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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 11 – O Português falado e escrito em contexto de aquisição e perda de linguagem.
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O TRUNCAMENTO DE SEGMENTOS E SÍLABAS NA AQUISIÇÃO FONOLÓGICA DO PB –
EVIDÊNCIAS SOBRE O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA-ALVO
Carmen Lúcia Barreto MATZENAUER1
RESUMO Este estudo discute a relação entre truncamento e acento primário, focalizando, pela complexidade do tema, apenas o truncamento de sílabas em não-verbos na aquisição da fonologia por crianças falantes nativas de Português Brasileiro (PB), buscando verificar se o truncamento de sílabas, durante o processo de aquisição da fonologia, pode trazer alguma evidência sobre o tipo de pé construído – com cabeça à direita (MATEUS, 1983; LEE, 1994) ou à esquerda (BISOL, 1992) – para a atribuição do acento não-marcado em não-verbos da língua. O corpus da investigação foi constituído por dados de 50 crianças brasileiras, monolíngues, com idade entre 1:3 e 2:5 (anos: meses). Com fundamentos da Fonologia Métrica, os resultados revelaram relação inquestionável do acento primário do não-verbo com o truncamento de sílabas, sendo que a formação de pés troqueus se mostrou mais compatível com os dados analisados e com maior possibilidade de explicitação de estágios no desenvolvimento fonológico. PALAVRAS-CHAVE: aquisição da fonologia; truncamento de sílabas; acento de não-verbos. INTRODUÇÃO
Truncamento é processo reiteradamente registrado como característico da aquisição da
fonologia das línguas, tanto da aquisição considerada normal como daquela identificada como
atípica ou com desvios. As pesquisas têm relatado especialmente o truncamento de duas
unidades: de segmentos e sílabas. Alicerçado na questão fundamental de busca de
condicionantes do truncamento no desenvolvimento fonológico, o presente estudo2 reconhece
que contextos semelhantes podem determinar esse processo: para o segmento, os
condicionamentos podem envolver a sua estrutura interna (ou seja, os traços que o compõem),
a sua posição na estrutura silábica e a sua posição relativamente ao acento primário da
palavra; para a sílaba, os condicionamentos também podem envolver a sua estrutura (ou seja,
os constituintes que a sílaba integra) e, ainda, a sua relação com o acento primário do
vocábulo. Considerando, pois, ser a vinculação com o acento da palavra o fator que equipara
in totum o processo de truncamento de segmentos e de sílabas, fato também observado na
pesquisa sobre omissões na aquisição fonológica, realizada por Silva (2003), o presente
1 Universidade Católica de Pelotas, Centro de Educação e Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Letras.
Rua Félix da Cunha, 412. CEP 96010-000. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. [email protected] 2 O presente trabalho integra pesquisa apoiada pelo CNPq – Processo nº 304138/2007-0.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 11 – O Português falado e escrito em contexto de aquisição e perda de linguagem.
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trabalho tem o objetivo de discutir a relação entre truncamento e acento primário, recortando-
se o fenômeno para atentar apenas para o truncamento de sílabas em não-verbos na aquisição
da fonologia por crianças falantes nativas de Português Brasileiro (PB). Além disso, este
estudo busca verificar se o truncamento de sílabas, durante o processo de aquisição da
fonologia, pode trazer alguma evidência sobre o tipo de pé construído – com cabeça à direita
ou à esquerda – para a atribuição do acento não-marcado em não-verbos da língua.
A investigação aqui relatada teve base em dados de 50 crianças brasileiras,
monolíngues, com idade entre 1:3 e 2:5 (anos: meses), integrantes do Banco de Dados sobre
Aquisição da Fonologia do Português – AQUIFONO –, existente nos Programas de Pós-
Graduação em Letras da UCPEL e da PUCRS. Desse total, os dados de 48 crianças são
transversais e os dados de 2 crianças são de natureza longitudinal. O corpus transversal é o
mesmo estudado por Silva (2003), constituído a partir do referido Banco de Dados.
A análise dos resultados teve o suporte dos pressupostos da Teoria Métrica, seguindo
linha de estudos já realizados sobre o acento primário no Português. Essa base teórica leva a
considerar-se o acento como uma proeminência que recai sobre a sílaba como unidade
fonológica. Assim, o acento é visto em sua natureza relacional, sendo derivado da interação
entre sílabas como partes integrantes de pés métricos e, estes, como constitutivos de palavra
fonológica (Liberman & Prince, 1977; Halle & Vergnaud, 1987). Tal estrutura hierárquica
aparece representada em (1)3.
(1) palavra pé + pé sílaba + sílaba forte fraca
3 A estrutura de pé exemplificada em (1) é de um “pé troqueu”.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 11 – O Português falado e escrito em contexto de aquisição e perda de linguagem.
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O ACENTO PRIMÁRIO NÃO-MARCADO DE NÃO-VERBOS EM PORTUGUÊS –
PEQUENA SÍNTESE
A atribuição do acento primário não-marcado a não-verbos do português integra
discussão que pode ser resumida a duas posições: a) constituição de pé com cabeça à esquerda
(BISOL, 1992); b) constituição de pé com cabeça à direita (MATEUS, 1983; LEE, 1994).
