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IMPRESSO Notícias do Povo da Rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Ano XX Agosto de 2012 - Nº 209 Alderon Costa Fotos: Alderon Costa/Rede Rua A cor da luta Entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, sete moradores de rua foram assassinados enquanto dormiam na Praça da Sé, no centro de São Paulo. Os ataques também deixa- ram oito pessoas feridas. Até hoje ninguém foi condenado. Domingo, dia 19 de agosto de 2012, as luzes da cidade já es- tavam acessas e, aos poucos, o Vale do Anhangabaú começou a ganhar vida. A movimentação de pessoas que chegavam para participar do ato em memória às vítimas do “Massacre da Sé” era grande. A banda do coleti- vo “OcupaSampa” deu brilho e ritmo à concentração. “Contra a higienização, Kassab é um va- cilão!”, referência à retirada dos pertences e aos jatos de água ati- rados frequentemente nas pesso- as em situação de rua. A partir de 2010, o dia 19 de agosto passou a ser o Dia Na- cional de Luta da População em Situação de Rua. Houve atos e atividades em Salvador, Curiti- ba, Belo Horizonte, Porto Ale- gre, Florianópolis, Vitória, For- taleza, e Brasília. Em São Paulo, para lembrar os oito anos do “Massacre da Sé”, o Movimento Nacional da População de Rua (MNRP/SP) em conjunto com organizações e movimentos sociais, prepa- rou diversas atividades para cobrar punição aos responsá- veis das mortes para denunciar as atuais violações, incluindo os assassinatos e a falta de po- líticas efetivas para as pessoas em situação de rua. Dentro das atividades do dia 19, aconteceu essa concentra- ção no Vale do Anhangabaú e, em seguida, uma caminhada até a Praça da Sé, onde houve um ato em memória das vítimas do “Massacre da Sé”. Anderson Lopes Miranda, coordenador do MNPR em São Paulo, denunciou o au- mento da violência contra as pessoas que estão em situação de rua e afirmou que a popula- ção de rua não é caso de polí- cia e sim de políticas públicas. “Habitação, saúde, trabalho, educação e assistência social são os caminhos para começar a resolver o problema de quem está na rua”, afirmou Lopes. Já Renato Ribeiro Sena avaliou que a população de rua é tratada com ações violentas e paliativas. “Vamos pulando como um ma- caco, de galho em galho, de um albergue para outro e não existe uma política de fato que resolva o nosso problema”. Eduardo Ferreira de Paula, da coordenação do Movimento Na- cional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), participou do ato manifestando solidarie- dade e afirmou que grande parte dos catadores ainda está em situ- ação de rua e eles também estão defendendo um plano municipal de resíduos sólidos com a parti- cipação dos catadores. Kely Cristina Perez, que parti- cipa pela segunda vez do dia de luta, representa parcela crescen- te da população de rua, as mu- lheres, afirmou a importância de alternativas de saída da rua. “A rua me deu a oportunidade de arrumar um emprego, de mostrar para sociedade que tem muita gente na rua que precisa apenas de uma porta aberta”, declarou Kely. Acampamento Logo após o ato, o MNPR montou um acampamento no meio da Praça da Sé com mais de 30 barracas. Com elas já montadas aconteceu um encon- tro cultural com danças, teatro e música. Nina Laurindo, do Núcleo de Direitos Humanos e do Fórum Permanente de São Paulo, avaliou de forma posi- tiva o acampamento. “Ele deu mais visibilidade, possibilitou uma convivência e, principal- mente, mostrou que a popula- ção de rua pode se organizar. Carolina Ferro, do Centro de Direitos Humanos Gaspar Gar- cia, passou a noite no acam- pamento e também avaliou positivamente. “A experiência de domir na praça foi bem in- teressante, mas acho que faltou aproveitar mais o tempo para discutir a proposta de estarmos aqui”, lembrou Carolina. Caminhada No dia 20, após recolher as barracas e tomar um café refor- çado na quadra dos Bancários de São Paulo, o MNPR organi- zou uma passeata para chamar a atenção da sociedade e dos gestores públicos para a ques- tão da falta de políticas para a população de rua. A caminhada saiu da Praça da Sé, passou pelo Largo São Bento e seguiu para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco onde aconteceu o encontro com os candidatos à prefeitura de São Paulo. Todos os candidatos foram convidados, mas estiveram pre- sentes apenas Carlos Gianna- zi (PSOL), Soninha Francine, (PPS) e Fernando Haddad (PT). Após debate, os três candidatos assinaram o termo de compro- misso baseado nas leis e propos- tas do MNPR. Entre as prioridades apresen- tadas pelo MNPR, constam: a reformulação da GCM no tra- to com as pessoas em situação de rua; o orçamento específico para os moradores em situação de rua; o incentivo a programas de geração de renda e portas de saída; projetos de moradia per- manente, políticas nas áreas de saúde, educação e cultura, entre outros. O documento com todas as reivindicações estão no site: www.rederua.org.br Uma das novidades deste dia 19 de agosto ficou por conta das camisetas e bandeiras do MNPR que mudaram de cor. “A gente precisa trazer o vermelho, não só pelo sangue, mas pela luta”, afirmou Anderson Lopes Miranda. “O vermelho é a cor da luta. É uma cor de vitória”, disse Renato Ribeiro Sena

