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6349 O TRABALHO COLABORATIVO E A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA EXPERIÊNCIA COM PBL NO ENSINO MÉDIO TÉCNICO Robson R. de ALMEIDA, Dra. Maria Inês R. RODRIGUES, Universidade Federal do ABC Eixo Temático: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação Básica [email protected] 1. Introdução Apesar de discutido há mais de três décadas, o desenvolvimento profissional docente é tema central quando se discute possibilidades de melhorias na educação brasileira. Sendo objeto de pesquisas sobre formação docente (NÓVOA, 1997, SCHÖN, 2000; TARDIF, 2004; RODRIGUES, 2010) e de políticas educacionais formuladas pelo Estado (BRASIL, 2015), contempla os processos de formação inicial e continuada de professores, trazendo a noção de que a evolução profissional do professor se dá num continuum (RODRIGUES, 2001). O desenvolvimento profissional, pode, então, ser entendido como “um processo a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências planificadas sistematicamente” que visam promover crescimento profissional do professor. (MARCELO GARCIA, 2009). Discorrendo sobre os desafios da evolução docente, Antonio Nóvoa (1997) pondera que os problemas da prática profissional do professor não são meramente instrumentais, pois comportam incertezas, singularidades e conflitos de valores, revelando que consistem em situações problemáticas únicas. Posto isto, o autor defende que a formação seja encarada como um processo permanente, integrado ao cotidiano das escolas e dos professores. Nesse sentido, orientações importantes têm sido consolidadas na política educacional brasileira, em especial em documentos recentes que definem aspectos da formação continuada, como é o caso do parecer CNE/CP 02/2015, o qual alude: “a formação continuada – nela incluída a extensão – responde à necessidade contemporânea de pensar a formação profissional em um continuum que se estende ao longo da vida. Desse modo, a educação continuada não decorre de um catálogo de cursos prontos, mas de uma concepção de desenvolvimento profissional do professor” (BRASIL, 2015, pg. 34) E ainda: a formação continuada deve se efetivar por meio de projeto formativo que tenha por eixo a reflexão crítica sobre as práticas e o exercício profissional e a construção identitária do profissional do magistério” No ano de 2016, convocando discussões ao III Congresso Nacional de Formação de Professores e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, a professora Bernadete Gatti destaca que demandar-se-á um espaço de tempo para que orientações como a

O TRABALHO COLABORATIVO E A PRÁTICA REFLEXIVA NA …200.145.6.217/proceedings_arquivos/ArtigosCongressoEducadores/6476.pdf · 6349 o trabalho colaborativo e a prÁtica reflexiva

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O TRABALHO COLABORATIVO E A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO

CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA EXPERIÊNCIA COM PBL NO ENSINO MÉDIO

TÉCNICO

Robson R. de ALMEIDA, Dra. Maria Inês R. RODRIGUES, Universidade Federal do ABCEixo Temático: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da

Educação Bá[email protected]

1. Introdução

Apesar de discutido há mais de três décadas, o desenvolvimento profissional docente é

tema central quando se discute possibilidades de melhorias na educação brasileira. Sendo objeto

de pesquisas sobre formação docente (NÓVOA, 1997, SCHÖN, 2000; TARDIF, 2004;

RODRIGUES, 2010) e de políticas educacionais formuladas pelo Estado (BRASIL, 2015),

contempla os processos de formação inicial e continuada de professores, trazendo a noção de

que a evolução profissional do professor se dá num continuum (RODRIGUES, 2001). O

desenvolvimento profissional, pode, então, ser entendido como “um processo a longo prazo, no

qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências planificadas sistematicamente”

que visam promover crescimento profissional do professor. (MARCELO GARCIA, 2009).

Discorrendo sobre os desafios da evolução docente, Antonio Nóvoa (1997) pondera que os

problemas da prática profissional do professor não são meramente instrumentais, pois comportam

incertezas, singularidades e conflitos de valores, revelando que consistem em situações

problemáticas únicas. Posto isto, o autor defende que a formação seja encarada como um

processo permanente, integrado ao cotidiano das escolas e dos professores.

