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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas

O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

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PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

Título

O USO DO TEXTO CLÁSSICO DE FILOSOFIA: METODOLOGIAS, ESTRATÉGIAS E RECURSOS PARA A LEITURA DE TEXTOS CLÁSSICOS NO ENSINO MÉDIO

Autor Wilson José Vieira

Disciplina Filosofia

Escola de Implementação do projeto e localização

Colégio Estadual do Paraná

Município da escola Curitiba

Núcleo Regional de Educação Curitiba

Professor Orientador Prof. Dr. Geraldo Balduíno Hor n

Instituição de Ensino Superior Universidade Federal do Paraná

Relação Interdisciplinar Arte, História, Biologia, Geografia

Resumo

A presença da Filosofia no Ensino

Médio depois de décadas de exclusão

traz à tona uma série de questões

extremamente importantes relativas

ao seu ensino. Trata-se agora,

conforme assinala Horn (2010, p. 27),

de legitimar a presença da Filosofia

não somente como uma disciplina a

mais, uma disciplina ao lado de

outras, mas um saber que busca

contribuir na formação de

adolescentes e jovens que

frequentam os bancos escolares. A

produção didático pedagógica se

insere nesse processo de afirmação

da disciplina de Filosofia enquanto

elemento importante na formação dos

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estudantes e busca desenvolver junto

aos estudantes e professores.

Palavras-chave Ensino de Filosofia, Metodologias, Estratégias, Recursos, Texto clássico de filosofia

Formato do Material Didático Caderno Pedagógico

Público Alvo Professor e Estudantes do 1º e 3º

ano do Ensino Médio

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CADERNO PEDAGÓGICO DE FILOSOFIA

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO -------------------------------------- -------------------------------------- 04

UNIDADE I COMO LER UM TEXTO DE FILOSOFIA ---------- -------------------- 11

UNIDADE II MITO E FILOSOFIA ----------------------- ---------------------------------- 16

UNIDADE III FILOSOFIA DA CIÊNCIA ------------------ ------------------------------- 61

ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS ------------------------- -------------------------- 79

REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------- 87

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APRESENTAÇÃO

Com a entrada em vigor da Lei nº 11.684, de junho de 2008, que

corrigia o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)

9394/96, efetivou-se a obrigatoriedade da disciplina de Filosofia enquanto

disciplina escolar. A aprovação da Lei, contudo, não instaura de forma mágica

a ensinabilidade da Filosofia. Vive-se, portanto, um momento de defesa da

disciplina, de sua consolidação no currículo escolar e, principalmente, de

legitimação perante a sociedade brasileira. Enquanto disciplina escolar, à

Filosofia compete responder a uma série de questionamentos relativos ao seu

ensino, justamente por conta do pouco tempo de sua existência no currículo do

Ensino Médio brasileiro e principalmente pela perspectiva tecnicista vigente no

cenário educacional brasileiro.

A presença da Filosofia no Ensino Médio depois de décadas de

exclusão traz à tona uma série de questões extremamente importantes

relativas ao seu ensino. Trata-se agora, conforme assinala Horn (2010, p. 27),

de legitimar a presença da Filosofia não somente como uma disciplina a mais,

uma disciplina ao lado de outras, mas um saber que busca contribuir na

formação de adolescentes e jovens que frequentam os bancos escolares.

A produção didático pedagógica se insere nesse processo de

afirmação da disciplina de Filosofia enquanto elemento importante na formação

dos estudantes e busca desenvolver junto aos estudantes e professores

A construção desse material está fortemente ligada a minha trajetória

profissional, pois no período de 2007 a 2010, estive na Secretaria de Estado da

Educação do Estado (SEED/PR), compondo um departamento pedagógico de

Produção de Material Didático e Formação Continuada de Professores na

Equipe Técnico-Pedagógica de Filosofia. Na SEED/PR, participei da

elaboração de vários projetos e ações que visavam à legitimação da Filosofia

no Ensino Médio paranaense. Dentre as variadas ações desenvolvidas neste

período, destacam-se a elaboração das Diretrizes Curriculares de Filosofia

para o Ensino Médio, os cursos de formação continuada DEB (Departamento

de Educação Básica) Itinerante (2007-2008) e NRE (Núcleo Regional de

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Ensino) Itinerante (2009)1, a produção do Livro Didático Público de Filosofia2, o

Projeto Folhas3 e a Antologia de Textos Filosóficos4. Importante ressaltar que o

interesse pela presença do texto clássico de Filosofia é oriundo tanto das

experiências positivas e das frustrações que tivemos em sala de aula, quanto

da participação na elaboração de materiais didáticos, principalmente da

Antologia de Textos Filosóficos. Ressaltamos também que as viagens

realizadas pelos municípios do Paraná (DEB Itinerante e NRE Itinerante) entre

2007 e 2009, ministrando oficinas de Filosofia5 aos professores da Rede foram

extremamente importante, pois possibilitaram a discussão e observação dos

principais problemas enfrentados pelos professores nas aulas de Filosofia.

O material produzido possui como referencial teórico a pesquisa

realizada em 20126 que forneceu os elementos fundamentais para o

desenvolvimento da Produção Didático Pedagógica PDE cujo título é O uso do

texto clássico de filosofia: metodologias, estratég ias e recursos para a

leitura de textos clássicos de Filosofia no ensino médio. O tema situa-se

em um campo extremamente importante quando se trata de ensino de

Filosofia, pois, conforme afirmam muitos teóricos7, as aulas devem passar, de

alguma forma e em algum momento, pelo texto filosófico. Filosofar é, conforme

afirma Severino (2009, p. 26), “[...] uma grande experiência coletiva, como, de

resto, o é toda cultura humana.” O diálogo com a tradição filosófica, com os

1 O DEB Itinerante (2007 e 2008) foi um programa de formação continuada dos profissionais da educação que visava a implementação das Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do Estado do Paraná e de outras políticas educacionais da SEED/PR. Em 2009 esta ação foi desenvolvida de maneira local pelos técnicos pedagógicos das disciplinas em cada Núcleo Regional de Ensino do Estado do Paraná. 2 O Projeto do Livro Didático Público foi algo inédito na educação paranaense, pois os textos eram escritos por professores da rede pública de ensino. Um projeto que pensava o educador enquanto pesquisador. 3 O Projeto Folhas era um projeto de formação continuada da SEED/PR que visava, de forma colaborativa, a pesquisa e o aprimoramento dos professores em suas respectivas áreas de formação. O resultado destas pesquisas era a produção de textos de apoio destinados aos estudantes da Educação Básica. 4 A Antologia de Textos Filosóficos (SEED/PR 2009) é composta de vinte e três (23) textos ou excertos de filósofos relevantes e visava dar suporte ao aprendizado filosófico. 5 No sistema de cursos realizados na rede pública de ensino do Paraná constam registradas 51 oficinas. 6 Trata-se da Dissertação defendida em 2012 na Universidade Federal do Paraná (setor de educação) por Wilson José Vieira, cujo título era O ensino de filosofia e o uso do texto clássico de filosofia: análise a partir das escolas públicas paranaenses de ensino médio. 7 SEVERINO (2009), GHEDIN (2009), CUNHA (2009), HORN (2010), OLIVEIRA (2004), COSSUTA (2001), FOLSCHEID (2006), NUNES (2010), PORTA (2007), RODRIGO (2009), GALLO (2009),

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pensadores das diferentes épocas e lugares permite a indagação, a reflexão e

a compreensão de nossa realidade atual. Só posso pensar pensando e pensar

envolve recuperar aquilo que já foi pensado. Quanto a este aspecto, ou seja, o

da presença do texto de Filosofia em sala de aula, não há discordância entre

os teóricos citados. A divergência entre eles está localizada no modo como

essa apropriação será realizada, nos critérios e na transposição didática.

A questão relativa ao lugar do texto clássico de Filosofia é bastante

controversa e polêmica. Seria o texto filosófico o lugar onde se encontra a

Filosofia? Onde estariam os problemas filosóficos? Se a pretensão da Filosofia

é a compreensão da realidade atual, por que ir aos antigos, ou seja, por que

sempre estamos com o “pé” no passado? Não seria mais pertinente o trabalho

com textos de jornais, revistas, com vídeos, enfim com elementos mais

próximos dos estudantes? Não seria mais adequado o trabalho com

comentadores? “[...] Por que ler os clássicos em vez de concentrar-nos em

leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo? [...]” (CALVINO,

1993, p.14). Não seriam os textos de Filosofia muito complicados, difíceis,

complexos aos estudantes de Ensino Médio? Tal perspectiva não geraria, por

conta das deficiências educacionais de professores e estudantes, um

afastamento do filosofar?

Segundo os filósofos franceses Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix

Guattari (1930-1992) “[...] a Filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar

conceitos.” (1992, p. 10). Para eles, fazer Filosofia não consiste em repetir o

que outros filósofos disseram, embora não seja possível pensar sem levar em

consideração o pensado, mas não se trata de pura passividade perante a

realidade e sim de uma forma de transformar o mundo. Gallo (2008, p. 35)

afirma que

[...] criar conceitos é uma forma de transformar o mundo; os conceitos são as ferramentas que permitem ao filósofo criar um mundo à sua maneira. Assim, a Filosofia deleuziana é considerada uma Filosofia da multiplicidade, uma filosofia que olha com atenção o mundo presente, uma filosofia que não visa ser representação do mundo, tal como no platonismo, e sim uma tentativa de inversão do platonismo, de busca da diferença e não da identidade.

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A partir da perspectiva deleuziana, o lugar onde se encontra a filosofia

pode ser repensado na seguinte perspectiva: pensar não é algo natural, antes,

é preciso um problema, um movimento primeiro, algo que nos force a pensar.

Segundo Gallo (2008, p. 69) “[...] Pensamos, efetivamente, quando nos

deparamos com um problema que não tem solução no âmbito de uma imagem

dogmática do pensamento.” O problema e o conceito são os pontos extremos

da Filosofia, ou seja, “[...] o problema suscita conceitos e conceito suscita

problemas.” (GALLO, 2008, p.70) Se a Filosofia é exercício de um pensamento

por conceitos, uma experiência de pensamento, uma “[...] educação pela

experiência.” (Idem, p. 73) e não um ensino como treinamento, logo é no devir,

no acontecimento, na multiplicidade que estão os problemas filosóficos, eis ai o

seu lugar. Desta forma, os textos clássicos de Filosofia, os encontros, os

“roubos” de conceitos, possibilitam a produção de novos conceitos.

O material didático pedagógico elaborado parte da premissa de que a

presença do texto clássico de Filosofia é ferramenta necessária para o

desenvolvimento das aulas de Filosofia e nesse sentido busca apresentar

diferentes metodologias, estratégias e recursos no que tange o uso do texto em

sala da aula.

Os encaminhamentos metodológicos desse material está

fundamentado nas Diretrizes Curriculares de Filosofia da Educação Básica

(2008) que apresenta uma perspectiva válida para o ensino de filosofia. E uma

das orientações apontadas no documento é a de se evitar uma reprodução

insuficiente dos discursos cotidianos e uma verborréia vã sobre História da

Filosofia. E para tanto, apresenta dois critérios que parecem inevitáveis: em

primeiro lugar, não esquecer que o discurso filosófico exige um rigor que

dificilmente se atinge sem o auxílio da tradição e, em segundo lugar, lembrar-

se constantemente de que a História da Filosofia deve ser significante do ponto

de vista do estudante do Ensino Médio. A solução consiste, portanto, em

sustentar a tensão entre problemas contemporâneos e discussões tradicionais.

As Diretrizes Curriculares de Filosofia para o Ensi no Médio do

Paraná (2008) atribuem sentidos diferentes, mas não desconectados, quanto

ao uso do texto clássico de filosofia. Existem, segundo Horn (2010, p. 32) “três

sentidos diferentes, mas interligados entre si:”

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[...] a) o uso do texto indicado como centro do processo pedagógico, como tecnologia sem a qual não se pode falar em aula de Filosofia; b) como recurso necessário, no entanto, sem indicar como tratar um texto filosófico do ponto de vista didático pedagógico, muito menos de modo filosófico; ou seja, não estabelece nenhuma orientação em relação à análise de textos; c) indicado como referência, apontando para alguns cuidados como não tomar o texto como fim, não estabelecer uma leitura linear, formal ou simplesmente cadastrada (HORN, 2010, p. 32).

Os três sentidos apontados anteriormente podem ser percebidos

essencialmente na leitura do trecho seguinte retirado das Diretrizes

Curriculares de Filosofia para o Ensino Médio do Paraná (2008)

[...] os conteúdos estruturantes devem ser trabalhados na perspectiva de fazer com que os estudantes pensem os problemas com significado histórico e social e analisem a partir dos textos filosóficos que lhes forneçam subsídios para que pesquisem, façam relações e criem conceitos. Ainda afirma que, ir ao texto filosófico ou à história da Filosofia não significa trabalhar de modo que esses conteúdos passem a ser a única preocupação do ensino de Filosofia. Eles serão importantes desde que atualizem os diversos problemas filosóficos que podem ser trabalhados a partir da realidade dos estudantes. A atividade filosófica centrada, sobretudo no trabalho com o texto, propiciará entender as estruturas lógicas e argumentativas, levando-se em conta o cuidado com a precisão dos enunciados, com o encadeamento e clareza das ideias e buscando a superação do caráter fragmentário do conhecimento. É preciso que o professor tenha uma ação consciente para não praticar uma leitura em que o texto seja um fim em si mesmo. O domínio do texto é necessário. O problema está no formalismo e no tecnicismo estrutural da leitura, que desconsidera, quando não descarta, a necessidade da compreensão do contexto histórico, social e político da sua produção, como também da sua própria leitura (PARANÁ, 2008, p. 52-53).

