o Uso Da Análise de Conteúdo Como Uma Ferramenta Para a Pesquisa Qualitativa - Descrição e Aplicação Do Método

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    Organ. rurais agroind., Lavras, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005

    O USO DA ANLISE DE CONTEDO COMO UMA FERRAMENTA PARA APESQUISA QUALITATIVA: DESCRIO E APLICAO DO MTODO

    The use of the analysis of content as a tool for the qualitative research:

    description and aplication of the method

    Cristiane Rocha Silva1, Beatriz Christo Gobbi2, Ana Adalgisa Simo3

    RESUMOO propsito do presente ensaio o esclarecimento conceitual do mtodo da anlise de contedo utilizado na pesquisa qualitativa e suaaplicao nas cincias sociais. Dois caminhos tericos so percorridos para a construo desse propsito. O primeiro baseia-se nareferncia Teoria das Representaes Sociais e o segundo Teoria da Ao. O argumento que sustenta o propsito que ambasteorias fundamentam a anlise de contedo como mtodo de anlise do discurso declarado dos atores sociais. Inicialmente realizadoum levantam ento terico de autores que descreveram a an lise de contedo e teorias balizadoras e posteriormente feita uma anlisede algumas dissertaes que utilizaram o mtodo no processo de pesquisa no Programa de Ps-Graduao em Administrao daUniversidade Federal de Lavras. importante compreender que, a no discusso sobre as demais teorias que abarcam o tema, noreduz a sua importncia.

    Palavras-chave:representaes sociais, teoria da ao, anlise de contedo.

    ABSTRACT

    The purpose of this present rehearsal is the conceptual explanation of the m ethod of content analysis used in the qualitative researchand its application in the social sciences. Two theoretical roads are traveled for the construction of that purpose. The first is based onthe reference to the Theory of the S ocial Representations and the second to the Theory of the A ction. The argument that sustains thepurpose is that both theories base the content analysis as method of analysis for the social actors declared speech. Initially it isaccomplished a theoretical rising of authors who described the content analysis and theories and later is developed an analysis of somedissertations that made of the method in the research process in Post Graduation s Program in Administration of the FederalUniversity of Lavras. It is important to understand that, the non-discussion on the other theories that embrace the theme doesn treduce your importance.

    Key words:social representations, theory of the action, content analysis.

    Recebido em 08/06/04 e aprovado em 06/10/04

    1 Bacharel em Administrao UFV, Mestranda em Administrao PPGA/Universidade Federal de Lavras/UFLA, Rua Afonso Pena ,245 CentroLavras, MG 37.200-000 [email protected]

    2Bacharelem Administrao UFES, Mestranda em Administrao PPGA/UFLA [email protected] Bacharel em Administrao UFLA, Mestranda em Administrao PPGA/UFLA [email protected]

    1. INTRODUO

    A pesquisa social vem a companhando a evoluo

    da humanidade e medida que se distancia da visopositivista das leis universais incorpora e aprimorapressupostos prprios da pesquisa qualitativa dentro doparadigmainterpretativo. Isso ocorre pelo entendimentodo homem como um agente social que influencia e influenciado pela estrutura social, dotado de percepespeculiares da realidade que permitem uma interpretaoprpria da sua realidade. Esta poder ser distinta de acordocom o observador e a posio do mesmo frente aofenmeno estudado.

    O processo no qual ocorre a interao do agentee o fenmeno social permeado por um emaranhadode conceitos e significados construdos socialmente.

    Para analisar tal processo se levantam algumas teoriascom base na interpretao subjetiva do indivduo da

    prpria realidade. Neste ensaio enfocaremos duasprincipais teorias: A Teoria de Representaes Sociaise a Teoria da Ao.

    Tais teorias fundamentam a anlise de contedocomo mtodo de anlise do discurso declarado dos atoressociais. A proposta que acompanha a anlise de contedose refere a um a decompo sio do discurso e identificaode unidades de anlise ou grupos de representaes parauma categorizao dos fenmenos, a partir da qual se tornapo ssvel uma reconstruo de significados que apresente muma compreenso mais aprofundada da interpretao derealidade do grupo estudado.

    Com o presente trabalho objetivou-se oferecer um

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    esclarecimento conceitual do mtodo da anlise decontedo utilizado na pesquisa qualitativa e sua aplicaonas cincias sociais. A partir deste objetivo geral buscou-se o desmembramento em dois objetivos especficos, soeles: (a) realizar um levantamento terico dos principaisautores que descreveram a anlise de contedo e teorias

    balizadoras e (b) analisar dissertaes que utilizaram omtodo no processo de pesquisa nas cincias sociais.

    O ensaio conta com um referencial terico queafunila os contedo s bibliogrficos, a partir de um a visoampla da pesquisa qualitativa baseada na visointerpretativa sob a perspectiva fenomenolgica.Posteriormente, procurou-se descrever as teorias queenfatizam a interpretao a partir dos significadosconstrudos e finalmente a descrio da anlise decontedo quanto evoluo do conceito e aoperacionalizao do mtodo. Com o intuito de verificara aplicao do mtodo de a nlise de contedo nas cinciasadministrativas com foco na abordagem de pesquisaqualitativa, realizou-se a descrio do mtodo adotadoem quatro dissertaes de mestrado defendidas noDepartamento de Economia e Administrao daUniversidade Federal de Lavras nos anos de 1993, 2001,2002 e 2003. Nas quais a anlise de resultadosfundamentou-se no discurso dos atores sociais paraidentificar a conscincia coletiva de um grupo especfico.

    2. A PESQUISA QUALITATIVA E A PERSPECTIVAFENOMENOLGICA

    Visando compreender o significado que osacontecimentos e interaes tm para os indivduos, em

    situaes particulares utiliza-se a pesquisa qualitativa. Amaioria dos investigadores qualitativos identifica-se coma perspectiva fenomenolgica, embora existam diferenastericas entre as abordagens qualitativas, mesmo dentrode uma mesma escola.