Nesse sentido, orientações importantes têm sido consolidadas na política educacional

brasileira, em especial em documentos recentes que definem aspectos da formação continuada,

como é o caso do parecer CNE/CP 02/2015, o qual alude:

“a formação continuada – nela incluída a extensão – responde ànecessidade contemporânea de pensar a formação profissional em um continuumque se estende ao longo da vida. Desse modo, a educação continuada nãodecorre de um catálogo de cursos prontos, mas de uma concepção dedesenvolvimento profissional do professor” (BRASIL, 2015, pg. 34)

E ainda:

“a formação continuada deve se efetivar por meio de projeto formativo quetenha por eixo a reflexão crítica sobre as práticas e o exercício profissional e aconstrução identitária do profissional do magistério”

No ano de 2016, convocando discussões ao III Congresso Nacional de Formação de

Professores e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, a professora

Bernadete Gatti destaca que demandar-se-á um espaço de tempo para que orientações como a

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do parecer em tela se efetivem, e que elas não serão empregadas sem tensões do atual cenário

educacional que vivemos.

Assim, neste texto direcionamos os olhares de nossa pesquisa para as dificuldades e

desafios da formação continuada de docentes que atuam na Educação Profissional de Nível

médio, em especial ao magistério do Ensino Médio Integrado. Ressaltamos que a Educação

Profissional de Nível Médio é uma das modalidades de ensino da Educação Básica, e que

comunga das mesmas diretrizes do desenvolvimento profissional docente, constantes no parecer

CNE/CP 02/2015 (§ 3º Art. 2º).

Investigando, então, uma escola técnica pública, temos verificado que a Aprendizagem

Baseada em Problemas (PBL) ajuda a promover maior autonomia do aluno na aprendizagem,

mas pode sofrer resistências pelo professor na inovação metodológica. A insegurança do

professor é potencializada no decorrer da resolução de problemas abertos pelos alunos. Na aula

com PBL, os professores são frequentemente surpreendidos pelo o que o aluno faz, seja pela

natureza dos questionamentos dos estudantes no processo de resolução de problemas, seja pela

diversidade de assuntos que essas perguntas podem abranger. A reação do professor, mediante

tal situação confitante tem sido o abandono à metodologia ou a responsabilização do aluno pelos

fracassos na aprendizagem.

Neste cenário de tensões, enquadramos como objetivo de pesquisa verificarmos em que

medidas a prática reflexiva e o trabalho colaborativo de um grupo docente – o qual lança mão da

PBL – podem influenciar seu desenvolvimento profissional durante o processo de ensino.

2. A formação do docente para o Ensino Médio Técnico

Em primeira instância, a complexidade da formação do docente para Educação

Profissional está intimamente ligada ao percurso histórico do ensino profissionalizante.

Transformada ao longo de décadas – do ensino do artesanato nas escolas-oficinas ao ensino

industrial controlado pelo empresariado brasileiro (NEVES, 1991) – a Educação Profissional fora

marcada pela fragmentação e pela ausência de políticas claras, que condicionaram turbidez nas

perspectivas sobre o real papel desta categoria de ensino no país. Como exemplo, o Ensino

Médio Integrado, que hoje investigamos, fora extinguido pelo decreto federal 2208/1997,

documento no qual apartava-se do Ensino Médio a Educação Profissional, fragmentando o

ensino. Anos mais tarde, já no decreto 5154/2004 a unicidade curricular do ensino voltou a vigorar,

permitindo a existência do Ensino Médio Integrado ao Técnico.

Para Machado (2008), os professores que atuam na Educação Profissional enfrentam

novos desafios relacionados às mudanças organizacionais e aos efeitos das inovações

tecnológicas, fatores estes que afetam as atividades do trabalho; bem como as novas exigências

de qualidade na produção e nos serviços, maior atenção à justiça social, às questões éticas e de

sustentabilidade ambiental indispensáveis à prática social do trabalho. Para a autora, mediante

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estas novas demandas de construção e restruturação dos saberes essenciais a intervenção crítica

e criativa na atividade do trabalho, o professor na educação profissional deve ser capaz de

desenvolver em seus alunos a compreensão reflexiva sobre o mundo do trabalho, seus métodos e

evolução natural e social dos processos tecnológicos.

Avaliando o mesmo cenário da Educação Profissional, Moura (2008) alerta para a

fragmentação na formação docente: há em atuação professores que não são graduados – em

especial na rede privada e no sistema “S” (Sesi e Senai, por exemplo) –; professores graduados

na área específica em que lecionam, mas não tem licenciatura para o ensino; e há os futuros

professores que lecionarão na Educação Profissional, aos quais não existe ou é escassa a oferta

de licenciatura para área.

