14
1 O USO DE PORTFOLIO NA SAÚDE COLETIVA Phallcha Luízar Obregón 1 INTRODUÇÃO A educação nos dias de hoje segue os princípios propostos pela Unesco em 1998 (WERTHEIN & CUNHA 2000), que considera quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Esses quatro princípios orientadores abrangem as competências relacionais (aprender a conviver), produtivas (aprender a fazer) e cognitivas (aprender a conhecer). E devem ser desenvolvidos de forma integrada e sempre contextualizados para a realidade que estão sendo propostos. Nos últimos tempos, na formação universitária, especialmente na área da saúde, tem-se observado um crescimento na utilização de metodologias ativas de ensino- aprendizagem que propõe concretamente desafios a serem superados pelos estudantes, que lhes possibilitem ocupar o lugar de sujeitos na construção dos conhecimentos e que coloquem o professor como facilitador e orientador deste processo (BORDENAVE e PEREIRA, 1998). Dessa forma qualquer mudança na concepção sobre ensino e aprendizagem tem repercussões sobre o papel da avaliação no processo educativo. O portfólio tem sido utilizado em diferentes cenários docentes, cumprindo um papel importante em vários contextos educativos (RANGEL, 2003; SEIFFERI, 2001; TANJI, 2008; VIEIRA, 2009) como estratégia que potencializa a construção do conhecimento de forma reflexiva. Na formação em saúde, o portfólio tem sido utilizado principalmente em currículos inovadores (GOMES e col., 2010). Na educação médica, o portfólio é descrito em diferentes campos da formação, como disciplinas na graduação, no internato e nos programas de residência (ALMINO, 2007; CABRERA, 2008; SILVA, 2009; MARIN, 2010; MORETO, 2010) 1 Médica, Professora doutora do colegiado de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, campus de Cascavel. Contato: [email protected]

O USO DE PORTFOLIO NA SAÚDE COLETIVA INTRODUÇÃOcac-php.unioeste.br/projetos/gpps/midia/seminario6/arqs/Trab... · comprometeu-se a elaborar um portfólio com registro de aspectos

Embed Size (px)

Citation preview

1

O USO DE PORTFOLIO NA SAÚDE COLETIVA

Phallcha Luízar Obregón1

INTRODUÇÃO

A educação nos dias de hoje segue os princípios propostos pela Unesco em 1998

(WERTHEIN & CUNHA 2000), que considera quatro pilares da educação: aprender a

conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Esses quatro

princípios orientadores abrangem as competências relacionais (aprender a conviver),

produtivas (aprender a fazer) e cognitivas (aprender a conhecer). E devem ser

desenvolvidos de forma integrada e sempre contextualizados para a realidade que estão

sendo propostos.

Nos últimos tempos, na formação universitária, especialmente na área da saúde,

tem-se observado um crescimento na utilização de metodologias ativas de ensino-

aprendizagem que propõe concretamente desafios a serem superados pelos estudantes,

que lhes possibilitem ocupar o lugar de sujeitos na construção dos conhecimentos e que

coloquem o professor como facilitador e orientador deste processo (BORDENAVE e

PEREIRA, 1998). Dessa forma qualquer mudança na concepção sobre ensino e

aprendizagem tem repercussões sobre o papel da avaliação no processo educativo.

O portfólio tem sido utilizado em diferentes cenários docentes, cumprindo um

papel importante em vários contextos educativos (RANGEL, 2003; SEIFFERI, 2001;

TANJI, 2008; VIEIRA, 2009) como estratégia que potencializa a construção do

conhecimento de forma reflexiva. Na formação em saúde, o portfólio tem sido utilizado

principalmente em currículos inovadores (GOMES e col., 2010).

Na educação médica, o portfólio é descrito em diferentes campos da formação,

como disciplinas na graduação, no internato e nos programas de residência (ALMINO,

2007; CABRERA, 2008; SILVA, 2009; MARIN, 2010; MORETO, 2010)

1 Médica, Professora doutora do colegiado de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –

Unioeste, campus de Cascavel. Contato: [email protected]

2

O portfólio é um instrumento que potencializa a reflexão das práticas,

assegurando a construção do conhecimento, do desenvolvimento pessoal e profissional

dos envolvidos (docentes e discentes). O portfólio auxilia o estudante a atingir os

objetivos, contribuindo também para a aproximação entre a teoria e a prática, a

sistematização das atividades propostas, para a criatividade e a livre expressão e para o

atendimento às dificuldades particulares de cada estudante. Os casos não são escolhidos

previamente, eles são provenientes da experiência prática do profissional ou estudante.

