159
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Administração PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS INTERSETORIAIS: INTERAÇÃO SOCIAL ENTRE GOVERNO, EMPRESAS E SOCIEDADE CIVIL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO TERRITÓRIO DANUSA DIAS REIS COUTINHO Belo Horizonte 2014

PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

  • Upload
    vothuan

  • View
    230

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Administração

PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS INTERSETORIAIS:

INTERAÇÃO SOCIAL ENTRE GOVERNO, EMPRESAS E SOCIEDADE CIVIL

PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO TERRITÓRIO

DANUSA DIAS REIS COUTINHO

Belo Horizonte

2014

Page 2: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

Danusa Dias Reis Coutinho

PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS INTERSETORIAIS:

INTERAÇÃO SOCIAL ENTRE GOVERNO, EMPRESAS E SOCIEDADE CIVIL

PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO TERRITÓRIO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação

em Administração da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa

Teodósio

Belo Horizonte

2014

Page 3: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes
Page 4: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

Danusa Dias Reis Coutinho

Processos de liderança nas parcerias intersetoriais: interação social entre governo,

empresas e sociedade civil para o desenvolvimento sustentável no território

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais e Fundação Dom Cabral, como

requisito para obtenção do título de Mestre em

Administração.

Área de Concentração: Administração

_____________________________________________________ Orientador Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa Teodósio

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Anderson de Souza Sant’Anna

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / Fundação Dom Cabral

_________________________________________________________________

Prof. Dr. Bernardo Monteiro de Castro

Fundação Dom Cabral

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Mario Aquino Alves

Fundação Getúlio Vargas/Escola de Administração de Empresas de São Paulo

Belo Horizonte, 28 de Fevereiro de 2014.

Page 5: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

Oswaldo mais do que nunca fortalecemos os votos ‘[...]

na saúde e na doença, na alegria e na tristeza [...]’,

estaremos sempre juntos!

Laura e Francisco,

minha eterna gratidão por tolerarem este meu difícil percurso,

as ausências, os atropelos e a ‘falta de paciência da mamãe’.

mamãe Luiza,

por sempre acreditar que era possível

e me apoiar em cem por cento do período de estudo;

papai Darcy,

por enviar iluminadas orações que alimentaram minha alma; e

mana Deborah,

pelos abraços apertados e trocas de energia

nos breves encontros dos últimos dois anos

(‘Tempo, tempo, tempo, mana velha!’).

Page 6: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

AGRADECIMENTOS

O mais amplo do mundo, o conhecimento, o

reconhecimento, a alegria deixada por um

presente, como um suavíssimo cometa, tudo isto e

muito mais cabem na extensão de uma palavra:

OBRIGADO!

PABLO NERUDA

Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa Teodósio,

pela orientação científica. Téo...

a você, agradecer seria pouco por tudo que fez por mim.

Seu apoio, carinho, solidariedade, tolerância e até ‘broncas’

fizeram-me crescer muito e tornar possível esta vitória.

Eternamente, muito obrigada! Deus o abençoe, sempre!

Prof. Dr. Bernardo de Castro,

Prof. Dr. Anderson Sant’Anna, Prof. Dr. Mario Aquino Alves

por valorizarem o momento mais especial dessa trajetória.

FAPEMIG,

por conceder-me a bolsa parcial do mestrado,

um recurso fundamental a esta realização pessoal.

Amiga e ‘cumadi’ Alane Michelini,

pela energia positiva e inspiração constante.

Amiga-irmã Dalida Fadh,

pelos questionamentos e contribuições às minhas reflexões.

Colaboradoras do lar Jane e Diana,

pela contribuição ao êxito desta minha jornada.

Amigos da ‘Diretoria’,

Helena Shigaki, Christiane Villela, Alexandre Fabri,

Sérgio Ferreira, Andrea Lobo e Alyson Alves,

pelos momentos tragicômicos vivenciados no mestrado.

Boas lembranças se eternizam.

Amigas e companheiras de profissão,

Marisa Seoane, Luciene Araújo, Annabella Prates,

Flávia Dias, Adriana Duarte e Laura Boaventura,

sei que estiveram sempre na torcida.

Colegas do NUPEGS,

em especial, Daniele Cardoso,

Raquel Wildhagen, Júnia Guerra, Maria Flávia Diniz,

Yasmini Mansur, Daniela Viegas, Paula Pessoa e Vander Aguiar,

pelos momentos de engrandecimento profissional,

que muito contribuíram para a construção

do conhecimento motivador desta pesquisa.

Page 7: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

Programa de Pós-Graduação da PUC Minas,

na pessoa do Prof. Dr. Antônio Neto e Equipe da Secretaria,

em especial à Jaqueline Araújo,

pela oportunidade de fazer parte desta minha história.

Sr. Francisco de Azevedo - Instituto Camargo Corrêa,

Sr. Uelton Silva - InterCement,

por me acolherem carinhosamente e permitirem,

sem restrições, o desenvolvimento do estudo de caso.

Integrantes do CDC,

por tornarem possível a construção dos conhecimentos.

Agentes da pesquisa,

pela concessão de tempo e informações à coleta de dados.

Prof a. Leila Brito,

pela brilhante revisão de língua e estilo, metodologia textual,

normalização técnica, programação visual e edição.

Como polimento em pedra bruta, sua revisão foi essencial!

E por fim... Agradeço a Deus,

pela bênção de uma trajetória livre de maiores transtornos.

Page 8: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

“Mas sei, que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança...

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha pode se

machucar...

Azar!

A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar...”

ALDIR BLANC

Page 9: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

RESUMO

COUTINHO, D. D. R. (2014). Processos de liderança nas parcerias intersetoriais:

interação social entre governo, empresas e sociedade civil para o desenvolvimento

sustentável no território. Dissertação (Mestrado em Administração) – Faculdade de

Administração, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Considerando a complexidade dos problemas sociais e ambientais contemporâneos, a

promoção da possibilidade do desenvolvimento sustentável pode ser realizada por meio de

parcerias intersetoriais, levando a ações conjuntas em um projeto de transformação

consciente da realidade local... Considerando a complexidade dos problemas sociais e

ambientais contemporâneos, a promoção do desenvolvimento ser realizada por meio de

parcerias intersetoriais, levando a ações conjuntas em um projeto de transformação

consciente da realidade local... E considerando, ainda, que, na busca por um posicionamento

da sociedade a favor de processos que possam auxiliar efetivamente a promoção do

desenvolvimento sustentável, a interação social, que se apresenta de forma consciente e

participativa por meio dos processos de liderança nas citadas parcerias, é tida como um dos

caminhos a ser percorrido. Com base neste entendimento, e apoiando-se teoricamente na

ampla revisão sobre os constructos ‘processos de liderança’, ‘parcerias intersetoriais’ e

‘desenvolvimento sustentável’, esta pesquisa buscou compreender como ocorrem os

processos de liderança nas parcerias intersetoriais para o desenvolvimento sustentável, a

partir de um estudo no caso do Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC) de Pedro

Leopoldo/MG, alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta de coleta de

dados a observação direta, o diagnóstico rápido participativo (DRP) e a entrevista

semiestruturada. Como corpus de análise dos conteúdos das reuniões do CDC, foram

utilizadas três técnicas de DRP – Diagrama de Venn, Diagrama de Fluxo e Linha do Tempo

– e quatorze entrevistas, sendo entrevistados cinco representantes da prefeitura de Pedro

Leopoldo, quatro da empresa InterCement (afiliada ao Grupo Camargo Corrêa) e cinco da

sociedade civil (OSCs e voluntários). Assim, conforme evidenciado pela análise de

resultados, conclui-se que fatores que envolvem a vida humana influenciam

significativamente a interação social de atores da sociedade civil, empresas e governo,

interferindo na efetividade dos processos de liderança do CDC que, conforme apurado,

mostra-se fundamental para a criação de convergência de interesses, dinâmicas com

estruturas abertas e transparentes e participação ativa da sociedade civil do território, por

permitir, além da interação efetiva de diversos atores, a manutenção da diversidade de

vozes, e ainda, garantir a legitimidade na representação dos interesses coletivos em

movimentos que propõem alguma mudança social. Por fim, evidenciou-se que a intervenção

socioambiental das empresas, a partir de suas estratégias e ações de responsabilidade social

nos territórios, configura-se como um objeto instigante para outras investigações sobre a

interação social das esferas de governo, empresas e sociedade civil, por mostrar-se

efetivamente capaz de atuar como um elemento político essencial para a governança

compartilhada, o fortalecimento do capital social e a geração de desenvolvimento

sustentável em diferentes territórios.

Palavras-chave: processos de liderança, parcerias intersetoriais, governança,

desenvolvimento sustentável.

Page 10: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

ABSTRACT

COUTINHO, D. D. R. (2014). Processes of leadership in intersectoral partnerships: social

interaction between government, business and civil society for sustainable

development in the territory. Dissertação (Master in Professional Administration) –

Faculdade de Administração, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo

Horizonte.

Considering the complexity of contemporary social and environmental issues, the

possibility of promoting sustainable development can be achieved through intersectoral

partnerships, leading to joint actions in a project to transform aware of local reality... And

considering also that, in the search for a positioning of the company in favor of processes that

can effectively assist the promotion of sustainable development, social interaction, which is

presented in a conscious and participatory manner through the processes of leadership in the

said partnership is regarded as one of the ways be traversed. Based on this understanding, and

supporting the theoretically broad review constructs 'leadership processes', 'intersectoral

partnerships' and 'sustainable development', this study sought to understand how leadership

processes occur in intersectoral partnerships for sustainable development from a study in the

case of the Community Development Committee (CDC) of Pedro Leopoldo/MG, based on a

qualitative approach, taking as a tool for data collection direct observation, participatory rapid

diagnosis (DRP) and semistructured interview - Venn Diagram, Flowchart and Timeline. As

part of analysis of the content of the meetings of the CDC, three techniques were used DRP

and fourteen interviews, and interviewed five representatives from the city of Pedro Leopoldo

four InterCement company (affiliated the Camargo Corrêa Group) and five civil society

organizations (CSOs and volunteers). Thus, as evidenced by the analysis of results, it is

concluded that factors involving human life significantly influence the social interaction of

actors from civil society, business and government, interfering with the effectiveness of

procedures for the leadership of CDC, which, according to the records, shows it is critical to

establishing convergence of interests, with dynamic open and transparent structures and active

participation of civil society in the territory, by allowing, in addition to the effective

interaction of different actors, maintaining the diversity of voices, and also to ensure the

legitimacy in the representation of collective interests in movements that suggest some social

change. Finally, it became clear that environmental intervention of companies , from their

strategies and social responsibility in the territories, appears as an intriguing subject for

further research on the social interaction of the spheres of government, business and civil

society, to show themselves capable of acting effectively as an essential political element to

the shared governance, the strengthening of social capital and the generation of sustainable

development in different territories.

Keywords: leadership processes, intersectoral partnerships, governance, sustainable

development.

Page 11: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Dimensões do capital social ......................................................... 34

Quadro 2 Evolução da noção de governo ............................................. 42

Quadro 3 Definições de estratégia coletiva, estratégia de colaboração e

meta-estratégias compartilhadas ............................................. 49

Quadro 4 Evolução e principais características do Modelo de Quebec ......... 56

Quadro 5 Inovações sociais no Modelo de Quebec e no desenvolvimento

local ............................................................................................. 57

Quadro 6 Propósitos de liderança ......................................................... 64

Quadro 7 Eixos temáticos do marco teórico ............................................. 76

Quadro 8 Dimensões de abordagem teórica ............................................. 79

Quadro 9 Perfil dos entrevistados ......................................................... 92

Quadro 10 Diretrizes de análise ..................................................................... 97

Page 12: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Modelo teórico de análise ........................................................... 77

Figura 2 Diagrama dos métodos de pesquisa ............................................... 84

Figura 3 Programas estruturantes do Instituto Camargo Corrêa ........... 104

Figura 4 Relação de sucesso na visão das comunidades ....................... 106

Figura 5 Diagrama de Venn elaborado pelo Grupo A ................................... 120

Figura 6 Diagrama de Venn elaborado pelo Grupo B ................................... 120

Figura 7 Diagrama de fluxo elaborado pelo Grupo A ................................... 122

Figura 8 Diagrama de fluxo elaborado pelo Grupo B ................................... 123

Figura 9 Linha do Tempo elaborada em conjunto pelos grupos A e B ......... 125

Page 13: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

LISTA DE SIGLAS

CDC Comitê de Desenvolvimento Comunitário

CIDA Canadian International Development Agency

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

DPR Diagnóstico Rápido Participativo

FIEMG Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais

FPL Fundação Pedro Leopoldo

ICC Instituto Camargo Corrêa

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IIED International Institute for Environment and Development

LSO Licença Social para Operar

ONG’s Organizações Não-Governamentais

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PPC PIB Per Capita

RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte

SIDA Swedish International Development Cooperation Agency

SSVP Sociedade São Vicente de Paulo

SUS Sistema Único de Saúde

UICN International Union for Conservation of Nature

USAID United States Agency for International Development

WCED World Commission on Environment and Development

WRI World Resources Institute

WWI Worldwatch Institute

WWF World Wildlife Fund

Page 14: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 15

1.1 Objetivos ........................................................................................... 25

1.1.1 Objetivo geral ............................................................................... 25

1.1.2 Objetivos específicos ............................................................................... 25

1.2 Justificativa ........................................................................................... 25

1.3 Metodologia textual ............................................................................... 27

2 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................... 29

2.1 Desenvolvimento sustentável dos territórios: a articulação entre atores .. 29

2.2 Parcerias intersetoriais: modelos de análise, perspectivas e desafios ....... 43

2.3 Processos de liderança: co-produção e cooperação social .................... 61

3 METODOLOGIA ................................................................................ 81

3.1 Entre fatos e dados que deram origem à pesquisa ................................ 84

3.2 Participação nas reuniões do CDC ........................................................ 87

3.3 Aplicação de DRP no CDC .................................................................... 89

3.4 Entrevistas semiestruturadas .................................................................... 91

3.5 Pedro Leopoldo e o contexto do CDC ............................................ 99

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS .................... 109

4.1 Processos de liderança no desenvolvimento sustentável de Pedro

Leopoldo ............................................................................................ 109

4.2 Análise do diagnóstico rápido participativo ............................................ 118

4.3 Análise das entrevistas semiestruturadas ............................................ 127

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 137

6 REFERÊNCIAS ................................................................................ 143

APÊNDICE

A Roteiro de Entrevista – Integrantes do CDC

B Roteiro de Entrevista – Não Integrantes do CDC

C Roteiro de Entrevista – Instituto Camargo Corrêa

D Implantação do CDC

E Diagramas de Venn

F Diagramas de Fluxo

Page 15: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

15

1 INTRODUÇÃO

O mundo vem se deparando com múltiplos desafios para o seu desenvolvimento, e

a busca da sustentabilidade vem adquirindo, cada vez mais, crucial importância. Nesse

processo evolutivo, fatores como crescimento desordenado da população, aumento do

consumo, demanda cada vez maior de espaços para habitação, baixa mobilidade urbana e o

aumento do uso de fontes de energia não renováveis são alguns exemplos dos esforços

empreendidos pela sociedade para fazer frente aos riscos socioambientais contemporâneos

(Abramovay, 2013; Ionescu-Somers, 2012).

Na busca por um posicionamento da sociedade a favor de processos que possam,

efetivamente, levar ao desenvolvimento sustentável, a interação social de forma consciente

e participativa, por meio dos processos de liderança nas parcerias intersetoriais, tende a ser

um dos caminhos considerados necessários ou desejáveis de serem trilhados, em diferentes

territórios, pelos atores sociais (Ospina, 2006).

Estudos indicam que a evolução institucional dos processos de desenvolvimento

sustentável apontam para a importância de tais atores agirem ativamente tanto na

governança como na definição de políticas públicas, nos domínios que interessam à

comunidade (Lévesque et al., 2012). Outros estudos reforçam, ainda, que essa interação

social contribui para o fortalecimento dos vários tipos de capitais1, promovendo ações

colaborativas geradoras de avanços e parcerias entre todos os atores envolvidos

(Abramovay, 2009), pois a tendência é que o crescimento econômico não mais aconteça a

qualquer custo no mundo atual e futuro (Ionescu-Somers, 2012).

1

O termo ‘capitais’ está relacionado a tipos de estoques que seriam decisivos no processo de

desenvolvimento sustentável como o ‘Capital Econômico’, que se refere ao estoque de riquezas de bens

móveis ou imóveis; o ‘Capital Social’, que tem caráter de criação e aprofundamento das redes de relações

capazes de fazer a regulação democrática (Vale, 2006; Milani, 2005); o ‘Capital Humano’, como o estoque

de conhecimentos, competências e aptidões (Milani, 2005); o ‘Capital Relacional’, “que significa o conjunto

de recursos inseridos nos laços e conexões, que vinculam os atores produtivos entre si; e com o ‘resto do

mundo’ (Vale, 2006, p. 12).

Page 16: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

16

O termo “desenvolvimento sustentável” está presente em vários campos de

conhecimento e, também, na vida cotidiana. Neste estudo, essa noção aparece alinhada à

preservação ambiental, redução das desigualdades sociais e promoção de atividades

econômicas que preservem os patrimônios social, cultural e ambiental dos territórios, por

meio de processos participativos de envolvimento das comunidades e dos diferentes atores

sociais.

Nesse caso, o desenvolvimento sustentável precisa ser capaz de fomentar dentro de

um mesmo território atividades que promovam oportunidades economicamente rentáveis,

ambientalmente responsáveis e socialmente justas (Sachs, 2004; Dowbor, 2002). Neste

sentido, visa contribuir para o estabelecimento de diálogos, ao invés de imposições, entre

atores da esfera governamental, em todos os seus níveis, da sociedade civil e, também, dos

mercados, de forma a dar suporte e efetivar a cooperação e a ação em concertação de

diferentes atores sociais na proteção dos patrimônios ambiental, social e cultural dos

territórios (Abramovay, 2009; Sachs, 2004; Dowbor, 2002; Lélé, 1991).

Há mais de uma década, a Carta da Terra (2000, p. 15) “reconhece que os objetivos

de proteção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo,

respeito aos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis”,

objetivos estes que devem, de acordo com o documento, ser alcançados para a preservação

da vida humana. Com isso, o objetivo do desenvolvimento em um determinado território

precisa também estar relacionado com a “avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas

pessoas” (Sen, 2010, p. 77). É preciso, pois, levar em conta que a liberdade, como a

entende o autor, inclui, de forma inter-relacionada, alguns fenômenos como “facilidades

econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais, garantias de transparência e

segurança protetora” (Sen, 2010, p. 77).

Page 17: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

17

No sentido mais amplo, outros estudos também indicam que, para o alcance do

almejado desenvolvimento sustentável ainda será preciso construir processos mais

vigorosos e complexos de compromisso coletivo, capazes de romper com mentalidades

individualistas e de curto prazo, a fim de provocar as mudanças sistêmicas necessárias

(Ionescu-Somers, 2012). A participação dos atores sociais na sua promoção se

configuraria, então, como um elemento essencial (Abramovay, 2009; Sachs, 2004; Lélé,

1991).

Entretanto, a forma como os processos do desenvolvimento sustentável vêm sendo

definidos e operacionalizados parece estar aquém daquilo que é idealizado em termos de

participação dos atores sociais (Baroni, 1992). Diferentes estudos denotam as contradições,

obstáculos e desafios de diferentes ordens e relacionados à diferentes interesses e formas

de ação social que limitam, dificultam e, até mesmo, inviabilizam a participação popular

nos espaços de discussão, implementação e avaliação de suas dinâmicas (Lélé, 1991;

Baroni, 1992; Milani, 2005; Levèsque, 2007). Nos limites de cada território, e diante da

complexidade de fatores que coexistem com a vida humana, o desenvolvimento sustentável

ainda necessitaria ser integrado àqueles que envolvem a vida cotidiana (Abramovay,

2009).

Considerando que deva envolver uma diversidade de fatores determinantes e que,

por consequência, depende de uma gestão articulada daqueles que são e dos que merecem

ser seus protagonistas (Abramovay, 2010), tem-se, de maneira complementar, a

necessidade do fortalecimento de parcerias intersetoriais como um caminho possível de

desenvolvimento. O que vai parecer em jogo, nesse processo, é a habilidade social de

cooperação humana (Fligstein, 2007), e a maneira como, no âmbito dessa cooperação, os

atores definem prioridades e fluxos de ação visando (ou não) o bem comum (Abramovay,

2010).

Page 18: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

18

No presente estudo, adotou-se o pressuposto de que a vida social “gira em torno de

se obter uma ação coletiva, e isso requer que os participantes dessa ação sejam induzidos a

cooperar” (Fligstein, 2007, p. 62). Soma-se a isso o fato de que a cooperação e as

interações entre atores da sociedade civil, do Estado e de mercado estão, normalmente,

permeadas pela “complexidade e pela construção de uma práxis não linear marcada,

simultaneamente, pela ocorrência de processos de conflito e cooperação, engajamento e

distanciamento, resistência e adesão” (Teodósio, 2008, p. 8).

É preciso reconhecer a sociedade civil como um espaço de interação de atores com

uma pluralidade de interesses e divisão de poder (Alves, 2006). Em conjunto com a

diversidade de atores que integram a sociedade local, vislumbra-se a necessidade de cada

comunidade “traçar estratégias que fortaleçam suas capacidades na solução dos problemas”

(Tenório, 2004, p. 17), indo ao encontro do que desejam para seu desenvolvimento, com a

garantia de ampla participação dos diferentes atores sociais em ação, em determinado

território, seja no nível local ou mesmo na região (Rover, 2001).

O território é compreendido “como espaço das relações sociais entre agentes, os

quais interagem num contexto condicionado pelos atores sociais com interesse local”

(Cançado et al., 2013, p. 315). Portanto, o território está relacionado com a integralidade

da ocupação do local pelo homem, que age ancorado pelo sentimento de pertencer a uma

rede de relações muitas vezes conflituosas e contraditórias, que nele coexistem (Gava,

2012).

É possível observar que as parcerias intersetoriais têm assumido grande

centralidade no mundo contemporâneo, configurando-se como um fenômeno mundial, pois

nota-se uma crescente expansão tanto das iniciativas de desenvolvimento baseadas nessa

forma de concertação entre os atores sociais como das plenárias sobre esse tema, em

diferentes continentes (Skwara, 2005). Todavia, a discussão sobre parcerias intersetoriais

Page 19: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

19

ainda é considerada um fenômeno relativamente recente nos estudos acadêmicos, e mesmo

nas avaliações de ações desenvolvidas por organismos internacionais, governos e

organizações da sociedade civil de atuação global. Seja no discurso dos atores sociais que

buscam construir parcerias intersetoriais, seja nos estudos realizados por acadêmicos,

observa-se a existência de uma verdadeira polissemia para se referenciar esse fenômeno,

tanto pelas diferentes abordagens como pelas conclusões às vezes opostas sobre a

importância, impactos e desdobramentos das parcerias intersetoriais para o

desenvolvimento sustentável dos territórios (Teodósio, 2008; Armisted, Pettigrew & Aves,

2007; Selsky & Parker, 2005).

A necessidade de se problematizar as parcerias intersetoriais a partir de modelos

teóricos que incorporem a discussão, tanto na esfera pública como na esfera privada, pode

levar à compreensão dos encontros e desencontros entre os atores nos processos de

desenvolvimento sustentável (Teodósio, 2008).

Comumente utilizada na literatura científica da administração pública, a

intersetorialidade é tratada como articulação entre diferentes órgãos de governo – federal,

estadual e municipal – e/ou órgãos dentro de um mesmo nível de governo, porém, no

espaço em que se dão as relações, essa abordagem vai além de um conceito que engloba

apenas as políticas sociais. Configura-se, também, como um mecanismo de interface com

outras dimensões, para auxiliar a organização e a regulação da interação entre diversos

segmentos sociais do território (Junqueira, 1998). A intersetorialidade pode ser

considerada, ainda, como a “articulação de saberes e experiências no planejamento,

realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas

visando ao desenvolvimento social, superando a exclusão social” (Junqueira, 1998, p. 14).

Apesar de apresentarem um caráter complexo, as parcerias são tidas como um

elemento essencial para o desenvolvimento sustentável, seja pelos praticantes do campo da

Page 20: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

20

gestão social e ambientalmente responsável, seja pelos estudiosos desse fenômeno. Muitas

vezes, podem dar vazão a movimentos sociais transformadores, mas dependendo do caso,

apresentam-se reativas e pouco consensuais, além de deterem baixa capacidade operativa e

se mostrarem contraditórias em relação ao próprio avanço da sustentabilidade nos

territórios. Nessa dinâmica de diálogo e debates entre diferentes atores, a tendência é que

as parcerias não revelem somente confluência e harmonia de interesses. Pelo contrário, que

também revelem conflitos importantes, que talvez possam configurar-se como promotores

de aperfeiçoamento das relações e de compartilhamento de ideais (Huxham, & Vangen,

2003).

Ao se considerar que os meios que levam ao desenvolvimento sustentável

demandam a ação de diferentes atores sociais na construção de uma governança nos

âmbitos ambiental, social e cultural, evidencia-se a necessidade de analisar os processos de

liderança e interação social em parcerias intersetoriais (Ospina, & Foldy, 2010; Milani,

2008; Selsky, & Parker, 2005; Huxham, & Vangen, 2003).

Neste sentido, Selsky & Parker (2005) sugerem que seriam valiosas a contribuição

de pesquisas que analisassem como os parceiros superam ou exploram as diferenças

setoriais, a ponto de desenvolver um entendimento mais aprofundado de sua realidade

local, aprendendo uns com os outros e/ou incentivando a aprendizagem das partes

interessadas. A busca da compreensão de como os processos de liderança podem favorecer

as parcerias intersetoriais configura, então, um modelo alternativo de governança

participativa e democrática (Ospina, & Foldy, 2010).

A literatura existente sobre o tema da liderança vem se concentrando, normalmente,

em analisar o comportamento humano e em determinar atributos individuais dos líderes, a

partir de estudos concentrados, principalmente, em organizações do setor privado

(Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007; Van Wart, 2013). Há décadas, uma ampla gama de

Page 21: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

21

proposições teóricas e abordagens sobre liderança tem visado entender esse fenômeno,

considerado como um dos temas mais complexos e multifacetados já investigados em

pesquisas sobre o comportamento humano e, talvez por causa disso, observa-se a ausência

de consenso sobre definições acerca do tema (Sant’Anna et al, 2011).

Estudos indicam que a liderança vem sofrendo uma constante mutação em razão de

novos contextos, ferramentas, concepções e diferentes demandas de variados atores sociais

(Van Wart, 2013). De acordo com Ospina & Shall (2001), são comuns as pesquisas sobre

liderança que produzem listas de como ser líder e de como se comportar como líder. Com

textos curtos e privilegiando determinadas áreas profissionais das esferas pública e privada,

em geral, a literatura sobre liderança ignora os resultados alcançados, especialmente, por

minorias, como também por outros atores sociais que trabalham em comunidades e na

sociedade civil (Ospina & Shall, 2001).

Em vista disso, o presente estudo não pretende discutir a liderança tendo como

unidade de análise o indivíduo ou o comportamento humano tomado isoladamente ou em

relação a pequenos grupos existentes na sociedade. Pelo contrário, nele, a liderança é

compreendida como o processo pelo qual a colaboração de várias pessoas se interconecta

em uma governança compartilhada, não sendo atributo de indivíduos ou consequência de

habilidades específicas de determinados atores sociais colocados em ação. Supostamente,

pode-se dizer que trata-se de uma ‘liderança sem líderes’, algo ainda pouco discutido na

literatura tradicional sobre o tema.

Alinhado a essa visão diferenciada daquela de viés comportamentalista focada no

indivíduo, este estudo explora, pois, a temática do processo de liderança como

transformação social permanente, a partir de outro marco teórico-compreensivo, entendido

como uma dinâmica de construção colaborativa coletiva, operada ou não com alternâncias

de liderança entre determinadas instituições, organizações e indivíduos (Castro, 2012;

Page 22: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

22

Crosby, & Bryson, 2010; Teodósio, 2008; Ospina, 2006; Vangen, & Huxham, 2003;

Ospina, & Shall, 2001).

Desta forma, ocorre que, apesar de alguns pesquisadores considerarem que o tema

da liderança em processos de parcerias intersetoriais tem recebido pouca atenção nos

estudos internacionais (Van Wart, 2013; Crosby, & Bryson, 2010; Ospina, & Foldy, 2005;

Selsky, & Parker, 2005; Huxham, & Vangen, 2003), nas últimas décadas, a abordagem

teórica do tema vem atraindo, cada vez mais, o interesse dos acadêmicos (Silvia, 2011;

Silvia, & McGuire, 2010; Ospina, Foldy & Goldman, 2008; Ospina, 2006; Selsky, &

Parker, 2005, Ospina, & Foldy, 2005; Ospina, & Foldy, 2010; Pettigrew, 2003; Vangen, &

Huxhan, 2003). Como uma mudança de paradigma, o ponto em comum dessas abordagens,

é que os autores consideram esse processo um tipo específico de liderança que favoreceria

a ação coletiva, e que atenderia expectativas de múltiplos atores sociais por meio da

dinamização de estruturas (Ospina, & Foldy, 2010, p.292) e habilidades sociais (Fligstein,

2007) nos territórios.

A liderança tratada aqui reflete, pois, um processo que pode ser desempenhado por

quantas pessoas puderem participar em um dado movimento, reconhecidas as diferentes

competências (Castro, 2012). De maneira metafórica, pode-se dizer, ainda, que a liderança

sai daquela

imagem heróica do maestro para a criativa e prazerosa imagem de uma roda de

chorinho ou de uma banda de jazz, onde todos podem brilhar, demonstrar suas

competências, fazer seus solos, improvisar e criar sem, qualquer que seja o instante,

perder a noção do todo (Castro, 2012, p. 1).

Mesmo ao considerar a importância da liderança nas parcerias intersetoriais e de

reconhecer a sua necessidade nas ações de desenvolvimento sustentável, alguns autores

também apontam para as dificuldades de colaboração no decorrer desses processos

(Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007). Pesquisadores relatam que tais dificuldades incluem

Page 23: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

23

o descompasso de agendas, a falta de confiança entre os atores e a vulnerabilidade para

lidar com manobras e/ou interesses políticos divergentes (Armistead, Pettigrew, & Aves,

2007; Vangen, & Huxham, 2003), evidenciando que, além de problemas na construção da

governança compartilhada, implementar processos de “liderança colaborativa envolve a

gestão de uma tensão entre ideologia e pragmatismo” (Vangen, & Huxham, 2003, p. 61).

No âmbito dos processos de liderança, a interação social pode, inclusive, favorecer

um tipo de governança compartilhada em contextos nos quais tanto o governo quanto a

sociedade civil e as empresas, tomados isoladamente, tendem a ser pouco eficazes. O que

se espera, como tendência da articulação ou parceria, entre atores das esferas do Estado,

sociedade civil e mercado, seria, então, a capacidade de articular com as diversas forças

sociais (Dowbor, 2002), resultando na boa governança e gestão social. Isso traria ganhos

em termos de fortalecimento do capital social presente nos territórios, caracterizado pela

confiança, formação de laços sociais e construção de realidades que podem favorecer os

valores, direitos e deveres da cidadania (Guerra, & Teodósio, 2012).

Entretanto, na construção dos processos de liderança e no exercício da cidadania,

ainda existem riscos de que o potencial de articulação e de aprendizagem pelo encontro

entre os diferentes atores seja mal compreendido, pouco associado e até mesmo decresça

na medida em que a diversidade dos saberes não seja reconhecida, valorizada e legitimada

concretamente. Investigar esses fenômenos, perceber esses riscos e tentar compreender as

possibilidades de minimizá-los constitui um interessante campo de pesquisa.

Cabe ainda destacar que o fenômeno da liderança, como processo de mudança

social, acontece de forma dinâmica, podendo ser discutido sob três níveis de análise: (i)

nível ‘macro’ – que propõe uma revolução no modelo e estrutura política (sistema

capitalista para o sistema socialista, por exemplo); (ii) nível ‘meso’ – focado nos campos e

nas esferas de convivência e interação entre diferentes atores para transformação social; e

Page 24: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

24

(iii) nível ‘micro’ – relacionado à mobilização de um indivíduo com seus pares ou em

organizações.

O que se propõe, neste estudo, é analisar a liderança no nível ‘meso’, assumindo

que as relações sociais acontecem dentro de campos. Com base na teorização desenvolvida

por Bourdieu (1977, p. 64): “os campos se referem a situações nas quais grupos

organizados de atores se reúnem e desenvolvem suas ações recíprocas face a face”.

Neste sentido, tendo como base as ideias de Ospina et al (2001), a proposta ora

apresentada pretende ampliar a visão de liderança como um processo de mudança que

exige compreender como o desenvolvimento pode ser estimulado a partir da experiência

dos envolvidos, trazendo conteúdos ignorados pelos estudos tradicionais, por considerar

ser possível desenvolver conhecimentos novos válidos, a partir da vivência dos atores

sociais investigados.

Além disso, destaca-se nesta abordagem, a compreensão de que a liderança em

dinâmicas de articulação da sociedade civil, mesmo que em determinados momentos seja

protagonizada por determinados indivíduos, deve ser estudada não através dos atributos e

posturas desenvolvidas pelas pessoas em sua interação social, e sim pelos processos de

convergência e construção de visões de mundo comuns que inspiram e que organizam a

práxis social de múltiplos atores, favorecendo sua colaboração para a intervenção e

transformação social e ambiental das comunidades e da sociedade (Ospina, Godsoe, &

Shall, 2001).

Assim sendo, partindo de uma abordagem teórica que evidencia os paradoxos

intrínsecos no ambiente de interação social, esse estudo pretende responder à seguinte

questão: como ocorrem os processos de liderança nas parcerias intersetoriais para o

desenvolvimento sustentável de um território?

Page 25: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

25

1.1 Objetivos

Tomando-se como pressuposto o exercício de uma ‘liderança sem líderes’,

objetiva-se, com a presente pesquisa, discutir a liderança como um processo social,

analisando até que ponto a cooperação entre os atores sociais estimularia (ou não) a criação

e a dinamização de processos integrados, que possam contribuir positivamente para o

desenvolvimento sustentável no território.

1.1.1 Objetivo geral

Investigar os processos de liderança nas parcerias intersetoriais estabelecidas no

Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC) para o desenvolvimento sustentável da

cidade de Pedro Leopoldo-MG.

1.1.2 Objetivos específicos

Para o alcance do objetivo proposto, buscou-se: (i) identificar a interação de atores

da sociedade civil, empresas e governo no Comitê de Desenvolvimento Comunitário

(CDC); (ii) analisar os fatores que influenciam os processos de liderança no Comitê de

Desenvolvimento Comunitário (CDC); e (iii) discutir como os processos de liderança

afetam a construção das parcerias intersetoriais para o desenvolvimento sustentável de

Pedro Leopoldo-MG.