Superar este histórico de fragmentação e insuficiência na formação de professores da

Educação Profissional, considerando os desafios docentes aqui citados, significa reconhecer que

a docência é muito mais que mera transmissão de conhecimentos empíricos ou ensino de

conteúdos técnicos esvaziados, pois dela fazem parte metodologias que conduzem à descoberta,

invenções e resoluções de problemas tecnológicos (MACHADO, 2008).

Por outro lado, o campo de pesquisas sobre Formação de Professores tem possibilitado

debates que dão pistas a um quadro de melhorias na Educação brasileira. A prática reflexiva e o

trabalho colaborativo entre docentes tem sido objetos de investigação de inúmeros pesquisadores

(NOVOA, 1997; SCHÖN, 2000; RODRIGUES, 2010; BRISCOE, 1997). Machado (ibid) é taxativa

ao considerar que é pressuposto básico ao docente da educação profissional ser “um sujeito da

reflexão e da pesquisa, aberto ao trabalho coletivo e à ação crítica e cooperativa” além de estar

comprometido com sua atualização permanente na área específica e pedagógica.

Deste modo, em uma investigação qualitativa, temos nos apoiado na fundamentação

teórica sobre a prática reflexiva e o trabalho colaborativo para testar hipóteses a respeito de como

essas oportunidades formativas influenciam nas incertezas, singularidades e conflitos daquele

grupo de indivíduos investigado. Sintetizaremos, então, os contornos desses dois pressupostos.

3. A formação do professor reflexivo

As ideias de Dewey, em que o autor destaca a reflexão como um elemento fundamental

para uma experiência significativa, constituem bases para as investigações sobre o professor

reflexivo, conceito difundido por Schön e analisado por diversos pesquisadores como Perrenoud

(2002), Contreras (1997), Rodrigues (2001), Pimenta (2012) e outros.

A reflexão é atributo do ser humano, assim Dewey (1933) diferencia a reflexão cotidiana –

de rotina – do pensamento reflexivo. Segundo Rodrigues (2006), Dewey vê o ato de rotina como

fundamental para a vida, muitas vezes conduzido por impulsos, hábitos e até mesmo submissões,

enquanto o pensamento reflexivo implica intuição e claridade em relação a causas e

consequências de uma ação: “o pensamento ou reflexão (...) é o discernimento da relação entre

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aquilo que tentamos fazer e o que sucede em consequência” (DEWEY, 1952). Perrenoud (2002)

destaca que para uma verdadeira prática reflexiva, essa postura deve se tornar “quase

permanente e inserir-se numa relação analítica com a ação”. O equilíbrio entre os dois tipos de

reflexão é considerado importante para Dewey.

Donald Schön (1992), revitalizando os pressupostos de Dewey (apud PIMENTA, 2011),

revela os processos do pensamento presentes na epistemologia da ação do docente, indicando a

necessidade de formar professores capazes de refletir sobre sua prática em sala de aula

(RODRIGUES, 2006). Schön (1992) ponderou que o modelo de formação docente baseado na

racionalidade técnica consiste num dos maiores obstáculos para o desenvolvimento do

profissional reflexivo, pois nele ensina-se primeiro os princípios científicos relevantes, depois a

aplicação desses princípios e por último tenta-se aplica-los ao cotidiano (SCHÖN, 1992).

Assim, Schön (ibid) identifica no processo de pensamento reflexivo a reflexão-na-ação e a

reflexão sobre a reflexão-na-ação. Na primeira, a reflexão-na-ação, “o professor esforça-se em ir

ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de conhecimento, ajuda-o a articular seu

conhecimento-na-ação e o saber escolar” (SCHÖN, 1992). Este processo, segundo o mesmo

autor, inicia-se quando o professor permite ser surpreendido pelo o que aluno faz ou diz, em

seguida reflete sobre o fato, reformula o problema suscitado pela situação, e na ação efetua uma

experiência para testar sua nova hipótese.