O Trecheiro - Agosto de 2012 #209

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jornal da associação Rede Rua

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Notícias do Povo da Rua

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Ano XX Agosto de 2012 - Nº 209

Alderon Costa Fo

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Rua

A cor da luta

Entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, sete moradores de rua foram assassinados enquanto dormiam na Praça da Sé, no centro de São Paulo. Os ataques também deixa-ram oito pessoas feridas. Até hoje ninguém foi condenado.

Domingo, dia 19 de agosto de 2012, as luzes da cidade já es-tavam acessas e, aos poucos, o Vale do Anhangabaú começou a ganhar vida. A movimentação de pessoas que chegavam para participar do ato em memória às vítimas do “Massacre da Sé” era grande. A banda do coleti-vo “OcupaSampa” deu brilho e ritmo à concentração. “Contra a higienização, Kassab é um va-cilão!”, referência à retirada dos pertences e aos jatos de água ati-rados frequentemente nas pesso-as em situação de rua.

A partir de 2010, o dia 19 de agosto passou a ser o Dia Na-cional de Luta da População em Situação de Rua. Houve atos e atividades em Salvador, Curiti-ba, Belo Horizonte, Porto Ale-gre, Florianópolis, Vitória, For-taleza, e Brasília.

Em São Paulo, para lembrar os oito anos do “Massacre da Sé”, o Movimento Nacional da População de Rua (MNRP/SP) em conjunto com organizações e movimentos sociais, prepa-rou diversas atividades para cobrar punição aos responsá-veis das mortes para denunciar as atuais violações, incluindo os assassinatos e a falta de po-líticas efetivas para as pessoas em situação de rua.

Dentro das atividades do dia 19, aconteceu essa concentra-

ção no Vale do Anhangabaú e, em seguida, uma caminhada até a Praça da Sé, onde houve um ato em memória das vítimas do “Massacre da Sé”.

Anderson Lopes Miranda, coordenador do MNPR em São Paulo, denunciou o au-mento da violência contra as pessoas que estão em situação de rua e afirmou que a popula-ção de rua não é caso de polí-cia e sim de políticas públicas. “Habitação, saúde, trabalho, educação e assistência social são os caminhos para começar a resolver o problema de quem está na rua”, afirmou Lopes.

Já Renato Ribeiro Sena avaliou que a população de rua é tratada com ações violentas e paliativas. “Vamos pulando como um ma-caco, de galho em galho, de um albergue para outro e não existe uma política de fato que resolva o nosso problema”.

Eduardo Ferreira de Paula, da coordenação do Movimento Na-cional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), participou do ato manifestando solidarie-dade e afirmou que grande parte dos catadores ainda está em situ-ação de rua e eles também estão defendendo um plano municipal de resíduos sólidos com a parti-cipação dos catadores.

Kely Cristina Perez, que parti-cipa pela segunda vez do dia de luta, representa parcela crescen-te da população de rua, as mu-lheres, afirmou a importância de alternativas de saída da rua. “A rua me deu a oportunidade de arrumar um emprego, de mostrar para sociedade que tem

muita gente na rua que precisa apenas de uma porta aberta”, declarou Kely.

AcampamentoLogo após o ato, o MNPR

montou um acampamento no meio da Praça da Sé com mais de 30 barracas. Com elas já montadas aconteceu um encon-tro cultural com danças, teatro e música. Nina Laurindo, do Núcleo de Direitos Humanos e do Fórum Permanente de São Paulo, avaliou de forma posi-tiva o acampamento. “Ele deu mais visibilidade, possibilitou uma convivência e, principal-mente, mostrou que a popula-ção de rua pode se organizar. Carolina Ferro, do Centro de Direitos Humanos Gaspar Gar-cia, passou a noite no acam-

pamento e também avaliou positivamente. “A experiência de domir na praça foi bem in-teressante, mas acho que faltou aproveitar mais o tempo para discutir a proposta de estarmos aqui”, lembrou Carolina.