    A perspectiva fenomenolgica apresenta o uso deum conjunto de asseres que diferem das que se utilizamquando se estuda o comportamento humano com oobjetivo de descobrir fatos e causas , visando acompreenso interpretativa das interaes humanas(BOGDAN& BIKKLEN, 1994). Para Bicudo (2000), ainvestigao fenomenolgica trabalha sempre com oqualitativo, ou seja, o que faz sentido para o sujeito, com o

    fenmeno posto em suspenso, como percebido emanifesto pela linguagem. Trabalha tambm com o que seapresenta significativo e revelante no contexto no qual apercepo e a manifestao ocorrem.

    A anlise de discurso uma tcnica da pesquisa

    qualitativa que propicia o surgimento de teorias que almejemuma anlise mais e ficiente das falas declaradas dos atoressociais, tais como a Teoria das Representaes Sociais e aTeoria da Ao, dentre outras existentes que neste trabalhono sero tratadas, o que no desmerece sua relevncia.

    2.1. A Teoria das Representaes Sociais

    A discusso da conscincia comum ou coletivarefletida nas palavras do vocabulrio do grupo social foitrazida por Durkheim, que abordou as representaessociais como uma combinao de idias e sentimentosacumulados atravs das geraes, que reflete acompreenso da realidade em um conjunto distinto dasimples aglomerao da compreenso dos indivduosisolados e possui um papel determinante na conscinciaindividual (QUINTANEIROet al., 2000). Moscovici, citadopor S (1995), por outro lado apresenta a Teoria dasRepresentaes no interior da psicologia social, por setratar de um fenmeno intermedirio entre o psicolgico eo social. Para Moscovici, citado por S (1995), asrepresentaes sociais consistem em conjuntos deconceitos, afirmaes e explicaes, que so verdadeirasteorias do senso comum, pelas quais as pessoasinterpretam a sua realidade e tambm as realidades sociais,constituindo o pensamento em um verdadeiro ambienteonde se desenvolve a vida cotidiana. (LEME, 1995;MOSCOVICI,citado por S, 1995; SAWA IA , 1995).

    Para Leme (1995), as representaes sociais soo equivalente, em nossa sociedade, aos sistemas decrenas e aos mitos das sociedades tradicionais,configurando-se como uma forma de verso

    contempornea do senso comum. Desta forma, S (1995)ressalta que os fenmenos, conceitos e a teoria dasrepresentaes sociais, s podem ser bem apreendidosno contexto de um tal processo de renovao temtica,terica e metodolgica da psicologia social.

    A representao social caracteriza-se como umcomportamento observvel e registrvel e como umproduto, simultaneamente, individual e social,estabelecendo um forte elo conceitual entre a psicologiasocial e a sociologia (LANE, 1995). Dessa forma, o ato derepresentar no deve ser encarado como processo passivo,refletido num objeto ou conjunto de idias, mas comoprocesso ativo, uma reconstruo do dado em um contexto

    de regras, valores, associaes e reaes (LEME, 1995).Sob esta concepo, os indivduos no so apenasprocessadores de informaes, nem meros portadores deideologias e crenas coletivas, mas pensadores ativos queesto mediante inumerveis episdios cotidianos de

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    interao social (S, 1995). Quer dizer, a representaosocial enfatiza a viso do sujeito ativo e criativo nasociedade, em contraposio passividade a que foireduzido o homem na teoria cognitivista, apontando afuno simblica e o poder da construo do real aparelhocognitivo (SAWA IA , 1995).

    A funo das representaes ento tornar familiare no familiar, em uma dinmica em que os objetos eeventos so reconhecidos e compreendidos com base emencontros anteriores, em modelos que se do em funoda comunicao entre indivduos, criando informaes enos familiarizando com o estranho de acordo com ascategorias de nossa cultura (SAWAIA, 1995). SegundoMoscovici, citado por Leme (1995), este processo se dpor meio da ancoragem e da objetivao. A ancoragem oprocesso de assimilao de novas informaes a umcontedo cognitivo-emocional preexistente, e a objetivao a transformao de um conceito abstrato em a lgo tangvel.

    As representaes, no dizer de Jodelet, citado por

    Spink (1995, p. 88-89):

    so fenmenos complexos cujos contedos devem sercuidadosamente destrinchados e referidos aos diferentesaspectos do objetivo representado de modo a poderdepreender os mltiplos processos que concorrem para asua elaborao e consolidao como sistemas depensamento que sustentam as prticas sociais.

    Segundo Spink (1995), necessrio entendersempre, como o pensamento individual se enraza no sociale como um e outro se modificam mutuamente. Tal enfoque

    implica um triplo esforo:1. compreender o impacto que as correntes depensamento veiculadas em determinadas sociedades tmna elaborao das representaes sociais de diferentesgrupos sociais ou de indivduos definidos em funo desua pertena a grupos;

    2. entender os processos constitutivos dasrepresentaes sociais e a eficcia destas para ofuncionamento social. Entender portanto: a) o papel dasrepresentaes na orientao dos comportamentos e nacomunicao; b) sua fora enquanto sistema cognitivo deacolhimento de novas informaes;

    3. entender o papel das representaes sociaisnas mudanas e transformaes sociais, no que dizrespeito constituio de um pensamento socialcompartilhado ou transformao das representaessob o impacto das foras sociais.

    As estratgias metodolgicas para a abordagemdos conceitos de representao social se apresentam deforma distinta desde entrevistas abertas, semi-estruturadas,questionrios abertos e fechados, at a escala dediferencial semntico de Charles Osgood, desenhos e

    representaes grficas (LANE , 1995).

    2.2. Teoria da Ao Social

    Uma das maneiras de se realizar a anlise designificado utilizando o paradigma interpretativo,fundamentado na Teoria da Ao. Tal teoria prope que, possvel analisar o que as pessoas pensam sobredeterminados objetos, de acordo com a sua conceposobre aquele objeto em determinado contexto.