São casos da vida diária, situações que exigem estudo, reflexão, e orientação do docente

para conduzir a discussão de forma produtiva.

No portfólio o estudante documenta, registra e estrutura as ações, as tarefas e a

própria aprendizagem por meio de um discurso narrativo, elaborado de forma contínua e

reflexiva. O portfólio é um instrumento de diálogo entre o professor e o estudante, na

medida em que é compartilhado com o professor e enriquecido por novas informações,

novas perspectivas e continuado suporte afetivo e pessoal para a formação profissional.

Desta forma, permite ao estudante uma “ampliação e diversificação do seu olhar,

forçando-o à tomada de decisões, à necessidade de fazer opções, de julgar, de definir

critérios, de se deixar invadir por dúvidas e por conflitos, para deles poder emergir mais

consciente, mais informado, mais seguro de si e mais tolerante quanto às hipóteses dos

outros” (SÁ-CHAVES, 2000). Dessa forma, o portfólio é utilizado como estratégia que

potencializa a reflexão sistematizada e sistemática sobre as práticas desenvolvidas

(ALVARENGA, 2001; ELBOW et al., 1991; PUALSON, 1990), pois o portfólio tem

como maior objetivo ajudar o estudante a desenvolver a habilidade de avaliar seu

próprio trabalho.

O portfólio é também um excelente instrumento que pode auxiliar na avaliação

do impacto de programas educacionais (COLLINS, 1991).

A avaliação é um processo inerente ao processo de construção de conhecimento

e, portanto, o enfoque deveria estar não apenas nos resultados, também no processo.

Uma das formas que tem demonstrado efeitos positivos e que cumpre requisitos da

avaliação formativa é o Portfólio (ALVARENGA, 2001).

Segundo CARDOSO (2004), a avaliação por meio do uso do portfólio beneficia

professores e alunos, os quais através do processo contínuo de reflexão podem rever e

3

aperfeiçoar seus conhecimentos na disciplina ou graduação, estabelecendo, assim, inter-

relações entre a vida acadêmica e as experiências pessoais.

Como estratégia intencional, o portfólio constitui um suporte para os processos

avaliativos – avaliação somativa e formativa, especialmente a avaliação formativa

realizada pelo professor ao longo do processo de formação, pois é aquela que permite,

em tempo útil, equacionar conflitos cognitivos, afetivos e psicomotores dos estudantes,

lacunas científicas, ou omissões, garantindo por isso condições de desenvolvimento

progressivo dos níveis de consciência e, por conseguinte, da emancipação e identidade

do estudante. Compreendendo este caráter formativo, a avaliação do Portfólio realizada

pelo professor é feita periodicamente com a intenção de proporcionar ao estudante

condições de recuperação de suas fragilidades, de acordo com o desempenho esperado.

Mas também de avaliação somativa, na medida em que o portfólio, quando

terminado o período de formação ao qual se refere, constitui uma ampla evidência quer

dos resultados, quer dos processos que os determinaram (HERNÁNDEZ, 2000).

A Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel conta com o

curso de Medicina desde 1996. Na sua grade curricular conta com a disciplina

denominada estágio supervisionado do Internato Médico em Saúde Coletiva ofertada

para os estudantes da sexta série.

Trata-se de disciplina obrigatória com carga horária de 440 horas distribuídas ao

longo do período de junho a novembro (11 semanas por grupo). O estágio funciona

através de convênio com a Secretaria Municipal de Saúde de Cascavel que recebe

estudantes da 6ª série nos serviços de saúde, se desenvolve em sistema de rodízios e em

pequenos sub-grupos (5 a 6 estudantes), que supervisionados por docentes da disciplina,

desenvolvem diferentes atividades, entre elas: atendimento ambulatorial, atividades de

educação para a saúde, trabalhos com grupos de pacientes, visitas domiciliares,

atendimentos domiciliares, participação em reuniões do Conselho Municipal de Saúde.

Os estudantes têm acesso ao conteúdo teórico da disciplina através de textos, discussões

com a supervisão e roteiros de estudo.