CaminhadaNo dia 20, após recolher as

barracas e tomar um café refor-çado na quadra dos Bancários de São Paulo, o MNPR organi-zou uma passeata para chamar a atenção da sociedade e dos gestores públicos para a ques-tão da falta de políticas para a população de rua. A caminhada saiu da Praça da Sé, passou pelo Largo São Bento e seguiu para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco onde aconteceu o encontro com os candidatos à

prefeitura de São Paulo. Todos os candidatos foram

convidados, mas estiveram pre-sentes apenas Carlos Gianna-zi (PSOL), Soninha Francine, (PPS) e Fernando Haddad (PT). Após debate, os três candidatos assinaram o termo de compro-misso baseado nas leis e propos-tas do MNPR.

Entre as prioridades apresen-tadas pelo MNPR, constam: a reformulação da GCM no tra-to com as pessoas em situação de rua; o orçamento específico para os moradores em situação de rua; o incentivo a programas de geração de renda e portas de saída; projetos de moradia per-manente, políticas nas áreas de saúde, educação e cultura, entre outros. O documento com todas as reivindicações estão no site: www.rederua.org.br

Uma das novidades deste dia 19 de agosto ficou por conta das camisetas e bandeiras do MNPR que mudaram de cor. “A gente precisa trazer o vermelho, não só pelo sangue, mas pela luta”, afirmou Anderson Lopes Miranda. “O vermelho é a cor da luta. É uma cor de vitória”, disse Renato Ribeiro Sena

Page 2: O Trecheiro - Agosto de 2012 #209

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

REDE RUA DE COMUNICAÇÃO

Conselho editorial:Arlindo Dias editorAlderon CostaMTB: 049861/0157

equipe de redação: Alderon CostaArlindo Dias Cleisa RosaDavi AmorimLea Tosold Maria Carolina FerroRenata BessiRose Barboza

revisão Cleisa Rosa

FotograFia: Alderon Costa diagramação: Fabiano Viana

ApoioFelipe MoraesJoão M. de Oliveira

impressão: Forma Certa5 mil exemplares

O Trecheiro pag 02 Agosto de 2012

Apoio

Edi

tori

alÉ preciso ousar mais!

Ao olhar friamente os números oficiais, vemos que a quantidade de pessoas em situação de rua quase dobrou nos últimos 12 anos. De 8 mil em 2000 pas-sou para mais de 14 mil em 2011. Além disso, o que falar da qualidade de vida dessas pessoas? Vivem abaixo de qualquer padrão de dignidade.

Isso merece uma reflexão de todos nós sobre o que está acontecendo com a política, com os governan-tes, com a sociedade organizada, particularmente com as organizações e os diversos grupos sociais que tentam se organizar e lutar pelos direitos das pessoas em situação de rua.

As políticas públicas que deveriam atender essa população nos vários aspectos ligados à habitação, saúde, educação, limitam-se ao atendimento emer-

gencial simplesmente. As políticas afirmativas ou de proteção não chegam nem de perto para ajudá-las. As transferências de renda, sistema burocrático e valor reduzido não contri-buem para a pessoa ter nem mesmo motivação e assim apro-veitar as oportunidades que vão aparecendo. Estar na rua é como estar condenado a sofrer e morrer sem esperança.

A depender dos gestores públicos da cidade de São Paulo, as possibilidades de inversão dessa realidade são inexisten-tes. Estão num plano que não conseguimos ver e nem enten-der. De um lado, dá-se o cobertor, de outro lado, o tira. Além disso, as pessoas que vivem nas ruas são constantemente vio-ladas nos seus direitos elementares por agentes públicos e nada acontece para que esta situação mude.

Pensando nesse período de eleições, consultamos algumas pessoas sobre o que elas gostariam de falar aos candidatos à prefeitura do município de São Paulo. Elas responderam que desejavam que cessasse a violência, em particular, da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e, também, ter a possibilidade de conseguir uma moradia. Conviver pacificamente na cidade e ter a possibilidade de um teto são caminhos para se iniciar uma política efetiva para esta população.