A proposta de Bisol (1992)
Com base em pressupostos da Fonologia Métrica, que considera o acento como uma
proeminência que decorre da relação entre sílabas, Bisol (1992, p.34) propõe a regra em (2)
para a atribuição do acento (marcado e não-marcado) a nomes do português:
(2) Regra do Acento Primário
Domínio: a palavra lexical
i. Atribua um asterisco (*) à sílaba final pesada, i. é, sílaba de rima ramificada.
ii. Nos demais casos, forme um constituinte binário (não iterativamente) com
proeminência à esquerda, do tipo (* .), junto à borda direita da palavra.
Pela parte (i.) da regra, vê-se que acento dos não-verbos é sensível ao peso silábico –
nesse caso, é construído um pé binário em moras. Pela parte (ii.), constrói-se um pé binário
em sílabas – um troqueu silábico. Assim, são considerados não-marcados, para o Português,
nomes oxítonos terminados em sílaba pesada e paroxítonos terminados em sílaba leve.
Exemplos de aplicação da regra proposta por Bisol, chegando à Regra Final de Acento (RF),
em formas consideradas não-marcadas na língua, aparecem em (3).
(3) (3a) Parte (i.) da regra: oxítonas terminadas em sílaba pesada
amor tambor Anel (*) (*) (*) Acento
( *) ( *) ( *) RF (3b) Parte (ii.) da regra: paroxítonas terminadas em sílaba leve
borboleta brinquedo Casa (* .) (* .) (* .) Acento ( * ) ( * ) (* ) RF
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 11 – O Português falado e escrito em contexto de aquisição e perda de linguagem.
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Para a atribuição do acento primário a formas consideradas marcadas, Bisol (1992)
propõe a mesma regra em (2), operando em conjunto com a extrametricidade4 – a autora
postula extrametricidade fonológica. Tal dispositivo teórico faz com o que o acento seja
deslocado para a esquerda. Assim são explicados os acentos em palavras paroxítonas
terminadas em sílaba pesada (com a extrametricidade do segmento em coda final) e
proparoxítonas (com a extrametricidade da sílaba final). Considerada a extrametricidade das
duas unidades aqui referidas (segmento e sílaba), constrói-se um troqueu silábico, sendo,
então, aplicada a parte (ii.) da regra em (2). Exemplos são mostrados em (4).
(4)
(4a) Paroxítonas terminadas em sílaba pesada (acento marcado): açúca<r> lápi<s> móve<l> Ex5
(* .) (* .) (* .) Acento ( * ) (* ) (* ) RF
(4b) Proparoxítonas (acento marcado):
xíca<ra> plásti<co> árvo<re> Ex (* .) (* .) (* .) Acento (* ) (* ) (* ) RF
Para as oxítonas terminadas em sílaba aberta, Bisol propõe a existência de uma
consoante final abstrata (a qual se manifesta em formas derivadas), que tornaria pesada a
última sílaba, fazendo-a, assim, incluir-se na parte (i.) da regra, conforme é mostrado em (5).
(5)
Oxítonas foneticamente terminadas em sílaba leve (acento marcado): sofáC caféC jacaréC
(*) (*) (*) Acento ( *) ( *) ( *) RF
Pela necessidade de postulação de uma consoante abstrata para fins de atribuição do
acento, pode-se dizer que, para Bisol, oxítonas terminadas em sílaba leve têm acento marcado.
4 Pela extrametricidade, um elemento periférico fica invisível à regra dos constituintes métricos e, portanto, da regra de acento; a extrametricidade fonológica leva em consideração uma unidade da fonologia: mora, segmento ou sílaba (ou constituinte silábico). 5 “Ex” significa a presença de unidade fonológica extramétrica.
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A proposta de Mateus (1983) e de Lee (1994)
Para Mateus (1983) e Lee (1994), o acento não-marcado do não-verbo em Português é
sempre atribuído à última vogal do radical derivacional. Ao considerarem a estrutura
morfológica do não-verbo, os autores não contam, para a atribuição do acento primário, a
vogal temática, o que implica que se possa dizer que utilizam extrametricidade morfológica.
Com o mesmo suporte teórico usado por Bisol, Lee (1994) propõe a seguinte regra,
mostrada em (6), para os casos não-marcados do acento primário do não-verbo.
(6) Regra do Acento Primário do não-verbo (não-marcado)
Domínio: radical
i. Constituinte ilimitado.
ii. Cabeça à direita.
Em (7) são mostrados exemplos de acordo com a proposta de Lee (1994) – são
retomados, nestes casos, os mesmos exemplos apresentados em (3a) e em (3b).
(7a) Paroxítonas terminadas em sílaba leve borbolet]a brinqued]o cas]a (. . *) (. *) ( *) Acento ( * ) ( * ) (* ) RF
(7b) Oxítonas terminadas em sílaba pesada amor] tambor] anel]
( . *) ( . *) ( . *) Acento ( *) ( *) ( *) RF
Para o acento marcado do não-verbo, ou seja, para as paroxítonas terminadas em
consoante e para as proparoxítonas, Lee (1994) propõe a construção de um pé troqueu, da
direita para a esquerda. Observem-se os exemplos em (8).
