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2A segurana e as emoes: significados em perspectiva
O corao tem razes que a prpria
razo desconheceBlaise Pascal
Conflitos tnicos marcados por prticas genocidas so eventos que tm
promovido forte instabilidade no sistema internacional contemporneo e
representam um dos maiores desafios para decisores polticos e estudiosos das
relaes internacionais na atualidade. Sua complexidade tem motivado profundas
reflexes e transformaes em segurana internacional principalmente por
promoverem a desestabilizao de determinados significados e premissas as quaispredominaram no estudo e na prtica de segurana at bem pouco tempo. Ainda,
sua ocorrncia tem assim como o terrorismo aberto espao para a publicizao
e internacionalizao de temas que eram usualmente tratados como questes
pertinentes ao mbito privado das relaes entre os indivduos dentro de suas
sociedades. No que tange a segurana, as reflexes atuais capitaneadas
sobretudo pelos chamados estudos crticos buscam enfatizar a falta de clareza e
de anlises mais aprofundadas sobre o prprio conceito de segurana de acordo
com um duplo movimento de ampliao e aprofundamento.
Quanto publicizao e internacionalizao de temas para alm do mbito
domstico dos Estados, vale ressaltar o mais amplo e renovado espao que as
emoes tm ocupado nos estudos e na poltica de segurana contempornea2.
Dentro desse duplo contexto, o presente captulo buscar - a partir de uma leitura
construtivista - evidenciar que significados de segurana prevaleceram na
academia e na prtica poltica internacional desde o entre guerras ao mesmo
tempo em que pontuar como as emoes foram consideradas pelos estudos de
poltica e segurana internacional nesse mesmo intervalo de tempo.
2 Os conflitos civis de carter tnico e religioso que passaram a ocorrer a partir da dcada denoventa colaboraram significativamente para colocar as emoes em evidncia nos debates desegurana e poltica internacional em vrios sentidos. O estudo de suas causas levou muitos auto-res a atribuir sua ocorrncia existncia de antigos dios tnicos irreconciliveis(Kauffmam,1998) e a reforar interpretaes das emoes como elementos que potencializam as posturas deagresso e violncia. (Lake & Rothchild, 1996) A partir de 2001, as emoes passaram a ganharnovo flego nos debates em segurana internacional tambm em decorrncia dos atentados de 11
de Setembro. Nesse caso, as discusses se desenvolvem em torno do medo global e acentuadodecorrente da percepo de que o inimigo da atualidade entendido como um amalgamento deforas referidas como terrorismo onipresente. (Debrix & Barber, 2009)
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Epistemologicamente, portanto, acatamos o entendimento de que os
significados bem como o conhecimento so social e intersubjetivamente
construdos3. Desse modo, ao escolhemos enfatizar, ao longo do captulo, uma
leitura reflexiva sobre a segurana e as emoes, procuraremos entender como
construes sociais do conhecimento podem afetar a construo da realidade
social e vice-versa. Como observa Stephano Guzzini, conceitos so parte da
linguagem e a linguagem no pode ser reduzida a algo subjetivo ou objetivo. No
subjetiva porque existe independente de ns na medida em que a linguagem
mais do que seus usos individuais e os antecede; no objetiva porque no existe
independentemente de nossas mentes e de nossos usos a linguagem existe e
muda atravs de nossos usos. (Guzzini, 2005, p.498)
A leitura construtivista buscar aqui se contrapor, portanto, s analises
conceituais positivistas tradicionais as quais procuram reconstruir os significados
dos conceitos de forma puramente descritiva e com pretenses de neutralidade
terica com o intuito de evitar incoerncias e equvocos em seus usos.
Concordamos com Guzzini, no entanto, que virtualmente impossvel isolar
conceitos das teorias nas quais elas se encontram inseridas e as quais constituem
parte de seus verdadeiros significados. Por isso, muito mais do que investigarmos
os diversos significados que foram atribudos ao conceito de segurana e s
emoes ao longo do tempo, tambm buscaremos perceber o que esses
significados alcanaram em termos de comunicao em seus respectivos
3Autores que integram o construtivismo identificam-se explicitamente como tericos crticos eestabelecem suas razes intelectuais no Terceiro Debate dos anos 80 bem como em figurasproeminentes da teoria crtica social como Anthony Giddens, Jrgen Habermas e Michel Foucault,alm de intelectuais predecessores como Karl Marx e Friedrich Nietzsche. Como observamRichard Price e Christian Reus-Smit, a teoria crtica internacional que d corpo ao Terceiro Debate
apresenta formas modernas e ps-modernas e o construtivismo em si tambm engloba autores deorientao moderna e ps-moderna. No entanto, caracterstica geral dos construtivistas acatartrs proposies ontolgicas sobre a vida social e seus impactos em aspectos da poltica mundial, asaber: 1. A importncia das estruturas ideacionais e normativas ao lado das estruturas materiais; 2.A considerao de que as identidades constituem os interesses e as aes, ou seja, o processo deformao das preferncias dos atores analisado a partir da avaliao das identidades sociais dosatores; 3. Agentes e estruturas so mutuamente constitudos, i.e, os construtivistas enfatizam osmodos segundo os quais estruturas normativas e ideacionais definem o significado e a identidadedo ator individual e os padres apropriados das atividade econmica, poltica e cultural das quaisos indivduos tomam parte. No que concerne s diferenas entre essas duas orientaes, os autoresobservam que (t)he principal difference between modernist and postmodernist constructivismtends to be analytical, with the former concentrating on the sociolinguistic construction of subjectsand objects in world politics, and the latter focusing on the relationship between power and
knowledge.(1998, p. 267-268) Como observamos com maior detalhe ao final do presente captuloe tambm no captulo quatro, a presente tese se encaixa dentro das leituras construtivistas que seconcentram na construo scio-lingustica dos sujeitos e objetos na poltica mundial.
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contextos, ou seja, investigaremos o papel que esses significados exerceram nos
discursos polticos, em termos de justificativas para a ao poltica. O resgate
desses mltiplos significados nos importa na medida em que nos ajuda a
demonstrar que os entendimentos predominantes de segurana e das emoes
decorrem de um processo de construo social altamente especfico o ocidental-
e igualmente enraizado em uma metafsica especfica ocidental. Como veremos
mais adiante, a metafsica ocidental construiu o significado de segurana com
base no Estado e em um determinado entendimento de poder e violncia que
trouxe limitaes para os estudos da rea e para o entendimento de segurana, e as
quais s passaram a ser mais severamente questionadas a partir da dcada de
oitenta. (Haftendorn,1991; Katzenstein, 1996) No que tange s emoes, elas
foram predominantemente tomadas como auto-evidentes e permaneceram no
problematizadas dentro dos estudos e da prtica de segurana, embora tenham
sido institucionalizadas em estruturas e processos de poltica mundial, como o
caso do medo que d substrato ao conceito realista de dilema de
segurana.(Crawford, 2000)
O propsito final do captulo ser argumentar que embora os atuais avanos
nas reflexes sobre os significados de segurana tenham contribudo para a
considerao da segurana de forma mais aprofundada, o estudo da dimenso
subjetiva da segurana humana ainda permanece no teorizado, bem como pouca
tem sido sua abertura para as novas leituras sobre o papel das emoes na
segurana e na poltica internacional. As relaes internacionais - como evi-
denciaremos mais adiante - tm seu desenvolvimento marcado pela prevalncia de
uma concepo biolgico-determinista das emoes- subjacente ao pensamento de
realistas e liberais desde meados do sculo XX que toma as emoes como
estados fisioqumicos do organismo humano interpretados como distintos dosestados cognitivos e opostos razo. Em outras palavras, essa concepo
reverbera o entendimento de que as emoes no so estados produzidos na
mente, esto fora do controle dos atores e separadas da cognio, devendo,
portanto, serem sempre submetidas a controle.4
4 Como deixaremos claro ao longo do presente captulo, partilhamos do entendimento de que
emoes so experincias que contam com componentes fisiolgicos, intersubjetivos e culturais.Ou seja, embora os sentimentos sejam experincias internas, os significados atribudos a essessentimentos, os comportamentos a eles associados e o reconhecimento das emoes nos outros so
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Isto posto, iniciamos nossa empreitada hermenutica observando que
questes de segurana sempre estiveram no centro das atenes dentro dos
estudos de relaes internacionais e da prtica poltica internacional. Desde a
concepo das relaes internacionais enquanto disciplina com a criao da
primeira cadeira de poltica internacional na Universidade de Wales, em 1919,
questes de guerra e paz, equilbrio de poder, dilemas de segurana, corridas
armamentistas, etc, tm sido temas centrais a atrair a ateno de estudiosos e
tomadores de deciso. (Bull, 1977; Deustch, 1978)
Dado o espao e a importncia que foram conferidos s questes de
segurana dentro da disciplina, era de se esperar que o conceito de segurana
estivesse mais do que debatido e analisado com o passar das dcadas. Contudo,
esse no foi o caso, pois at o incio da dcada de oitenta poucas foram as
contestaes sobre seus possveis significados. Como demonstraremos mais
adiante, a razo para a falta de maiores debates sobre o conceito foi sobretudo o
fato de o significado de segurana ter sido tomado como dado dentro dos
discursos tericos predominantes em relaes internacionais, algo que deixou a
explorao de interpretaes alternativas para o conceito em segundo plano. Dessa
forma, os estudos sobre segurana foram construdos em torno de um consenso
no reconhecido em relao ao que constituiria conhecimento legtimo sobre o
mundo social e que em grande medida definiu como as polticas de segurana
seriam desenvolvidas e implementadas. (Sheehan, 2005, p.02)
No entanto, a segurana, assim como todos os conceitos utilizados nas
prticas sociais humanas, uma construo social cujo significado decorre de um
processo intersubjetivo estabelecido entre os indivduos de uma determinada
comunidade. Isto implica considerar que com o tempo o termo pode ser entendido
de diferentes formas medida em que re-avaliado e discutido, nopermanecendo, portanto, preso a um nico significado fixo e atemporal. Ainda, ao
percebermos a natureza socialmente construda do termo podemos observar mais
claramente que contextos culturais deram forma s conceitualizaes de segurana
as quais prevaleceram entre os principais atores do sistema internacional ao longo
do tempo, e assim entendermos melhor os debates do momento presente. (Fierke,
2007)
em boa medida embora no exclusivamente- cognitiva e culturalmente construdos. (Armon Jones, 1986)
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Retomando os significados atribudos ao conceito de segurana, ento,
percebemos que grande parte dos estudos de segurana, realizados durante o
sculo XX, foram desenvolvidos segundo as premissas hegemnicas do
pensamento realista. Com o fim da Primeira Guerra Mundial5, diversos lderes
polticos e acadmicos da poca se sentiram impelidos a refletirem sobre meios de
evitar que uma guerra de tamanhas propores voltasse a ameaar a humanidade.