1.2 Justificativa

O interesse desta autora pelo tema da pesquisa surgiu da sua experiência

profissional, ao longo de quatorze anos de atividade em consultoria e treinamento na área

Page 26: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

26

de responsabilidade social e voluntariado empresarial. Nesse período, a partir de relatos de

pessoas pertencentes às empresas e entidades do terceiro setor, observou-se como notória a

distância que separava as empresas dos diversos públicos com os quais se relacionavam.

Ao mesmo tempo, era possível perceber o seu alto potencial de articulação colaborativa

com as outras esferas da sociedade para coprodução e promoção do desenvolvimento

sustentável nos territórios.

A partir de tal observação, foi possível concluir que as fronteiras que uniam

empresas e públicos denotavam um ‘alto grau de miopia social’, impondo um desafio de

mudança que apontava para as possibilidades de uma sistematização de parcerias entre

comunidades, instituições sociais e governos, de maneira colaborativa e permanente, para

tratar das questões que envolviam governança e desenvolvimento sustentável no território.

Desta forma, para investigar, analisar e compreender os fenômenos sob a ótica dos

atores envolvidos no desenvolvimento sustentável do território onde vivem, elegeu-se

como objeto desta pesquisa o Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC) de Pedro

Leopoldo-MG, um município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH),

localizado a 42 quilômetros da capital mineira. Segundo o censo de 2012, com uma

população de 58.740 habitantes, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do

município registrou a marca de 0,807 (2013), o que o posiciona no ranking das cidades do

país com um IDH elevado. Economicamente, Pedro Leopoldo é marcado pela presença de

extração de calcário para produção de cimento, sendo considerada como a terceira maior

cidade produtora de cimento no Brasil2.

Formado por representantes do governo, empresa e sociedade civil, a saber, a

prefeitura de Pedro Leopoldo, a InterCement e representantes da comunidade, o CDC foi

constituído em 2007 como projeto piloto de investimento social privado por iniciativa do

2 Em 2010, o Brasil foi considerado o sexto produtor em cimento, atrás apenas da China, Índia, EUA,

Turquia e Irã (SNIC, 2013).

Page 27: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

27

Grupo Camargo Corrêa, através do seu braço social Instituto Camargo Corrêa (ICC). A

proposta da empresa é construir e executar projetos voltados para interesses e demandas da

população local, a serem financiados pelo ICC, visando sua posterior transformação em

políticas públicas, a partir dos resultados alcançados.

No entanto, tem-se que, ao longo de sua presença em Pedro Leopoldo-MG, a

InterCement – empresa do grupo – vem sendo vista com ceticismo e desconfiança por

parte da sociedade civil, em razão do posicionamento adotado no espaço de sua

responsabilidade social, marcada por um histórico de impacto ambiental no território e de

desdobramentos sociais negativos, pois advindos, sobretudo, de processos de demissão em

massa após a reestruturação dessa sua unidade industrial. Após um período de

distanciamento, o diálogo com a comunidade foi retomando por meio de ações de

investimento social com foco em geração de valor compartilhado e capital social, como

estratégias de relacionamento com o poder público e a sociedade civil local (Werneck et al.

2012). Diálogo que vem sofrendo rupturas a serem avaliadas neste estudo.

1.2 Metodologia textual

Este estudo foi estruturado em três capítulos: o primeiro, aborda o

desenvolvimento sustentável no território, a partir da compreensão mais ampla de

desenvolvimento, envolvendo o diálogo e a colaboração entre os diversos atores sociais, a

ser pautado pelas dimensões econômica, social, cultural, política e ambiental da sociedade.

Na sequência, tem-se a abordagem das parcerias intersetoriais para

desenvolvimento sustentável, baseada na discussão das possibilidades, limites e desafios

como meio de construção de diálogo e interação social entre representantes do governo,

empresas e sociedade civil de forma colaborativa e participativa.

Page 28: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

28

E o terceiro capítulo trata dos processos de liderança como dinâmica social não

linear, permeada por uma governança compartilhada entre distintos segmentos da

sociedade marcados por diferentes interesses, racionalidades e formas de ação na

promoção do desenvolvimento sustentável do território.

Page 29: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

29

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Desenvolvimento sustentável dos territórios: a articulação entre atores

O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de

liberdade, que limitam as escolhas e as oportunidades das

pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente.

AMARTYA SEN

No preâmbulo da Carta da Terra (2000), os propósitos com relação ao amplo

compromisso com o desenvolvimento sustentável e a perpetuação da humanidade são

claros, pois não deixando dúvidas quanto à importância de se buscar a qualidade da

convivência entre os povos em seus territórios, que pode ocorrer de inúmeras maneiras,

inclusive, por meio de colaboração participativa, ao propor que:

[...] devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no

respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e

numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos

da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande

comunidade de vida e com as futuras gerações. (Carta da Terra, 2000).

Segundo Sen (2010), o desenvolvimento com sustentabilidade exigiria que os

arranjos de convivência social eliminassem as principais fontes de privação de liberdade

humana, que estariam relacionadas com a pobreza extrema, falta de oportunidade

econômica, exclusão social, intolerância, tirania e/ou repressão do Estado. No mundo atual,

verifica-se que a negligência com as liberdades elementares atinge um grande número de

pessoas, trazendo decisivos obstáculos aos processos de desenvolvimento sustentável dos

territórios (Sen, 2010). Entretanto, é recente o interesse por pesquisas sobre o

desenvolvimento na dimensão territorial ou espacial (Abramovay, 2009). Nesse cenário, a

dimensão territorial está relacionada com algo além de uma demarcação de um espaço

físico, por envolver, também, um espaço de relações entre indivíduos dos diferentes setores

da sociedade.

Page 30: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

30

Nesse processo de inter-relações sociais dos diferentes atores, quais podem ser os

caminhos que a sociedade civil, os governos e os mercados, de maneira integrada, podem

efetivamente trilhar para gerar desenvolvimento sustentável do território? Em outras

palavras, “como obter novas formas de parceria entre o Estado, a sociedade civil e o

mundo dos negócios, de forma a fortalecer e realizar todo o potencial das iniciativas locais

e das ações civis” (Sachs, 1997, p. 223), de forma que se deflagre um movimento virtuoso

nos territórios?

Acompanhado de uma diversidade de significados e usos, o desenvolvimento

sustentável sofre com o fato de que muitas pessoas ainda o relacionam, de forma limitada,

à conservação ambiental ou redução da poluição ambiental (Lélé, 1991). Na mesma linha,

Baroni (1992) argumenta que, muitas vezes, os termos sustentabilidade ecológica,

desenvolvimento sustentável e sustentabilidade são usados com os mesmos sentidos,

embora tenham significados distintos.

Na abordagem sobre o “desenvolvimento sustentável” deste estudo, esta expressão

estará sempre associada ao exercício do diálogo e à colaboração entre os diversos públicos

de interesse (Lélé, 1991). Considerado por alguns autores como o criador do termo

ecodesenvolvimento (Baroni, 1992; Dowbor, 2001), Ignacy Sachs (1997) defende que o

desenvolvimento sustentável é um conceito abrangente, que envolveria as “dimensões

ética, política, social, ecológica, econômica, cultural e territorial, todas elas

sistematicamente inter-relacionadas e formando um todo” (Sachs, 1997, p. 216). Entende-

se, dessa forma, que o desenvolvimento sustentável pode estar relacionado à promoção da

equidade social, com a participação das comunidades por meio da governança participativa

e promoção de atividades econômicas, que fortaleçam e contribuam para a melhoria desta e

outras dimensões da vida e da convivência no território.

Page 31: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

31

Na Conferência de Otawa, em 1986, foi divulgada a definição de desenvolvimento

sustentável adotada, então, pela World Commission on Environment and Development

(WCED), na qual se afirma que: “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que

satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as habilidades das futuras gerações

de satisfazerem suas necessidades” (Baroni, 1992, p. 16). Essa noção vem sendo adotada

por uma série de agências internacionais tais como: Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente (PNUMA), a International Union for Conservation of Nature (UICN), o

World Wildlife Fund (WWF), o Word Bank, a United States Agency for International

Development (USAID), a Swedish International Development Cooperation Agency

(SIDA), a Canadian International Development Agency (CIDA) e “organismos de pesquisa

e fomento como o World Resources Institute (WRI), o International Institute for

Environment and Development (IIED), o Worldwatch Institute (WWI) e grupos

ativistas como o Global Tomorrow Coalization” (Baroni, 1992, p. 16).

Embora alguns autores o conceituem também como desenvolvimento local, o

desenvolvimento sustentável vem sendo considerado como aquele que pode ser continuado

por tempo indeterminado (Lélé, 1991). Além disso, como o desenvolvimento em si, é

considerado um processo de mudança ou transformação.

Assim, o “desenvolvimento sustentável seria o processo de ampliação permanente

das liberdades substantivas dos indivíduos” (Abramovay, 2010, p. 35). E nessa linha,

pesquisas indicam que para promover o desenvolvimento sustentável seria preciso ações

conjuntas e participativas, convergentes para fins coletivos, voltados para a obtenção de

resultados mais abrangentes e que envolvam um projeto de transformação consciente da

realidade local (Abramovay, 2009; Dowbor, 2006; Milani, 2005; Favareto, 2004).

Milani (2005) e Favareto (2004) utilizam, em seus artigos, o termo

‘desenvolvimento local’. Mas para efeito deste estudo, ‘local será considerado com o

Page 32: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

32

mesmo sentido conceitual de ‘desenvolvimento sustentável’, por entender que tal

desenvolvimento só acontece efetivamente no local ou no território. Dessa forma, quando

se diz que há desenvolvimento sustentável, infere-se que este é local. Além disso, cabe

destacar que apenas os territórios poderiam alcançar a sustentabilidade, e não os atores

sociais, isoladamente. Neste sentido, sustentabilidade não seria um atributo específico das

organizações, cujo alcance se daria de forma independente dos demais atores em ação na

localidade ou território.

Por mais diversificado que o termo ‘desenvolvimento sustentável’ ainda se

apresente, os seus mais diversos entendimentos destacam a necessidade do envolvimento

de diferentes atores sociais com uma proposta de transformação efetiva do território, por

meio de um processo de governança participativa que fortaleça o capital social da

comunidade (Abramovay, 2010; Dowbor, 2001; Sachs, 1997). Acredita-se que essa

associação pode se dar por meio de processos de liderança e parcerias intersetoriais que,

através da mobilização de pessoas, organizações e instituições, provocariam movimentos

com potencial de gerar resultados em termos de bem-estar coletivo nos territórios.

Para promover o desenvolvimento e a prosperidade, os laços e as conexões

presentes em uma dada região seriam fundamentais para vincular e interconectar os atores

entre si, formando as chamadas “redes territoriais” (Vale, 2006). Dessa forma, no

território, o capital social poderia se manifestar por meio das redes sociais e de condutas de

confiança que “[...] facilitam a coordenação e a cooperação, tornando possível a ação

coletiva, de natureza voluntária, para benefício mútuo, no interior dos grupos e das

organizações” (Vale, 2006, p. 138). As mobilizações, que se articulariam em um espaço

geográfico concreto, poderiam favorecer iniciativas nas quais o relacionamento direto entre

os atores promovesse articulações criativas em um bairro, cidade ou região (Dowbor,

2006).

Page 33: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

33

Conforme citado por Miles et al. (2005), o capital social necessita de um propósito,

de um local para efetivamente acontecer. Será, então, no território, que as relações sociais

poderão acontecer, a fim de favorecer o capital social em um espaço de convergência de

interesses para alavancar o desenvolvimento sustentável?

Bourdieu (1977) define capital social como o conjunto de relações e também de

redes de ajuda mútua, que podem ser mobilizadas efetivamente para beneficiar o indivíduo

ou a classe social. O capital social também pode ser considerado como a capacidade de

organização de uma dada sociedade, ou seja, a capacidade das pessoas de estabelecerem

atitudes em torno de interesses comuns (Paula, 2001). Outros autores como James

Coleman, Michael Woolcock e Henrique Rattner também abordam o capital social como

redes de compromisso pela cidadania, de relacionamento com confiança mútua e de ricas

formas de poder associativo (Milani, 2005).

A presença de capital social, caracterizado por atributos como confiança e formação

de laços sociais, adicionado a valores cívicos em dada comunidade, pode levar à

construção de realidades sociais propícias ao desenvolvimento sustentável. Essa

dinâmica de construção de capital social encontraria lastro na ação social por meio

de fenômenos e dinâmicas de sociabilidade problematizadas pelas noções de

habilidade social (Guerra, & Teodósio, 2012, p. 26).

Nahapiet e Ghoshal (Werneck, Travassos, & Alvim, 2012) definiram três

dimensões do capital social, conforme Quadro 1.

Page 34: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

34

Quadro 1

Dimensões do capital social

DIMENSÕES DO CAPITAL SOCIAL

DESCRIÇÃO

Estrutural: Diálogo – Talking

Configuração da rede na qual a relação se insere (bonding,

bridging, linking) - O quanto as partes se falam? O

relacionamento contribui para unir o grupo, fazer ponte entre

grupos ou vincular o nível local a outro nível?

Relacional: Confiança – Trusting

Confiança, reciprocidade e relacionamento - A relação se

caracteriza por confiança mútua, normas e obrigações

compartilhadas, reciprocidade ou identificação mútua?

Cognitivo: Pensamento – Thinking

Quadros comuns que facilitam o entendimento mútuo e o

planejamento colaborativo - As partes compartilham paradigmas,

códigos, linguagem, narrativas, valores, objetivos ou visões de

futuro?

Nota. Fonte: Nahapiet & Ghoshal (1998).

De forma complementar, o fortalecimento do capital social promoveria o sentido de

empoderamento, que pode se refletir em maior comprometimento e participação dos

envolvidos. Através do diálogo e de relações de confiança entre as pessoas e do

compartilhamento de ideais, poderia surgir um campo de cooperação para mudança social,

e isso poderia gerar, por consequência, um potencial ciclo virtuoso de comportamento

entre os envolvidos (Vangen, & Huxhan, 2003).

No decorrer dessa trajetória, entretanto, será preciso questionar: “o que deve ser

sustentável? Por quê? Para quem? São perguntas-chave que devem ser respondidas e

determinadas socialmente” (Baroni, 1992, p. 20). Será preciso considerar, ainda, que o

desenvolvimento em si não é consequência automática ou decorrência do crescimento

econômico (Sen, 2010; Milani 2005), pois é comum encontrar diferentes abordagens sobre

crescimento e desenvolvimento econômico e, também, visões de senso comum baseadas

Page 35: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

35

no pressuposto de que se a economia de determinado território estiver bem, o avanço

social, ambiental e cultural seguirá automaticamente (Abramovay, 2010).

Como afirma Sachs, “o rápido crescimento econômico, através de seus efeitos de

propagação, deveria supostamente assegurar prosperidade” (1997, p. 214). Sabe-se, porém

que, na contra mão do desenvolvimento, há exemplos de municípios onde o aumento de

atividade econômica trouxe, também, aprofundamento das desigualdades sociais, além de

outros conflitos e externalidades negativas (Fundação Getúlio Vargas, 2010), demostrando

que tais atividades podem resultar em um “crescimento ambientalmente destrutivo, mas

socialmente benéfico, ou em crescimento ambientalmente benéfico, mas socialmente

destrutivo” (Sachs, 2004, p. 15). Diz-se, então, que uma comunidade tende a se

desenvolver, quando explora de forma dinâmica as suas competências, articulando seus

interesses em prol de objetivos comuns e compartilhando interesses em prol da promoção

da sustentabilidade dos territórios (Dowbor, 2006; Milani, 2005, Selsky, & Parker, 2005).

O alcance de resultados efetivos nas dimensões social, econômica e ambiental tem

apresentado como denominador comum tanto a necessidade como, também, a dificuldade

de se operar a transformação sociopolítica dos territórios, a partir dos marcos constitutivos

da gestão social, que se insere no campo das lutas para a democratização do poder, a

redução das desigualdades sociais e o compartilhamento de responsabilidades e direitos

(Dowbor, 2012).

Na busca do desenvolvimento sustentável, sabe-se que não basta trabalhar na

superfície dos problemas sociais, e muito menos realizar intervenções com metodologias

que possam criar, nas comunidades, a dependência de projetos sociais desenvolvidos,

apenas, pelo setor privado ou, isoladamente, pelo governo ou sociedade civil (Fisher, 2002;

Teodósio, 2008). Por isso, a ação das organizações da sociedade civil não poderia

configurar-se como uma instância substitutiva das políticas públicas, apesar de muitas

Page 36: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

36

vezes iniciar sua ação em contextos onde o Estado e/ou a empresa estão pouco atuantes ou

não respondem adequadamente às demandas da sociedade (Dowbor, 2002).

Nesta perspectiva, o crescimento econômico não pode ser mais considerado como a

busca cega pelo crescimento por si só, e sim uma expansão das forças produtivas da

sociedade, cuja finalidade seja o alcance dos direitos civis plenos por toda a população. O

crescimento econômico torna-se, assim, vinculado a uma meta social específica que pode,

inclusive, exigir uma intervenção do Estado frente à atuação autônoma das forças de

mercado. Supostamente, esse novo contrato social daria à teoria econômica um propósito

ético, transformando-a de ciência utilitária e excessivamente individualista em ciência

deontológica (Sachs, 1997; Abramovay, 2010).

É interessante destacar que, como ciência deontológica, o pensamento econômico

ampliaria sua compreensão sobre os princípios morais que orientam os deveres e valores,

que também se tornam elementos importantes na ação social desenvolvida pelos atores de

mercado, que agiriam não necessariamente motivados por interesses autorreferenciados ou

egoístas e privados (Abramovay, 2010). Em consonância, inclusive, com os princípios da

Carta da Terra (2000), a participação social nos territórios e as parcerias intersetoriais

reafirmam sua importância, na medida em que promovem o compartilhamento de

interesses pelo bem da coletividade.

No âmbito do setor privado, a qualidade da participação social tem como pré-

requisito a maneira como as empresas se relacionam com as dimensões socioambientais,

ou seja, ampliando sua ação para além da seleção de tecnologias, preços e procedimentos

produtivos (Abramovay, 2009). Para Sachs, Lopes e Dowbor (2010, p. 14), “Já se foi o

tempo em que se acreditava em projetos ‘paraquedas’: o desenvolvimento funciona quando

é participativo, com um razoável equilíbrio entre o fomento externo e a dimensão

endógena do processo”. No mundo contemporâneo, muitas organizações empresariais

Page 37: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

37

parecem estar mais propensas a reconhecer que existe uma dependência mútua entre

governo e sociedade civil, o que passa pela formação de valores partilhados (shared

values), de forma a abrir um caminho para reduzir os conflitos potenciais que podem

enfrentar (Abramovay, 2009).

Ao longo do processo sócio-histórico dos territórios, a construção do poder local

pode provocar disputa pelos arranjos de governança em espaços onde se organiza a vida

dos cidadãos (Spink, 2001). No contexto da responsabilidade socioambiental, as empresas

aparecem na sociedade como um componente integrado a ela própria:

A ideia de que objetivos humanos emancipadores só podem ser alcançados fora do

âmbito daquilo que se faz no mercado se apoia no mito de que a economia existe

fora da sociedade, e que a produção material é e deve ser autônoma com relação a

valores e escolhas sociais baseadas em valores. A responsabilidade socioambiental

do setor privado só pode ser compreendida à luz da inserção das empresas, do

mercado, do sistema de preços e da economia no mundo social. (Abramovay, 2009,

p. 14).

Nesse sentido, o território é assumido como um espaço de atuação dos atores e

construção de articulações que constituem etapa fundamental na promoção do

desenvolvimento sustentável (França et al., 2004). Partindo dessa visão, pode-se interpretar

o desenvolvimento sustentável como algo que venha ser completo e global, propondo uma

melhoria integral, ou seja, um desenvolvimento que envolva todas as diferentes dimensões

sócio-espaciais dos territórios, de forma inter-relacionada, sejam elas a vida social e

cultural, a dinâmica política, a atividade econômica ou o patrimônio ambiental (Sachs,

1997).

Historicamente, registros mostram que a interação em bases mais participativas e

democráticas das empresas com a sociedade civil e governos locais, nos territórios em que

atuam, vem caminhando de forma ainda tímida. Segundo Abramovay (2003), Weigand

Júnior (2003) concluiu em uma pesquisa, com base em quarenta experiências de

desenvolvimento territorial no Brasil, que apenas três delas registraram a participação de

Page 38: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

38

empresas no processo. O mesmo se observou em experiências de desenvolvimento local na

Colômbia, no México e no Equador, mostrando que as empresas ainda não faziam parte do

universo social do desenvolvimento territorial (Abramovay, 2003).

Por essa ótica, é possível imaginar algumas vantagens na participação das empresas

situadas no mesmo território, para somar esforços que viabilizem um processo avançado de

articulação social com os demais atores das esferas de governo e sociedade civil, em prol

do desenvolvimento sustentável. Além das possibilidades de transformação social,

empresas, governo e sociedade civil, juntos, poderiam assegurar, também, mais

investimentos e geração de renda, além da possibilidade de agregar valor à comunidade,

fornecer orientação especializada e somar esforços para a sustentabilidade (Fischer,

Fedato, & Belasco, 2005). É possível dizer, ainda, que o compromisso com

desenvolvimento sustentável envolve fatores sociais, culturais e políticos que não se

regulam, exclusivamente, pelo sistema de mercado, e sim pela dinâmica sócio-espacial do

território em que se situam as organizações empresariais (Milani, 2005).

Alguns estudos demonstram, ainda, que a dificuldade em manter o diálogo entre

sociedade civil, empresas e governo reside na necessidade de se identificar lideranças

locais e promover a prática da cidadania por meio de argumentos legitimados e acessíveis a

toda sociedade, “estimulando-a a gerir e instituir mecanismos de auto-regulação por

estabelecimento de uma liderança que se fundamente em critérios transparentes, baseada

em uma forma de distribuição justa do poder local” (Fischer, Fedato & Belasco, 2005, p.

23).

Experiências em outras partes do mundo vêm mostrando, também, que o interesse

individual dos cidadãos na melhoria local só funciona, efetivamente, quando amparado no

avanço integrado do território (Sachs, Lopes, & Dowbor, 2010). Os autores afirmam,

ainda, que o acesso aos recursos para estruturação de entidades locais de promoção do

Page 39: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

39

desenvolvimento poderia fornecer uma base organizacional para avanços mais

equilibrados. As entidades locais poderiam ser similares, por exemplo, aos Conselhos de

Direitos, às associações de bairros ou mesmo a grupos como o Comitê de

Desenvolvimento Comunitário (CDC), objeto de investigação desta pesquisa.

Nesse sentido, analisar o modo de convivência e colaboração dos atores nos

territórios torna-se relevante para o alcance do desenvolvimento sustentável, na medida em

que permite aliar parcerias intersetoriais e processos de liderança, criando mecanismos de

uma estratégia participativa de relacionamento entre diferentes grupos sociais que se

encontram no território (Clark & Full, 2010). Porém, é preciso analisar, também, a

convergência de interesses que possam alimentar os motivos que estejam influenciando

essa estratégia de colaboração participativa no território (Armistead, Pettigrew, & Aves,

2007). Essa colaboração participativa pode ser compreendida como uma dinâmica na qual

o cidadão se envolve na decisão e assume o compromisso da execução das ações, de forma

contínua e corresponsável com aqueles que também participaram do processo. Porém,

acredita-se que o desenvolvimento sustentável será alcançado, quando permitir a sua

apropriação pelas comunidades, sendo que a mobilização dessas capacidades seria vital

para, efetivamente, gerar um desenvolvimento participativo (Sachs, Lopes, & Dowbor,

2010).

Algumas abordagens e estudos no campo das ciências sociais estão adotando a

noção de governança no âmbito da participação social, destacando o papel dos cidadãos na

colaboração do processo sócio-político, desde a identificação dos problemas até a

avaliação dos resultados (Tenório, 2004). Segundo Fischer (2002), a ideia que dá

significado e caracteriza uma ‘boa gestão’ é a de governança. A noção de boa governança

vem intrinsecamente associada à capacidade governativa, passando a ser requisito

indispensável para um desenvolvimento sustentável, na medida em que permitiria a

Page 40: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

40

incorporação ao crescimento econômico das dimensões da equidade social e da promoção

dos direitos humanos (Costa, 2008).

Originalmente, o termo governança foi utilizado, na década de 1930, em análises no

âmbito das empresas. A partir da década de 1970, a expressão foi utilizada no âmbito de

governo, para tratar de análises da capacidade de governabilidade e gestão de recursos

públicos (Cançado et al., 2013). Porém “na última década do século XX, a abordagem

ampliou-se ainda mais, passando a ser focalizada tanto na capacidade do Estado quanto da

iniciativa privada e da sociedade civil como atores do desenvolvimento” (Cançado et al.,

2013, p. 324). A governança, enfatizada pela natureza democrática, abrangeria os

“mecanismos de participação, de formação de compromissos ou pactos e de envolvimento

da sociedade civil no processo de desenvolvimento” (Cançado et al., 2013, p. 325).

Historicamente, o termo governança foi resgatado no final da década de 1980 pelas

agências internacionais de auxílio ao desenvolvimento, ligadas ao Banco Mundial

(Carrion, & Bauer, 2011). Nesse sentido, a governança tem sido considerada um termo

plural, que “compreende não apenas a substância da gestão, mas a relação entre os agentes

envolvidos, a construção de espaços de negociação e os vários papéis desempenhados

pelos agentes do processo” (Tenório, 2004, p. 2).

Pimentel e Pimentel (2010, p. 15) sugerem que a governança seja tratada, também,

como governança territorial, e enfatizam a importância da ação coletiva organizada como

uma estratégia de articulação dos atores sociais, alinhada com princípios participativos e

democráticos. Já a governança territorial, segundo os autores, pode ser vista como uma

forma de provocar os atores sob a ótica do espaço em que atuam e vivem, e articulá-los

para gerenciar coletivamente os bens públicos (Pimentel & Pimentel, 2010). Ao citar o

termo governança territorial não se está considerando somente os atores que atuam ou

residem num determinado território, e sim “os atores com poder de intervenção no

Page 41: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

41

território, oriundos de outras escalas territoriais, que intervêm no processo de

desenvolvimento e construção do espaço local” (Cançado et al., 2013, p. 332).

Entretanto, a governança demanda maiores esclarecimentos e problematização,

particularmente, no âmbito das perspectivas de ação coletiva, que buscam romper as

fronteiras da vida privada para promover o bem comum. Trata-se de uma “categoria

analítica, associada a conceitos como participação, parceria, aprendizagem coletiva,

regulação, sinônimo de ‘bom governo’, enfim, um guarda-chuva para as boas práticas [...]

de desenvolvimento local e regional” (Fisher, 2002, p. 26).

Quando se trata de governança, refere-se a uma forma compartilhada de governo

e/ou gestão como uma nova arquitetura de articulações sociais, que pode ser associada às

parcerias de diversos tipos, convênios entre diversas instituições, consórcios

intermunicipais, acordos, contratos ou até simplesmente um espaço informal de

articulação. O fato é que o ponto chave de renovação da governança é a decisão conjunta e

participativa de atores que, até então, agiam isoladamente (Dowbor, 2002). A governança

compartilhada é interpretada, neste estudo, como um fenômeno capaz de gerar uma gestão

social pautada pelo diálogo entre os diferentes atores representantes das três esferas da

sociedade (Estado, empresas privadas e sociedade civil).

Experiências pelo mundo têm mostrado que o interesse individual das pessoas por

seu progresso opera melhor, quando ancorado no desenvolvimento integrado do território

(Sachs, Lopes, & Dowbor, 2010). Conforme o Relatório Mundial sobre o Setor Público,

elaborado pelas Nações Unidas em 2005, houve a evolução de uma visão tradicional da

administração pública para uma visão mais moderna (Tabela 2), que o relatório chama de

governança participativa ou responsive governance (Sachs et al., 2010).

A responsive governance, que traduzimos aqui por governança participativa, está

baseada numa proposta mais pública, onde as chefias escutam melhor o cidadão, e

onde é a participação cidadã, através de processos mais democráticos, que assegura

Page 42: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

42

que os administradores sejam mais eficientes, [...] mais afinados com o que deles se

deseja. É a diferença entre a eficiência autoritária por cima, e a eficiência

democrática pela base. A eficiência é medida não só no resultado, mas no processo.

(Sachs et al., 2010, p. 10).

No Quadro 2 são apresentadas diferentes abordagens orientadoras da gestão

pública, com suas implicações para a governança e a relação estabelecida entre Estado e

sociedade.

Quadro 2

Evolução da noção de governo

Administração pública Nova gestão pública Governança participativa

Relação Cidadão-Estado

Obediência Credenciamento Empoderamento

Responsabilidade da

Administração Superior

Políticos Clientes Cidadãos, atores

Princípios Orientadores Cumprimento

de leis e regras Eficiência e resultados

Responsabilidade,

transparência e

participação

Critério para Sucesso

Objetivos quantitativos Objetivos qualitativos Processo

Atributo Chave

Imparcialidade Profissionalismo Participação

Fonte: UN, World Public Sector Report (2005, p. 7).

Na definição dos rumos do desenvolvimento do território, pressupõe-se que deve

haver um estímulo para a participação e articulação de relações intersetoriais de diálogo, de

forma a canalizar a participação dos atores em espaços públicos, como fóruns, conselhos e

assembleias, e influenciar as dinâmicas sociais para que se complementem e se reforcem

mutuamente. A partir daí, a governança participativa pode acontecer nos espaços onde há

concentração de interesses para a tomada de decisão, garantindo que a participação não se

circunscreva ao âmbito de um determinado projeto. Trata-se, pois, de

uma evolução que busca a construção de uma capacidade real de resolução de

problemas através das pactuações necessárias com a sociedade, pois realmente

existente. Esta sistematização de tendências mundiais vem dar maior credibilidade

Page 43: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

43

aos que lutam pela reapropriação das políticas pela cidadania, na base da sociedade,

em vez da troca de uma solução autoritária por outra. (Sachs et al., 2010, p. 11).

Por esse contexto, o local vem se tornando mais valorizado, e por meio da

governança, a própria sociedade vem conquistando espaços, e sendo chamada a conduzir

os próprios rumos em busca do desenvolvimento sustentável. Esse protagonismo pode

ampliar o olhar dos atores sociais para além do município, o que possibilitaria entender as

dinâmicas da cidade sob uma ótica de território. O processo contínuo de governança

poderia garantir, ainda, a transparência e a legitimidade em um sistema compartilhado, no

qual o capital social e a confiança se perpetuem e se reforcem.

Nesta busca, talvez seja possível identificar as formas de colaboração com que

diferentes atores possam desenvolver um senso de liderança e autonomia em relação às

ações desenvolvidas no território e, também, vislumbrar novas maneiras de articular

alianças, unir esforços e responsabilidades em uma governança compartilhada para

alcançar o desenvolvimento sustentável (Selsky, & Parker, 2005).

2.2 Parcerias intersetoriais: modelos de análise, perspectivas e desafios

Em vez de buscar uma unidade utópica, precisamos valorizar

relações sociais que não anulem as diferenças3.

RICHARD SENNETT

Ao longo de vinte anos, estudiosos têm notado um significativo aumento da

consolidação de parcerias intersetoriais, principalmente, nos âmbitos da governança

pública em estados e municípios (Silvia, 2011). Como resultado das falhas na prestação de

serviços sociais e da falta de boa governança em diferentes países, governos têm estado

3 Frase registrada em entrevista com Richard Sennett, por telephone, para O Globo, em 11 de agosto de 2012.

Recuperado de http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/08/11/temos-que-valorizar-diferenca-

entrevista-com-richard-sennett-459740.asp.

Page 44: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

44

sob pressão, havendo expectativas, cada vez mais elevadas, para preencher tais lacunas

(Amadi, & Abdullah, 2011). Com isso, nas últimas décadas, a parceria intersetorial tem

sido considerada por organismos internacionais, governos e OSC, bem como por parte da

literatura acadêmica, como um dos principais fatores de interlocução para governança e

formulação de políticas públicas em escala local (Milani, 2008; Silvia, 2011).

O uso de termos como ‘rede’, ‘alianças’, ‘cooperação’, ‘colaboração’ e

‘participação’ aparecem em contextos bem semelhantes aos da parceria, sendo que alguns

autores consideram os termos ‘parceria’ e ‘colaboração’ também como sinônimos

(Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007). Selsky & Parker (2005) citam que diversos autores

relacionam ‘parceria’ com diferentes denominações como ‘parcerias sociais’, ‘parcerias

intersetoriais’, ‘alianças sociais’, ‘alianças para problemas de gestão’ e ‘parcerias

estratégicas’, sendo que esses termos podem ser usados, ainda, para descrever,

ambiguamente, uma parceria com qualquer entidade ou método de trabalho (Armistead,

Pettigrew, & Aves, 2007).

Diante da multiplicidade de significados em torno do termo ‘parceria’, torna-se

importante, então, delimitar os tipos focados neste estudo. Neste sentido, para efeito desta

pesquisa, a ‘parceria’ será considerada como o mecanismo de colaboração que envolve

alguma forma de governança por meio de prática ‘intersetorial’ e ‘inter-organizacional’

(Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007), ou seja, que envolva interação social entre atores

representantes dos múltiplos setores da sociedade (setor público, setor privado e setor da

sociedade civil) para o alcance de objetivos voltados ao desenvolvimento sustentável no

território. Assim, o termo ‘parceria intersetorial’ será tratado como o mecanismo de

colaboração que envolve alguma forma de governança construída de forma compartilhada

entre atores de esferas distintas da sociedade (governo, mercado e sociedade civil)

(Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007). Vangen & Huxham (2003, p. 63) enfatizam: “é

Page 45: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

45

mesmo uma terminologia de sentido básico sujeita a várias interpretações, não havendo

consenso sobre o seu significado, podendo ser entendido como parceria, aliança,

colaboração, rede ou relação interorganizacional”.

O levantamento da literatura científica indica que as parcerias intersetoriais

apresentam múltiplos sentidos, sendo que alguns pesquisadores apontam para a

necessidade de estudos sobre experiências concretas de parcerias para avançar a

compreensão desse fenômeno (Teodósio, 2008; Selsky, & Parker, 2005). Apesar desta

relevância, há relatos que apontam para a pouca informação, orientação ou evidências

sobre como as parcerias funcionam na prática, e como elas administram os problemas

internos que podem influenciar na sua eficácia (Pettigrew, 2003). Além disso, o autor

chama a atenção para a complexidade da ação dos gerentes da parceria, animadores,

facilitadores ou agentes de mudança que, normalmente, estão envolvidos na administração

dessas relações. Nesse contexto, as questões de poder, a adesão aos movimentos sociais ou

a orientação da própria natureza do trabalho das parcerias estão presentes e se mostram

como elementos relevantes de análise (Pettigrew 2003).