O documento apresenta uma orientação didático-pedagógica

denominada no texto de “Encaminhamentos metodológicos”. Os estágios ou

encaminhamentos são compostos de quatro momentos, – Mobilização para o

conhecimento, Problematização, Investigação e Criação de conceitos -, sendo

que o momento da investigação é denominado no texto “primeiro passo para

possibilitar a experiência filosófica” (PARANÁ, 2008, p. 60).

É imprescindível recorrer à história da filosofia e aos textos clássicos dos filósofos, pois neles o estudante se defronta com o pensamento filosófico, com diferentes maneiras de enfrentar o problema e, com as

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possíveis soluções já elaboradas, as quais orientam e dão qualidade à discussão (PARANÁ, 2008, p. 60).

O Livro Didático Público de Filosofia (LDP) foi construído pelos

professores da rede pública de ensino do Paraná. Apesar de haver uma equipe

encarregada de direcionar e principalmente estabelecer um formato na

produção deste material, tal item não foi efetivamente observado, pois

constata-se uma série de discrepâncias entre 21 (vinte e um) capítulos ou

“Folhas” desenvolvidos. E tais antagonismos podem ser percebidos também

quanto a presença do texto clássico? de filosofia. Na apresentação do LDP

existe a seguinte observação quanto aos textos filosóficos:

Em cada Folhas se desenvolve um conteúdo específico, a partir do qual professores e estudantes podem levantar questões, identificar problemas e problematizar o conteúdo com o auxílio dos textos filosóficos. O texto filosófico, além de ser objeto de estudo com suas estruturas lógicas, argumentativas e precisão dos enunciados, também fornece subsídios para entender o problema e o conteúdo que está sendo estudado (PARANÁ, 2007, p. 10).

Constata-se, no entanto, apesar da afirmação introdutória ser de

afirmação do texto filosófico, a carência em muitos capítulos de textos ou

excertos filosóficos e a presença de comentários, tornando assim a única forma

para se compreender determinado conceito filosófico.

O LDP de Filosofia, como todo manual, serve como ponte importante

para o processo de ensino aprendizagem, auxilia o estudante chegar ao

momento no qual se inicia o problema, a questão que segue é de como

atravessar, como chegar às questões filosóficas e ao que é significativo. Sem

dúvida, um material introdutório válido, porém em si mesmo apresenta uma

série de limites.

A Antologia de Textos Filosóficos 8 foi construída na perspectiva de

possibilitar ao estudante de Ensino Médio o contato direto com os textos

8 A Antologia de Textos Filosóficos é composta de vinte e três filósofos. A ordenação foi feita seguindo o critério alfabético. Constam os seguintes filósofos e textos: Agostinho de Hipona: Confissões (excertos) Livro XI 26; Aristóteles: Política - excertos: (1252 a – 1253 b; livro III: 1274 b 30 a - 1276 a) – sobre o cidadão e a cidadania; Avicena : Epístolas; Berkeley: Ensaio para uma nova teoria da visão, Teoria da visão defendida e explicada; Bornheim: Gênese e metamorfose da crítica; Descartes: Meditações 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª (excertos); Espinosa: Tratado breve (2ª parte); Foucault: Poder e saber (entrevista a S. Hasumi), O poder, um

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filosóficos, pois conforme assinalado na apresentação, é no texto filosófico “o

lugar onde se encontra a Filosofia.” (PARANÁ, 2009, p. 6). Outra orientação

existente na apresentação é a de que os textos da Antologia devem ser

“somados aos materiais já existentes [...]” constituindo assim “[...] um

importante suporte para o aprofundamento do ensino e refinamento da

aprendizagem da Filosofia.” (Idem, p. 6)

A Antologia9 é um passo adiante no processo de legitimação da

filosofia no Ensino Médio. A questão que se apresenta a partir de então é a de

como desenvolver o trabalho, ou seja, como levar o texto clássico para sala de

aula sem uma efetiva formação dos professores. Com o texto filosófico em sala

de aula como tratá-lo sob o ponto de vista filosófico? Se o professor não

possuir o mínimo de formação, o mínimo preparo, o texto clássico poderá

causar desastres.

As Diretrizes Curriculares de Filosofia do Estado do Paraná (2008), O

Livro Didático Público (2007) e a Antologia de Textos Clássicos de Filosofia

(2009), com seus limites e suas deficiências, que é algo presente em todo e

qualquer material de orientação didática e metodológica, estão situados em um

projeto que visa fundamentalmente a formação continuada dos professores,

além da melhoria da qualidade de ensino, pois o acesso a estes materiais

constituirá para muitos a possibilidade de desenvolvimento da leitura e de um

alargamento quanto à compreensão de mundo.

magnífico animal (entrevista a M. Osório); Gramsci: A indiferença, A história, Cadáveres e idiotas, Rabiscos, O progresso no índice de ruas da cidade, Filantropia, boa vontade e organização, A sua herança, Os jornais e os operários, A luz que se apagou, Crônicas de L’Ordine Nuovo – IX, Crônicas de L’Ordine Nuovo – XXX; Hegel: Excertos e parágrafos traduzidos; Hobbes: Leviatã cap. XIII e XVII; Hume: Uma investigação sobre o entendimento humano (seção 8); Kant: Resposta à questão – o que é esclarecimento?; Maquiavel: Discursos sobre a 1ª década de Tito Lívio, O príncipe; Marx: Sobre a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução; Merleau-Ponty: Conversas 1ª, 2ª e 5ª; Nietzsche: Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral; Platão: Hípias Maior (Excertos), A República - Livro X (Excertos); Rousseau: Discurso sobre as ciências e as artes (excertos - 1ª e 2ª parte), Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (excertos – Prefácio; Discurso; 1ª parte e 2ª parte), Contrato Social (excertos – Livro I: capítulos 1; 3; 4; 6; 7; 8); Sartre: O existencialismo é um humanismo; Schiller: Cartas XII; XIV e XV; Tomás de Aquino: A realeza; Voltaire: Mulheres, sujeitai-vos aos vossos maridos, Providência, O século de Luiz XIV, Idéias republicanas por um membro do corpo.

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UNIDADE I

COMO LER UM TEXTO DE FILOSOFIA

O TEXTO CLÁSSICO DE FILOSOFIA

� PARA PENSAR PRECISAMOS DE TODA EXPERIÊNCIA DE PENSAMENTO PRATICADA E ACUMULADA

� O ACESSO A ESSA EXPERIÊNCIA ACUMULADA OCORRE PELA LINGUAGEM

� A LINGUAGEM POSSIBILITA O COMPARTILHAMENTO DE TODOS OS SABERES E VALORES ACUMULADOS

• LEITURA E A ESCRITA SÃO ELEMENTOS ESSENCIAIS AO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM, NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

• A ESCRITA, REPRESENTAÇÃO DA ORALIDADE POR MEIO DE SIGNOS, É POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA MEMÓRIA DIANTE DAS MUDANÇAS TEMPORAIS

• OS TEXTOS CLÁSSICOS DE FILOSOFIA POSSIBILITAM O DIÁLOGO COM PENSADORES QUE NOS PRECEDERAM, COM A TRADIÇÃO FILOSÓFICA.

• A RELAÇÃO DIRETA E CONSTANTE COM OS TEXTOS CLÁSSICO S DE FILOSOFIA É ALGO FUNDAMENTAL

� PENSAMENTO PELA CONFRONTAÇÃO DE OUTROS PENSAMENTOS É O ÚNICO CAMINHO PARA QUE SE EFETIVE O ENSINO DE FILOSOFIA

� Filosofar é, em primeiro lugar, colocar-se em prese nça de uma filosofia anterior. Entretanto, isso não significa inclinar-se diante de uma tradição, como se festejam os santos; as grande s filosofias são algo bem diferente de obras-primas insuperáveis que suscitariam a veneração e que deveríamos visitar co mo um museu.

� Ao contrário de uma fria historiografia, a história da filosofia deve servir para descobrir pensamentos vivos em ação, pa ra encontrar filosofias em ato, através das quais possamos dar a nosso próprio pensamento um suporte, um quadro para orientá-lo. P or isso a prática da filosofia é, antes de mais nada, insepar ável de uma

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freqüentação de textos que devemos aprender a ler, a explicar e a comentar. FOLSCHEID, 2006

� TEXTO: CONJUNTO DE SIGNOS (SÍMBOLOS) LINGUÍSTICOS Q UE CODIFICAM UMA MENSAGEM

� TEXTO SIGNIFICA TECIDO

� OBJETOS ESPECIAIS QUE TRANSMITEM PENSAMENTOS E DOCUMENTAM TRADIÇÕES

� [...] a composição de significados por meio de entr elaçamento físico de sinais apropriados. Um conjunto de palavr as formando uma frase escrita, por exemplo, constitui um texto, pois há composição de significados, formando nomes, verbos, artigos, etc., e entrelaçamento de sinais, letras, traços fisicame nte construídos sobre o papel ou sobre a rocha, o mármore, enfim, q ualquer outro suporte de escrita ou de inscrições. Mas também con sideraremos texto todo objeto portador de mensagem. Assim exist em os textos orais, visuais, auditivos. (CUNHA, 1992, p. 07)

� O QUE É LER?

� LEITURA DE UM TEXTO: DECODIFICAÇÃO DA MENSAGEM DE QUE SE É PORTADOR

� ESCRITA: PROCESSO DE CODIFICAÇÃO DA MENSAGEM

� CONDIÇÕES: DOMÍNIO DO CÓDIGO LINGUÍSTICO, CONHECIMENTO DOS SIGNOS (SIGNIFICANTES E SIGNIFICADOS)

� O PROCESSO DE LEITURA

� LEITURA ANALÍTICA: PROCESSO DE DECODIFICAÇÃO DE UM TEXTO ESCRITO, COM VISTAS À APREENSÃO/RECEPÇÃO DA MENSAGEM NELE CONTIDA

� APREENSÃO DA MENSAGEM GLOBAL DA UNIDADE DE LEITURA, BUSCANDO UMA VISÃO INTEGRAL DO RACIOCÍNIO DESENVOLVIDO PELO AUTOR

� AS DIRETRIZES PARA A LEITURA ANALÍTICA

ETAPAS ESSENCIAIS:

� ETAPA DE ANÁLISE TEXTUAL

� ETAPA DE ANALISE TEMÁTICA

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� ETAPA DE ANÁLISE INTERPRETATIVA

� ETAPA DE PROBLEMATIZAÇÃO

� ETAPA DE REELABORAÇÃO REFLEXIVA

� ANÁLISE TEXTUAL

� FASE PREPARATÓRIA

� IDENTIFICAR OS ELEMENTOS QUE PERMITEM A ADEQUADA DECODIFICAÇÃO DO TEXTO

AÇÕES:

� DELIMITAR A UNIDADE DE LEITURA

� LEITURA POR PARTES

� EVITAR A FRAGMENTAÇÃO DE TEMPO

� ENUMERAÇÃO DOS PARÁGRAFOS

� QUEM É O AUTOR (VIDA, OBRA, PENSAMENTO)

� PERFIL GERAL DO TEXTO (CONTEXTO, PARA QUE, PÚBLICO)

� LEITURA PANORÂMICA – LEITURA CORRIDA

� ANOTAR / ASSINALAR / GRIFAR – PALAVRAS, CONCEITOS, REFERÊNCIAS A AUTORES, FATOS HISTÓRICOS, TEORIAS

� ESCLARECER TERMOS E PALAVRAS, CONCEITOS

� NOVA LEITURA PANORÂMICA

� ESQUEMA DA UNIDADE DE LEITURA

� PEQUENO RESUMO – SÍNTESE

� ANÁLISE TEMÁTICA

� FASE DE BUSCA DE COMPREENSÃO, A MAIS OBJETIVA POSSÍVEL, DA MENSAGEM DO AUTOR

� QUAL MENSAGEM É TRANSMITIDA, COMUNICADA

� O CONTEÚDO DO TEXTO

� MOMENTO NO QUAL SE BUSCA COMPREENDER O TEXTO, “OUVIR” O AUTOR

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05 QUESTÕES:

� 1. DO QUE ESTÁ FALANDO, QUAL O TEMA OU ASSUNTO DO TEXTO?

� 2. QUAL O PROBLEMA QUE SE COLOCA, OU SEJA, POR QUE O TEMA ESTÁ EM QUESTÃO?

� 3. QUAL A RESPOSTA QUE O AUTOR DÁ AO PROBLEMA, QUAL A TESE QUE DEFENDE AO TENTAR RESOLVER O PROBLEMA OU EXPLICAR O TEMA?

� 4. COMO O AUTOR DEMONSTRA SUA HIPÓTESE? COMO ELE A COMPROVA?

� 5. QUE OUTRAS IDEIAS SECUNDARIAS O AUTOR, EVENTUALMENTE, DFENDE NO TEXTO EM ANÁLISE?