Por outro lado, a reflexão sobre a reflexão-na-ação consiste numa ação de observação e

descrição, que são retrospectivas sobre a reflexão-na-ação, e que o professor-reflexivo pode

significar e re-significar aquilo que ocorrera. Assim, o autor constitui o practicum reflexivo, tratando

o practicum como um mundo virtual que representa o mundo da prática, onde três dimensões são

essenciais: a maneira como um aluno compreende a matéria, a interação interpessoal entre

professor e o aluno, e como esse professor procura a liberdade para a prática reflexiva frente as

questões burocráticas da escola. Para a formação inicial docente, entre outras propostas, Schön

propõe que se incrementem os practicuns reflexivos que já começaram a emergir nos grupos

docentes (SCHÖN, 1992).

Perrenoud (2002) argumenta que a prática reflexiva está no âmago do desenvolvimento

profissional do professor, no cerne de todas as competências. Para o autor, a profissionalização,

numa perspectiva dinâmica, consiste num grau de avanço do ofício de professor em sua

transformação estrutural, e que pode ser favorecida pela prática reflexiva, pelo trabalho em equipe

e pela pesquisa de soluções originais (PERRENOUD, 2001). Assim, sem pretender adicionar mais

um componente no currículo da formação docente, Perrenoud propõe ampliar as bases científicas

da prática e desenvolver formações que articulem prática reflexiva e racionalidade técnica como

dois lados da mesma moeda (PERRENOUD, 2002)

ZEICHNER & LISTON (apud PIMENTA, 2011), são taxativos ao salientar a importância

do contexto institucional e das teorias da educação para uma prática reflexiva num ambiente

coletivo, apontando que sem a consideração destes elementos corre-se o risco de mercantilização

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do conceito de professor-reflexivo, prática em que se pretende “vender” ou meramente implantar

cursos para formação para professor reflexivo. Assim, Pimenta defende a formação de um

professor que reflita sobre o seu fazer, pesquisando-o nos contextos nos quais ocorre (PIMENTA,

ibid).

4. O trabalho colaborativo entre professores numa abordagem com PBL

Carvalho & Gil-Pérez (1995), ao descreverem um conjunto de necessidades formativas dos

professores de ciências, indicam que saber preparar atividades de resolução de problemas é uma

tarefa importante ao docente. Por outro lado, os autores fazem crítica ao modelo alertando que a

situação-problema deve ser contextualizada à realidade do aluno e ter possibilidades abertas de

solução, contrastando com o habitual “operativismo mecânico” com que professores abordam a

resolução de problemas (Gil-Pérez et al, 1992).

No trabalho com Problem Based Learning (PBL), usa-se usa um problema prático, real ou

potencialmente real, para estimular nos aprendizes a construção do conhecimento. A ideia mais

central da PBL é que esse problema seja apresentado a um grupo de alunos antes mesmo da

explicação de todos os conceitos necessários à sua resolução (FILHO & RIBEIRO, 2009), isto

significa que é o problema quem inicia e motiva a busca por conhecimentos específicos pelos

alunos, através da interação deles com eventos da vida real. Segundo Berbel (1998), a PBL tem

como inspiração os princípios da Escola Ativa, de um Ensino Integrado e Integrador de conteúdos,

em que os estudantes aprendem a aprender e se preparam para solucionar problemas relativos à

sua futura profissão.

Mediante aos desafios da resolução de problemas e a necessidade de uma formação

docente que viabilize a prática com PBL, observamos quais alternativas poderiam auxiliar o grupo

docente por nós investigado no Ensino Médio Integrado. Naquela escola, percebe-se atualmente a

adesão a um trabalho colaborativo entre os professores em torno da PBL.

Rodrigues & Carvalho (2002) afirmam que ao atuar em equipes o professor encontra

incentivo para inovar e arriscar em seu ensino. Para Nóvoa (1997), redes de (auto)formação

participada permitem que o professor assuma a sua formação como um processo dinâmico e

interativo. Neste tipo de formação, o diálogo entre professores é essencial para consolidar

saberes emergentes de sua prática. Nóvoa ainda é taxativo sobre esse processo ao afirmar:

Práticas de formação contínua organizadas em torno de professores individuaispodem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecemo isolamento (...). Práticas de formação que tomem como referência as dimensõescolectivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação deuma profissão que é autônoma na produção de seus saberes e dos seus valores”(1997, p. 27)

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Imbernón (2000) e Rodrigues (2010) consideram que no trabalho coletivo é fundamental o

apoio do grupo interno da instituição de ensino, pois as dificuldades vão além dos limites da sala

de aula.