Nesse perodo, duas ticas surgiram e ajudaram a fundar o primeiro debate da
disciplina de relaes internacionais: o realismo e o idealismo.6
Edward H. Carr, em sua obra Vinte Anos de Crise: 1919-1939, foi um dos
autores a refletirem sobre os impactos das guerras e a contribuir para o
entendimento dessas duas correntes de pensamento que permeavam a prtica e a
reflexo poltica daquele perodo. Segundo Carr, realistas e idealistas desejavam
evitar a guerra, mas buscavam fazer isso de diferentes formas. Os realistas
enfatizavam a defesa dos interesses nacionais e buscavam entender a dinmica da
poltica internacional a partir do mundo como ele , enquanto que os idealistas
enfatizavam a busca de harmonizao de interesses entre os Estados e priorizavam
uma leitura do mundo a partir de como ele deveria ser. Sua obra, na verdade, no
um texto de teoria internacional, mas um esforo de crtica ao conhecimento
sobre poltica internacional prevalecente at o momento e um ataque ao
liberalismo utpico e suas premissas de defesa da diplomacia, da idia de
segurana coletiva e da auto- determinao dos povos como formas de promoo
de um ambiente internacional mais pacfico.(Carr,1985)
No entanto, o pensamento realista viria a ganhar consistncia terica algum
tempo mais tarde com Hans Morgenthau e sua obra Poltica entre as Naes.
Nessa obra o autor estabeleceu seis princpios que norteariam o entendimento e a
anlise das relaes internacionais, diferenciaria o realismo enquanto perspectiva
5 Brian Schmidt em sua obra The political discourse of Anarchy: a Disciplinary History ofInternational Relations, faz ressalvas importantes sobre a contextualizao das origens dos debatesem relaes internacionais a partir da I Guerra Mundial, considerando que j havia autorescontribuindo para o entendimento do internacional no sculo XIX. No entanto, para os fins dopresente captulo, escolhemos tomar os debates do entre guerras como ponto de partida para noestendermos demasiadamente nosso exerccio hermenutico. Para maiores discusses ver Schmidt,The political discourse of Anarchy: a Disciplinary History of International Relations, Albany StateUniversity of New York Press, 1998.
6 Por conta de suas fortes repercusses para o desenvolvimento do primeiro significado de
segurana dentro dos estudos de relaes internacionais, escolhemos aqui priorizar a anlise datica realista. No entanto, logo em seguida retomaremos esse perodo histrico para tratar dasorigens e contribuies do pensamento idealista/ liberal utpico.
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terica das relaes internacionais e ajudaria esse campo de estudos a se separar
das demais cincias sociais. Para ns aqui importa dizer que Morgenthau
argumentava que o Estado seria o ator responsvel por definir o interesse nacional
e que esse interesse deveria se traduzir em termos de poder. Assim, a existncia de
uma anarquia internacional imporia ao estadista o acatamento de uma tica da
responsabilidade traduzida pelo entendimento de que o nico interesse nacional
relevante seria eminentemente a sobrevivncia do Estado. (Morgenthau, 2002)
No que concerne rea acadmica de relaes internacionais, os autores
procuravam reforar a demarcao das fronteiras dos estudos de relaes
internacionais em relao s demais reas das cincias sociais em busca de
autonomia e legitimidade e, por isso, muitos de seus esforos voltavam-se para a
tentativa de estabelecimento de razes e influncias intelectuais que confirmassem
que o internacional no era algo recente e contingente. (Kahler,1997) Assim,
inmeros autores procuraram relacionar as origens dos estudos de relaes
internacionais a partir da linguagem de autores clssicos como Tucdides,
Maquiavel e Hobbes. Essa busca foi realizada eminentemente por autores realistas
e, por isso, a leitura feita desses autores clssicos seguiu a orientao do
pensamento realista cujos autores procuraram adaptar os conceitos e contextos dos
clssicos ao seu prprio tempo e arcabouo terico. Por essa razo, conceitos
considerados basilares do pensamento realista - e ligados ao mbito da segurana -
como poder, sobrevivncia, auto-ajuda e estado de natureza - foram esboados a
partir da leitura peculiar que os realistas fizeram dos clssicos.
Ainda, algumas das premissas comuns a todas as vertentes realistas que se
desenvolveram com o passar das dcadas encontram bases nas tradies herdadas
por Tucdides, Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes. Entre essas premissas esto
a centralidade do Estado e seu objetivo primordial de busca de sobrevivncia, oapoio no poder como meio de garantia dessa sobrevivncia, quer de forma
independente (seguindo a lgica do self help) quer via alianas, e a anarquia
internacional. Hans Morgenthau, j mencionado acima, e Reinhold Niebuhr,
responsveis entre outros pelo desenvolvimento das premissas realistas, viam os
escritos de Tucdides como cruciais para indicar que h padres de
comportamento humano recorrentes e passveis de serem identificados em todos
os momentos histricos. Tucdides considerado o fundador da perspectivarealista por, entre outras coisas, apontar o medo e a incerteza como elementos
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promotores da guerra e por reconhecer que os mais fracos inevitavelmente tero
que aceder aos desgnios dos mais fortes. (Tucdides,1989) No que se refere a
Maquiavel, a herana resgatada a valorizao que o autor confere
sobrevivncia do Estado enquanto ator. Na tica de Maquiavel, o lder ou prncipe
so dependentes da existncia de um Estado, o que o faria ser fundamental. O
poder, as alianas e a balana de poder seriam elementos cruciais para enfrentar os
desafios de segurana. Maquiavel priorizava a leitura ctica e amoral das relaes
entre as cidadesEstado, considerando que s aes do prncipe no se aplicariam
moralidade que guia as aes dos indivduos comuns. (Maquiavel, 2008)
Hobbes, por sua vez, representou um marco no pensamento realista por sua
concepo de estado de natureza a qual serviu de parmetro para o pensamento da
anarquia internacional. A impossibilidade de se estabelecer um soberano que
tenha o monoplio do uso legtimo da fora em mbito internacional (ou seja, a
ausncia de um Leviat) faria a anarquia internacional ser uma caracterstica
indelvel das relaes internacionais. Todas essas leituras favorecem um olhar
negativo da natureza humana que seria guiada por medo, ambio e busca de
poder7, elementos que foram transportados pelos autores realistas para as relaes
internacionais para explicar tambm o comportamento dos Estados e o prprio
sistema internacional.
Vale notar, contudo, como as emoes foram tomadas como parte
importante dessas leituras clssicas sobre a natureza humana e como a prpria
teoria realista ao estabelecer suas definies e entendimento sobre o
internacional as absorveu fortemente, embora de forma no problematizada e
reducionista. Como salienta Neta Crawford, teorias sobre as emoes, seu
funcionamento, fontes e conseqncias tm sido desenvolvidas em vrios campos
de estudos, tendo por marco inicial o interesse dos gregos. (Crawford, 2000) Nasrelaes internacionais e em segurana internacional, no entanto, essas teorias
encontraram espao bastante reduzido e as emoes, ao serem consideradas pelos
realistas, foram interpretadas em termos estritamente biolgicos, por influncia,
7Segundo Hobbes, O direito de natureza, a que os autores geralmente chamamjus naturale, aliberdade que cada homem possui de usar seu prprio poder, de maneira que quiser, para apreservao de sua prpria natureza, ou seja, de sua vida; e conseqentemente de fazer tudo aquilo
que seu prprio julgamento e razo lhe indiquem como meios adequados a esse fim. ( cap. XIV,p. 78)
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sobretudo, das leituras de alguns filsofos clssicos os quais foram tomados como
base para a construo do arcabouo terico realista.8
Entre todas as emoes resgatadas pelos realistas a partir dos clssicos o
medo ocupa posio primordial. Para Tucdides,os homens so motivados por
honra, ganncia e, acima de tudo, medo.(p.49, 1986) De fato, Tucdides explica
a ocorrncia da Guerra do Peloponeso a partir do crescimento do poderio
ateniense e do medo que o mesmo teria causado em Esparta. No entanto, ao longo
do texto podemos perceber que o autor tambm valorizava outras emoes e no
necessariamente de contedo negativo, como o amor ptria e a honra.
O medo igualmente central nos escritos de Hobbes, para quem as
paixes eram apetites animais. Em O Leviat, Hobbes argumenta que as
paixes so naturais e inescapveis e o medo possui papel fundamental na sua
concepo de poltica, uma vez que ele seria o responsvel por conduzir os
homens da condio de guerra de todos contra todos para a ordem: The Passions
that encline men to Peace, are Feare of Death; Desire of such things is necessary
to commodius living; and a Hope by their Industry to obtain them. (Hobbes,
1986 p.118) As paixes, assim, so entendidas por Hobbes como incontrolveis e
como as responsveis por tornar os indivduos inseguros e incapazes de confiar
nos outros ou na possibilidade de paz.