� ANÁLISE INTERPRETATIVA

� ÚLTIMA ETAPA DA LEITURA ANALÍTICA

� POSSIBILIDADE DE CRÍTICA

� COMPREENSÃO A PARTIR DE DADOS DE FORA DO TEXTO

� INTERPELAÇÃO, CONFRONTO, DISCUSSÃO COM O AUTOR

� DIÁLOGO COM O AUTOR

� SITUAR O PENSAMENTO, REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO

� 1. INSERÇÃO TEÓRICA (OBRA, PENSAMENTO)

� 2. SITUAR O AUTOR NO CONTEXTO FILOSÓFICO

� 3. PRESSUPOSTOS IMPLICADOS NO TEXTO

� 4. IDEIAS ASSOCIADAS ÀS QUE ESTÃO PRESENTES NO TEXT O

� 5. CRÍTICAS AO TEXTO, POSIÇÃO DO AUTOR

� PROBLEMATIZAÇÃO

� LEVANTAMENTO DOS PROBLEMAS PARA A REFLEXÃO PESSOAL E PARA A DISCUSSÃO COLETIVA

� QUESTÕES SEMÂNTICAS, TEMÁTICAS, INTERPRETATIVAS

� IMPLÍCITAS OU EXPLÍCITAS

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Referência:

CUNHA, J. A. Iniciação à investigação filosófica: um convite ao filosofar. Campinas: Alínea, 2009. SEVERINO, A. J. Como ler um texto de filosofia . 2. ed. São Paulo: Paulus, 2009.

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UNIDADE II

MITO E FILOSOFIA

1 MOBILIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO

Introdução

A mobilização e problematização filosófica poderá s er iniciada com

a distribuição de textos com diferentes mitos. Por exemplo, sobre a

origem do Papai Noel (São Nicolau).

Texto 1

O PAPAI NOEL É SÃO NICOLAU E NÃO É

O Papai Noel que conhecemos hoje, gordo e bonachão, barba branca, vestes vermelhas, é produto de um imemorial sincretismo de lendas pagãs e cristãs, a tal ponto que é impossível identificar uma fonte única para o mito. Sabe-se,

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porém, que sua aparência foi fixada e difundida para o mundo na segunda metade do século 19 por um famoso ilustrador e cartunista americano, Thomas Nast, inspirador, por sua vez, de uma avassaladora campanha publicitária da Coca-Cola nos anos 1930. Nas gravuras de Nast, como esta à esquerda, o único traço que destoa significativamente do Noel de hoje é o longo cachimbo que o dele fumava sem parar, algo que nossos tempos antitabagistas já não permitem ao bom velhinho.

O sucesso da representação pictórica feita por Nast não significa que ele possa reivindicar qualquer naco da paternidade da lenda, mas apenas que seu Santa Claus – o nome de Papai Noel em inglês – deixou no passado e nas enciclopédias de folclore a maior parte das variações regionais que a figura do distribuidor de presentes exibia, dos trajes verdes em muitos países europeus aos chifres de bode (!) em certas lendas nórdicas.

Antes de prevalecer a imagem atual, um fator de unificação desses personagens era a referência mais ou menos direta, quase sempre distorcida por crenças locais, a São Nicolau, personagem historicamente nebuloso que viveu entre os séculos 3 e 4 da era cristã e que gozou da fama de ser, além de milagreiro, especialmente generoso com os pobres e as crianças. É impreciso o momento em que o costume de presentear as crianças no dia de São Nicolau, 6 de dezembro, foi transferido para o Natal na maior parte dos países europeus, embora a data primitiva ainda seja observada por parte da população na Holanda e na Bélgica. Nascia assim o personagem do Père Noël (como o velhinho é chamado na França) ou Pai Natal (em Portugal) – o Brasil, como se vê, optou por uma tradução pela metade.

É curioso que, sendo a língua de Nast uma das que mais preservaram no nome do personagem natalino a memória do santo (São Nicolau, Santa Claus), a caracterização que ele consagrou seja claramente inspirada na mitologia germânica, em que o deus Odin, de longas barbas brancas, era conhecido por distribuir presentes às crianças do alto de seu cavalo voador.

http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/palavra-da-semana/o-papai-noel-e-não-nicolau-e-não-e/

Texto 2

Nós e os Mitos Ao contrário dos nossos mitos contemporâneos, celeb ridades fugazes muitas vezes criadas pela imposição da mídia, os mi tos gregos serviam para dar sentido ao mundo e à existência humana. Se us deuses ajudaram o homem a compreender uma natureza repleta de misté rios e, também, a escrever a historia de uma civilização que permanec e, até hoje, como uma das mais magníficas de todos os tempos.

Todas as sociedades, em todas as épocas, têm seus mitos, suas lendas

e seus heróis, que expressam a maneira como os homens se relacionam entre

Page 19: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

18

si e com o mundo. Os mitos e heróis contemporâneos são fugazes, midiáticos,

celebridades bem humanas que despontam e se apagam ao sabor da

novidade, no fluxo incessante de notícias e informações que nos bombardeiam

a cada dia, num ritmo sempre crescente. Nossos verdadeiros mitos deslocam-

se para o futuro, para objetivos a serem alcançados: desenvolvimento

sustentável, diminuição das desigualdades, fim da fome, paz mundial, etc. São,

na verdade, promessas, esperanças de um mundo melhor. Dão sentido a

nossa existência cotidiana, projetando nossas ações para algo além da

realidade presente, algo melhor, algo superior, como ma ninfa grega que

perseguíssemos pelos bosques da modernidade, sem nunca alcançá-la.

Os mitos dos nossos antepassados culturais, os gregos, também se

inscreviam em uma busca de sentido para o mundo e para a existência

humana. Faziam-no, contudo, de modo diferente. Devemos ter em mente as

distancias e diferenças que nos separam daquele mundo. Dispersos em

cidades localizadas as margens do Mediterrâneo, em contato forçado e

permanente com outros povos e culturas, os gregos viviam num mundo

fragmentado social e politicamente, que só aos poucos se integraria no Império

romano. Sem os recursos da ciência moderna, defrontavam-se com uma

natureza cercada de mistérios, com efeitos cujas causas desconheciam, com

territórios que só podiam visitar pelas asas da imaginação, com um passado

que, sendo causa do presente, lhes era vedado a conhecer, pois não possuíam

os instrumentos que só a ciência histórica desenvolveu a partir do século XIX.

Para os gregos, assim, mito era a história antes da história. Dava

sentido ao tempo e permitia narrá-lo como algo conhecido, antes mesmo do

conhecível, anterior ao que estava ao alcance do conhecimento humano. Num

certo sentido, era uma estória, ou conjunto de estórias, envolvendo diferentes

personagens, humanos e divinos, que se colocava antes da historia.

Prescindia, desde modo, de documentos, fundando-se em tradições orais,

transmitidas de gerações em geração e sobre as quais atuava mais a crença

que o conhecimento, dando sentido ao tempo e ao mundo conhecido.

Mas a mitologia, sendo crença, tampouco era uma religião. Associava o

universo do sagrado e o do profano como intrinsecamente unidos. A religião

Page 20: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

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não se separa da vida cotidiana, nem os deuses ocupavam um lugar à parte.

Seu mundo entrecruzava-se com o dos mortais, que era povoado por

divindades, boas ou más, e que era preciso apaziguar ou tornar propícias. Os

deuses estavam em toda parte e em cada lugar. Por isso, ao falarmos de mitos

antigos, nosso critério científico, que separa o falso do verdadeiro, não se

aplica. O mito grego combinava narrativas sobre eventos relativos a deuses e a

mortais, coisa que denominaríamos sagradas e outras profanas, estórias

populares e locais com narrativas mais amplas, profundas, até mesmo sobre as

origens do universo.

Na verdade, sabem hoje os historiadores, nunca houve uma mitologia

grega como algo sistematizado e acabado. O que chamamos de mitologia foi o

resultado de séculos de criação e invenção. Foi o produto das narrativas de

muitos povos e cidades, que aceitaram influencias de toda parte, sempre

abertos à absorção de novos mitos e de novas crenças. Nunca houve um livro

sagrado, um cânone dos mitos, nem sacerdotes que os cultuassem e os

reproduzissem. O que chamamos de mitologia é, de fato, o resultado de um

longo processo de construção de uma identidade religiosa no Mediterrâneo

antigo, mas que jamais se consolidou como uma religião oficial. Como

resultado da integração progressiva de povos e cidades distintas, a mitologia

antiga, como a religião dos povos da antiguidade, sempre preservou um caráter

aberto. Ou seja, todos os mitos, locais, regionais, supra-regionais, encontravam

seu lugar numa narrativa mais ampla, que englobava a todos, mesmo à custa

de ambigüidades contradições. Havia, por exemplo, vários deuses com o nome

de Zeus, ou Apolo, todos com estórias diferentes. Os romanos, em particular,

adotaram as divindades gregas, a elas dando os nomes de seus deuses locais,

tal como aparecem nos capítulos de revistas que o leitor tem em mãos,

assumindo as diferentes versões de uma mitologia que, em princípio, lhes era

estranha.

A apropriação pelos romanos dos mitos gregos nos revela outra faceta

da mitologia. Esta nunca foi um corpo acabado de narrativas, mas sempre uma

narrativa em processo de construção. Devemos ter em mente que a mitologia

foi também, inseparavelmente, literatura. Todos os mitos gregos que

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conhecemos foram colhidos, ou produzidos e inventados por poetas, que

podiam criar suas próprias versões dos mitos.

Foi a poesia, a partir de Homero, que recolheu mitos locais e os unificou

numa grande mitologia, numa mitologia em que todos os gregos, e os povos

influenciados por sua cultura, se reconheciam e se identificavam. A mitologia é

uma obra, um trabalho, ao mesmo tempo religioso e poético. Nesse sentido, a

poesia sobrepôs-se às tradições locais, criando um conjunto mais ou menos

coerente de estórias. As grandes fontes da mitologia foram os dois grandes

épicos atribuídos a Homero, a Ilíada e a Odisséia, os dois poemas de Hesíodo,

a Teogonia e Os Trabalhos e Os Dias, os chamados Poemas Homéricos e, no

século V AC, as obras dos tragediógrafos atenienses, como Ésquilo, Sófocles e

Eurípedes.

Em seu conjunto, compõem uma narrativa incoerente e, sob muitos

aspectos, contraditória. A mitologia, tal como a conhecemos, foi obra de

autores posteriores, que tentaram sistematizar e ordenar as narrativas míticas,

eliminando suas contradições, como a Biblioteca de Apolodoro, ou as

Metamorfoses de Ovídio, nas quais, em grande parte, o presente texto se

baseia. Mas nunca conseguiram dar unidade e coerência a narrativas que

tinham sua origem em relatos orais e produzidos em localidades diferentes.

A despeito da variedade e das incongruências que encontramos nas

narrativas dos mitos, podemos reparti-los em quatro tempos distintos que

representam, para os gregos, o tempo transcorrido antes da história dos

homens: as cosmogonias, que tratam da criação do mundo e cujo principal

representante é Hesíodo; as narrativas envolvendo os deuses do Olimpo e

suas aventuras num mundo em que deuses e homens se misturavam, tal como

aparecem em Homero; os ciclos heróicos, que narram as aventuras de homens

que eram ainda semideuses, porque filhos de deuses, mas já se aproximavam

do tempo e da realidade humanas, como as estórias de Hércules, de Perseu ou

de Cadmo; e, por fim, as narrativas heróicas da Guerra de Tróia, que alguns

gregos, como o historiador Tucídides, consideravam como plenamente

históricas.

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Acreditavam os gregos em seus mitos? A resposta é difícil e depende da

época e dos autores que os relatam. Um viajante como Pausânias, que no

século II de nossa era percorreu a antiga Grécia, relatava os mitos locais de

cada lugar que visitava e via, na sua própria antiguidade, a prova de sua

veracidade. Muitos ritos locais, já bem adentrado o Império Romano,

reproduziam as narrativas dos mitos em suas cerimônias religiosas e em suas

festividades locais. Outros já tratavam os mitos como alegorias, considerando

os deuses e heróis como personificações de um universo ético e moral e,

portanto, essencialmente humano.

Quando o pensamento moderno, a partir do século XVI, voltou-se para

os mitos gregos, considerou-os, a princípio, como narrativas semi-históricas,

das quais era possível obter informações concretas, desde que desvinculadas

de seus pressupostos religiosos. Foi só a partir de meados do século XIX que

os mitos gregos foram relegados à posição de narrativas fantasiosas. George

Grote, assumindo uma postura que se revelaria dominante a partir de então,

declarou, na metade do século XIX, que a História Grega, realmente

documentada, começava apenas com a primeira Olimpíada, em 776 AC. Essa

posição domina a historiografia até nossos dias. O que não significa que os

mitos gregos tenham perdido sua eficácia. São célebres as tentativas de

identificar, na mitologia grega, conceitos universais que poderiam ser aplicados

á humanidade como um todo. O exemplo mais bem conhecido é, talvez, o do

complexo de Édipo, que jaz no cerce da teoria freudiana sobre a personalidade

humana, mas vários experimentos foram feitos, já no século XX, para

descobrir, nos mitos, verdades imorredouras sobre o Homem, de Carl Jung a

Lévi-Strauss e Jean-Pierre Vernant. Na estória dos deuses, como naquelas dos

heróis cuja sagra pertence também à mitologia, encontramos, com efeito,

certas oposições e estruturas que parecem comuns às sociedades humanas,

como a contraposição entre mortal e imortal, entre pais e filhos, entre homem e

natureza, entre masculino e feminino. Nesse sentido, os mitos gregos ainda

falam para nós e de nós.