Selsky e Parker (2005) citam que as parcerias entre governo e organizações da

sociedade civil podem não ser suficientes para dar conta dos problemas de

desenvolvimento sustentável dos territórios. Segundo os autores, o vínculo com o setor

empresarial privado pode permitir uma maior abrangência e eficácia das parcerias. Um

estudo da Aliança Copoava (2005) concluiu que praticamente inexiste ação de

desenvolvimento social que não dependa da interação e interdependência de atores das três

esferas da sociedade. Isso justificaria a relevância de se estudar as parcerias intersetoriais,

resgatando a dimensão das três esferas nas discussões sobre desenvolvimento sustentável

(Teodósio, 2008; Selsky, & Parker, 2005).

Page 46: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

46

A necessidade de fomentar a participação dos diferentes atores da sociedade,

conforme Milani (2008) argumenta, vem se tornando uma diretriz essencial no

desenvolvimento das políticas públicas. Para o autor, “a manutenção e o fortalecimento da

democracia passam não somente pelas estruturas da institucionalidade, como também pela

existência de cidadãos informados e atentos ao que ocorre na política” (Milani, 2005, p.

15). Naturalmente, essa participação pressupõe a realização de ações coletivas, e isso

exigirá, de uma forma ou de outra, que os participantes dessa ação sejam induzidos a

cooperar (Fligstein, 2007, p. 62). Isto porque, segundo Dowbor (2002, p. 49): “Não se trata

mais de derrotar os outros, de obter sucesso à custa dos outros, mas de somar o máximo de

proveitos para o conjunto”.

De acordo com Fligstein (2007), ao se concentrar na construção de ordens sociais

locais, a teoria dos campos se propõe analisar a maneira como grupos específicos chegam a

definir um domínio social. Assim, poderia oferecer uma visão de como as ordens locais

serão criadas, sustentadas e transformadas. Conforme esse mesmo autor, os “campos se

referem a situações nas quais grupos organizados de atores se reúnem e desenvolvem suas

ações recíprocas face a face” (Fligstein, 2007, p. 65), sendo influenciados pela ação

cultural de três maneiras: (i) pelas práticas sociais preexistentes; (ii) pelo ‘conhecimento

local’ imerso nas relações de poder entre os grupos; e (iii) pelas estruturas cognitivas,

“semelhantes ao que Bourdieu chama de habitus4, para analisar os significados das ações

dos outros” (Fligstein, 2007, p. 64).

Desta forma, Fligstein (2007) realiza uma conexão entre a teoria dos campos de

Bourdieu (1998) e a teoria da habilidade social, criando um caminho possível para a

formação e a consolidação de parcerias. Na medida em que a vida social se constrói e

4 Segundo Bourdieu, a experiência dos agentes sociais é estruturada externamente pelo campo e internamente

pelo habitus. “O conceito de habitus é definido como um sistema de disposições duráveis e transferíveis, que

incorpora todas as experiências passadas e funciona como matriz estruturante das percepções, das

apreciações e das ações dos atores sociais” (Bourdieu, 1983, p. 44).

Page 47: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

47

reconstrói, o processo emerge e as identidades, os interesses e as ações podem ser

consolidados, pressupondo que todos os seres humanos tenham alguma habilidade social,

quando atuam em grupo (Fligstein, 2007).

Algumas parcerias, porém, ultrapassam o âmbito das organizações, provocando

turbulências e consequências inesperadas, que podem provocar, inclusive, a necessidade de

um resgate dos fatores que norteiam os processos de colaboração. É possível, que alguns

atores sejam socialmente mais hábeis em obter cooperação e colaboração do que os demais

envolvidos, construindo coalizões políticas mesmo com atores mais poderosos (Fligstein,

2007).

Neste estudo, a colaboração pode ser interpretada como “um arranjo social

temporário no qual dois ou mais atores sociais trabalham em conjunto para um fim

comum, contemplando a transferência de materiais, ideias e/ou relações sociais para atingir

esse fim” (Selsky, & Parker, 2005, p. 852). De fato, geralmente, as parcerias intersetoriais

surgem a partir da cooperação e colaboração entre os atores sociais, que devem estar

atentos para que as ações locais de desenvolvimento sustentável não ocorram com

monopólio de poder pelo setor público ou pelo setor privado (Teodósio, 2008; Tenório,

2004). Em vista disso,

[...] as melhorias na provisão de políticas e projetos sociais advindas das parcerias

intersetoriais nem sempre se fazem acompanhadas de avanços na construção da

cidadania e de uma esfera pública mais plural e democrática no cenário brasileiro.

(Teodósio, 2008, p. 8).

No desafio de alcançar níveis virtuosos de parceria entre multi-atores, Clark e Full

(2010) sugerem um modelo de processo para a gestão de colaboração estratégica,

denominado Multi-Organizational Cross-Sector Social Partnerships (CSSP). Segundo os

autores, o CSSP está se tornando cada vez mais comum como abordagem para analisar

Page 48: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

48

problemas ecológicos e sociais complexos, que excedem a capacidade de gestão das

organizações quando assumidos isoladamente (Clark, & Full, 2010).

Neste estudo, a noção de colaboração estratégica foi adotada, a princípio, como

collaborative strategy, recebendo, em seguida, a denominação shared meta-strategy or

collaborative strategy. Trata-se de uma colaboração inter-organizacional, que pode, ou

não, ser intersetorial (Clark, & Full, 2010). Conforme os autores, collective strategy é

definida como a formulação conjunta de políticas e implementação coletiva por membros

inter-organizacionais, enquanto a collaborative strategy é definida como uma estratégia

para a parceria, consistindo de ‘meta-missão’ e ‘meta-objetivos’ (Clark & Full, 2010).

Neste sentido, o processo de gestão estratégica colaborativa apresentada por Clarke

e Fuller (2010) envolve a formação de parcerias entre organizações que desenvolvem

atividades coletivas e/ou conjuntas, formulação de um plano estratégico de colaboração e

construção de táticas de implementação, que seriam empregadas tanto no sentido da

colaboração como da análise de organização do processo. Desta forma, a formação da

parceria não necessitaria ocorrer em uma única fase, pois os parceiros poderiam ser

incluídos em qualquer fase, conforme demonstra o Quadro 3.

Page 49: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

49

Quadro 3

Definições de estratégia coletiva, estratégia de colaboração e meta-estratégias

compartilhadas

Astley and Fombrun (1983)

Huxham (1993)

Clarke and Fuller (2010)

Termos

utilizados

Estratégia coletiva

Estratégia de meta-

estratégia

compartilhada ou

colaborativa.

(intercambiável)

Estratégia colaborativa

Definição

“A formulação conjunta de

políticas e implementação de

ação coletiva

interorganizacional pelos

membros.” (Astley, 1984, p.

526)

A declaração de

direção para a aliança

colaborativa consiste

de uma meta-missão e

de meta-objetivos.

(Huxham, 1993)

A determinação conjunta da visão e

metas de longo prazo e colaboração

para tratar um determinado

problema social, juntamente com a

adoção de dois ciclos de formação

organizacional e coletiva, ambos

com alocação de recursos para a

realização desses ciclos de ação.

Propósito

O propósito de uma

organização envolvendo-se

numa resposta colaborativa é

absorver a variação

apresentada pelo seu

ambiente

interorganizacional.

O objetivo de uma

organização

envolvendo-se é para

resolver um meta-

problema comum.

O objetivo de uma organização

envolvendo-se é para resolver um

problema social comum.

Nota. Fonte: Clarke & Fuller, 2010, p. 87.

Esse modelo de processo para a gestão de colaboração estratégica nas parcerias

intersetoriais, sugerido por Clarke e Fuller (2010), chama atenção pelo seu caráter

estrutural de agregação de esforços dos parceiros. Porém, os autores alertam para o fato de

que, no plano da colaboração, os arranjos sociais não captam tudo o que é relevante na

parceria em si, exigindo uma compreensão mais ampla de colaboração, que envolva a

apreciação do que está acontecendo, também, no nível social.

Para criar vantagem colaborativa, outros estudos indicam, ainda, que os envolvidos

precisariam se engajar em um processo contínuo de fortalecimento dessa colaboração. O

ponto central desse processo seria a confiança (Vangen, & Huxham, 2003), fator

Page 50: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

50

fundamental para determinadas dinâmicas presentes na parceria, como a busca e

manutenção de legitimidade (Selsky, & Parker, 2005). Muitas iniciativas aspirariam ganhar

vantagem colaborativa, operando parcerias através das fronteiras organizacionais e

setoriais, no entanto, tais colaborações seriam difíceis de gerir, aumentando, nesses casos,

a probabilidade de fracassos (Vangen, & Huxham, 2003). Isso sugere que a obtenção de

uma ação coletiva deve acontecer em torno da vida social local, o que requer que os

participantes dessa ação sejam convencidos a cooperar (Fligstein, 2007).

Por vezes, a origem intersetorial de muitas parcerias articula organizações com

diferentes culturas e formas de trabalho que, se por um lado pode resultar em mais eficácia,

por outro pode gerar conflitos (Armisted, Pettigrew, & Aves, 2007). Nesse caso, os

processos de colaboração podem se tornar difíceis de ser operacionalizados e gerenciados,

porque a ação coletiva precisaria de conexão entre as diferenças, já que envolveria um

diálogo aberto para a conciliação dos vários interesses e, ainda, o respeito à diversidade, o

que nem sempre se faz presente em grupos de multi-atores (Ospina, & Shall, 2001).

Para as organizações de sociedade civil, por exemplo, os governos são considerados

parceiros fundamentais, mas difíceis de lidar. Já as empresas, embora sejam mais ágeis nos

processos, tendem a transformar os projetos sociais das OSC em produtos, e veem com

reservas a falta de transparência e a dificuldade de diálogo na gestão das organizações

sociais.

Para avançar desse estágio, respeitar as diferenças naturais entre os atores seria o

primeiro passo para uma parceria bem-sucedida (Skwara, 2005). O que se espera,

entretanto, está relacionado com a existência de um processo de liderança pautado por um

senso de responsabilidade baseado na participação direta dos atores envolvidos (Brugué,

2009), na realização de uma governança transparente e aberta (Ospina, 2006) e na geração

de laços de confiança entre os parceiros (Armisted, Pettigrew, & Aves 2007; Vangen, &

Page 51: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

51

Huxham, 2003). Quando se considera a confiança como alicerce das parcerias

intersetoriais, torna-se necessário um exame mais detalhado da distribuição e do equilíbrio

de poder, tanto no âmbito de parcerias como em contextos de incorporação de outros

parceiros (Selsky, & Parker; 2005).

As parcerias intersetoriais tornam-se, então, o primeiro passo em direção a

conquistas de domínios políticos e estruturação de projetos para resolver questões sociais

complexas. Porém, não podem ser consideradas como uma ação simples que solucione

todos os males da sociedade (Pettigrew, 2003). Apesar de sugerir um caráter de fluidez nos

processos, é preciso considerar que há muitas formas de parceria que, normalmente, são

caracterizadas pela incerteza, ambiguidade e descontinuidade dos laços estabelecidos

(Pettigrew, 2003).

Portanto, o fato é que as dificuldades existem e as realizações através de parcerias

intersetoriais, na prática, ganham cada vez mais importância como um elemento político

essencial para a governança compartilhada e fundamental para o desenvolvimento

endógeno de um determinado território (Selsky, & Parker, 2005). Entretanto, o

engajamento entre os múltiplos atores da sociedade precisa ser construído, pois surgem

como uma demanda emergente, para resgatar a dimensão dos atores da sociedade com foco

em processos sociais mais amplos para a governança compartilhada.

Pela ótica da governança, pesquisas indicam, também, que existe pouca atenção

para o estabelecimento de regras pelas quais os processos e a governança das parcerias

devam ser realizados, alocados e apoiados, sendo que tais questões são, muitas vezes,

ignoradas ou deixadas de lado (Pettigrew, 2003). São processos que precisam ser

estudados, a fim de se compreender a forma como as iniciativas colaborativas podem

proporcionar ganhos de diferentes magnitudes e sentidos para os diferentes atores

envolvidos (Vangen, & Huxham, 2003).

Page 52: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

52

Na verdade, ao se construir uma parceria de qualquer natureza, normalmente, tem-

se a expectativa da obtenção de alguma ‘vantagem colaborativa’ (Vangen, & Huxham,

2003). Trata-se de pessoas que se unem em parceria voluntária ou obrigatória, para

contribuir com recursos variados, alcance de metas e objetivos comuns (Armisted,

Pettigrew, & Aves, 2007), e que, em conjunto, acreditam que poderão agregar mais valor

na soma do que em separado. Contudo, considerando que as necessidades sociais e

humanas são complexas e multidimensionais, os atores sociais precisariam desenvolver a

necessária habilidade social para atuar, permitir que os grupos funcionem, induzir a

cooperação entre os atores e definir os interesses e as identidades coletivas, que

permitiriam o surgimento e a reprodução das instituições (Fligstein, 2007).

Segundo Selsky e Parker (2005), as parcerias intersetoriais podem ser

caracterizadas a partir de três plataformas conceituais, que se distinguem por seus objetivos

e orientações de resultados, denominadas: (i) Ressource Dependende Platform; (ii) Social

Issues Platform; e (iii) Societal Sector Platform. A primeira, Ressource Dependende

Platform – está relacionada com uma parceria de natureza organizacional, que visa

resolver problemas ou demandas das partes interessadas, para manter uma vantagem

competitiva e servir aos seus próprios interesses. As parcerias dessa plataforma seriam

concebidas de maneira instrumental, a curto prazo, e visariam atender uma necessidade

organizacional sob o pressuposto de atender uma necessidade social, e ainda, um status

quo (Selsky, & Parker, 2005).

A plataforma Social Issues Platform – explora a natureza e evolução das questões

sociais para a resolução de problemas que envolveriam todas as esferas da sociedade. Com

a consciência global estimulada pelas pressões de grupos de interesse e da opinião pública,

as atenções sobre a necessidade de colaboração entre governo, empresas e atores sociais se

tornariam mais eminentes (Selsky, & Parker, 2005). Nesse contexto, estariam incluídos os

Page 53: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

53

mecanismos de colaboração e a responsabilidade social corporativa, com o intuito de

investigar o porquê e como as empresas devem contribuir com seus recursos para resolver

grandes problemas sociais e públicos. “Na origem dessa dinâmica, se encontrariam as

lacunas entre expectativas e performances das organizações frente a turbulências no

ambiente, que seriam inesperadas, porém muito frequentes” (Teodósio, 2008, p. 123),

sendo que algumas delas se manifestariam como ‘metaproblemas’, originando a

necessidade de tratá-los por meio de esforços multi-intitucionais de colaboração,

obrigatórios ou voluntários, para enfrentá-los com sucesso (Selsky, & Parker, 2005).

A terceira plataforma, Societal Sector Platform – trata das fronteiras estabelecidas

entre governo, empresas e sociedade civil, para o enfrentamento de questões sociais num

tipo de governança híbrida. “A indefinição intersetorial ocorre, quando uma organização

ou um setor adota ou captura um papel ou função tradicionalmente associado a outro setor,

como quando os governos terceirizam funções de bem-estar social para entidades sem fins

lucrativos ou empresas” (Selsky, & Parker, 2005, p. 852)5. Em síntese, essa plataforma

examina as diferenças dos principais setores sociais, tais como valores, motivações e

modos de operação, e a forma como consolidam (ou não) uma parceria através de uma

governança permanente e de longo prazo.

[...] Tal discussão fornece vetores importantes de análise sobre os papéis

tradicionais de cada ator em sua esfera, e as tensões e jogos de poder envolvendo a

mudança e/ou permanência de sua práxis em direção ao encontro ou desencontro

com organizações de outras esferas, marcadas por diferentes racionalidades e

práticas. (Teodósio, 2008, 124).

Sobre as plataformas descritas por Selsky e Parker (2005), é interessante perceber

que as parcerias podem acontecer em contextos distintos e, também, de forma

complementar, se for considerado que seus objetivos podem ser adaptados e

5 “Intersectoral blurring occurs when an organization in one sector adopts or captures a role or function

traditionally associated with another sector, such as when governments contract out social welfare functions

to nonprofits or businesses”. (Selsky, & Parker, 2005, p. 852).

Page 54: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

54

reconfigurados para atender as demandas sociais. Na construção social da realidade, os

fenômenos serão acompanhados pela interação e reiteração de atores, dentro e fora de suas

esferas de ação (Fligstein, 2007). Quando isso é alcançado, acredita-se que a colaboração

nas parcerias pode adquirir um caráter participativo e democrático, com uma visão

interacionista e, ao mesmo tempo, estratégica, baseada na adesão de atores com motivação

para a ação coletiva (Fligstein, 2007).

O caso de Quebec, no Canadá, se destacaria por conta de seu modelo de

desenvolvimento sustentável 6

com envolvimento colaborativo de multi-atores, na

construção de uma realidade social. O modelo é conhecido como o Quebec Model

(Lévesque et al., 2012), e se caracteriza pela participação de uma pluralidade de agentes e

pela hibridização por meio de um arranjo econômico e social de empresas privadas, várias

e grandes empresas públicas e economia baseada em empresas cooperativas e sociais com

diversas formas de governança em uma ação cidadã (Lévesque et al., 2012).

Estes experimentos resultaram em uma relativa convergência de três esferas sócio-

econômicas: o privado, o público e os setores sociais. Conduzida às vezes pelo

governo, às vezes por parte dos empregadores e às vezes por organizações de base

da sociedade civil, essa convergência contribuiu para a implementação de um modo

baseado em parceria de governança. (Lévesque et al., 2012, p. 11)7.

Por meio de ‘fórmulas de cooperação’, a ação cidadã em Quebec começou quando

os cidadãos tomaram a iniciativa da criação de serviços, ao invés de simplesmente fornecê-

los, permitindo que as alianças entre os usuários dos serviços e os profissionais de cada

especificidade se reconfigurasse nas relações de produção e consumo. Essa estratégia

provocou um realinhamento das ações de cidadania e um sentido ativista da sociedade,

6 Lévesque et al (2012) utiliza, no artigo original, o termo ‘desenvolvimento local’. Mas para efeito desse

estudo, considerer-se-á o ‘local’ com o mesmo sentido conceitual de ‘desenvolvimento sustentável’, por

entender que tal desenvolvimento acontece necessariamente no território, ou seja, no local. 7 “Those experiments resulted in a relative convergence of three socio-economic spheres: the private, the

public, and the social sectors. Driven at times by the government, at times by employers and at times by civil

society based organisations, this convergence contributed to the implementation of a partnership-based mode

of governance.” (Lévesque et al., 2012, p. 11).

Page 55: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

55

com enfretamento para solucionar as demandas sociais (Lévesque et al., 2012). Os atores

desse processo são pessoas ligadas aos movimentos sociais (grupos de mulheres, grupos

comunitários, grupos ambientalistas), aos sindicatos, às administrações públicas e

representantes das comunidades locais.

Conforme relatado por Lévesque et al. (2012), a partir da implementação da

capacidade de agir e participar nas tomadas de decisão sobre situações específicas no

contexto público e social de Quebec, duas modalidades de trajetórias de movimento social

surgiram e, mais tarde, se convergiram numa estratégia em torno da ideia de

desenvolvimento sustentável. Tais trajetórias foram o ‘movimento regional’ e ‘movimento

urbano’, considerados, pelos autores, como um exemplo de inovação social (Lévesque et

al., 2012).

Os principais resultados dessa mobilização em Quebec consistiram no

desenvolvimento de uma estratégia, definida como Economic Community Development, e

na criação de uma organização dedicada a aplicá-la em outras regiões: a Corporations de

Développement Ééconomique Communautaire (CDEC) (Lévesque et al., 2012). Os

objetivos das CDEC’s: (i) promover a colaboração entre os atores em um bairro; (ii)

colaborar para o lançamento de projetos de desenvolvimento baseados em parcerias; e (iii)

apoiar o empreendedorismo local, para facilitar a criação de empregos e promover a

empregabilidade e qualificação aos desempregados, visando reintegrá-los no mercado de

trabalho em menor tempo possível. Segundo Lévesque et al. (2012), essa estratégia

repercutiu em diversos debates, resultando em grande mudança na ação comunitária,

conforme demonstrado no Quadro 4.

Page 56: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

56

Quadro 4

Evolução e principais características do Modelo de Quebec

Períodos dos

Eventos

eventos

principais

Modo de

Governança

Atores Centrais

Atores Locais

Espaço para Orien-

tação Estratégica

Ações baseadas na

Sociedade Civil

Antes de 1960/

Nacionalismo

Defensivo

· Governança

Autoritária

· Igreja

. Empresas

Privadas

·Paróquias

.Empresas privadas

Economia Social

Tradicional

(Cooperação e

Mutualismo)

)

· Exploração dos

recursos naturais

· Reinvidicações de

de direitos por

cidadãos e

trabalhadores

1960/

Revolução

Silenciosa

·Governança

Centrada no

Estado

·Governo

Provincial

.Empresas Estatais

e Órgãos Públicos

·Desenvolvimento

Regional orientado

para políticas

públicas

.Comunidades

Urbanas nas

principais cidades

·Regionalização

Administrativa

.Instituições de

Ensino

.Serviços de

Saúde

.Organizações de

Saúde da

Comunidade

.Cooperativas de

Habitação

.Movimento Rural

1980/

Crise do

Fordismo

· Consenso

Orientado

Coordenação e

Parceria

Colaborativa

·Governo

Provincial

.Nova Economia

Social

.Fundos

Cooperativos para

o Desenvolvimento

Econômico

.Municípios do

Condado Regional

.Colaboração e

Conselhos de

Desenvolvimento

.Centros Regionais

de Desenvolvi-

mento Local

.Descentralização

e reconversão

econômica

.Política de Quebec

para as regiões

rurais

· Desenvolvimento

Econômico

Comunitário

Criação de

Emprego

Estratégia de

Combate à Pobreza

e à Exclusão Social

2003/

.Governo

Neoliberal

.Parceria

Público-Privada

·Corporações

Privadas

.Lobbies Privados

Políticos

Empresários

Indivíduos

.Reestruturação

dos Centros de

Desenvolvimento

Local

.Prestação de

contas

Estratégia centrada

no mercado

privado e nos

consumidores

Exploração do

Meio Ambiente

.Movimentos de

protesto

.Luta contra a

pobreza e a

exclusão

.Luta contra a

exploração anti-

ecológica do meio

ambiente.

Nota. Fonte: Lévesque, Harrisson, Fontan e Klein (2012, p. 21).

A inovação social realizada a partir do Quebec Model, destacou-se por três motivos:

(i) pela governança, ou seja, o progresso em termos de consulta, cooperação, parceria,

reconhecimento das partes interessadas, democracia deliberativa e democracia direta; (ii)

pela (co)construção de políticas públicas, que se refere à participação de atores,

Page 57: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

57

especialmente dos movimentos sociais, e ao desenvolvimento de políticas públicas; e (iii)

pelas contribuições de diversos atores para a pluralidade de formas de economia (economia

privada, economia pública e economia social), além das inter-relações e parcerias entre tais

setores econômicos (Lévesque et al., 2012), conforme demonstrado no Quadro 5.

Quadro 5

Inovações sociais no Modelo de Quebec e no desenvolvimento local

Modelo Quebec

Sub-Sistema de Desenvolvimento Local

Principais gatilhos

• crise fordista

• crise fiscal: retirada do setor público

• descentralização e responsabilização

das comunidades locais

• Adaptação à globalização

• Encerramentos, realocações e

redundâncias

• Crise de confiança no que diz respeito

ao sistema e às demandas para a

participação pública

• Exigência de autonomia para assumir o

comando

Principais atores

•Sindicatos

•Organizações de base

•Associações, Ministério Público,

administração pública, instituições

públicas

•Orientação de consenso para

entidades (fóruns, mesas redondas)

• Governo

•Negócios comunitários, empresários

• Sindicatos, economia social,

organizações comunitárias

Principais inovações

sociais

•Retorno dos movimentos sociais

• Oganizações que representam a

sociedade civil desempenha um papel

transversal e coordenação

• Papel estratégico da economia social

• Fundos da União para a criação de

emprego

• Apoio dos sindicatos a economia social

• Parceria entre empresas privadas,

estatais, fundos da União

• Governança regional e local

• Implementação de organizações

intermediárias

• Intermediação Vertical (governo /

atores locais) e horizontal (interações

inter-sectoriais)

• Serviços oferecidos por organizações

comunitárias

• Fundos da União, fundos comunitários

e fundos híbridos para o

desenvolvimento local

Principais desafios e

questões em pauta

• Transformação de parceria em

subcontratação

• Risco de aumentar a responsabilização

da comunidade, sem aumento de

recursos

• Respeito da missão das organizações

• Competição interterritorial de recursos

públicos e privados

• Polarização no desenvolvimento

territorial

• Relação entre a missão das

organizações de desenvolvimento e os

recursos atribuídos

• Integração social e territorial

Nota. Fonte: Lévesque, Harrisson, Fontan e Klein (2012, p. 24).

Page 58: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

58

Nota-se que, para a evolução dos processos de inovação social consolidados em

Quebec, foram relatados alguns ‘gatilhos’, que provocaram a mudança de postura da

sociedade, como a crise de confiança no sistema. Essa experiência reforça, teoricamente, a

importância da participação ativa da sociedade civil para a construção, evolução e

consolidação das parcerias intersetoriais, visando o desenvolvimento sustentável. O

diferencial teria sido o desenvolvimento da capacidade dos cidadãos de atuar como

criadores e interlocutores de serviços públicos e como atores de movimentos sociais

organizados, influenciando positivamente as parcerias com os setores de governo e de

mercado (Lévesque et al., 2012).

Será que essa experiência poderia ser um exemplo que configura a presença de

habilidade social, governança compartilhada e de capital social na comunidade? Como

alcançar uma participação de cidadãos, de maneira tão engajada e eficaz, atendendo os

objetivos de diferentes campos sociais, também, em territórios de países periféricos e/ou de

desenvolvimento tardio?

Retomando o sentido da habilidade social dos atores envolvidos desenvolvido por

Fligstein (2007), é preciso considerar a influência do poder de convencimento necessário

para a mobilização daqueles que ainda se mostram distantes do foco central do movimento

social, ou que ainda não compartilham, necessariamente, dos mesmos interesses do grupo.

“Isso pode ser feito, persuadindo os outros a aceitar certos valores prioritários, ou

convencendo-os de que o que ocorrerá estará de acordo com seus interesses, pelo menos de

certa forma” (Fligstein, 2007, p. 68). É possível que se questione o uso da expressão

‘persuadir os outros’ por Fligstein (2007), o que poderia indicar meios pouco democráticos

de participação social. Porém, o autor explica que a criação de instituições surge como

resultado da interação social entre atores que, a princípio, se confrontam em campos ou

Page 59: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

59

arenas com regras preexistentes e distribuição de recursos como fontes de poder (Fligstein,

2007).

[...] Uma vez existentes, as instituições tanto capacitam quanto coagem os atores

sociais. Atores privilegiados podem utilizar as instituições para reproduzir sua

posição. Os atores podem usar as instituições existentes para fundar novas arenas

de ação. Atores sem recursos são, na maioria das vezes, coagidos por instituições,

mas, em certas circunstâncias, podem utilizar as regras existentes de forma não

planejada para criar novas instituições. (Fligstein, 2007, p. 63).

Esse cenário nos alerta para os mecanismos que podem existir entre as relações dos

atores sociais nas parcerias, pois não é raro imaginar a difícil tarefa de interagir e cooperar

com aqueles que diferem nas intenções e nos interesses de participação coletiva. Neste

sentido, é possível que a formação e experiência prévia dos integrantes que compõem as

parcerias possam favorecer a boa governança por meio de uma aprendizagem social (Reed

et al., 2010). Os autores definem a aprendizagem social como um meio para “alcançar uma

solução com ação em situações complexas e incertas". Trata-se de auxiliar a formação de

agentes sociais, para que sejam capazes de: (i) demonstrar que ocorreu uma mudança no

entendimento dos indivíduos envolvidos; (ii) demonstrar que esta mudança vai além do

indivíduo e dos âmbitos sociais; e (iii) promover interações sociais e processos entre atores

em uma rede social (Reed et al., 2010).

Weiss et al. (2002), em estudo no setor da saúde nos EUA, identificaram que a

liderança é um fator significativo para sinergia das parcerias, descrevendo o termo

‘sinergia’ como prática de colaboração que permite, inclusive, a participação de parceiros

para pensar em novas e melhores maneiras de atingir seus objetivos, para planejar e

integrar os seus programas, e para chegar a uma comunidade mais ampla (Armistead,

Pettigrew, & Aves, 2007). Para comprovar a eficiência dessa liderança nas parcerias,

algumas categorias de análise foram definidas por Weiss et al. (2002) como a capacidade

de: (i) assumir responsabilidade para a parceria; (ii) inspirar e motivar parceiros; (iii)

Page 60: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

60

empoderar parceiros; (iv) realizar trabalhos que visem desenvolver uma linguagem comum

no âmbito da parceria; e (v) promover respeito e confiança na parceria (Armistead,

Pettigrew, & Aves, 2007). Tais fatores podem, ainda, estimular o compromisso e

evidenciar resultados importantes para o avanço das parcerias intersetoriais, possibilitando

a adaptação eficaz do processo ao longo do tempo. O processo se caracterizaria pela

convergência colaborativa dos atores em torno de determinadas agendas, inscrevendo-se

em ambientes socialmente construídos, nos quais diferentes interesses podem ser

alternados entre vários indivíduos e organizações, sem que isso resulte em desarticulação

dos processos de colaboração existentes (Teodósio, 2008).

Considerando a complexidade da realidade social na qual as parcerias são

construídas e reconstruídas continuamente (Teodósio, 2008; Selsky, & Parker, 2005), o

fenômeno da parcerias intersetoriais pode provocar uma interação entre os atores, capaz de

lidar com o discurso da colaboração e fortalecer as representações construídas em

processos de articulação social. Neste cenário, a parceria intersetorial tende a apresentar

sempre novos desafios para a participação daqueles que dela fazem parte (Ospina, 2006).

Para propiciar a construção de uma sociedade mais equitativa, uma tendência seria a

revitalização das parcerias entre Estado, empresas e organizações da sociedade civil, sem

as quais não se conseguiria reunir as competências necessárias para enfrentar problemas

sociais e ambientais complexos das sociedades contemporâneas (Aliança Copoava, 2005).

Tal visão dos fenômenos cooperativos também aparece nas abordagens sobre os

processos de liderança, quando entendida como uma construção social, e não como um

atributo do comportamento humano ou de determinadas organizações, isoladamente.

Paradoxalmente à abordagem organizacional e à dimensão restrita ao indivíduo, na

atualidade, o fenômeno da liderança tem sido ampliado e também estudado como um

processo de intervenção social que pode assumir um caráter impessoal, construído

Page 61: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

61

coletivamente por meio de sistemas que possam alimentar parcerias intersetoriais ao longo

do tempo (Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007). Essa abordagem será melhor elucidada e

discutida a seguir.

2.3 Processos de liderança: co-produção e cooperação social

Não acredito em líderes, acredito em pessoas.8

MANO BROWN

Há muito tempo o tema liderança vem sendo pesquisado e seus estudos podem ser

rastreados desde o final do ano de 1800, durante a Segunda Revolução Industrial (Silvia, &

McGuire, 2010). Até os dias atuais, a ênfase nos estudos sobre o tema, em grande parte da

comunidade científica, tem sido a identificação de atributos pessoais e características que

possam explicar ou prever a eficácia da liderança centrada no indivíduo (Silvia, &

McGuire, 2010). Essas abordagens atestam que um indivíduo deve ter um conjunto de

características e atributos que fará de si um líder ideal ou personalidade única.

Diferentemente desse viés, este estudo adota uma abordagem sobre liderança que

não se concentra sobre o indivíduo como protagonista, fazendo uma distinção entre os

conceitos de líder e liderança correspondentes às visões mais tradicionais do tema (Ospina,

2006). Tal perspectiva reforça a ideia da existência de um novo tipo de liderança, a saber,

aquela vista sob a ótica da participação social, distante, pois, daquela que seria remetida a

heróis em posição de autoridade (Ospina, 2006). Defensores dessa abordagem consideram,

inclusive, que a liderança com característica centrada nos atributos individuais esteja

ficando redundante e, por essa razão, a diferença entre líderes e seguidores tende a tornar-

se sem sentido (Armisted, Pettigrew, & Aves, 2007).

8 Em entrevista por Júlio Maria para o Jornal da Tarde, em 14 de dezembro de 2006. Recuperado de

http://www.assimassado.blogger.com.br/.

Page 62: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

62

Ao longo do tempo, a abordagem da liderança esteve em constante mutação, em

razão, sobretudo, das diferentes demandas situacionais, dos novos contextos, das

concepções e das preocupações acerca do assunto (Van Wart, 2013). Com isso, o fator

liderança vem se tornando recorrente e muito pesquisado, conforme comprova o crescente

interesse acadêmico (Ospina; Foldy, 2010). Consequentemente, há uma quantidade

significativa de pesquisas sobre o tema, e uma infinidade de pessoas colocando em prática

a liderança. Porém, ainda existe desconexão entre esses dois mundos, segundo Ospina,

Godsoe, & Schall (2001). Os autores atestam, também, que os métodos de pesquisa que

dominam o campo de estudo da liderança, na atualidade, não se mostram úteis para

resolver os problemas cotidianos enfrentados pelos profissionais da área, principalmente,

em contextos que envolvem grupos com multi-atores da sociedade ou minorias que

trabalham em bases comunitárias.

Uma diversidade de pesquisadores, como por exemplo, Castro (2012), Silvia

(2011), Morris e Staggenborg (2010), Ospina e Foldy (2010), Silvia e McGuire (2010),

Ospina, Foldy e Goldman (2008), Teodósio (2008), Armistead, Pettigrew e Aves (2007),

Selsky e Parker (2005), Pettigrew (2003), Vangen e Huxhan (2003), Ospina e Shall (2001),

dentre outros, abordam os conceitos de liderança como processos não lineares, que podem

favorecer as parcerias intersetoriais, a participação social, a colaboração e a governança

participativa.

Na visão de alguns pesquisadores, a análise dos processos de liderança nas

parcerias também constitui tema recente e ainda pouco investigado (Armisted, Pettigrew,

& Aves, 2007). Os autores apontam para a existência de uma lacuna entre a teoria e a

prática dos processos de liderança no âmbito da participação social e pública e, também,

para a parca pesquisa e literatura sobre liderança em parcerias intersetoriais (Ospina,

Godsoe, & Schall, 2001; Huxhan, &, Vangen, 2001).