(8) Paroxítonas terminadas em sílaba pesada açúcar] lápis] móvel]
(* .) (* .) (* .) Acento ( * ) (* ) (* ) RF
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Para as proparoxítonas, Lee também postula a formação de pé troqueu, considerando o
radical da palavra. Vejam-se, em (9), os exemplos referidos pelo autor.
(9) Proparoxítonas últim]o abóbor]a ávor]e
(* .) (* .) (* .) Acento (* ) ( * ) ( * ) RF
Considerando-se, portanto, duas possibilidades para a atribuição do acento não-
marcado dos não-verbos – a construção de pés binários com cabeça à esquerda ou de pés
ilimitados com cabeça à direita –, é pertinente verificar-se o que dizem os dados de aquisição
da fonologia da língua referentemente a essa questão. Tal fenômeno foi examinado com base
no processo de truncamento de sílabas, observado no desenvolvimento fonológico de crianças
brasileiras.
OS DADOS DE TRUNCAMENTO DE SÍLABAS NA AQUISIÇÃO DO PB: ANÁLISE
DE NÃO-VERBOS COM ACENTO NÃO-MARCADO
Um exame preliminar do corpus do presente estudo mostrou a incidência de
truncamento de sílabas em todas as faixas etárias analisadas, com a prevalência do processo
nas etapas mais precoces do desenvolvimento fonológico. Em 100% das ocorrências houve a
preservação da sílaba tônica (às vezes, a única sílaba da palavra a ser realizada), tendo sido
alvo de truncamento predominantemente sílabas pretônicas e, em frequência muito reduzida,
sílabas postônicas. Essa primeira observação pode ser tomada como evidência clara da
relação existente entre truncamento de sílaba e acento da palavra.
A partir dessa observação, tendo como eixo o truncamento de sílabas em não-verbos,
buscaram-se evidências relativas à construção de pés, no processo de desenvolvimento
fonológico. Focalizaram-se apenas as palavras cujo acento é considerado não-marcado6, uma
vez que sobre essas é que recai a diferente possibilidade de construção de pés, com cabeça à
esquerda ou à direita, respectivamente segundo Bisol (1992) e Lee (1994), conforme foi
explicitado na seção precedente. 6 No presente estudo, inserem-se as oxítonas terminadas em sílaba leve entre os casos de acento não-marcado em não-verbos, em razão de serem assim consideradas na proposta de Lee (1994).
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Antes de apresentar o corpus deste estudo, é fundamental referir o que a literatura
sobre aquisição do acento diz relativamente a esse estágio inicial. Apresentam-se aqui as
posições de Santos (2001, 2007) e Fikkert (1994).
De acordo com Santos (2001, 2007), em fase inicial de aquisição, a criança apoia sua
produção em acentos de outra natureza, ou seja, em acentos de unidades prosódicas maiores
do que a palavra fonológica, tendo, como uma justificativa, o fato de que, nessa etapa do
desenvolvimento, as crianças privilegiam a estrutura entonacional, deixando a estrutura
segmental em plano menos importante. Assim, Santos (2001, p.277) defende que, entre 1:3 e
2:0, “o acento ouvido nos enunciados da criança é o acento nuclear entonacional (accent) e,
não, o acento lexical (stress)”. Segundo Santos, somente pode-se dizer que há evidências do
emprego, por crianças falantes de PB, do algoritmo acentual quando utilizam palavras
proparoxítonas, o que, segundo seu estudo, ocorre por volta de 2:0.
Diferentemente, Fikkert (1994) defende que cedo há a construção de pés métricos,
com base em pesquisa com crianças holandesas. A autora diz haver diferentes estágios na
aquisição do acento, com o uso inicial, pelas crianças, de palavras dissilábicas oxítonas como
monossilábicas, sendo que os outputs dissilábicos das crianças têm invariavelmente acento na
primeira sílaba. Depois, os dissilábicos oxítonos são realizados com igual acento nas duas
sílabas. Em estágio final desse processo de desenvolvimento, as crianças chegam às formas-
alvo da língua. Aderindo à proposta de Dresher & Kaye (1990), Fikkert considera default o pé
troqueu7.
Seguindo-se Fikkert (1994) no sentido da atribuição precoce de pés métricos e do
emprego do pé troqueu como default na aquisição fonológica, examinou-se o corpus do
presente estudo. Atentando-se para o fato de que as sílabas postônicas apresentaram um índice
muito reduzido de truncamento, essas foram o primeiro objeto de análise, buscando-se saber
por que foram alvo de tal processo.
7 Muitos são os pesquisadores que consideram default o pé troqueu. Tal posição também é adotada em grande parte dos estudos sobre aquisição da fonologia.
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Truncamento de sílabas postônicas (alvo: não-verbos com acento não-marcado)
Todos os casos de truncamento de sílabas postônicas do corpus deste trabalho, em
alvos de acento não-marcado, estão registrados em (10) e em (11).
Considerando-se, inicialmente, palavras dissílabas e trissílabas com truncamento de
sílaba postônica, identificaram-se dois tipos desse processo:
a) truncamento de que resultou apenas a sílaba tônica (casos em (10));
b) truncamento de que resultaram duas sílabas (casos em (11)).
Ao se tratar de palavras dissílabas, separaram-se reduplicações de não reduplicações.