É a esse mundo que a obra de Thomas Bulfinch nos remete, com breves

incursões nas mitologias hindu e nórdica. O autor, baseando-se

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fundamentalmente em Ovídio, narra as estórias da mitologia grega de modo

eficiente e cativante, deixando, poucas vezes, escapar seus preconceitos de

anglicano. Em certo sentido, ao narrar a mitologia greco-romana, coloca-se no

grande fluxo narrativo que nos aproxima dos amigos, deixando que, em sua

narração, irrompam narrativas recentes, extraídas sobretudo da poesia inglesa,

de Milton a Byron, como a mostra que a força evocativa da mitologia não

morreu, mas é parte integrante de nossa cultura viva, de nossa identidade

como seres culturais. E aí reside uma das virtudes do texto que o leitor tem em

mãos, a de aproximá-lo de uma realidade totalmente diferente da nossa, mas

que esta na raiz do nosso modo de ser e pensar o mundo. Retomando nossas

considerações iniciais, diríamos que o mito ainda atua em nossa vida, mas não

mais como passado, e sim como futuro. Nossa sociedade não mais olha para o

passado como fonte de exemplos, mas para o futuro, como impulso gerador de

esperanças, como justificativa de nossas ações presentes. Nossos mitos

mudaram de forma e conteúdo, mas continuam essenciais para dar sentido a

nossa vida, tanto individual como coletiva. É de esperar que o futuro nos

produza histórias e exemplos tão ricos e frutíferos, como o passado mítico

trazia aos gregos de outrora.

GUARINELLO, Norberto Luiz. Nós e os Mitos. In:_Mitologia 1: História Viva. Ed. Ediouro: São Paulo.

NOBERTO LUIZ GUARINELLO é professor de História Antiga do Departamento de História da Universidade de São Paulo, doutor em arqueologia clássica, com pós-doutorado nas Universidades de Brown (EUA) e Oxford (Inglaterra), autor dos livros Imperialismo Greco-Romano, São Paulo, Ática, 1986, e Primeiros Habitantes do Brasil, São Paulo, Atual, 1994, e de inúmeros artigos especializados publicados em revistas nacionais e estrangeiras.

Texto 3

Que terá levado o homem, a partir de determinado mo mento de sua

história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente,

mais precisamente na Grécia do Século VI a. C., uma nova mentalidade,

que passa a substituir as antigas construções mitol ógicas pela aventura

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intelectual, expressa através de investigações cien tíficas e especulações

filosóficas? (Os Pensadores, 1978, p. VI)

2 INVESTIGAÇÃO E CRIAÇÃO DE CONCEITOS

Mitologia grega 10

Na antiguidade diferentes povos elaboravam histórias sobre deuses,

heróis e criaturas fantásticas e tais histórias eram repassadas de uma geração

para outra nos rituais religiosos, nas festividades ou simplesmente nas

conversas diárias. Essas histórias são denominadas de mito11. Em semelhança

a esses povos, os gregos antigos também formularam histórias sobre deuses,

heróis e criaturas fantásticas. O que ocorreu especificamente com este povo foi

que, a partir do séc. VI a.C., o modo mítico de produzir discurso foi criticado e

lentamente substituído12 por uma nova modalidade de discurso: a filosofia.

10 O texto aqui produzido foi adaptado e fazia parte daquilo que se denominava Projeto Folhas. O texto foi desenvolvido em conjunto com o professor Juliano Orlandi que compunha a Equipe de Filosofia do Departamento de Educação Básica. Cf. ORLANDI, J. As Principais Características do Mito Grego. 2008. Disponível em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>. Acesso em: 04 jun 2009. Importante observar que em cada Folhas ocorria o desenvolvimento um conteúdo específico, a partir do qual professores e estudantes poderiam levantar questões, identificar problemas e problematizar o conteúdo com o auxílio dos textos filosóficos. O texto filosófico, além de ser objeto de estudo com suas estruturas lógicas, argumentativas e precisão dos enunciados, também forneceria subsídios para entender o problema e o conteúdo que estava sendo estudado (PARANÁ, 2007, p. 10). 11 Segundo Mircea Eliade, citado por BRANDÃO (2000, p. 35-36) o mito é o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial mediante a intervenção de entes sobrenaturais. É o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios, illo tempore, quando com a interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou tão somente um fragmento, um monte, uma pedra, uma ilha, uma espécie animal ou vegetal, um comportamento humano. É a narrativa de uma criação, conta-nos de que forma algo que não existia passou a existir. 12 Existem diferentes perspectivas quanto a origem da filosofia. Segundo Jaeger (2003) a história da filosofia grega deve ser encarada enquanto um processo progressivo de racionalização da concepção religiosa presente nos mitos.

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Quais são, contudo, as características do mito que o tornam diferente do

discurso filosófico?

Os mitos eram narrativas fantásticas transmitidas na Grécia antiga (séc.

XX – VI a.C.) de forma oral pelos poetas e cantores da época: os rapsodos e

os aedos. Neles eram relatadas as aventuras e lutas das divindades como

Zeus, Apolo, Afrodite e dos heróis como Héracles, Teseu e Odisseu. As

narrativas míticas explicavam os mais variados aspectos da realidade grega e

constituíam, assim, a visão de mundo dominante entre os helenos.

SAIBA MAIS

Lenda : narrativa de cunho edificante composta para ser lida (latim – legenda – o que deve ser lido) ou narrada em público e que tem por alicerce o histórico, embora deformado.

Fábula : é uma pequena narrativa de caráter puramente imaginário, que visa a transmitir um ensinamento teórico ou moral.

Parábola : é um mito elaborado de maneira intencional; tem antes de tudo um caráter didático. Os evangelhos evidenciam o caráter didático da parábola, que tende a criar um simbolismo para explicar princípios religiosos.

Alegoria : etimologicamente – dizer outra coisa é uma ficção que representa um objeto para dar idéia de outro ou, mais profundamente, um processo mental que consiste em simbolizar como ser divino, humano ou animal uma ação ou uma qualidade. (BRANDÃO, J. S. 2000, p. 35)

Os mitos remontam à época em que ainda não havia escrita na Grécia e,

por essa razão, eram difundidos por meio da palavra falada. O vocábulo grego

mýthos, do qual se origina o termo português “mito”, compartilha o mesmo

radical do verbo grego mýtheomai, cujo significado é “dizer”. Assim, mito

significa, em sua acepção mais primitiva, “palavra falada”, “o que foi dito”.

Os grandes representantes desse tipo de narrativa, os poetas Homero e

Hesíodo, viveram, na verdade, em seu período mais tardio; no qual a escrita é

redescoberta pela cultura grega e permite, assim, o registro das antigas

narrativas. As principais obras desses autores, a Ilíada e a Odisséia, no caso

de Homero, e a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, no caso de Hesíodo;

fornecem-nos o mais remoto testemunho da antiga cultura helênica.

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Primeira fase do universo

CAOS GÉIA TÁRTARO EROS

Érebo Nix (noite) Úrano, Montes, Pontos (Mar)

Éter, Hemera (Dia)

ÚRANO GÉIA

Oceano, Ceos, Crio, Hipéríon, Jápeto, Crono , Téia, Réia, Têmis, Mnemósina, Febe, Tétis, Ciclopes (Arges, Estérope, Brontes), Hecatonquiros (Coto, Briaréu, Gias)

Do sangue de Úrano nasceram: as Erínias (Aleto, Tisífone e Megera), Gigantes (Alcioneu, Efialtes, Porfírio, Encélado...) ninfas Mélias ou Melíades, Afrodite

Em seguida, Nix (Noite), ainda sozinha, deu à luz entre outros: Moro (Destino), Tânatos (Morte), Hipno (Sono), Momo (sarcasmo), Hespérides, Moiras, Queres, Nêmesis, Gueras (Velhice), Éris (Discórdia)...

Com a castração de Úrano, Crono assume o cetro, mas é destronado por Zeus: é a Segunda geração divina que marca a luta de Zeus pelo poder. Crono se casa com a irmã Réia e nasceram Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posídon e Zeus

CRONO RÉIA

Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posídon, Zeus

Graças a um estratagema de Réia, Crono engoliu uma pedra em vez de devorar o caçula Zeus, como fizera com todos os filhos anteriores. Zeus liberta os Ciclopes destrona Crono, que vomita os filhos que havia engolido

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Ao longo da história, os mais diversos interesses, continuamente,

voltaram seus olhos para as obras de Homero e Hesíodo na perspectiva de

aprendizagem e conhecimento. Na perspectiva de compreender o surgimento

da filosofia, entretanto, três características se destacam: a função de

explicação e organização da realidade, o apelo ao d ivino ou sobrenatural

e, finalmente, a revelação como modo hegemônico de acesso ao saber .

Escutemos um mito grego e procuremos descobrir as características citadas

acima.

TEXTO 4

A VISÃO MITOLÓGICA DO MUNDO

(…) Por filosofia entendemos uma forma completamente nova de pensar,

surgida na Grécia por volta de 600 a.C. Antes disso, todas as perguntas dos homens haviam sido respondidas pelas diferentes religiões. Essas explicações religiosas tinham sido passadas de geração para geração através dos mitos.

Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar por que a vida é assim como é.

Ao longo dos milênios, espalhou-se por todo o mundo uma diversificada gama de explicações mitológicas para as questões filosóficas. Os filósofos gregos tentaram provar que tais explicações não eram confiáveis.

A fim de entendermos o pensamento dos primeiros filósofos, precisamos entender primeiro o que significa ter uma visão mitológica do mundo. Vamos tomar por exemplo algumas concepções mitológicas aqui mesmo do Norte da Europa. Não há necessidade de irmos muito longe para mostrar o que queremos.

Na certa você já ouviu falar de Tor e de seu martelo. Antes de o cristianismo chegar à Noruega, acreditava-se aqui no Norte que Tor cruzava os céus numa carruagem puxada por dois bodes. E quando ele agitava seu martelo, produziam-se raios e trovões. A palavra “trovão” – Thor-døn em norueguês – significa originariamente “o rugido de Tor”. Em sueco, a palavra para trovão é åska, na verdade ås-aka – que significa a jornada dos deuses no céu.

Quando troveja e relampeja, geralmente também chove. E a chuva era vital para os camponeses da era dos vikinks. Assim, Tor era adorado como o deus da fertilidade.

A resposta mitológica à questão de saber por que chovia era, portanto, a de que Tor agitava seu martelo. E quando caía a chuva, as sementes germinavam e as plantas cresciam nos campos.

Não se entendia por que as plantas cresciam nos campos e como davam frutos. Mas os camponeses sabiam que isto tinha alguma coisa a ver com a chuva. Além disso, todos acreditavam que a chuva tinha algo a ver com Tor. E isto fazia dele um dos deuses mais importantes do Norte da Europa.

Mas Tor era importante ainda por outro motivo, que tinha algo a ver com toda a ordem do mundo.

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Os vikings imaginavam o mundo habitado como uma ilha, constantemente ameaçada por perigos externos. Esta parte habitada do mundo eles chamavam de Midgard, que significa “o reino que está no meio”. Em Midgard também havia Ǻsgard, a morada dos deuses. Fora de Midgard havia Utgard, isto é, o reino de fora, habitado pelos perigosos trolls, que não se cansavam de tentar destruir o mundo com toda a sorte de golpes baixos. Chamamos estes monstros malignos também de “forças do caos”. Na religião nórdica e também na maioria das outras culturas, as pessoas acreditavam que havia um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal.

Uma possibilidade que os trolls tinham de destruir Midgard era roubar Freyja, a deusa da fertilidade. Se conseguissem isto, nada mais cresceria nos campos e as mulheres não teriam mais filhos. Por isso era tão importante que os bons deuses mantivessem os trolls afastados.

E também nesse caso Tor era importante: seu martelo não trazia apenas chuva, mas era também uma arma na luta contra as perigosas forças do caos. O martelo emprestava a Tor um poder quase infinito. Ele podia, por exemplo, atirá-lo nos trolls e matá-los. E também não precisava ter medo de perdê-lo, pois o martelo era como um bumerangue e voltava para seu dono.

Esta era a explicação mitológica para o funcionamento da natureza e para o fato de existir sempre uma luta entre o bem e o mal.

Mas não se tratava apenas de explicações. As pessoas não podiam simplesmente ficar sentadas de braços

cruzados, esperando pela intervenção dos deuses, quando catástrofes tais como secas e epidemias as ameaçavam. As pessoas precisavam elas mesmas participar dessa luta contra o mal. E isto elas faziam através de toda a sorte de cerimônias ou rituais religiosos.

O principal ritual religioso na Antiguidade nórdica era o sacrifício. Oferecer alguma coisa em sacrifício a um deus significava aumentar o seu poder. As pessoas precisavam, por exemplo, oferecer sacrifícios aos deuses, a fim de que eles se fortalecessem o suficiente para vencer as forças do mal. Isto podia ser feito, por exemplo, sacrificando-se um animal. Presume-se que a Tor eram sacrificados sobretudo bodes. Para Odin sacrificavam-se às vezes também pessoas.

O mito mais conhecido na Noruega é narrado no poema Trymskveda. Ele nos conta que Tor adormeceu e que, quando acordou, seu martelo tinha desaparecido. Tor ficou tão furioso que suas mãos tremeram e sua barba estremeceu. Acompanhado de seu homem de confiança, Loki, Tor foi até Freyja para lhe pedir emprestadas suas asas, a fim de que Loki pudesse voar até Jotunheim e descobrir se os trolls tinham roubado o martelo de Tor. Lá chegando, Loki encontrou Trym, o rei dos trolls, que logo foi se gabando por ter enterrado o martelo cinco quilômetros debaixo da terra. E, para completar, Trym disse que os deuses só teriam o martelo de volta se Freyja se casasse com ele.