No ano 2010 as atividades foram desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde

Neva e Santa Cruz, no setor de dermatologia sanitária (Centro Regional de

Especialidades -CRE) e nos serviços especiais do município: Centro de Especialidade

4

de Doenças Infecto-Parasitárias - CEDIP e Programa de Atenção e Internamento

Domiciliar – Paid. Cada local de estágio conta com um professor responsável pelo

acompanhamento das atividades.

O presente estudo analisa o uso do portfólio na prática do internato em Saúde

Coletiva, do sexto ano do Curso de Medicina da Unioeste, desenvolvido no período de

junho a novembro de 2010. Refere-se ao primeiro ano de implantação do uso do

portfólio no contexto de um currículo com tendência a inovação.

OBJETIVO

Conhecer as possibilidades educativas que o portfólio no internato de saúde coletiva

pode ter com os estudantes de medicina de uma IES pública.

METODOLOGIA

Estudo descritivo, transversal com inserção do portfólio no período de junho a

novembro de 2010, junto a estudantes regulares do sexto ano de medicina da Unioeste

que cursavam o Internato Médico de Saúde Coletiva. Cada acadêmico desenvolveu um

portfólio que foi estruturado com as seguintes partes: a) aldeia - história pessoal do

aluno e as razões que o levou a escolher o curso de medicina; b) trajetória – percurso do

estudante no internato e c) arquivo – materiais extra pesquisados pelos estudantes. Os

portfólios foram avaliados pelos docentes do internato quinzenalmente verificando os

aspectos relacionados à reflexão do aluno, auto-avaliarão, análise qualitativa do

conteúdo e apresentação, registro das necessidades de aprendizagem identificadas pelo

estudante. No final do internato foi solicitado que cada aluno apresentasse por escrito

avaliação sobre o uso do portfólio, para isto foi utilizado questionário com questões

abertas e fechadas. Dessa forma, o estudo é fundamentado na análise de portfólios

construídos pelos estudantes e complementado com as respostas do questionário sobre a

avaliação do uso do portfólio. As informações obtidas foram analisadas

quantitativamente e qualitativamente. Para a análise quantitativa foi utilizado o

programa Excell. Os resultados são apresentados de forma descritiva. O estudo tem

aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

5

RESULTADOS

1. - Inserção e Construção do Portfólio

A introdução do portfólio como instrumento que auxilia no processo de formação

profissional no Internato Médico de Saúde Coletiva começou com a preparação dos

docentes supervisores do estágio com vista a padronizar os conceitos e formas de

acompanhamento dos estudantes ainda antes do início da disciplina.

Com os estudantes, inicialmente foi feita uma explicação por parte do docente sobre a

finalidade do portfólio e também foi distribuído documento sobre o conceito, usos e

finalidades do Portfólio como material complementar. Foi feita a inserção do portfólio

no contrato pedagógico, como parte das atividades da disciplina onde cada acadêmico

comprometeu-se a elaborar um portfólio com registro de aspectos considerados

relevantes pelo mesmo. O acompanhamento e entrega final do portfólio foi pactuada

entre professores e estudantes no início da disciplina.

Os portfólios foram construídos ao longo do internato e utilizados pelos estudantes para

registrar as ações e aprendizagem através de um discurso narrativo, elaborado de forma

contínua e reflexiva.

Propôs aos estudantes que organizassem o portfólio da seguinte forma:

1º Aldeia – história pessoal do aluno e as razões que o levou a escolher o curso como

profissão. Neste item cada estudante se apresenta (quem sou eu, de onde vim, como

cheguei aqui) e faz um momento reflexivo sobre família, amigos, relações profissionais

e como chegou ao curso;

2º Trajetória - percurso do aluno na disciplina: aqui são colocados os trabalhos, textos,

seminários, comentários e reflexão dos temas discutidos em sala de aula, construção de

textos oriundos de situações problema relacionadas ao internato, incluindo análise de

um incidente crítico, de casos clínicos de UBS, PAID, CRE ou visita domiciliar, que de

certa forma impactaram o estudante.

Para a definição de Incidente Crítico foi utilizado o conceito de Cunha (CUNHA, 2003),

que refere-se às situações da prática profissional, particularmente relevantes,

vivenciadas, observadas e relatadas pelos internos. Podem ser situações com

desenvolvimento positivo ou negativo que proporcionam a oportunidade de refletir

sobre a própria prática e, portanto de melhorar.