(10) Dissílabas paroxítonas – truncamento de sílaba postônica Carro Bola balde
Output da criança
[‘ka] (1:3, 1:4) J. [‘b�] (1:6) G. [‘baw] (1:9)
(*) (*) (*) (11) Trissílabas – truncamento de sílaba postônica
Gatinho Bichinho Output da criança
[’�a’t�i�] (1:3) JL
[’bi’�i�] (1:3) J
(*)(*) (*)(*) Observa-se ser fato comum, aos dados em (10) e (11), a idade precoce de sua
realização. Nessa fase inicial do desenvolvimento fonológico, a proeminência da sílaba que
carrega o acento primário parece ser determinante na produção da criança (e deve sê-lo
também na percepção).
Seguindo-se a linha de entendimento de Fikkert (1994), pode-se dizer que, no estágio
inicial, a construção de pés é insensível ao peso silábico e que, nesse estágio, dissílabas
podem ser produzidas como monossílabos, sendo que essas realizações, em crianças
brasileiras, coexistem com outputs dissilábicos paroxítonos (observem-se as iniciais de nomes
de crianças nos exemplos referidos em (10), (11) e (12)). Algumas das crianças cujos dados
aparecem em (10) e em (11), na mesma entrevista, produziram também formas dissilábicas
com acento à esquerda; exemplos são mostrados em (12).
(12) Dissílabas paroxítonas Outro porta água estrela
Output da criança
[‘otu] (1:3) [‘p�t�] (1:3, 1:4) J.
[‘a��] (1:3) JL [‘tel�] (1:6) G.
(* .) (* .) (* .) (* .)
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Considerando-se a tipologia de pés assimétricos, proposta por Hayes (1985, 1987,
1991), em que o único tipo de pé insensível ao peso é o pé troqueu, a análise de tais dados
pode levar ao entendimento de que as crianças podem construir, nessa fase de
desenvolvimento, pés troqueus regulares e, também, pés troqueus em que a segunda sílaba
seja opcional, ou seja, pés assimétricos, irregulares – tal hipótese, que é levantada por Fikkert
(1994), explicaria as produções, que são simultâneas, em (10) (com truncamento de sílaba) e
em (12) (sem truncamento de sílaba). Assim, as crianças, nesse estágio, teriam dois templates
para pé: o do pé troqueu regular (* .) e o de um pé irregular (*).
Assumindo-se essa possibilidade, as formas em (11) poderiam também ser explicadas
como pertencentes a um possível estágio em que há a constituição de palavras dissílabas com
dois pés irregulares (ex.: gatinho [’�a’t�i�] (*)(*)), conforme preconiza Fikkert para um dos
estágios da aquisição do acento lexical – para a autora, há um estágio em que as duas sílabas
são portadoras de acento e, então, no caso de crianças brasileiras, haveria a formação de dois
pés irregulares.
Como o foco do presente trabalho é a comparação entre as possibilidades de
construção de pés com cabeça à esquerda ou à direita, tem-se de reconhecer que os outputs em
(11) poderiam também ser explicados por meio da construção de pés iambos (ex.: gatinho
[’�a’t�i�] (. *)), mas, como as formas em (11) são simultâneas às formas em (12), para
explicar estas últimas com pé com cabeça à direita, teria de ser postulado o emprego da
extrametricidade morfológica já nesse estágio inicial do desenvolvimento fonológico (ex.:
port]a [‘p�t|�] (. *)). Tal posição implicaria a pressuposição de análise morfológica, o que
talvez não seja adequado devido à baixa faixa etária das crianças. Segundo a pesquisa de
Santos (2001), a partir de 1:7 é que crianças brasileiras evidenciam lidar com unidades da
morfologia, opondo radicais e sufixos, começando com a oposição entre sufixos diminutivo e
aumentativo (1:7, 1:8) e com marcador de gênero (2:0). Assim, pode-se considerar pouco
provável que, com 1:3, as crianças estabeleçam extrametricidade morfológica para a
atribuição do acento, formando pés com cabeça à direita.
Pelos dados vistos até o momento, portanto, parece ser a proposta de Bisol mais
pertinente para explicar-se a atribuição do acento não-marcado a não-verbos do PB, durante o
processo de aquisição fonológica.
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É relevante referir que o corpus deste trabalho mostrou que, na fase em que há
truncamento de sílabas postônicas em alvos de acento não-marcado de não-verbos do
Português, as crianças constroem apenas o pé métrico portador do acento primário da palavra.
Truncamento de sílabas pretônicas (alvo: não-verbos com acento não-marcado)
No processo de aquisição do PB, com base no corpus deste estudo, mostra-se
predominante o truncamento de sílabas pretônicas, conforme já foi referido, de modo
particular em palavras trissílabas e polissílabas. No entanto, truncamentos de sílabas
pretônicas ocorrem também em palavras oxítonas.
Truncamento de sílabas pretônicas em oxítonas
Nos estágios iniciais de desenvolvimento fonológico, observa-se o truncamento de
pretônicas em oxítonas dissílabas, seja o alvo reduplicação ou não, como mostram os
exemplos em (13) e (14).