Você está acompanhando, Sofia? Subitamente, os deuses do bem estão diante de um drama jamais visto: um drama envolvendo um refém. Os trolls têm agora em seu poder a mais importante arma de defesa dos deuses, e esta situação é absolutamente inaceitável. Enquanto os trolls estiverem com o martelo de Tor, seu poder sobre os mundos dos deuses e dos homens será irrestrito. Para devolver o martelo eles exigem Freyja. Mas esta troca não é

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possível. Se os deuses entregarem a deusa da fertilidade, que protege todas as formas de vida, então o verde desaparecerá dos pastos, e deuses e homens acabarão morrendo. Não há, portanto, como avançar ou como retroceder nesta situação. Para você entender o que estou dizendo, imagine um grupo terrorista que ameaça explodir uma bomba atômica no centro de Londres ou de Paris, caso suas perigosas exigências não sejam cumpridas.

Continuando, o mito nos diz que Loki volta para Ǻsgard e pede a Freyja que se enfeite de noiva, pois ela terá de se casar com o troll (infelizmente, infelizmente!). Freyja fica furiosa e diz que, se ela se casar com um troll, as pessoas vão pensar que ela é louca por homens.

E então o deus Heimdal tem uma boa idéia. Ele sugere que Tor se fantasie de noiva. Prendendo os cabelos e amarrando duas pedras no lugar dos seios, ele ficaria parecido com uma mulher. É claro que Tor não fica muito entusiasmado com esta idéia, mas acaba reconhecendo que só assim os deuses teriam uma chance de reaver o martelo. No fim, Tor é fantasiado de noiva e Loki o acompanha como dama de honra. — E assim levamos não apenas uma, mas duas mulheres para os trolls — diz Loki em tom de brincadeira.

Se quisermos formular a coisa de uma forma mais moderna, podemos chamar Tor e Loki de um “comando antiterror” dos deuses. Fantasiados de mulher, eles pretendem se infiltrar na fortaleza dos trolls e reaver o martelo de Tor.

Logo que eles chegam a Jotunheim, os trolls iniciam todos os preparativos para as bodas. Na festa, porém, a noiva – isto é, Tor – come um boi inteiro, oito salmões e bebe três barris de cerveja. Trym fica admirado com o que vê. Por um triz o disfarce do comando antiterror não é descoberto. Mas Loki consegue salvá-los desse perigo. Ele conta que Freyja não comia havia oito dias, tão ansiosa que ela estava para chegar a Jotunheim.

Quando Trym ergue o véu da noiva para beijá-la, ele recua ao se deparar com o olhar severo de Tor. Mas também desta vez Loki consegue contornar a situação. Ele conta que a noiva havia sete noites não conseguia dormir de alegria com o casamento. Então Trym ordena que tragam o martelo e que ele seja colocado no colo da noiva durante a cerimônia de casamento.

Conta o mito que quando Tor viu o martelo no seu colo, ele deu uma boa risada. Primeiro matou Trym e depois todos os outros trolls de Jotunheim. E, assim, o terrível drama envolvendo um refém teve um final feliz. Mais uma vez, Tor – o Batman ou o James Bond dos deuses – tinha vencido as forças do mal.

Bem, acho que podemos parar por aqui com a história do mito, Sofia. Mas o que será que este mito em particular realmente quer nos dizer? É claro que ele não foi escrito em versos apenas para divertir. Também este mito quer explicar alguma coisa. E aqui vai uma interpretação possível:

Quando a seca assolava uma região, as pessoas precisavam de uma explicação para a total ausência de chuva. Não seria porque os trolls tinham roubado o martelo de Tor?

Podemos imaginar também que este mito tenta explicar a alternância das estações do ano: no inverno a natureza está morta, porque o martelo de Tor está em Jotunheim. Mas na primavera Tor consegue reavê-lo. E, assim, os mitos tentam explicar às pessoas algo que elas não conseguem entender.

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Mas as pessoas não se contentavam apenas com explicações como esta que acabamos de ouvir. Elas também tentavam participar desses acontecimentos tão importantes para suas vidas. E o faziam através de diferentes rituais religiosos, que guardavam uma relação com os mitos. Assim, podemos imaginar que no caso de seca, ou de uma colheita ruim, as pessoas encenassem um drama que recontasse a história do mito. Talvez um homem da aldeia se fantasiasse de noiva usando pedras no lugar dos seios, a fim de reaver o martelo que estava em poder dos trolls. Era esta a forma que as pessoas viam de fazer alguma coisa para atrair chuva e fazer as sementes germinarem nos campos.

Embora não saibamos exatamente como tudo acontecia, uma coisa é certa: há muitos exemplos de outras partes do mundo que nos mostram que as pessoas encenavam um “mito das estações do ano”, a fim de acelerar os processos naturais.

O que fizemos foi apenas um breve passeio pelo mundo dos mitos nórdicos. Há inúmeros outros mitos sobre Tor e Odin, Frey e Freyja, Hod e Balder, e sobre muitas, muitas outras divindades. Visões míticas como estas existiam no mundo todo, muito antes de os filósofos começarem a questioná-las. Pois os gregos também tinham a sua visão mitológica do mundo, quando surgiram os primeiros filósofos. Ao longo dos séculos, as histórias dos deuses foram sendo passadas de geração em geração. Na Grécia, os deuses eram chamados de Zeus e Apolo, Hera e Atena, Dioniso e Asclépio, Heracles e Hefaístos, apenas para citar alguns nomes.

Por volta de 700 a.C., Homero e Hesíodo registraram por escrito boa parte do tesouro da mitologia grega. Isto levou a uma situação completamente nova. É que, a partir do momento em que os mitos foram colocados no papel, já se podia discutir sobre eles.

Os primeiros filósofos gregos criticaram a mitologia descrita por Homero, porque para eles os deuses ali representados tinham muitas semelhanças com os homens. De fato, eles eram exatamente tão egoístas e traiçoeiros como qualquer um de nós. Pela primeira vez na história da humanidade foi dito claramente que os mitos talvez não passassem de frutos da imaginação do homem.

Um exemplo dessa crítica aos mitos pode ser encontrado no filósofo Xenófanes, nascido por volta de 570 a.C. Para ele, as pessoas teriam criado os deuses à sua própria imagem e semelhança: “Os mortais acreditam que os deuses nascem, falam e se vestem de forma semelhante à sua própria… Os etíopes imaginam seus deuses pretos e de nariz achatado; os tracianos, ao contrário, os vêem ruivos e de olhos azuis… Se as vacas, cavalos ou leões tivessem mãos e com elas pudessem pintar e produzir obras como os homens, eles criariam e representariam suas divindades à sua imagem e semelhança: os deuses dos cavalos teriam feições eqüinas, os das vacas se pareceriam com elas, e assim por diante”.

Nesta época, os gregos fundaram muitas cidades-Estados na Grécia e em suas colônias no Sul da Itália e na Ásia Menor. Nelas, os escravos faziam todo o serviço braçal e os cidadãos livres podiam dedicar-se exclusivamente à política e à cultura. Sob tais condições de vida, o pensamento humano deu um salto: sem depender de nada nem de ninguém, cada indivíduo podia agora opinar sobre como a sociedade devia ser organizada. Desse modo, o indivíduo

Page 31: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

30

podia formular suas questões filosóficas sem ter que para isso recorrer à tradição dos mitos.

Dizemos que naquela época ocorreu a evolução de uma forma de pensar atrelada ao mito para um pensamento construído sobre a experiência e a razão. O objetivo dos primeiros filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os processos da natureza.

Gaarder, Jostein. O mundo de Sofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo, Cia. das Letras,1998, p. 34-40.

Os mitos

O mito de Faetonte

http://f.i.uol.com.br/folha/ambiente/images/1100156.jpeg

“Aborrecido com seus companheiros por não acreditarem em sua origem

divina, Faetonte, seguindo o conselho da mãe mortal Climene, procurou o pai

Apolo em seu palácio dourado em busca de um sinal pelo qual todos

soubessem que pertencia à raça dos deuses. Embora Apolo tenha prometido,

sob juramento pelo Estige, conceder qualquer pedido que Faetonte lhe fizesse,

desgostoso ficou ao ouvir o desejo do filho imprudente: conduzir por um dia a

carruagem do Sol. Alertou-o que a incumbência era excessiva para um mortal,

visto que, entre os deuses do Olimpo, apenas ele próprio estava destinado a

suportar tão penoso trabalho. O atrevido rapaz, no entanto, teimou em sua

audaciosa pretensão e não se deixou convencer pelas súplicas paternas.

Ao subir na obra-prima de Hefesto, o carro dourado salpicado de pedras

preciosas e aliado aos corcéis de fogo, exaltou-se o rapaz com a felicidade de

Page 32: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

31

ser seu dono durante um dia. Tal euforia, entretanto, logo deu lugar ao

sentimento de impotência diante da dificultosa tarefa, pois assim que os

cavalos perceberam que suas rédeas estavam em mãos sem prática,

passaram a escolher o caminho à revelia.

Ao invés de se manter em seu trajeto habitual, o Sol se precipitava para

baixo, destruindo a face amável da natureza e as obras do homem. A relva

murchou, as searas foram queimadas e os bosques desfizeram-se em fogo e

fumo. Nesse dia, um pedaço da terra transformou-se num deserto de areia,

onde nem homens nem animais podem se desenvolver.

Perturbado pela balbúrdia de Faetonte, Zeus-pai acordou de sua sesta e

lançou um raio na descontrolada carruagem do Sol. Arrancado do carro, o

jovem presunçoso se precipitou em direção ao solo com o cabelo em chamas,

como uma estrela cadente, para ir apagar-se no rio Erídano. Os corcéis do Sol,

sem condutor, procuraram sua cocheira no céu; e por uma vez caiu a noite

sobre a Grécia em pleno meio-dia.”

PESQUISA

Pesquise diferentes mitos egípcios, indígenas brasileiros ou africanos,

que expliquem o surgimento dos fenômenos da realidade, compare com a

descrição do mito de Faetonte.

TEXTO 5

Foi um caso de barbeiragem de proporções cósmicas, diz a mitologia. O mortal Faetonte assumiu as rédeas da carruagem do Sol e quase derrubou o astro em cima da pobre Terra. Será que um evento astronômico real poderia ter inspirado a história?

Ao menos para pesquisadores da Alemanha e da Grécia, a resposta é "sim". Em estudo na revista científica "Antiquity", especializada em arqueologia, eles dissecam textos da Antiguidade clássica para tentar demonstrar que um meteorito de verdade está por trás do mito greco-romano de Faetonte.

O casal alemão Barbara e Michael Rappenglück, do Instituto de Estudos Interdisciplinares, coordenou o estudo. Eles são arqueoastrônomos --estudiosos do conhecimento astronômico antigo.

CICATRIZES NA TERRA

Barbara Rappenglück contou à Folha que seu interesse por Faetonte surgiu em 2005, quando estava estudando o chamado impacto de Chiemgau.

Page 33: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

32

Nessa região da Baviera (sudeste da Alemanha), o solo está salpicado de aparentes crateras. A maior delas hoje é o lago de Tüttensee, com diâmetro de 600 metros e profundidade de 30 metros.

É claro que o simples chão esburacado não é suficiente para comprovar a queda de um meteorito. Os pesquisadores citam outras pistas bem mais reveladoras, típicas de outros impactos.

Quando um bólido celeste despenca, é como se o calor e a energia da pancada "torturassem" as rochas vizinhas, deixando-as com feições características. Algumas derretem e se solidificam rapidamente; outras são vitrificadas (viram vidro); e surgem até minúsculos diamantes no sedimento. Todos esses detalhes estão presentes em Chiemgau, fortalecendo a hipótese do impacto.

"Muitos autores, nas últimas décadas, estavam associando o mito de Faetonte com a queda de um meteorito ou de fragmentos de um cometa", diz Rappenglück. "Mas essas interpretações não me convenceram."

ORIENTE E OCIDENTE

Porém, duas pesquisas mais caprichadas, do alemão Wolf von Engelhardt e do sueco Jerker Blomqvist, voltaram a inspirá-la na caça à cratera. Blomqvist chegou a propor candidatas: as crateras de Kaali, na Estônia.

Mas um detalhe não batia: a localização tradicional do mito. Conta-se que Faetonte, filho do deus solar Hélios e da mortal Climene, pede a seu pai para guiar a carruagem que leva o Sol pelo céu.

O deus cede aos desejos do filho, mas ele pilota tão mal que quase queima a Terra inteira. Para impedir o desastre, Zeus, o chefão dos deuses gregos, atinge o rapaz com um raio, e ele cai no rio Erídano -que, na tradição grega, ficava em algum lugar da Europa Ocidental, e não Oriental (como a Estônia).

O diabo é saber onde. Alguns identificam o Erídano com o rio Pó, no norte da Itália, outros com o Danúbio.

O casal alemão defende a segunda interpretação, já que o rio é perto de Chiemgau. Por meios indiretos, também é possível datar o surgimento das crateras entre 2000 a.C. e 800 a.C. A data bate, em linhas gerais, com o período de formação da cultura e da mitologia gregas, e antecede a primeira menção escrita clara ao mito de Faetonte, na peça "Hipólito" (428 a.C.), de Eurípides.

Os pesquisadores citam ainda detalhes de narrativas antigas, como as do poeta romano Ovídio (43 a.C.-17 d.C.), que registrariam alguns detalhes muito parecidos com a queda de um objeto celeste "transfigurada" pelo mito.

Rappenglück admite que os relatos são muito posteriores ao impacto, mas diz que podem se basear em dados anteriores.

LOPES, R. J. Meteorito inspirou mito greco-romano de Faetonte, diz grupo. Folha de São Paulo , São Paulo, 01 janeiro 2011. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/853469-meteorito-inspirou-mito-greco-romano-de-faetonte-diz-grupo.shtml>. Acesso em: 15/11/2013.