Concepes naturalistas ou biolgicas sobre as emoes como essas tm
sido mesmo com o advento das teorias cognitivistas na psicologia ao longo do
sculo XX as predominantes e as mais persistentes em vrias reas de estudos
(incluindo as reas de segurana e poltica internacional) at o momento,
reverberando ainda o entendimento de que as emoes so uma questo
fisioqumica sem conexo com a conscincia e cognio, e um fenmeno que
deve ser controlado.
8 Importa observar aqui que nem todos os filsofos gregos desconsideravam a dimenso cognitivadas emoes. Aristteles um caso que comprova essa exceo, na medida em que ele, porexemplo, acreditava que o medo era uma certa expectativa de uma experincia destrutiva emandamento. No caso do realismo, no entanto, a leitura que favorece a dimenso biolgica dasemoes prevaleceu sobretudo porque os autores tomados para fundamentar suas construestericas acatavam essa leitura, bem como pelo fato de que ela no foi problematizada e simcontornada, na medida em que os realistas desenvolveram a concepo de racionalidade como
forma de conter os efeitos das emoes na prtica poltica. Como observa David Ost, (e)motionshave been presented as a problem that power has to deal with, not something with which power isitself intimately involved ( 2004, p.229)
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No caso dos realistas, no entanto, vale ressaltar o papel por eles conferido s
emoes em sua definio de natureza humana. Como mencionamos mais acima,
Morgenthau fundamenta sua concepo de poltica em leis objetivas enraizadas na
natureza humana a qual estaria baseada em um desejo constante de poder. Como
salienta Crawford, this human nature is characterized by the tendency to be
hostile, aggressive, fearful and distrustful.(...) (2009, p.276) Essa concepo, por
sua vez, no s corrobora a interpretao biolgica das emoes, como tambm
ajuda a reforar o entendimento de fixidez dessa natureza. O prprio termo
natureza em si j indica essa interpretao biolgica, embora no responda pela
escolha normativa dos realistas em definir essa natureza como eminentemente
agressiva, gananciosa e egosta. Contudo, para os realistas, essa natureza definiria
tambm a cultura e as instituies polticas as quais incorporariam a mesma
natureza e sua fixidez. Crawford observa que (t)his view of human nature has
become so taken for granted that it is hardly questioned as the rock bottom of
world politics. There is little research on human nature in world politics because
most of us think we know all we need to know.(2009, p.276) Ainda, vale
ressaltar que as emoes dentro desse quadro analtico foram interpretadas de
forma predominantemente negativa e consideradas sobretudo como fatores
disruptivos a serem controlados ou evitados.
E nesse contexto que a idia de racionalidade se desenvolve para os
realistas de forma a promover o controle das paixes e a garantir que os atores
alcancem seu objetivo de poder. O pensamento iluminista desenvolvido a partir do
sculo XVIII, ao preconizar a autonomia individual e a capacidade natural dos
homens de aprender, influencia os realistas na medida em que favorece a
racionalidade como forma de alcance do conhecimento e de realizao de
objetivos. Ainda, o racionalismo iluminista estabelece que o homem, ao serdotado de conscincia autnoma, deve ser livre no s em relao autoridade
externa, poltica e religiosa que o domina e o oprime, como tambm deve ser livre
em relao as suas prprias paixes, emoes e desejos.9Ou seja, o homem livre
9Como analisa Albert O. Hirschman, o sentimento que surgiu durante a Renascena e tornou-seuma firme convico durante o sculo XVII foi o de que a filosofia moral e o preceito religiosono mais bastavam para controlar as paixes destrutivas dos homens. Investigaes sobre anatureza humana foram empreendidas a partir de ento com o propsito de descobrir modos de dar
forma ao padro de aes humanas mais eficazes do que as exortaes moralistas ou ameaas dedanao eterna. A primeira alternativa pensada, segundo o autor, foi a coero ou a represso. E atarefa de controlar ou reprimir, pela fora se necessrio, as piores manifestaes decorrentes das
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senhor de si sobretudo quando exerce o controle de si mesmo e age de acordo com
sua vontade e deciso racional. Essa influncia transportada para o pensamento
realista em sua premissa de que os que buscam por poder agem como atores
racionais em seus esforos para alcanar seus objetivos. A partir desse prisma, os
realistas construram a pressuposio do Estado10 como ator unitrio a qual o
resume a uma unidade coesa que age e toma decises de forma coerente em busca
da consecuo de seus interesses de poder. Essa compreenso representa uma
simplificao terica que no reconhece os interesses dos diversos atores que
compe a rbita domstica do Estado e presume que o objetivo maior do Estado
seja o interesse nacional, embora esse interesse seja de difcil definio. Por
conseqncia, o desenvolvimento desse modelo racional acabou gerando a crena
predominante nas Relaes Internacionais de que as emoes apenas causam
erros, o que compromete significativamente o entendimento da rea sobre a
relao entre a racionalidade e a psicologia.
Como observa Jonathan Mercer, imaginar o comportamento racional como
independente da mente um mito, embora consistente com a proposta dos
racionalistas de entendimento da psicologia como a responsvel pela explicao
de erros ou desvios. O autor, assim, aponta para o fato de que os racionalistas so
normativos na medida em que eles buscam explicar como se deve exercer a razo
para o alcance de determinado resultado e no como efetivamente a mente
funciona porque para eles seria impossvel saber qual o papel que os
fenmenos mentais exercem no comportamento dos atores. (Mercer, 2005, p.80)
Como veremos mais adiante, esses pressupostos conduziram at mesmo os
autores de recorte liberal os quais, embora tenham se amparado na psicologia para
explicar processos decisrios, tambm entendiam a racionalidade sob esse mesmo
prisma.Retomando o desenvolvimento do conceito de segurana, observamos que,
com o passar das dcadas, os conceitos de anarquia e poder foram sendo
largamente aceitos e suas implicaes passaram a ser objeto de investigao de
diversos autores alm de Hans Morgenthau. Entre eles merece destaque John
paixes caberia ao Estado. Essa era a viso de Santo Agostinho e Calvino, por exemplo. Noentanto, essa alternativa passou a ser criticada por atribuir a um ato de vontade do soberano atarefa de eliminar as misrias e danos decorrentes das paixes dos homens. (Hirschman, 1979)
Mais adiante, em momento que consideramos mais apropriado, mencionaremos outras alternativaspensadas por intelectuais para o tratamento das paixes.
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Herz. Como Carr e Morgenthau, Herz no negava a existncia de uma dimenso
tica nas relaes internacionais, mas como os outros dois autores ele tambm
sustentava que essa dimenso estaria submetida s questes do poder e da
sobrevivncia.O grande legado de Herz, contudo, central para os estudos de
segurana, o conceito de dilema de segurana. De acordo com o autor, o dilema
de segurana ocorreria quando um Estado ao investir em sua prpria segurana
acaba sendo percebido pelos demais Estados como uma ameaa, dado o medo e a
incerteza sobre as intenes que motivaram os investimentos do primeiro Estado.
Em conseqncia, os demais Estados passam tambm a se protegerem e so
igualmente percebidos como ameaa pelo primeiro Estado a tomar a iniciativa de
proteo, fato que gera uma escalada armamentista a qual acaba produzindo o
efeito oposto ao pretendido por todos, dado que todos passam a se sentir mais
inseguros do que antes. Para Herz, o dilema de segurana caracterstico do
sistema internacional e um trao incontornvel do mesmo, por conta da ausncia
de uma autoridade supra-estatal que garanta a segurana de todos. (Herz, 1950)
Nesse sentido, percebemos que o medo passa a ser institucionalizado e
adotado como um instrumento de poltica externa. A institucionalizao ocorre
quando um grupo incorpora uma crena, prtica ou um sentimento em seu
repertrio de conhecimento naturalizado sobre o mundo e sobre as rotinas
comportamentais. No caso do pensamento realista, o processo de
institucionalizao do medo ocorreu de modo a orientar o comportamento dos
Estados e de suas escolhas de poltica externa em termos militaristas e a partir da
crena de que a produo deliberada do medo no adversrio uma forma eficaz
de promoo de capitulao ou compliance. Dentro desse arcabouo terico,
assim, as emoes continuam sendo ponto importante na elaborao de seus
conceitos basilares, embora nele no se questione o fato de que sistemas polticosassentados em medo e desconfiana no so inevitveis e de que o processo de
institucionalizao do medo pode ser conduzido de outra forma, inclusive com
apoio em outras emoes como a confiana. (Crawford, 2009)
O advento da Segunda Guerra Mundial, todavia, refora as concepes
cticas sobre a dinmica poltica internacional as quais passaro a ter forte
presena na prtica poltica internacional das prximas quatro dcadas. Assim,
ainda no imediato ps Segunda Guerra Mundial, criou-se a expresso segurananacional para descrever a rea da poltica pblica voltada para a preservao da
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independncia e autonomia do Estado. A segurana passou a ser relacionada com
a necessidade dos Estados de manter sua independncia poltica e a autonomia
nacional em seu processo de tomada de deciso. Essa concepo realista de
segurana encontrou no contexto internacional do ps II Segunda Guerra um
terreno bastante frtil, dado que muitos pases estavam saindo de uma realidade de
guerra e forte depresso econmica, algo que contribuiu para a tendncia dos
acadmicos e formuladores de poltica externa- sobretudo os norte-americanos - a
assumirem uma perspectiva terica e um discurso que enfatizavam a necessidade
de proteo dos Estados. O que se seguiu, portanto, foi o reforo dos estudos de
segurana em linhas realistas, cujas concepes permearam a prtica da poltica
externa e as vises de mundo em torno da insegurana e do medo.