(13) Oxítonas dissílabas (não reduplicações) – truncamento de sílaba pretônica chapéu Natal nariz
Output da criança
[‘p�] (1:5) [‘p�w] (1:7)
[‘taw] (1:6) [‘is] (1:9)
(*) (*) (*) (14) Oxítonas dissílabas reduplicações – truncamento de sílaba pretônica
nenê tetê vovó Output da criança
[‘ne] (1:3) [‘te] (1:3) I. [‘b�] (1:5)
(*) (*) (*)
As formas em (14) – que têm como alvo uma reduplicação – também poderiam ser
explicadas pelo emprego do pé irregular (*), já citado na seção sobre truncamento de sílabas
postônicas. A partir desse entendimento, no caso da realização plena das reduplicações, dois
caminhos poderiam ser tomados: (a) poderia ser considerado um estágio em que as duas
sílabas sejam portadoras de acento, com a formação de dois pés irregulares (ex.: nenê [’ne’ne]
(*)(*)): Fikkert diz ocorrer esse fenômeno em um estágio do desenvolvimento, como já foi
citado na seção acima referida; ou (b) poderia haver a expansão do pé para a esquerda,
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fazendo-o tomar a feição de um pé iambo (ex.: nenê [ne’ne] (. *)). Veja-se que, no caso das
reduplicações, o Português segue o padrão da grande maioria das línguas: as reduplicações
tendem sempre a ser oxítonas (Baia, 2008).
Para os outputs de palavras oxítonas mostrados em (13), também pode ser postulada a
constituição de um pé irregular para as faixas etárias iniciais, com o registro de produção de
sílabas pesadas já no curso do desenvolvimento: com 1:7, a criança já realiza a sílaba pesada
[‘p�w] para a dissílaba oxítona chapéu.
O truncamento de sílabas pretônicas em não-verbos oxítonos trissílabos e polissílabos,
no corpus estudado, apenas aparece em dados de crianças com idade mínima de 1:11 ou 2:0.
Vejam-se, em (15)8 e em (16), os casos presentes no corpus analisado.
(15) Oxítonas trissílabas – truncamento de sílaba pretônica guaraná gravador
(* ) (* ) Output da criança
[�wa’naj] (2:0) [va’doj] (2:4)
(16) Oxítonas polissílabas – truncamento de sílaba(s) pretônica(s) televisão escorregador
(* ) (* ) Output da criança
[‘z����] (2:0) [t�i‘z����] (2:0) [vi‘z����] (2:0; 2:2) [t�i‘����] (2:2) [te’�����] (2:2) [tevi’z����] (2:4)
[ka’doj] (1:11)
Os dados em (15) e em (16) mostram, de acordo com observação já feita
anteriormente, a preservação permanente da sílaba tônica e, nesse caso de oxítonas terminadas
em sílaba pesada, em consonância com a proposta de Bisol (1992), também a preservação do
pé do acento. Em todos os casos de oxítonas trissílabas e polissílabas registrados no corpus,
houve a produção da sílaba final pesada.
Nesses casos, considerando-se a realização do pé do acento de acordo com o alvo da
língua, em sendo realizada palavra dissílaba, entende-se que a sílaba que está fora do pé do
8 A partir da representação em (15), são formalizados os pés das palavras-alvo, segundo Bisol (1992), a fim de que seja possível uma avaliação mais clara da relação da sílaba truncada com o pé do acento primário da palavra.
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acento fica diretamente ligada ao nível da palavra, conforme é mostrado no exemplo em (17).
O único pé que a criança constrói é o pé do acento.
(17)
w s va doj ( * ) ( * )
A sílaba escolhida pela criança para ficar ligada ao nível da palavra tende a ser aquela
imediatamente adjacente ao pé do acento (é o que ocorre na forma [va’doj] para gravador,
mostrada no exemplo em (17)), mas pode ser a primeira sílaba da palavra, que também ocupa
posição proeminente, conforme defende Beckman (1998) – exemplo dessa escolha é visto na
forma [�wa’naj] para guaraná, registrada em (15). Nesse caso de preservação da primeira da
sequência de duas sílabas pretônicas, também é possível defender-se que a criança já
apresente a formação iterativa de pés (nesse caso, a construção de pé troqueu, de acordo com
Bisol, da direita para a esquerda, a partir do pé do acento – no exemplo, a criança atribuiu
peso a esse pé) e que, então, preserve apenas a sílaba proeminente desse segundo pé da
palavra, ou seja, faz o truncamento da borda fraca desse pé, como se vê representado em
(18a). Ao final, o acento primário é atribuído à proeminência mais à direita, como ocorre
sempre na língua. Nos casos em (18b) e (18c), há o truncamento de todo um pé da palavra,
diferente do pé do acento. Os dados apresentados em (18), portanto, mostram que, a partir da
proposta de Bisol (1992), os truncamentos, em oxítonas trissílabas e polissílabas, afetam pé
diferente daquele a que é atribuído o acento primário: ou um pé inteiro ou a borda fraca de um
pé9.
