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O USO DA ICONOGRAFIA/IMAGEM NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: DIÁLOGOS POSSÍVEIS Cássia Geciauskas Sofiato Universidade de São Paulo Gabriel Bertozzi de Oliveira e Sousa Leão Universidade de São Paulo Resumo O uso de iconografia e, mais especificamente, da imagem na educação de surdos no Brasil vem se consolidando a partir da década de 1990 com os estudos relativos ao bilinguismo e suas implicações. Algumas legislações específicas relacionadas à área da surdez também vislumbram esta questão e garantem a sua efetivação.Esta pesquisa, de abordagem qualitativa e do tipo bibliográfico, tem por objetivo discutir o uso de imagens/iconografia na educação contemporânea de surdos e apontar algumas possibilidades em relação às possíveis leituras da imagem no contexto de sala de aula. Após a realização do levantamento bibliográfico para a construção dos alicerces teóricos da presente pesquisa, também foram selecionados cinco trabalhos, publicados em livros ou em forma de artigos científicos, que versavam sobre o uso da imagem no contexto de sala de aula com alunos surdos.A partir da seleção dos referidos materiais e leitura cuidadosa dos mesmos foram estabelecidas categorias para a análise das produções, a saber: i. Público alvo, ii. Tipos de imagens utilizadas; iii. Contribuições do uso da imagem/iconografia para com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos.Por meio deste estudo, verificou-se que cada vez mais a imagem/iconografia vem sendo utilizada no contexto de sala de aula com diferentes objetivos e enfoques e, dessa forma, novas investigações necessitam ser feitas no que tange às múltiplas possibilidades de trabalho com este tipo de recurso. O artigo em questão aponta algumas possibilidades para a realização da leitura de imagens, a partir de autores do campo da arte e semiótica. Palavras-chave: educação de surdos,iconografia, imagem. Introdução O uso de iconografia e, mais especificamente, da imagem na educação de surdos no Brasil vem se consolidando a partir da década de 1990 com os estudos relativos ao bilinguismo e suas implicações. Na abordagem do bilinguismo o surdo é considerado um sujeito que possui uma língua que lhe é natural, que é a própria língua de sinais (L1), e a aquisição da língua majoritária utilizada em seu país de origem deve ser realizada na modalidade escrita (L2). O bilinguismo envolve mais do que a questão da aquisição de duas línguas. Consideram-se também dentro dessa perspectiva outros aspectos: Para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de surdos representa questões políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, a educação de surdos em uma perspectiva bilíngue deve ter um currículo organizado em uma perspectiva visual espacial para garantir o acesso a todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, a língua de sinais brasileira (QUADROS, 2005, n.p.). Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03090

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O USO DA ICONOGRAFIA/IMAGEM NA EDUCAÇÃO DE SURDOS:

DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Cássia Geciauskas Sofiato

Universidade de São Paulo

Gabriel Bertozzi de Oliveira e Sousa Leão

Universidade de São Paulo

Resumo

O uso de iconografia e, mais especificamente, da imagem na educação de surdos no Brasil

vem se consolidando a partir da década de 1990 com os estudos relativos ao bilinguismo

e suas implicações. Algumas legislações específicas relacionadas à área da surdez

também vislumbram esta questão e garantem a sua efetivação.Esta pesquisa, de

abordagem qualitativa e do tipo bibliográfico, tem por objetivo discutir o uso de

imagens/iconografia na educação contemporânea de surdos e apontar algumas

possibilidades em relação às possíveis leituras da imagem no contexto de sala de aula.