Chantraine-Demailly (1997) caracteriza como modelo interactivo-reflexivo o modelo de

formação continuada em que os saberes são produzidos em cooperação, no qual formador e

formandos são colaboradores e ajudam-se para resolver problemas práticos.

Deste modo, com vistas e compreender como os pressupostos do trabalho colaborativo e

da prática reflexiva podem influenciar na abordagem com PBL, descreveremos a seguir o contexto

da pesquisa e as particularidades que ele envolve.

5. O contexto da pesquisa

O estudo ocorre em uma escola técnica pública localizada na periferia do município de

Barueri/SP que atende à população local e às cidades vizinhas no oeste da Região Metropolitana

de São Paulo. Dos quatro cursos técnicos atualmente oferecidos por esta escola, focalizamos o

Curso Técnico em Manutenção e Suporte em Informática oferecido para 318 alunos, dos quais

144 participam da nossa pesquisa por estarem matriculados na 3ª série e realizarem seu Trabalho

de Conclusão de Curso. A média de idade dos alunos é de 16 anos. A PBL é utilizada como a

metodologia de aprendizagem para orientar os alunos em seus TCCs (Trabalhos de Conclusão de

Curso), colocando-se com eixo integrador entre as disciplinas do curso. Um professor de uma

disciplina técnica destinada a orientação dos TCCs (disciplina MTCP) é o orientador responsável

pela condução do projeto junto aos alunos, enquanto os demais professores colaboram com o

projeto, como veremos a seguir. O grupo de professores é heterogêneo, compreendendo

docentes com formação superior nas áreas da Computação e professores com formação superior

nas áreas comuns ao Ensino Médio.

Assim, cada etapa do processo PBL em nosso contexto de ensino ocorre em parceria com

professores de Língua Portuguesa, Matemática, Física e de disciplinas específicas do curso

técnico em Manutenção e Suporte em Informática. A figura 2 exibe as etapas básicas do processo

PBL na escola:

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Figura 1. O processo PBLFonte: ALMEIDA, 2015

A seleção da situação-problema para os alunos compreendeu assuntos técnicos e temas

socialmente relevantes no âmbito das tecnologias da informação. A descrição do cenário exibiu os

problemas de maneira fracamente estruturada, isto é, a exploração do problema poderia ser

ampliada ou reduzida pelos próprios alunos, conforme sua evolução no processo de pesquisa de

soluções.

O trabalho das disciplinas em torno da situação-problema pode ser ilustrado pela figura 2.

Figura 2. Exemplo de interação entre disciplinas na situação-problemaFonte: ALMEIDA, 2015

6. Metodologia da pesquisa

A metodologia da pesquisa tem caráter qualitativo. Bogdan & Biklen (1982) apontam cinco

aspectos característicos desse tipo de abordagem e que se aproximam da nossa situação de

pesquisa: a fonte de dados é o ambiente natural, tornando-se o pesquisador o instrumento

principal; a investigação é descritiva; o interesse do investigador está mais centrado no processo

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do que nos resultados; a análise dos dados tende a ser de maneira indutiva; e o significado

assume importância vital.

Em nossa pesquisa, a escola técnica se configura como a fonte direta dos dados. O

contato intensivo dos pesquisadores com esse ambiente ‘natural’ os possibilitam presenciar uma

variedade de acontecimentos do cotidiano escolar. Assim, delimitamos nossa pesquisa em um

Estudo de Caso, de modo a dar contornos claramente definidos na investigação (LUDKE &

ANDRÉ, 1986).

A coleta de dados ocorreu por entrevistas semiestruturadas (MANZINI, 2004), gravações

de reuniões pedagógicas e de aulas (LUDKE & ANDRÉ, 1986). Para este artigo, descrevemos

amostras de dois episódios de interação do grupo docente. Eles aconteceram após as aulas, em

reuniões pedagógicas agendadas pelos próprios professores. Vale destacar esses momentos não

planejados oficialmente pela escola, a qual dispõe de reuniões apenas entre pares da mesma

área.