9 Nas representações, o xis denota o truncamento de sílaba.
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(18) (a) guaraná (b) te le vi são (c) chapéu
( * .)( * ) (*) (* . )( * ) ( *)( *) (* X)( * ) (*)(X X)(* ) (X )( *) ( . * ) ( . * ) ( * ) ( * ) ( * ) ( * ) Output da criança
[�wa’naj] [t�i‘z����] [‘p�w]
A potencialidade de construção iterativa de pés, inclusive com a possível atribuição de
acento secundário, pode ser observada em formas-alvo polissílabas com número ímpar de
sílabas pretônicas, como, por exemplo, televisão (18b), em que o acento secundário pode
flutuar entre as duas primeiras sílabas, sendo que, no PB, recai preferencialmente na sílaba
inicial. Na palavra televisão, por exemplo, entendendo-se que é forma que apresenta a
estrutura (*)(* .)(*), pode-se dizer que, diferentemente do que ocorre na forma de output em
(18b), no output [tevi’z����], a criança pode estar reanalizando o alvo10, atribuindo, à
palavra, a estrutura de um pé troqueu silábico e um pé troqueu mórico ((* .)(*)). Nos outputs
em que somente uma sílaba pretônica é produzida, pode-se dizer que apresenta a mesma
estrutura mostrada em (17) – ex. [vi’z����], com a primeira sílaba ligada ao nível da palavra.
Pela maior tendência à preservação da sílaba pretônica adjacente ao pé do acento,
tanto em casos de truncamento em trissílabas e em polissílabas oxítonas, julga-se ocorrer a
representação em (17) como um estágio do desenvolvimento fonológico anterior à formação
iterativa de pés.
Se, diferentemente, o entendimento fosse de construção de pé com cabeça à direita,
ilimitado, seguindo-se a proposta de Lee (1994), estaria justificada plenamente a presença
permanente da sílaba tônica (cabeça do pé), e o truncamento de uma ou mais sílabas
pretônicas corresponderia ao truncamento de uma ou mais dentre as sílabas fracas do pé. No
caso de oxítonas, não há extrametricidade morfológica nessa proposta. Exemplos aparecem
em (19).
10 A estrutura em pés, para a palavra televisão, em um nível anterior ao da regra final, seria (te)(levi)(são) (*)(* .)(*); com a regra final, passaria a ser (`. . . *) (com acento secundário na 1ª sílaba) ou (.`. . *) (com acento secundário na 2ª sílaba).
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(19) Oxítonas trissílabas – truncamento de sílaba pretônica – pé com cabeça à direita (a) guaraná] (b) te le vi são] (c) chapéu]
( . . * ) ( . . . * ) ( . *) ( . X * ) ( . X X * ) (X *) ( . * ) ( . * ) ( * ) ( * ) ( * ) ( * ) Output da criança
[�wa’naj] [t�i‘z����] [‘p�w]
Assim, em se tratando de truncamento de sílabas pretônicas em palavras oxítonas, há a
possibilidade de entender-se que tanto pode haver a formação de pés com cabeça à direita,
como de pés com cabeça à esquerda. A diferença é que, considerando-se a constituição de pés
com cabeça à esquerda, se formam pés troqueus que, por serem binários, em caso de
trissílabas e polissílabas, dão a oportunidade de analisarem-se etapas de construção de pés:
(1°) construção apenas do pé do acento e (2°) construção iterativa de pés; neste caso, há ainda
a possibilidade de verificar-se se há o truncamento de borda forte ou fraca do segundo pé da
palavra e se a sílaba fora do pé do acento está diretamente ligada ao nível da palavra,
conforme foi mostrado na representação em (17).
Truncamento de sílabas pretônicas em paroxítonas
Como a língua-alvo e o vocabulário infantil apresentam alta incidência de palavras
trissílabas paroxítonas, muitos foram os exemplos registrados no corpus estudado, inclusive
com o truncamento de sílaba pretônica, conforme mostram os exemplos em (20).
(20) Paroxítonas trissílabas – truncamento de sílaba pretônica estrela formiga cansado pipoca
(* .) (* .) (* .) (* .) Output da criança
[‘te�] (1:4) [‘mi��] (1:6) [‘adu] (1:6) [‘k�k�] (1:7)
As formas em (20) podem ser explicadas, com base na proposta de Bisol (1992), como
a produção apenas do pé do acento – o pé troqueu silábico –, com o truncamento da sílaba
pretônica que está fora desse pé (a qual, ou estaria vinculada diretamente ao nível da palavra,
ou constituiria um pé degenerado). Segundo Fikkert (1994), há um estágio em que a criança
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produz apenas o pé do acento da palavra e, pelos dados de crianças brasileiras, tal opção pode
estender-se por etapa mais avançada, especialmente em se tratando de palavras cuja sílaba
inicial tem onset vazio (como estrela, por exemplo, cuja produção como [‘te�] ~ [‘tej�] ~
[‘tel�]11 pode ser encontrada até faixas etárias bem mais altas).
Considerando-se a possibilidade de construção de pé com cabeça à direita, também os
outputs em (20) seriam explicados. Nesse caso, como a estrutura original da palavra seria ( .
*), o truncamento da sílaba da borda esquerda da palavra seria interpretado como decorrente
do fato de ser a borda fraca do pé. No entanto, haveria uma complexidade: a postulação desse
tipo de pé também exigiria a implementação, desde estágio muito inicial de aquisição, de
extrametricidade morfológica, em consonância com o suporte teórico apresentado na seção
que apresenta a proposta de Mateus (1983) e de Lee (1994).
Passando-se para o exame de paroxítonas polissílabas, observaram-se, no corpus, três
possibilidades de truncamento:
(a) de duas sílabas pretônicas;
(b) de uma sílaba pretônica: a primeira da palavra;
(c) de uma sílaba pretônica: a segunda da palavra.