Após a realização do levantamento bibliográfico para a construção dos alicerces teóricos

da presente pesquisa, também foram selecionados cinco trabalhos, publicados em livros

ou em forma de artigos científicos, que versavam sobre o uso da imagem no contexto de

sala de aula com alunos surdos.A partir da seleção dos referidos materiais e leitura

cuidadosa dos mesmos foram estabelecidas categorias para a análise das produções, a

saber: i. Público alvo, ii. Tipos de imagens utilizadas; iii. Contribuições do uso da

imagem/iconografia para com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos.Por

meio deste estudo, verificou-se que cada vez mais a imagem/iconografia vem sendo

utilizada no contexto de sala de aula com diferentes objetivos e enfoques e, dessa forma,

novas investigações necessitam ser feitas no que tange às múltiplas possibilidades de

trabalho com este tipo de recurso. O artigo em questão aponta algumas possibilidades

para a realização da leitura de imagens, a partir de autores do campo da arte e semiótica.

Palavras-chave: educação de surdos,iconografia, imagem.

Introdução

O uso de iconografia e, mais especificamente, da imagem na educação de surdos

no Brasil vem se consolidando a partir da década de 1990 com os estudos relativos ao

bilinguismo e suas implicações. Na abordagem do bilinguismo o surdo é considerado um

sujeito que possui uma língua que lhe é natural, que é a própria língua de sinais (L1), e a

aquisição da língua majoritária utilizada em seu país de origem deve ser realizada na

modalidade escrita (L2). O bilinguismo envolve mais do que a questão da aquisição de

duas línguas. Consideram-se também dentro dessa perspectiva outros aspectos:

Para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de

surdos representa questões políticas, sociais e culturais. Nesse sentido,

a educação de surdos em uma perspectiva bilíngue deve ter um

currículo organizado em uma perspectiva visual espacial para garantir

o acesso a todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, a

língua de sinais brasileira (QUADROS, 2005, n.p.).

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Dentro dessa perspectiva, de acordo com Skliar (1998), a surdez constitui-se uma

diferença a ser politicamente reconhecida e é considerada uma experiência visual.Os

surdos, ao longo da história, desenvolveram e transmitiram uma língua de modalidade

espaço-visual e no âmbito de sua educação algumas potencialidades devem ser levadas

em consideração, entre elas:

A potencialidade da aquisição e desenvolvimento da língua de sinais

como primeira língua, a potencialidade de identificação das crianças

surdas com seus pares e com adultos surdos, a potencialidade de

identificação do desenvolvimento de estruturas, formas e funções

cognitivas visuais, a potencialidade de uma vida comunitária e de

desenvolvimento de processos culturais específicos; e por último, a

potencialidade de participação dos surdos no debate linguístico,

educacional, escolar, de cidadania, etc. (p.26- grifo nosso).

O Decreto-lei nº 5626 de 2005 corrobora com essa perspectiva, ao destacar no

capítulo um, artigo 2º, a seguinte definição de pessoa surda:“considera-se pessoa surda

aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de

experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua

Brasileira de Sinais – Libras” (BRASIL, 2005). Esse discurso é ratificado também no

Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de

Sinais e Língua Portuguesa, produzido pelo grupo de trabalho designado pelas Portarias

nº 1.060/2013 e nº 91/2013, instituído pela Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), em outubro de 2013. Em vários

parágrafos deste documento podemos encontrar a valorização do aspecto visual e sua

relação com o processo educacional do surdo:

A Educação Bilíngue Libras - Português é entendida, como a

escolarização que respeita a condição da pessoa surda e sua

experiência visual como constituidora de cultura singular, sem,

contudo, desconsiderar a necessária aprendizagem escolar do português

(THOMA et. al. 2014, p. 6- grifo nosso).

A pessoa surda transita entre duas culturas, a surda e a ouvinte; no

entanto, sua identidade constitui-se como outro processo por ser

definitivamente diferente, por necessitar de recursos completamente

visuais [...] (THOMA et. al. 2014, p.13-grifo nosso).