A) Episódio 1: Reunião registrada no dia 18/03/2015, às 14hs40min, entre a Professora deLíngua Portuguesa (P.LPT) e o professor de Processos Técnicos (P.PRTE):

1) 23’00 – P.LPT: é isso que eu tô te falando: todo mundo envolvido... você movimentauma pedra, e todas se movimentam

2) 23:35 – P.PRTE: por que você dá autonomia pra pessoas trabalharem, né?

***** (ocorre uma intervenção inesperada de um aluno, e a conversa é pausada eretomada no minuto 25’)

3) 25’00 – P.LPT: pra você ver que as relações interpessoais elas afetam diretamente odesempenho das nossas propostas. Ao desenvolver uma proposta na escola, a gente não podeignorar como que nós vamos estabelecer as relações interpessoais... porque uma coisa é vocêchegar e falar assim, olha: “essa é a proposta que eu fiz... ó... essa é proposta minha e de‘P.MTCO’ que fizemos, temos algumas sugestões pra vocês [pra outros professores] e blá bláblá... e olha isso, olha o que é você vir de baixo, na base...

4) 25’30 – P.PRTE: verdade, você movimenta uma pedrinha e todas vão junto...5) 25’35 – P.LPT: pra você ver: o P.SIOP [prof. da disciplina de Sistemas Operacionais] já

sugeriu um livro aos alunos... o P.MAT [prof. de matemática] também já sugeriu outro livro... entãoestá minando um monte de coisa...

6) 26’00 – P.PRTE: agora vamos peneirando... eu acho que é assim que funciona!7) 26’11 – P.LPT: então eu acho que essa proposta de trabalhar com problemas e

soluções ela acontece desde as relações entre nós professores até a efetivação do trabalho decada um em sala de aula.... por exemplo: o conteúdo em sala de aula, você vai lá e dá ele proaluno... a empresa né...

8) 26’36 – P.PRTE: isso, o problema.9) 26’37 – P.LPT: ... o problema...10) 26’39 – P.PRTE: ... que tem que estar contextualizado!11) 26:48 – P.LPT: mas só que, pra você chegar nisso, você precisa do Professor da

disciplina de Sistemas Operacionais, você precisa dos outros colegas...12) 26’55 – P.PRTE: com certeza!13) 26’56 – P.LPT: ... [precisa] da colega, inclusive, que não é da sua área, (que é o meu

caso) mas empenhada em auxiliar dentro dos conhecimentos da área dela, fazendo a articulação.Essa colega percebe que isso é bom, e expande isso pros outros colegas.

B) Episódio 2: Reunião registrada no dia 23/02/2015, às 09hs40min, entre a Professora deMatemática (P.MAT) e o professor de PRTE (P.PRTE).

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1) 6’48 - P.MAT: ... por exemplo, uma aluna me falou: “ah, professora, no meu cenáriovamos dar soluções de TI para uma sorveteria...” (...) bem, a sorveteria na cabeça dela era 20m X20m... então eu disse: “filha, isso dá 400m2 de sorveteria!” Ela respondeu: “professora eu não seiquanto é 20 metros..”, eu disse: “ok, conta 20 passos... e ela contou... então eu disse “esse é ocumprimento... e agora de largura é o mesmo tanto...” (..). ela se assustou!! Ela não tinha noção.

2) 7’33 – P.PRTE:... eu também percebo isso. Quando você fala que o cenário deresolução de problemas é uma empresa de grande porte, é importante além deles saberem otamanho do prédio [do cliente] saber também o quanto há de infraestrutura de TI na empresa...mas se eles não relacionam a ideia de grande porte com a metragem, eles não conseguemprogredir..

7. Análise dos dados

À luz dos referenciais teóricos aqui discutidos, procuramos identificar e analisar os

fenômenos presentes nos dados coletados.

Observamos que no Episódio 1 predomina-se interação a respeito do trabalho

colaborativo. Na transcrição das falas desse episódio, nas linhas de 07 a 13, os

professores indicam que é essencial a participação multidisciplinar, isto é, do envolvimento

de docentes de matérias distintas para o trabalho com PBL, e ao perceberem que “isso é

bom” (linha 13) cria-se um movimento em que um professor “expande” a construção do

conhecimento junto a seus pares. Nesta situação, o diálogo entre docentes é “essencial

para consolidar saberes emergentes de sua prática” (NÓVOA, 1997), e o

compartilhamento desses saberes indicam a existência de uma rede de (auto) formação

participada (NÓVOA, ibid)