Page 63: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

63

Diante das diferenças nas linhas de estudo sobre liderança, essa pesquisa adotará a

expressão ‘processo de liderança’ como uma dinâmica de construção social permanente,

criada e recriada por meio de parcerias intersetoriais que, pelo exercício do diálogo entre

grupos sociais de um determinado território, influenciam e são influenciados pela ideia de

que a liderança pode ser exercida por múltiplos atores, em vez de um indivíduo (Ospina, &

Shall, 2001). De acordo com essa proposta, a liderança será interpretada como um processo

pertencente ao sistema social que surge espontaneamente, e não como uma característica

ou um conjunto de qualidades que pertencem a um grupo de indivíduos da elite em

posições-chave no sistema. Tal concepção teórica defende que, ao invés de tudo ser da

exclusiva responsabilidade de um líder formal, a liderança se manifestaria em um grupo,

quando os seus integrantes enfrentam desafios para avançar em uma determinada agenda

ou tentam mudar alguma coisa, ou seja, surgiria como a capacidade do grupo de produzir

resultados, a partir dos processos de criação de sentido (Ospina, 2006). Sendo assim, a sua

abordagem tem como nível de análise as relações sociais em um determinado campo ou

esfera de vida social e não o comportamento dos indivíduos.

Com o objetivo de analisar as principais conclusões da literatura sobre liderança

organizacional, e identificar os importantes conhecimentos gerados para os líderes de hoje

em cargos administrativos no setor público, Van Wart (2013) cita algumas linhas de

pesquisa com diferentes nomenclaturas, tais como: (i) classical management and role

theory; (ii) transactional leadership theory; (iii) transformational leadership theory; (iv)

horizontal or collaborative leadership theory; e (v) ethical and critical leadership theory.9

Segundo o autor, embora pareça ser um campo muito discutido, cada teoria da liderança

inclui uma variedade de domínios e perspectivas que podem guardar desafios

9 (i) teoria da gestão clássica; (ii) teoria da liderança transacional; (iii) teoria da liderança transformacional;

(iv) teoria de liderança horizontal ou colaborativa; e (v) teoria da liderança ética e crítica (Van Wart, 2013).

(Tradução livre da autora).

Page 64: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

64

investigativos que, ao longo do tempo, vêm promovendo mudanças significativas no

conceito de liderança (Van Wart, 2013). Tem-se, então, que os aspectos específicos da

liderança poderiam, por vezes, ser interpretados de forma simples se analisados

individualmente. Mas se seus elementos forem tomados sob a ótica de processos mais

amplos, a liderança se transforma, rapidamente, em um fenômeno de explicação complexa,

marcado por relações intensas e intrincadas (Van Wart, 2013). Neste sentido, a natureza da

liderança também pode surgir de forma complexa e ambígua, permeada por conflitos e

conciliações, encontros e desencontros entre os atores envolvidos (Ospina, 2006; Armisted,

Pettigrew, & Aves, 2007).

Como resultado de várias pesquisas, Van Wart (2013) apresenta um quadro da

abrangência de algumas linhas teóricas sobre liderança nas diferentes escolas, indicando os

principais autores de cada linha de pesquisa e seus legados para Academia, conforme

demonstrado no Quadro 6.

Quadro 6

Propósitos de liderança

Foco na

liderança

Alguns desafios

contemporâneos

A incidência da

escola sobre a

liderança

Teóricos e seus

modelos

Lições da Escola do

Pensamento

Liderando por

resultados

• LOSC – longo

prazo, estresse

fiscal, necessidade

de escolhas

difíceis

• A globalização e

a penetração de

altos níveis de

competição da

concorrência e os

valores de

mercado

• Teoria da gestão

• Fayol (1930), Gulick

e Urwick (1937) -

teoria da organização

• Hunt (1996) - teoria

dos sistemas

estratificados

• Vroom (1964) -

teoria da motivação.

• Há grandes

expectativas de líderes

para obter resultados.

• Liderança requer

educação e

treinamento de

desenvolvimento.

Líderes e

seguidores

• Aumento do

cinismo dos

funcionários

• Redução de

recursos para

compensar (por

Teoria da

liderança

transacional

• Hersey e Blanchard

(1972) - teoria da

liderança situacional

• House (1996; House

e Mitchell 1974) -

teoria da contingência

• Bons líderes

precisam ter certeza

de que os seguidores

têm o que precisam

para fazer o trabalho:

orientação e

Page 65: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

65

exemplo, redução

de pacotes de

benefícios)

• Graen e Uhl-Bien

(1995) - teoria da

troca de membro líder

• Vroom e Jago

(1988) - teoria da

tomada de decisão

capacitação, incentivo

e apoio, participação,

motivação para a

realização orientada e

independência quando

altos níveis de

competência precisam

ser alcançados.

• Bons líderes não

podem se dar ao luxo

de ter grupos de

"fora".

• Os líderes precisam

incluir seguidores

tanto quanto

necessário na tomada

de decisão, e nada

mais.

Liderando nas

organizações

• A revolução

tecnológica e a

necessidade de

uma gestão virtual

e habilidades de

liderança

• Redesenhar

organizações e

sistemas para

atender

dramaticamente

diferentes

demandas públicas

Teoria da

liderança

transformacional

• Bass (1985) -

liderança de total

alcance

• Tichy e Devanna

(1986) - teoria da

mudança mestre

• Kouzes e Posner

(1987) - práticas de

liderança

• Conger (1989) -

liderança carismática

• Um papel grande e

importante dos líderes

é facilitar a mudança,

tanto a missão e visão

como os valores

culturais.

• A liderança

transformacional

raramente ocorre em

detrimento da

liderança transacional,

além de que, em geral,

é difícil de ser

alcançada, se a

transformação

transacional não

precedê-la.

• Os líderes não tem

que saber exatamente

o que mudar; devem

saber apenas que

existem diferentes

formas de alcançar a

mudança.

• Enquanto a liderança

transformacional

exige uma grande

dose de doação em

termos de paixão,

empenho, energia e

visão, há muitos

perigos para os líderes

cuja crença em si

torna-os egoísta.

Liderando

sistemas

• Desafios de

estruturas

organizacionais

baseadas em

equipe

• Desvendando o

consenso social

Teoria da

liderança

horizontal e

colaborativa

Kerr e Jermier (1978)-

teoria da liderança de

substitutos

• Katzenbach e Smith

(1993) - teoria de alto

desempenho da

equipe

• Às vezes, os líderes

se valem de sistemas

que não são

necessários. Deixá-los

atuar sozinhos,

quando estão

trabalhando bem a

delegação da liderança

Page 66: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

66

• Crosby e Bryson

(2010) - teoria da

mudança social

• Heifetz (1994) -

teoria da liderança

adaptativa

pode ser melhor.

• A liderança

horizontal é cada vez

mais valorizada em

um mundo de

mudanças rápidas.

• A liderança

horizontal é cada vez

mais necessária

também fora da

organização, o que é

amplamente chamado

de "liderança

colaborativa".

Liderando

com valores

• Falta de

confiança nos

sistemas políticos

e administrativos.

• Confusão sobre o

paradigma a seguir

(por exemplo:

hierárquico,

baseado no

mercado ou em

colaboração).

Teoria da

liderança ética

• Ciulla (1995, 2004)

- liderança ética

• Avolio e Gardner

(2005) - liderança

autêntica

• Terry (1995) - tutela

• Kettl (2006) - teoria

da colaboração

• Cooper (1990) -

teoria da

responsabilidade

• Greenleaf (1977) -

liderança servil

• Os líderes

demonstram

integridade.

• Bons líderes sabem

de si e enfatizam o

positivo, o que é

muitas vezes chamado

de liderança

"autêntica" ou

"positiva”.

• Bons líderes sabem

como liderar através

de um serviço, com

espírito de sacrifício e

sustentabilidade.

Nota. Fonte: Van Wart (2013, p. 55).

Percebe-se, nesta abordagem, que predomina na literatura contemporânea um

entendimento de liderança ainda muito centrado no comportamento humano, com um foco

na ação dos líderes típico da sociedade industrial nos séculos XIX e XX (Ospina, 2006;

Silvia, & McGuire, 2010). Atualmente, Sant’Anna et al. (2011) vem sinalizando que as

pesquisas sobre liderança, principalmente, as relacionadas ao comportamento humano,

superam o volume de pesquisas sobre outros temas. Todavia, o essencial é que a liderança

seja vista, também, como um processo relacional, amplamente chamado de ‘liderança

colaborativa’, ‘liderança facilitadora’ ou ‘liderança adaptativa’, dentre outras

nomenclaturas (Van Wart, 2013). A “liderança colaborativa se concentra no poder de

partilha entre as organizações [...], com ênfase na necessidade de apoiar as comunidades e,

portanto, é particularmente bem adequada para os setores públicos e sem fins lucrativos”

(Van Wart, 2013, p. 554).

Page 67: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

67

Outros estudos propõem o abandono da idealização do líder como herói e do

entendimento do fenômeno da liderança como um ‘protagonismo rotativo’10

(Castro,

2012), que implicaria no ato de assumir responsabilidades sem a imposição hierárquica

característica dos estereótipos atribuídos, principalmente, nas abordagens da literatura

científica anglo-saxônica. O ‘protagonismo rotativo’ estaria relacionado com o ato de

“identificar e reconhecer a tarefa, mas não se impor como dono do conhecimento; ter

conhecimento, mas não deixar de buscar opinião com os outros” (Castro, 2012, p. 3). Sob a

ótica da horizontalidade na liderança, Van Wart (2013) alega que todos os sistemas,

especialmente aqueles com objetivo de melhorar o bem comum, muitas vezes têm recursos

limitados, que tenderiam a ser desconsiderados, não acionados e/ou desperdiçados, quando

uma abordagem sistêmica não é aplicada.

Van Wart (2013) considera que, embora a literatura sobre liderança horizontal e

colaborativa seja atualmente a mais dinâmica, pesquisas nesta área também identificaram

que os processos de colaboração tornam-se mais difíceis, quando os atores têm que lidar

com mecanismos de descentralização, desconcentração e dispersão de energia,

principalmente, em contextos onde há grande demanda e pressão para a prestação de

contas (Van Wart, 2013). Na gestão pública, onde haveria parceiros com baixa capacidade

de eficácia nas negociações, a colaboração poderia também levantar contradições

relacionadas aos objetivos econômicos e democráticos, com a implementação de parcerias

servindo mal ao bem comum (Van Wart, 2013).

Em um mundo com poder compartilhado, onde nenhum ator social seja responsável

isoladamente pelos problemas ou pelas soluções sociais, Crosby e Bryson (2005) acreditam

que os processos de liderança colaborativa podem ser especialmente necessários para sanar

problemas, principalmente, quando envolvem o setor público. A tendência é que esses

10

Termo cunhado por Castro, B. M. Recuperado de http://www.crescentedh.com.br/lideranca-etica-1-

%E2%80%93-o-protagonismo-rotativo/ .

Page 68: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

68

processos busquem compreender o contexto social e político através de uma governança

compartilhada para efetivamente implementar decisões políticas (Silvia, & McGuire,

2010), na qual o poder seja distribuído entre várias organizações e grupos sociais (Crosby,

& Bryson, 2005). Contudo, para o alcance da eficiência e eficácia nas políticas sociais,

seriam necessárias mudanças significativas na lógica da governança, envolvendo

organizações públicas e sem fins lucrativos (Junqueira, 2004).

Essas linhas teóricas reforçam a ideia de que o termo ‘liderança’ se mostra

paradoxal nos contextos tradicionais e contemporâneos, tanto em ambientes com múltiplos

atores como em ambiente com os atores isolados (Silvia & McGuire, 2010). Assim, sob a

ótica de processos, a liderança pode ser focada não em atores ou ações individuais, e sim

em estratégias e atividades organizacionais, que evidenciem uma liderança coletiva

(Ospina; Foldy, & Goldman, 2008). Mas “que tipo de liderança será necessária para

promover a resolução de problemas de engajamento coletivo de cidadãos?” (Ospina &

Foldy, 2010). E uma vez engajados, “que tipo de processo de liderança poderá

efetivamente gerar desenvolvimento sustentável?”

Analisando tais questões, tem-se como pressuposto que é preciso considerar a

importância da minimização das desigualdades de poder entre determinados atores, e

reconhecer o valor das diferenças nos processos de liderança para transformação social

(Ospina, & Foldy, 2010; Skwara, 2005). Pois isto conduzirá a um novo processo de

liderança para a transformação social, o que significa o reconhecimento de que convencer

indivíduos a se envolverem em mudança organizacional ou social requer a legitimação de

novas hipóteses e perspectivas em relação às normas, crenças e valores prevalecentes

(Fligstein, 2007; Ospina, Foldy, & Goldman, 2008).

Ospina & Shall (2001) atestam, ainda, que a partir do paradoxo entre a liderança

existente na literatura e a ‘nova liderança inspiradora’, passa a existir uma oportunidade

Page 69: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

69

dos estudos sobre processos de liderança fornecerem insights interessantes, que podem

produzir novos conhecimentos úteis, também, para os envolvidos nessa práxis. No decorrer

do processo, com uma construção social contínua, as pessoas tenderiam a desenvolver uma

compreensão compartilhada do trabalho, e procurariam exercer bem as suas funções e

atribuições. Neste contexto, a liderança assumiria, ao longo do tempo, um significado

independente em relação aos envolvidos. Nesse sentido, a liderança torna-se uma

propriedade do sistema social, em vez de ser uma ideia compartilhada apenas na mente das

pessoas (Ospina, Godsoe, & Schall, 2001).

Com isso, a busca pela legitimação e construção de significados para grupos de

pessoas ou comunidades que trabalham coletivamente vem despertando, nas teorias de

liderança, o reconhecimento da promoção de parcerias entre diferentes atores da sociedade

(Ospina, Foldy, & Goldman, 2008). Como exemplo, vale citar as pesquisas de Huxham e

Vangen (2000), que por décadas de pesquisa-ação, identificaram, pelo menos, 204 formas

de exercer liderança (sem nomear todas elas) e 241 processos que podem resultar na

construção de confiança, entendimento mútuo e negociação de objetivos comuns, a partir

de uma visão holística de um processo de liderança que seja integrador.

Como atestam Armisted et al. (2007), a chamada ‘liderança distribuída’ pode

acontecer em situações onde os participantes colaboram, em diferentes níveis, para criar

um senso de propósito e de direção comum, por meio de sistemas coletivamente

construídos e incorporados. No contexto da participação e colaboração social, os processos

de liderança apontam para o potencial surgido entre os grupos, que apresentem alguma

relação com parcerias intersetoriais em qualquer território (Ospina, 2006; Vangen, &

Huxham, 2003).

Todavia, quando se trata de desenvolvimento sustentável, os processos de liderança

associados às parcerias intersetoriais (empresas, governo e sociedade civil) podem

Page 70: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

70

enfrentar desafios significativos, principalmente, para parceiros acostumados a associar sua

prática a condutas pouco compartilhadas. Podem, inclusive, despertar visões conflitantes

em relação à complexidade que, no âmbito de parcerias intersetoriais, tais processos podem

adquirir. O fato é que cada indivíduo, grupo e organização afetados por complexos e

difíceis problemas sociais, privados ou públicos, tenderia a ter uma autonomia parcial para

agir sobre os mesmos e pouco poder para resolvê-los sozinhos (Ospina, & Foldy, 2010).

Percebe-se, então, que a ação coletiva, quando conectada com os diferentes atores

das três esferas da sociedade, pode ser, portanto, essencial na busca do desenvolvimento

sustentável. Para Ospina, & Foldy (2010), sem essa conexão haverá sempre o risco de se

alcançar uma autonomia parcial, comprometendo a efetividade das parcerias e dos

resultados esperados. Diferentemente do modelo de liderança tradicional, normalmente

presente em estratégias e atividades organizacionais, esse modelo de processos de

liderança é pautado no reconhecimento de que convencer os atores sociais a se envolverem

requer a legitimação de ações para suprir as expectativas e demandas sociais, considerando

a cultura local e os valores dos atores evolvidos (Fligstein, 2007; Ospina, Foldy, &

Goldman, 2008).

Desta forma, quando pautados pela intervenção social e constituídos de caráter

impessoal, processos de liderança podem ser construídos coletivamente por meio de

sistemas que possibilitem alimentar as parcerias intersetoriais (Crosby, & Bryson, 2010;

Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007), de forma a ser dotado de potencial de fortalecimento

da participação do grupo, visando a condução conjunta dos aspectos que conformam a vida

em sociedade. O surgimento desse novo tipo de liderança pode estar, ainda, intimamente

relacionado com o mecanismo de reorganização das relações sociais mais amplas,

originadas na sociedade civil ou iniciativa privada, para questionar o Estado como

Page 71: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

71

protagonista ou único ator relevante e/ou competente na resolução de problemas que

afetam a coletividade (Ospina, 2006).

Neste sentido, o termo liderança vem se configurando como um processo de

fortalecimento de vínculos com stakeholders11

, por meio de uma liderança integradora, que

possibilite que a ação coletiva atravesse as fronteiras do bem comum (Ospina, & Foldy,

2010). Tal conceito considera os processos de liderança como mecanismos que permitem

que as atividades, ações e intervenções sociais ocorram em uma engrenagem de

colaboração (Vangen, & Huxham, 2003).

Também é importante considerar que, ao contrário de sempre promover relações de

cooperação entre os vários atores, os processos de liderança podem apresentar interações

paradoxais e contradições, que combinariam confronto e diálogo dentro da mesma

dinâmica social (Ospina, 2006). Há teóricos que concordam que, dependendo do processo

estrutural de um movimento, o processo de liderança pode ficar profundamente afetado,

criando, ao mesmo tempo, oportunidades e constrangimentos que influenciariam o que os

atores poderiam e não poderiam fazer (Morris, & Staggenborg, 2010; Van Wart, 2013;

Crosby, & Bryson, 2010).

Com isso, nota-se que o trabalho de liderança, nas parcerias intersetoriais,

envolveria uma redistribuição ou mesmo a fragmentação de relações pré-existentes de

poder, fenômeno este que poderia permitir e viabilizar oportunidades e desafios, pelo

surgimento de novas formas de se relacionar coletivamente para exercer uma governança

participativa (Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007). Os autores apontam, também, que,

muitas vezes, há dificuldade de localizar onde e como as lideranças podem ser reveladas,

11

A teoria dos stakeholders foi desenvolvida por R. Edward Freeman, em 1984, em seu livro Gestão

Estratégica. O termo foi definido como grupo de pessoas que pode afetar ou pode ser afetado pela realização

dos objetivos da organização (Amadi, & Abdullah, 2011, p. 273).

Page 72: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

72

sugerindo que as dinâmicas sociais de liderança possam ficar invisíveis ou passar

despercebidas.

Fligstein (2007) esclarece que todos os atores sociais detêm alguma habilidade para

induzir a colaboração. No entanto, será necessário identificar quem são os principais atores

coletivos para, a partir daí, descobrir o senso de identidade no processo da socialização, e

fazer com que os outros cooperem e percebam com quem devem cooperar. O autor

caracteriza os atores sociais hábeis como “estratégicos e manipuladores das regras e

recursos” para auxiliar a reprodução das ordens locais.

Outra tática dos atores estratégicos é fazer com que os outros acreditem que eles

não estão no controle. Uma das táticas de ação mais engenhosa é armar situações

nas quais outros atores assumam a liderança e ajam de acordo com o que pensam

ser as ideias deles. Ao fazer com que os atores que estão relativamente isolados

cooperem, e ao convencê-los de que sua cooperação foi ideia deles, os atores

estratégicos conseguem a cooperação dos outros sem parecer maquiavélicos.

(Fligstein, 2007, p. 69).

A partir da abordagem de Fligstein (2007), é preciso considerar que o espaço

público não-estatal opera em um padrão heterogêneo de ação e interação, que se faz de

grande importância na influência sobre a eficácia, eficiência, efetividade, equidade e

transparência de processos que, por sua vez, moldariam o destino da sociedade para o

desenvolvimento sustentável, a democracia e a igualdade social (Ospina, 2006). A

intersetorialidade em trabalhos colaborativos, com base em processos de liderança,

normalmente se apresentaria centrada em domínios de caráter complexo, com visões

multifacetadas e pouco articuladas (Pettigrew, 2003).

Na ótica das teorias dos movimentos sociais, Fligstein (2007) afirma, também, que

a principal questão dos grupos está relacionada com as condições para obter sucesso na sua

formatação, expressar descontentamento, agir contra grupos poderosos e reorganizar a

sociedade. Além disso, o espaço grupal pode servir como uma espécie de incubadora de

processos de liderança e empreendedorismo social, visando capacitar os grupos sociais

Page 73: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

73

para assumir um papel preponderante, no futuro, como agentes e membros ativos de uma

comunidade colaborativa.

No plano da articulação para participação nos processos de liderança, Morris e

Staggenborg (2010) definem os agentes como articuladores de decisão estratégica, que

inspirariam e organizariam os outros a participarem em movimentos sociais. Isso se daria

pelos processos de significação que seriam “incorporados em estruturas historicamente

fundamentadas de poder e [...] influenciadas pela dinâmica de inclusão e exclusão que

caracterizam as relações sociais” (Ospina, & Foldy, 2010, p. 294). Neste sentido, o vínculo

relacional entre os parceiros fortaleceria a liderança, também, entre outras partes

interessadas (Ospina, & Foldy, 2010).

O processo de liderança aparece como um vetor muito adequado para estimular e

implementar novas formas de parcerias intersetoriais, nas quais a legitimidade e a

autoridade para resolver problemas em um determinado território seriam “[distribuídas]

horizontalmente e verticalmente entre diferentes atores sociais, com a mesma liderança

para dirigir mudanças que melhoram a qualidade de vida dos cidadãos” (Ospina, 2006, p.

1).

As práticas de liderança de um grupo de organização da sociedade civil, que

atualmente tem se mostrado bem-sucedido em seus esforços para influenciar as políticas

públicas, sugerem lições interessantes para refletir sobre a natureza da relação entre Estado

e sociedade (Ospina, 2006). A partir dessa nova conduta, pesquisas sobre processos de

liderança colaborativa, em territórios da América do Norte, se destacaram ao mostrar o

quanto foram capazes de ajudar na revitalização da atenção sobre políticas e comunidades

negligenciadas, bem como, influenciaram os comportamentos de colaboração (Ospina, &

Foldy, 2010; Crosby, & Bryson, 2010; Silvia, & McGuire, 2010; Van Wart, 2013).

Page 74: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

74

Ospina e Foldy (2010) levantam a seguinte questão: “como os atores que estão

envolvidos em processos de liderança para mudança social garantem a conectividade

necessária para promover a missão do grupo com trabalho colaborativo?” Segundo os

autores, com base em pesquisa realizada nos Estados Unidos com 38 organizações sociais,

foi possível destacar cinco práticas de liderança que promoveriam vínculos relacionais

fortes, dentro ou através das fronteiras com os setores da sociedade civil, e que, por isso,

poderiam facilitar a capacidade para o trabalho colaborativo. São elas: (i) promover

mudanças cognitivas; (ii) nomear e formar identidade; (iii) dialogar sobre as diferenças;

(iv) criar mecanismos de governança participativa; e (v) unir vários mundos por meio das

relações interpessoais. Os pesquisadores atestam, também, que tais práticas nutrem a

interdependência das relações colaborativas, por meio do estabelecimento de novas

conexões ou fortalecimento das já existentes, sendo que, no cotidiano, muitas vezes, essas

práticas se sobreporiam (Ospina, & Foldy, 2010).

Os processos de liderança estariam, pois, relacionados à criação de significados que

orientem um grupo a desejar construir uma agenda, na qual os interesses se manifestem em

paralelo com uma governança democrática e participativa (Ospina, 2006). Suas ações

tenderiam, então, a se concentrar em torno de um objetivo para mudança social, apesar de,

no caso das organizações, elas enfrentarem um alto grau de incerteza, complexidade e, até

mesmo, hostilidade nos ambientes nos quais atuam, embora compartilhem a aspiração para

encarnar os valores democráticos, buscar a dignidade humana e cidadania e trabalhar para

o bem comum (Ospina, & Foldy, 2005).

Como explica Ospina (2006), o processo de liderança para mudança social deve

estar voltado para um tipo de liderança que emergiria em um grupo, e em qualquer nível de

sistema social, como o modelo mais adequado para estimular e implementar novas formas

de governança compartilhada. A natureza dos processos de liderança para mudança social

Page 75: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

75

se configuraria como uma forma que se constrói permanentemente, em contextos sociais e

organizacionais, fora da típica corrente de liderança individualista comum na literatura

científica. Seriam incluídas, nesse cenário, “organizações e grupos ligados a movimentos

sociais de base comunitária, assim como as redes de organização envolvidas na reforma

cívica” (Ospina, & Foldy, 2005, p. 6).

A partir desse arcabouço teórico, pode-se perceber que, de forma geral, a literatura

acadêmica está alinhada e coaduna com os princípios que envolvem os processos de

liderança no âmbito das parcerias intersetoriais. A multiplicidade de perspectivas teóricas

relacionadas às ações coletivas, entre os setores da sociedade e em diferentes fronteiras

geográficas, trouxe noções e abordagens empíricas, que podem ser utilizadas na

investigação de territórios específicos (Silvia, & McGuire, 2010). Sob a ótica de diferentes

artigos e fontes bibliográficas, pode-se sintetizar esse marco teórico em três eixos de

abordagem: desenvolvimento sustentável, parcerias intersetoriais e processos de liderança.

Apesar de muitos autores serem referenciados em todo o estudo, cada eixo teve a

predominância de alguns deles, conforme demonstrado no Quadro 7.

Page 76: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

76

Quadro 7

Eixos temáticos do marco teórico

Eixos

Temáticos

Abordagem Teórica Autores Referenciados

Des

env

olv

imen

to

Su

sten

táv

el

Mercado e Estado no mundo social

Abramovay, R. (2003,2009)

Governança territorial

Conceitos elásticos

Cançado, A. C et al (2013)

Lélé, S. (1991)

Desenvolvimento local Milani, C. (2005)

Oportunidades e desafios

Desenvolvimento como liberdade

Sachs, I. (1997, 2004, 2010)

Sen, A. (2010)

Par

ceri

as I

nte

rset

ori

ais

Governança nas parcerias multisetoriais

Poder local

Armistead, C.; Pettigrew & Aves, S. (2007)

Fischer, T. (2002)

Habilidades sociais Fligstein, N. (2007)

Plataforma de colaboração Selsky, J. & Parker, B. (2005)

Cooperação como habilidade

Colaboração e diálogo

Sennett, R. (2012)

Tenório, F. G. (2004)

Fenômeno de construção social Teodósio, A. (2008)

Pro

cess

o d

e

Lid

eran

ça

Protagonismo rotativo

Compartilhamento de poder

Liderança colaborativa e integradora

Castro, B. M. de (2012)

Crosby, B. C. & Bryson, J. M. (2010)

Ospina, S. (2001, 2006)

Liderança integradora em multi-atores

Liderança como estrutura de colaboração

Silvia & McGuire, 2010

Vangen, S. & Huxham C. (2003)

Teorias gerais da liderança Van Wart, M. (2013)

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

As pesquisas listadas provocam várias reflexões que reforçam a inquietação oculta

por trás da questão proposta neste estudo: como ocorrem os processos de liderança nas

parcerias intersetoriais para o desenvolvimento sustentável de um território? Com base

nos argumentos apresentados neste Referencial Teórico, é possível afirmar que a proposta

ora apresentada aborda problemas sociais antigos de uma forma diferente. Nesta linha, os

elementos determinantes para a consolidação dos processos de liderança em parcerias

intersetoriais são a coprodução e a cooperação via governança compartilhada. A

coprodução baseia-se na soma das experiências de ambos os parceiros, sem privilegiar as

habilidades de um sobre o outro (Ospina, Godsoe, & Schall, 2001), e o resultado desse tipo

Page 77: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

77

de trabalho pode ser a confiança nas pessoas, considerada “como a quinta-essência das

condutas culturais, religiosas, sociais e políticas, que exercem uma influência decisiva

sobre o desenvolvimento” (Peyrefitte, 1997).

Assim, a partir de um marco teórico compreensivo, procurou-se desenvolver uma

investigação que possa oferecer a geração de novos conhecimentos sobre a teoria e a

prática dos processos de liderança no âmbito das parcerias intersetoriais. E por meio de um

modelo teórico capaz de orientar a análise do caso, buscou-se representar o escopo dos

eixos fundamentais da abordagem proposta, como forma de facilitar a interpretação das

conexões estabelecidas neste estudo, conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1

Modelo teórico de análise

Nota. Fonte: Original desta pesquisa, a partir de adaptação de Sen (2010), Ospina e Foldy (2010),

Abramovay (2009), Teodósio (2008), Armisted et al., (2007), Fligstein (2007), Ospina (2006), Selsky, J. &

Parker, B. (2005), Sachs (2004), Vangen, & Huxham (2003) e Ospina, & Shall (2001).

Page 78: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

78

Como ponto central do marco teórico, o eixo ‘desenvolvimento sustentável’ é

entendido como uma ampla proposta de interação das dimensões: meio ambiente, social,

cultural/política e econômica, representadas por esferas que se interconectam e inter-

relacionam. A partir de uma visão dialógica e cooperativa, tais relações propõem uma

reflexão sobre a necessidade do cruzamento dos diversos atores no território. Assim,

chama atenção o fato de que, apesar de apresentarem características específicas, tais

dimensões que integram o desenvolvimento sustentável não devem se apresentar

desconectadas, mas integradas num mecanismo de proliferação endógena e exógena, se

configurando e reconfigurando assimetricamente. Portanto, este esquema teórico propõe

discutir o desenvolvimento sustentável de forma dialógica e cooperativa, em dimensões

dinâmicas e integradas às demandas, nos seus respectivos territórios.

O eixo das ‘parcerias intersetoriais’ reflete a interação social entre as esferas de

governo, empresa e sociedade civil organizada e não organizada. Neste cenário, as esferas

demonstram a clara distinção entre os setores, com especificidades técnicas, interesses

singulares e ‘fronteiras cinzentas’ (Giannetti, 2007). No arcabouço dessa subjetividade,

propõe-se analisar as interfaces entre as esferas, a fim de identificar os modos de operação

e o potencial de conectividade em determinado campo de atuação.

O eixo dos ‘processos de liderança’ apresentam diferentes atores que fazem parte

da rede de relacionamentos do CDC, e que se reuniram para construir projetos sociais com

o objetivo de influenciar as políticas públicas por meio de uma governança compartilhada,

para favorecer o desenvolvimento sustentável de Pedro Leopoldo-MG. A meta proposta

será melhor explorada no capítulo seguinte, que descreve a metodologia científica utilizada

neste estudo.

Page 79: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

79

No conjunto, os três eixos do modelo são apresentados com linhas pontilhadas

conectadas e entrepostas, demostrando que as diretrizes analisadas possuem fatores que

influenciam e podem ser influenciados ao longo do processo sócio-histórico (Spink, 2001).

Dessas dimensões extraídas do Referencial Teórico, foi possível sintetizar algumas

diretrizes que auxiliaram na definição das variáveis, viabilizando, consequentemente, a

elaboração dos roteiros de entrevista. O objetivo dessas variáveis foi promover o

alinhamento dos conteúdos com as questões da entrevista, para atender aos objetivos

propostos neste estudo, conforme demonstrado no Quadro 8.

Quadro 8

Dimensões de abordagem teórica

Eixos

Teóricos Autores Dimensões Variáveis observáveis

Des

env

olv

imen

to

Su

sten

táv

el

Abramovay, R. (2003,2009);

Lélé, S. (1991)

Milani, C. (2005)

Sachs, I. (1997, 2004, 2010);

Sen, A. (2010).

Visões e estratégias de

desenvolvimento;

Integração estratégica de

atores diversos;

Perspectiva para

desenvolvimento

considerando futuras

gerações.

Desafios para

desenvolvimento da

cidade;

Potencial transformador

do CDC em Pedro

Leopoldo para futuras

gerações;

Par

ceri

as I

nte

rset

ori

ais

Fischer, T. (2002)

Fligstein, N. (2007)

Selsky, J. & Parker, B. (2005)

Sennetti, R. (2007)

Tenório, F. G. (2004)

Teodósio, A. (2008)

Armistead, C.; Pettigrew &

Aves, S. (2007).

Senso de identidade no

processo;

Identificação das forças e

dos principais atores

coletivos;

Institucionalização e

coalizão política;

Habilidades sociais;

Compartilhamento de

interesses

Processos de cooperação.

Papel da prefeitura e das

políticas públicas e a

participação das empresas,

OSC’s e sociedade civil;

Diversidade de

representação,

envolvimento e formas de

participação coletiva no

CDC;

Dinâmica interna do CDC;

Pro

cess

os

de

Lid

eran

ça

Crosby, B. C. & Bryson, J. M.

(2010)

Ospina, S. (2001, 2006)

Silvia & McGuire, (2010)

Vangen, S. & Huxham C.

(2003).

Liderança compartilhada;

Conectividade para

trabalho colaborativo;

Participação coletiva;

Legitimidade e

distribuição de poder;

Construção de

significados;

Exercício da democracia,

do diálogo e da

colaboração no CDC;

Prática de autonomia,

independência e

transparência nas tomadas

de decisão;

Relações de poder e

representatividade entre

esferas de governo,

sociedade civil e empresa;

Como ocorrem os processos de liderança nas parcerias intersetoriais para

desenvolvimento sustentável de um território?

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Page 80: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

80

Por meio de algumas perguntas, buscou-se, então, de forma indireta, identificar

como os entrevistados dos três setores da sociedade percebiam a participação dos

representantes da empresa, da sociedade civil e da prefeitura no contexto do CDC de Pedro

Leopoldo-MG, e se essa participação se configurava como processos de liderança

favorecedores do desenvolvimento sustentável daquele território.

Em suma, de acordo com o escopo teórico investigado, os principais pontos a serem

destacados como promotores de processos de liderança são: (i) a presença de uma

governança compartilhada, que se traduza em muita transparência para responder os

questionamentos comuns; (ii) o fortalecimento do capital social; e (iii) a construção de

laços de confiança entre os parceiros envolvidos (Paula, 2001; Fischer, Fedato, & Belasco,

2005; Skwara, 2005; Armistead, Pettigrew, & Aves, 2007; Teodósio, 2008; Morris, &

Staggenborg, 2010; Werneck, & Alvim, 2012).

Analisar esses fenômenos na prática, perceber os fatores que os envolvem e

visualizar maneiras para dinamizá-los, propiciam um fértil campo de pesquisa. Com

relação ao tratamento dos conteúdos deste estudo, na sequência, tem-se a descrição dos

métodos utilizados, visando uma compreensão mais abrangente da realidade investigada,

envolvendo as parcerias intersetoriais para o desenvolvimento sustentável no território.

