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O USO DO CRACK NA CIDADE DE RECIFE/PE E SUAS IMPLICAÇÕES TERRITORIAIS Carlos Alberto Duarte de Souza Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE [email protected] INTRODUÇÃO O uso do crack, como sabido, possui um espraiamento considerável em todo o território nacional, especialmente nas suas capitais. Seu consumo, além dos danos orgânicos causados aos seus consumidores promove uma rede de relações diversas que se acentuam em territórios específicos. Territórios esses mutáveis, providos de “mimetismo” e estigmas, que servem aos diretamente envolvidos no sistema do tráfico de ilícitos,assim comoaqueles que circulam ou não pelo temor da provável insegurança instalada, dando outro tom aos seus espaços de vivência e tendo que se readaptar as circunstâncias geradas pelo comércio e uso de entorpecentes. O presente artigo é um veio da pesquisa com resultados já divulgados, denominada de “Os territórios e a estrutura do mercado do crack na cidade do Recife: uma proposta de mapeamento à ação de políticas públicas”, coordenada pelo Prof. Dr. Alcindo José de Sá. Adotou-se como procedimentos o trabalho de campo, a pesquisa documental e bibliográfica, a sistematização de dados oficiais, a aplicação de questionários e entrevista com órgãos específicos. Objetivou-se mapear os territórios do crack na cidade do Recife, levando-se em consideração a unidade geográfica bairro e RPA, buscando fazer uma correlação com alguns dados socioeconômicos, na intenção de propor subsídios que pudessem implementar medidas repreensivas, assistencialistas, educacionais e de saúde. Aqui, a ideia é posicionar a cidade do Recife quanto àposse/tráfico do cracke que implicações há nos territórios ora mapeados com auxílio de informes jornalísticos entre os anos de 2011 e 2012 e dos dados oficiais da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS/PE). Assim, apresenta-se,inicialmente, a difusão do crack na cidade

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O USO DO CRACK NA CIDADE DE RECIFE/PE E SUAS IMPLICAÇÕES TERRITORIAIS

Carlos Alberto Duarte de Souza Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE

[email protected]

INTRODUÇÃO

O uso do crack, como sabido, possui um espraiamento considerável em todo o

território nacional, especialmente nas suas capitais. Seu consumo, além dos danos

orgânicos causados aos seus consumidores promove uma rede de relações diversas que

se acentuam em territórios específicos. Territórios esses mutáveis, providos de

“mimetismo” e estigmas, que servem aos diretamente envolvidos no sistema do tráfico

de ilícitos,assim comoaqueles que circulam ou não pelo temor da provável insegurança

instalada, dando outro tom aos seus espaços de vivência e tendo que se readaptar as

circunstâncias geradas pelo comércio e uso de entorpecentes.

O presente artigo é um veio da pesquisa com resultados já divulgados,

denominada de “Os territórios e a estrutura do mercado do crack na cidade do Recife:

uma proposta de mapeamento à ação de políticas públicas”, coordenada pelo Prof. Dr.

Alcindo José de Sá. Adotou-se como procedimentos o trabalho de campo, a pesquisa

documental e bibliográfica, a sistematização de dados oficiais, a aplicação de

questionários e entrevista com órgãos específicos. Objetivou-se mapear os territórios do

crack na cidade do Recife, levando-se em consideração a unidade geográfica bairro e

RPA, buscando fazer uma correlação com alguns dados socioeconômicos, na intenção

de propor subsídios que pudessem implementar medidas repreensivas, assistencialistas,

educacionais e de saúde.

Aqui, a ideia é posicionar a cidade do Recife quanto àposse/tráfico do cracke

que implicações há nos territórios ora mapeados com auxílio de informes jornalísticos

entre os anos de 2011 e 2012 e dos dados oficiais da Secretaria de Defesa Social de

Pernambuco (SDS/PE). Assim, apresenta-se,inicialmente, a difusão do crack na cidade

do Recife, apontando os espaços identificados como de consumo e tráfico, bem como

sua representação social; posteriormente, a percepção dos residentes nessas áreas com

vistas a apontar a dinâmica territorial e, por fim, as considerações.

O CRACK NO RECIFE

A região Nordeste é a segunda maior em termos de consumo do crack. Entre as

suas unidades federativas Bahia e Pernambuco destacam-se. Em Pernambuco, não

existe uma estatística oficial que revele o número de usuários de crack. Segundo a

Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, a estimativa é de

que 110 mil pessoas já usaram crack no Estado entre 2010 e 2011. Destes, a maior parte

está concentrada na capital Recife, embora haja de destacar, também, o avanço nas

cidades interioranas do Estado.