Os candidatos a prefeito da cidade São Paulo foram con-vidados para uma conversa com o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR/SP) para ouvir suas propostas e apresentar as do movimento. Infelizmente, apenas três can-didatos aceitaram e compareceram ao encontro com a po-pulação de rua realizado no dia 20 de agosto As propostas apresentadas pelos candidatos não convenceram e na prática mudaria muito pouco o jeito de como a população de rua é tratada hoje. As propostas ainda continuam, nos velhos es-quemas, que poderíamos chamar de “albergolancia” ou “al-bergolândia”. Tudo se resolve com o albergue!

Será que podemos esperar que um dia apareça um candida-to ousado que feche todos os albergues e repense todo o ar-senal de projetos e programas existentes que só fazem manter essa população nas ruas?

Uma ponta de esperança é o engajamento das próprias pes-soas em situação de rua na luta para se ter uma política de fato, de saída da rua. É preciso acreditar que o MNPR é um caminho para este engajamento. As organizações, que fazem a manutenção do sistema, podem dar lugar a um movimento combativo e sem temor de errar. O caminho precisa ser tri-lhado e não importa que tenham falhas, mas o importante é não desistir e saber avaliar os erros e os fracassos.

É necessário romper com a estrutura que está montada para manter as pessoas nas ruas e criticar a falta de saídas. Criar sistemas que não deixem mais as pessoas chegarem às ruas é o grande desafio e, sempre, desejamos que um dia possamos ver a diminuição do número de pessoas em situação de rua. Que as pessoas acreditem que é possível mudar essa realida-de, mas é preciso também ousar mais. Que o vermelho venha trazer mudanças necessárias.

VIDA NO TRECHO

Marivaldo da Silva Santos é baiano e chegou a São Paulo ainda jovem na esperança de uma vida melhor, igual a mui-tos outros homens e mulheres que buscam nas grandes cida-des oportunidades de trabalho e de mudança em suas vidas.

Após curto período nas ruas e na Casa de Convivência Pe-droso, em 2002, decidiu par-ticipar de espaços em que se discutia a realidade e as pos-sibilidades de organização das pessoas em situação de rua e se perguntava: “Como posso contribuir para mudar essa realidade? Há pessoas na rua que querem sair, estudar, ter uma formação. Só que outras, esquecidas, precisam de um olhar diferenciado. É preciso olhar a rua na sua pluralidade e não na singularidade”.

Nesse caminho, Marivaldo, além de estudo regular, fez vários cursos livres na cida-de e sempre acreditou que o estudo propiciaria mudanças em sua vida. Persistiu bastan-te e, em 2006, foi selecionado pelo Programa “A Gente na Rua” e, posteriormente, em 2008, tornou-se um calouro no Curso de Serviço Social da Universidade 9 de Julho (Uni-nove).

Marivaldo pensou, muitas vezes, em desistir, mas sempre aparecia “alguém para me di-zer que eu tinha um potencial que não poderia desistir. Esse potencial poderia ser usado co-letivamente”. Apesar das difi-culdades e momentos de muito desânimo, entendia que sua tra-jetória de estudo e de participa-ção social era a melhor maneira de responder às suas primeiras indagações: Como fazer para mudar essa realidade?

Cleisa Rosa

Depois de muita dificuldade e esforço, uma grande conquista

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Marivaldo diplomou-se em Serviço Social

Programa “A Gente na Rua”, experiência que deu e dá certo

Para Marta Regina Marques, coordenadora da Estratégia Saú-de da Família/Saúde na Rua do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, “Marivaldo soube aproveitar positivamente a opor-tunidade que teve. Depois de um longo período de angustia de não conseguir nada por não ter comprovante de residência, foi um dos onze agentes comunitários de saúde de rua seleciona-dos pelo Bom Parto dentre os 200 candidatos. Um ano depois foi promovido a agente gestor (ATA), com um salário melhor e com apoio da irmã Judith Lupo. Com isso, ele pôde realizar seu segundo sonho, entrou na Escola de Sociologia e Política e depois foi para o Serviço Social. O Bom Parto por meio do pro-grama “A Gente na Rua” tem investido muito para que outras pessoas tenham oportunidade de brilhar e mostrar sua dignidade como cidadão e como profissional, como fez Marivaldo.

Em junho de 2010, o O Trecheiro fez a Vida no Trecho com Marivaldo e Orlei de Jesus Santos (atualmente estuda de Medicina em Cuba). Apesar do sobrenome, não são irmãos de família, mas companheiros na trajetória de vida e de superação das dificuldades por meio do estudo. À época, padre Júlio Lancellotti fez um depoimento sobre nossos dois agentes comunitários de saúde de rua.“O dois emocionam muito pela amizade e sempre me fazem pensar que temos que ter respostas diferenciadas para rua. Essa resposta deve ser unida na dignidade, no respeito à vida, mas cada um tem um rosto, uma história e uma situação concreta. Temos que nos capacitar a dar respostas especificas para os vários grupos da rua. O Orlei e Marivaldo são nossa alegria”, declarou padre Júlio.