    Taylor, citado por Alencar (2002), ao referir-se aotermo significado, utiliza um conceito que possui umadeterminada articulao, em que o significado no existeno vcuo, mas sim para um indivduo especfico ou grupode indivduos em um dado contexto. Quando se considera

    outro indivduo e outro contexto, o me smo objeto poderter diferente significado. Os objetos somente possuemsignificados em um determinado contexto, no podendoser visto de forma singular, isolado, mas relacionado comoutros objetos significantes.

    De acordo com Alencar (2002), a utilizao doconceito da anlise de contedo a partir do paradigmainterpretativo implica na de finio do que se entende porao , ator social , fins (metas ou objetivos), meios ,condies e situao , tambm denominada ambiente

    ou contexto. Dessa forma, deve-se retomar ao esquemados componentes da ao para melhor compreenso de

    seu uso apresentado na Figura 1.Desta forma, o Ator social o agente quedesenvolve a ao e pode ser um indivduo ou umacoletividade (ator coletivo); os Fins (metas ouobjetivos) so estados futuros que o ator ou atoresquerem atingir e, por isso, desenvolvem a ao; osMeiosso componentes da situao sobr e os quaiso ator julga ter controle e que ele pode utilizar (oudesejar utilizar) para alcanar o seu objetivo; asCondies (obstculos) so os elementos dasituao que impedem, limitam ou condicionam aconsecuo do objetivo da ao; a Situao aparte do mundo onde o ator atua e formada de

    objetos de orienta o que podem ser de naturezasocial (outros atores, individuais ou coletivos),fsica (elementos da natureza e os componentesmateriais da cultura) ou cultural (componentes doambiente que so criaes dos seres humanos).

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    FIGURA 1 Esquema dos componentes da Teoria da Ao.Fonte: Alencar (1976, p. 14).

    A orientao da ao, ou seja, o estabelecimento dosfins, a seleo dos meios para atingi-los e aneutralizao das condies, implica na possibilidadede escolha, o que se denomina processo de orientao

    envolvendo o conhecimento da situao em que a aose desenvolve. Esse processo inclui o lugar de umobjeto de orientao (um potencial objetivo, meio oucondio) entre os demais objetos de orientao(outros possveis objetivos, meios ou condies); adeterminao das propriedades atuais e potenciais dosobjetos de orientao, tendo em vista a satisfao dasnecessidades do ator.

    A partir deste paradigma, a noo de significadoenfatiza a necessidade da anlise ser conduzida a partirdo ponto de vista do ator da ao e no do observador,substituindo o mtodo hipottico-dedutivo(formulao prvia de hipteses) pelo mtodo

    interpretativo. Dessa forma busca-se compreendercomo atores sociais especficos interpretam o ambienteonde atuam, extraindo informaes que consideramsignificantes para o estabelecimento de estratgias deao, com as quais poderiam influir nesse ambiente(ALENCAR , 2002).

    A partir destes pressupostos o autor conclui:

    o ator possui histria e experincias que o diferenciam

    ou aproximam de outros atores; est inserido em uma

    estrutura social; parte de uma cultura e tem interesses

    que podem ser conflitantes ou no com os de outros

    atores. Por conseguinte, vrios fatores podem influenciaro modo como um ator especfico ou categorias de atoressociais interpretam a realidade em que vivem

    (ALENCAR, 2002, p. 3).

    2.3. A Anlise de Contedo

    A anlise de contedo esteve presente desde asprimeiras tentativas da humanidade de interpretar osantigos escritos, como as tentativas de inte rpretar os livros

    sagrados. Entretanto, a anlise de contedo apenas nadcada de 20, foi sistematizada como m todo, devido aosestudos de Leavell sobre a propaganda empregada naprimeira guerra mundial, adquirindo dessa forma, o carterde mtodo de inve stigao (TRIVINOS, 1987).

    De acordo com Bardin (1994, p. 18), a clebredefinio de anlise de contedo surge no final dos anos40-50, com Berelson, auxiliado por La zarsfeld afirmandoque a anlise de contedo uma tcnica de investigaoque tem por finalidade a descrio objetiva, sistemtica equantitativa do contedo manifesto da comunicao .Posteriormente, houve outras tentativas de aprimoramento,aprofundando o significado, regras e p rincpios do mtodo.

    Em 1977, foi publicada uma obra notvel sobre anlise decontedo, na qual o mtodo foi configurado em de talhes:Bardin,L analyse de contenu, que serve de orientao atos dias atuais.

    Posteriormente, a anlise de contedo passa a serdefinida como um conjunto de tcnicas de anlise decomunicaes, que utiliza procedimentos sistemticos eobjetivos de descrio do contedo das mensagens,indicadores (quantitativos ou no) que permitam ainferncia de conhecimentos relativos s condies deproduo/recepo (variveis inferidas) dessas me nsagens(BARDIN, 1994). De acordo com Trivinos (1987), essadefinio de Bardin volta-se ao estudo dascomunicaes entre os indivduos, enfatizando o

    contedo das mensagens e os aspectos quantitativosdo mtodo.

    Para Bardin (1994), a anlise de contedo de

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    mensagens que deveria ser aplicvel a todas as formas decomunicao possui duas funes que podem ou no sedissociar quando colocadas em prticas. A primeira dizrespeito funo heurstica, ou seja, a a nlise de contedoenriquece a tentativa exploratria e aumenta a propenso descoberta. A segunda se refere administrao da prova,

    em que hipteses, sob a forma de questes ou de afirmaesprovisrias servem de diretrizes apelando pa ra o mtodo deanlise de uma confirmao ou de uma infirmao.