Como podemos ver, essas concepes apresentam uma interpretao
bastante restrita e limitada do termo segurana e a dinmica subseqente - a
Guerra Fria - contribuiu ainda mais para que a segurana fosse pensada em termos
militaristas, inibindo a considerao de interpretaes alternativas. No entanto,
no se pode dizer que no existiram tentativas nesse sentido ao longo desse
perodo. Em 1952, Arnold Wolfers, por exemplo, apesar de ser um autor de
recorte realista, apontava para o fato de que a concepo realista de segurana no
era menos idealista do que as concepes propostas por seus crticos, dado que,
segundo o autor, a busca por uma poltica de segurana nacional tem um carter
originariamente normativo. (Wolfers,1952) Ou seja, a busca de estabelecimento
de polticas militaristas reflete julgamentos de valor e a existncia de um conjunto
de prioridades a serem concretizadas em termos de defesa as quais demonstram
que as concepes tradicionais de segurana so em si guiadas por valores, ainda
que esses valores no sejam apresentados como tal. O ponto de partida dos
realistas, em geral, o de que nunca ser possvel assegurar a um Estado ou a umindivduo segurana absoluta, dado que sempre existiriam ameaas. Por isso, a
questo para eles seria definir a que ameaas conferir ateno e em que medida.
Ao tratar a evoluo dos estudos de segurana, Stephen Walt observa a
prevalncia da academia norte-americana ao longo do perodo referente Guerra
Fria e aponta os diversos matizes que o realismo adotou nesse decurso de tempo.
O perodo da Segunda Guerra Mundial at meados dos anos 60 definido pelo
autor como a poca dourada e se caracteriza por estudos voltados para a busca deentendimento das implicaes da revoluo nuclear. A questo central dos estudos
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desse perodo foi descobrir como os Estados poderiam usar armas nucleares de
destruio em massa como instrumentos de poltica, dado o risco de resposta. Os
estudos desse perodo eram bastante interdisciplinares e voltavam-se para
problemas especficos da realidade mundial daquela poca, alm de possurem um
entendimento de interesse nacional bastante militarista em decorrncia da
proximidade dos pesquisadores de think tanks - como a RAND- com o
departamento de defesa norte-americano. As crticas do autor so as de que os
estudos desse perodo careciam de dados e comprovaes empricas, algo que se
explicava pela dificuldade de acesso a documentos mantidos em sigilo pelo
governo e pela escassez de compilao de informaes histricas sobre o conflito
nuclear. A conseqncia foi a predominncia de estudos baseados em tcnicas
dedutivas como a teoria de jogos e o uso de uma definio restrita de poltica,
dado que a rea tendia a ignorar fontes no militares de tenso internacional.
Esse foi o caso da teoria da deterrncia, que se concentrava em descobrir
como tornar ameaas retaliatrias crveis sem questionar porque o oponente
desejaria mudar seu status quoem primeiro lugar. Nesse ponto h que se pontuar
novamente o carter poltico-psicolgico do conceito de deterrncia dado que seu
sucesso dependia das percepes e avaliaes de um potencial agressor. Contudo,
a institucionalizao do medo para fins estratgicos aqui foi avaliada como uma
boa medida promotora de segurana sem que se percebesse o quo arriscada essa
medida podia ser uma vez que o medo, como salienta Neta Crawford, pode se
tornar um clima auto-sustentado e quase independente do seu gatilho inicial, o que
dificultaria sua desativao diante das evidncias de que a ameaa tenha
diminudo. Ainda, segundo a autora,
Initial fear may be institutionalized in the adoption of an emotional attitude about theother and the world (that is threatening), which affects the intelligence-gathering andassessment functions of organizations. Fear may be institutionalized in the adoptionof technologies (), rules of procedure and military doctrines that are intended toreduce the subjective sense of threat and fear, but which may simultaneously andinadvertently heighten fear. Fear determines perceptions and the responses toperceived threats (whether actual or anticipated). (2009, p. 282)
Walt da mesma forma reconhece que a grande limitao da teoria da
deterrncia foi ter se distanciado dos fatores organizacionais, psicolgicos e de
poltica domstica que tambm compem e moldam o comportamento do Estado
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sobretudo por conta da viso tradicional do ator racional. Nesse sentido, importa-
nos observar que mesmo com a revoluo behaviorista que se desenvolveu nas
cincias sociais do perodo - e se espalhou para os estudos de segurana-, as
interpretaes das emoes em termos biolgicos (subjacentes na concepo de
natureza humana) prevaleceram, apesar de a revoluo ter inovado ao considerar a
dimenso cognitiva. Isso porque a inovao era em si bastante limitada na medida
em que sua leitura cognitivista exclua a dimenso mental de suas anlises para
concentrar- se apenas nos estmulos observveis. Como comenta Mercer,
(b)ehaviourists study behavior, not the mind. People respond to incentives, and
to understand incentives is to understand behavior. Ou nas palavras de Skinner,
We do not need to try to discover what personalities, states of mind, feelings,
traits of character, plans, purposes, intentions, or other prerequisites of
autonomous man really are in order to get on with a scientific analysis of
behavior. (apud Mercer, 2005, p.82) Assim, para os behavioristas, o foco estava
no estudo dos comportamentos dos atores e dos incentivos, e as emoes ou a
dimenso mental eram marginalizadas por serem consideradas de difcil acesso ou
determinao.
Na segunda metade da dcada de 60 os estudos de segurana vivenciaram
um perodo de declnio que s superado com o que Walt chama de renascena
dos estudos de segurana, em meados da dcada de 70. Nesse novo momento,
embora o campo tenha se mantido multidisciplinar e bastante ligado a questes de
poltica internacional, a inovao se deu em decorrncia da abertura de espao
para o desenvolvimento de estudos com apoio na histria. O maior acesso aos
arquivos permitiu aos historiadores investigaes detalhadas sobre a poltica de
segurana nacional e os pesquisadores passaram a apoiar-se mais fortemente em
casos histricos como forma de gerar, testar e refinar teorias. Ainda, o uso dahistria permitiu - assim como a psicologia e a teoria organizacional- o
questionamento das premissas da teoria de deterrncia sobre informao perfeita e
o clculo racional. Outras inovaes foram o desenvolvimento de estudos sobre os
efeitos das polticas domsticas, erros de percepo e da estrutura sobre as
probabilidades de guerra. No entanto, como mencionamos acima, o tratamento
das emoes permaneceu nos mesmos termos, apesar das inovaes cognitivistas
do behaviorismo.
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Ao longo da dcada de setenta, outras dinmicas continuaram a impactar os
estudos de segurana e levar ao questionamento das premissas realistas,
principalmente o desenvolvimento da globalizao e da transnacionalidade, o
declnio do poder econmico norte americano e os choques do petrleo nos anos
de 1973 e 1979. Nesse momento, as questes econmicas e seus impactos na
dinmica das relaes internacionais passaram a ser importante foco de ateno e
debates relativos a processos de interdependncia ganharam significativo espao
dentro dos estudos de segurana.11 Diante dos desafios apresentados pelos
tericos liberais, no entanto, o realismo se reformula a partir dos escritos de
Kenneth Waltz, com a obra Teoria da Poltica Internacional, de 1979.
Kenneth Waltz compartilha do argumento dos realistas tradicionais de que a
poltica internacional pode ser pensada como um sistema com uma estrutura bem
definida. No entanto, Waltz observa que o realismo clssico no capaz de
conceitualizar o sistema internacional dessa forma porque ele limitado por sua
metodologia que procura explicar os resultados polticos atravs do exame das
partes constituintes dos sistemas polticos. Ou seja, para ele os realistas clssicos
eram incapazes de explicar o comportamento em nvel acima dos Estados
naes. Por isso, Waltz se prope a trazer maior rigor cientifico e metodolgico
para o estudo da poltica internacional para superar as limitaes que ele
visualizava na produo do conhecimento realista desenvolvida at aquele
momento bem como para responder aos desafios apresentados pelas dinmicas
econmicas do perodo. A sofisticao de suas proposies tericas acaba
conferindo aos seus estudos uma posio de proeminncia dentro da disciplina de
relaes internacionais e na prtica poltica internacional. (Burchill, 1995, p.83)
Assim, Waltz argumentava que o dilema de segurana no deveria ser
explicado pela natureza humana, assim como fizeram Morgenthau ou Nieburhr,mas sim atravs da estrutura do sistema internacional e dos constrangimentos que
esse sistema exerceria sobre o comportamento e as escolhas dos Estados. Para
esse autor, as relaes internacionais estariam caracterizadas por padres e
10Da mesma forma, por questes de melhor organizao do argumento do captulo,apresentaremos a leitura liberal em momento subseqente.
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eventos recorrentes. Esses padres, traduzidos na idia de sistema seriam to
poderosos que elidiriam as intenes dos Estados enquanto atores individuais12.
Neta Crawford, em seu artigo Human nature and World Politics:
Rethinking man (2009), traz uma contribuio analtica sobre Waltz e sua
considerao sobre a natureza humana que merece ser mencionada aqui. Como
observamos mais acima, realistas estruturais argumentam que apelos natureza
humana so dispensveis uma vez que a estrutura determina caractersticas
recorrentes da poltica internacional. Mas, para a autora, embora Waltz na obra
Teoria da Poltica Internacional argumente nesse sentido, ele, no entanto, adota
uma viso implcita da natureza humana que se coaduna com a viso dos realistas
clssicos. O ponto de partida de anlise de Crawford foi a obra Man, the State
and War, na qual Waltz conclui que a natureza humana a mesma tanto em
11H pontos de contato entre os realistas clssicos e os realistas estruturais, no entanto. Entre essespontos esto a considerao de que a anarquia a caracterstica definidora do sistema internacionale de que o objetivo primordial dos Estados a sobrevivncia. Importante notar, contudo, oentendimento de ambas as vertentes no que concerne a segurana. Para ambas, o sistemaanrquico, por suas caractersticas intrnsicas, no fornece proteo aos Estados, o que os fazestarem em constante ameaa e em busca de segurana. Nessas condies, ou seja, em um sistemaorientado pelo princpio do self help, as unidades estatais so compelidas a funcionarem de formasemelhante, independente de seus tamanhos ou capacidades. Os Estados so, portanto, obrigados a
buscar por sua segurana a partir de seus prprios recursos e esforos, quer atravs deinvestimentos em sua fora militar, quer desenvolvendo estratgias que lhes concedam vantagenssobre os demais Estados no sistema. Em resumo, a necessidade de se conformar com a realidadedo funcionamento do sistema internacional seria o elemento que justificaria a priorizao dasquestes de segurana na agenda dos Estados. (Waltz, 1979)
No que concerne a questo da balana de poder, existem consideraes que tambmdiferem o realismo clssico do realismo estrutural. Na concepo do realismo clssico, as balanasocorrem em conseqncia de polticas governamentais direcionadas dos Estados que compem osistema os quais no desejam que o sistema seja dominado por apenas um Estado ou aliana quealcance a posio de imposio sobre os demais. Para Waltz, a balana de poder se forma apesardos esforos dos Estados que a compem e, na verdade, mesmo que suas buscas estejam voltadaspara a maximizao de seu poder e de hegemonia sobre o sistema, a tentativa de um cancela atentativa de outro. (Waltz, 1979, p.160) E nos clculos do poder, o poder militar o mais visado.