Mostra de Oficinas na Ocas” Rua Campo Sales, 88

Brás - São Paulo

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O Trecheiro pag 03

Rosi Rico*

Agosto de 2012

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Cleisa Rosa com a colaboração de Davi Amorim e de Alderon Costa

Caso “Maria Baixinha” Segundo Dra. Michael Nolan, desde de 2004, o processo da “Maria Baixinha”, uma das sete víti-mas do Massacre da Sé, vai voltar para São Paulo e vai a júri. Segundo padre Júlio Lancellotti, de-pendendo de como for este julgamento, esta pode ser uma forma de descobrir os autores das outras mortes. O que resta agora é recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já que as possibilidades no âmbito da justiça brasilei-ra foram esgotadas, afirmou Dra. Michael.

Centro Estadual de DH IRepresentantes de São Paulo (Núcleo de Direitos Humanos de São Paulo, Ouvidoria Comunitária, MNPR, Fórum Permanente) e do Centro Nacional de Direitos Humanos com sede em Belo Horizonte e do Ministério Público de São Paulo (MP) discuti-ram provável parceria para a criação de um Centro Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Popu-lação de Rua de São Paulo. Segundo Nina Laurindo, o Núcleo ficou de fazer o levantamento das violações e dos custos operacionais desse centro.

Centro Estadual de DH ISegundo o promotor, Dr. Eduardo Valério, “há in-teresse do MP em ter essa parceria, porque uma das formas de se chegar à Justiça é por meio dos movimentos sociais”. O promotor acrescentou que Seguran-ça Alimentar, SIS-Rua com cadastro negativo da população de rua, abordagem dos agentes públicos de segurança (GCM e Polícia Militar), números de mortos sepultados como in-digentes foram algumas das onze denúncias já entregues ao MP pelo Núcleo de Direitos ligado ao Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis.

Mudança de sede do MNCR O MNCR mudou de endereço pela presença da forte especu-lação imobiliária na região da Vila Mariana que obrigou o movimento a procurar nova casa, pois a antiga será demol-ida para construção de prédios. Novo endereço: Rua Alceu Wamosy, 34 – Vila Mariana próximo ao Metrô Ana Rosa. Os telefones continuam os mesmos: (11) 3341-0964 e (11) 3399-3475.

Sede compartilhadaO novo local, além de abrigar a sede do Instituto Cata Sam-pa, também abrigará as atividades do Centro de Referên-cia Latino-Americano de Profissionalização dos Catadores (Cerelatino) e terá uma biblioteca dedicada aos temas rela-cionados com a categoria.

Novo Centro de Referência O Distrito Federal ganha o primeiro Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), que oferecerá atendimento médico e psicológico a pessoas em situação de risco social. Segundo dados da Sec-retaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), há, no Distrito Federal, 2.512 moradores de rua e dentre estes, 30% estão na capital. O centro vai oferecer atendimento de médicos, enfermeiros e psicólogos, das 9 às 17 horas (Correio Braziliense, 7/07/2012).

“Quem tem boca tem direito de comer”

Para protestar contra a decisão da Prefeitura de proibir organizações sociais de distribuírem comida nas ruas – muito embora não ter estabelecido política de Segurança Alimentar –, diferentes coletivos, organizações e movimen-tos sociais mobilizaram-se por meio das redes sociais e or-ganizaram um sopão “diferenciado” na Praça da Sé no dia 6 de julho. Segundo padre Júlio Lancellotti: “Negar comida aos pobres é um ato terrorista, fascista e higienista.

“É um absurdo o Kassab proibir o sopão. O problema é mui-to mais grave. Tem que saber por que tem gente que pre-cisa tomar esse sopão”? Jéssica Sarti, estudante, ao lado de Claudete Clemente

Revista Ocas” completa 10 anos de luta

Lançada nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro em julho de 2002, a revista Ocas” completa dez anos de circula-ção ininterrupta, período em que enfrentou muitos desafios e conquistou muitas vitórias. A publicação é um instrumen-to de geração de renda para pessoas sem emprego. Os ven-dedores compram a revista por R$ 1 e a vendem pelo preço de capa, R$ 4. A diferença, R$ 3, fica com o vendedor, sem in-termediários.