    Godoy (1995), afirma que na sua origem a anlise decontedo tem privilegiado as formas de comunicao oral eescrita, o que no deve excluir outros meios de comunicao.Qualquer comunicao que vincule um conjunto designificaes de um emissor para um receptor pode, emprincpio, ser traduzida pelas tcnicas de anlise de contedo.Parte do pressuposto que por trs do discurso aparente,esconde-se um outro sentido que convm descobrir.

    A anlise de contedo sofreu as influncias dabusca da cientificidade e da objetividade recorrendo a umenfoque quantitativo que lhe atribua um alcance meramentedescritivo. A anlise das mensagens neste intuito se faziapelo clculo de freqncias. Essa deficincia cedeu luga r anlise qualitativa dentro dessa tcnica, possibilitando ainterpretao dos dados, pela qual o pesquisador passoua compreende r caractersticas, estruturas e/ou modelos queesto por trs das mensagens levadas em considerao(GODOY, 1995).

    Diante do elucidado pode-se afirmar que a anlisede contedo um mtodo que pode ser aplicado tanto napesquisa quantitativa como na investigao qualitativa,mas com aplicaes diferentes, sendo que na primeira, o

    que serve de informao a freqncia com que surgemcertas caractersticas do contedo, enquanto na segunda a presena ou a ausncia de uma dada caracterstica decontedo ou de um conjunto de caractersticas numdeterminado fragmento de mensagem que levado emconsiderao (BARDIN, 1994).

    2.4. Descrio do Mtodo de Anlise de Contedo

    O mtodo da anlise de contedo aparece comouma ferramenta para a compreenso da construo designificado que os atores sociais e xteriorizam no discurso.Analisada no presente estudo sob o e nfoque da teoria dasRepresentaes Sociais e da teoria da Ao na perspectiva

    fenomenolgica. O que permite ao pesquisador oentendimento das representaes que o indivduoapresenta em relao a sua realidade e a interpretao quefaz dos significados a sua volta.

    Berger & Luckmann (1987, p. 11) elucidam a

    importncia do estudo do processo de construo socialna afirmao de que a realidade construda socialmentee que a sociologia do conhecimento deve analisar oprocesso em que este fato ocorre .

    Os autores procuram mostrar a anlise da vidacotidiana feita pela sociologia que se apresenta como

    uma realid ade interp retad a pelos homen s esubjetivamente dotada de sentido na medida em queforma um mundo coerente (BERGER& LUCKMANN,1987). A experincia da vida cotidiana envolve processossimblicos e, portanto processos de significaoreferentes a diferentes realidades que esto relacionadas interpretao dos agentes sociais, ou seja, representao social dos significados.

    O processo descrito se refere a uma visointerpretativa da realidade do ponto de vista dosentrevistados. Esse processo tem predominado na pesquisaqualitativa, seja por critrios da teoria das representaessociais ou da teoria da ao. Tais teorias buscam acompreenso da realidade do ponto de vista dosentrevistados a partir do discurso declarado pelos mesmos.

    Uma operacionalizao que facilite o trabalho dopesquisador apresenta-se necessria (LAVILLE& DIONNE,1999), no como uma estrutura rgida e sim como umdirecionador do trabalho de pesquisa. O primeiro passopara a anlise do discurso consiste em estar de posse dosdados que podero ser coletados a partir de entrevistassemi-estruturadas, questes abertas dos questionrios ououtras ferramentas que o pesquisador julgue adequadas.De posse dos dados o pesquisador parte para a anlise einterpretao das informaes colhidas para, em seguida,

    chegar etapa da concluso.Segundo Laville & Dionne (1999), os dados na formabruta precisam ser preparados para se tornar utilizveis naconstruo dos saberes. A forma numrica de a presentaodos dados permite o tratamento e a anlise com a ajudados instrumentos estatsticos, o que no de interesseneste ensaio, ao passo que os dados que tomam formaliteral sero objeto de uma anlise de contedo.

    Bardin, citado por Godoy (1995), apresenta autilizao da anlise de contedo em trs fasesfundamentais: a pr-anlise, explorao do material etratamento dos resultados. Na primeira fase estabelecidoum esquema de trabalho que deve ser preciso, com

    procedimentos bem definidos, embora flexveis. A segundafase consiste no cumprimento das decises tomadasanteriormente, e finalmente na terceira etapa, o pesquisadorapoiado nos resultados brutos procura torn-lossignificativos e vlidos.

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    Trivinos (1987, p. 160) usa a conceituao deBardin sobre anlise de contedo:

    um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes,visando, por procedimentos sistemticos e objetivos dedescrio do contedo das mensagens, obter indicadores

    quantitativos ou no, que permitem a inferncia deconhecimentos relativos s condies de produo/recepo (variveis inferidas) das mensagens.

    Trivinos (1987) explica a importncia do mtodo napesquisa qualitativa como um conjunto de tcnicas. Dessemodo, no possvel fazermos a inferncia se nodominarmos os conceitos bsicos das teorias que estariamalimentando o contedo das mensagens. Outro aspectorelevante, o da inferncia que pode partir das informaesfornecidas pelo contedo das mensagens, ou das premissasque se levantam como resultado do estudo dos dados quese apresentam comunicao. Trivinos (1987) tambm

    explica as trs etapas assinaladas por Bardin, como sendobsicas nos trabalho com a anlise de contedo.

    A pr-anlise: a organizao do material, quer dizerde todos os materiais que sero utilizados para a coletados dados, assim como tambm como outros materiais quepodem ajudar a entender melhor o fenmeno e fixar o queo autor define como corpusda investigao, que seria aespecificao do campo que o pesquisador deve centrar aateno.

    A descrio analtica: nesta etapa o material reunidoque constitui o corpus da pesquisa mais bemaprofundado, sendo orientado e m princpio pelas hipteses

    e pelo referencial terico, surgindo desta anlise quadrosde referncias, buscando snteses coincidentes edivergentes de idias.

    Interpretao referencial: a fase de anlisepropriamente dita. A reflexo, a intuio, com embasamentoem materiais empricos, estabelecem relaes com arealidade aprofundando as conexes das idias, chegandose possvel proposta bsica de transformaes nos limitesdas estruturas especficas e gerais.