A pessoa surda serve-se da linguagem constituída de códigos visuais

com capacidade de desenvolver significantes e significados que lhe

propicie acesso ao conhecimento. A visão, além de ser meio de

aquisição de linguagem é meio de desenvolvimento. Isso acontece

porque a cognição dos surdos se desenvolve de um modo totalmente

visual, diferente dos ouvintes que utilizam a audição para se comunicar,

para captar explicações, conceitos, significados (THOMA et. al. 2014,

p. 13-grifo nosso).

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Em que pese este desafio estar bastante enfatizado na contemporaneidade por

meio de publicações, legislações e documentos orientadores, alguns pesquisadores

dedicam-se ao estudo a respeito do uso das imagens na educação de surdos há algum

tempo, entre eles: Reily (2003, 2004), Sofiato e Reily (2013), Taveira e Rosado (2013),

Rosa e Luchi (2010), Lebedeff (2010), entre outros. Estes estudos evocam a imagem

como uma estratégia que possibilita muitos investimentos, a depender dos objetivos de

quem as seleciona e utiliza.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho, de abordagem qualitativa e do tipo

bibliográfico, é o de discutir o uso de imagens/iconografia na educação de surdos e

apontar algumas possibilidades em relação às possíveis leituras da imagem no contexto

de sala de aula. O conceito de iconografia é polissêmico e, neste estudo, utilizaremos o

sentido atribuído por Turazzi (2009), a saber:

Compreende tanto a (s) arte (s) e a(s) técnica (s) de representação

através da imagem, quanto a própria documentação (conjunto de

imagens) resultante dessa atividade e, por extensão, a área do

conhecimento voltada para a descrição e a interpretação de tais

representações, hoje objeto de estudo de diversas disciplinas (história

da arte, antropologia visual, história da ciência, etc.). Cada sentido da

palavra está, de certa forma, imbricado em outro e em todos eles o uso

do vocabulário liga-se indissoluvelmente, à construção do

conhecimento e da memória em suportes visuais, bem como à sua

transformação em objeto de estudo para a história (p. 50).

A imagem e a singularidade do olhar

De acordo com Frutiger (2001), a cada piscar de olhos, o ser humano visualiza

uma imagem. As nossas ideias e criações, lembranças e sonhos, enfim, toda a nossa

experiência se apresenta em séries de imagens. As numerosas e distintas imagens que nos

rodeiam fazem parte do nosso dia-a-dia. Desde muito pequenos, aprendemos a ler

imagens, talvez até ao mesmo tempo em que aprendemos a falar:

A existência se passa em um rolo de imagens que se desdobra

continuamente, imagens captadas pela visão e realçadas ou moderadas

pelos outros sentidos. Imagens cujo significado varia constantemente,

configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras

e de palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos

abarcar e compreender a nossa existência. (MANGUEL, 2001, p. 21).

À medida que interagimos com as imagens que nos cercam, podemos ver mais ou

menos coisas, descobrir mais detalhes, associar e combinar outras imagens, emprestar-

lhes palavras para contar o que vemos, mas, em si mesma, uma imagem existe no espaço

que ocupa, independentemente do período que reservamos para contemplá-la. Apesar de

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toda essa experiência empírica que temos com as imagens, cabe aqui questionarmos, para

os propósitos deste estudo, o que vem a ser uma imagem. Essa é uma definição difícil de

ser feita, devido ao grande uso do termo e à diversidade de significações da palavra.Uma

colocação simples e objetiva para o significado do termo é apresentada por Frutiger

(2001), quando diz que a imagem é concebida, de forma genérica, como um registro o

mais natural possível do que o olho humano vê ou acredita ter visto.

Joly (1996) considera a imagem como uma mensagem visual composta de

diversos signos, o que equivale a considerá-la como uma linguagem e, portanto, uma

ferramenta de expressão e de comunicação. Seja ela expressiva ou comunicativa, é

possível admitir que uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro, e até

para nós mesmos.