Page 81: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

81

3 METODOLOGIA

Com o objetivo de investigar e analisar os processos de liderança nas parcerias

intersetoriais para o desenvolvimento sustentável foi realizada uma pesquisa de natureza

qualitativa, por meio de estudo de caso (Yin, 2005), com um grupo de pessoas

representantes das três esferas da sociedade (Estado, mercado e sociedade civil), no

território de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. Desta forma, com base em estudo de caso

único (Eisenhardt, 1989; Yin, 2005), a interpretação de depoimentos sobre os fatores que

influenciam os processos de liderança nas parcerias intersetoriais fundamentou-se na

compreensão da experiência subjetiva dos atores envolvidos.

Eisenhardt (1989) define o estudo de caso como uma estratégia de pesquisa focada

no entendimento das dinâmicas presentes nos contextos singulares, podendo envolver um

caso único (como este estudo realizado na cidade de Pedro Leopoldo-MG), ou múltiplos

casos, o que pode se configurar como tema para futuro estudo, em continuidade a essa

pesquisa.

Como afirma Meyer (2001), a vantagem ofertada pelo estudo de caso é a

oportunidade de uma visão global do processo, que permite apreender a realidade de

determinado fenômeno a partir da objetividade e da subjetividade dos atores (Goldberg,

2002; Rey, 2005; Triviños, 2007). Por isso, optou-se por este método de pesquisa, o que

possibilitou a identificação dos fatores que podem levar à compreensão da interação

estabelecida entre os atores locais, revelando a complexidade das inter-relações do caso

estudado (Greenwood,1973; Bonoma, 1985).

O objeto de estudo foi definido de forma direcionada, pois escolhido com vistas à

situação diferenciada e riqueza de públicos que atuam no contexto (Eisenhardt, 1989).

Definiu-se, então, pela investigação científica do Comitê de Desenvolvimento Comunitário

Page 82: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

82

(CDC), atuante desde o ano de 2007, em Pedro Leopoldo-MG, cidade situada em território

localizado a 42km de Belo Horizonte.

A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas semiestruturadas e observação in

loco das fontes de evidência, elemento importante da pesquisa qualitativa, especialmente,

quando se pretende compreender, em profundidade, uma situação social complexa, a partir

da perspectiva dos atores envolvidos, considerando-se, ainda, o contexto onde ocorre

(Eisenhardt, 1989; Bauer; Gaskell, 2002).

Para conferir maior confiabilidade e qualidade aos resultados da pesquisa, a análise

dos dados obtidos a partir das fontes primárias e secundárias permitiu comparar e

confrontar a percepção de diferentes atores acerca de um mesmo fator, bem como

possibilitou a realização da triangulação das fontes dessas evidências (Eisenhardt, 1989;

Jick,1979).

A triangulação foi utilizada como estratégia de análise de conteúdo, para auxiliar o

tratamento e a interpretação dos dados coletados. Tanto os documentos e arquivos das

fontes secundárias, como os dados obtidos por meio de entrevista e do Diagnóstico Rápido

Participativo (DRP) das fontes primárias, foram gravados, transcritos na íntegra e

analisados com vistas à interpretação do conteúdo das informações coletadas, a fim de

compreender melhor o discurso dos entrevistados.

No plano da coleta de dados primários, as principais fontes de evidências desse

estudo de caso foram: (i) a entrevista semiestruturada; (ii) o Diagnóstico Rápido

Participativo (DRP); e (iii) a participação nas reuniões do CDC, no período de dezembro

de 2012 à agosto de 2013. Para definição do público entrevistado e realização do DRP,

buscou-se obter, por meio de indicação, a participação de mais de um representante dos

três setores avaliados (governo, empresa e sociedade civil), utilizando-se o processo

conhecido como ‘bola de neve’ (Yin, 1981; Eisenhardt, 1989; Meyer, 2001).

Page 83: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

83

A coleta dos dados secundários foi realizada por meio de pesquisas bibliográficas,

consultas em arquivos disponíveis no sítio eletrônico da empresa e em registros das

reuniões do CDC de Pedro Leopoldo12

. Pelo tempo de história do CDC, houve uma alta

expectativa de encontrar amplo acervo, porém, havia pouco material arquivado. A prática

de redação de atas, ou outro tipo de registro histórico do CDC, não é um procedimento

regular nos quatro anos de sua trajetória. Entretanto, tal circunstância não inviabilizou a

pesquisa.

Para abordagem das lacunas teóricas discutidas ao longo do segundo capítulo,

optou-se por descrever os resultados a partir da análise de três recortes do conjunto de

dados coletados. O primeiro deles foi concentrado no destaque a algumas observações e

percepções desta autora oriundas das reuniões do CDC. No segundo recorte, foram

analisados os resultados de três técnicas de DRP: Diagrama de Venn, Diagrama de Fluxo e

Linha do Tempo. O terceiro recorte foi pontuado pela análise das entrevistas individuais,

realizadas no período de julho a setembro de 2013, em Pedro Leopoldo-MG.

O diagrama a seguir (FIG. 2) apresenta a relação dos eixos temáticos com as

abordagens conceituais utilizadas e as fontes dos dados coletados.

12

A metodologia dos CDC’s foi implantada pelo Instituto Camargo Corrêa (ICC) em várias cidades nas quais

a empresa do Grupo Camargo Corrêa atua (Apêndice D). Este estudo de caso abrangeu, especificamente, o

CDC de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. Este foi o primeiro CDC implantado como experiência-piloto

pelo ICC.

Page 84: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

84

Figura 2

Diagrama dos métodos de pesquisa

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

3.1 Entre fatos e dados que deram origem à pesquisa

Ao longo de quatorze anos de atividade em consultoria e treinamento na área de

responsabilidade social e voluntariado empresarial na Federação das Indústrias do Estado

de Minas Gerais (FIEMG), foi possível, a esta autora, perceber a distância entre as

empresas e os diversos públicos com os quais se relacionam e, ao mesmo tempo, certificar-

se do alto potencial de articulação colaborativa para a promoção do desenvolvimento

sustentável nos territórios. Tal visão coaduna com a experiência de assessoria ao Conselho

de Responsabilidade Social da FIEMG13

, durante o ano de 2011. Através da formação de

13

A função do Conselho de Responsabilidade Social da FIEMG é nortear a indústria, fortalecendo sua

participação nas decisões políticas de temas que afetam a competitividade empresarial. Recuperado de

http://www5.fiemg.com.br/Default.aspx?tabid=13599.

Page 85: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

85

grupos de trabalho – GT’s – com representantes de grandes empresas integrantes do

referido conselho, propôs-se discutir suas experiências acerca do fomento ao

desenvolvimento sustentável onde atuam, estruturando diretrizes que viabilizassem o

avanço de outras empresas, inclusive, externas ao conselho, como um suposto meio

gerador de transformação local efetiva. Seria como colocar o Conselho de

Responsabilidade Social da FIEMG na vanguarda do desenvolvimento sustentável da

indústria de Minas Gerais. De certa forma, essa ideia não seria impossível, considerando-se

o potencial econômico e social das empresas que faziam parte dos GT’s, tais como:

Samarco, Gerdau, Cenibra, Usiminas, V&M, AngloGold Ashanti, Mendes Júnior, dentre

outras.

Durante os encontros mensais, duas questões se destacaram na percepção desta

autora, pois sinalizavam possíveis lacunas para futuras pesquisas, por envolver discussões,

principalmente, sobre: (i) como as empresas poderiam se articular e somar esforços para

gerar valor compartilhado e desenvolvimento sustentável com as esferas do governo e

sociedade civil, sem despertar interesse exclusivamente de ordem econômica para com

essas empresas?; e (ii) como as empresas poderiam atuar de forma mais efetiva com

políticas de investimento social privado, na governança com os três setores da sociedade,

diferentemente de participações pontuais ou em ‘projetos paraquedas’?

Por outro lado, a baixa participação de representantes do governo local e da

sociedade civil nessa dinâmica colaborativa dava a entender que não seria a empresa o ator

com maior dificuldade de relacionamento com os demais públicos. Isto porque os grandes

desafios apontados pelas empresas eram a falta de capacidade de diálogo e de interação

social dos ‘outros’ para com elas, principalmente, das prefeituras e das empresas

concorrentes. Outro desafio relatado apontava para as dificuldades de sistematizar

parcerias com comunidades, instituições sociais e governos, de maneira colaborativa e

Page 86: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

86

permanente, para tratar das questões que envolviam governança e desenvolvimento

sustentável no território. A dificuldade de perceber as fronteiras que os uniam denotava

‘alto grau de miopia social’ entre os participantes.

Tal experiência despertou, nesta autora, a inquietação que gerou o problema desta

pesquisa, e que alavancou a busca por conhecimentos e experiências que pudessem

elucidar como poderiam ocorrer processos colaborativos nas parcerias entre governo,

empresas e sociedade civil, na busca do desenvolvimento sustentável em um território.

Numa iniciativa de buscar novos rumos profissionais, o ingresso no Programa de Pós-

Graduação da PUC-Minas possibilitou a ampliação de conhecimentos, favorecendo a

definição do objeto da pesquisa e, consequentemente, do seu marco teórico.

Feito o levantamento das experiências de parcerias intersetoriais na Região

Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a partir de sua publicação, esta autora, por

meio do seu Professor Orientador, conheceu o caso de investimento social privado do

Grupo Camargo Corrêa em Pedro Leopoldo-MG, que tem como foco principal o fomento

de parcerias intersetoriais para o desenvolvimento sustentável do território onde atua.

Diferentemente de outras empresas do ramo, a Camargo Corrêa se destacou pela

iniciativa de promover programas de investimento social privado alinhados com as

políticas públicas dos municípios onde atua, com formação de parcerias e redes de

colaboração para o desenvolvimento social dos territórios, conforme Relatório Resumido

de Atividades da Camargo Corrêa (2009). Foco considerado, por esta autora, como um

diferencial que despertou ainda mais o interesse em aprofundar seu conhecimento, a partir

de um estudo de caso.

No início da trajetória desta pesquisa, o primeiro contato estabelecido foi com o

Diretor Executivo do Instituto Camargo Corrêa (ICC)14

que, por já ser conhecido desta

14

O Diretor Executivo vigente no período da pesquisa era o Sr. Francisco de Assis Azevedo.

Page 87: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

87

autora, em relação profissional na FIEMG, mostrou-se bastante receptivo à solicitação de

pesquisa da experiência do CDC de Pedro Leopoldo, um projeto integrante do programa de

investimento social privado do Grupo Camargo Corrêa. A contrapartida solicitada pela

empresa foi uma apresentação, ao final do estudo, dos resultados da pesquisa, tanto ao

CDC de Pedro Leopoldo como à equipe do Instituto Camargo Corrêa, com o objetivo de

que os conhecimentos gerados possam contribuir para o tratamento de futuras questões

relacionadas ao melhor desenvolvimento do referido comitê naquele e em outros

territórios15

. Missão cumprida em parte, com a apresentação dos resultados da pesquisa

para o CDC, em 28 de novembro de 2013, na Secretaria de Educação de Pedro Leopoldo.

A apresentação para a equipe do ICC tem agenda prevista para primeiro trimestre de 2014,

em sua sede, na cidade de São Paulo.

3.2 Participação nas reuniões do CDC

Após aprovação de realização da pesquisa por parte da empresa, o então Diretor do

Instituto indicou o Sr. Uelton (Diretor de Produção da unidade da empresa InterCement,

em Pedro Leopoldo, e coordenador do CDC à época), para dar suporte à investigação.

Além de ter concluído seu mestrado recentemente, Sr. Uelton mostrou-se sensível e aberto

aos objetivos desta pesquisa acadêmica, colocando-se inteiramente à disposição para

apresentar todos as informações e dados necessários à sua realização, convidando esta

autora, de imediato, para participar das reuniões mensais do CDC.

Apesar da abertura de participação, não foi possível acompanhar todas as reuniões

do conselho no período de desenvolvimento da pesquisa de campo, em razão das

15

Cidades onde há CDC’s implantados: Ipojuca-PE, Apiaí-SP, Itaóca-SP, Cabo de Santo Agostinho-PE,

Jacareí-SP, Santana do Paraíso-MG, Ijaci-MG, Pedro Leopoldo-MG, Fortaleza-CE, Bodoquena-MS. Cidades

onde serão implantados em 2014: Conde-PB, João Pessoa-PB, São Miguel dos Campos-AL, Campo

Formoso-BA, Brumado-BA, Cajati-SP, Cubatão-SP, Jacareí-SP, Candiota-RS. Dados fornecidos pelo diretor

do Instituto Camargo Corrêa, em 20 de Janeiro de 2014.

Page 88: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

88

recorrentes mudanças no calendário do CDC, haja vista seus integrantes estarem bastante

envolvidos em conferências municipais e encontros temáticos na cidade. Tais encontros

com os demais membros do conselho, especificamente, foram considerados ocasionais, ou

seja, fora das reuniões do Comitê, razão pela qual não foram objeto de acompanhamento e

análise nesta pesquisa. As demais reuniões aconteceram, em sua maioria, pela manhã, no

prédio da Secretaria de Educação de Pedro Leopoldo, com duração de três a quatro horas.

Nas reuniões do CDC, a participação desta autora aproximou-se muito do método

de pesquisa-ação, considerando-se a solicitação, por parte de seus integrantes, de seu

envolvimento em algumas plenárias e trabalhos em grupo. A pesquisa-ação é normalmente

utilizada, quando o objetivo da investigação é conhecer uma determinada realidade, onde

os dados e as informações necessárias não são encontradas em livros ou em outros

trabalhos científicos, e sim no seio de uma comunidade, um grupo, uma organização ou um

movimento social que esteja sendo estudado (Thiollent, 1987). O método de pesquisa-ação

é considerado adequado ou recomendável, quando a investigação prevê a participação dos

sujeitos envolvidos no estudo, para se chegar a uma conclusão do que deve ser feito para

solucionar um problema real (Thiollent, 1987).

No decorrer dos encontros, na medida em que as questões no CDC foram surgindo

e as dificuldades de alinhamento de propósitos entre os participantes se faziam mais

evidentes, esta autora propôs ao comitê a realização de um Diagnóstico Rápido

Participativo (DRP), com o objetivo de promover a superação de distorções de ideais, por

meio da co-produção qualitativa de informações e promoção de uma maior interação entre

os atores, de forma colaborativa e organizada, ou seja, no contexto de um processo

dialógico.

Page 89: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

89

3.3 Aplicação do DRP no CDC

O Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) foi aplicado, em julho de 2013, como

uma metodologia participativa, para possibilitar a compreensão, a conectividade do grupo

e a identificação dos fenômenos mais críticos. O DRP pode ser entendido como um

conjunto de métodos aplicados em grupos locais, para possibilitar compartilhamento,

aprendizagem e análise de conhecimentos, podendo, também, auxiliar o planejamento e a

ação de forma compartilhada, visando contribuir com o processo de mudança e o alcance

da sustentabilidade (Chambrers, & Guijt, 1995).

Os princípios básicos do DRP são assim definidos: (i) método de aprendizagem

rápida e progressiva, flexível, exploratória, interativa e criativa; (ii) possibilidade de

inversão de papéis entre pesquisador e pesquisado, ao ampliar os espaços de valorização e

conhecimentos da população local; (iii) favorecimento na utilização da triangulação, por

utilizar diferentes métodos, fontes e informações; e (iv) possibilidade de que a população

local se “aproprie da maior parte ou da totalidade da investigação, da elaboração de mapas,

diagramação, ordenamento, qualificação, quantificação, análise, apresentação,

planejamento, por sua própria conta, para serem donos dos resultados” (Chambrers, &

Guijt, 1995). Tem-se, pois, que as ferramentas do DRP se adaptam facilmente a diversos

tipos de realidade, e promovem um processo democrático nas tomadas de decisão,

facilitando o intercâmbio de informação e a verificação dos fatos por todos os membros do

grupo (Brose, 2001).

No âmbito do CDC, o DRP foi aplicado para um total de seis integrantes – três

representantes da empresa, dois da Prefeitura Municipal e um da sociedade civil – por

meio de três técnicas de diagnóstico, nessa ordem: Diagrama de Venn, Diagrama de Fluxo

Page 90: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

90

e Linha do Tempo. A utilização dessas técnicas de coleta de dados ocorreu por sua

capacidade de captar a percepção, as experiências e as motivações dos indivíduos, o que as

tornam apropriadas para as pesquisas qualitativas que priorizam o entendimento do

fenômeno a partir do sujeito (Godoy, 1995).

O Diagrama de Venn é uma técnica utilizada para revelar conexões e injunções

importantes, de acordo com as diferentes percepções dos participantes dentro de um

determinado contexto, que no caso foi o CDC. Atribuem-se círculos de tamanhos

diferentes a diferentes grupos, instituições, órgãos ou programas. O tamanho dos círculos

varia de acordo com a importância do grupo ou instituição. A distância entre eles (ou a

sobreposição) indica a intensidade do relacionamento e da influência mútua (Brose, 2001).

O Diagrama de Fluxo é uma técnica que busca analisar um fenômeno relevante

para o grupo, visando a construção de um diagrama que apresente as causas e as

consequências sob a ótica de um determinado problema ou fenômeno que atinge o

contexto estudado. A partir da análise desses fatores, definem-se as ações ou atitudes que

devem ser tomadas para manutenção, alteração, reforço, combate ou mitigação do

fenômeno destacado.

A Linha do Tempo é uma técnica de DRP, que visa resgatar, de forma

compartilhada, a história da comunidade ou organização. Por meio de uma organização

cronológica dos fatos ou eventos considerados relevantes na trajetória histórica, mas sem a

necessidade de precisar datas, os participantes relatam e descrevem os acontecimentos

mais marcantes em fichas coloridas, fixando-as em um barbante, de forma a construir a

linha do tempo (Brose, 2001).

A realização do Diagrama de Venn buscou mapear a rede de relacionamentos do

CDC e a intensidade das suas conexões na percepção dos participantes. O Diagrama de

Fluxo teve como proposta analisar um fenômeno relevante, visando o alcance de resultados

Page 91: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

91

do CDC, com a identificação do fenômeno mais crítico para aquele grupo. E a Linha do

Tempo propôs identificar os aspectos relevantes e específicos do CDC, para ampliar a

percepção das oportunidades latentes. A Linha do Tempo também se fez importante, para

que esta autora resgatasse um pouco mais dos detalhes da história do CDC desde sua

origem, obtendo informações até então desconhecidas.

Durante a aplicação do DRP, a pesquisadora contou com ajuda de duas

mestrandas16

, que atuaram como facilitadoras do processo de orientação dos participantes

do CDC. Para execução das atividades, foram utilizados materiais auxiliares como papéis

em formato de esferas e retângulos de vários diâmetros e cores, com o objetivo de auxiliar

a montagem do Diagrama de Venn e da Linha do Tempo. No Diagrama de Fluxo, foram

utilizados cartazes e pincéis coloridos.

Para a aplicação das técnicas do Diagrama de Venn e do Diagrama de Fluxo foram

formados dois grupos – A e B –, com três participantes. A Linha do Tempo foi realizada

por um único grupo formado pelos seis representantes do CDC. Toda a dinâmica foi

gravada e transcrita na íntegra, com os resultados de sua construção sendo digitalizados e

reproduzidos de forma idêntica ao material construído durante o encontro, conforme

registros fotográficos conformadores do Apêndices E e F.

3.4 Entrevistas semiestruturadas

A terceira etapa da coleta de dados utilizou a aplicação de entrevistas

semiestruturadas como método de natureza qualitativa próprio de pesquisas empíricas.

Foram realizadas quatorze entrevistas, gravadas e transcritas na íntegra, com representantes

dos três setores da sociedade – cinco pessoas do governo (representantes da Prefeitura

16

Raquel Wildhagen e Daniele Cardoso do Nascimento são atualmente mestrandas do Programa de Pós-

Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e integrantes do Núcleo de Estudos de Ética

e Gestão Social – NUPEGS.

Page 92: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

92

Municipal de Pedro Leopoldo), três da empresa (representantes da InterCement) e uma do

Instituto Camargo Corrêa (ICC), além de cinco pessoas da sociedade civil (representantes

de ONG’s e cidadãos sem vínculos com organizações), tornando possível o estudo de

importantes dimensões de uma análise baseada no relato sobre os motivos pelos quais

aquele território era o alvo do estudo de caso da pesquisa.

Por meio de uma lista codificada, descreveu-se o perfil dos públicos, omitindo-se a

identificação nominal dos entrevistados, que foi substituída pelo destaque à primeira letra

dos setores representados: Governo (G), Empresa (E) e Sociedade Civil (SC). Formava o

grupo de entrevistados pessoas que, direta ou indiretamente, participavam do CDC e/ou

estavam envolvidas em algum movimento social no município de Pedro Leopoldo, que

foram selecionadas pelo método ‘bola de neve’ (Yin, 1981; Eisenhardt, 1989; Meyer,

2001), conforme exposto no Quadro 9.

Quadro 9

Perfil dos entrevistados

Setores Cod. Formação Profissional Participação no

CDC Idade

So

cied

ade

Civ

il

SC1 Engenheiro Sim 59

SC2 Juiz de Direito Sim 60

SC3 Psicólogo Sim 55

SC4 Administrador Sim 53

SC5 Assistente Social Não 40

Go

ver

no

G1 Relações Públicas Sim 32

G2 Médico Sim 64

G3 Psicólogo Sim 32

G4 Pedagoga Sim 38

G5 Pedagoga Não 45

Em

pre

sa E1 Engenheiro Sim 45

E2 Administrador Sim 45

E3 Engenheiro Sim 60

E4 Técnico em Enfermagem Sim 47

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Page 93: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

93

Dentre os doze entrevistados integrantes do CDC, dois se caracterizaram como

participantes pontuais, com pouca frequência nas reuniões, porém conhecedores de todo o

processo de desenvolvimento do comitê, desde a sua inauguração na cidade. Outros dois,

identificados pelo próprio grupo como participantes ativos do CDC, foram afastados pela

instituição que representavam, após mudanças na gestão pública. Conforme relatos de

terceiros, tais afastamentos foram involuntários, mas a ligação com as causas e com os

projetos do CDC se mantiveram de forma voluntária. Por isso, entrevistar essas pessoas

tornou-se preponderante na percepção desta autora, por serem informantes com condição

de contribuir para elucidar alguns desafios intrínsecos aos processos de liderança nas

parcerias intersetoriais.

Os roteiros de entrevista (Apêndices A, B e C) foram estruturados com base em

dimensões temáticas predefinidas no planejamento do referencial teórico, contendo, a

priori, doze perguntas objetivas, questões abertas e flexibilidade para reorientar a

entrevista durante a coleta das informações (Bauer & Gaskell, 2002). No primeiro

momento, foram realizadas entrevistas com um ‘roteiro teste’ para três integrantes do

CDC, que representavam cada um dos três setores – governo, empresa e sociedade civil –

para verificar se as questões elaboradas atendiam alguns requisitos, como: (i) alinhamento

com a dimensão teórica; (ii) clareza e entendimento das perguntas pelo entrevistado; (iii)

tempo previsto para a entrevista (até uma hora de duração); (iv) respostas correlacionadas

com os objetivos específicos da pesquisa; e (v) roteiro adequado para públicos de governo,

empresa e sociedade civil, participante ou não do CDC.

A partir do teste, foi possível verificar que quase todos os requisitos estavam

atendidos, com exceção do último, ou seja, o ‘roteiro teste’ apresentou-se inadequado para

entrevistar as pessoas que não vivenciavam o dia-a-dia do CDC. Em vista disso, esta autora

precisou elaborar outros dois roteiros, a partir de adaptação do primeiro: um para pessoa da

Page 94: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

94

sociedade civil que não participava ativamente do CDC, e outro para pessoa da empresa

que acompanhava as atividades desse comitê, mas não vivenciava a rotina interna do CDC.

Desta forma, foi possível utilizar um mesmo modelo de roteiro para doze pessoas

participantes do CDC, um segundo modelo adaptado para uma pessoa da sociedade civil

não participante do CDC, e um terceiro modelo adaptado para uma pessoa da empresa

externa ao CDC. Todos os três roteiros atenderam aos demais requisitos descritos

anteriormente e foram aplicados individualmente em Pedro Leopoldo, a partir de

agendamento prévio e em local predeterminado pelo entrevistado.

Sobre o conteúdo das perguntas, teve-se o cuidado de não utilizar os termos

‘processos de liderança’, ‘parcerias intersetoriais’ e ‘desenvolvimento sustentável’, a fim

de não provocar qualquer outra reflexão que pudesse influenciar os discursos dos

entrevistados. Porém, nas entrevistas, esta autora tomou a liberdade de intervir no roteiro,

para explorar novas questões anteriormente não identificadas, mas que se mostraram

relevantes para o estudo em questão. O roteiro de entrevistas buscou explorar, ainda no

âmbito do CDC, como os processos de liderança influenciavam as parcerias intersetoriais,

procurando também identificar como os mesmos afetavam a governança compartilhada,

considerada necessária para o alcance de desenvolvimento sustentável nos territórios

(Sachs, Lopes, & Dowbor, 2010).

O roteiro de entrevista foi elaborado com base nos três eixos teóricos, sendo

dividido em três dimensões de análise. A primeira, relacionada ao desenvolvimento

sustentável para as futuras gerações, propôs analisar os desafios para desenvolvimento da

cidade, considerando o potencial transformador do CDC em Pedro Leopoldo e a integração

dos diversos atores da sociedade (Abramovay, 2009; Sachs, 1997; Milani, 2005; Lelé,

1991).

Page 95: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

95

A segunda dimensão, relacionada às parcerias intersetoriais, propôs a realização de

análise de contexto, identificação das formas de atuação e dos tipos de relacionamentos

entre os três setores (governo, mercado e sociedade civil), em Pedro Leopoldo. Com essa

abordagem, buscou-se conhecer o senso de identidade e forças dos atores coletivos e,

também, registrar percepções sobre os papéis da prefeitura, das políticas públicas, das

empresas locais, OSC’s e população da cidade (empresariado do comércio, cidadãos,

escolas etc.) na governança para o desenvolvimento sustentável. Além disso, ainda no eixo

das parcerias intersetoriais, esta autora interrogou sobre a proposta de trabalho que

originou o CDC, como também, sobre a diversidade de representação, envolvimento e

formas de participação coletiva, com o objetivo de verificar a presença de habilidades

sociais (Fligstein, 2007), compartilhamento de interesses (Selsky, J. & Parker, 2005) e

cooperação nas parcerias intersetoriais (Teodósio, 2008; Armistead et al., 2007).

A terceira dimensão envolveu questões possibilitadoras de uma análise dos

processos de liderança (Ospina, 2006), visando conhecer a dinâmica interna para

identificar os espaços de prática da democracia, do diálogo e da colaboração no CDC,

considerando a forma de governança e a perspectiva de ganhos em capital social (Vangen,

& Huxham, 2003). Esta autora questionou, ainda, a percepção da autonomia,

independência e transparência nas tomadas de decisão dos processos do CDC e, por

consequência, o modo como se processam as relações de poder e representatividade entre

esferas de governo, sociedade civil e empresa, buscando constatar a legitimidade e a

construção de significados para a perpetuação do movimento no longo prazo.

A interpretação do conteúdo das informações coletadas tanto no DRP como nas

entrevistas semiestruturadas serviram de base tanto para melhor analisar e compreender os

fatores que podem influenciar os processos de liderança nas parcerias intersetoriais, como

Page 96: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

96

para discutir alternativas de construção de uma governança mais consistente, que favoreça

a colaboração para um desenvolvimento sustentável no território.

No Quadro 10, tem-se um resumo das diretrizes da trajetória percorrida neste

estudo, que possibilita confirmar se o objetivo geral e os objetivos específicos foram

contemplados tanto nas abordagens teóricas como nas dimensões analíticas. Busca-se,

desta forma, um alinhamento do estudo realizado com os métodos de análise propostos.

Quadro 10

Diretrizes de análise

Page 97: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

97

Objetivo Geral Objetivos Específicos Eixos

Teóricos Principais Autores Dimensões Teóricas Variáveis Observáveis Breves Considerações

Investigar os

processos de

liderança nas

parcerias

intersetoriais

estabelecidas no

Comitê de

Desenvolviment

o Comunitário

(CDC) para o

desenvolvimento

sustentável de

Pedro

Leopoldo/MG.

1. Identificar a

interação de atores

da sociedade civil,

empresas e governo

no CDC.

2. Analisar os fatores

que influenciam os

processos de

liderança no CDC.

3. Discutir como os

processos de

liderança afetam a

construção das

parcerias

intersetoriais para o

desenvolvimento

sustentável de

Pedro Leopoldo.

Desenvolvi-

mento

Sustentável

Abramovay, R.

(2003,2009);

Lélé, S. (1991)

Milani, C. (2005)

Sachs, I. (1997, 2004,

2010);

Sen, A. (2010)

Visões e estratégias de

desenvolvimento;

Integração estratégica de

atores diversos;

Perspectiva para

desenvolvimento para

futuras gerações.

Governança e capital

social

Desafios para

desenvolvimento da

cidade Pedro Leopoldo;

Potencial transformador

do CDC em Pedro

Leopoldo para futuras

gerações;

Presença de conflitos de

interesses econômicos com

os interesses sociais,

ambientais e culturais;

Falta de interação social e

confiança entre parceiros.

Falta de governança

compartilhada.

Parcerias

Intersetori-ais

Fischer, T. (2002)

Fligstein, N. (2007)

Selsky, J. & Parker, B.

(2005)

Tenório, F. G. (2004)

Teodósio, A. (2008)

Armistead, C.;

Pettigrew & Aves, S.

(2007)

Senso de identidade no

processo;

Identificação das forças e

dos principais atores

coletivos;

Institucionalização e

coalizão política;

Habilidades sociais;

Compartilhamento de

interesses

Processos de cooperação.

Papel da prefeitura e das

políticas públicas e a

participação das

empresas, OSC’s e

sociedade civil na cidade;

Diversidade de

representação,

envolvimento e formas

de participação coletiva

no CDC;

Dinâmica interna do

CDC;

Enfraquecimento da

participação da sociedade

civil;

Falta de clareza do papel

do CDC no território;

Ausência de

representatividade do

social no CDC;

Alta dependência de

recursos do parceiro

privado.

Interesses coletivos

difusos.

Processos de

Liderança

Crosby, B. C. &

Bryson, J. M. (2010)

Ospina, S. (2001,

2006)

Silvia & McGuire,

2010

Vangen, S. & Huxham

C. (2003)

Liderança compartilhada;

Conectividade para

trabalho colaborativo;

Participação coletiva;

Legitimidade e

distribuição de poder;

Construção de

significados;

Governança participativa

e democrática;

Exercício da democracia,

do diálogo e da

colaboração no CDC;

Prática de autonomia,

independência e

transparência nas

tomadas de decisão;

Relações de poder e

representatividade entre

governo, sociedade civil

e empresa no CDC;

Falta de processos de

liderança;

Desequilíbrio do poder de

decisão entre parceiros.

Falta de legitimidade para

os interesses coletivos;

Ausência de construção

coletiva de projetos de

sustentabilidade no CDC.

Espaço potencial para

inovação social e

participação social ativa.

Problema: Como ocorrem os processos de liderança nas parcerias intersetoriais para o desenvolvimento sustentável de um território?

Fonte: Original desta pesquisa.

Page 98: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

98

O desenvolvimento sustentável, as parcerias intersetoriais e os processos de

liderança constituíram os principais eixos de discussão. Várias fontes foram pesquisadas,

dentre elas, livros, artigos, sítios eletrônicos, bases eletrônicas e bibliográficas das

instituições envolvidas, porém, culminando em escasso conteúdo sobre ‘processos de

liderança’, no idioma nacional ou escritos por autores brasileiros, o que identifica um

espaço aberto à realização de outras pesquisas sobre o tema, a partir da abordagem deste

estudo. Alguns autores foram referenciados com mais frequência do que outros, mesmo

esta autora tendo buscado outros artigos publicados em datas distintas (como o caso de

Sonia Ospina), o que não deixou de enriquecer este estudo com mais informações sobre as

diferentes abordagens do fenômeno estudado.

Na medida em que esta autora entrava em contato com conteúdos de diferentes

pesquisadores, foi se impondo a elaboração de um quadro paralelo para destacar os termos

que, na sua opinião, se repetiam mais ou eram congruentes com o tema da pesquisa.

Consolidou-se, então, o uso de alguns termos para cada eixo denominado de ‘dimensões

teóricas’. A partir da construção das ‘dimensões teóricas’, foi possível identificar as

‘variáveis observáveis’, que serviram de base para a elaboração dos roteiros de entrevista

semiestruturada. O objetivo foi garantir que os mesmos subsidiassem uma coleta de dados

que pudessem favorecer uma análise coerente com a discussão teórica.

Assim, a partir dos dados coletados e das análises enunciadas, foi possível destacar

considerações que apontam para alguns resultados identificados na pesquisa de campo, que

foram melhor explorados nos capítulos Análise de Resultados e Considerações Finais. A

seguir, tem-se a descrição do perfil do território Pedro Leopoldo-MG, e do contexto que

originou o CDC naquela cidade, informações que podem reforçar a compreensão da

relevância de sua escolha como objeto do estudo de caso.

Page 99: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

99

3.5 Pedro Leopoldo-MG e o contexto do CDC

Trata-se de um município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH),

cujo território abriga 58.740 habitantes (Censo 2010). Situado em faixa elevada17

, seu

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal18

(IDH-M) de 0,757 (PNUD, IPEA & FJP,

2010) coloca-o dentre aqueles com população de melhor expectativa de vida ao nascer,

educação e PIB Per Capita (PPC). Os dados do Censo de 2010 mostraram que Pedro

Leopoldo ocupa a 420ª posição em relação aos 5.565 municípios do Brasil, e a 30ª posição

em melhor desenvolvimento humano dentre os 853 municípios de Minas Gerais19

.

A cidade foi fundada em 1918, quando tinha a pecuária como principal atividade

econômica. A partir da década de 1950, Pedro Leopoldo iniciou uma expressiva trajetória

industrial, com a instalação de fábricas do ramo têxtil e cimenteiro. Em 1952, foi instalada

na cidade a fábrica de cimentos Cauê, atual InterCement, afiliada do Grupo Camargo

Corrêa, atualmente considerada uma das cinco maiores produtoras de cimento no Brasil,

com atuação em 20 estados brasileiros e 19 países. Em 1974, foi inaugurada a Ciminas

que, mais tarde, passou ao controle do grupo Holcim, ocupando hoje o segundo lugar no

ranking das cimenteiras em todo o mundo.