Tais fatos passam a ser discutidos, com exemplos apresentados de (21) a (24).
(21) Paroxítonas polissílabas – truncamento de duas sílabas pretônicas bicicleta redondinha chocolate baldezinho
(* .) (* .) (* .) (* .) Output da criança
[’�t�] (1:6) [’k�t�] (2:6)
[‘d�i���] (1:10)
[‘lat�i] (2:0) [‘zi��u] (2:4)
Para a análise dos dados em (21), valem as observações feitas com relação à
preservação apenas do pé do acento, tanto em se tomando a construção de pés troqueus (Bisol,
1992), como em se considerando a construção de um pé com cabeça à direita, ilimitado,
conforme proposta de Lee (1994), em que a palavra-alvo, nesse caso, teria a seguinte estrutura
original ( . . *). O custo maior da escolha do pé com cabeça à direita seria a necessidade de
ser postulada, no caso das paroxítonas, conforme já foi dito, a extrametricidade morfológica
desde muito precocemente.
11 No corpus deste estudo, todas essas formas foram registradas: estrela [‘te�] (1:4), [‘tel�] (1:6), [‘tej�] (1:9).
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Mas, em se tratando de paroxítonas polissílabas, houve também o truncamento de
apenas uma sílaba pretônica: a primeira da palavra (casos em (22)) ou a segunda da palavra
(casos em (24)).
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(22) Paroxítonas polissílabas – truncamento de uma sílaba pretônica: a primeira da palavra obrigado chapeuzinho cavalinho bicicleta
(* .) (* .) (* .) (* .) Output da criança
bi’gadu (1:6) [p�’zi��u] (1:7) [va’li��u] (1:8) [si’k�t�] (2:0) [�i‘k�t�] (2:5)
Os exemplos mostrados em (22) podem ser evidência de construção, pela criança, do
pé do acento – um pé troqueu silábico, seguindo-se a proposta de Bisol (1992) –, com a
realização da sílaba imediatamente precedente a esse pé12. Considerando-se a construção do
pé do acento de acordo com o alvo da língua, em sendo realizada palavra trissílaba, entende-
se que a sílaba que está fora do pé do acento fica diretamente ligada ao nível da palavra,
conforme já foi mostrado em (17); representação semelhante aparece em (23).
Destaca-se que, em palavras iniciadas com sílaba com onset vazio (exs.: obrigado,
amiguinho, almofada), conforme já foi aqui referido em se tratando da palavra estrela em
(20), há a tendência ao truncamento dessa sílaba, o que já foi registrado em estudos anteriores
(exemplo: MATZENAUER, 2004). A vinculação, ao nível da palavra, da sílaba
imediatamente precedente ao pé do acento pode traduzir-se como uma etapa anterior à
construção iterativa de pés, conforme já foi referido.
(23)
w s w mo fa d� ( * . ) ( * )
12 Nas palavras com o sufixo diminutivo, a sílaba pretônica mantida corresponde à sílaba portadora do acento na forma primitiva. Não se propõe atribuir a esse fato a manutenção de tal sílaba, pois exigiria que se defendesse uma relação com a morfologia e com o acento da palavra primitiva, ou seja, exigiria a “memória da palavra primitiva”.
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(24) Paroxítonas polissílabas – truncamento de uma sílaba pretônica: a segunda da palavra bicicleta Carolina cavalinho telefone
(* .) (* .) (* .) (* .) Output da criança
[bi’l�t�] (1:5) [ka’in�] (1:8) [ka’li��u] (1:10)
[te’foni] (2:2)
[bi‘k�t�] (2:2) Os dados em (24) são casos de truncamento da segunda sílaba pretônica de
paroxítonas polissílabas, constituindo-se em exemplos de fenômeno de muito baixa
frequência no corpus estudado – teve ocorrência muito menor do que o processo em (22)
(truncamento da primeira sílaba pretônica de paroxítonas polissílabas).
Tal resultado permite o estabelecimento de paralelo com os dados em (15) e (16), que
mostraram, em trissílabas e polissílabas oxítonas, a tendência maior ao truncamento da
primeira sílaba da palavra, conservando-se a sílaba adjacente ao pé do acento, vinculada ao
nível da palavra.
Para o caso em (24), postula-se o mesmo que já foi proposto para (16): quando o
truncamento é da segunda sílaba pretônica, é realizada, fora do pé do acento, a primeira sílaba
da palavra, que também ocupa posição proeminente, conforme referência já feita a Beckman
(1998) – é o que ocorre na forma [bi‘k�t�] para bicicleta, registrada em (24). Também é
possível defender-se, nesse caso de preservação da primeira da sequência de duas sílabas
pretônicas, que a criança já apresente a formação iterativa de pés (nesse caso, a construção de
pé troqueu, de acordo com Bisol, da direita para a esquerda, a partir do pé do acento), sendo,
então, preservada apenas a sílaba proeminente desse segundo pé da palavra, ou seja, a criança
faz o truncamento da borda fraca desse pé, como se vê representado em (25). Ao final, o
acento primário é atribuído à proeminência mais à direita, já que a língua licencia a
construção de pés e o acento a partir da borda direita da palavra.