A guerra vista, por conseqncia, como um instrumento fundamental para alcanar e defender abalana, na medida em que ela deve ser usada para impedir a dominao do sistema por um Estadoou aliana. Assim, a questo da segurana aqui no interpretada como algo historicamentecondicionado pela cultura, mas sim como uma caracterstica objetiva determinada pela distribuiode capacidades militares.
Waltz, portanto, argumenta que a busca da causa da guerra s faz sentido no nvel dosistema internacional, sendo qualquer explicao a nvel dos Estados uma explicao de carterreducionista. Isso porque embora o autor no menospreze as teorias produzidas ao nvel dasunidades (Estados), ele as considera limitadas quanto ao seu escopo.Waltz visualiza a anarquiacomo o princpio ordenador do sistema internacional no qual o exerccio de poder de um Estadosobre o outro, quando ocorre, no legtimo, como ocorre dentro dos Estados onde a ao dosoberano legitimada por sua autoridade. No sistema internacional, no h hierarquia deautoridade, mas h uma hierarquia de poder segundo a qual os Estados com mais recursos de poder
influenciam e/ou obrigam os demais Estados a mudarem suas polticas segundo seus interesses.
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tempos de guerra quanto em tempos de paz e que, por isso, sua importncia como
fator em anlise causal de eventos sociais reduzida pelo fato de que a mesma
natureza, embora definida, tem que explicar uma infinita variedade de eventos
sociais. Dessa forma, se a natureza humana constante, e a histria varivel,
ento a natureza humana no pode explicar a variao. Para Crawford, assim,
embora Waltz desconsidere a importncia da natureza humana em suas
explicaes sobre os resultados polticos mundiais, ele sustenta uma concepo
implcita de natureza humana que fixa: (t)he assumption of a fixed human
nature, in terms of which all else must be understood, itself helps to shift attention
away from human nature because human, by the terms of the assumption,
cannot be changed, whereas social-political institutions can be. (2009, p.273)
Ao considerarmos esses argumentos percebemos, assim, que tambm dentro
do realismo estrutural os termos de tratamento das emoes continuam sendo os
elaborados segundo a perspectiva realista, ou seja, separados da cognio e
interpretados como sinnimos de descontrole e irracionalidade.
Em termos contextuais, o pensamento de Waltz encontra solo frtil nas
dinmicas da poltica internacional dos anos 80, com a eleio de Ronald Reagan
presidncia dos EUA e sua poltica externa agressiva, fatos que deram ensejo ao
que ficou conhecido como a Segunda Guerra Fria. Nesse momento, os EUA
defenderam o desenvolvimento de novas tecnologias nucleares para superar a
alegada inferioridade militar em relao URSS e recuperar a hegemonia daquele
pas no sistema internacional, em crise desde a dcada de 1970. A estratgia norte
americana elaborada nesse perodo foi denominada Iniciativa de Defesa
Estratgica (IDE)13, mas ficou mais conhecida como Projeto Guerra nas Estrelas e
tinha como objetivo substituir a poltica de deterrncia que estava sendo
implantada at ento. O grau de agressividade da poltica externa norte-americanaem relao URSS era tal que comeava a colocar em risco seus aliados no
continente europeu, isso porque a reconfigurao dos arsenais americano e
13 Esse programa se consubstanciava na criao de um escudo para regies norte-americanas quepudessem ser provveis alvos em ataques nucleares e buscava a eliminao das armas nucleares queestivessem direcionadas para o continente americano. Representava uma estratgia diferente daestratgia de Destruio Mtua Assegurada anteriormente adotada e que pressupunha que seriapossvel impedir que um Estado iniciasse um ataque contra outro atravs do entendimento de queum Estado, uma vez atacado procuraria ainda assim responder ao ataque, caso dispusesse de
capacidade de retaliao para isso. Para maiores informaes ver Turner, John & SIPRI.(1985)Arms in the 80s. New developments in the Global Arms Race. London: Taylor & Francispublishers.
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sovitico colocaria os povos europeus como alvos diretos, caso houvesse um
conflito. Essa configurao de foras acabou forando, portanto, os pases
europeus a reformularem sua posio em vrios mbitos, no s em relao aos
EUA e a OTAN, mas em relao ao prprio sistema internacional.
(Kissinger,1995)
Os anos 80, no entanto, so, no que concerne s relaes internacionais em
geral e aos estudos de segurana em termos mais estritos, um perodo
extremamente complexo. Para melhor entendermos essa complexidade, nos
deteremos, na prxima seo, nas influncias do pensamento liberal por ter ele
representado o grande contraponto ao desenvolvimento do pensamento realista
nas relaes internacionais e nos estudos de segurana, estimulando o
desenvolvimento de alternativas interpretativas importantes segurana e
apresentando outros debates que passaram a marcar a dinmica poltica
internacional de forma indelvel. No que concerne questo das emoes, o
espao se diversifica em alguns aspectos, mas continua, como veremos, bastante
restrito e influenciado pela concepo das emoes como contraponto da
racionalidade.
2.1. A segurana e as emoes: significados nas leituras liberais
As razes da perspectiva liberal se encontram nos sculos XVIII e XIX
vindo ela a alcanar maior proeminncia ao longo do sculo XX, sobretudo aps a
Primeira Guerra Mundial.No h, no entanto, um corpo uniforme e coerente a
compor a tradio liberal, sendo ela formada por diversos autores com mltiplas
preocupaes. O ponto comum a todos, no entanto, o pensamento inicialmentedesenvolvido por tericos liberais clssicos de inspirao iluminista para os quais
o individuo o nvel mais importante de anlise e o Estado um ator de
interferncia mnima, cujo papel seria apenas o de rbitro nas disputas entre os
indivduos e o de mantenedor das condies que permitem aos indivduos gozar
seus direitos em sua plenitude. O liberalismo enquanto ideologia contou com o
suporte intelectual de diversos pensadores ilustres, dentre os quais David Hume e
Jeremy Bentham e para os quais os indivduos eram racionais e capazes decalcular o que seria o melhor para eles sem a interferncia do Estado.
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O esprito do liberalismo e sua nfase no indivduo permeou todas as
esferas da vida e do pensamento - tanto cientfica quanto poltica, econmica,
social e religiosa - e apenas sofreu alteraes com o advento da Revoluo
Industrial, momento no qual foi permitido ao Estado um papel mais ativo no
sentido de limitar os efeitos nocivos da competio econmica irrestrita que
marcou o liberalismo econmico preconizado por Adam Smith e David Ricardo.
Para os liberais o Estado mnimo era possvel porque eles partiam da presuno de
que havia uma harmonia de interesses subjacente entre os indivduos. Por isso,
enfatizavam o papel positivo desempenhado pela opinio pblica ao fornecerem
orientao aos oficiais do Estado e na produo de boas polticas pblicas,
inclusive de poltica externa. O Estado no era, ento, visto como um ator unitrio
e sim um ator composto por diversos indivduos representando mltiplos
interesses e as decises polticas eram informadas pela opinio publica e um
consenso poltico derivado de uma contraposio de idias e interesses.
Essa viso da poltica teve repercusses nas relaes internacionais, pois os
liberais passariam a entender que mesmo em um ambiente anrquico seria
possvel promover uma harmonia de interesses, da mesma forma que ela era
possvel entre os indivduos. A base do pensamento dos liberais era a de que a
expanso da economia internacional tornaria a guerra mais custosa para os
Estados, ao mesmo tempo em que a expanso da democracia (ou de governos
republicanos ou representativos) faria o clculo da guerra ser submetido ao
escrutnio da opinio pblica domstica a qual refrearia decises de confrontao
externas. Por fim, os liberais acreditavam que as instituies e o direito
internacional contribuiriam para a resoluo pacfica de disputas e a promoo da
cooperao.