O Grupo Camargo Corrêa é um dos maiores conglomerados privados do Brasil,

com atuação em 20 estados brasileiros e 19 países, e receita líquida consolidada de R$ 17,3

bilhões, em 2011. As empresas controladas pelo grupo atuam nas áreas de engenharia e

construção, concessão de energia e transporte, indústria têxtil e de calçados, construção

17

IDH-M entre 0,700 e 0,799 (recuperado de http://www.atlasbrasil.org.br/2013/, em 18 de novembro de

2013). 18

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mede o progresso de uma nação a partir de três dimensões:

renda, saúde e educação. O IDH tornou-se uma referência mundial e nacional, sendo utilizado pelo governo

federal e por administrações regionais através do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M).

(PNUD Brasil recuperado em http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH. 19

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano Municipal, recuperado em http://www.atlasbrasil.org.br/2013/.

Page 100: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

100

naval e incorporação imobiliária, além da indústria de cimento, com cerca de 60 mil

funcionários.

A cidade de Pedro Leopoldo tornou-se referência nacional e internacional na

fabricação de cimento pela alta fonte de calcário em seu território. Tal riqueza mineral, ao

mesmo tempo em que influenciou seu perfil econômico, deu novo impulso ao comércio,

indústria e transporte da região (Werneck, et al., 2012). Porém, fatores negativos

acompanharam o avanço industrial. Estudos identificaram que o município apresenta uma

maior incidência de problemas respiratórios (tosse constante, dispnéia e rinorréia),

principalmente, nas crianças que moram no entorno da cidade, principal área de produção e

trânsito das fábricas de cimento (Milanez et al., 2009).

Como curiosidade20

, há relatos de moradores da cidade que afirmam que Pedro

Leopoldo estará sempre condenada à poluição pelo pó de cimento, por abrigar indústrias

cimenteiras, principalmente, a InterCement, localizada em posição contrária ao fluxo dos

ventos das montanhas, que fluem em direção ao perímetro urbano. Esse fenômeno

desfavorece as condições do meio ambiente, intensificando a poluição por concentração de

pó de cimento no ar, nos telhados das casas e nos pulmões dos habitantes. Fato que

justifica, em parte, a percepção negativa dos moradores sobre as indústrias de cimento,

apesar de reconhecerem que são os maiores empregadores de mão de obra na cidade

(conforme relatado na entrevista do SC1).

No relacionamento com a comunidade local, a antiga Cauê adotava uma conduta de

prestação de serviços sociais e doação de insumos, de forma assistencialista, para todos

aqueles que a ela recorriam. Após a incorporação da Cauê pelo Grupo Camargo Corrêa, em

1997, tal conduta foi abortada, por não se adequar à política de investimento social privado

da InterCement. Conforme relatado pelo seu Diretor de Operações, no decorrer do

20

Não foram encontrados dados oficiais sobre esse fenômeno. Assim, ele foi considerado, por esta autora,

como ‘curiosidade’ relatada pelo entrevistado SC1 no processo de coleta de dados.

Page 101: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

101

processo de sua adaptação às políticas do novo grupo, foi evidenciado um forte sentimento

de frustação por parte dos empregados, em razão do cancelamento das práticas

assistencialistas da empresa para a comunidade e, também, por causa do alto índice de

demissões então tidas como necessárias. Tais ações geraram um distanciamento da

comunidade e instituições sociais locais em relação à InterCement, por longo período. Em

depoimentos registrados por Werneck et al. (2012), constata-se que esse distanciamento

provocou, na sociedade local, um forte sentimento de desconfiança em relação a qualquer

iniciativa de intervenção social da nova gestão da empresa. A implantação de um programa

que pudesse quebrar a desconfiança e o sentimento de repúdio pela InterCement e, por

extensão, pelo Grupo Camargo Corrêa, configurou-se como uma necessidade de melhoria

dos laços de convivência entre empresa, governo e sociedade civil.

Dessa forma, em 2007, o Instituto Camargo Corrêa (ICC), braço social do grupo,

por meio da empresa coligada InterCement, propôs a implantação de um programa de

desenvolvimento comunitário, a ser mantido por meio de investimento social privado,

visando envolver, além do poder público, atores da sociedade civil e voluntários da

InterCement. A proposta apresentada pelo ICC pautou-se na promoção de uma gestão

participativa de projetos sociais. Os resultados almejados visavam a estruturação de

“comunidades preparadas e comprometidas com a superação de seus desafios; [...] ser um

fim em si, e não um meio para um fim” (Werneck et al., 2012, p. 16). Argumento que

reforçou a motivação desta autora para eleger o CDC de Pedro Leopoldo como sujeito

desta pesquisa, por disponibilizar um contexto que talvez se configurasse em processos de

liderança por meio das parcerias intersetoriais e governança compartilhada. Tal contexto

envolve o desenvolvimento de projetos nas áreas da infância e adolescência (Projeto

Infância Ideal) e de educação (Projeto Educação Ideal) (Werneck et al., 2012).

Page 102: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

102

Sob a ótica empresarial, Werneck, et al. (2012) afirma que as iniciativas de

investimento social privado do Grupo Camargo Corrêa tem potencial para gerar, além de

valor compartilhado, capital social para a empresa e para a sociedade e, ainda, estabelecer

uma Licença Social para Operar (LSO). O conceito de LSO está relacionado à aceitação ou

apoio que uma empresa recebe para seus empreendimentos e iniciativas por parte de seus

stakeholders, inclusive, das comunidades diretamente afetadas por suas iniciativas

produtivas (Werneck et al., 2012). A LSO não se baseia exclusivamente em dados, mas nas

experiências, crenças, opiniões e percepções dos atores externos à empresa, o que significa

que tanto pode ser ampliada quanto retirada no decorrer do tempo, devendo ser gerida de

forma a assegurar sua manutenção (Werneck et al., 2012).

No âmbito da sociedade, os autores atestam que o investimento social privado tem a

função de criar oportunidades de desenvolvimento autônomo via organização e

participação social, considerando que a construção de capital social deve promover a

melhoria da qualidade das relações sociais, de forma a fortalecer o diálogo entre as partes

interessadas (stakeholders), gerando governança social, confiança, participação, inclusão e

parcerias. E isto porque somente por meio de intervenção social participativa seria possível

contribuir para fortalecer a cidadania, a autonomia e a criação desse capital social

(Werneck, et al., 2012).

Ainda conforme Werneck et al. (2012), na criação do programa de investimento

social privado da Camargo Corrêa, os gestores buscaram aplicar um “modelo de liderança

participativa e compartilhada”, que estaria alinhado com o princípio corporativo de

garantia do engajamento das pessoas na causa por meio de comitês e fóruns de trabalho.

Esse enfoque apresentou-se, neste estudo, como um ponto importante para algumas

análises do CDC, uma vez que essa prática não foi confirmada pelos relatos dos agentes da

pesquisa.

Page 103: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

103

No contexto histórico, após a definição dos ideais de alcance do programa, entre o

final de 2007 e início de 2008, foi lançado, na cidade de Pedro Leopoldo, o Comitê de

Desenvolvimento Comunitário (CDC), no âmbito de um seminário com participação

especial da médica pediátrica e sanitarista brasileira Sra. Zilda Arns21

e a presença de

várias lideranças locais. O objetivo do CDC, apresentado no ato de seu lançamento, foi o

de elaborar e executar projetos que estivessem alinhados com o plano de políticas públicas

da cidade, por meio de parcerias entre a empresa, secretarias municipais e conselhos de

direito, organizações da sociedade civil e voluntários da empresa que atuam nas questões

ligadas ao desenvolvimento social na cidade (Werneck et al., 2012).

A partir de então, o CDC passou a ser integrado pelos parceiros: Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselho Tutelar,

Fundação Pedro Leopoldo (FPL), Fundação José Hilário, CIVICO InterCement, Instituto

Nacional de Desenvolvimento, Social e Humano, Maternidade Doutor Eugênio Gomes de

Carvalho, Pastoral da Criança, Prefeitura Municipal de Pedro Leopoldo (secretarias

municipais de Educação e Cultura, Saúde e de Desenvolvimento Social) e Sociedade São

Vicente de Paulo (SSVP), dentre outras organizações sociais. Atualmente, alguns desses

parceiros já não participam ativamente das atividades do CDC.

Conforme relato de alguns participantes, nesse seminário ocorrido em 2008, foi

apresentada a proposta de desenvolvimento de projetos, a partir de diagnóstico realizado

pelo ICC e CDC. Também foram definidas quatro frentes de atuação, com formação de

subgrupos para desenvolvimento de projetos com temática centrada em: (i) capacitação de

profissionais da educação infantil; (ii) melhoria do atendimento a gestantes e recém-

nascidos (Escola da Gestante); (iii) fomento do lazer, esporte e cultura (LEC); e (iv)

21 Irmã do arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, Zilda Arns foi também fundadora e coordenadora

internacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de ação social da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Page 104: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

104

redução do índice de gravidez na adolescência (PEAS) (Werneck et al., 2012). Os projetos

seriam alinhados com as diretrizes de desenvolvimento comunitário presentes na política

de intervenção social do próprio ICC.

Institucionalmente, o programa de desenvolvimento comunitário do ICC é

composto por três frentes de atuação: (i) infância; (ii) educação; e (iii) empreendedorismo.

Nas cidades onde há unidades produtivas do Grupo Camargo Corrêa, os CDC´s são

orientados a escolher, dentro desse escopo, os focos de atuação dos projetos que serão

apresentados como propostas para financiamento pelo ICC. O CDC optou por desenvolver

projetos com foco nas áreas da infância e educação (Figura 3). O eixo ‘Futuro Ideal’ foi

destacado por ainda não fazer parte do escopo de projetos do CDC.

Figura 3

Programas estruturantes do Instituto Camargo Corrêa

Desenvolvimento Comunitário

Infância Ideal Escola Ideal Futuro Ideal

Crianças de zero a 6 anos Proteção dos direitos da

primeira infância

Crianças e Adolescentes de 6

a 16 anos Qualidade na gestão da

escola pública

Jovens de 16 a 29 anos Empreendedorismo e geração

de trabalho e renda

Ideal Voluntário Estímulo à ação cidadã

Conselho Consultivo Parceiros Estratégicos Parceiros Locais

Nota. Fonte: Instituto Camargo Corrêa (2009, p. 20).

Para elaboração e desenvolvimento do projetos, as reuniões do CDC ocorriam uma

vez por mês e, eventualmente, eram realizados encontros temáticos de pequenos grupos,

conforme o envolvimento das pessoas nos projetos desenvolvidos pelo comitê. Além de

mobilizar e financiar os projetos aprovados nessas frentes de trabalho, o ICC e a

InterCement identificaram e contrataram profissionais para capacitar os integrantes do

Page 105: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

105

CDC, para que executassem bem as atividades planejadas, alcançando efetividade nos

projetos.

No decorrer da execução desses projetos, o resultado mais expressivo foi o

alcançado pela Escola de Gestantes22

, em 2012. A partir desse resultado positivo, o então

prefeito de Pedro Leopoldo transformou o projeto Escola de Gestantes em uma política

pública, o que permitiu estendê-lo para toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS),

mantendo-se, inclusive, os parcerias não integradas ao escopo do ICC e da InterCement

(Werneck et al., 2012).

Nesse sentido, é interessante destacar que, pela ótica da empresa, o CDC é

considerado uma experiência bem-sucedida, que estaria alinhada com os fatores de sucesso

nas relações com a comunidade, segundo Zandvliet e Anderson (2009). Em pesquisa com

empresas do ramo de mineração em diferentes continentes, os autores destacam três

condições (Figura 5) que atestam o sucesso da empresa nas relações com a comunidade.

22

A Escola da Gestante funciona na atualidade em quatorze Postos de Saúde da Família (PSFs), na

Maternidade e na Clínica de Saúde da Mulher e da Criança em Pedro Leopoldo. Nessas unidades de saúde

foram realizadas, ainda, a aquisição de equipamentos e reformas financiados pelo ICC e outros parceiros.

Dentre as ações educativas e preventivas com as gestantes e seus familiares estão discussões sobre higiene,

saúde bucal e alimentação, a modificação do organismo durante a gravidez, o desenvolvimento do feto e a

importância da amamentação. Também são abordados aspectos como a participação dos pais nos cuidados

dos recém-nascidos, planejamento familiar, vínculos familiares e direitos da mulher (Werneck et al, 2012).

Page 106: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

106

Figura 4

Relação de sucesso na visão das comunidades

Nota. Fonte: Zandvliet & Anderson (2009).

Na avaliação de Werneck et al. (2012), o programa de investimento social privado

da Camargo Corrêa contribui efetivamente para o desenvolvimento local de Pedro

Leopoldo. O autor atesta, ainda, que os métodos de trabalho em parceria com os demais

atores estão em conformidade com práticas de justiça e respeito aos stakeholders

propaladas pela política de responsabilidade social da empresa, acrescentando que a

InterCement estaria assumindo a responsabilidade por todos os impactos decorrentes da

sua ação através do seu programa de voluntariado na comunidade. Uma indagação

acessória deste estudo, apresentada quando da análise do documento de instituição do

referido programa, é se o CDC está de fato alcançando tamanha dimensão nesses

resultados apresentados por Werneck et al. (2012): os integrantes do CDC reconhecem

esses resultados no dia-a-dia? O que se pode antecipar é que, no decorrer deste estudo,

será possível verificar que os resultados da pesquisa de campo indicam que não.

Page 107: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

107

Outros fatores interessantes apontados na pesquisa de Werneck et al. (2012) estão

relacionados com os riscos e oportunidades criados por este programa de investimento

social privado do Grupo Camargo Corrêa. Como fatores de risco para sobrevivência das

parcerias, os autores citaram dificuldades para: (i) desenvolver projetos de forma

intersetorial; (ii) lidar com as mudanças na gestão da administração pública; (iii) definir

projetos no CDC livres de influência da Camargo Corrêa; e (iv) ajustar os limites de

intervenção entre a empresa e a sociedade civil. Como oportunidades, Werneck et al.

(2012) destacaram: (i) o avanço do diálogo com concorrentes; (ii) as mudanças

administrativas na empresa em decorrência dos processos exigidos pelo programa; e (iii) o

intercâmbio de experiências entre sociedade civil, empresa e poder público.

Desta forma, tanto os riscos como as oportunidades apresentadas por Werneck et

al. (2012) confirmam alguns conceitos discutidos no escopo teórico deste estudo,

principalmente, no que diz respeito à difícil operacionalização das parcerias intersetoriais

(Selsky, & Parker, 2005; Fligstein, 2007). Ao admitirem assimetria de poder entre

empresa, Estado e sociedade civil, Werneck et al. (2012) sugerem, também, a dificuldade

de se consolidar os processos de liderança nas parcerias intersetoriais.

A partir desses achados, reforçaram-se outras indagações originadas desta

investigação: (i) como será que as dinâmicas utilizadas na busca do desenvolvimento

sustentável podem acontecer em decorrência de processos de liderança?; (ii) será que o

‘modelo CDC’ pode ser considerado um espaço de articulação intersetorial e de

governança mais horizontal e menos tutelada por algum expoente da sociedade?; (iii) como

será que os processos de liderança no CDC de Pedro Leopoldo ocorrem, considerando os

relatos de caráter estratégico para a LSO do Grupo Camargo Corrêa?; (iv) o modelo de

‘liderança participativa’ e de ‘valor compartilhado’ adotado pelo programa da empresa está

Page 108: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

108

reproduzindo as aspirações dos diferentes atores participantes do CDC e da própria

sociedade de Pedro Leopoldo?

Essas questões serão exploradas, em profundidade, no próximo capítulo, dedicado

à analise dos dados coletados, com o objetivo de desvelar os processos de liderança no

desenvolvimento sustentável do território em foco.

Page 109: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

109

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Processos de liderança no desenvolvimento sustentável de Pedro Leopoldo

A partir da análise dos dados coletados no período de dezembro de 2012 a agosto

de 2013, serão explorados, neste capítulo, aspectos da realidade concreta vivenciada e

relatada pelos atores envolvidos com os projetos do CDC voltados ao desenvolvimento

sustentável do território de Pedro Leopoldo-MG.

Durante a primeira participação desta autora na reunião do CDC, em dezembro de

2012, o Sr. Uelton a apresentou aos integrantes desse comitê que, gentilmente, mostraram-

se interessados em participar da pesquisa. Por constar da pauta, os integrantes do comitê

apresentaram alguns resultados dos projetos desenvolvidos no período de 2008 a 2012, e

discutiram propostas dos novos projetos que gostariam de desenvolver a partir de 2013.

Ainda constava da pauta o debate sobre a transição da administração pública da Prefeitura

de Pedro Leopoldo, tendo em vista o objetivo do CDC de garantir, por mais quatro anos, a

continuidade da parceria entre a InterCement, a prefeitura e a sociedade civil. Ainda pendia

a aprovação da agenda de trabalho do CDC pela prefeita eleita e, também, pelo Instituto

Camargo Corrêa, único parceiro financiador dos projetos. Discutiu-se, então, qual seria a

melhor estratégia de apresentação do CDC à nova prefeita, quem faria a apresentação da

proposta e quais resultados deveriam ser apresentados para convencer a gestora pública a

apoiar o CDC, dando continuidade ao trabalho executado na administração municipal

anterior. Ficou decidido que um pequeno grupo formado pelo Diretor do ICC,

Coordenador do CDC, Secretária de Educação, Presidente da Fundação José Hilário e

Diretor da Fundação Pedro Leopoldo (FPL) participariam desse encontro com a prefeita

em janeiro de 2013.

Page 110: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

110

O resultado dessa reunião do ano foi positivo, pois determinou a continuidade da

parceria da Prefeitura de Pedro Leopoldo com os demais atores do CDC. Segundo

depoimento de membros do CDC, algumas mudanças significativas ocorridas de uma

gestão para outra foram relacionadas à gestão de pessoas, como a transferência e a

exclusão de algumas equipes de trabalho nas Secretarias Executivas da Prefeitura,

principalmente, naquelas ligadas às áreas de educação, saúde e desenvolvimento social,

com maior representação no CDC. Tais mudanças imprimiram uma nova configuração de

representantes no âmbito do comitê, consequente da evasão de algumas pessoas chave, que

dele participavam desde a sua origem e, por isso, tinham um sólido envolvimento com os

projetos.

É possível confirmar tais ocorrências tanto nos relatos dos representantes que

permaneceram no CDC, como daqueles que se afastaram do comitê. De acordo com tais

depoimentos, esta alteração de pessoal pode ter contribuído para diminuir o grau de

conectividade então presente nos projetos do CDC, enfraquecendo a participação coletiva

construída durante os quatro anos de trabalho. Percepção que pode ser confirmada pelos

depoimentos a seguir:

[...] todo mundo tinham vontade de fazer alguma coisa, e aí nós conseguimos unir

as pessoas. Conseguimos construir as ações porque o grupo tinha uma vontade de

fazer, uma determinação, uma seriedade que foi contagiante para todos, sabe? Foi

uma experiência belíssima! A vontade era um diferencial do grupo [...]. Tinha

subgrupos e [...] nada impedia de um dar ‘pitaco’ lá na gestante, lá no lazer e de ir

ajudar numa ação [...]. Nós podíamos transitar entre cada grupo, dando nossa

contribuição [...]. A gente sabia que cada grupo tinha pessoas que eram

responsáveis [...]. (Entrevistado G5).

[...] naquele CDC 95% é serviço público. O dia que mudar a administração, esse

povo sai todo. O prefeito entra, quer destituir tudo que foi feito pelo outro. Dá um

constrangimento de colocar essas pessoas em contato, quem estava na

administração anterior e quem está nessa [...]. As pessoas indiretamente envolvidas

recebem essa pressão e elas se encolhem [...]. (Entrevistado SC1).

[...] agora a fase é diferente, a gente já tinha um CDC maduro, e a gente começou

tudo de novo [....]. Tinha as pessoas que estavam maduras, já sabiam discutir, já

sabiam as metas, onde queríamos chegar [...], e aí parece que a gente começou de

novo, de fevereiro (2013) pra cá [...]. Tem que explicar o tempo todo, articular o

Page 111: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

111

tempo todo, tem que tá falando com as secretarias pra colocar gente pra participar,

mostrando que a gente vai tá junto, e eles vão fazer o que deveriam fazer mesmo.

Não tá saindo em nada da proposta de trabalho deles (secretarias). (Entrevistado

E5).

Fica nítido, portanto, que a mudança na administração pública passou de algo que

era melhor para algo “menos maduro”. Isso reflete o que Armistead et al. (2007) relataram

sobre as dificuldades das parcerias intersetoriais, incluindo descompasso de agendas, falta

de confiança e vulnerabilidade para lidar com manobras ou interesses políticos (Vangen, &

Huxham, 2003). Nessa experiência realizada em Pedro Leopoldo pelo CDC, observa-se os

desafios da intersetorialidade diante da complexidade dos problemas sociais, do declarado

descompasso dos atores na convergência dos interesses públicos e privados e da transição

de processos que envolvem a administração pública nos territórios (Dowbor, 2007).

Na reunião seguinte do CDC, em fevereiro de 2013, o ICC apresentou a lista de

projetos aprovados para receber financiamento e serem desenvolvidos durante o ano. Para

a surpresa dos demais parceiros e integrantes do CDC, havia projetos que, mesmo

apresentando bons resultados durante o período desenvolvido, seriam descontinuados por

falta de financiamento do ICC, e outros que, mesmo apresentando expressivos resultados,

seriam reavaliados nos próximos meses, ficando, portanto, na ‘lista de espera’ de uma

definição do investimento pela empresa. Com isso, alguns coordenadores passaram a ter

como pendente a continuidade dos seus projetos. Como justificativa para a indefinição, o

ICC explicou que ela decorria da redução de recursos para o CDC de Pedro Leopoldo,

naquele ano, em decorrência de uma recente aquisição de unidade operacional pelo Grupo

Camargo Corrêa em outro território. Com isso, os recursos pré-determinados no orçamento

de 2013 para Pedro Leopoldo, precisaram ser redistribuídos, considerando esse novo

investimento do grupo empresarial.

Diante dessa notícia, foi possível perceber expressões que sinalizaram

descontentamento, principalmente, das pessoas diretamente afetadas. Inevitavelmente, os

Page 112: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

112

comentários paralelos surgiram com intensidade, confirmando, na percepção desta autora,

a presença de um forte sentimento de frustação e desaprovação pela forma com que os

processos de decisão do CDC estavam sendo conduzidos. Os participantes começaram

então, a questionar os representantes do ICC sobre os critérios de escolha de determinados

projetos em detrimento de outros que, no entendimento deles, estariam na mesma condição

de importância para o desenvolvimento comunitário. Discutiram, ainda, a falta de

autonomia do CDC para decidir sobre os projetos que receberiam investimentos pela

empresa, considerando que essa postura do parceiro privado não correspondia à proposta

original do CDC, determinada em sua instituição em 2007.

Em dado momento, um representante da sociedade civil chamou a atenção dos

presentes para pontos importantes relacionados à capacidade de governança compartilhada

do CDC, alertando o grupo sobre a necessidade de uma nova postura do comitê para

avaliar propostas de projetos que deveriam ser prioridade para a população de Pedro

Leopoldo. O que dotaria o CDC da necessária autonomia para decidir quais projetos teriam

potencial para se transformar, ou não, em política pública municipal. Após esse

comentário, houve um instante de silêncio no grupo, seguido de imediata declaração por

parte de outro ator, dessa vez, um representante da empresa. Valendo-se de habilidade

diplomática, ele tentou acalmar os ânimos, propondo que um novo debate sobre o escopo

dos projetos do CDC para 2013 constasse da pauta de uma nova reunião.

Avalizando a percepção desta autora, momentaneamente, os ânimos se acalmaram.

Porém, a frustação e a desconfiança, provavelmente, eram sentimentos que, então

reprimidos, poderiam provocar conflitos futuros. Em relação a isso, é importante

reconhecer que na evolução institucional do desenvolvimento no território, a governança e

a definição de políticas públicas em domínios que interessam à comunidade, devem ser

Page 113: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

113

arquitetadas e estrategicamente articuladas pelos atores que representam a sociedade civil

(Lévesque et al., 2012).

Neste sentido, é fundamental tanto a identificação das divergências entre os

envolvidos como a necessidade da criação de convergência de interesses em grupos com

múltiplos atores (Ospina, & Foldy, 2010). Desta forma, manter a diversidade de vozes,

criar dinâmicas com estruturas abertas e transparentes, de forma a permitir maior e efetiva

participação dos membros do grupo em movimentos que propõem alguma mudança social,

é fundamental nos processos de liderança (Ospina, & Foldy, 2010).

É esse cenário de frustração e desconfiança, decorrente do desequilíbrio nas

decisões que envolvem a definição dos projetos do CDC, que atesta a falta de autonomia e

de governança do comitê nas tomadas de decisão e, como resultante, o enfraquecimento de

sua legitimidade como representante da sociedade de Pedro Leopoldo. Neste sentido,

necessário se faz reafirmar que uma sociedade tende a se desenvolver, quando explora de

forma dinâmica as suas competências, que se articulam em prol de objetivos comuns e

interesses compartilhados (Dowbor, 2006; Milani, 2005, Selsky, & Parker, 2005).

Essa reflexão também faz sentido, ao analisarmos alguns relatos de entrevistados

que destacaram essa questão da autonomia e da falta de independência do CDC:

Eu acho que quando ela (Camargo Corrêa) lançou isso (CDC), foi muito feliz, uma

proposta bacana, porque você chama as pessoas para sua responsabilidade, as

pessoas começam a ter um papel. Mas, eu acho que ele (CDC) não tem tanta

autonomia, porque a linha de atuação já é definida. “Nós estamos fazendo comitê

para isso, isso e isso, mas a gente só investe nisso, nisso e nisso”. Então tem que

definir? Tem. Mas tem que ser uma coisa mais flexível, a partir do diagnóstico.

Quando começou o CDC, ela (Camargo) veio com a proposta pronta, eu me lembro

porque eu estava lá. (Entrevistado SC5).

[...] “o CDC é bem democrático, porém ele tem foco definido e tem alinhamento

definido”. (Entrevistado E2).

[...] para funcionar (o CDC) tem autonomia. Agora, de rumos a tomar não tem

autonomia, porque está muito dependente dos projetos que são oferecidos pelo

Instituto, [...] então a gente está muito dependente do Instituto, [...] o CDC não tem

nenhum projeto que ele propôs independente do Instituto, [...] todos os projetos do

Page 114: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

114

CDC, a menos que eu esteja enganada, são projetos vinculados ao Instituto

Camargo Corrêa. (Entrevistado G4).

É interessante analisar que a visão de democracia e autonomia apresentada nos

relatos poderia ser passível de contestação, quando os atores, em condições institucionais,

são levados pela definição de significados pouco compartilhados em seus campos,

principalmente, quando uma das partes atua com certo nível de habilidade social, que

minimiza ou inibe qualquer iniciativa da outra parte de contestar os sistemas de poder e

privilégio imerso no campo, porque dele depende (Fligstein, 2007).

Trata-se de uma visão estreita de democracia, que não consegue visualizar,

inclusive, a importância das liberdades políticas (Sen, 2010), fator crucial, que pode fazer a

diferença na aproximação do CDC com a sociedade de Pedro Leopoldo. Como citado por

Sen (2010), entre a liberdade política e os direitos democráticos há três considerações

básicas: (i) a capacidade ‘direta’ de participação política e social; (ii) a capacidade

‘instrumental’ de ouvir de outras pessoas reinvindicações com foco político; e (iii) o ‘papel

construtivo’ para compreender as necessidades econômicas em contextos sociais.

Evidencia-se que um Comitê mais democrático e legítimo requer diálogos mais abertos e

liberdades políticas que, como pontos centrais dessa interação, podem materializar o

desenvolvimento sustentável do território.

Na reunião seguinte do CDC, teve-se a retomada da abordagem do posicionamento

do ICC quanto a aprovação, ou veto, de projetos na área da infância e adolescência,

segundo o plano do Comitê para 2013. Os presentes também abordaram assuntos sobre o

alcance de resultados do Projeto Rede que, na opinião de alguns recém-integrantes,

inexistiam, ou seja, não se obtinha resultados. Ocorre que tais cidadãos, por

desconhecerem o Projeto Rede, em razão de seu recente acesso ao CDC, por não conseguir

captar a extensão de suas ações, não sabiam definir quais resultados poderiam ser

Page 115: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

115

apresentados ao ICC, em curto prazo, para a manutenção de investimentos futuros no

projeto.

Em contraposição, outros integrantes, representantes da sociedade civil e da

prefeitura, destacaram a importância do Projeto Rede para a integração das ações entre os

Conselhos de Direitos e demais secretarias municipais, escolas e organizações da

sociedade civil, usando como argumento a grande necessidade e, também, a complexidade

da inter-relação desses atores para tratar, de forma ampliada e compartilhada, os problemas

sociais relacionados à infância e adolescência. Em sua maioria, os integrantes concordaram

em dar mais tempo ao Projeto Rede. Isso demostrou, portanto, o potencial do CDC como

espaço de diálogo, o que favorece a configuração de processos de liderança, na medida em

que as decisões dos rumos a tomar são realizadas em prol de objetivos comuns e interesses

compartilhados (Selsky, & Parker, 2005).

Na visão desta autora, a participação da maioria dos integrantes do CDC ainda se

apresentava mais silenciosa e menos participativa, denotando um perfil comportamental

diferente daquele de reuniões anteriores. Além da baixa representatividade da sociedade

civil no comitê, os posicionamentos se mostravam pouco críticos, considerando-se o clima

de tensão gerado na reunião anterior. Houve, inclusive, questionamentos sobre a razão de

algumas pessoas normalmente mais ‘polêmicas’ se encontrarem tão caladas. E essas se

justificaram, argumentando que gostariam de participar mais como observadores.

Essa mesma característica comportamental foi percebida na reunião posterior,

sendo a baixa participação dos atores nos assuntos da pauta, atitudes contrárias a uma

característica básica do CDC de Pedro Leopoldo, considerado, pelo ICC e pelos

representantes da InterCement, como o CDC mais polêmico e crítico de todos os demais

CDCs de outros territórios. O caráter polêmico e crítico do CDC foi também referenciado

Page 116: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

116

nos relatos de alguns entrevistados, que demostraram sua preocupação com a legitimidade

e a distribuição de poder no CDC, conforme relatado a seguir:

[...] o CDC não tem autonomia não! E essa era a ideia, de que a gente teria. A gente

é que aprovava os projetos na proposta inicial. Pra facilitar a gestão deles (ICC),

queriam que as cidades aceitassem um pacote pronto [...]: “nós queremos fazer isso

e vai ser feito dessa forma”, e aí jogava pro CDC dar uma maquiada e falar que

aquilo teria cara do CDC local [...]. Na verdade não é assim que aconteceu [...] nós

tivemos muito problema por ser uma das cidades com um grupo de pessoas do local

que não estava aceitando muito facilmente as coisas. [...] foi quando tivemos os

embates iniciais: “nós não queremos o pacote pronto, a gente quer criar o projeto”

[...]. Pedro Leopoldo então não andou no padrão de todo mundo [...] agora eles

devem querer puxar Pedro Leopoldo para andar no padrão de todo mundo [...] acho

que é isso que tá acontecendo agora. (Entrevistado SC4).

[...] quando existe um (co)mando grande da parte da Camargo, às vezes eles acham

que são donos do pedaço. A gente fica nervoso de eles acharem que estão fazendo

um favor, essa postura assim [...] Nós estamos trocando! Eles têm que ter uma

responsabilidade social, e eles têm que ter uma licença social, e para eles terem uma

licença social, as coisas têm que estar funcionando; [...] a gente fala assim: ‘Tem

muito pó ainda; não dá para esconder debaixo do tapete não, tem que funcionar

adequadamente aqui dentro’. [...] Então isso incomoda a gente [...]. (Entrevistado

G2).

[...] para sedimentar, o grande desafio agora é ter líder de comunidade fazendo

parte do CDC, para ter legitimidade, para falar das suas mazelas. Se você não tiver

legitimidade para falar de você, você não vai me escutar. Você vai criar uma

barreira, e eu não consigo chegar onde preciso chegar. Vai ser a tendência,

legitimar as pessoas que são da comunidade, que estejam aqui dentro, para tratar os

pontos que para eles são importantes. (Entrevistado E1).

Como atestado no referencial teórico deste estudo, esse cenário contribui para

reforçar a discussão proposta por Ospina (2006), de que a liderança se manifesta em um

grupo, quando seus integrantes enfrentam desafios para avançar em uma determinada

agenda, ou quando tentam mudar alguma coisa, ou seja, quando ela surge como uma

capacidade do grupo de produzir resultados a partir dos processos de criação de sentido

(significado de decisões). Assim, o que une essa nova forma de identificação da liderança

pode ser o reconhecimento de que, convencer indivíduos a se envolverem (Fligstein, 2007)

em mudança social, requer a legitimação das crenças e dos valores (Ospina; Foldy, &

Page 117: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

117

Goldman, 2008) para minimizar as desigualdades de poder e reconhecer o valor estratégico

das ‘diferenças’ (Ospina, & Foldy, 2010; Skwara, 2005). Daí retoma-se a questão abordada

anteriormente sobre a importância da conquista de autonomia, pelo CDC, para a

legitimidade nos processos de liderança (Lévesque et al., 2012; Ospina, & Shall, 2001),

fortalecimento do capital social (Milani, 2005), construção de significados (Ospina, 2006)

e integração dos diversos atores para desenvolvimento sustentável do território (Sachs,

Lopes, & Dowbor, 2010).

Durante um treinamento direcionado a todos os integrantes do CDC, promovido

pelo ICC e InterCement em julho de 2013, ao contrário das últimas reuniões, foi possível

perceber uma ação propositiva em relação à postura passiva anunciada. Diferentemente das

reuniões anteriores, esse encontro apresentou um maior número de atores das três esferas

da sociedade e uma produção de debates mais polêmicos e críticos sobre a governança do

comitê. Sob o comando de um consultor externo, esse treinamento, especificamente,

envolveu rodadas de diálogos e trabalhos em grupo para responder três blocos de perguntas

sobre o CDC.

Na primeira rodada, as questões trabalhadas por cada grupo estavam relacionadas

com: (i) a identificação do papel do CDC no município; (ii) a forma de tornar o programa

(CDC) sustentável; e (iii) a identificação do grau de envolvimento de cada integrante com

o CDC. Na segunda rodada de diálogo, os grupos precisavam debater e definir: (i) quais

eram as perguntas centrais do CDC; (ii) qual era a missão do CDC; e (iii) como garantir

continuidade e autonomia ao CDC. E na terceira e última rodada de conversa, os grupos

propuseram: (i) como aprimorar a comunicação interna do CDC para mobilização do

grupo; (ii) como influenciar pessoas da sociedade civil para participar do CDC; e (iii) qual

seria o ‘plano B’ para o ‘projeto CDC’ não ser interrompido ou não acabar.