Page 34: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

33

Características do mito

A principal característica das narrativas míticas, que se apresenta a

partir de uma breve leitura do Mito de Faetonte, é a função de explicar e

organizar a realidade. Todos os mitos pretendem tornar inteligível um ou mais

fenômenos que influenciam a vida humana. Assim, os eventos que ocorriam

diariamente espantavam as pessoas e exigiam explicações. O mito é, nesse

sentido, a primeira resposta que os gregos antigos ofereceram para as

perguntas que surgiam de seu contato com os fenômenos da realidade.

No mito de Faetonte, por exemplo, é possível perceber constantemente

essa preocupação. Logo no início, o mito apresenta uma explicação para a

natureza do fenômeno do Sol e para o seu movimento aparente. Segundo essa

explicação, ele é uma carruagem de fogo puxada por cavalos flamejantes. Um

pouco adiante, a narrativa de Faetonte explica a ocorrência de um incêndio que

devastou as florestas e as plantações. Explicam-se também o fenômeno da

estrela cadente, do raio e de um eclipse solar. A história de Faetonte nos

mostra claramente a preocupação da narrativa mítica em oferecer explicações

para os diversos fenômenos que ocorriam entre os homens gregos.

Segundo Coulanges (2000, p. 127), nos primeiros tempos, “[...] os

costumes da vida civilizada ainda não haviam estabelecido uma separação

entre natureza e homem”. Os gregos antigos estavam de tal modo submetidos

à força da natureza que sentiam, constantemente, suas fraquezas e limitações

diante de tudo aquilo que lhes cercava. Assim, esperavam ansiosamente pela

chuva de que dependia sua colheita, receavam as tempestades e secas pelo

seu poder de destruição, espantavam-se com o desaparecimento repentino do

Sol no momento de um eclipse. “O homem experimentava em si,

perpetuamente, um misto de veneração, de amor e de terror, perante a

poderosa natureza” (Ibidem, p. 127-128).

Julgando as forças naturais em semelhança consigo, o grego primitivo

reconheceu-lhes o pensamento, a vontade, os sentimentos; “[...] e, como as

sentia poderosas e sofria seu predomínio, confessou a estas suas

dependências; rezou-lhes e adorou-as; e dessas coisas construiu os deuses”

(Ibidem, p. 128).

Page 35: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

34

Podemos chamar esse processo pelo nome de “deificação das forças da

natureza”. Ele se caracteriza, basicamente, por oferecer explicações místicas

ou religiosas para os eventos que ocorrem entre os homens e para os quais

não há outra explicação disponível. Ele não se esgota, contudo, na explicação

dos fenômenos da natureza, mas pretende explicar e organizar fenômenos

políticos ou sociais e, até mesmo, fenômenos psicológicos.

É o que ocorre, por exemplo, com a guerra de Tróia, evento político-

social ocorrido aproximadamente por volta de 1250 a.C. Segundo o relato

homérico, ela aconteceu por causa de um concurso de beleza entre as deusas

Afrodite, Atena e Hera, no qual o juiz troiano, Páris Alexandre, recebeu como

suborno a capacidade de seduzir a mais bela das mulheres: Helena. Ela, no

entanto, era casada com Menelau, rei de Esparta; que uma vez ultrajado,

reuniu, com a ajuda de seu irmão Agaménon, os exércitos aqueus e partiu em

direção à Tróia para recuperar sua esposa.

Nesse caso, o fenômeno explicado pelo mito não é da ordem natural,

mas pertence à ordem humana. Os mitos têm, portanto, a pretensão de

oferecer explicações para toda a realidade humana, seja ela natural ou

“artificial”.

O apelo ao divino ou sobrenatural

A segunda característica que podemos perceber a partir da leitura do

mito de Faetonte e que está intrinsecamente ligada à primeira é o apelo ao

divino ou sobrenatural. Ela constitui a estrutura de explicação da realidade

utilizada nas narrativas míticas e, por essa razão, repete-se nos diversos

acontecimentos e personagens dos mitos antigos.

Ela se manifesta, exemplarmente, na personagem central, Faetonte.

Segundo a terminologia mitológica, ele é um semideus, isto é, ele é

parcialmente divino e parcialmente humano, pois é filho do deus Apolo com

uma mortal: Climene. Por sua ascendência divina, realiza ações que

extrapolam a vida dos homens comuns. Nesse sentido, ele é divino. Por outro

lado, em função de sua ascendência materna, ele não tem poder suficiente

para realizar as ações que os deuses realizam. Portanto, ele é humano. Essa

Page 36: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

35

diferença entre humano e divino, mortal e imortal, natural e sobrenatural ou

ordinário e extraordinário constitui o modo próprio através do qual os mitos

gregos explicavam e organizavam os fenômenos da realidade.

O jovem grego é capaz, segundo o mito, de realizar coisas que são

absolutamente proibidas aos demais mortais. Ele pode procurar o pai num

palácio divino, assumir temporariamente as funções de um deus, utilizar-se de

artefatos divinos, etc. Em todos os casos, Faetonte não leva uma vida comum

e banal como os outros homens. Pelo contrário, sua vida é extraordinária.

Se, entretanto, ele pode ir até o palácio paterno, por outro lado, esta não

é a sua morada. Se ele pode ter um pedido concedido por um deus, ele é, no

entanto, desencorajado a fazê-lo. Se ele assume uma função divina, ele não é,

contudo, capaz de concluí-la. Faetonte personifica uma distinção e uma tensão

entre o divino e o humano que constitui para os gregos antigos a estrutura de

organização e explicação da realidade.

Atividade

A partir da leitura dos seguintes versos d'Os Trabalhos e os Dias de

Hesíodo, escreva um texto de aproximadamente 30 linhas, em que se mostrem

os possíveis fenômenos naturais ou sociais que o Mito de Prometeu e Pandora

explicam e suas respectivas causas sobrenaturais ou divinas.

Todos os eventos naturais, os fenômenos políticos e os estados

psicológicos, e não apenas as personagens, estão, aos olhos dos gregos do

mito, imbuídos dessa tensão entre o divino e o humano. Explicar os

acontecimentos da realidade significa nesse contexto descobrir as causas

sobrenaturais ou divinas dos fenômenos naturais ou humanos. No mito de

Faetonte, por exemplo, todas explicações encontradas para os fenômenos

supracitados são de ordem sobrenatural ou divina: o Sol é uma carruagem de

fogo conduzida por um deus, o incêndio é causado pela aproximação da

carruagem à terra, o raio é manifestação da vontade de Zeus, a estrela cadente

é Faetonte caindo com cabelo em chamas e, finalmente, o eclipse solar é o

retorno precoce da carruagem à cocheira. Todos esses casos organizam seus

elementos sobre a mesma estrutura de sentido: a tensão entre o humano e o

Page 37: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

36

divino e, assim, expressam o modo específico de explicação da realidade das

antigas narrativas míticas.

Oculto retêm os deuses o vital para os homens;42

senão comodamente em um só dia trabalharias

para teres por um ano, podendo em ócio ficar;

[...]

Mas Zeus encolerizado em suas entranhas ocultou,

pois foi logrado por Prometeu de curvo-tramar;

por isso para os homens tramou tristes pesares:

ocultou o fogo. E de novo o bravo filho de Jápeto 50

roubou-o do tramante Zeus para os homens mortais

em oca férula, dissimulando-o de Zeus frui-raios.

Então encolerizado disse o agrega-nuvens Zeus:

“Filho de Jápeto, sobre todos hábil em suas tramas,

apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas; 55

grande praga para ti e para os homens vindouros!

Para esses em lugar do fogo eu darei um mal e

todos se alegrarão no ânimo, mimando muito esse mal”.

Disse assim e gargalhou o pai dos homens e dos deuses;

ordenou então ao ínclito Hefesto muito velozmente 60

terra à água misturar e aí pôr humana voz e

força, e assemelhar de rosto às deusas imortais

esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena

ensinar os trabalhos, o polidedáleo tecido tecer;

e à áurea Afrodite à volta da cabeça verter graça, 65

terrível desejo e preocupações devoradoras de membros.

Aí pôr espírito de cão e dissimulada conduta

determinou ele a Hermes Mensageiro Argifonte.

Assim disse e obedeceram a Zeus Cronida Rei.

[...]

o arauto dos deuses aí pôs e a esta mulher chamou 80

Pandora, porque todos os que têm olímpia morada

Page 38: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

37

deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão.

[...]

(HESÍODO, 1996, p. 25-29).

Se as narrativas míticas relatam, referindo-se ao mundo dos deuses, o

surgimento da realidade e dos diversos fenômenos humanos; então elas

constituem a forma de “conhecimento” própria dos gregos arcaicos. A

concepção de saber que lhe determina as características é, contudo, bastante

particular e merece, por essa razão, um tratamento minucioso.

No Proêmio ao poema Teogonia, diz Hesíodo (2001, p. 107):

Elas [Musas] um dia a Hesíodo ensinaram belo canto

quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino.

Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas

Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide: 25

'Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,

sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos

e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações'.

Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,

por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso 30

colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto

divino para que eu glorie o futuro e o passado,

impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos

e a elas primeiro e por último sempre cantar.

[...]

Assim como todos os poemas da Grécia arcaica, a Teogonia de Hesíodo

se inicia com a estrutura da evocação das Musas. Elas são filhas de Zeus-pai

com a deusa Mnemósine (Memória) e foram criadas para que louvassem todas

divindades com o canto. Quando, porém, são evocadas no início de um poema

grego, cumprem o importante papel de inspirar o poeta (“colhendo-o admirável,

e inspiraram-me um canto / divino para que eu glorie o futuro e o passado”, v.

31-32).

Page 39: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

38

Essa inspiração promovida pelas Musas deve, entretanto, ser entendida

num sentido mais forte do que o corriqueiro. Ela não constitui um mero

entusiasmo que anima a atividade do poeta, mas expressa a concessão do

poder divino de canto a Hesíodo. O cetro mencionado no verso 30 é, entre os

gregos, símbolo de poder e competência, quer nas reuniões dos reis, quer nos

círculos de ouvintes dos aedos. Nesse poema, o símbolo do poder concedido a

Hesíodo é o loureiro, árvore relacionada ao deus Apolo, que junto às Musas

preside as artes e a música. Ao oferecer o loureiro viçoso como cetro, as

Musas “[...] lhe [Hesíodo] outorgam o poder que são elas próprias, – ou, dito de

outro modo, mais usual e menos nítido, o poder de que elas são detentoras”

(TORRANO, 2001, p. 27).

As Musas não só concedem o poder de cantar ao poeta grego, mas

também lhe ensinam qual canto deve ser celebrado (“Elas um dia a Hesíodo

ensinaram belo canto” v. 22). O objeto dos seus versos, assim como de

qualquer outro poema grego do período arcaico, é sempre o mesmo: as

façanhas dos deuses imortais (“impeliram-me a hinear o ser dos venturosos

sempre vivos” v. 33). No próprio título da obra já pode se perceber a natureza

divina de seu tema: da união de “theós”, cujo significado é “deus”, e “génos”,

que significa “nascimento”; resulta “teogonia”, “o nascimento dos deuses”.

Esse conteúdo pertence, entretanto, à dimensão sobrenatural ou divina,

a qual o homem, em virtude de sua natureza mortal, não tem acesso. Para

descobrir, portanto, as causas dos fenômenos naturais ou humanos; ele

necessita de alguma forma de mediação com o sobrenatural. As Musas

exercem, para os gregos do período mítico, esse papel e, assim, revelam aos

limitados mortais o que ocorre no mundo dos deuses.

Sem a evocação das Musas, portanto, as narrativas míticas perdem sua

força argumentativa e a legitimidade característica dos discursos gregos

arcaicos. A tensão entre uma realidade humana e outra realidade divina impõe

a necessidade de uma mediação, que ocorre nos mitos gregos por força da

concessão do poder das Musas aos aedos e rapsodos. Em função desta

estrutura interna, o mito expressa a concepção mítica de que a sabedoria só é

obtida por meio da revelação divina.

Page 40: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

39

Os mitos constituíam, portanto, uma modalidade discursiva de

explicação da realidade que predominou entre os gregos antigos até o séc. VI

a.C. Seu modo próprio de entender os fenômenos estava fundado na tensão

entre o divino e o humano e, assim, ele encontrava para todos os eventos

naturais ou sociais causas divinas ou sobrenaturais. Por força dessa estrutura

de explicação, as causas dos fenômenos ordinários estavam distantes dos

homens comuns e o único modo de conhecê-las era através da mediação de

uma divindade. Por isso, todos os poemas míticos se iniciavam com a estrutura

de evocação das Musas.

A partir do séc. VI a.C., no entanto, os gregos passaram a desenvolver

uma nova forma de discurso que pretendeu, explicitamente, superar as antigas

narrativas míticas. Embora o predomínio da poesia tenha sido enfraquecido em

função dessa novidade e também em função das diversas mudanças sociais

que lhe acompanharam, a estrutura mítica de explicação dos fenômenos

jamais deixou de povoar e influenciar a relação intelectual dos homens com o

mundo. Por essa razão, é possível percebê-la em épocas mais recentes da

história. É possível inclusive perceber sua presença na época atual. Nesse

sentido, a explicação mítica dos fenômenos não deve jamais ser considerada

primitiva ou atrasada, porque ela ainda determina o modo como nós

apreendemos a realidade.