Segundo o Departamento de Repressão ao Narcotráfico (Denarc), em 2010

foram apreendidos, apenas na cidade do Recife 85 quilos de pasta base e 25 quilos de

crack. Em 2011, o número subiu para 261 quilos de pasta base e 84 quilos de crack. No

ano de 2012 a polícia apreendeu mais de 320 quilos de pasta base e 180 quilos de crack.

O crescente número de apreensões demonstra que, pelos menos, três ações apresentam-

se em tela: a primeira diz respeito à atividade policial que intensificou o trabalho de

combate ao crack, a segunda fala do aumento da circulação do entorpecente e a última

do quantitativo de usuários. Como já pontuado, a situação é de cunho nacional,contudo,

o Estado de Pernambuco, demonstrou um crescimento mais intenso de que outras

unidades. Conforme pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, Pernambuco fica

atrás de Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Brasília; sendo a capital

Recife onde mais se consome o crack.

Sobre o perfil dos usuários de crack recifenses, a maior parcela é de jovens (18 a

24 anos). Todavia há um considerável número de crianças e adolescentes. Ao observar

os dados do Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), quanto o número de

adolescentes envolvidos com crack, maconha e outras drogas nos processos judiciais,

verifica-se que estas ocorrências representam mais de 66% dos atos infracionais.

(http://www.mp.pe.gov.br). Na pesquisa realizada nos 10 bairros recifenses com maior

índice de ocorrência do crack, percebeu-se que as crianças são apontadas por 14% dos

usuários presentes no território dos entrevistados. Mesmo não sendo o percentual mais

elevado, o número chama atenção, pois demonstra uma iniciação cada vez mais

precoce. Sabe-se que a droga mais utilizada é o crack e tal substância possui um alto

poder dependogênico e causa sequelas no organismo, ou seja, as crianças tornam-se

vítimas ainda mais vulneráveis. O grupo referido por 64% dos pesquisados é dos

adolescentes, os jovens ficam com 19% e os adultos são lembrados por 1%. As

informações demonstram, basicamente, que o recorte etário de maior consumo de

drogas é aquele de0 até os 24 anos, o que reforça a divulgação do perfil dos usuários

apontada pelo Ministério Público. Justamente os que deveriam estar estudando e se

qualificando para o mercado de trabalho. Isso demonstra, mais uma vez, a importância

de ações preventivas pelas instituições públicas de ensino, que possuem frequentadores

no referido perfil etário.

Quanto a incidência do crack, de acordo com o Disque-Denúncia, entre 2010 e

2011 ocorreu um aumento de mais de 200% de reclamações referentes à substância,

apenas na Região Metropolitana do Recife - RMR (DENÚNCIA, 2012). Ainda,

conforme o órgão, só no primeiro semestre de 2012 contabilizou-se mais de 5.950

ligações denunciando o tráfico e a utilização do entorpecente, uma média de 32

reclamações ao dia. Fazendo um contraponto com os dados da pesquisa em periódicos,

realizada entre 2011 e 2012, percebeu-se que há uma média mensal de 19 ocorrências

com o crack na cidade do Recife. Esse número aumenta substancialmente para 124

episódios (4/dia) quando se compara com os registros da SDS/PE no mesmo período.

Retomando os dados da pesquisa empírica já aludida, ao questionar sobre a

presença do crack, 94% afirmaram que trata-se de algo comum no bairro, 1%

desconsideram a existência e 5% não souberam garantir a trivialidade do ilícito. Quanto

à intensidade do uso, 82% asseveraram que é muito, 11% apontaram como pouco, 1%

moderado e 6% não souberam informar. Quando questionados sobre os horários de uso,

65% afirmam que não há horário determinado, pode ocorrer em qualquer momento do

dia; 34% colocam que observam mais pela noite e uma pequena parcela, 1%,

informando que pode ser pela manhã ou tarde. A afirmativa de um horário “aberto” para

o uso demonstra a despreocupação com abordagens policiais, a banalidade que as

drogas obtiveram nesses espaços e a certeza de um tráfico presente.