6

Especificamente para as atividades relacionadas aos relatos de incidente crítico, caso

clínico e visita ou atendimento domiciliar foram elaborados roteiros específicos para

descrição e reflexão da situação, enfatizando a identificação de necessidades de

aprendizagem, reflexão, fontes de informação e espaço para comentários do professor.

3º Arquivo - materiais complementares pesquisados pelos estudantes

A interação do docente com os portfólios ocorreu durante toda a disciplina nas

salas de aula, e mais especificamente, em datas pactuadas com os estudantes

antecipadamente (quinzenalmente), onde os portfólios eram avaliados de forma

formativa pelo docente, elaborando comentários, discutindo e orientando os grupos. Na

avaliação do portfólio foram considerados os seguintes itens: apresentação geral do

trabalho, requisitos mínimos solicitados, aspectos relacionados à reflexão do aluno,

auto-avaliação e análise qualitativa do conteúdo apresentado.

A aplicação do questionário para avaliação do uso do portfólio ocorreu ao final

da disciplina.

2. - Percepções dos estudantes sobre o uso de Portfólio

Os resultados referem-se a 35 portfólios e os discursos dos estudantes foram analisados

e são apresentados conforme segue:

a) Desenvolvimento de capacidade crítica sobre a prática clínica diária;

b) Desenvolvimento de comportamentos mais adequados à prática profissional;

c) Atividades que mais contribuíram para a mudança no comportamento de modo a

adequar à sua prática profissional;

d) Identificação de novas necessidades de aprendizagem;

e) Gostou de criar um portfólio durante o internato de Saúde Coletiva?

f) Contribuição do portfólio para aprendizagem do estudante no internato de

Saúde Coletiva.

g) Participação do professor no portfólio.

a) Desenvolvimento de capacidade crítica sobre a prática clínica diária – As respostas

apontam que os estudantes, de modo geral, aperfeiçoaram mecanismos de reflexão em

relação às atividades vivenciadas, admitindo em muitas oportunidades erros, falhas na

7

formação e reconhecendo a necessidade de busca de conhecimentos. A seguir

selecionamos as falas abaixo como demonstrativo:

“Através da síntese de um portfólio de maneira contínua, durante todo o estágio,

foi possível realizar um constante processo de auto-análise e procura por um

melhor relacionamento interpessoal, com os pacientes e além do mais, buscar

reconhecer minhas próprias falhas, defeitos e falta de conteúdo”.

“A análise diária dos casos e condutas tomadas em diversos setores da atenção

básica de saúde proporcionou um enriquecimento de valores tanto acadêmico-

científicos, como ético-profissionais. Estes últimos raramente citados durante

nossa formação acadêmica convencional”.

“A realização do portfólio fez perceber que, mesmo a partir de acontecimentos

simples do dia a dia, uma pesquisa complementar dos pontos de dúvida pode

expandir bastante conhecimento”.

“Refletindo a prática diária assim permitindo uma melhor análise das condutas

tomadas e possibilitando reconhecer os erros e fortalecer os acertos”.

Os resultados demonstram que é relevante a reflexão dos estudantes nas diferentes

atividades desenvolvidas, possibilitando a manifestação de seus posicionamentos.

b) Desenvolvimento de comportamentos mais adequados à prática profissional –

observa-se na figura 1 que mais de 80% dos estudantes referiram desenvolver

comportamentos mais adequados à prática profissional com o uso do portfólio, e destes,

25% assinalou como muitas vezes. Apenas um estudante (3%) apontou não ter se

beneficiado com o uso do portfólio referindo que a análise crítica de suas ações é uma

qualidade inerente a ele.

8

Gráfico 1. Portfólio e desenvolvimento de comportamentos

mais adequados à prática profissional

26%

54%

17%

3%

Muitas vezes Algumas vezes Poucas vezes Nunca

Dessa forma é reconhecido que o portfólio tem um potencial significativo ao ser

considerado como um instrumento de aprendizagem do estudante de medicina.