No que tange s emoes, os tericos liberais tenderam - em geral- a tomaras paixes como ameaa poltica e, por isso, ou buscaram meios de elimin-
las do espao pblico ou procuraram marginaliz-las ao ponto de exclu-las de
seus debates. Embora tenha havido, no entanto, tericos polticos que ao longo do
tempo se propuseram a criticar ou desafiar de diversas maneiras o foco excessivo
dado razo dentro do liberalismo como foram os casos de Jean Jacques
Rousseau, Edmund Burke, Friedrich Nietzsche e Herbert Marcuse pouqussimos
foram os que se propuseram a investigar o papel das paixes na teoria polticaliberal ou que apresentaram vises positivas em favor das paixes na poltica. Em
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suas anlises sobre os homens e a poltica, Max Weber, por exemplo, observou
que todo homem que se entrega poltica aspira ao poder seja porque o
considere como instrumento a servio da consecuo de outros fins, ideais ou
egostas, seja porque deseje o poder pelo poder, para gozar do sentimento de
prestgio que ele confere. (1967, p.57) Nesse sentido, suas anlises sobre o
homem e a poltica so geralmente interpretadas como partidrias de uma viso
racionalista que preconiza a indispensabilidade de uma administrao efetiva das
emoes pelas lideranas polticas e organizaes mais amplas. Como observa
Volker Heins,
Webers fundamental distinctions between means-ends rationality, value-oriented
rationality, and traditional and affective types of action, ensured from the outset thataffect-driven behavior would be regarded as something of an anomaly, a residual ordisruptive factor in successful rationalization processes. Emotional action is theextreme opposite of instrumentally rational behavior, as its sense is neither rooted inpositively evaluated consequences nor in the kind of systematic orientation towards
values that distinguishes value-rational action. In its purest form, affect-driven actioneven negates itself since it is merely reactive, an uncontrolled reaction to someexceptional stimulus () A central maxim of Webers writings is that successfulpolitics, and especially successful democratic politics, are conducted with the head,- with a cool and clear head () The more politics is driven by unorganizedmasses, the more irrational, emotional and shortsighted it becomes. Affect driveninfluences must be confined to the pre-political realm of the street, but kept out
of official politics.() According to Weber, a politics contaminated by strongemotions is not only notoriously ineffectual, it is ipso facto undemocratic. Weberperceives the paradox that a democracy of the streets is no democracy at allbecause it merely intensifies the influence of political speculators, putschists andchance demagogues of all stripes without contributing to the creation of rationalorganizations of any kind. (2007, p.717)
Dentro desse contexto, assim, como salienta Cheryl Hall,(c)riticisms of
rationalism in politics generally focus more on problems of technocracy or
(phal)logocentrism or universalism, or on the dismissal of practical or customaryor perspectival knowledge, than on the disparagement of passion.(2002, p.728)
Para os liberais, portanto, as paixes tambm so sinnimos de emoes e se
contrapem razo, sendo a razo entendida como o meio capaz de promover o
controle e o domnio das paixes dos indivduos. Um dos argumentos mais fortes
dos liberais justamente o de que, para bem firmarem o contrato social, os
cidados deveriam se apoiar em suas capacidades para a razo, entendida como
um corretivo para as paixes individuais. Como observa Robert Solomon, inmany versions of (social contract) theory, justice becomes a matter of reason
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whose purpose is to counter or control the unruly and usually selfish dictates of
our natural passions. (1995, p.55)
As alternativas para o controle das paixes, no entanto, no se restringiram,
como observamos em nota mais acima, s estratgias de coero e represso. Uma
segunda alternativa aventada por alguns tericos polticos foi a busca de
mobilizao das paixes, tendo o Estado e a sociedade sido chamados a
desempenhar essa misso, agora como agente de transformao e veculo
civilizador. J no sculo XVII Blaise Pascal, por exemplo, argumentava em favor
da grandeza do homem referindo-se ao fato de ele ter sabido extrair da
concupiscncia uma regra admirvel e uma ordem to bela. (apud Hirschman,
1979, p. 25) A idia geral era a de mobilizar as paixes dos homens, interpretadas
como negativas e destrutivas transformando-as em virtude para, assim, faz-las
trabalhar em favor do bem comum. Assim, segundo Giambattista Vico,
(da) ferocidade, da avareza e da ambio os trs vcios que levaram toda ahumanidade a sua perdio (a sociedade) faz a defesa nacional, o comrcio e apoltica e, assim, ela produz a fora e a riqueza e a sabedoria das repblicas; desses trs
vcios que seguramente acabariam por destruir o homem na terra, a sociedade fazdesse modo surgir a felicidade civil. Esse princpio prova a existncia da providnciadivina: por obra de suas leis inteligentes, as paixes dos homens inteiramente
ocupados na busca de sua vantagem privada so transformadas em uma ordem civil epermite aos homens viver em sociedade humana. (idem)
Autores como Bernard Mandeville e Adam Smith expandiram essa idia
tendo Smith sido o responsvel por tornar a proposta de mobilizao das paixes
ainda mais atraente ao substituir os termos vcio e paixo por expresses mais
suaves como vantagem ou interesse. Nesses termos, a idia de mobilizao
das paixes tornou-se capaz de sobreviver e prosperar no s como um dos
principais dogmas do liberalismo do sculo XIX como um dos postulados centraisda teoria econmica. No entanto, essa alternativa tambm se mostrava falha na
medida em que seus defensores a preconizavam sem, contudo, explicar como se
daria essa transformao alqumica das paixes14. Por isso, uma terceira soluo
14Os tericos polticos no ofereceram uma explicao para essa transformao, mas indicamque as paixes tomadas como interesses e interpretadas como virtudes eram aquelas que seapresentavam como convenientes ou teis segundo suas vises sociedade. Exemplos dessaspaixes foram a avareza, a ganncia e o amor de lucro. Elas poderiam ser empregadas de modo
til para confrontar ou refrear outras paixes tais como a ambio, volpia de poder ou volpiasexual. O critrio de utilidade, no entanto, tambm no era claramente definido e era aplicado poraqueles que estavam no poder.
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foi pensada a qual implicava o uso de um grupo de paixes contra outro ou como
forma de sobrepor s paixes reputadas destrutivas outras interpretadas como
inofensivas, ou como forma de enfraquecer as paixes destrutivas atravs de lutas
internas. Entre os intelectuais que trabalharam sob esse prisma estiveram Baruch
Spinoza e David Hume. Em sua obra A tica, Spinoza afirmou que
Um afeto no pode ser controlado ou removido a no ser por um afeto mais forte eoposto.Nenhum afeto pode ser controlado pelo verdadeiro conhecimento do bem e do mals porque esse conhecimento seja verdadeiro, porm somente na medida em que eleseja considerado como um afeto. (ibidem, p.30)
Essas passagens atendiam ao propsito do filsofo de sublinhar a fora e a
autonomia das paixes de modo a demonstrar as dificuldades de se atingir adestinao final que o autor delineou na obra A tica e que se traduzia no triunfo
da razo e do amor a Deus sobre as paixes. Spinoza foi o primeiro grande
filosofo, segundo Hirschman, a conferir lugar de honra idia de que as paixes
podem ser combatidas com sucesso somente atravs de outras paixes. David
Hume, por sua vez, embora se contrapusesse fortemente filosofia de Spinoza,
tinha concepes semelhantes s dele no que concernia as paixes e sua relao
com a razo. Nesse sentido, para Hume em uma interpretao mais radical - aspaixes so impermeveis razo, i.e, a razo para ele e deve somente ser a
escrava das paixes e, por isso, segundo ele, nada pode retardar ou opor-se ao
impulso da paixo, a no ser um impulso contrrio. (ibidem, p.31)
Por outro lado, dentro desse contexto de contraposio entre paixes, a
razo assumia um papel fundamental para alguns tericos. Como salientou
DHolbach:
As paixes so os verdadeiros contrapesos das paixes; no procuremos destru-las,mas esforcemo-nos por dirigi-las: compensemos aquelas que so prejudiciais poraquelas que so teis sociedade. A razo (...) no seno o ato de escolher aquelaspaixes que devemos seguir em favor de nossa prpria felicidade (ibidem, p.33)
Por fim, vale ressaltar a questo que permaneceu pendente para os que se
propunham a contrapor paixes: como saber, de um modo geral, quais paixes
assumiriam o papel de dominadora e quais seriam as que precisariam ser
domesticadas? Segundo Hirschman, os significados atribudos a determinadas
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paixes variaram segundo os contextos histricos e foi nesse processo de
categorizao que surgiu a oposio entre os interesses em relao s paixes,
com o uso do termo interesse para se referir aos sentimentos valorizados em
contraste com os que deveriam ser repudiados. Interessante notar que o vocbulo
interesse at o sculo XVI, no entanto, no se limitava ao significado econmico e
englobava a totalidade de aspiraes humanas, diferenciando-se, contudo, por
revelar um elemento de reflexo e clculo com relao maneira pela qual se
deveria buscar atingir essas aspiraes. Foi essa dimenso de reflexo que passou
a ser valorizada e associada a determinadas paixes de modo a facilitar sua
aceitao como virtudes15quando consideradas em relao a sua possibilidade
de promoo da ordem e do bem geral. (1979)
Com Maquiavel o termo interesse tornou-se inicialmente sinnimo de razo
de estado e representou uma declarao de independncia dos preceitos e regras
moralizadoras que tinham sido o principal pilar da filosofia pr-maquiavlica. No
entanto, a idia de interesse nesses termos tambm restringia a ao dos prncipes
e os estudos sobre sua definio continuaram sendo longos e complexos. Por
outro lado, a idia prosperou de forma notvel quando foi aplicada a grupos de
indivduos dentro do estado, ajudando a cristalizar a idia de interesse como uma
mistura de egosmo e racionalidade, e seu contedo - traduzido como um
entendimento disciplinado do que necessrio para se avanar pessoalmente em
poder, influncia e riqueza - logo passou a fazer parte do uso popular, tornando-se
o novo paradigma de comportamento individual.
Esse entendimento tinha, segundo seus formuladores, duas vantagens: a
previsibilidade e a constncia. No que concerne ao primeiro caso, a interpretao
do interesse como motivo dominante no comportamento humano favorecia sua
tomada como a base para uma ordem social vivel, pois seria possvel extrair deuma pressuposio de uma natureza humana uniforme uma srie de importantes
proposies acerca da poltica. Assim,(a) idia de que os homens (so)
invariavelmente guiados por seus interesses seria capaz de conseguir aceitao
muito mais ampla, e qualquer ligeiro desagrado que a idia pudesse provocar era
assim banido pelo reconfortante pensamento de que, dessa maneira, o mundo se
15
Se analisadas isoladamente eram consideradas ainda vcios e no recomendadas por si mesmas.No entanto, ao serem pensadas quanto a sua utilidade para a promoo da felicidade civil, elaseram aladas condio de interesses e acatadas.