    De acordo com Trivinos (1987) deve ocorrerinterao dos materiais, no devendo o pesquisadorrestringir sua anlise ao contedo manifesto dosdocumentos. Deve-se ainda, tentar aprofundar a anlise e

    desvendar o contedo latente, revelando ideologias etendncias das caractersticas dos fenmenos sociais quese analisam, ao contrrio do contedo manifesto que dinmico, estrutural e histrico.

    Laville & Dionne (1999) apontam que a anlise de

    contedo principalmente aplicada nos dados que seapresentam como discurso, o qual abrange textos extradosde diversos tipos de documentos como respostas obtidasem perguntas abertas.

    O princpio da anlise de contedo definido nademonstrao da estrutura e dos elementos desse

    contedo para esclarecer diferentes caractersticas eextrair sua significao. A anlise de contedo noobedece etapas rgidas, mas sim a uma reconstruosimultnea com as percepes do pesquisador com viaspossveis nem sempre claramente balizadas.

    Na realidade, um longnqo trabalho de anlise j foiiniciado com a coleta dos materiais e a primeiraorganizao, pois essa coleta, orientada pela questo dahiptese, no acumulao cega ou m ecnica: medidaque colhe informaes, o pesquisador elabora suapercepo do fenmeno e se deixa guiar pelasespecificidades do material selecionado (LAVILLE&

    DIONNE, 1999, p. 215).

    Strauss & Corbin (1990), tambm defendem ashabilidades do pesquisador como um diferencial necessrio aplicao da anlise d e significados ao definirem a TeoriaSensitiva como uma qualidade pessoal do pesquisadorpara captar as nuances de significado dos dados. Talabordagem exige do pesquisador uma leitura prvia da rea,que pode ser desenvolvida e aprofundada durante oprocesso de pesquisa. A Teoria Sensitiva se refere aosatributos do pesquisador de possuir introspeo,habilidade para dar significado aos dados, entend-los e

    capacidade para separar os que so pertinentes pesquisae os que no so.A Teoria Sensitiva apresentada por Strauss &

    Corbin (1990) pode ser comparada ao mtodo da Anlisede contedo nas etapas de operacionalizao da anlisedo discurso, apresentada por Laville & Dionne (1999),mesmo que tais etapas no sejam rgidas fornecem umdirecionamento no trabalho do pesquisador.

    Laville & Dionne (1999) apresentam como etapasdo processo de anlise de contedo a etapa do recortedos contedos, a definio das categorias analticas e acategorizao final das unidades de anlise. Tais etapasesto sucintamente descritas a seguir.

    O R ecorte de Contedos:A anlise dos contedoscoletados e organizados passa primeiramente pela etapado recorte, na qual os relatos so decompostos para emseguida serem recompostos para melhor expressar suasignificao. Os recortes devem alcanar o sentido

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    profundo do contedo ou passar ao largo das idiasessenciais. Os elementos assim recortados vo constituiras unidades de anlise, ditas tambm unidades declassificao ou de registro . As unidades consistem emfragmentos do discurso manifesto como palavras,expresses, frases ou ainda idias referentes a temas

    recortados (LAVILLE& DIONNE, 1999, p. 216).A Definio das categorias analticas: Os

    elementos de contedo agrupados por parentesco desentido iro se organizar sob as devidas categoriasanalticas, tal procedimento poder ser da seguinte forma:

    - Modelo aberto as categorias no so fixas noincio, mas tomam forma no curso da a nlise.

    - Modelo fechado o pesquisador decidi apriorias categorias apoiadas em um ponto de vista terico quesubmete freqentemente prova da realidade.

    - Modelo Misto as categorias so selecionadasno incio, mas o pesquisador se permite modific-las emfuno do que a anlise aportar.

    De acordo com La ville & Dionne (1999), um bomconjunto de categorias deve ser pertinentes, to exaustivasquanto possveis, no demasiadas, precisas e mutuamenteexclusivas.

    A Categorizao final das unidades de anlise:Acategorizao final se refere a uma anlise dereconsiderao da alocao dos contedos e suacategorizao a partir de um processo iterativocaracterstico do modelo circular da pesquisa qualitativa.O processo permite uma a nlise mais profunda dos recortescom base em critrios discutidos e incorporados. Trata-se de considerar uma a uma as unidades luz dos critrios

    gerais de anlise, para escolher a categoria que convmmelhor a cada uma (LAVILLE& DIONNE, 1999, p. 223).Tambm Strauss & Corbin (1990) trabalham a

    Teoria Sensitiva em algumas etapas, so elas: Opencoding, Labeling phenomena, Discovering categories,

    Naming a category e Developing Categories in Terms

    of their properties and dimensions. Embora apresentadaem cinco etapas, este mtodo consiste no mesmomecanismo citado anteriormente, no qual os dadoscoletados so recortados de acordo com temas, expressesou partes do discurso. Para uma posterior categorizaodos contedos e anlise de acordo com a percepo esensibilidade do pesquisador. Seguem as etapas:

    Open coding: consiste no processo de decompor,examinar, comparar, conceitualizar e categorizar os dados.Labeling phenomena: esta etapa poderia ser

    equiparada ao processo de recorte citado por Laville &Dionne (1999). Nessa etapa, os fenmenos ou situaes

    so identificados e classificados conforme a apresentaono discurso em unidades de anlise.

    Discovering categories: Nesta etapa o pesquisadorpreocupa-se em grupos de conceitos ou representaesnos quais se encontram os fenmenos encontrados nodiscurso, desenvolvendo critrios que lhes dizem respeito.

    Tal processo permite estabelecer categorias nas quais seenquadram os fenmenos.

    Naming a category: A categoria deve receber umnome o qual esteja relacionado aos dados que representae seja explicativo do contedo.