Page 118: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

118

Tais discussões serviram para abertura de diálogos que mostraram o potencial de

conectividade do CDC para o trabalho colaborativo possível gerador do fortalecimento de

capital social. Essa visão pode ser percebida nos registros dos cartazes produzidos durante

as dinâmicas desse treinamento, porém, nesse caso específico, não houve a identificação

dos representantes de forma codificada, como nas entrevistas semiestruturadas, pois trata-

se de dados produzidos por grupos de pessoas que se misturavam em cada rodada. Alguns

registros mereceram destaque a partir da visão desta autora:

[...] a importância do CDC é maior do que cada projeto individualmente [...] (Grupo

de trabalho).

[...] o papel do CDC é perceber as demandas sociais, propor, efetivar, monitorar

ações, estar a serviço da comunidade [...] (Grupo de trabalho).

[...] o papel do CDC é pensar ações que beneficiem a sociedade em suas demandas

mais específicas, buscando parceiros na iniciativa privada para construir políticas

públicas autossustentáveis [...] (Grupo de trabalho).

Tais conceitos gerados em grupo demonstram que a construção de significados nos

processos de liderança pode permitir a articulação e a aprendizagem pelo encontro de

diferentes atores (Lévesque et al., 2012; Ospina, & Shall, 2001), e também a diversidade

dos saberes tende a se tornar reconhecida, valorizada e legitimada concretamente

(Fligstein, 2007). No viés das articulações estratégicas para o desenvolvimento sustentável,

onde a identificação coletiva de propósitos impede descontinuidades ameaçadas por forças

particularistas de determinados atores sociais (Costa, & Cunha, 2002), o CDC mostra-se

como uma proposta viável para a coprodução e cooperação integrada das diversas

secretarias municipais, empresas e organizações da sociedade civil, podendo constituir um

importante vetor de inovação social no território.

4.2 Análise do diagnóstico rápido participativo

Imediatamente após a capacitação do CDC, ainda no mês de julho de 2013, foi

aplicada a ferramenta de DRP, com o objetivo de gerar uma ‘fotografia dos cenários’ que,

Page 119: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

119

então, envolviam a trajetória do Comitê e, ao mesmo tempo, proporcionar aos seus

integrantes a possibilidade de investigar, analisar e avaliar seus desafios e oportunidades

(Brose, 2001) por meio de representação empírica dos esquemas mentais cognitivos

(Guimarães, 2002).

O local de realização do DRP foi gentilmente cedido pela Fundação Pedro

Leopoldo, na pessoa do Gerente de Suporte Corporativo, José Maurício Machado Viana,

com total apoio logístico e de infraestrutura para as dinâmicas. O convite para participação

no DRP integrou o treinamento anterior direcionado a todos os integrantes, entretanto o

número de participantes no DPR foi considerado pequeno, por contar com a presença de

apenas seis membros do CDC. No entanto, o perfil do grupo alcançou equilíbrio de

representatividade, por ser constituído de representantes dos três setores da sociedade, a

saber: três representantes da InterCement, dois representantes da prefeitura e um

representante de organização da sociedade civil organizada (Fundação de Pedro Leopoldo).

Entre os participantes, havia representação tanto de veteranos do CDC (participantes ativos

desde o lançamento do CDC), como de membros que integraram o CDC a partir da metade

da gestão anterior e de novatos que foram integrados ao comitê em 2012. Esse perfil de

participação temporal conferiu legitimidade ao grupo para abordar e descrever os

acontecimentos mais marcantes do CDC, desde a sua instituição até aquele momento,

congregando visões diferentes e proporcionando a criação de sentidos (Ospina, 2006).

No plano da evolução das dinâmicas, os grupos A e B debateram e registraram suas

visões e opiniões conforme os métodos específicos de cada técnica aplicada. Antes, porém,

esta autora fez uma breve apresentação dos objetivos dos três tipos de diagnóstico,

elucidando a forma como seriam aplicados e orientando a utilização dos materiais. As duas

figuras a seguir (FIG. 5 e FIG. 6) retratam os resultados alcançados pelos grupos A e B.

Page 120: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

120

Figura 5

Diagrama de Venn elaborado pelo Grupo A

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Figura 6

Diagrama de Venn elaborado pelo Grupo B

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Page 121: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

121

O Grupo A, formado basicamente por representantes da esfera privada e de

governo, elaborou o diagrama de Venn, retratando as relações entre os atores, de forma um

pouco mais dispersa que a verificada no diagrama do Grupo B. Observa-se que, na visão

do Grupo A, o CDC está com uma representação maior do poder público e das empresas,

mas reconhece que a sociedade civil tem grande importância (representado pelo tamanho

da esfera), embora ainda se mostre menos participativa do que a Prefeitura Municipal e a

InterCement (esferas mais próximas entre si). Tal falha de participação da sociedade civil

no CDC não foi representada no diagrama do Grupo B, que demonstrou, pela superposição

e tamanho das esferas, níveis mais equilibrados de parceria intersetorial. Além disso, nota-

se que ambos – grupos A e B – têm percepções semelhantes quanto a baixa proximidade e

baixa influência das OSCs, associações de classe, associações de bairros e outros parceiros

privados no CDC.

Tal representação gerou reflexões sobre a teoria dos campos que, uma vez

estabelecidos, podem predefinir as concepções culturais de um grupo, segundo o perfil dos

atores estratégicos mais atuantes.

Esses novos conceitos culturais podem reorganizar as identidades e os interesses

dos atores. Ao decidir quem e como ser, os grupos aceitam uma posição na ordem

que pode redefinir quem são e o que querem. [...] Também ocorre de essas

situações muitas vezes serem forças políticas cujos conceitos culturais unem grupos

muito diferentes [...]. (Fligstein, 2007, p. 70).

Esse processo, muitas vezes, pode evidenciar os interesses, as identidades e as

preferências (Fligstein, 2007) dos parceiros que estarão presentes no CDC. Pode, ainda,

comprometer a interação social de outros grupos que compartilham os mesmos desejos de

desenvolvimento sustentável no território. Isto porque a transformação pode estar presente

na forma como os atores sociais hábeis se encontram para construir novas ordens sociais

locais, e estabelecer estratégias de convencimento de determinados grupos a cooperar

reciprocamente (Fligstein, 2007).

Page 122: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

122

Na identificação dos problemas apontados como prioritários e de maior relevância,

o diagrama de fluxo do Grupo A destaca a pouca participação da sociedade civil como o

fenômeno mais crítico a ser tratado pelo CDC. O Grupo B, sob outro foco não menos

importante, destaca a falta de recursos financeiros para manutenção dos projetos do CDC

como o fenômeno mais crítico. Assim, ambos atestam uma clara visão das causas e das

consequências que os dois fenômenos podem provocar no CDC (Figura 7 e Figura 8).

Figura 7

Diagrama de fluxo elaborado pelo Grupo A

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Page 123: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

123

Figura 8

Diagrama de fluxo elaborado pelo Grupo B

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Alguns comentários extraídos nas gravações durante o DRP mostram que tanto os

integrantes do Grupo A como do Grupo B estavam preocupados com os aspectos que

envolvem a manutenção e o fortalecimento do CDC para a sua sobrevivência no longo

prazo. Na visão desses integrantes, destaca-se, ainda, a falta de uma definição clara e

compartilhada pelos atores externos do que seria o CDC, a certeza da importância de se

buscar uma autonomia nas tomadas de decisão e da necessidade de romper com a

dependência do único recurso financeiro do Grupo Camargo Corrêa, com a busca de novos

parceiros privados, conforme atestam os comentários a seguir:

[...] a gente tem que dar um jeito de divulgar o que é o CDC e quais são as

propostas de trabalho dele, para que as pessoas participem de forma voluntária e

consciente [...] não é um ajunta, ajunta; tem objetivo [...]. (Participante durante

DRP).

[...] Esse conceito de que o CDC tem que ser mais conhecido e tem que caminhar

com as próprias pernas, e o conceito de financiamento dos projetos que não têm que

ser necessariamente bancado pelo Grupo Camargo Corrêa; é uma coisa que foi dita

pra gente o tempo inteiro e nós não soubemos fazer esse dever de casa; [...] tenho

raiva que o ICC não quer injetar mais dinheiro no CDC; tenho [...] mas não posso

jogar a culpa nele o tempo todo [...]. (Participante durante DRP).

Page 124: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

124

Nota-se a percepção sobre a necessidade de atrair mais participação da sociedade

civil e conquistar mais parceiros privados. Por outro lado, o reconhecimento de que “não

estão fazendo o dever de casa”, mostra a fragilidade em identificar, na governança

compartilhada, o potencial para gerar uma nova abordagem de desenvolvimento

sustentável (Ospina, 2006) por meio do ‘Modelo CDC’ no território.

A construção da Linha do Tempo permitiu verificar a presença de lacunas na

descrição dos momentos marcantes do CDC nos anos de 2010 e 2012. O grupo não

apresentou ou referenciou fatos marcantes nesses períodos, e não houve intervenção desta

autora sobre isso. Porém, nas manifestações orais, o representante da sociedade civil

apresentou um breve relato, argumentando que, nesses dois anos, os projetos foram

desenvolvidos de maneira tranquila e, conforme verbalizado: “estavam azeitados e bem

conduzidos”, dispensando maiores referências ou destaques na Linha do Tempo. Acontece

que a falta de referência histórica nesses períodos pode representar, também, a falta de

visão compartilhada dos diferentes projetos desenvolvidos pelo CDC, demostrando a

fragilidade tanto na sistematização dos dados como na comunicação dos resultados

alcançados, conforme atesta a Figura 9.

Page 125: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

125

Figura 9

Linha do Tempo elaborada em conjunto pelos grupos A e B

Nota. Fonte: Original desta pesquisa.

Na análise dos discursos do DRP, pode-se destacar, também, o comentário de uma

representante de governo, argumentando que a escolha dos projetos ligados à infância no

momento da instituição do CDC, em 2007, era de necessidade urgente para o município, e

não o fruto de um diagnóstico local, conforme marcado na Linha do Tempo:

[...] eu ainda não estava no CDC, mas eu pertenço à rede (de educação) há 18 anos

[...] então, quando detectou lá (instituição do CDC) a necessidade de capacitação do

pessoal envolvido com a primeira infância – 0 a 6 anos – foi porque, exatamente

nesse período, a prefeitura teve que encampar (por determinação estadual) as

creches do município que, até então, eram filantrópicas (e não estavam sob tutela da

Prefeitura Municipal) [...]; essas creches foram municipalizadas e a própria

prefeitura não tinha a mínima infraestrutura para encampá-las [...] tinha prédio com

puxadinho, tinha creche funcionando na casa dos outros (sem registro oficial) [...].

(Participante do DRP).

Essa narrativa factual evidenciou que a definição de projetos, no momento da

implantação do CDC, pode ter sido influenciada pelo interesse particular da esfera

Page 126: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

126

governamental, não representando, essencialmente, uma proposta originada de demanda

das demais esferas da sociedade, conforme registros anteriores. Considerando que a

proximidade com os representantes de governo e consequente acesso a informações

caracterizam hibridismo e interdependência entre as organizações privadas e o poder

público (Schommer citado por Fischer, 2002), é preciso reconhecer que o espaço de

interação social no CDC apresenta-se como oportunidade potencial para desenvolver

projetos que sejam convergentes para a demanda da sociedade civil, mas, também, que

sejam de interesse das empresas e do poder público. Ou seja, no entendimento desta autora,

por mais que o projeto que envolveu a municipalização das creches apresentasse forte

cunho político, ele representava uma demanda urgente da sociedade e, por isso, não seria

menos importante que os demais projetos de realização definida no encontro de 2007.

Este outro relato, durante o DRP, retratou a forma como o CDC vem sendo

assimilado por agentes externos da sociedade de Pedro Leopoldo – “como sendo um

comitê do poder público que executa os projetos que são discutidos no espaço do CDC”

(Participante do DRP). Assim, de forma exógena, o CDC corre o risco de adquirir um

perfil de cunho mais governamental com participação do setor privado, do que

propriamente de cunho civil, conforme demonstrado neste relato:

[...] se tiver muita gente representando a prefeitura pode passar a ideia que o CDC é

da prefeitura; [...] na medida em que a sociedade e as pessoas não vão comprando a

ideia, os que estão lá ficam desmotivados e começam a sair [...]. (Participante do

DRP).

A partir das parcerias intersetoriais nos territórios, a aplicação do princípio

participativo pode, então, contribuir para a construção da legitimidade do governo local e

promover uma cultura mais democrática (Milani, 2008). Porém, como construir coalizões

políticas, persuadir outros a participarem e criar novas identidades (Fligstein, 2007) nos

campos de atuação? Como os processos de mudança social podem garantir a conectividade

Page 127: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

127

necessária para o trabalho colaborativo (Ospina, & Shall, 2001)? De onde virão às

oportunidades para as novas formas de ação (Fligstein, 2007)?

De forma geral, os resultados apresentados no DRP possibilitaram a identificação

de fatos relevantes para análise do contexto sócio histórico e participativo do CDC. O fato

é que, mesmo com a pequena representatividade durante o DRP, o entendimento e a

clareza de propósitos dos integrantes presentes garantiram a criação de sentidos e

compartilhamento de ideias. Os desafios são grandes, entretanto, as respostas para essas e

outras questões que envolvem os processos de liderança nas parcerias intersetoriais para

desenvolvimento sustentável poderão ser construídas e reconstruídas ao longo do tempo,

promovendo a perpetuação desse movimento social por gerações.

4.3 Análise das entrevistas semiestruturadas

Com o objetivo de conhecer a forma de envolvimento do integrante do CDC com a

cidade e o seu entendimento dos desafios de desenvolvimento do território, o roteiro de

entrevista foi iniciado com perguntas relativas à sua visão de contexto histórico. No

cômputo total, as entrevistas revelaram que, de forma geral, a maioria reside ou transita há

mais de 20 anos em Pedro Leopoldo. Para eles, a cidade passou por uma transformação

acelerada em curto espaço de tempo, involuindo de uma cidade com perfil pacífico e de

convivência ‘tranquila’, típica das cidades ‘de interior’, para uma “[...] cidade com

crescimento desordenado e graves problemas de mobilidade urbana, saneamento básico e

segurança pública, principalmente [...]” (realidade relatada por mais de um entrevistado).

Reconheceram, também, o momento de acelerado investimento econômico na região,

proveniente de incentivos do Governo Federal como as obras do Programa de Aceleração

do Crescimento (PAC) e da Copa 2014, incentivos do Governo Estadual (Projeto do Vetor

Page 128: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

128

Norte e Aeroporto de Confins) e incentivos privados (ramo imobiliário e construção do

maior shopping de moda da América Latina na cidade).

Esse cenário, ao mesmo tempo que mostra uma possibilidade de avanço para o

desenvolvimento local, abre uma lacuna para uma análise das consequências da falta de

estrutura da cidade para atender as demandas sociais, culturais e ambientais provenientes

desse crescimento econômico. Ao considerar que “o processo de desenvolvimento, quando

julgado pela ampliação da liberdade humana, precisa incluir a eliminação da privação da

pessoa” (Sen, 2010, p. 56), esse avanço pode mostrar-se na contra mão do

desenvolvimento sustentável, pois não se pode deixar de levar em conta que os fatores

relacionados à falta de estrutura pode refletir na privação da liberdade (Sen, 2010) dos

cidadãos pedro-leopoldenses.

Avançando para a abordagem do eixo das parcerias intersetoriais, buscou-se

informações que respondessem as perguntas: (i) como foi criado o CDC?; (ii) qual foi a

proposta original? e (iii) qual era o papel dos parceiros e a dinâmica de participação

coletiva? A maioria dos relatos, que atestou que a proposta inicial do CDC proveio “da

visão da empresa” (E3), não se alinhou com a opinião de alguns entrevistados da esfera da

sociedade civil sobre os motivos que deram origem ao comitê, como mostram os seguintes

relatos:

[...] foi criado um grupo que é o tal do CDC composto por representantes dos

seguimentos organizados [...] a proposta é que esse grupo passasse a representar os

anseios da comunidade e a trabalhar esses anseios, transformando isso em projetos

de políticas públicas, em projetos a serem desenvolvidos em uma parceria do

instituto (ICC) com o poder público e a sociedade civil, voltados para, como ele

(Diretor do ICC) colocou como lema – fazer com que as comunidades estejam

preparadas para enfrentar os seus desafios; [...] então esse grupo foi criado com esse

intuito e começou o trabalho [...]. (Entrevistado SC1).

[...] ele (CDC) não é um espaço representativo da comunidade como um todo, ele

tem um recorte focado no programa que está sendo implantado [...], ou seja, são

lideranças da comunidade, sim, porém lideranças que atuam nos temas relacionados

aos projetos [...]. Eu acho que o CDC é um espaço de fortalecimento social [...];

essa ideia surgiu pela importância de ouvir a comunidade em relação ao que se vai

Page 129: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

129

fazer. [...] então a gente procurou criar um grupo representativo de lideranças e

organizações sociais que atuam na mesma área do programa a ser implantado na

cidade. [...] o CDC surgiu da necessidade de criar um espaço onde poderíamos

ouvir representantes da comunidade e daí veio à iniciativa de criar o CDC.

(Entrevistado E3).

Entende-se, pois, que a proposta da criação do CDC parecia interessante, no sentido

de levar a sociedade a pensar suas próprias demandas, desenvolver seus próprios projetos

de forma coletiva e transformar isso em políticas públicas, fazendo do espaço dessas

políticas um campo de benefícios à população. O que se pode perceber, no entanto, é que a

proposta do ICC não correspondeu a essa expectativa, haja vista ter se disponibilizado, na

verdade, para ser apenas um espaço de convergência de ideias, “um espaço para ouvir a

comunidade” (Entrevistado E3), de forma a atender os objetivos de um projeto pré-

definido pela empresa, com metas e diretrizes próprias, o que também não deixa de ser

interessante e legítimo, do ponto de vista da oportunidade de diálogo entre as diferentes

lideranças da cidade, para a convergência dos interesses públicos e privados.

A questão, entretanto, é analisar o senso de identidade dos atores do território em

torno do CDC e o potencial de transformação social que esse comitê pode alcançar.

Considerando as divergências apresentadas sobre a visão do foco central do CDC e a falta

de reconhecimento da amplitude de sua atuação, pergunta-se: quais seriam os significados

que devem ser perseguidos, e quais não devem, e por quê?

De acordo com Fligstein (2007), a busca de habilidade social exige identificar

quem são os principais atores coletivos, e como eles podem criar uma coalizão política em

torno de sua nova ‘identidade’. A partir desse processo de construção de significado para

influenciar políticas públicas (Ospina & Shall, 2001), tende-se à possibilidade de buscar

uma forma de liderança como mecanismo que faça as coisas acontecerem num contexto de

colaboração (Huxham, & Vangen, 2003). Para ser eficaz, essa forma de participação requer

mudanças dentro da própria administração (Brugué, 2009), sendo os caminhos para essa

Page 130: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

130

trajetória, muitas vezes, divergentes e complexos, pois, ora o CDC é considerado um grupo

mobilizador, ora é interpretado como órgão financiador de projetos, ora é visto como

gestor de políticas públicas ou executor dos interesses privados, como apontam os relatos

sobre o papel do CDC:

[...] o CDC só funciona se estiver alinhado com as políticas públicas, e esse

alinhamento tem demonstrado que fortalece seu papel; [...] O CDC funciona como

incentivador, funciona como motivador, funciona como captador de recurso, [...]

busca alinhar as políticas públicas com investimento privado e com as OSCs.

(Entrevistado E2).

[...] o trabalho intersetorial é possível, o trabalho com público-privado é possível

[...] é outra grande transformação transitar nessas áreas. A educação estar dentro da

saúde, estar dentro da área social, é o ideal dentro de uma comunidade hoje. [...] a

escola é uma grande mobilizadora, é a creche, é a instituição educacional [...] que

mobiliza as famílias [...] chega à criança, chega aos pais, chega aos irmãos, ela

chega aos avós, ela é o canal [...]. (Entrevistado G5).

[...] não é que a InterCement seja boa fazendo isso (CDC), na verdade uma parcela

desses recursos que a InterCement usa é dinheiro do governo que ela teria que

pagar; [...] o governo dá como incentivo, ‘aplica como social e não me paga’

(governo). [...] aliás foi elaborada essa legislação, exatamente, para dar um

incentivo aos empresários para eles se voltarem para a questão social (Entrevistado

SC2).

Na análise do terceiro eixo teórico – os processos de liderança – muitos

comentários reforçaram a falta de autonomia, independência e transparência nas tomadas

de decisão do comitê. Além disso, destaca-se a percepção de alguns entrevistados, no que

diz respeito à influência da política sobre a capacidade reivindicatória das classes sociais

dominantes, nos processos participativos em Pedro Leopoldo. Numa análise empírica, tem-

se que, em uma cidade pequena, as relações de poder acabam influenciando o modo como

as pessoas enfrentam as diferenças de opinião sobre determinados aspectos da cidadania, o

que pode minimizar a capacidade de contestação em domínios que refletem a coletividade

(Fligstein, 2007). Essa consequência é atestada pelos seguintes relatos:

[...] o que mais me assusta em Pedro Leopoldo é que as camadas mais ricas são

altamente dependentes de interesses do poder público; [...] eles morrem de medo de

contestar o prefeito; [...] ninguém quer mexer com a organização da sociedade,

Page 131: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

131

porque na hora que você mobiliza a sociedade você mexe nesses vínculos, nessas

conexões; [...] e o povo da sociedade não quer mexer nessas conexões.

(Entrevistado SC1).

[...] existe uma representatividade dentro do CDC de um assunto que é mais ligado

à criança e ao adolescente, mas a polícia, por exemplo, que lida diretamente com

essas questões, não tem representante; [...] não tem ninguém do Ministério Público,

não tem nenhum representante dessa área que tenha poder legal para discutir sobre

aquele assunto [...] existe muita gente envolvida nos projetos, poucas no CDC.

(Entrevistado G1).

Como romper com os interesses particularistas de determinados segmentos sociais,

a fim de construir uma compressão compartilhada e alinhada com os interesses da

sociedade civil? De acordo com Huxham, & Vangen (2003), para uma compreensão global

do exercício da liderança no âmbito da colaboração, é preciso considerar três meios

importantes: (i) estruturas; (ii) processos; e (iii) participantes, a partir da interação

produtiva e propositiva dos atores envolvidos (Silvia, 2011), para ganhos de capital social.

O capital social “manifesta-se por meio das redes sociais e das normas de

confiança que facilitam a coordenação e a cooperação, tornando possível a ação coletiva,

de natureza voluntária, para benefício mútuo, no interior dos grupos e das organizações”

(Vale et al., 2006, p. 46). Partindo desse conceito, e traçando um paralelo com relatos

extraídos das entrevistas, tem-se que o enfraquecimento do capital social pode ser

exemplificado com um fato ocorrido quando dos primeiros encontros do CDC, em 2008.

Conforme relatos, houve muitos conflitos e divergência de opiniões entre os atores

parceiros, o que provocou o afastamento da representação da Maçonaria do CDC e, por

consequência, o enfraquecimento da representatividade dessa e de outras organizações de

classe.

A questão dos conflitos de interesse político e particularista também pode ser

exemplificada por outro caso relatado por representante de governo (G5) na entrevista, ao

contar sobre a repercussão do êxito da implantação do Sistema de Gestão Integrada (SGI)

Page 132: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

132

nas escolas de Pedro Leopoldo, “programa que trouxe as ferramentas de gerenciamento

para a educação” (Entrevistado G5), por meio de treinamento dos professores e servidores

públicos das escolas com investimento social privado da Camargo Corrêa. Os resultados

alcançados nesse projeto resultaram em reconhecimento nacional pelo então Ministro da

Educação, Aloízio Mercadante, que convidou os coordenadores do programa SGI, em

Pedro Leopoldo, para mostrar seus resultados em uma reunião em Brasília-DF, sendo

considerado pelo ministro, como exemplo a ser seguido em âmbito federal (Entrevistado

G5).

Entretanto, o SGI foi paralisado após mudança de gestão na administração pública,

pois a nova prefeita não priorizou o que foi construído ao sugerir que, a partir do seu

mandato, o SGI tivesse continuidade apenas por motivações voluntárias daqueles que

foram capacitados nas escolas (Entrevistado G5). De acordo com reflexões do entrevistado

G5, a partir dessa postura ‘flexível’ no acompanhamento dos programas de interesse

público, ocorreu um relaxamento das pessoas envolvidas com o SGI na execução dos

planos de ação e, consequentemente, no alcance das metas predeterminadas para cada

escola. O entrevistado G5 considera, então, que o alto investimento da Camargo Corrêa na

capacitação de professores e servidores públicos, e todo o tempo e material (planos de

gestão em escolas de educação pública) construído durante anos, foram desperdiçados,

“jogados para lata de lixo” (Entrevistado G5). Esse fato ilustra o que os estudos já

apontaram, ou seja, que o desequilíbrio de interesse dos gestores na transição de processos

que envolvem a administração pública nos territórios, pode prejudicar o avanço de

determinadas ações sociais, comprometendo gerações.

Outra questão ainda sobre os conflitos de interesse está relacionada com a

inflexibilidade, por parte da empresa, na definição dos projetos do CDC, apontada como

um fator crítico no plano da autonomia do comitê em relação à capacidade de definição

Page 133: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

133

dos rumos que o grupo deseja ou deve tomar. No sentido de melhorar essa condição, a

tendência pode ser o estabelecimento de um projeto estratégico e criativo de

desenvolvimento (Costa, & Cunha, 2002) de longo prazo, por meio da governança aberta e

democrática, a fim de construir a confiança necessária e promover a troca informações

(McGuire, 2006). Os relatos a seguir refletem a condição da falta de autonomia no CDC:

[...] A proposta era que esse grupo discutisse os problemas de Pedro Leopoldo,

estabelecesse um conjunto de prioridades e formulasse projetos para tratar essas

prioridades, e que esses projetos fossem ligados à atuação do poder público. Então

essa foi a base estrutural da proposta da criação do CDC [...] que esses projetos

estivessem ligados aos três programas deles (empresa): Infância Ideal, Escola Ideal

e Futuro Ideal. (Entrevistado SC1).

[...] Porque querendo ou não, tem certa liderança (no sentido de condução) do

grupo da Camargo. [...] a hora que a gente quer não tem a reunião que a gente quer;

[...] continua um paternalismo em termos da condução intelectual, apesar de saber

que a ação é nossa. [...] mas eu acho que a gente vai ter que aprender muito em

termos dessa organização da gente. [...] mas hoje a gente não aceita mais ficar sem

o CDC. [...] eu acho que a gente não aceita, porque é onde a gente pode caminhar, é

onde a gente pode estar montando os passos que a gente vai seguir. [...] a gente tem

muito medo de parar os projetos. (Entrevistado G2).

[...] eu reconheço os dois papéis com muita clareza, tanto o papel do ICC enquanto

poder e enquanto vontade de não querer aparecer como poder, e do CDC a mesma

coisa [...] equilibrar isso é o que a gente tem que tentar fazer [...]. (Entrevistado

SC4).

A partir dos relatos, é possível verificar que, se por um lado a empresa propõe um

projeto aberto e dialógico, por outro define os projetos nos quais deseja investir, sendo os

mesmos formulados pela corporação. Percebe-se, também, que as pessoas do CDC

reconhecem sua capacidade de ação como protagonista, porém acabam se “encolhendo”

diante dos domínios corporativos por receio da descontinuidade do projeto, fato que

claramente gera desconforto (Entrevistado G2). A falta de autonomia para decidir os temas

dos projetos entre o ICC e o CDC, o “paternalismo em termos de condução intelectual”

(G2) sobre os atores envolvidos e o difuso reconhecimento “dos dois papéis com muita

clareza” (SC4) sugerem que existe um entendimento, por esses entrevistados, dos limites e

das oportunidades do CDC na atual formatação.

Page 134: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

134

A construção de significados e a distribuição de poder pressupõem entender como a

interação social se constrói ou se transforma na configuração das instituições. As

instituições podem ser interpretadas como ambiente onde “regras e significados

compartilhados definem as relações sociais [...], e podem afetar as situações dos atores

com ou sem seu consentimento ou compreensão” (Fligstein, 2007, p. 64).

Elas são intersubjetivas (podem ser reconhecidas pelos outros), cognitivas

(dependem das habilidades cognitivas dos atores) e, em certo nível, requerem a

autorreflexão dos atores. [...] o processo de construção de instituições ocorre no

contexto de atores poderosos tentando produzir regras de interação, para estabilizar

sua situação em relação a outros atores poderosos e menos poderosos. [...] É

importante reconhecer que a construção de instituições pode fracassar. Diferentes

interesses e identidades de grupos podem impedir o surgimento de instituições

estáveis. (Fligstein, 2007, p. 64).

Nesse contexto, a citação de Fligstein (2007) esclarece sobre o tipo de relações e os

riscos que determinados tipos de conexões podem estabelecer em campos

institucionalizados, como o CDC de Pedro Leopoldo. Conforme Bourdieu (1984 citado por

Milani, 2005), as redes de relações de conhecimento e reconhecimento mútuos podem

gerar fatores potenciais resultantes de pertencimento para, efetivamente, se mobilizar em

torno de um campo ou território. Esses elos podem ser estabelecidos pelo potencial de

conexão que está sempre presente nos seres humanos (Ospina, & Foldy, 2010), e isso pode

provocar mudanças sociais no contexto, e a partir daí promover uma teia por meio das

relações interpessoais (Ospina 2006).

A busca do capital social no CDC encontra-se no campo dos desejos de algo que

poderia vir a ser, mas que, de fato, ainda não se realizou por meio dos processos de

liderança ou governança participativa. Um caminho já anunciado será buscar soluções dos

problemas públicos de maneira inter e intra-organizações (Clark, & Full, 2010) para a

configuração de relações positivas de trabalho colaborativo, a fim de garantir a

Page 135: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

135

conectividade necessária para os processos de mudança social (Ospina, 2006). Nos relatos

a seguir, a sobrevivência do CDC e sua perpetuação no longo prazo foram evidenciados:

[...] Uma coisa importantíssima para a sobrevivência do CDC, para mim, o

requisito número um está no primeiro degrau da escada, chama-se confiança. [...]

Se você quebrar a confiança que existe entre os integrantes do CDC, aí acaba tudo.

[...] nós já tivemos várias etapas em que isso aconteceu e a gente demandou muito

tempo para reverter a situação. [...] então quebrou o grau de confiança, quebrou o

alinhamento, e a reversão é muito mais trabalhosa. (Entrevistado E2).

[...] eu acho que o CDC poderia ser [...] um espaço de apresentação de soluções

reais para a própria população [...], para dar pertencimento à população, aquilo que

pertence a nós, pertence a mim; eu que sou beneficiado [...]. isso não pertence à

prefeitura, não pertence a Camargo Corrêa, porque quando aquilo é meu, eu cuido,

eu não deixo aquilo acabar... (Entrevistado G1).

[...] Eu penso que essas questões sociais não devem ser discutidas no município,

mas ‘nos municípios’. [...] precisa sempre buscar uma região, sempre buscar

interligação [...], porque as cidades estão crescendo e, cada vez mais, vai ligar uma

na outra [...]. por exemplo, violência, é uma questão que permeia todo mundo. [...] a

droga permeia todo mundo; saúde permeia todo mundo [...]. (Entrevistado SC2).

O relato do entrevistado SC2 apontou para uma questão interessante e estratégica

na definição dos campos de atuação nos territórios. Na geografia dos espaços de

convivência, alguns problemas sociais ultrapassam as fronteiras imaginárias do território,

como o combate ao uso de drogas, o combate a dengue, entre outros, indicando que o

desenvolvimento sustentável no território não pode se limitar aos bairros “do município”,

mas sim “dos municípios”. Como afirma Milton Santos (2006, p. 4): “uma indispensável

premissa de base é que não existe meio ambiente diferente de meio, [...] o locus desses

problemas é o lugar [...]”, ou seja, é todo o território.

A proximidade das cidades também se repercute na proximidade dos problemas e

das soluções sociais, culturais, ambientais e econômicos. Assim, a liberdade do

desenvolvimento não pode ter fronteiras, mas é preciso dialogar com os diversos

segmentos para soma dos potenciais. Para o alcance de desenvolvimento sustentável, é

pressuposto que os processos de liderança se configurem como o elo que, pela prática do

Page 136: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

136

diálogo entre grupos de pessoas, possa promover a construção permanente de interação

social, criada e recriada pelas parcerias intersetoriais, pela ideia de que a liderança pertence

a uma comunidade, e não a um indivíduo (Ospina, & Shall, 2001).

Page 137: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

137

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do presente estudo, que se baseou na análise da liderança como um

processo dinâmico, democrático, compartilhado e dialógico, característico de grupos em

convivência em um território e não como atributo de indivíduos ou organizações

específicas, infere-se que o fenômeno de liderança se efetiva pela participação direta e

ativa de pessoas imbuídas com um tipo de cooperação em que as partes produzam

benefícios públicos, como demonstrado na pesquisa dos processos de liderança nas

parcerias intersetoriais do Comitê de Desenvolvimento Comunitário (CDC) em Pedro

Leopoldo-MG, para o desenvolvimento sustentável daquele território.

Tal conclusão é atestada, neste estudo, pela comprovação de que as parcerias

intersetoriais consideradas, tanto pela literatura acadêmica quanto pelos documentos de

orientação de política de organismos internacionais, governos e organizações da sociedade

civil de atuação global, como uma estratégia desejável e consistente para a promoção do

desenvolvimento sustentável dos territórios, cumpre a sua finalidade. Isto porque,

conforme observado, diante da complexidade dos problemas sociais é fundamental

articular parcerias intersetoriais em bases efetivamente participativas, convergentes para

fins coletivos e voltadas para o alcance de resultados mais abrangentes em um projeto de

transformação consciente da realidade local de um território. E também, que é preciso

estimular e implementar novas formas de governança compartilhada, nas quais a

legitimidade e a autoridade para resolver problemas sociais possam ser conduzidas por

meio de processos de liderança. Verificou-se, por outro lado, que é nesse processo de

governança compartilhada por meio de parcerias intesetoriais, que se destaca o problema

da liderança para a transformação social.

Page 138: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

138

Ao se explorar o desenvolvimento do processo de interação social dos atores da

sociedade civil, empresas e governo no CDC, tanto por suas participações nas reuniões do

comitê, por meio de diagnóstico rápido participativo (DRP), como da análise dos dados,

por meio das entrevistas semiestruturadas, foi possível abstrair os fatores que influenciam

os processos de liderança no CDC, que afetam a construção das parcerias intersetoriais

para o desenvolvimento sustentável.