Entretanto, a reação negativa de alguns estudantes poderia ser entendida como

dificuldade ao uso de estratégias novas no ensino-aprendizagem.

c) Atividades que mais contribuíram para a mudança no comportamento de modo a

adequar à sua prática profissional – Foram várias as atividades desenvolvidas no

transcurso do internato, no entanto apenas as mais importantes deveriam ser

apresentadas no portfólio. As atividades relatadas partiam da escolha do estudante e não

do professor. No gráfico 2 observa-se que mais da metade dos estudantes referiram o

caso clínico e o relato de incidente crítico como as atividades que mais contribuíram na

mudança de comportamento.

9

Gráfico 2. Portfólio e atividade que mais contribui na formação

profissional

31%

41%

11%

17%

Incidente critico Caso clínico Visita domiciliar Outro

d) Identificação de novas necessidades de aprendizagem – A maioria dos estudantes

referiu identificação de novas necessidades de aprendizagem, todas elas relacionadas às

diferentes atividades desenvolvidas durante o internato e não apenas as formas citadas

no item c (gráfico 3).

Gráfico 3. Portfólio e identificação de novas necessidades de

aprendizagem

20%

60%

17%

3%

Muitas vezes Algumas vezes Poucas vezes Nunca

Assim com o uso do portfólio o estudante teve a oportunidade de aprender a

fazer perguntas e refletir sobre situações da prática diária. A confecção do portfólio

baseado em elementos da prática clínica permitiu identificar novas necessidades a serem

desenvolvidas (conhecimento, atitudes, habilidades e competências), isto resultado da

reflexão, a auto-aprendizagem e análise crítica que demonstrou a presença ou carência

de determinadas competências.

10

e) Gostou de criar um portfólio durante o internato de Saúde Coletiva? – As respostas

dos estudantes ficaram divididas em duas posições, sendo que pouco mais da metade

(19) foram contrários a elaboração de portfólio durante o internato de Saúde Coletiva,

conforme é mostrado no gráfico 4.

Dentre aqueles que tiveram uma aceitação do portfólio, observa-se que as respostas

estão relacionadas à satisfação por ser útil e aplicável:

Gostei de fazer o portfólio, porque permitiu que eu fizesse uma auto-análise de

todo meu aprendizado na faculdade e a partir dos questionamentos, pude

refletir, procurar respostas para os meus questionamentos. E foi através de todo

esse processo que pude crescer.

Apesar de trabalhoso e cansativo o processo de síntese do portfólio, o resultado

evidenciou o impacto que tenho na vida de pacientes que atendo e também o

impacto que eles têm no meu cotidiano, além de evidenciar deficiências de

conteúdo, possibilitando assim o ajuste dessas falhas.

Me fez refletir e aprender muito sobre os casos que acompanhei durante o

estágio de saúde coletiva. Pesquisei bastante e me interessei pelos casos.

Durante a montagem do meu portfólio surgiram várias dúvidas a respeito dos

meus casos clínicos, assim pude pesquisar e aumentar os meus conhecimentos.

Gráfico 4. Aprovação de elaboração de portfólio

46%54%

sim

não

A resistência ao novo e a falta de tempo para maior dedicação as provas de residência,

são os fatores que levaram para uma reação de negatividade do processo, isto pode ser

observado nas declarações descritas abaixo:

Apesar de útil, em termos de aprendizado, exige tempo para sua elaboração

(saber que é útil é uma coisa, gostar é outra);

11

Porque sinceramente só serviu para que perdêssemos tempo de estudo para a

residência.

...Mas acho que transcrever as nossas experiências em um documento não é

necessário.

O portfólio não foi algo complexo de ser criado. Foi bom relembrar situações e

refletir algumas delas. Mas para o aprendizado, eu acho que as discussões de

artigos e seminários de temas mais relevantes são mais úteis.

Observa-se, nas falas acima que o tempo utilizado na construção do portfólio é um

ponto negativo interferindo no desempenho do preparo para residência médica. Isto

devido ao fato de encontrar-se no final do curso e dedicar à maior parte do tempo livre

ao preparo destas provas.