    Developing Categories in Terms of their properties

    and dimensions:cabe a esta etapa uma caracterizao dacategoria em termos de suas propriedades e dimenses.Propriedades so caractersticas ou atributos da categoria,enquanto a dimenso representa a posio da propriedadeao longo de um contnuo.

    Como visto neste captulo, inmeros autorestrazem sugestes para o processo de anlise de contedo

    do discurso, no qual frisam a necessidade de decompor odiscurso para a anlise e posterior reconstruo dosignificado, aprofundando a viso e interpretao que osentrevistados tm da realidade estudada e asrepresentaes estabelecidas para certos conceitos efenmenos. de extrema importncia o conhecimento porparte do pesquisador da realidade estudada e umasensibilidade para captar as nuances das quais estocarregados os discursos, seja nas expresses,contradies, pausas ou repeties, alm do prprioconceito que exteriorizam. Os pesquisadores das cinciassociais tm se utilizado desta ferramenta para aprofundar

    o conhecimento cientfico das sociedades. A seguir seroapresentadas pesquisas que aplicaram este mtodoproduzindo resultados satisfatrios.

    3. METODOLOGIA

    A metodologia adotada neste estudo se pautou napesquisa qualitativa e se utilizou a tcnica de pesquisa deanlise documental a partir de dissertaes j publicadas.Optou-se por uma amostra no probabilstica,intencionalmente selecionada de acordo com os interessese convenincia da pesquisa. Foram analisadas quatrodissertaes de mestrado, defendidas no Departamentode Administrao e Economia da Universidade Federal de

    Lavras, nos anos de 1993, 2001, 2002 e 2003, as quaisadotaram em sua metodologia a pesquisa qualitativa e omodelo de a nlise de discurso.

    As dissertaes foram descritas em termos dosobjetivos apresentados e o mtodo utilizado para

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    operacionalizar a anlise de contedo. Um terceiro momentoda anlise consiste nas observaes dos pesquisadoressobre o mtodo utilizado nas dissertaes, nas quais ospesquisadores apontam as peculiaridades da dissertaona aplicao do mtodo, na tentativa de melhor descrevera percepo dos atores sociais.

    4. APLICAO DAANLISE DO DISCURSONASCINCIAS SOCIAIS

    A seguir esto enumeradas as dissertaes,identificadas com o ttulo e autor, apontando o objetivo e osmtodos utilizados, e em seguida as observaes da pesquisa.

    4.1. Trajetria de Decises Adm inistrativas na UnidadeCamponesa e na Empresa Agropecuria Capitalista:

    Estudo de Casos no Sul de Minas Gerais - Jos Carlos dosSantos Jesus.

    4.1.1. Objetivo apresentado

    Segundo Jesus (1993), conduziu-se este trabalhocom o objetivo de compreender a trajetria histrica doprocesso de tomada de deciso em uma unidade deproduo camponesa e em uma empresa agropecuriacapitalista. Visou tambm, identificar a partir da histria devida de seus titulares, os fatores ponderados nas decisese que conduziram suas unidades a apresentar asconfiguraes que atualmente possuem.

    4.1.2. Mtodo utilizado

    Para compreender o processo decisrio a partir doque ele significa para o produtor o autor adotou umaabordagem qualitativa, uma vez que se desejavacompreender as origens e a sua evoluo histrica. Foiutilizado o tipo especfico de estudo de caso, no qual acoleta de dados se fez mediante dilogos com osprodutores, a partir da tcnica histria de vida, na qual asentrevistas foram semi-estruturadas e conduzidas a partirde um roteiro bsico, contendo questes abertas. Asentrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormenteanalisadas. Buscou-se transpor o significado com fidelidadena narrativa do produtor.

    4.1.3. Anlise da dissertao

    Os fundamentos tericos da Teoria da Ao

    forneceram as categorias analticas, permitindo identificarpor meio da histria de vida dos produtores os objetos deorientao que, em m omentos distintos, foram obstculos,objetivos e meios para ao dos produtores.

    Para melhor conduzir sua anlise, o autor procurou

    elaborar alguns esquemas (redes de significao). Asinformaes foram classificadas e agrupadas quanto aotema que abordavam e quanto a sua referncia cronolgica,procurando-se elaborar, posteriormente um resumo dostemas abordados. Para a elaborao das anlises sobre umtema, o autor buscou todas as questes ou afirmaes

    que continha esse tema, procurando obter o sentidoapontado pelas questes e afirmativas feitas pelo produtorrural, garantindo a validade das informaes. Devido aoelevado nmero de informaes, foi possvel cruza-las,descobrindo fatos ou intenes no claramente declarados.Para a ela borao final de cada caso, dividiu-se as histriasde vida dos produtores em perodos histricos, queapresentavam caractersticas comuns.

    O autor criou tambm categorias entre os produtorespara facilitar sua anlise. Os casos estudados representamduas situaes extremas de um conjunto de unidades deproduo. Ele estabelece uma categorizao scio-econmica das unidades de produo, apresentando deum lado a unidade de produo camponesa e de outro aempresa agrcola capitalista. Jesus (1993) procuroudemonstrar, por meio da reproduo fiel das falas dosprodutores a maneira como o produtor compreende oprocesso decisrio.

    4.2. Fatores Favorveis e Limitantes ao Desenvolvimentoda Agropecuria do Sul de Minas Gerais: Uma AnliseInterpretativa - Mrcia P ereira de Andrade

    4.2.1. Objetivo apresentado

    Andrade (2001) procurou identificar e descrevercomo lideranas de produtores rurais e profissionais de

    cincias agrrias interpretam o ambiente em que atuam,possveis fatores favorveis ou limitantes aodesenvolvimento da a gropecuria na regio.

    4.2.2. Mtodo utilizado

    Para a conduo do trabalho, utilizou-se o mtodofocused-intervew,utilizando-se um roteiro, no qual nohavia nenhuma restrio ao aprofundamento dos tpicospor meio de questes que emergem durante a realizaoda entrevista.