Em termos históricos, vemos a presença da imagem na origem da escrita, nas

religiões, no campo das artes e na reflexão filosófica desde a Antiguidade. Se voltarmos

às nossas origens, encontramos a presença da imagem:

Por toda a parte no mundo, o homem deixou vestígios de suas

faculdades imaginativas sob a forma de desenhos, nas pedras, dos

tempos mais remotos do paleolítico à época moderna. Estes desenhos

tinham por objetivo comunicar mensagens e muitos deles constituíram-

se o que se chamou “os precursores da escrita”, utilizando processos de

descrição-representação que só conservaram um desenvolvimento

esquemático de representações de coisas reais (JOLY, 1996, p. 17).

No campo filosófico, especialmente com Platão e Aristóteles, a imagem também

se tornou núcleo de reflexão. Platão considerava que a imagem seduzia as partes mais

fracas de nossa alma, enquanto Aristóteles sugeria que todo processo de pensamento

requeria imagens, e concluía que a alma nunca pensava sem uma imagem mental.

Com o passar do tempo, vemos também a forte influência das imagens no aspecto

religioso. Reily (2004) comenta que entre os padres da Igreja antiga, houve controvérsias

sobre a presença da imagem no templo. À época, considerava-se que a palavra de Deus

deveria se apresentar somente no plano verbal e que as figuras e o colorido das igrejas

poderiam distrair os cristãos. De acordo com a autora, por volta de 800 d.C, reconheceu-

se que as imagens poderiam servir para os iletrados, “que não tinham acesso aos escritos

dos antigos pais da Igreja” (p. 25).

Em relação à arte, Joly (1996) destaca que a noção de imagem vincula-se

essencialmente à representação visual, destacada nos afrescos, nas pinturas, nas

iluminuras, nas gravuras, nos filmes, nos vídeos e na fotografia.

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Já nos últimos séculos, podemos perceber que as artes plásticas tentavam

reproduzir a imagem captada pela visão com o máximo de fidelidade. A imagem era

percebida como uma mensagem fechada em si mesma, muitas vezes no sentido de

contemplação. A partir da invenção da fotografia, Frutiger (2001) afirma que a arte

naturalista perdeu seu sentido e seu valor original. E partir da sua existência, para

Manguel (2001), tornou-se o provedor de imagens na nossa sociedade, conquistando

tempo e espaço. Desde então nos tornamos testemunhas daquilo que em algum momento

aconteceu: guerras, fatos importantes, públicos ou privados, a paisagem de terras

estrangeiras, o rosto de nossos avós na sua infância, tudo isso foi oferecido pela câmera

para o nosso exame atento: “através do olho da lente, o passado tornou-se contemporâneo

e o presente se resumiu a uma iconografia coletiva. A fotografia democratizou a

realidade” (p. 92).

Na atualidade, outros modos de representação permitem aos indivíduos um

contato com vários materiais pictóricos numa quantidade cada vez maior, tanto em forma

de produções gráficas quanto em forma de mídia. Neste sentido, Frutiger (2002) pondera

que: “atualmente, o volume de informações pictóricas e imagens em movimento evoluiu

até uma verdadeira linguagem pictórica. Para os chamados leitores de imagens, a

expressão verbal que as acompanha é pouco relevante para a compreensão do sentido da

mensagem”. Mas é importante destacar que a leitura da imagem é algo que precisa ser

trabalhado, para que se possa usufruir de toda a propriedade que a imagem possui.

A imagem na educação de surdos: leituras possíveis

Quando abordamos a questão da análise de imagens, um dos teóricos mais

conhecidos é Erwin Panofsky. Segundo Panofsky (1986) o estudo da iconografia se dá

em três estágios: o pré-iconográfico, iconográfico e iconológico. No primeiro estágio,

pré-iconográfico, são identificadas, na imagem, suas formas, objetos indivíduos e

eventos, a fim de compreender o seu significado natural. O segundo estágio, iconográfico,

são identificados os temas e conceitos que permeiam a iconografia por meio do

significado convencional dado à mesma. Por fim, a análise iconológica traz uma

interpretação mais aprofundada, identificando valores simbólicos presentes na imagem e

que se refere aos seus significados intrínsecos.