Ainda no episódio 1, podemos identificar a importância de uma formação

continuada que promova a autonomia docente. Na linha 3, em sua fala, P.LPT demonstra

que é fundamental que as sugestões de trabalho com PBL sejam concebidas pelos

professores envolvidos, e não meramente impostas de um professor a outro. Apoiados em

Nóvoa (1997), analisamos que é necessário ao professor assumir sua formação como um

processo dinâmico e interativo. No mesmo diálogo, na linha 10 da transcrição da fala,

P.PRTE destaca que a situação-problema na PBL tem que ser contextualizada à realidade

do aluno, mas não é possível identificar em sua fala do Episódio 1 estratégias para

contextualização do ensino.

Por outro lado, no Episódio 2, identificamos processos de reflexão-na-ação e de

reflexão sobre a ação. Na linha 1, P.MAT reflete sobre um evento ocorrido em sua aula, isto

é, analisa como refletiu na ação em que uma aluna desenvolvia habilidades de

classificação da situação-problema. Ao propor que a aluna contasse os passos para

aprender sobre geometria, analisamos que em sua reflexão-na-ação a professora

“esforçara-se em ir ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de

conhecimento, ajudando-o articular seu conhecimento-na-ação e o saber escolar”

(SCHÖN, 1992).

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No Episódio 2, na reflexão sobre a ação, ocorrida após o término da aula e em diálogo com

P.PTE, analisamos indícios de uma ressignificação do ocorrido. Ao tomar conhecimento da

experiência ocorrida com P.MAT, o professor de P.PRTE também reflete sobre sua prática,

chegando a analisar com maiores detalhes a maneira como pensa o aluno diante da resolução de

problemas: “se eles não relacionam a ideia de grande porte com a metragem, eles não

conseguem progredir [progredir com conceitos para resolução de problemas em computação].

8. Resultados e conclusões

No presente artigo, relatamos nossa investigação sobre um grupo heterogêneo de

professores que atua num colégio público de Educação Profissional, durante uma abordagem com

PBL. Ao longo de um ano intensivo de coleta de dados desse ambiente, nossa pesquisa segue em

curso à luz dos pressupostos teóricos da prática reflexiva e do trabalho colaborativo de

professores, subsídios dos quais esperamos ter contornado neste texto, sem a pretensão de tê-los

esgotado.

Na ocasião, um grupo docente tem se disposto a atuar em conjunto em suas tarefas,

compartilhando reflexões sobre suas atuações diante delas. Temos identificado que o modelo de

formação continuada deste grupo se aproxima do modelo interactivo-reflexivo descrito por

Chantraine-Demailly (1997). Os professores do grupo assumem papéis de formadores e de

formandos, ao refletirem sobre a condução de suas práticas.

Assim, concordamos Rodrigues & Carvalho (2001) em que o professor encontra incentivo

para inovar em sala ao trabalhar em grupo. Assim como em Nóvoa (1997), nossa análise vai se

encaminhando para revelar que nas dimensões coletivas a formação pode emancipar o professor

e ajudar-lhe na autonomia da produção de seus saberes.

Por outro lado, vemos ainda desafios relevantes para o desenvolvimento profissional

daqueles professores. Pelos dados coletados não existe ainda por parte dos professores a busca

pela teoria, ou seja, dos fundamentos teóricos que irão embasar a solução de seus problemas.

Para Rodrigues & Carvalho (2001) esta lacuna torna-se fator limitador do desenvolvimento

docente. Observamos também como Imbernón (2000) que para o trabalho coletivo são

necessários a ajuda e o apoio da comunidade que envolve a instituição, auxílio este que não

pudemos constatar claramente em nosso corpus.

Por fim, recuperando a ideia de que a profissionalização docente pode ser favorecida pela

prática reflexiva, pelo trabalho em equipe e pela pesquisa de soluções originais (PERRENOUD,

2001), temos buscado interpretar maneiras de como a formação contínua pode auxiliar

professores numa abordagem com Problem Based Learning. Até aqui, os pressupostos da prática

reflexiva e do trabalho colaborativo têm se apresentado como ganhos dessa formação.

Referências bibliográficas

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______. Decreto n. 5154/2004, de 23 julho. 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases daeducação nacional, e dá outras providências. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5154.htm#art9> Acessoem 14 dezembro 2015.

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