    4.2.3. Anlise da dissertao

    Para possibilitar o alcance do objetivo propostopela autora, a pesquisa foi fundamentada em uma anliseinterpretativa, tendo como elemento central os significadosde objetivos , meios ou condies de uma ao,atribuda pelos atores sociais aos objetos de orientao,

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    que identificam uma dada situao, ambiente ou contexto.O conceito de significado por ela utilizado

    baseou-se nos conceitos da fenomenologia e da Teoriada Ao Social para atribuir a noo de situao,ambien te ou cont exto. A no o de signi ficad oempregada se deu conforme a necessidade da anlise a

    ser conduzida a partir da perspectiva do ator da ao eno do observador, uma vez que visava compreendercomo atores sociais especficos, lideranas deprodutores rurais e profissionais de cincias agrrias,interpretam o ambiente onde atuam.

    No estudo, a idia de significado resulta dapercepo que os atores sociais possuem de um dadoobjeto de orientao e est vinculada duas dimensesanalticas: o objeto no singular e os atores presente s emuma mesma situao possuem histrias e experinciasque os diferenciam ou aproximam de outros atores e estoinseridos em uma estrutura social com interesses quepodem ser conflitantes ou no com os dem ais atores.

    Para melhor anlise do contedo das entrevistas, aautora categorizou os fatores favorveis e limitantes. Comrelao aos fatores favorveis, os objetos foram a grupadosem categorias analticas denominadas fatores culturais,sociais, edafoclimticos, infra-estruturais e de localizao.Os fatores limitantes foram classificados em categoriasque retratam o nvel em que tais fatores se encontravam,se no nvel do produtor, se na regio ou fora da regio.

    Alguns objetos de orientao apresentarammaiores freqncias que outros nas conexes que o atorestabelecia entre objetos situacionais durante o processode orientao; objetos estes denominados estruturantes,devido importncia que o ator lhe atribui no processode orientao. Nesta pesquisa, os fatores estruturantesse referem a os fatores limitantes localizados forada regioestudada e que possuam natureza macroeconmica.Devido diversidade de significados apresentados,alguns fatores foram apresentados por alguns atorescomo limitantes e por outros como favorveis. Procurou-se ainda demonstrar, por meio da reproduo, mas no nantegra, as falas dos produtores conforme a maneira comoeste compreende o processo decisrio.

    4.3. A Dinmica do Poder no Espao Organizacional:Uma Anlise das Prticas de Gesto da Fora de Trabalho

    Mnica Carvalho Alves Cappele

    4.3.1. Objetivo apresentado

    Objetivou-se com esta pesquisa, segundo Capelle(2002), investigar como as polticas de gesto de pessoasinstrumentalizam prticas de poder disciplinar em umaorganizao, particularizando a forma pela qual os seus

    membros constrem mecanismos de adeso e resistnciapara se ajustarem a essas prticas.

    4.3.2. Mtodo utilizado

    A a utora desenvolveu uma investigao qualitativa,fazendo uso do estudo de caso, para trabalhar com umcenrio social bem especfico, circunscrevendo umaunidade de estudo, qual seja a matriz de organizao dotrabalho denominada ERC .

    A autora partiu da perspectiva interpretativa,fazendo uma anlise embasada na localidade e nascontingncias situacionais. A obteno dos dados se deua partir da pesquisa de campo, desenvolvida na matriz daERC, sendo realizada em quatro etapas. Na primeira etapase deu o contato inicial, no qual a pesquisadora foi recebidapela diretoria de recursos humanos e apresentada organizao. Esta ocasio foi segundo a pesquisadora,uma oportunidade para a prtica de observao no

    participante. Posteriormente, foi realizada a pesquisa eanlise documental. Feito isto, foram realizadas e ntrevistassemi-estruturadas com vinte e cinco empregados da ERC ,de um total de duzentos e trinta e oito.

    4.3.3. Anlise da dissertao

    Aps a transcrio das entrevistas, foi realizada aanlise dos discursos dos entrevistados, j que para aautora, a verdadeira elucidao dos elementos maisinternos da percepo dos trabalhadores reside em suasentrelinhas. Dessa forma, procurou conhecer a gramticaque antecedeu construo do texto, assim para apreendero significado dos discursos, buscou-se articular o modo

    de organizao textual presente em documentos, relatosde entrevistas, dentre outros. Assim, a pesquisadoraatentou-se para considerar, alm do que foi externalizadopelos entrevistados, tambm os significados implcitosnaquilo que no foi falado, bem como os elementosintertextuais do discurso.

    Segundo a autora, sua preocupao era atentar pararupturas, contradies ou momentos em que o discursodo entrevistado perde o sentido; interpretar as metforasidentificada s como uma fonte mltipla de significados;examinar a salincia e as pausas, ou o que ficousubentendido. A autora estabeleceu divises na

    apresentao dos resultados, devido ao cartermetodolgico de facilitar a compreenso e a e xplicitaodas reflexes propiciadas pela investigao. Em seutrabalho, Capelle (2002) fez uso de trechos de depoimentosdos entrevistados, para fazer anlise dos princpios de

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    gesto de pessoas e suas contradies.A perspectiva de anlise adotada partiu do

    pressuposto de que as organizaes so espaos deinterao social. Por esse motivo, as organizaes estoem influncia mtua tanto com o contexto macrossocialem que esto inseridas, quanto com os indivduos que as

    compem. Dessa forma, para fazer anlise dos significados,a autora estudou as especificidades da organizao, ascaractersticas de seus membros, bem como o mercado deatuao da organizao, assim como todos esseselementos aliados a o contexto histrico social em que estoinseridos. Segundo a autora, as anlises realizadaspermitiram reflexes sobre o movimento das relaes depoder nas organizaes, influenciado pela introduo denovas polticas de gesto de pessoas.