Ao perguntar sobre a atuação do tráfico em seus bairros, muitos positivaram a

presença mencionando perceber a atuação em 72% do volume dos pesquisados, 14%

alegaram que não visualizam e outros 14% afirmaram não saberem se o tráfico está

presente em seus arredores. Esse dado é um importante indicador, visto que

moradoresafirmam perceber a ocorrência ilícita, sem temores em suas falas.

Fazendo usodos dados da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS/PE)

permitiu-se mapear a manifestação do fenômeno estudado no território municipal do

Recife.Na Figura 01, são observados os limites das RPAs, bem como os dos bairros.

Figura 01 RECIFE: TRÁFICO E USO DO CRACK POR BAIRRO ENTRE O PERÍODO DE 2011 A 2012

Base Cartográfica: Prefeitura da Cidade do Recife, 2010; Secretaria de Controle, Desenvolvimento Urbano e Obras. Diretoria de Urbanismo Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Social de Pernambuco Execução e Adaptação: Carlos Alberto Duarte de Souza

Base Cartográfica: Prefeitura da Cidade do Recife, 2010; Secretaria de Controle, Desenvolvimento e Obras. Diretoria de Urbanismo - DIRURB; Diretoria de Meio Ambiente - DIRMAM.

Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Social de Pernambuco – SDS/PE. Execução e Adaptação: Carlos Alberto Duarte de Souza

Base Cartográfica: Prefeitura da Cidade do Recife, 2010; Secretaria de Controle, Desenvolvimento

DIRMAM.

Na referida imagem é possível perceber a intensidade ou não do crack nos

bairros recifenses. Conforme os dados, dentro o período pesquisado, aproximadamente

13% dos 94 bairros da capital pernambucana possuíram mais de 71 ocorrências, apenas

10% deles não houve registros sobre o crack. Isso implica mencionar que 90% do

território recifense possui, oficialmente, a presença do crack.

Ainda na observância da Figura 01, é possível fazer algumas colocações. A

contiguidade do território do crack quanto aos bairros é uma delas. Percebe-se uma

linha na porção mais leste do município onde os bairros mantem uma comunicação.

Como as informações geradas em relação às ocorrências demonstram duas variáveis

(posse e tráfico) acaba desconfigurando um pouco as formas de relações presentes nessa

rede do tráfico. De uma forma geral, os bairros de baixa renda apresentam uma maior

ocorrência quanto ao tráfico e os com uma condição econômica diferenciada como

consumidores, se bem que nessa relação um não existe sem o outro, mas é viável

mencionar que o armazenamento, produção e distribuição dos entorpecentes é mais

presente nas áreas menos abastadas. O hiato da ausência de ocorrências presentes no

território recifense visualizado pelas áreas em branco da referida figura implica o não

registro da ocorrência por parte do poder público, assim como nos periódicos. Em

entrevista com alguns moradores dessas localidades existe afirmativa quanto a

observação do uso do crack.

Como visto, os bairros de Santo Amaro, Iputinga, São José, Campo Grande,

Afogados, Ibura e Boa Viagem são os que possuíram o maior número de ocorrências,

sendo Boa Viagem o destoante quanto ao nível socioeconômico. Juntos, eles respondem

por mais de 58% das ocorrências registradas. O que torna as áreas conhecidas como

“hot spots”, pois além do tráfico de drogas em si há, também, o estabelecimento de

correlações entre outros fatos delituosos conjuntamente com padrões e tendências da

"história" da criminalidade, ou seja, o comércio de entorpecentes atrela diversos outros

delitos correlatos ou não.

O importante a se destacar nesse tópico é a presença de usuários e do tráfico do

crack na cidade do Recife e mencionar, mesmo que numa perspectiva sintética da

realidade, a intensidade desses arrolamentos sobre seu espaço. Assim, o panorama até o

momento descrito permite vislumbrar uma ideia do espraiamento do crack na cidade do

Recife e com isso as inferências sobre o que ocorre nos territórios onde se instalam, que

será abordado a seguir.