Neste sentido, a análise dos dados confirmou a percepção de que o CDC tem um

histórico positivo, por ter um de seus projetos transformado em política pública. Em

decorrência, demonstrou-se que o diferencial do CDC é agregar capacidade às forças

políticas da cidade, públicas e privadas, a partir da coprodução de projetos e articulação de

interesses com as esferas da sociedade (governo, empresa e sociedade civil). Tem-se, pois,

como uma promessa na concepção de desenvolvimento de projetos nas áreas da infância e

educação, que, quando transformados em políticas públicas, podem vir a atender as

demandas sociais da cidade e, por consequência, promover o desenvolvimento sustentável

desse território.

Assim, constatou-se que, de fato, as parcerias intersetoriais podem decorrer de

ações coletivas nas quais seus participantes estejam motivados a cooperar por meio de

habilidades sociais, e que as dificuldades no estabelecimento dessas parcerias incluem

descompasso das agendas, falta de confiança e vulnerabilidade para lidar com manobras ou

interesses políticos. Assim, constata-se, por extensão, que a ação dessas parcerias

dependem da disposição que os governos e parceiros têm para dialogar, pois o

compromisso com o desenvolvimento sustentável pressupõe considerar fatores sociais,

culturais e políticos do contexto em questão, que não se regulam exclusivamente pelo

sistema econômico.

Page 139: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

139

Outro fator considerado, ao final deste estudo, como determinante nos resultados

alcançados pelo CDC após quatro anos de sua implantação no seu território de

abrangência, foi a mudança de gestão pública da Prefeitura Municipal entre os anos de

2012 e 2013, ou seja, após quatro anos de sua implantação. Constatou-se que o Comitê

apresentou, desde então, uma significativa diminuição dos participantes que atuavam desde

a sua criação, com redução considerável de atores da sociedade civil, o que pode estar

comprometendo o potencial de consolidação dos projetos no longo prazo, e colocando em

xeque a sua representatividade com os demais atores do território.

É possível inferir também, considerando os relatos das entrevistas, que esteja

havendo uma maior condução dos processos por parte do Instituto Camargo Corrêa, a

partir do momento em que se anuncia a aplicação de investimentos no CDC voltada para

projetos sociais que estariam mais alinhados com a política de desenvolvimento social

corporativa, contrariando, assim, a proposta original de construção coletiva de projetos

voltados para as demandas sociais locais visando o fortalecimento das políticas públicas.

Tem-se, pois, que a redução de participantes, principalmente da sociedade civil no

CDC, comprometeu a evolução do processo de liderança, uma vez que é a criação de

convergência de interesses e de dinâmicas com estruturas abertas e transparentes em

grupos como proposto pelo CDC, que tende a permitir um maior grau de participação

efetiva de diversos atores, a promoção da diversidade de vozes e, por consequência, a

obtenção de legitimidade para representar os interesses coletivos em movimentos que

pressupõem alguma mudança social.

Ressalta-se, também, que a aplicação do DRP, estratégia de pesquisa participativa,

favoreceu a análise de outros aspectos relevantes do fenômeno investigado, como o senso

de identidade sócio-histórica do CDC (Linha do Tempo), a identificação das forças e

principais atores coletivos no CDC (Diagrama de Venn) e a presença de visão estratégica

Page 140: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

140

para o desenvolvimento do CDC (Diagrama de Fluxo). No conjunto, foi possível perceber

que existe uma clareza dos propósitos que unem os diferentes participantes do CDC.

Porém, é fato que, tanto os problemas levantados como as soluções apontadas durante a

aplicação do DRP estão ainda presentes somente no campo das ideias, evidenciando a falta

de planos de ação integrada e de eficácia e efetividade das práticas de governança

compartilhada em gestação no CDC.

Assim, constatou-se que o enfraquecimento da participação da sociedade civil e a

falta de representantes de classe, de associações de bairros e de outros parceiros privados

acabaram refletindo: (i) a total dependência de investimentos da Camargo Corrêa; (ii) a

identidade difusa desse comitê; e (iii) a ausência de reconhecimento e representatividade

do papel do CDC na cidade de Pedro Leopoldo-MG. Neste sentido, fica clara a

necessidade de interação e de conectividade, por meio de processos de liderança, tanto para

a consolidação de habilidades sociais e construção de significados, como para a integração

estratégica dos diversos atores em torno do desenvolvimento sustentável no território.

Entretanto, conclui-se que a iniciativa de desenvolvimento comunitário promovido

pela Camargo Corrêa diferencia-se de muitas ações de responsabilidade social empresarial

de outras empresas nacionais, por propor políticas de investimento social privado de forma

integrada com outras esferas (governo e sociedade civil) e em articulação com as políticas

públicas nos territórios onde opera. Tem-se, pois, que na medida em que o diálogo entre

esses atores ocorrer de forma harmônica, as parcerias podem trazer entendimentos

compartilhados e promover respeito pela diferença. Porém, ressaltando-se que, para a

integração estratégica no âmbito das parcerias intersetoriais, o papel da empresa ainda

necessita ser reconfigurado, com o objetivo de minimizar possível desequilíbrio de poder e

influências em processos que podem atropelar os interesses coletivos. Isto porque, como

demonstrado neste estudo, o descompasso de intenções pode gerar falta de interação social

Page 141: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

141

e desconfiança entre os diversos atores, confirmando-se que a construção de processos de

liderança em parcerias intersetoriais somente se dão pela convergência de ideias e ideais

entre os parceiros.

Diante do cenário de desequilíbrio de atuação nas parcerias intersetoriais e a falta

de governança compartilhada, a partir da análise formulada neste estudo, é possível

reconhecer que os processos de liderança para a mudança social no CDC de Pedro

Leopoldo-MG ainda estão por ser construídos e implementados, concluindo-se por sua

configuração em um grupo com potencial ainda limitado para a geração de

desenvolvimento sustentável no território. Porém, considerando que os processos de

liderança e as parcerias intersetoriais vêm ganhando cada vez mais importância como

elemento político essencial para a governança compartilhada, pois fundamental ao

desenvolvimento endógeno de um determinado território desde que se reconfigure em sua

atuação, o ‘Modelo CDC’ apresenta-se com um potencial promissor.

Assim, para avançar no processo de liderança com interação social, tanto os

investimentos privados do Grupo Camargo Corrêa como de outros parceiros locais

precisam ser menos tutelados por aquela empresa e alocados em frentes de ação de

interesse público que possam potencializar a capacidade dos CDC´s de agir livremente,

articulando as forças locais com uma desprendida habilidade social que favoreça a

influência das políticas públicas, dotando-as de legitimidade por garantir a governança

compartilhada.

Dessa forma, novos campos e novas agendas de investigação sobre a liderança

como processo para mudança social ainda precisam ser construídos, principalmente, no

âmbito nacional, visto que os registros científicos que tratam do tema em cenários da

realidade sociocultural brasileira ainda são tímidos e pouco expressivos. Outros caminhos

apontam para a investigação científica de casos que, essencialmente, articulem a

Page 142: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

142

participação dos três setores da sociedade em defesa de causas de interesse coletivo que

estejam alinhadas com a busca de sustentabilidade, tanto em pequenos quanto em médios e

grandes territórios.

Assim sendo, diferentes veios temáticos podem ser investigados com base no

próprio tema deste estudo, como por exemplo, a determinação dos indicadores que podem

refletir a eficácia das políticas públicas no território de Pedro Leopoldo-MG, a partir da

liderança de um CDC. Propõe-se ainda, como desdobramento deste estudo, mais pesquisas

no CDC de Pedro Leopoldo-MG e, inclusive, nos demais CDC’s implantados pelo Grupo

Camargo Corrêa no Brasil e exterior. Tais sugestões atestam o vasto campo de

investigação científica em territórios com alta diversidade de fatores que, certamente,

favoreceriam a ampliação do conhecimento nessa área de estudo.

Na relação dialética entre o homem e seu mundo, os desafios são grandes e as

alternativas de contorná-los também. Diante da complexidade dos fatores que envolvem a

vida humana, a busca por mecanismos que possam romper as fronteiras entre diferentes

atores da sociedade torna-se cada dia mais urgente e fundamental. Espera-se, assim, que

esta pesquisa possa servir de inspiração e fonte para futuros pesquisadores do campo de

conhecimento da gestão social, voltando-se para os processos de liderança nas parcerias

intersetoriais tanto no Brasil quanto no exterior.

Page 143: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

143

6 REFERÊNCIAS

Abramovay, R. (2010). Desenvolvimento sustentável: qual a estratégia para o Brasil?

Novos Estudos CEBRAP, 87, 97-113.

Abramovay, R. (2009). Responsabilidade socioambiental: as empresas no meio ambiente,

o meio ambiente nas empresas. In: J. E. Veiga (Org.) Economia socioambiental.

(no prelo)

Abramovay, R. (2004). Entre deus e o diabo: mercados e interação humana nas ciências

sociais: tempo social. Revista de Sociologia da Universidade de São Paulo, 16(2),

1-19.

Abramovay, R. (2003). Desenvolver os territórios fortalecendo o empreendedorismo de

pequeno porte. Anais do Fórum International Território, Desenvolvimento Rural e

Democracia. Fortaleza, CE, Brasil, 1.

Aliança Capoava. (2005). Alianças e parcerias: mapeamento das publicações brasileiras

sobre alianças e parcerias. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo.

Alves, M. A. (2006). O conceito de sociedade civil: em busca de uma repolitização.

Organizações & Sociedade, Salvador, 11, 141-154.

Antonello, C. & Ruas, R. (2005). Formação gerencial: pós-graduação lato sensu e o papel

das comunidades de prática. Revista de Administração Contemporânea, 9(2), 35-

58.

Armistead, C., Pettigrew, P. & Aves, S. (2007). Exploring leadership in multi-sectoral

partnerships. Leadership. Recuperado em 10 novembro, 2013, de

http://lea.sagepub.com/cgi/content/abstract/3/2/211.

Baroni, M. (1992). Ambiguidades e deficiências do conceito de desenvolvimento

sustentável. Revista de Administração de Empresas, 32(2), 14-24.

Bauer, M. W. & Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um

manual prático (2a ed.). Petrópolis: Vozes.

Bonoma, T. V. (1985). Case research in marketing: opportunities, problems and a process.

Journal of Marketing Research, 22(2), 199-208.

Bourdieu, P. (1977). Outline of a theory of practice. Cambridge, UK: Cambridge

University Press.

Brose, M. et al. (Org). (2001). Metodologia participativa: uma introdução a 29

instrumentos. Porto Alegre: Tomo Editorial.

Brugué, Q. (2009). Una administración que habla es una administración que piensa: de la

gestión pública a la administración deliberativa. In: Perez, I. C., Martin, F. L.,

Gayán, S. C.; Valenzuela, T. G. Participación ciudadana... para una

administración deliberativa. Aragón: Gobierno de Aragón, 55-72.

Page 144: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

144

Cançado, A. C.; Tavares, B. & Valdir, R. D. (2013). Gestão social e governança territorial:

interseções e especificidades teórico-práticas. Revista Brasileira de Gestão e

Desenvolvimento Regional, 9(3), 313-353.

Carneiro, C. M. Q. (2006). Estrutura e ação: aproximações entre Giddens e Bourdieu. Tempo da Ciência, 13(26), 39-47.

Brasil. Ministério do Meio Ambiente (2000). Carta da terra. Recuperado em 20 de

outubro, 2013, de

http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/CartaDaTerraHistoria2105.

pdf

Castro, B. M. (2012). Liderança ética: o protagonismo rotativo. Recuperado em 17 de

setembro, 2012, de http://www.crescentedh.com.br/lideranca-etica-1-

%E2%80%93-o-protagonismo-rotativo.

Cisne, J. J. N. (2012). Intersetorialidade como um novo paradigma para a gestão pública

focada em resultado: análise dos projetos de combate à pobreza no Ceará. In: Anais

do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Administração. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, XXXVI, 1-17.

Chambrers, R. & Guijt, I. (1995). DRP: depois de cinco anos, como estamos agora?

Revista Bosques, Árvores e Comunidades Rurais, Quito, 26(3), 4-15.

Clarke, A. & Fuller, M. (2010). Collaborative strategic management: strategy formulation

and implementation by multi-organizational cross-sector social partnerships.

Journal of Business Ethics, 94(1), 85-101.

Costa, F. L. da & Cunha, A. P. G. (2002). Pensar o desenvolvimento a partir do local: novo

desafio para os gestores públicos. In: COSCreso Internacional del CLAD sobre la

Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, VII, 8-11.

Costa, M. A. N. (2008). Strategic corporate social responsibility in public policies in

Brazil: the case of health. In BRASA – Tulane University, New Orleans, Louisiana,

IX, 27- 29.

Crosby, B. C. & Bryson J. M. (2010). Integrative leadership and the creation and

maintenance of cross-sector collaborations. The Leadership Quarterly, 21(2), 211-

230.

Dowbor, L. (2012). Entender a Rio+20: leituras sobre os desafios. In: Mercado Ético.

Recuperado em 12 de setembro, 2013, de

http://www.mercadoetico.com.br/arquivo/entender-a-rio20-leituras-sobre-os-

desafios/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-

etico-hoje.

Dowbor, L. (2006). Redes de apoio ao desenvolvimento local: uma estratégia de inclusão

produtiva. Recuperado em 14 de setembro, 2013, de http://dowbor.org/2006/redes-

de-apoio-ao-desenvolvimento-local-uma-estrategia-de-inclusao-produtiva-

doc.html/

Page 145: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

145

Dowbor, L. et al. (2002). A Comunidade inteligente: visitando as experiências de gestão

local. In: Silvio Caccia-Bava, Veronika Paulics, Peter Spink (Org). Novos

contornos da gestão local: conceitos em construção. Pólis Programa Gestão

Pública e Cidadania, Escola de Administração de Empresas de São Paulo,

Fundação Getúlio Vargas, 33-51.

Eisenhardt, K. (1989). Building theories from case study research. Academy Of

Management Review, 14(4), 532-550.

Fischer, R. M. (2005). Estado, mercado e sociedade civil: uma análise conceitual das

parcerias intersetoriais. Revista da Administração, 40(1), 5-18.

Fischer, R. M., Fedato, M. C. L. & Belasco, P. F. (2005). Sustentabilidade sócio-ambiental

de alianças estratégicas intersetoriais: um estudo de caso sobre comunidades

extrativistas na região da Amazônia. In: Conferencia Regional de América Latina y

del Caribe de ISTR. Universidad Ricardo Palma, Peru, V, 1-27.

Fischer, T. M. D. (1996). Gestão contemporânea, cidades estratégicas: aprendendo com

fragmentos e reconfigurações do local. In: T. Fisher (Org.). Gestão contemporânea:

cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Vargas.

Fischer, T. (2002). Poderes locais, desenvolvimento e gestão: introdução a uma agenda. In:

T. Fischer (Org.). Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e

avaliações. Salvador: Casa da Qualidade.

Flisgstein, N. (2007). Habilidade social e a teoria dos campos. Revista de Administração de

Empresas, 47(2), 61-80.

França, C. L., Caldas, E. L. & Vaz, J. C. (2004). Aspectos econômicos de experiências de

desenvolvimento local: um olhar sobre a articulação de atores. São Paulo: Instituto

Pólis.

Fundação Getúlio Vargas. (2010). Desenvolvimento local com equidade em municípios de

pequeno porte populacional: como utilizar a plataforma básica. São Paulo: FGV -

Centro de Estudos em Administração Pública e Governo.

Gava, R. A. (2012). Identidade como força categórica à compreensão do desenvolvimento

local. In: Anais do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação

e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, XXXVI.

Giannetti, E. (2007). Vícios privados, benefícios públicos? A ética na riqueza das nações.

São Paulo: Companhia das Letras.

Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de

Administração de Empresas, 35(2), 57-63.

Goldenberg, M. (2002). A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciências

sociais (6a ed.). Rio de Janeiro: Record.

Page 146: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

146

Greenwood, E. (1973). Métodos principales de investigación social empírica. In

Metodologia de la Investigacion social, Buenos Aires: Paidos, 106-126.

Guerra, J. F. C. & Teodósio, A. S. S. (2012). Habilidades sociais e capital social no

desenvolvimento local: caminhos e descaminhos de uma comunidade escolar nas

políticas Públicas. Gestão e sociedade, 6(15), 360-377.

Guimarães, L. O. (2002). A experiência universitária na formação de empreendedores:

contribuições das Universidades de Saint Louis, Indiana e Babson College. Tese

(Doutorado em Administração) – Escola de Administração de Empresas, Fundação

Getúlio Vargas, São Paulo.

Halinen, A. & Tornroos, J. A. (2005). Using case methods in the study of contemporary

businesses networks. Journal of Business Research, 58(9), 1285-1297.

Ionescu-Somers, A. (2012). Os dois lados da moeda acadêmica. Recuperado em 30 de

outubro, 2013, de http://www.ideiasustentavel.com.br/2012/06/os-dois-lados-da-

%09moeda-%09academica/#comment-2673

Jick, T. D. (1979). Mixing qualitative and quantitative methods: triangulation in action.

Administrative Science Quarterly. 24, 602-611.

Junqueira, L. A. P. (1998). Descentralização e intersetorialidade: a construção de um

modelo de gestão municipal. Revista de Administração Pública, 2(2), 11-22.

Lélé, S. M. (1991). Sustainable development: a critical review. World Development, 6(19),

607-621.

Lenzi, C. Ls. (2006). Para uma imaginação sociológica da ecologia: uma análise do

pensamento de Anthony Giddens. Ambiente & Sociedade, 9(1), 105 -126.

Lévesque, B., Harrisson, D., Fontan, J. M. & Klein, J. L. (2012). The Quebec system of

social innovation: a focused analysis on the local development field. Finisterra,

47(94): 9-28.

Mano-Brown. (2006). Não acredito em líderes, só acredito em pessoas. Entrevista

concedida a Julio Maria. Jornal da Tarde, São Paulo. Recuperado em 30 setembro,

2013, de http://www.assimassado.blogger.com.br/

Meyer, C. B. (2001). A case in case study methodology. Field Methods, 13(4), 329.

Milanez, B., Fernandes, L. O. & Porto, M. F. S. (2009). A coincineração de resíduos em

fornos de cimento: riscos para a saúde e o meio ambiente. Ciência & Saúde

Coletiva, 14(6), 2143-2152.

Milani, C. R. S. (2003). Teorias do capital social e desenvolvimento local: lições a partir da

experiência de Pintadas (Bahia, Brasil). In: Conferência Regional ISTR-LAC, San

José, Costa Rica, IV.

Page 147: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

147

Miles, N., Tully, J., Hudson R., Robinson, F., Queau, K. & Rotheroe, N. C. (2005). Social

capital and economic development in the north east of England: promoting

economic inclusion through community based programmes and projects. ICRRDS,

University of Durham.

Moura, J. M. B. & Maciel, C. F. (2012). A construção teórica de Pierre Bourdieu e

Anthony Giddens: as articulações entre as ações dos sujeitos e a estrutura social.

Pós Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 11(1), 317- 332.

Oliveira, G. C. P. G. de. (2008). Desenvolvimento local e desenvolvimento dndógeno:

redes de cooperação. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel

Heuser, 1-18. Recuperado em 28 de outubro, 2013, de

http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/busca/index.php?q=Desenvolvimento%20

Local%20e%20Desenvolvimento%20End%C3%B3geno.

Ospina, S. & Foldy, E. G. (2010). Building bridges from the margins: the work of

leadership in social change organizations. The Leadership Quarterly, 21(2), 292-

307.

Ospina, S., Foldy E. G. & Goldman, L. (2008). Sensegiving and the role of cognitive shifts

in the work of leadership. The Leadership Quarterly, 19(5), 514-529.

Ospina S. (2006). Gobernanza y liderazgos para el cambio social. Revista del CLAD

Reforma y Democracia, 35. Caracas.

Ospina, S. & Foldy, E. G. (2005). Toward a framework of social change leadership.

Annual Meeting of the Public Management Research Association, Los Angeles,

United State,1-56.

Ospina, S. & Schall, E. (2001). Leadership (re)constructed: how lens matters. Paper for

Presentation at Appam Research Conference. Washington, DC, United State,1-21.

Ospina, S., Godsoe, B. & Schall E. (2001). Co-producing knowledge: practitioners and

scholars working together to understand leadership. In: International Leadership

Association Conference, Miami, United States.

Page, S. (2010). Integrative leadership for collaborative governance: civic engagement

in Seattle. The Leadership, 246-263.

Paula, J. (2001). Desenvolvimento e gestão compartilhada. In: C. M. Silveira, L. C. Reis

(Org). Desenvolvimento local: dinâmicas e estratégias. Rio de Janeiro: Ritz.

Pettigrew, P. J. (2003). Power, conflicts and resolutions: a change agent’s perspective on

conducting action research within a multi-organizational partnership. Systemi

Practice and Action Research, 16(6), 375-391.

Peyrefitte, A. (1997). A sociedade de confiança. São Paulo: Instituto Piaget.

Pimentel, T. D. & Pimentel, M. P. C. (2010). Governança territorial como estratégia de

gestão social do desenvolvimento. In: Encontro Nacional de Pesquisadores em

Gestão Social, Vitória, Espírito Santo.

Page 148: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

148

Pozzebon, M. & Pinsonneault, A. (2005). Challenges in conducting empirical work using

structuration theory: learning from IT research. Organization Studies, (26),1353-

1376. Recuperado em 12 de setembro, 2013, de

http://oss.sagepub.com/content/26/9/1353

Putnam, R. D. (1995). Bowling alone: America’s declining social capital. Journal of

Democracy, 6(1), 65-78.

Putnam, R. D. (1993). The prosperous community: social capital and public life. In:

Ostrom & Ahn, T. K. (Eds.). Foundations of social capital. Elgar Publishing

Limited, United Kingdom, 529-536.

Reed, M. S., Evely, A. C., Cundill, G., Fazey, I., Glass, J., & Laing, A. (2010). What is

social learning?: ecology and society. Recuperado em 12 de outubro, 2013, de

http://www.ecologyandsociety.org/volXX/issYY/artZZ/

Rey, G. F. (2005). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da

informação. São Paulo: Thompson.

Sachs, I., Lopes, C., Dowbor, L. (2010). Crises e oportunidades em tempos de mudança.

Fórum Social Mundial Temático. Recuperado em 13 de setembro, 2013, de

www.criseoportunidade.worpress.com

Sachs, I. (2004). Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro:

Garamond.

Sachs, I. (1997). Desenvolvimento numa economia mundial liberalizada e globalizante: um

desafio impossível? Scielo – Estudos Avançados. Recuperado em 14 de setembro,

2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-

40141997000200014&script=sci_arttext.

Sant’Anna, A. S., Campos, M. S. &, Lótfi, S. (2012). Liderança: o que pensam executivos

brasileiros sobre o tema? RAM – Revista de Administração Mackenzie, 13(6), 48-

76.

Sant’Anna, A. S. et al. (2011). A constructivist perspective on leadership thought among

brazilian and north-american scholars. Brazilian Administration Review, 8(2): 205-

224.

Santos, M. (1999). Dinheiro e território. Geographia, 1(1), 7-13.

Santos, M. A. (2006). Questão do meio ambiente: desafios para a construção de uma

perspectiva transdisciplinar. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e

Meio Ambiente, 1(1), 1-14.

Selsky, J. W. &, Parker, B. (2005). Cross-sector partnerships to address social issues:

challenges to theory and practice. Journal of Management. Recuperado em 10 de

setembro, 2013, de http://jom.sagepub.com/cgi/content/abstract/31/6/849

Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso.

Page 149: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

149

Sennett, R. (2012). Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de

Janeiro: Record.

Silvia, C. (2011) Collaborative governance concepts for successful network leadership.

State and Local Government Review, 43-66.

Silvia, C. & McGuire, M. (2010). Leading public sector networks: an empirical

examination of integrative leadership behaviors. The Leadership Quarterly.

21(2), 264–277.

Skwara, B. A. Tendências parcerias intersetoriais: um jogo de ganha-ganha com regras

claras e respeitadas. Recuperado em 30 de agosto, 2013, de

http://www.ideiasustentavel.com.br/2005/09/tendencias-parcerias-intersetoriais

Spink, P. (2001). O Lugar do Lugar na Análise Organizacional. Revista de Administração

Contemporânea (Edição Especial).

Tenório F.G. (2004). Cidadania e desenvolvimento local: casos brasileiros. In: COSCreso

Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración

Pública. Madrid, España, IX.

Teodósio, A. S. S. (2008). Parcerias tri-setoriais na esfera pública: implicações, impasses

e perspectivas acerca da provisão de políticas sociais em três experiências. Tese

(Doutorado em Administração) – Faculdade de Administração, Fundação Getúlio

Vargas, São Paulo.

Thiollent, M. (1987). Notas para o debate sobre pesquisa-ação. In: Brandão, C. R.

Repensando a pesquisa participante. Editora brasiliense, 82-103.

Triviños, A. R. S. (2007). Introdução a pesquisa em ciências sociais: pesquisa qualitativa

em educação. São Paulo: Atlas.

Vale, G. M. V. (2006) Laços como ativos territoriais: análise das aglomerações

produtivas na perspectiva do capital social. Tese (Doutorado em Administração) –

Faculdade de Administração, Universidade Federal de Lavras, Lavras-MG.

Vale, G. M. V. (2006). Laços como ativos territoriais: uma nova abordagem para o

desenvolvimento regional. Revista de Desenvolvimento Econômico, 8(14).

Vale G. M. V.; Amâncio R. & Lauria M. C. P. (2006). Capital social e suas implicações

para o estudo das organizações. O&S, 13(36), 45-63.

Vangen, S. & Huxham, C. (2003a). Nurturing collaborative relations: building trust in

interorganizational collaboration. Journal of Applied Behavioral Science. 39(1), 5-

31.

Vangen, S., & Huxham, C. (2003b). Enacting leadership for collaborative advantage:

dilemmas of ideology and pragmatism in the activities of partnership managers.

British Journal of Management, 14, 61-76.

Van Wart, M. (2013). Lessons from leadership theory and the contemporary challenges of

leaders: theory to practice. Public Administration Review, 73(4), 553-565.

Page 150: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

150

Yin, R. K. (1981). The case study crisis: some answers. Cornell University, 1-26.

Werneck, N. Travassos, J. & Alvim, F. (2012). Novas fronteiras do investimento social

privado: aprendizagens de uma experiência – o investimento social da Camargo

Corrêa em Pedro Leopoldo. Publicações Casos Fundação Dom Cabral.

Recuperado em 23 de agosto, 2013, de http//www.fdc.org.br/pt/publicações

Page 151: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

151

APÊNDICE

A Roteiro de Entrevista – Integrantes do CDC

Q1. Fale sobre sua trajetória de vida e seu envolvimento com Pedro Leopoldo. Como

Pedro Leopoldo se desenvolveu ao longo de sua história?

Q2. Quais são os desafios de desenvolvimento de Pedro Leopoldo atualmente? Como você

analisa o papel da prefeitura e das políticas públicas? E das empresas? E das organizações

não governamentais? E da população de Pedro Leopoldo?

Q3. Como surgiu o CDC? Inicialmente, qual foi a proposta de trabalho quando o CDC foi

criado?

Q4. Como você se envolveu com o CDC (convite, quem convidou, já saiu...)?

Q5. Como o CDC funciona? Como é a sua dinâmica interna?

Q6. Como são tomadas as decisão no CDC? O CDC é um espaço democrático de

discussão?

Q7. Quais são os temas que geram maior consenso dentro do CDC? E quais são os temas,

mais polêmicos e controversos? Como são superados os impasses, dificuldades de diálogo

e colaboração dentro do CDC?

Q8. As forças da cidade estão representadas no CDC? Existem grupos, pessoas e

organizações que deveriam participar do CDC e não participam? Por que isso acontece?

Como o CDC pode conseguir maior representação dos interesses de Pedro Leopoldo?

Q9. Como é a independência do CDC (nas decisões sobre projetos, propostas, rumos a

tomar...)? Você considera o CDC um grupo autônomo?

Q10. Como você avalia a relação da InterCement com o CDC? E do Instituto Camargo

Corrêa? E das ONGs de Pedro Leopoldo? E da prefeitura? E das outras empresas de Pedro

Leopoldo? E da população de Pedro Leopoldo?

Q11. O CDC consegue provocar transformações em Pedro Leopoldo? Por quê?

Q12. Quais são as tendências para o futuro de Pedro Leopoldo? Como será a atuação do

Page 152: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

152

CDC no futuro? Você acha que os projetos e conquistas de desenvolvimento em Pedro

Leopoldo serão mantidos no longo prazo? De que forma isso pode acontecer?

Q13. Você gostaria de acrescentar mais alguma informação?

Dados Gerais: Setor da sociedade, idade, escolaridade, tempo de moradia em PL,

profissão, local de Trabalho.

Page 153: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

153

B Roteiro de Entrevista – Não Integrantes do CDC

Q1. Fale sobre sua trajetória de vida e seu envolvimento com Pedro Leopoldo. Como

Pedro Leopoldo se desenvolveu ao longo de sua história?

Q2. Quais são os desafios de desenvolvimento de Pedro Leopoldo atualmente? Como você

analisa o papel da prefeitura e das políticas públicas? E das empresas? E das organizações

não governamentais? E da população de Pedro Leopoldo?

Q3. Quais são os espaços para discussão do desenvolvimento de Pedro Leopoldo? A

Holcim participa desses espaços?

Existem grupos, pessoas e organizações que deveriam participar das discussões sobre o

desenvolvimento de Pedro Leopoldo e não participam? Como se pode conseguir obter

maior representação desses grupos nas discussões sobre o desenvolvimento de Pedro

Leopoldo?

Q4 Quais são os temas sobre o desenvolvimento de Pedro Leopoldo que geram maior

consenso? E quais são os temas mais polêmicos e controversos? Como poderiam ser

superados os impasses, dificuldades de diálogo e colaboração?

Q5. Você conhece o CDC? Como você ficou sabendo da existência do CDC? Você acha

que as forças da cidade estão representadas no CDC?

Q6. Como é o envolvimento de outras empresas da cidade com o CDC? Como você avalia

a relação da Holcim com o CDC? O que poderia ser feito para aproximar outras empresas

do CDC?

Q7. Como você avalia a proposta do CDC? E a dinâmica de funcionamento do CDC? Você

percebe que o CDC é um espaço democrático de discussão? Como você avalia a autonomia

do CDC (nos projetos, propostas, na independência para decidir os rumos a tomar)?

Q8. Como você avalia a relação da InterCemente com o CDC? E do Instituto Camargo

Corrêa? E das ONGs de Pedro Leopoldo? E da prefeitura? E das outras empresas de Pedro

Leopoldo? E da população de Pedro Leopoldo?

Page 154: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

154

Q9. Como você acha que os projetos e conquistas de desenvolvimento em Pedro Leopoldo

serão mantidos no longo prazo? De que forma podem ser sustentáveis?

Q10. Como você imagina ver o CDC no futuro? E a cidade de Pedro Leopoldo?

Q11. Você gostaria de acrescentar mais alguma informação?

Cidades com CDC:

Page 155: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

155

C Roteiro de Entrevista – Instituto Camargo Corrêa

Q1. Fale sobre sua trajetória de vida e seu envolvimento com a Responsabilidade Social

Empresarial e seu envolvimento com a cidade de Pedro Leopoldo? Como você percebe o

desenvolvimento de Pedro Leopoldo ao longo de sua história?

Q2. Quais são os desafios de desenvolvimento de Pedro Leopoldo atualmente? Como você

analisa o papel da prefeitura e das políticas públicas nesse desenvolvimento? E das

empresas? E das organizações não governamentais? E da população de Pedro Leopoldo?

Q3. Como surgiu a ideia de trabalhar a partir de CDCs? Inicialmente, qual foi a proposta

de trabalho quando os CDCs foram criados? O que se espera com o trabalho dos CDCs?

Quais os avanços que os CDCs representam? E os desafios a superar?

Q4. Em sua opinião, o CDC consegue ser um espaço efetivamente democrático de

discussão? Quais são os avanços nesse ponto? E os desafios a superar?

Q5. Quais são os temas que geram maior consenso dentro do CDC? E quais são os temas,

mais polêmicos e controversos? Como são superados os impasses, dificuldades de diálogo

e colaboração dentro do CDC?

Q6. As forças de Pedro Leopoldo estão representadas no CDC? Existem grupos, pessoas e

organizações que deveriam participar do CDC e não participam? Por que isso acontece?

Como o CDC pode conseguir maior representação dos interesses de Pedro Leopoldo?

Q7. Como você analisa a independência e autonomia do CDC nas decisões sobre projetos,

propostas (rumos a tomar...?). Quais os avanços? E os desafios a superar?

Q8. Como você avalia a relação da InterCement com o CDC?

E do Instituto Camargo Corrêa? E das ONGs de Pedro Leopoldo? E da prefeitura? E das

outras empresas de Pedro Leopoldo? E da população de Pedro Leopoldo?

Q9. O CDC consegue provocar transformações em Pedro Leopoldo? E nas outras cidades

nas quais ele opera? Por quê?

Page 156: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

156

Q10. Quais são as tendências para o futuro de Pedro Leopoldo? Como você vê a atuação

do CDC no futuro? Você acha que os projetos e conquistas de desenvolvimento em Pedro

Leopoldo e nas outras cidades nas quais opera a empresa serão mantidos no longo prazo?

Q11. Você gostaria de acrescentar mais alguma informação?

Page 157: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

157

D Implantação do CDC

Cidades onde há CDC implantado:

1. Ipojuca-PE

2. Apiaí -SP

3. Itaóca-SP

4. Cabo de Santo Agostinho-PE

5. Jacareí-SP

6. Santana do Paraíso-MG

7. Ijaci-MG

8. Pedro Leopoldo-MG

9. Fortaleza-CE

10. Bodoquena-MS

Cidades onde serão implantados em 2014:

1. Conde-PB

2. João Pessoa-PB

3. São Miguel dos Campos-AL

4. Campo Formoso-BA

5. Brumado-BA

6. Cajati-SP

7. Cubatão-SP

8. Jacareí-SP

9. Candiota-RS

Page 158: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

158

E Diagramas de Venn

(Fotos dos cartazes elaborados durante o DRP)

E1 Diagrama de Venn (Grupo A)

E2 Diagrama de Venn (Grupo B)

Page 159: PROCESSOS DE LIDERANÇA NAS PARCERIAS … · partir de um estudo no caso do ... alicerçado em abordagem qualitativa, tendo como ferramenta ... estruturas abertas e transparentes

159

F Diagramas de Fluxo

(Fotos dos cartazes elaborados durante o DRP)

F1 Diagrama de Fluxo (Grupo A)

F2 Diagrama de Fluxo (Grupo B)