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tornava um lugar mais previsvel.(op.cit, p.50) Por outro lado, a previsibilidade
representava uma forma de constncia, uma qualidade que foi central para o
acatamento da idia de um mundo governado pelo interesse. O carter instvel e
imprevisvel da maior parte dos comportamentos passionais foi freqentemente
acentuado e apresentado como censurvel e perigoso. A partir da segunda metade
do sculo XVII, no entanto, a viso excessivamente pessimista da natureza
humana elaborada por Maquiavel e Hobbes passaram a ser amenizadas, o que no
eliminou, contudo, o entendimento da inconstncia como uma dificuldade central
para a criao de uma ordem social vivel. Nos contratos sociais propostos por
Pufendorf e Locke a incerteza a qual os autores se referem relaciona-se com a
inconstncia do homem. Nesse sentido, Hirschman observa que
Embora Locke no recorra ao interesse para manter a inconstncia sobre controle,existe claramente uma afinidade entre a Comunidade de Naes que est tentandoconstruir e a imagem seiscentista de um mundo governado pelos interesses. Poisesperava-se ou supunha-se que os homens, na busca de seus interesses, fossem firmes,resolutos, metdicos, tendo esse propsito como nica motivao, em total contrastecom o comportamento estereotipado de homens fustigados e obcecados por suaspaixes. Esse aspecto da questo tambm nos ajuda a compreender a eventualidentificao do interesse, no seu sentido amplo e original, com uma determinadapaixo particular, o amor pelo dinheiro. As caractersticas que se percebiam nessa pai-xo, e que a distinguiam das outras, eram precisamente a constncia, teimosia e a
imutabilidade de um dia para o outro e de uma pessoa para a outra. (op. cit, p. 54).
Retomando o desenrolar dos debates sobre segurana, observamos que o
advento da Primeira Guerra Mundial instigou os lderes polticos daquele perodo
e estudiosos de diversas disciplinas a tentar compreender os motivos que levaram
as grandes potncias a entrarem em guerra e a continu-la mesmo diante de tanta
devastao e sofrimento humano. Enquanto os realistas assumiram uma postura
de ceticismo em relao ao comportamento humano, muitos foram os que
assumiram postura oposta, acreditando que valores democrticos liberais seriam
um meio pacfico ou o nico meio de impedir uma nova guerra. Entre os que
assumiam essa postura otimista estava Woodrow Wilson, o presidente norte-
americano que ocupou a presidncia de 1912 a 1922. Seu pensamento sobre
poltica internacional era fortemente influenciado pelo liberalismo e em razo
disso essa forma de pensamento passou ento a contar com o slido suporte
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poltico do Estado mais forte do sistema internacional daquele momento. (Claude,
1984)
O objetivo de Wilson era tornar o mundo mais seguro para a democracia e
sua viso liberal foi o grande marco a orientar o programa dos 14 pontos
apresentado ao Congresso norte-americano em 1918. Esse programa procurava
ajudar a construir uma nova ordem internacional para o ps guerra e defendia -
entre outras coisas - o trmino da diplomacia secreta, o livre-comrcio, a reduo
de armamentos at o mnimo para manter a segurana domstica, a auto-
determinao dos povos como forma de resoluo das reivindicaes coloniais e
territoriais e a criao de uma associao geral de naes que fosse estabelecida
com a finalidade de garantir a independncia poltica e a integridade territorial de
grandes e pequenas naes de forma igualitria. Essa ltima proposta se
consubstanciaria na criao da Liga das Naes, implementada pela Conferncia
de Paris, em 1919. Dentre as idias de Wilson para um mundo mais pacfico, os
dois pontos fortes eram, sem dvida, a crena de que a promoo da democracia e
da auto-determinao seriam bases importantes para a consolidao da paz no
mundo, e a criao de uma organizao internacional que estabeleceria as relaes
entre os Estados em uma fundao institucional mais firme do que as experincias
do Concerto Europeu e a dinmica da balana do poder, sustentadas pela
perspectiva realista. No primeiro ponto, o entendimento era o de que Estados
democrticos tenderiam a sustentar relaes pacficas entre si e que medida que
o nmero de pases governados por esse modelo aumentasse, um certo tipo de
espao de paz e prosperidade se formaria.
Assim, segundo esse entendimento, o crescimento da democracia liberal na
Europa colocaria um fim aos lderes autocrticos e tendentes guerra e os
substituiria por governos democrticos liberais e pacficos. A equao eraestabelecida nos termos de que democracia liberal = paz. (Burchill, 1995, p.32)
No que concerne o segundo ponto, Wilson acreditava que relaes internacionais
reguladas por meio de um conjunto de regras comuns de direito internacional
encampadas em instituies e organizaes internacionais subjugaria os Estados e
seus polticos e garantiria uma paz permanente, o que refletia a grande influncia
filosfica de Immanuel Kant e sua obra A Paz Perptua. Nessa obra Kant elaborou
o conceito de federao pacfica para explicar a idia de um conjunto de Estadosdispostos a compartilhar uma forma republicana de governo.
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Na concepo de Kant, as guerras decorreriam de formas de governo
imperfeitas, ou seja, formas de governo que permitiam arbitrariedades por parte
dos lderes ou soberanos cujos atos estariam voltados para a satisfao de seus
interesses pessoais. Em formas de governo como as repblicas, no entanto, o
poder estaria baseado na representao dos interesses coletivos, no consenso,
transparncia e publicidade das decises polticas. Por conseqncia, seria muito
mais difcil para esses lderes lanarem-se em guerras, porque tal deciso
implicaria submeter a questo maioria, i.e, aos cidados, que procurariam avaliar
se a justificativa para o risco de perda de vidas humanas e patrimnio em uma
determinada guerra legtima e racional.
Pontuemos aqui tambm a importncia de Kant para o debate sobre as
emoes. O pensamento de Kant sustenta em vrios aspectos a dicotomia entre
razo e as emoes, sendo as emoes classificadas por ele como apetites e a
razo interpretada como a fonte imparcial de comportamento moral. No que
concerne a justia, os objetivos centrais dos liberais de imparcialidade, rule of
Law e tolerncia so todos concebidos como uma tentativa de reforo da razo
como forma de proteger os indivduos de suas paixes. Segundo Nancy
Rosenblum, traditionally liberalism has warded off everything affective, personal
and expressive. That is the promise of impersonal government, and that is what
the discipline of tolerance and impartiality requires(1987, p.4) Nessas leituras
alm do favorecimento explcito da razo - permanecem implcitas vrias
concepes de paixo como sinnimos de egosmo e instabilidade. No entanto,
em nenhuma dessas leituras se discute o fato de que o compromisso com a justia
em si mesmo uma paixo, se ela for compreendida como uma forma de apego
promoo do bem comum.
Ainda nesse perodo do entre guerras existiu outro proeminente defensor daperspectiva liberal. Norman Angell publicou em 1919 a obraA Grande Ilusona
qual ele definia como iluso o fato de muitos polticos ainda sustentarem a crena
de que a guerra serve a propsitos lucrativos e que seu sucesso eminentemente
proveitoso ao vencedor. Para Angell, contudo, o que ocorreria seria exatamente o
contrrio, pois em tempos modernos atividades como a conquista territorial
seriam bastante custosas e politicamente desagregadoras dado que trazem grandes
prejuzos para o comrcio internacional. Ainda, segundo o autor, a modernizaodemandaria dos Estados uma necessidade crescente de produtos oriundos do
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mbito externo o que geraria um grau maior de interdependncia entre os Estados
que foraria os mesmos a mudar as relaes entre si e sua viso sobre a guerra. A
guerra, assim, perderia espao e importncia para as preocupaes dos Estados em
investir em uma estrutura capaz de regulamentar os altos nveis de
interdependncia. Em resumo: o progresso tornaria a guerra e o uso da fora
prticas obsoletas. (2002)
No entanto, embora essas concepes tenham logrado constituir a Liga das
Naes, elas tiveram flego limitado ao longo dos anos 20, dado que os Tratados
de Versalhes, que encerraram a Primeira Guerra Mundial, tinham um carter
extremamente punitivo para os pases perdedores e, ao final das contas, no
colocavam um fim nas tenses que deram origem disputa. Em conseqncia, o
que se assistiu foi o fracasso da Liga das Naes em dirimir as intenes
expansionistas do Japo e da Alemanha e a derrota da democracia liberal frente ao
surgimento e crescimento de governos autoritrios em vrios pases da Europa.
Sob os auspcios da Liga, um ato de guerra contra outro membro da Liga seria
considerado um ato de agresso contra toda a comunidade internacional. Esse
compromisso entre os Estados se traduz na aplicao do princpio da segurana
coletiva e ele deveria garantir que os Estados renunciassem formalmente ao uso
da fora como forma de resoluo das disputas internacionais.
Contudo, a idia de segurana coletiva fracassa consideravelmente nos anos
30. Para os pases perdedores da Primeira Grande Guerra, a Liga das Naes
apenas serviria aos interesses das potncias vencedoras de preservao do status
quo e no preservao da paz. Ao final, os Estados perdedores no se
submeteram s normas da Liga e a Liga, por sua vez, no contou com poderes
coercitivos e vontade coletiva para evitar os atos de agresso que se sucederiam.
Ainda, paradoxalmente, a criao da Liga acabou provocando a consolidao dasconcepes de soberania nacional como um princpio que deveria ser
universalmente aplicvel, o que apenas acabou transformando as disputas entre
minorias nacionais e tnicas em disputas entre Estados, sem, no entanto, produzir
a paz desejada. (Claude, 1984)
Assim, com a ocorrncia da Segunda Guerra Mundial as chances de
sobrevivncia do pensamento liberal utpico como paradigma durante esses anos
conturbados ficaram ainda mais comprometidas e sua reconsiderao s veio aocorrer ao longo das dcadas de 50, 60 e 70 e por motivos diversos. Ademais, os
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embates nacionalistas foram, para os liberais, o principal motivo de
marginalizao e sufocamento das emoes dentro da prpria teoria e da prtica
poltica nas dcadas subseqentes.