    4.4. Dinmica de Gesto Ambiental em Agroindstrias:Uma Anlise sob a tica da Teoria das RepresentaesSociais - Carla Regina de Sousa

    4.4.1. Objetivo apresentado

    Objetivou-se com este trabalho desvendar asrepresentaes sociais dos dirigentes e funcionrios doslaticnios sobre a questo ambiental. Os objetivosespecficos da pesquisa incluram a verificao dasrepresentaes sociais dos dirigentes e funcionrios doslaticnios sobre o meio ambiente e se os mesmos percebemalguma crise ambiental; os conhecimentos gerados emtorno dos problemas ambientais provocados pela atividadeprodutiva de um laticnio entre gestores e funcionrios; adeteco das representaes sociais sobre aresponsabilidade individual em torno da temtica

    ambiental; e por fim a comparao das representaessociais encontradas no mbito global, setorial e cotidianoentre os atores dos dois laticnios, a fim de analisar ainfluncia de a es ambientais na esfera organizacional naformao dessas representaes.

    4.4.2. Mtodo utilizado

    Segundo ressalva da autora, a dissertao noobjetivou a questo terica das representaes sociaisrestringindo-se a utilizar desta abordagem terica-metodolgica para encontrar quais representaes daquesto ambiental esto presentes entre os atores sociais

    pesquisados, configurando-se desta forma uma pesquisaqualitativa.A coleta de dados consistiu em entrevistas semi-

    estruturadas aplicadas em gestores e funcionrios a partiruma amostragem intencional e tambm por meio da

    observao no participante. Cabe ressaltar que nostpicos da entrevista incluiu-se a tcnica de cartes,visando verificar a percepo dos indivduos sobre oambiente por meio de figuras. Cinco cartes foramapresentados aos entrevistados com figuras para queselecionassem os mais adequados, conforme sua

    representao do meio ambiente.

    4.4.3. Anlise da dissertao

    Para anlise dos dados, enfatizou-se a anlise dodiscurso fundamentada nas representaes sociais. Aautora operacionalizou o trabalho iniciando pe la transcrioda entrevista e posterior leitura flutuante do material,intercalando a escuta do material gravado com a leitura domaterial transcrito, prestando ateno nas versescontraditrias, nos silncios, hesitaes, bem como naretrica ou organizao do discurso. O terceiro passoconsistiu no retorno aos objetivos da pesquisa,

    especialmente para definir claramente o objeto darepresentao, pois, devido complexidade do discurso,podem aparecer teorias sobre mltiplos aspectosrelacionados ao tema central.

    Em seguida, foram definidos os temas emergentesdos discursos, a partir dos quais elaboraram-se grupos derepresentaes, sendo cada um caracterizado conformeos temas. Como ltima etapa, a pesquisadora de posse dasinformaes, buscou o conhecimento produzido pelainterpretao das informaes na vida prtica e populardos atores sociais, focando as representaes sociais nombito global, setorial e cotidiano.

    A autora baseou-se para direcionamento dos

    passos em Spink para as trs primeiras etapas e,posteriormente em Reigota, que so os principais autorescitados no captulo referente anlise dos dados. Optandopor categorizar os elementos pelo estabelecimento degrupos de representaes, partindo dos temas emergentes,baseando a apresentao dos resultados em trechos dodiscurso dos entrevistados.

    5. CONSIDERAES FINAIS

    A teoria da Representao Social e a Teoria daAo tentam compreender os atores sociais em movimento.Sob esta concepo, os indivduos no so apenas

    processadores de informaes, nem meros portadores deideologias e crenas coletivas, mas pensadores ativos queesto mediante inumerveis episdios cotidianos deinterao social.

    Partindo destes pressupostos, a anlise de

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    contedo, enquanto mtodo da pesquisa qualitativaque segue orientao da perspectiva fenomenolgica;admite que a realidade no existe no vcuo, mas umproduto social. Dessa forma, as idias dos atores esuas concepes de mundo esto representadas nassuas falas, na sua realidade. A conscincia da realidade

    social no est expressa apenas no discurso declarado,ao optar pela utilizao da tcnica de anlise dediscurso, cabe ao investigador social tentarcompreender e revelar as entrelinhas nas falas dosatores, j que estas exteriorizam suas construes acerca de dada realidade.

    A aplicao da tcnica de anlise de contedonas cincias sociais apresen ta-se como umaferramenta til interpretao das percepes dosatores sociais. Os relatrios de pesquisa de mestradoanalisados distingiram-se quanto ao tipo de coletade dados e quanto s etapas de anlise de resultado.

    Adotaram-se para a coleta de dados: a tcnica dehistria de vida, entrevistas semi estruturadas,questionrios incluindo figuras e ofocused-intervew.Quanto anlise dos resultados, cada trabalhorelacionou a categorizaro da fala dos autores com afundamentao terica levantada. A organizao dosresultados nos diferentes casos apresentou descrioparticularizada das categorias subdivididas e orelacionamento das categorias em conjunto resultandona construo do significado do discurso reordenadopelo pesquisador. A realizao deste trabalho permitiuinferncias a respeito do grupo ou contexto social a

    partir dos significados percebidos nas declaraesindividuais fundamentados tanto na Teoria dasRepresentaes Sociais como na Teoria da Ao Social.O papel de interpretao da realidade social configuraao mtodo de anlise de contedo um importante papelcomo ferramenta de anlise na pesquisa qualitativa nascincias sociais aplicadas.

    Como observado na anlise das dissertaes queutilizaram o mtodo, no existe um esquema rgido deutilizao. O cientista social pode utilizar estaflexibilidade, entretanto fica o desafio de imprimir nitidezao seu quadro terico e a sua postura metodolgica. Aanlise do mtodo de operacionalizao das dissertaes

    demonstrou a peculiaridade de cada trabalho e ainfluncia determinante da sensibilidade e percepodo pesquisador na reconstruo do significado embutidonos discursos coletados.

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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