Também, observa-se nas falas a resistência com o novo. O estudante está acostumado a

um modelo de ensino em que se apropria de conteúdos teóricos para obter a sua

aprovação sem que exista identidade nesta aprendizagem. Observa-se uma valorização

de conceitos e práticas tradicionais dificultando as iniciativas que buscam uma

formação integral. Há uma valorização da parte técnica e conteúdos biológicos e uma

dificuldade para a proposta de reflexão.

f) Contribuição do portfólio para aprendizagem do estudante no internato de Saúde

Coletiva – Os resultados demonstraram que a confecção do portfólio tem um potencial

significativo na aprendizagem e acompanhamento do desempenho do estudante. Mesmo

com as dificuldades apontadas no item anterior, a maioria deles compreende a

relevância do portfólio e é a favor do uso na disciplina e inclusive sugerem ampliar a

outras áreas do curso. A seguir, algumas falas selecionadas:

Depois das atividades práticas e dos seminários, o portfólio é o grande

responsável pela aprendizagem neste internato.

Reflexão sobre as experiências vividas e mudança de atitude, mais humana.

Com o portfólio eu fui instigado a procurar e estudar sobre os casos, bem como

a refletir sobre eles, o que tornou este trabalho ferramenta válida.

Contribuiu de maneira significativa, na medida em que somos obrigados a rever

tudo que fizemos na prática deste estágio, assim reforçando o que aprendemos

ao longo do dia a dia das consultas.

12

Acho interessante discutir e transcrever os pontos mais interessantes do

internato de saúde coletiva, com isso reforçando assuntos que julgamos mais

interessantes e importantes para nosso aprendizado. Seria muito bom se outras

disciplinas também utilizassem essa metodologia de incremento do ensino

normal.

h) Participação do professor no portfólio – O portfólio é um instrumento de

aprendizagem ativa e de avaliação ao permitir a reflexão e diálogo entre professor e

estudante. Assim, o professor convenientemente preparado pode catalisar esse processo

e utilizar as dúvidas levantadas pelo caso real numa formação médica sólida,

contribuindo dessa forma com aspectos importantes na formação de sujeitos ativos na

prática profissional.

Neste estudo, prévio ao início do estágio, os professores da disciplina receberam

capacitação sobre o portfólio e o papel de facilitador nesse processo. No entanto alguns

estudantes referiram que nem todos os professores assumiram essas atribuições,

comprometendo o desenvolvimento do portfólio e desestimulando os estudantes.

Por outro lado, aqueles estudantes que tiveram um acompanhamento contínuo por

professores comprometidos com a estratégia, revelaram satisfação com os resultados.

Essas percepções podem ser visualizadas nas falas selecionadas abaixo:

Eis um ponto bastante positivo do portfólio: o maior contato com os professores.

Durante o desenvolvimento do meu portfólio, os professores tiveram uma

participação importante, pois me orientaram adequadamente nos pontos falhos

e que poderiam ser melhorados, bem como ressaltando os aspectos bem

abordados e destacados. Sempre que precisei, colocaram-se a disposição e

foram atenciosos.

Foi indispensável, pois foi com ele que sanei minhas dúvidas e o mesmo que me

orientou a montar meu portfólio de forma correta, me corrigindo quando

necessário.

Foi construtivo, porque orientou nas dificuldades que apresentava durante o

estágio.

Mostrou-se presente e disponível para esclarecimento das dúvidas que

surgiram, além de demonstrar tolerância e compreensão diante dos erros

cometidos, direcionando o aluno para a correção dos mesmos.

13

É uma participação ativa e crítica, analisa-se nosso desenvolvimento sempre

mostrando o caminho a ser seguido para sua construção se devemos melhorar,

como fazer isso e também se fizemos da maneira correta somos elogiados.

....Na realidade a participação dos professores no aprendizado não teve relação

com a realização do portfólio, ensinaram como fariam se não houvesse o

trabalho.

Para finalizar pode-se dizer que com o portfólio foi possível dar suporte ao processo de

aprendizagem e auto-aprendizagem, possibilitou a reflexão dos estudantes sobre seu

próprio trabalho, identificando seus avanços e dificuldades, demonstrou o desempenho

dos professores, das atividades desenvolvidas e dos serviços de saúde utilizados,

possibilitando um rico conhecimento sobre o internato em Saúde Coletiva.

CONCLUSÕES

O presente estudo vem ao encontro de implantar instrumentos que tornem a avaliação

um processo, contínuo, diagnóstico e participativo contribuindo para a

responsabilização do estudante com sua formação.