Esta é a revelação de Jesus Cristo: Deus a concedeu a Jesus, para ele

mostrar a seus servos as coisas que devem acontecer muito em breve. Deus

enviou ao seu servo João o Anjo, que lhe mostrou essas coisas através de

sinais. João testemunha que tudo quanto viu é a palavra de Deus e

Testemunho de Jesus Cristo. Feliz aquele que lê e aqueles que escutam as

palavras dessa profecia, se praticarem o que nela está escrito. Pois o tempo

está próximo. (Ap, 1, 1-3).

Atividade

A partir da leitura dos versículos 1-3 do Apocalipse de São João, elabore um

quadro comparativo com o trecho supracitado da Teogonia de Hesíodo.

Page 41: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

40

O SURGIMENTO DA FILOSOFIA

Que terá levado o homem, a partir de determinado momento de sua

história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente, mais

precisamente na Grécia do Século VI a. C., uma nova mentalidade, que passa

a substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual,

expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas? (Os

Pensadores, 1978, p. VI)

Os historiadores afirmam que a filosofia surgiu nas colônias gregas da

Ásia Menor (Jônia) entre os séculos VII a. C. e VI a. C., que o primeiro filósofo

foi Tales de Mileto e que ao nascer a filosofia era uma cosmologia (explicação

racional da ordem do mundo e do cosmos).

Periodização da história da Grécia Antiga

Civilização micênica – desde o início do segundo milênio a . C.; nome – cidade

de Micenas, de onde no século XII a . C. partem Agamemnom, Aquiles e Ulisses

para sitiar e conquistar Tróia

Tempos homéricos (séculos XII a VIII a . C.) – Homero; fase de transição de

um mundo essencialmente rural, surgimento de uma aristocracia proprietária de

terras; desenvolvimento do sistema escravista

Período arcaico (séc. VIII a VI a . C.) – alterações sociais e políticas – advento

das Cidades-estado (polis); desenvolvimento do comércio - movimento de

colonização grega

Período clássico (séc. V a IV a . C.) – apogeu; democracia; artes, literatura e

filosofia; Sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles

Período helenístico (séc. III e II a . C.) – decadência política; domínio

macedônico e conquista pelos romanos; influência cultural dos ocidentais

Atividade

Apresente os principais problemas (3 pares de oposi ção) acerca da

origem da Filosofia.

Page 42: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

41

Existem diferentes perspectivas, controvérsias, quanto a origem da

Filosofia, procuraremos analisar as principais compreensões acerca do que se

denomina “problemas da origem da Filosofia.”

Segundo Chauí (2002, p. 18) existem três pares de oposições,

1 – Milagre grego X orientalismo

2 – Harmonia luminosa X Dilaceramento desmedido

3 – Descontinuidade entre mito e filosofia X Contin uidade entre

mito e filosofia

1 – A filosofia é a expressão mais acabada do milagre grego ou o

resultado de empréstimos, influências e heranças orientais?

2 – A filosofia é a expressão mais acabada do “gênio helênico” enquanto

harmonia, simplicidade e luminosidade ou uma das manifestações do

dilaceramento trágico, da desmedida e do fundo obscuro do espírito grego?

3 – A filosofia é o advento da razão inteiramente liberada do mito e da

religião ou é a continuação (racionalizada e laica) das formulações mítico-

religiosas?

Milagre grego X orientalismo

Harmonia luminosa X

Dilaceramento desmedido

Descontinuidade entre mito e

filosofia X Continuidade entre mito

e filosofia

A partir do século VI a. C., os gregos experimentaram uma nova forma

de discurso sobre a realidade que se opôs radicalmente à forma até então

vigente: o mito. Gradualmente, as histórias de Faetonte, Zeus e Hércules

deram lugar a um novo modelo de atividade intelectual que ficou conhecido

pelo nome de filosofia. Por essa razão, tornou-se comum entre os historiadores

do pensamento utilizar a expressão “Passagem do Mito à Filosofia‟ para

caracterizar o surgimento do pensamento racional na Grécia Antiga.

Page 43: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

42

Quais são, no entanto, as principais diferenças entre o mito e a filosofia?

O que caracteriza essencialmente o pensamento dos primeiros filósofos? O

que levou os gregos a criar uma nova forma de discurso oposto à tradição

existente?

Leia os textos e em seguida apresente em seguida a perspectiva

quanto a origem da filosofia

Aristóteles, Metafísica

De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre maiores [...] Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis. De modo que, se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância, é evidente que buscavam o conhecimento unicamente em vista do saber e não por alguma utilidade prática. E o modo como as coisas se desenvolveram demonstra: quando já se possuía praticamente tudo o de que se necessitava para a vida e também para o conforto e para o bem-estar, então se começou a buscar essa forma de co-nhecimento (ARISTÓTELES, 2002, p. 13).

Jaeger, Paideia

Não e fácil traçar a fronteira temporal do momento em que surge o pensamento racional. Passaria, provavelmente pela epopéia (Poema que narra ações grandiosas) homérica. No entanto, nela é tão estreita a interpenetração do elemento racional e do "pensamento mítico", que mal se pode separá-los. Uma análise da epopéia, a partir deste ponto de vista, nos mostraria quão cedo o pensamento racional se infiltra no mito e começa a influenciá-lo. [...]

O início da filosofia científica não coincide, assim, nem com o princípio do pensamento racional nem com o fim do pensamento mítico. Até porque, mitogonia autêntica ainda encontramos na filosofia de Platão e na de Aristóteles. São exemplos, o mito da alma em Platão, e, em Aristóteles, a idéia do amor das coisas pelo motor imóvel do mundo (JAEGER, 2003, p. 191-192).

A filosofia pré-socrática

O termo pré-socrático é utilizado para designar os pensadores que

viveram por volta do século VI a.C. nas colônias gregas da costa da Jônia

Page 44: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

43

(atualmente Turquia) e da Magna Grécia (atualmente sul da Itália). Segundo a

tradição filosófica (ARISTÓTELES, 1979, p. 16), foram eles os primeiros a

elaborar e desenvolver uma atividade intelectual que na posteridade ficou

conhecida pelo nome de filosofia. Entender o surgimento do pensamento

racional no Ocidente significa, portanto, descobrir e analisar as obras, as

teorias, as doutrinas e os argumentos enunciados de diferentes modos por

esse vasto grupo de pensadores.

Embora sua produção literária tenha sido extensa, nenhuma das obras

dos primeiros filósofos resistiu à ruína do tempo e, por isso, não temos hoje

qualquer possibilidade de acesso direto ao seu pensamento. Podemos

conhecer sua filosofia, contudo, de maneira indireta, pois filósofos ulteriores, tal

como Platão e Aristóteles, registraram em seus próprios textos comentários e

citações das obras pré-socráticas. No início do século XX, um pesquisador

alemão chamado Hermann Diels (1848-1922) recolheu e organizou essas

citações e comentários dispersos e os publicou sob o título de Os Fragmentos

Pré-Socráticos . Essa obra constitui hoje o principal material disponível para o

estudo dos primeiros filósofos e, por essa razão, conduzirá nossas

investigações daqui por diante.

A primeira coisa que percebemos com uma breve leitura dos fragmentos

pré-socráticos é sua crítica explícita e contundente ao mito e aos poetas

antigos. Ouvimos, assim, de um dos mais importantes pré-socráticos: “Homero

merecia ser expulso dos certames e açoitado, e Arquíloco13 igualmente”

(HERÁCLITO, 1978, p. 83). Xenófanes de Colofão (ca. 570 – 528 a.C.), por sua

vez, dizia (ibidem, p. 64) que “tudo aos deuses atribuíram Homero e Hesíodo, /

tudo quanto entre os homens merece repulsa e censura, / roubo, adultério e

fraude mútua.” Nos dois casos é possível perceber que a filosofia pré-socrática

se compreende, de modo geral, como uma forma de discurso contrária e

concorrente à poesia mítica.

Curioso é, contudo, que o termo que, ao longo da tradição, foi utilizado

para caracterizar a primeira filosofia, a palavra grega “lógos”, tem o mesmo

significado que o termo utilizado para designar a poesia mítica, “mýthos”. Como

13 Arquíloco foi um poeta grego que viveu por volta do século VII a.C. Escreveu poemas líricos e foi considerado pelos antigos tão importante quanto Homero.

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vimos anteriormente, “mýthos” deriva do verbo “mýtheomai” e significa o que é

dito, o que é contado. “Lógos”, por sua vez, deriva do verbo “légein”, cujo

significado é dizer e, por isso, também é traduzido como o que é dito, o que é

falado. As palavras escolhidas para representar as duas formas de discurso

têm, portanto, o mesmo significado.

Esse fato não constitui um testemunho contrário à primeira apreensão

que foi feita da relação entre filosofia e mito? Como é possível que duas

atividades opostas sejam sinteticamente caracterizadas da mesma forma? Se a

filosofia no momento de seu surgimento quis distanciar-se da poesia, por que

se autodenominou com um termo que tem exatamente o mesmo significado da

palavra que designava seu opositor?

A função de explicação e organização da realidade

Essa questão se torna ainda mais grave quando se percebe que a

principal função exercida pela filosofia é exatamente a mesma que era exercida

pelo mito grego. Tal como as narrativas míticas pretendiam oferecer

explicações para os mais diversos fenômenos da realidade, a filosofia, no

momento de seu nascimento, também pretende cumprir uma tarefa dessa

natureza.

É o que se percebe com facilidade na leitura da maior parte das

afirmações dos filósofos pré-socráticos. Xenófanes, por exemplo, se

pronunciava da seguinte maneira sobre um conjunto de eventos naturais

(ibidem, p. 66):

O mar é a fonte da água, é fonte do vento; pois, nas nuvens, não haveria a força do vento que sopra para fora, sem o grande mar, nem as correntes dos rios, nem a água chuvosa do éter. É o grande mar que engendra as nuvens os ventos e os rios.

A última frase encerra o fragmento de Xenófanes em tom categórico: é o

mar que causa as nuvens, os ventos e os rios. Ela parece uma espécie de

conclusão de um argumento que trata das relações entre o mar, a chuva, os

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ventos, as nuvens e os rios. Diante das relações pressentidas, o fragmento

defende, a título de conclusão, que é o mar a causa de todos os outros

fenômenos.

Ao longo de sua vida, Xenófanes certamente testemunhou todos esses

eventos naturais e, provavelmente, se surpreendeu com o fato de que sua

compreensão sobre eles era extremamente limitada. Ele era incapaz de

controlá-los, de prevê-los ou até mesmo de explicá-los. Por essa razão, decidiu

questioná-los. O fruto desse questionamento foi, possivelmente, o texto em que

constava o fragmento acima e a conseqüente elaboração de uma “teoria”

primitiva de explicação de alguns fenômenos da natureza. É possível, e até

mesmo provável, que essa obra ou essa parte da obra de Xenófanes se

iniciava com a pergunta: qual é a origem das nuvens, dos ventos, dos rios e da

chuva? ou com alguma forma derivada dela. E,provavelmente, o texto se

encerrava com o fragmento que nos restou ou – o que é o mesmo – com a

resposta: o mar é a causa de todos esses fenômenos. Outro pré-socrático,

Empédocles de Agrigento (ca. 490 – 435 a.C.), preocupado com a natureza da

matéria, afirmava que ela era constituída pela combinação de quatro elementos

primordiais: o fogo, o ar, a água e a terra. Todos os seres compostos eram,

segundo Empédocles, o resultado das possíveis combinações desses quatro

elementos. Não existiria, assim, nada na natureza que não fosse fogo, água, ar

e/ou terra. Afirmava então o filósofo de Agrigento (ibidem, p. 222):

Outra te direi: não há criação nenhuma dentre todas (as coisas) mortais, nem algum fim em destruidora morte, mas somente mistura e dissociação das (coisas) misturadas é o que é, e criação isto se denomina entre os homens.

Empédocles pretende aqui defender a tese de que a matéria nunca

surge nem desaparece, ela apenas se transforma. As coisas, desse modo, são

constituídas somente de um arranjo específico de partes que, quando se

agrupam, temos a impressão que algo nasce e, quando se dissociam, temos a

impressão que algo morre. Na verdade, diz Empédocles, as coisas não são

criadas e nem destruídas, são os elementos que ou as compõem ou as

destroem. „Criação‟ e „morte‟ são nomes que os homens utilizam para

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designar ou a combinação dos elementos ou a sua dissociação. A pergunta

que, provavelmente, esteve à base da investigação de Empédocles e que, por

fim, resultou na afirmação do fragmento oitavo foi: como e por que as coisas

nascem e morrem?

Com a leitura do fragmento de Empédocles, é possível perceber

novamente a preocupação dos pré-socráticos com a função de explicação e

organização dos diversos fenômenos da realidade. Por essa razão, tornou-se

comum designá-los pelo termo fisiólogos, isto é, aqueles que estudam a phýsis

(natureza). Essa característica indica novamente a proximidade entre o mito e

a filosofia. Ambos são modos de explicar a realidade. Resta-nos então

perguntar: onde está a diferença entre eles?

Os filósofos pré-socráticos criticavam os poetas míticos justamente

porque acreditavam ter encontrado uma maneira mais eficiente de realizar a

função de explicação e organização da realidade. Nessa perspectiva, o

problema do mito se encontrava no modo através do qual ele realizava sua

explicação dos fenômenos. Encontrava-se, portanto, no apelo ao divino ou

sobrenatural.

Como foi visto, as narrativas míticas explicavam os mais diversos

eventos da realidade e, por isso, não era possível enxergar, à primeira vista,

uma unidade de objetos entre elas. Se, do ponto de vista do conteúdo, elas

eram múltiplas, do ponto de vista da forma, elas eram, contudo, semelhantes.