Nesta uma década, a revis-ta Ocas” cadastrou mais de duas mil pessoas em situação de risco social, colocou em circulação mais de 495 mil exemplares, o que represen-ta mais de R$ 835 mil trans-

feridos diretamente aos vendedores da revista. A Organiza-ção Civil de Ação Social (OCAS) en-tende que o traba-lho digno é o maior combate à fome e à miséria porque pode ser uma pos-sibilidade concreta de transformação. Por meio da venda da Ocas”, muitos indivíduos conse-guiram melhorar sua condição de vida.

Na parte edito-rial, o principal

desafio neste perí-odo tem sido apresentar um conteúdo que equilibra diver-sidade cultural e questões so-ciais. O reconhecimento deste trabalho é atestado pelos lei-tores conquistados, e também pelos vários prêmios recebi-dos. A Ocas” foi vencedora nas categorias Melhor Design e Melhor Artigo de Vendedor pela INSP (Rede Internacio-nal de Publicações de Rua, na tradução do inglês), que reú-ne mais de 100 publicações que funcionam nos mesmos moldes da Ocas” em cer-ca de 40 países. A revista conquistou o Troféu Beija--Flor na categoria Mídia, distribuído pelo Institu-to Rio Voluntário, entre outras premiações. Foi

também finalista no Prêmio de Jornalismo do Instituto Ayrton Senna, que premia reporta-gens sobre educação.

Na capa da edição comemo-rativa dos 10 anos, a revista traz um dos mais requisitados atores do cinema brasileiro, Wagner Moura, que conta so-bre seus muitos projetos no cinema e também conversa sobre política e cidadania. Há textos sobre o corredor da mor-te nos Estados Unidos e sobre o projeto “Pimp my carroça”, em que grafiteiros reformam e pintam carroças de catadores de materiais recicláveis. *Editora da Revista O’cas

DIRETO DA RUA Senhoras e senhores

Salvador D’ Acolá

Vamos mudar a política so-cial na cidade de São Paulo? Para acabar com essa políti-ca pública de higienizarão da cidade de São Paulo basta ter boa vontade na política e res-peito à cidadania e humanida-de da população de rua.

O decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009, estabele-ceu a intersetorialidade com transversalidade das políticas públicas para a população de rua e decretou o óbvio: a co-municação entre as pastas dos governos em todas as esferas de governo: federal, estadual e municipal. Não é isso?

Numa guerra como essa, o primeiro alvo do inimigo são as comunicações. O segundo, pro-vavelmente, é a cooptação de soldados e cidadãos em prol da população em situação de fragi-lidade e vulnerabilidade social.

Poderíamos convencionar a par-tir de hoje chamar de “morador do passeio público”, mudando a desestimulante, pejorativa e dis-criminadora designação “mora-dor de rua”.

É um equívoco social chamar alguém de morador de rua por-que rua é um lugar de passagem. Ninguém mora nela, refugia-se por falta de outras soluções de moradia num momento de ruptu-ra social. Justifica-se aqui o fe-nômeno que os técnicos da área social dizem do aumento da po-pulação miserável nas grandes cidades sem um lar digno.

Desculpem-me a opção apar-tidária, não violenta, às vezes agressivo, mas apenas nas pala-vras, em virtude de minha indig-nação como homem nascido há 48 anos atrás nesta cidade.

Depois de milênios tentando conviver com outros seres humanos o que conseguimos evoluir além das conquistas de tecnologias e conheci-mento de como dominar os elementos à nossa volta?

Não bastando isso, restou-nos dominar estes mesmos seres humanos e manipulá-los como massa de manobra de nossas estratégias po-líticas. Isto nos tornou mais perversos e cruéis seres vivos que habitam neste planeta. Somos os únicos animais que es-cravizam e matam seus semelhantes por moti-vos fúteis e por ímpeto pensando em conquis-tar outros planetas.

Será que as senhoras e os senhores candidatos não con-seguem mais pensar nas coisas simples? Com o cabedal de co-nhecimento de vocês, não acre-ditam que esquecendo das coli-gações partidárias e sindicatos, conflituando-se por miseráveis percentagens de dados estatís-ticos não existiria mais tanta violência? A mesma violência explorada pelos meios de co-municação há séculos e pelo estado que detém o monopólio da violência?

Se fomos capazes de inventar os deuses ao longo da história com agá, por que não somos capazes de desinventar? Vamos desinventar o quê?