É interessante refletir sobre a importância da percepção dos temas, conceitos e

significados intrínsecos à iconografia a fim de compreender a estrutura polissêmica e

complexa da linguagem visual e dos vários códigos presentes nela. Entender essa

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dinâmica dos objetos visuais é um relevante passo para estabelecer relações de

semelhanças e diferenças entre a linguagem visual e a verbal, o que auxilia, direta ou

indiretamente, no processo de letramento de alunos surdos e no aprendizado de diferentes

conteúdos por meio das imagens. Contudo, frequentes práticas de uso ilustrativo,

pertinentes nos percursos de letramento e alfabetização de surdos, devem ser refletidas a

fim de que os aspectos visuais da iconografia não se caracterizem como possíveis apenas

quando estão em posição de subordinação aos gêneros textuais.

A comunicação visual ainda é pouco explorada no contexto educacional, apesardo

caráter esmagadoramente visual na aprendizagem (DONDIS, 2007). Os recursos visuais

vêm sendo compartilhados e absorvidos de maneira cada vez mais rápida e dinâmica. A

forma de interação e interpretação que fazemos sobre essas informações afetam

diretamente na maneira como vivemos em sociedade. Nessa perspectiva, outras

possibilidades de leitura de imagens voltadas para a questão estética e que colaboram para

a interpretação crítica de suas informações e influências, emergem no cenário da pesquisa

iconográfica, como as abordagens de Robert Willian Ott, Michael Parsons e Abigail

Housen (SARDELICH, 2006).

O caráter polissêmico e ambíguo da iconografia pode ser uma armadilha para

educadores uma vez que esse necessita de um direcionamento crítico do olhar para sua

compreensão. Dondis (2007) coloca a importância do alfabetismo visual, que implica na

compreensão e meios de ver e compartilhar os significados da imagem, entendendo

também como se dá a estruturação de sua composição. Essa prática na educação de surdos

colabora para o desenvolvimento crítico do pensamento e, consequentemente, auxilia não

só no âmbito pedagógico, mas também no exercício da cidadania e na dinâmica de

interação social.

Os usos da imagem na educação contemporânea de surdos

Além da pesquisa bibliográfica que fundamenta a primeira parte deste estudo, foi

realizado um levantamento bibliográfico específico com a finalidade de conhecer a

produção acadêmica a respeito do uso de imagens/iconografia na educação de surdos. Tal

levantamento pautou-se em livros e periódicos científicos,que se relacionavam ao tema

proposto. O recorte temporal estabelecido para a busca foi a partir do ano de 2000. Foram

utilizados como critérios para a seleção dos textos:

1. Os manuscritos serem resultados de pesquisas acadêmicas;

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2. Que versassem a respeito de práticas pedagógicas realizadas com alunos

surdos;

3. Consistência teórica e contribuição para o campo da educação de surdos.

De acordo com os critérios apresentados anteriormente, os autores selecionados

para este estudo foram: Reily (2003), Gesueli (2006), Lacerda et.al. (2012), Neves

(2009),Taveira e Rosado (2013). É importante destacar que existem poucas produções

relacionadas ao tema deste estudo.

Após a leitura detalhada do material coletado com vistas à análise de seu conteúdo,

foram elaboradas categorias, à luz do referencial teórico de Bardin (2011), para a

sistematização dos dados e discussão dos mesmos. As categorias estabelecidas foram as

seguintes: i. Público alvo, ii. Tipos de imagens utilizadas;iii. Contribuições do uso da

imagem/iconografia para com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos.

Apresentação e discussão dos dados

i. Público-alvo

Lebedeff (2010) destaca que muitos autores defendem “a necessidade de que os

processos educativos que envolvem alunos surdos implementem estratégias ou atividades

visuais e, principalmente, que possibilitem aos surdos, eventos de letramento visual” (p.

