ R.

Vejamos quem e πj |K i. Para cada φ ∈ ΩA, vemos que

(πj |K i)(φ) = πj |K(il(φ ψl))l∈L = πj |K(xφψl)l∈L =

xφψj = idC(σ(Aj))(xφψj ) = (φ ψj)(idC(σ(Aj))) =

φ(Aj) = ˆ(Aj)(φ) = (F−1(Aj))(φ).

Portanto,F (πj |K i) = F (F−1(Aj)) = Aj

eπj((Al)l∈L) := Λ(πj) = Aj ,

qualquer que seja j ∈ L;

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4. em seguida, na aplicacao do Lema de Zorn, basta substituir o A queali aparece por Aj = πj((Al)l∈L), para todo j ∈ L, e concluiremos que⊕α∈MHuα e Aj-invariante, para todo j ∈ L, pois cada Huα e πj((Al)l∈L)-invariante, para todo j ∈ L. Assim, da densidade de P em C(

∏l∈L σ(Al)),

temos quef((Al)l∈L)w ∈ (⊕α∈MHuα)⊥,

para toda f ∈ C(∏l∈L σ(Al)) (w 6= 0 sendo um elemento que, por hipo-

tese, pertence a (⊕α∈MHuα)⊥).Isto estabelece a contradicao necessaria, analogamente a obtida na aplica-cao do lema de Zorn da demonstracao anterior;

5. a ultima adaptacao que vale a pena ser mencionada e na pagina 51. Aoinves de mostrar que U AU−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f ·g ∈ L2(N,µ), parauma f real e Borel-mensuravel, basta substituir A por πj((Al)l∈L) = Aj ,para cada j ∈ L, e obteremos, finalmente, o

Teorema espectral para uma colecao arbitraria All∈L de opera-dores limitados auto-adjuntos que comutam dois a dois: Se H eum espaco de Hilbert e All∈L e um conjunto de operadores lineares auto-adjuntos limitados que comutam dois a dois, entao existem um espaco demedida (N,µ) e uma transformacao linear unitaria U : H −→ L2(N,µ)tal que Φ Aj Φ−1 :

g ∈ L2(N,µ) : πj · g ∈ L2(N,µ)

3 g 7−→ πj · g ∈

L2(N,µ), com πj := pj, com

pj := ((πj)Cµuα (∏l∈L σ(Al)))α∈M

(em outras palavras, Φ Aj Φ−1 = Mπj , para todo j ∈ L).

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