O CRACK E SUAS IMPLICAÇÕES NO TERRITÓRIO

Como visto, o espraiamento do crack não origina apenas consequências para

seus usuários. A movimentação de ilícitos num dado espaço provoca mudanças e novos

arranjos no território. Os impactos podem ser sociais e concretos (do ponto de vista do

território). Quanto ao território, diferente da proposta de Ratzel, a constituição dos

territórios não depende de um longo enraizamento para a construção de identidades e

relações de poder. Os territórios podem ser construídos e anulados rapidamente, ou seja,

tendem a ser mais mutáveis do que estáveis. Ou ainda, podem ter uma existência regular

e periódica.Marcelo José Lopes de Souza, em artigo sobre território publicado no livro

Geografia: Conceitos e Temas(1995), explica essa proposta de conceituação do

território como “campo de forças” a partir de exemplos de territorialidade urbana, como

os territórios da prostituição, do comércio ambulante e das máfias do narcotráfico no

Rio de Janeiro.

Tomando-se, também, a colocação do Prof. Roberto Lobato Côrrea (1995), que

menciona que uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, do espaço que

ela produz e, por outro lado, o espaço só é inteligível através da sociedade, e,

adicionando o pensamento do professor Milton Santos que diz que “é a sociedade, isto

é, o homem, que anima as formas espaciais, atribuindo-lhes um conteúdo, uma vida”

(SANTOS, 1997, p.88). Pode-se afirmar que o que ocorre sobre o território é resultado

da ação que a sociedade deposita nele. Todavia, acredita-se, que a configuração do

território, não dar-se exclusivamente pela atuação dos que dele fazem parte, os

“territórios do crack” possuem, também, a contribuição de elementos externos. Destarte,

o Estado, na sua atuação ou não, contribui para essa situação. “A ausência do Estado na

forma de melhorias que dêem(sic) dignidade a uma comunidade também é uma

violência. Não uma violência que resulte diretamente em um crime, mas uma violência

branca que torna aquele ambiente propício à prática de crimes” (JORNAL DO

COMMERCIO, 2006, p. 2). Sem mencionar que o tráfico de drogas possuiu uma rede

própria com articulações externas ao território de atuação.

Como já colocado, o crack torna-se presente no espaço em função de uma série

de articulações ilícitas, que promovem no território uma série de reorganizações. A

circulação das pessoas torna-se diferenciada em função do medo promovido pelas ações

correlacionadas ao tráfico; a função do território muda conforme o horário de uso dos

traficantes e usuários; os residentes locais não envolvidos diretamente sofremcom o

aliciamento, abuso e medo; o local torna-se estigmatizado pela população que coloca as

áreas como pontos a evitar, o que implica em impactos econômicos, dependendo das

atividades/funções desenvolvidas em turnos alternativos ao do tráfico.

Frente ao combate, o tráfico adota estratégias diferentes. Territórios novos

surgem e ajudam a compor a rede de circulação do crack. O mapeamento da estrutura é

mutável. Uma rota antes efetuada, busca adequar-se ao cerco da força policial. A trama

da rede se refaz e a circulação ocorre. Como exemplo, ao observarmos as informações

do DENARC (Departamento de Repressão ao Narcotráfico) em 2011, partindo dos

principais países produtores de pasta-base da América do Sul (Colômbia, Peru e

Bolívia), existem rotas com entrada no Acre, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Paraná,

que seguem por entre os Estados até chegar em Pernambuco (BANDEIRA, 2011).

Atualmente, já é possível encontrar menção de rotas com entrada no Amazonas e

circulação por via marinha.

No caso recifense, os pontos ora descobertos pela polícia ou anunciados na

impressa tornam-se visados e a migração ocorre para áreas vizinhas como ruas ou

bairros. Não há a extinção completa do serviço. Ele perdura e ainda amplia sua rede.

A manutenção dar-se, também, em função do número de usuários. Vale destacar que o

alto poder dependogênico do crack permite uma relação mais intensa e isso gera um

número maior de dependentes da substância. Citando, novamente, a pesquisa realizada

nos bairros de maior incidência do crack, percebeu-se que apesar de não ser a maioria,

37% afirmaram que tem alguém na família que é usuário. Número relativamente

elevado, visto que a pesquisa fez uso da forma aleatória de participação. A maioria

negativou o envolvimento de um ente familiar com as drogas em 62% e uma mínima

parcela (1%) mencionou não saber de alguém mantendo relação com as drogas. Quando

são questionados se conhecem alguém do bairro que faz uso de drogas (crack, maconha

ou cocaína), o percentual eleva-se. Nos 10 bairros pesquisados 89% mencionaram que

tem conhecimento de algum usuário na vizinhança, uma parte menor, 10%,

desconhecem usuários no bairro e 6% não sabem afirmar.