O portfólio é um instrumento que contribui para a formação profissional, no entanto

ainda há necessidade de realizar alguns ajustes. Sugere-se a preparação dos docentes

para o uso desta metodologia e recomenda-se o uso em outras disciplinas do curso

médico de forma a melhorar o ensino-aprendizagem.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALMINO, M.S.F.B. & JULIANO, I.A. Relato de experiência: implantação do

portfólio no módulo de Neonatologia num curso de medicina do Ceará. Rev.

Pediatr, 8(1): 42-7, jan./jun. 2007.

ALVARENGA G.M. Portfólio: o que é e a que serve. Olho Mágico – Vol.8 - Nº

1 jan./abr.2001.

BORDENAVE, JD & PEREIRA, AM. Estratégias de ensino-aprendizagem.

Editora Vozes. Rio de Janeiro, 1998.

CABRERA, M.A. S; TURINI, B.; PACCOLA, L.B.B. O uso de portfólio na

prática de atendimento domiciliar a idosos no curso de medicina. Rev. Bras

Educação Médica, 32(2): 180-7, 2008.

CARDOSO, L. A. M. Organização do trabalho pedagógico: tentativa de

inovação em avaliação. Revista de Educação Pública. Cuiabá, vol.13, nº24

jul./dez. 2004, p.121-137.

14

COLLINS, A. Portfolios for biology teacher assessment. Journal of Personnel

Evaluation in Education, 5, 1991, p. 147-167.

CUNHA, E. Portfólio de incidentes críticos: os relatos de consulta como

instrumentos de aprendizagem. Rev. Port. Clin Geral 2003; 19:300-3.

ELBOW, P. Prólogo I: BELANOFF, P., DICKSON, M. (Ed.) Portfolios:

Process and Products. Portsmonth,NH : Boynton\Cook, 1991.

GOMES, A.P; ARCURI, M.B.; CRISTEL, E.C.; RIBEIR, R.M.; SOUZA,

L.M.B.M; SIQUEIRA-BATISTA, R. Avaliação no ensino médico: o papel do

portfólio nos currículos baseados em metodologias ativas. Rev. Bras Educação

Médica, 34(3): 390-6, 2010.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projeto de

trabalho. Porto Alegre : Artmed, 2000.

MARIN, M.J.S.; MORENO, T.B.; MORAVCIK, M.Y.; HIGA, E.F.R.;

DRUZIAN, S; FRANCISCHETTI, I; ILIAS, M. O uso de portfólio reflexivo no

curso de medicina: percepção dos estudantes. Rev. Bras Educação Médica,

34(2): 191-8, 2010.

MORETO, G. Uma nova metodologia docente em bioética: experiência da

aplicação do portfólio com estudantes de medicina. O Mundo da Saúde, São

Paulo: 34(3): 341-346, 2010.

PEREIRA, J.C.R. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para

as Ciências da Saúde, Humanas e Sociais. São Paulo. Edusp, 1999

PUALSON, I., PAULSON, P. How do portfolios measure up? A cognitive

model for assessing portfolios. ERIC Documents. Paper presented at a

conference Aggregating Portfolio Date. North West Evaluations Association,

Unio,WA, 1990.

RANGEL, J.N.M. O portfólio e a avaliação no ensino superior. Estudos em

Avaliação Educacional, n. 28, jul-dez/2003

SEIFFERI, O.M.L.B. Portfólio de avaliação do aluno: como desenvolvê-lo.

Olho Mágico - Vol. 8 - Nº 1 jan./abr.2001

SILVA, R.F. & FRANCISCO, R.A. Portfólio reflexivo: uma estratégia para

formação em medicina. Rev. Bras Educação Médica 33 (4): 562-570; 2009.

TANJI, S. & SILVA, C.M.S.L.M.D. As potencialidades e fragilidades do

portfólio reflexivo na visão dos estudantes de enfermagem. Rev. enferm. UERJ,

Rio de Janeiro, 2008 jul/set; 16(3): 392-8.

VIEIRA, V.M.L. & SOUSA, C.L. Contribuições do portfólio para avaliação do

aluno universitário. Est. Aval. Educ., São Paulo, v. 20, n. 43, maio/ago. 2009

WERTHEIN, J. & CUNHA C. Fundamentos da nova educação. Cadernos

UNESCO. Série educação; 5. Brasília: UNESCO, 2000. 84p.