A construo mtica que compe o nacionalismo e que partilhada pela
comunidade imaginada de indivduos os inspira a um sentimento de
pertencimento que alimenta outras emoes entre elas o sentimento de amor
prpria comunidade e amor de auto-sacrifcio. (Anderson, 1983) No entanto,
desde que a idia de nao foi concebida e atrelada aos Estados16, esses
sentimentos foram sucessivamente manipulados por elites polticas gerando
efeitos mais disruptivos do que agregadores, tendo freqentemente resultado em
16 Como observa Eric Hobsbawn, no perodo seguinte Revoluo Francesa os governantes e associedades da poca comearam a desenvolver preocupaes relacionadas nao e aonacionalismo. O novo arranjo poltico do Estado moderno oferecia considervel poder de voz aoscidados e, por isso, o Estado buscou se adaptar de modo a desenvolver agncias governamentaispara exercer controle sobre esses cidados e a se dedicar a promover elementos que garantissem alealdade e identificao dos cidados com o Estado. Com a democratizao dos Estados e aparticipao dos cidados em processos eleitorais, houve um empoderamento das classes maisbaixas que fomentou, entre outras coisas, o crescimento de movimentos trabalhistas e socialistas eas preocupaes das elites dentro dos Estados. Nesse contexto, o Estado passa a depender da naoe a buscar no patriotismo uma forma de proteo contra outras formas de identificao quefragmentassem o Estado ou enfraquecessem a identificao dos cidados com o Estado como
sendo a primordial. No perodo do entre guerras, essa preocupao se traduziu no princpio danacionalidade defendido por Woodrow Wilson o qual se props a fazer as fronteiras dos Estadoscoincidirem com as fronteiras da nacionalidade e da lngua. Contudo, as implicaes desseprincpio foram bastante nefastas: diante da real distribuio dos povos que apenas permitiu aformao de Estados multinacionais o princpio da nacionalidade resultou na aplicao deestratgias de homogeneizao populacional que variaram desde a expulso macia at oextermnio de minorias e o genocdio em massa. (1990) O fato que a aplicao desse princpioreforou sentimentos de intolerncia em relao diferena dando ensejo ao uso da violncia emlarga escala.
No momento contemporneo, as discusses sobre nacionalidade e outras formas deidentidade coletiva como a etnicidade passaram a ser alvo de discusso em relaes internacionaisde forma mais aprofunda por conta dos novos conflitos nacionalistas de contedo tnico ereligioso que marcaram a dcada de 90. Para maiores exploraes sobre o tema ver Ferreira,
Renata B. A Guerra da Bsnia : 1992-1995 Fatores explicativos da prtica da limpeza tnicaperpetrada pelos srvios contra os muulmanos- bsnios, dissertao, PUC- Rio, 2001. No entanto,como salientamos mais acima, nem mesmo nesses debates houve uma preocupao em discutir ostermos segundo os quais as emoes estavam sendo interpretadas. Em um artigo publicado em1996, David A. Lake e Donald Rothchild, por exemplo, se propuseram a analisar as origens dosconflitos tnicos e observaram que a polarizao das sociedades eram intensificadas por fatoresno racionais como memrias poltica, mitos e emoes. Nas palavras dos autores,Emotions may also cause individuals and groups to act in exaggerated or potentially irrationalways that magnify the chances of conflict. Many analysts point to a deep psychological perhapseven physiological need for humans to belong to a group. In the process of drawing distinctions,however, individuals often overstate the goodness of their own group while simultaneouslyvilifying others. Where such emotional biases exist, groups are likely to interpret the demands ofothers as outrageous, while seeing their own as moderate and reasonable; to view the other as
inherently untrustworthy, while believing themselves to be reliable;() ( p.56 ) Novamente, comopodemos observar, h um reforo da interpretao predominante das emoes como opostas razo e como elementos disruptivos e desagregadores das sociedades.
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grandes guerras e milhares de mortos. Isso porque como Jack Snyder e Karen
Ballentine observam, mitos nacionalistas podem
overemphasize the cultural and historical distinctiveness of the national group,
exaggerate the threat posed to the nation by other groups, ignore the degree to whichthe nations own actions provoked such threats, and play down the costs of seekingnational goals through militant means. Nationalist mobilization against alleged threatsfrom other national groups, whether within the state or abroad, heightens the risk ofconflict by stereotyping opponents as irremediably hostile, yet inferior and vulnerableto vigilant preventive attack. (1996, p. 11)
Aps a atuao de Hitler ao longo da Segunda Guerra Mundial, as emoes
foram avaliadas mais fortemente como sinnimo de irracionalidade17 e o
Keynesianismo do ps- guerra passou a ser tomado pelos liberais como o remdioao problema de excesso de emocionalismo poltico-nacionalista que marcou os
anos anteriores. Em sua dimenso poltica, esse perodo contou com o pensamento
de Joseph Schumpeter que argumentava que as noes clssicas de democracia -
17Vale mencionar aqui as reflexes de Hannah Arendt sobre o lugar e o significado das emoesna vida pblica. Embora ela seja anti-Weberiana em todas suas reflexes sobre a poltica, a autoratambm entende que a esfera racional pblica deve ser policiada contra as intruses emocionais.Segundo Arendt, as questes pblicas no podem ser verdadeiramente democrticas se foremgovernadas por sentimentos, ainda que nobres. Ao contrrio, a poltica para ela deveria ser
comprometida com idias como a honra ou a dignidade, ainda que elas possam aparentar frieza ouabstrao. (1963) A autora se mostrava preocupada com a subverso de uma idia abstrata poremoes sem controle porque compreendia como essas emoes eram com freqncia no oresultado de um encontro entre indivduos, mas de discursos pblicos que se reproduzem naimaginao pblica e que, para ela, representam uma caracterstica catastrfica da polticamoderna em geral. Em sua anlise sobre a Revoluo Francesa ela de muitas formas perpetuou adiviso clssica entre emoo e razo ao favorecer a idia de comprometimento da esfera pblicacom a razo. Segundo Volker Heins, (i)n her account of the French Revolution,, she not onlyestablished a close link between the needy masses and disruptive collective emotions but alsoreduced both to the realm of nature and of the necessity of biological life itself, thereby re-animalizing both poor and the emotions. ( 2007, p. 725)No entanto, segundo Heins, a leitura dos textos de Arendt trazem dois elementos importantes quevalem ser mencionados aqui: reflexes sobre outros tipos de emoes como a vergonha, a culpa e
o orgulho as quais refletem as circunstncias e o tempo por ela vivido, e uma preocupao aindamaior com o uso das emoes na poltica, i.e, a completa ausncia de emoes. Na anlise deVolker Heins,While her analysis of revolutionary pity suggests that Arendt champions something of a radicalde-emotionalization of the public sphere, other writings convey a different message. In her Reportfrom Germany, a few years after the end of the war, she expresses shock and bewilderment aboutthe general lack of emotion and the apparent heartlessness of many German she met. Sheclearly holds this type of civic heartlessness as a serious political pathology. () (S)he notices alink between the lack of emotion and the widespread escape from reality among Germans afterthe war. The inability not only to feel guilt but also to yield to grief about the catastrophicdestruction which came over Europe as a result of their action or inaction fostered deep socialconfusion by shielding people from acknowledging the basic facts of their recent history andcurrent situation. In this manner, Arendt anticipates the insight of recent cognitive psychologists
who insist that emotions, far from always blinding us to reality, often help us to deal withunexpected junctures, when new goals must be formulated and our life must be reorganized.(idem)
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entendida como participao popular - deveriam ser guardadas em favor de um
entendimento de que seria aconselhvel que os cidados seguissem especialistas
polticos eleitos. Os cidados (should) respect the division of labor between
themselves and the politicians they elect e precisariam entender que once they
have elected an individual, political action is his business and not theirs
(Schumpeter, p. 256, 1986) Assim, a democracia passou a ser entendida como
uma forma de auto-controle sobre as emoes e envolvia uma subordinao
voluntria.
Nas referidas dcadas de 50, 60 e 70, grande parte das relaes
internacionais estavam intimamente imbricadas com dinmicas de comrcio e
investimentos e interaes entre as democracias liberais ocidentais. Nesse
contexto, os liberais se sentiram novamente estimulados a formular alternativas ao
pensamento realista, procurando, no entanto, evitar o tom idealista que havia
marcado o liberalismo dos anos 20. Esse novo liberalismo, ento, retoma as
premissas liberais, mas se afirma na busca por progresso e mudana a partir da
realidade do ps 1945 e na formulao de teorias com base em metodologias
behavioristas. Cabe aqui lembrar tambm a importncia do behaviorismo para as
relaes internacionais enquanto disciplina. O Behaviorismo comps o segundo
grande debate nas relaes internacionais e se contraps aos tradicionalistas ao
buscar conferir um carter cientfico aos estudos da rea, com foco nos fatos
observveis, informaes determinveis, clculos precisos e no acervo de dados
que ajudassem a identificar os padres comportamentais recorrentes. Para seus
adeptos os fatos- ao contrrio do pensamento tradicionalista- estavam separados
dos valores os quais eram menosprezados por no poderem ser estudados de
forma cientfica.
No que concerne ao campo da psicologia, os behavioristas estudam ocomportamento, mas no a mente. Para eles, as pessoas respondem a incentivos e
entender esses incentivos entender o comportamento. Como observou John B.
Watson em seu manifesto behaviorista, (p)sychology as the behaviorist views it
is a purely objective experimental branch of natural science. Its theoretical goal is
the prediction and control of behavior. (1913, p.158) Para eles, os psiclogos no
deveriam estudar processos mentais, mas apenas comportamentos porqu