A manipulação da crença pelos poderes dominantes das elites e das igrejas veio des-truir as civilizações evoluídas desta parte do mundo chama-da de 3º mundo loteando as terras da mesma forma com que foi criticada a ocupação aqui na frente da Faculdade de Direito no artigo da Folha de S. Paulo com o título “Os donos do São Francisco”.

Por um acaso, o Tratado de Tordesilhas, assinado entre Por-tugal e Espanha em 1492, para dividir as terras “descobertas e por descobrir” e as capitanias hereditárias logo depois do des-cobrimento do Brasil, não foram as maiores incorporações imo-biliárias de todos os tempos?

E as senhoras e senhores can-didatos, o que pensam? De que lado vão ficar na administração desta cidade?

A Ocas” foi vencedora nas categorias Melhor Design e Melhor Artigo de Vendedor pela INSP

Page 4: O Trecheiro - Agosto de 2012 #209

Davi Amorim

O Trecheiro pag 04

III Encontro Nacional de Mulheres Catadoras elabora carta destinada ao governo federal

Foto: Davi Amorim

Agosto de 2012

O município de Pontal do Para-ná foi sede do 3º Encontro Nacional de Mulheres Catadores de Materiais Recicláveis que reuniu cerca de 500 catadoras de materiais recicláveis de 23 Estados brasileiros para debater igualdade de gênero, saúde, violên-cia doméstica e políticas públicas. O evento contou com palestras, debates e oficinas com militantes do movi-mento feminista, Ministério Público, especialista e ONG´s, além de ativi-dades culturais para as participantes que buscavam aumentar a autoestima das mulheres.

O encontro é realizado todos os anos pelo Movimento Nacional de Catado-res de Materiais Recicláveis e o Ins-tituto Lixo e Cidadania com apoio do Fórum Lixo e Cidadania do Estado do Paraná. “Esse encontro foi uma vitória para nós, catadoras, que pretendemos realizar no ano que vem o primeiro Encontro Latino-Americano de Mu-lheres Catadoras e, no ano seguinte, o Encontro Mundial”, declarou Marilza Aparecida de Lima, representante do MNCR e coordenadora geral desse encontro de mulheres.

Este evento realizou oficinas de tra-balho que motivaram as mulheres a refletir sobre seu cotidiano, como a oficina “Mulheres Guerreiras”, que

“Resistência à higienização dos centros urbanos”

Deia de Britto *

Mulheres catadoras de materiais recicláveis de 23 estados brasileiros participaram do encontro buscando igualdade de direitos. Segundo o MNCR, cerca de 70% dos catadores no Brasil são do sexo feminino.

Com este título, um painel organizado pelo Movimento Nacional dos Catadores (MNCR), reuniu diversas pessoas de vá-rios movimentos sociais e organizações por ocasião Rio + 20. Os temas giraram em torno das remoções de comunidades, camelôs, populações de rua, e catadores que têm acontecido com mais frequên-cia com a vinda dos megaeventos e com a aceleração do desenvolvimento .

Maíra Vannuchi, representante de StreetNet, falou sobre um projeto de mapeamento de camelôs. Ela fez a co-nexão entre os camelôs e os catadores. “Para StreetNet, o movimento nacional dos catadores é uma grande inspiração. Cada vez que eu converso com os came-lôs, eu falo sobre os catadores”. Came-lôs e catadores enfrentam ameaças cons-

tantes de higienização, quando não, são retirados de forma violenta dos espaços públicos.

Tank Menezes, do MNCR deu um exemplo da sua cidade. Em Porto Ale-gre, 800 famílias moravam no Centro e trabalhavam na catação. Eram quase 2.000 pessoas no total. “Falam de como as casas são bonitas, mas agora não têm trabalho. A casa não trouxe dignidade nenhuma porque tiraram eles do trabalho deles”, disse.

Maíra Vannuchi de StreetNet conti-nuou a análise. “É uma repressão violen-tíssima e sem negociação. Não sentam com os movimentos. Pra fazer a Copa, tem que passar por cima da favela. Es-tamos aqui com o pessoal do movimen-to de rua. Igual em São Paulo, na Cra-

colândia, tiraram as pessoas. É o mesmo problema que os camelôs têm encontra-do. Nesse processo de limpeza urbana, todo mundo é prejudicado imensamente. Se aqui tem uma favela, eles não pensam em um outro lugar pra construir a rua. Eles têm que construir exatamente onde fica a favela, para excluir, remover”.