A informação acima permite demonstrar que a relação do crack com o território

assola muito mais os que estão presentes. A vida destes circunda com o temor do que

porventura possa ocorrer e ainda soma-se a possibilidade de ter um ente familiar

envolvido, seja na rede do tráfico, seja como usuário. Neste último, tendo que ter outro

nível de estruturação interna familiar pouco acolhida pelo Sistema de Saúde.

CONSIDERAÇÕES

O crack tem se expandido de forma rápida, chegando a outros espaços e

conquistando novos territórios. Seu alto poder dependogênico reflete no quantitativo

crescente de usuários e impulsiona a busca por consumo sistemático. A tese do

surgimento do crack em terras brasileiras é dos anos noventa, só após duas décadas é

que começam a estruturar-se algumas políticas de combate. De sua chegada até os

momentos atuais, a referida droga tem ocasionado diversas reflexões e forçado um

repensar sobre o trabalho realizado, seja no combate repressivo ou na atuação

preventiva.

Em Recife, pode-se observar que há forte difusão do crack em diversos bairros.

Apenas em 10 deles, conforme os dados da SDS entre o período de 2011 a 2012, não

apresentaram ocorrência referentes ao uso, porte ou tráfico. Em contrapartida, em 89%

dos bairros recifenses há considerável utilização. Viu-se que em pelo menos 10 destes

há uma enorme quantidade de registros, o que foi verificado tanto na pesquisa em

periódicos, como na parte empírica do trabalho.

Constatou-se que a população, representada pelo universo entrevistado, aponta o

crack como a droga mais conhecida, reforçam a utilização em seus territórios e

mencionam que o uso é feito de forma intensa sem distinção de horário, na maior parte

por adolescentes e jovens. Parcela significativa (72%), afirma a existência do tráfico,

bem como percebem um forte aumento no consumo de drogas nos últimos cinco anos.

De cada três entrevistados, um possui na família caso de usuário de ilícitos; quando

verifica-se se eles conhecem alguém no bairro que faz uso, este dado passa ser de dois

casos.

Do recorte realizado na cidade do Recife, utilizou-se 10 bairros como referência

para verificar o rebatimento do crack. Como critério, já apontado, utilizou-se aqueles

com a maior ocorrência do entorpecente, conforme os dados dos periódicos e da SDS.

Destes dez (Pina, Afogados, Santo Amaro, Boa Viagem, Ibura, Água Fria, Jordão, Boa

Viagem, Casa Amarela e Iputinga), 40% não contam com atendimento aos usuários.

Estes precisam se locomover para outros bairros em busca de tratamento. O que, em

muitos casos, a distância pode não favorecer o sucesso na terapia e acompanhamento.

Sabe-se que a Constituição estabelece os Direitos Sociais, porém torna-se cada vez mais

evidente que estes serviços públicos, providos pelo Estado, como saúde, educação,

previdência social, segurança, assim como outros, são vistos como lentos e ineficientes,

tendo em vista que muitas vezes não atendem todas as necessidades de determinada

população. Hoje, mais do que intervenção estatal, faz-se necessário o envolvimento da

sociedade na construção destas políticas públicas.

De forma geral, é sabido que muitas ações do poder público ocorreram na

intenção de minorar o reflexo do uso das drogas, em especial, do crack. As cifras são

gigantescas e os resultados não se equivalem na mesma proporção dos investimentos.

Sabe-se que, no plano público, legislações foram criadas para dar maior suporte ao

combate e a prevenção das drogas, investimentos crescentes realizaram mudanças no

efetivo policial, na estrutura das instituições de tratamento, no apoio a entidades que

fazem um trabalho com os usuários, na veiculação de campanhas, enfim,

“acompanharam” a demanda da sociedade no decorrer dos anos. Mesmo com os fortes

investimentos é, ainda, de esperar-se um descrédito na proteção à vida por parte do

poder público. O que foi visto, nas falas dos moradores das áreas pesquisadas.

Neste cadinho, o cuidado a vida, passa, especialmente por um conjunto de ações

bem articuladas. Se a escola pública, tão mal avaliada pela sociedade, que não propicia

um campo de formação autêntica, assim for, parte do eixo das ações conjuntas

fragmenta-se. É claro para todos que o trabalho do cuidar é amplo e precisa ser

encarado de forma séria. É de sendo comum que não é por falta de conhecimento, de

respaldo legal, de verba, ou seja, de qualquer outro empecilho, mas de vontade.

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