180). Afirma que mesmo diante de tal necessidade ainda são poucos os trabalhos que

levam em consideração este aspecto. A partir do estudo realizado, percebe-se que este

aspecto está começando a ser contemplado e que as práticas pedagógicas começam a ser

compartilhadas pelos pesquisadores que atuam com surdos.

De acordo com o material analisado, os trabalhos relativos ao uso da

imagem/iconografia foram utilizados com alunos de diferentes níveis da educação básica,

a saber: alunos surdos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio.As

práticas pedagógicas foram realizadas com alunos de escolas públicas.

Observa-se que nestes trabalhos todos os níveis da educação básica estão

representados e que este tipo de recurso precisa ser utilizado a partir da educação infantil,

embora saibamos que a maior concentração de alunos surdos na escola pública atualmente

encontra-se no ensino fundamental (THOMA ET.AT.2014).

ii. Tipos de imagens utilizadas

Os trabalhos analisados fizeram uso de imagem impressa e em movimento. Em

relação às imagens impressas, elencamos a seguir os tipos utilizados e os respectivos

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autores. Reily (2003) utiliza fotografias, figuras (de calendários), além de iconografia

(reproduções de quadros). Neves (2009)também faz uso de fotografias, iconografias (de

religião e de artes),figuras de jornal. Neste aspecto, Taveira e Rosado (2013) destacam a

utilização de fotografias e desenhos.

Em relação ao uso da imagem em movimento, destacamos dois trabalhos. Gesueli

(2006) apresenta sua intervenção pedagógica realizada com base em um software

denominado Hagáquê (histórias em quadrinhos eletrônicas), desenvolvido pelo Instituto

de Computação da Universidade Estadual de Campinas. Lacerda et.al. (2012), utiliza

como elemento disparador para o trabalho um documentário em vídeo intitulado Lixo

Extraordinário, cujo diretor foi de Lucy Walker.Tal documentário retrata o trabalho do

artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo, o Jardim

Gramacho, no Rio de Janeiro. Taveira e Rosado (2013) também fazem uso de um vídeo

retirado do Youtube (poesia em língua de sinais).

A partir dos tipos de imagem elencados observa-se que houve uma preocupação

com a variedade apresentada e que as escolhas das imagens dependiam do objetivo

pedagógico em questão.

Reily (2003) e Neves (2009) destacam também o uso de objetos em suas

intervenções, além de imagem. Neste sentido Neves (2009) afirma que: “a experiência

sensorial do toque, o contato manual e visual possibilita a eles um entendimento muito

mais concreto e objetivo, que por sua vez, facilita a associação do conceito à palavra em

língua portuguesa” (p. 7908).Percebe-se que a hibridização de recursos pode facilitar o

processo de compreensão de conceitos por parte do aluno surdo e proporcionar novas

vivências a partir da contextualização dos mesmos.

Os trabalhos dos autores selecionados abordam diferentes tipologias de imagens

que compreendem desde o vídeo à imagem estática e fazem referência tanto à cultura

visual como ao objeto de arte. Apesar da maior parte destes autores refletirem sobre as

imagens como veículos para a realização de práticas de letramento aos alunos surdos,

outras temáticas e conteúdos escolares são contemplados. Essa versatilidade do suporte

pictórico em relação às suas formas de apresentação, interdisciplinaridade e diferentes

possibilidades de contribuição para o processo de ensino e aprendizagem, revelam o quão

significativo esse recurso pode se tornar na educação de surdos.

iii. Contribuições da imagem para com o processo de ensino e

aprendizagem dos alunos surdos.

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Todos os trabalhos selecionados e analisados reconhecem ganhos com a utilização

da imagem/iconografia em sala de aula ou em situação de atendimento em pequenos

grupos, tendo em vista os diferentes objetivos pedagógicos do grupo de pesquisadores.