A mesma coisa aconteceu na África do Sul e na Índia, durante os Jogos Olímpi-cos, completou Maíra

“Essa perspectiva global é importante de saber. Pode trazer alternativas e for-ça para lutar,” disse Sr. Carlos Alencas-tro Cavalcanti, coordenação estadual do MNCR-PR.

“Hoje muitos debatem a necessidade de reforma urbana. Não basta só falar do tema, se não participarmos do processo

para encontrar uma solução”. “Uma das maneiras de crescer a ci-

dade é requalificar. E requalificar é tirar os companheiros. As leis são usadas por ocasião”, disse um advogado que estava participando do evento.

Maria do Carmo Santos, do Movimen-to Unido dos Camelôs (MUCA) decla-rou: “A gente está sendo tratado como se fosse lixo. A gente não tem saúde, não tem educação, camelô sofre na rua com o choque de ordem. A gente só pode vir para a cidade para lavar calcinha de ma-dame, a gente não tem lugar na cidade. É triste. A higienização humana vai contra a humanidade”.

* Assessoria de Comunicação da Aliança Global de Recicladores

“Eu Existo”

No dia 6 de agosto de 2012, o Centro Acadêmico XI de Agosto lançou o do-cumentário “Eu Existo”, com depoi-

reuniu as catadoras em grupos peque-nos para debater e compartilhar expe-riências sobre o dia a dia das trabalha-doras com dupla ou tripla jornada de trabalho. Mulheres que são lideran-ças de cooperativas e/ou arrimos de família compartilharam suas vidas e levantaram os problemas enfrentados. Já a oficina “Mulheres Saudáveis” de-senvolveu o tema da saúde da mulher catadora abrangendo a segurança do trabalho nas cooperativas, a terceira idade e o direito reprodutivo.

A oficina intitulada “Mulheres Arti-culadas” reuniu as catadores em torno do tema liderança comunitária, mobi-lização e organização na luta pela ga-rantia de direitos e políticas públicas, bem com aumento do espaço político das catadoras nas diretorias de coo-perativas e espaços de representação. Outra oficina importante foi a Mulhe-res Politizadas, que debateu a Políti-ca Nacional de Resíduos Sólidos, a logística reversa (retorno das emba-lagens ao produtor) e o problema dos incineradores de lixo.

Como resultado das oficinas foi produzido documento que será en-tregue à presidenta Dilma Rousseff e pretende-se que ele seja divulga-do amplamente.

mentos que denunciam a violência so-frida por pessoas que moram nas ruas do centro de São Paulo.

Segundo Júlia Cruz, diretora ge-ral do Centro Acadêmico, o início do documentário parte de uma pergunta: “Qual o seu sonho?” Foi, a partir de comentários de pessoas em situação de rua sobre respostas registradas em uma faixa de pano colocada na Praça da Sé que o documentário se inicia. O vídeo apresenta pessoas em situação de rua abordando seus problemas. É o caso de Elizama Luiz e Michel Manganelli, moradores da calçada em frente à Fa-culdade de Direito São Francisco, que afirmam que estão na rua por falta de oportunidade de trabalho e moradia.

Renato Seixas fez parte do docu-mentário e aproveitou o lançamento para denunciar a repressão da Prefei-tura contra os artesãos. “Muito obriga-do por este vídeo. Deitamos, mas não sabemos se vamos levantar”. Seixas sugeriu que as organizações de direi-tos humanos andem pelas ruas à noite e vejam as injustiças que acontecem com as pessoas.

Sebastião Nicomedes participou também do documentário e denunciou

“a lógica da morte”. “Quando retiram o cobertor de uma pessoa, estão dizen-do que ela pode morrer. É uma burrice não saber que estas ações estão matan-do as pessoas em situação de rua”, de-clarou Nicomedes.

Renata Laurino, coordenadora da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, que atua na Ouvidoria Comu-nitária do Povo da Rua, aplaudiu o do-cumentário e convocou os estudantes a agirem. “Já passou do momento do choque, agora temos que reagir”. O que nós estudantes podemos fazer? O que o direito pode fazer para mudar esta situação? É preciso fazer o nosso papel de cidadão e não deixar essa vio-lência continuar, conclui Renata.

Participaram do evento o senador Suplicy, padre Júlio Lancellotti, o ve-reador Jamil Murad, a defensora públi-ca, Ana Paula Ambroqi Dotto Zveibil, do Núcleo de Direitos Humanos, re-presentantes das organizações sociais e pessoas em situação de rua.

Serviço: vídeo disponível no youtube

Alderon Costa

Foto: Davi Amorim

Elizama Luiz - participante do documentário