(25) cavalinho
( * . )( * . ) (* X)( * . ) ( * ) ( . * ) Output da criança
[ka’li��u]
A análise dos dados em (24) sob outro enfoque, ou seja, à luz da possibilidade de
construção de pé com cabeça à direita, ilimitado, seguindo-se a proposta de Lee (1994),
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justificaria plenamente o truncamento por atingir sílaba fraca do pé. No entanto, teria de ser
postulada a extrametricidade morfológica e, além disso, não se explicaria por que haveria o
truncamento ou a preservação da primeira ou da segunda sílaba pretônica, uma vez que as
duas teriam o mesmo status no pé, que mostraria esta estrutura: (. . *). Exemplos de
truncamento da primeira e da segunda sílaba pretônica em polissílabas paroxítonas são
mostrados em (26), de acordo com essa proposta.
(26) Paroxítonas polissílabas – truncamento de uma sílaba pretônica – 1ª ou 2ª sílaba (pé com
cabeça à direita) almofad]a cavalinh]o
( . . * ) ( . . * ) (X . * ) ( . X * ) ( . * ) ( . * ) ( * ) ( * ) Output da criança
[mo’fad�] [ka’li��u]
Nesse enfoque de pés com cabeça à direita, o truncamento da primeira e da segunda
sílaba pretônica em palavras polissílabas paroxítonas teria a mesma probabilidade de ocorrer;
no entanto, não é o que os dados de aquisição da fonologia do PB do presente estudo estão
mostrando – é muito mais alta a frequência de truncamento da primeira do que da segunda
sílaba pretônica. Assim, pela análise apresentada acima, há maior tendência a esperar-se que
as crianças construam pés com cabeça à esquerda (troqueus) do que com cabeça à direita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a discussão do acento como fator condicionante do truncamento de sílabas no
processo de aquisição da fonologia do PB, foi possível trazerem-se evidências da relação
entre acento primário e o processo de truncamento: jamais houve truncamento da sílaba tônica
no corpus estudado, sendo que o processo afetou predominantemente as sílabas pretônicas.
Quanto à possibilidade de os dados de truncamento de sílaba, no processo de aquisição
da língua, apontarem uma direção sobre o tipo de pé que opera para a atribuição do acento
não-marcado de não-verbos do português – pé com cabeça à direita ou com cabeça à esquerda
–, são relevantes algumas considerações:
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a) o truncamento de sílabas postônicas, que ocorre no estágio inicial de
desenvolvimento fonológico, poderia ser explicado pelos dois tipos de pés; no entanto, como
é processo simultâneo à produção, pela criança, de palavras paroxítonas dissílabas, a adoção
da proposta do pé com cabeça à direita levaria a que se assumisse a extrametricidade
morfológica em fase em que a criança parece ainda não operar com unidades da morfologia
da língua;
b) o truncamento de sílabas pretônicas em palavras oxítonas também poderia ser
explicado pelos dois tipos de pés; contudo, a proposta do pé com cabeça à esquerda é capaz
de não somente explicitar estágios de aquisição, como também justificar o truncamento de
uma ou de outra sílaba quando há mais de uma sílaba pretônica;
c) o truncamento de sílabas pretônicas em palavras paroxítonas, assim como os
casos acima citados, também poderia ser explicado pelos dois tipos de pés; entretanto, como
na construção de pés ilimitados com cabeça à direita todas as pretônicas apresentam o mesmo
status, não se justificaria por que a criança dá, a essas sílabas pretônicas, diferente tratamento,
aplicando o truncamento mais a uma do que à outra; ainda vale referir que, em se tratando de
paroxítonas, a construção de pés com cabeça à direita exige a extrametricidade morfológica.
Assim, com base no corpus deste estudo, talvez possa dizer-se ser mais provável que
crianças brasileiras, em fase de aquisição fonológica, constroem pés troqueus, indiciando ser
esse o tipo de pé que opera na língua, em consonância com a proposta de Bisol (1992).
Assumindo-se tal posição e levando-se em consideração estudos já realizados sobre a
aquisição do acento, com subsídios advindos do processo de truncamento de sílabas em não-
verbos do PB – ultrapassando-se os objetivos deste estudo –, poder-se-ia dizer que a aquisição
do acento da palavra fonológica, particularmente aqui em se tratando de não-verbos, mostra
três grandes estágios:
1° Estágio – atribuição de acento a todas as sílabas produzidas;
2° Estágio – construção do pé do acento:
a) alvo: paroxítonas e proparoxítonas13 – construção de pé troqueu (binário em
sílabas), na borda direita da palavra; a sílaba fora desse pé fica ligada diretamente ao nível da
palavra;
13 Embora este estudo não tenha abordado proparoxítonas, pela análise realizada por Silva (2003), considera-se pertinente a sua inclusão nesse estágio.
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b) alvo: oxítonas – construção de pé sensível ao peso silábico (binário em moras),
na borda direita da palavra; a sílaba fora desse pé fica ligada diretamente ao nível da palavra;
3° Estágio – construção iterativa de pés troqueus, da direita para a esquerda.
Tomando-se esses estágios e o comportamento do processo de truncamento de sílabas
na aquisição da fonologia do PB, é possível, por fim, dizer-se que dados da aquisição da
linguagem podem contribuir com evidências para o funcionamento do sistema-alvo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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