Reily (2003) destaca alguns dos avanços obtidos por alunos da educação infantil

que participaram de atividades em que a imagem/iconografia foram largamente utilizadas

e se constituíram como campo de investigação semântica em arte:

Nesse processo, tive a oportunidade de ver a capacidade dessas crianças

pré-escolares com surdez severa e profunda de reconhecerem figuras

escondidas, perceberem pequenos detalhes, compreenderem

incongruências visuais, identificarem-se com personagens, imitarem

configurações e expressarem-se graficamente (p. 183).

No contexto de ensino de História para alunos surdos, Neves (2009) pondera sobre

o uso da imagem em sala de aula: “tendo em vista o caráter espacial-visual da língua de

sinais e, naturalmente, o maior desenvolvimento das habilidades relacionadas à memória

e raciocínio visuais, as atividades que envolveram imagens e o contato com objetos de

significado histórico foram as que obtiveram melhores resultados e que geraram maior

interesse e participação da turma” (p. 7907).

Gesueli (2006) ao trabalhar com o software Hagáquê, cujo objetivo era o de

aprimorar o letramento de alunos surdos, reconheceu que o uso do computador e do

referido material causou grande interesse nos alunos envolvidos com a proposta. O uso

de imagens motivou os alunos e contribuiu para a diminuição das “restrições para a

produção do texto escrito em função da imagem se constituir como ponto de partida” (p.

45). Por meio deste trabalho a autora sugere um repensar nas práticas que envolvem o

ensino do português escrito para alunos surdos, tendo em vista o aspecto visual da leitura

e da escrita.

O trabalho desenvolvido por Lacerda et. al. (2012) denota a importância do uso

da imagem em movimento em um contexto de ensino planejado. A partir do uso do vídeo

muitas outras propostas foram desencadeadas e implementadas no contexto da escola

bilíngue.

Taveira e Rosado (2013), ao demonstrarem o trabalho com diferentes tipos de

imagens também em um trabalho de letramento com alunos surdos, evidenciam o ganho

a partir do “entrelaçamento das diferentes matrizes da linguagem (visual, verbal e sonora)

e seus possíveis hibridismos na prática pedagógica e na escolarização de alunos surdos”

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(p. 41). Destacam também a contribuição que pode ser dada ao processo de letramento de

alunos surdos a partir dos estudos em semiótica.

Considerações finais

De acordo com os estudos realizados infere-se que há muitas possibilidades de

intervenções e leituras de imagens no contexto educativo com alunos surdos, tanto em

escolas inclusivas quanto em escolas de educação bilíngue.

As práticas pedagógicas selecionadas e analisadas trazem contribuições para que

se pense na possibilidade e na necessidade de inserirmos a iconografia/imagem no

trabalho pedagógico com alunos surdos. Compreender a imagem como detentora de uma

linguagem própria, que não se apresenta de forma passiva e que, além disso, necessita de

metodologias para a compreensão dos seus significados é um dos suportes que auxiliam

a proposta de educação bilíngue.

Tomando-se como base as considerações de Pereira (2007), afirmamos que a

leitura e análise de imagens dependem de muitos fatores. O ato perceptivo não é passivo

e a utilização da imagem em sala de aula com alunos surdos é uma forma de provocar a

reflexão, além de funcionar como um instrumento que possibilita a aquisição de

conhecimentos de diferentes áreas curriculares.

Para que isso ocorra também é necessário que o educador tenha uma formação

sólida(inicial e continuada),que lhe possibilite o diálogo com outras áreas do

conhecimento que têm como objeto de estudo a imagem, pois no campo da educação de

surdos isso ainda tem sido pouco explorado.

Esperamos que este estudo sirva de motivação para futuras pesquisas na área da

surdez no que tange ao uso da imagem/iconografia na educação de surdos, à luz de autores

consagrados no campo da arte e da semiótica.

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