Todas procuravam causas sobrenaturais ou divinas para os fenômenos

naturais ou humanos. Assim, para explicar um eclipse solar, a narrativa de

Faetonte propunha o retorno antecipado dos cavalos de Apolo à cocheira. Para

entender a motivação da Guerra de Tróia, o mito descrevia a deusa Afrodite

subornando Páris Alexandre e vencendo o concurso de beleza. As narrativas

míticas buscavam desse modo suas explicações dos fenômenos num contexto

divino ou sobrenatural.

Os filósofos pré-socráticos, em contrapartida, explicavam os fenômenos

da realidade não mais segundo causas divinas ou sobrenaturais mas segundo

um apelo ao próprio mundo humano ou natural. É o que se vê com facilidade

nos fragmentos pré-socráticos supracitados. Xenófanes, por exemplo, não

apresenta a causa dos ventos de acordo com uma perspectiva sobrenatural da

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realidade. Não fala numa divindade ou criatura fantástica como Bóreas, o deus

do vento norte14. Xenófanes oferece um fenômeno tão natural quanto o vento:

o próprio mar.

Observando a natureza, o filósofo de Colofão suspeita de uma relação

entre as nuvens e os ventos e descobre que as primeiras se originam do mar.

Se o mar causa as nuvens e as nuvens causam os ventos, conclui Xenófanes,

o mar é necessariamente a causa dos ventos. Ao invés, portanto, de

apresentar um deus ou uma criatura fantástica para explicar os fenômenos

naturais que tem diante si, o pré-socrático explica a realidade com causas

humanas ou naturais.

A mesma diferença se mostra no fragmento de Empédocles de

Agrigento. Se ele fosse um poeta mítico, provavelmente atribuiria o surgimento

das coisas ao casamento e à procriação dos deuses15. Na medida em que é

um filósofo, no entanto, explica o surgimento das coisas através da

combinação de quatro elementos primordiais: o fogo, a água, o ar e a terra.

Nenhum destes fenômenos contém qualquer aspecto divino ou sobrenatural;

são simplesmente elementos cotidianos que se fazem presentes no mundo

natural ou humano. Tal como Xenófanes, por conseguinte, Empédocles

apresenta causas puramente naturais para explicar os fenômenos do mundo

dos homens.

Se, portanto, o mito e a filosofia pré-socrática são semelhantes em sua

intenção de explicar e organizar a realidade, por outro lado, são diferentes

porque a explicam e a organizam de modos distintos. Enquanto o primeiro está

marcado pelo sentido de irrupção do sagrado no mundo cotidiano, a segunda

circunscreve sua busca por explicações no próprio domínio dos fenômenos

humanos ou naturais.

14 Após derrotar os espartanos na famosa batalha das Termópilas (480 a.C.), o rei persa Xerxes teve parte de sua frota destruída por um vendaval no promontório de Artemisium. Os atenienses atribuíram essa derrota à ajuda do deus Bóreas, que havia antes raptado e desposado uma princesa de Atenas, Oreitia. Diante dos invasores persas, os atenienses ouviram do Oráculo “invoca seu genro como aliado” e, ao assistirem da Ilha de Eubéia à formação de uma tempestade, realizaram sacrifícios em homenagem a Bóreas. Segundo o mito, o deus soprou forte e afundou cerca de 400 navios do império persa. 15 Do ponto de vista do mito, o vento norte (Bóreas) era, por exemplo, filhos de Ástreos (Astros) e Éos (Aurora).

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Atividade

A partir dos fragmentos de Anaxímenes (ca. 585 – 528/5 a.C.) e

Xenófanes, escreva um texto sobre o objetivo pré-socrático de explicar e

organizar os fenômenos da realidade segundo um apelo ao natural ou humano.

Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim

também todo o cosmo [universo] sopro e ar o mantém. Os lídios foram os

primeiros a cunhar moedas.

A descoberta da racionalidade

Como vimos, os poetas gregos julgavam que seu saber sobre a

realidade dependia de um auxílio divino e, por essa razão, iniciavam seus

relatos com a estrutura da evocação das Musas. Antes de relatar o nascimento

dos deuses, por exemplo, Hesíodo afirmava que as Musas lhe revelaram o

conhecimento das coisas divinas e, assim, fizeram dele um poeta. Uma vez

que as causas dos fenômenos naturais eram, do ponto de vista mítico, divinas

ou sobrenaturais, os mortais não eram capazes de percebê-las diretamente.

Para conhecê-las, eles precisavam que uma divindade as revelasse. Assim, ao

evocar as Musas no início da Teogonia , Hesíodo atesta a compreensão de

que o canto foi revelado pelos deuses e exemplifica a concepção do

conhecimento como revelação divina.

Os pré-socráticos, por outro lado, concebem o conhecimento a partir do

conceito de razão (lógos) e, para grande parte dos historiadores do

pensamento, é justamente essa concepção que enseja o desenvolvimento da

filosofia e das ciências. Os estudiosos acreditam, assim, que os pré-socráticos

fundaram a concepção racional de conhecimento que se tornou paradigmática

no Ocidente. Resta, contudo, saber como ela se caracteriza essencialmente?

Para responder a indagação acima, serão lidos dois fragmentos de um

dos mais importantes filósofos pré-socráticos: Heráclito de Éfeso. Neles, o

pensador utiliza a palavra grega 'lógos', cuja tradução é geralmente feita com o

termo português 'razão', e apresenta o modo pré-socrático de compreender a

atividade do conhecimento. É, portanto, no uso que Heráclito faz do termo

grego que se procurará descobrir a perspectiva epistemológica que se tornou o

paradigma no Ocidente.

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O problema está, contudo, no fato de que o termo 'lógos' é polissêmico.

Ele pode significar: palavra, dito, máxima, sentença, exemplo, decisão,

condição, promessa, pretexto, argumento, ordem, menção, conversação,

relato, matéria de estudo, razão, inteligência, motivo, juízo, estima, explicação,

etc. Em função dessa multiplicidade de traduções possíveis, as ocorrências da

palavra 'lógos' nos fragmentos de Heráclito serão mantidas no original grego. O

objetivo é evitar que ela seja, assim, compreendida a partir de preconceitos

modernos, possibilitando uma aproximação maior do sentido que lhe foi

conferido no séc. VI a.C. Eis o fragmento 01 (Ibidem, p. 79) e o fragmento 50

(Ibidem, p. 84) de Heráclito de Éfeso:

Deste lógos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas (as coisas) segundo esse lógos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais quais eu discorro segundo (a) natureza distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta. Aos outros homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo. Não de mim, mas do lógos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um. A relação entre logos e o homem

A primeira informação que Heráclito oferece sobre o lógos e que,

certamente, constitui o principal objetivo do fragmento 01 é o fato de que ele

estabelece uma relação com os homens. Diz ele: “deste lógos [...] os homens

se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido

[...]”. O lógos é, portanto, algo audível para os homens, muito embora eles não

o acompanhem.

A frase de Heráclito, no entanto, não especifica quais homens não

acompanham o lógos, mas diz tão-somente que “deste lógos [...] os homens se

tornam descompassados [...]”. Disto pode se seguir duas coisas diferentes:

primeiro, Heráclito pode defender que não há um homem sequer que seja

capaz de acompanhar o lógos. Ou, na seqüência do fragmento, ele pode

defender que existem dois grupos de homens: aqueles que acompanham o

lógos e aqueles que não o acompanham.

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Abaixo Heráclito explica melhor quem são os descompassados do lógos.

Diz ele o seguinte: “[...] a inexperientes se assemelham embora

experimentando-se em palavras e ações [...]”. A conseqüência de não estar no

compasso do lógos é, portanto, parecer inexperiente nas tarefas relacionadas

ao agir e ao falar. Existem, contudo, diversos tipos de ação a serem realizadas

e diversas coisas a serem ditas. Em quais ações e palavras os homens

descompassados do lógos são, segundo Heráclito, inexperientes? Em todas ou

em apenas algumas?

Heráclito esclarece na seqüência: “[...] palavras e ações tais quais eu

discorro [...] distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta.” Os

homens parecem inexperientes, portanto, naquilo que Heráclito realiza, isto é,

ele distingue como cada coisa se comporta. Explicar o comportamento das

coisas é o tipo de tarefa que foi atribuída acima aos filósofos pré-socráticos. Os

exemplos de Xenófanes e de Empédocles pretendiam mostrar que a principal

preocupação da filosofia nascente era oferecer, em contraposição ao discurso

mítico, uma explicação dos fenômenos da realidade. Explicar a realidade nada

mais é do que distinguir como cada coisa se comporta e, assim, ao escrever o

fragmento 01, Heráclito se filia ao grupo dos pensadores pré-socráticos.

Existem, portanto, para ele dois tipos de homem: aqueles que explicam a

realidade e aqueles que não conseguem explicá-la.

A pergunta sobre a existência de homens que acompanham o lógos se

resolve com o último trecho mencionado. Se existem, por um lado, homens que

são inexperientes em palavras e ações porque não acompanham o lógos e se

existem ainda outros que não parecem inexperientes, tal como o próprio

Heráclito, então há pelo menos alguns homens que devem estar no compasso

do lógos. São eles que se assemelham a experientes em palavras e ações que

distinguem como as coisas se comportam.

O fragmento 01 afirma, portanto, que a relação entre os homens e o

lógos pode se manifestar de dois modos distintos. Em primeiro lugar, os seres

humanos podem não acompanhar o lógos e, por isso, são inexperientes nas

explicações dos fenômenos da realidade. Por outro lado, eles podem

acompanhar o lógos e, assim, se tornarem capazes de explicar como cada

coisa se comporta. Se, portanto, o lógos é quem oferece aos homens o

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conhecimento da realidade, então ele deve estabelecer também algum tipo de

relação com as coisas.

A relação entre logos e as coisas

Se, por um lado, o lógos pode estabelecer duas relações diferentes com

os homens, por outro, ele estabelece apenas uma com as coisas. Heráclito a

anuncia ainda no fragmento 01: “[...] tornando-se todas (as coisas) segundo

esse lógos [...]”. O termo original traduzido por 'tornando-se' é 'gignomenón'

que compreende o radical grego 'gen-'. Esse último tem o sentido de

nascimento ou geração e consta em palavras portuguesas como 'gênesis,

genética, gênero', etc. O fragmento de Heráclito diz, por conseguinte, que

todas as coisas nascem de acordo com o lógos ou o nascimento das coisas é

conduzido pelo lógos. É preciso, no entanto, compreender precisamente o

sentido de nascimento que consta no radical 'gen-'. Quando se utiliza

corriqueiramente a palavra 'nascimento', geralmente se entende aquele

momento singular e passageiro em que algo ou alguém veio a ser. A pergunta,

por exemplo, 'quando você nasceu?' é usualmente respondida com uma data

específica: 01/05/1985. Com esse tipo de resposta, entende-se por nascimento

um único momento concretizado e determinado pelos limites do tempo

passado.

Com o radical 'gen-', por outro lado, compreende-se algo que não

ocorreu apenas no passado, mas que permanece ao longo do presente e do

futuro. Assim, quando se fala em genes de um animal, pretende-se descrever

um conjunto de aspectos químicos que determinam as características físicas e

permanecem presentes para serem transmitidos aos descendentes. Os genes

são, portanto, algo que estava no nascimento do animal, que permanece

durante sua vida e que será repassado às gerações futuras.

O fragmento 01 de Heráclito afirma, por conseguinte, que as coisas são

determinadas no momento de seu nascimento pelo lógos e que, para toda a

sua existência, ele continua determinante. A relação entre as coisas e o lógos

é, portanto, uma relação de determinação 'genética'. Por essa razão, se os

homens não forem descompassados do lógos, diz Heráclito, serão capazes de

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explicar e distinguir como cada coisa se comporta. Uma vez que é o lógos

quem determina “geneticamente” todas as coisas, somente através dele o

homem será capaz de entender e explicar seu funcionamento.

O título do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, compreende o mesmo

sentido de algo que ocorreu no passado mas que permanece no presente.

Assim, o livro conta a história da expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden

por conta do pecado original. Segundo a Bíblia, Deus disse a Adão: “Já que

você deu ouvidos a sua mulher e comeu da árvore cujo fruto eu lhe tinha

proibido de comer, maldita seja a terra por sua causa. Enquanto você viver,

você dela se alimentará com fadiga. [...] Você comerá seu pão com o suor do

seu rosto, até que volte para a terra, pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó

voltará.” (Gn, 3, 17-19). O pecado cometido por Adão cria uma situação que se

perpetua, segundo a Igreja Católica, até hoje. Todos os homens são herdeiros

desse erro original e, por essa razão, devem ser purificados. A maneira de

purificar os homens é, segundo o Compêndio de Catecismo da Igreja

Católica (2005), submetendo-os ao batismo. O Gênesis apresenta, portanto, a

compreensão de um erro que não só ocorreu no passado mas que continua

determinando os homens de hoje e que precisa, por conta disso, ser

continuamente purificado pelo rito do batismo.

A noção de arkhé

A concepção de nascimento e perpetuação que o radical 'gen-' comporta

se manifesta também numa palavra que Heráclito não utiliza nos fragmentos

supracitados mas que se tornou fundamental para os pensadores pré-

socráticos: a arkhé. Comumente traduzida por “princípio”, ela constitui,

segundo muitos historiadores da filosofia, a mais importante característica do

pensamento dos primeiros filósofos.

O problema de traduzir o termo “arkhé” por princípio é correr o risco de

não perceber a complexidade de sentidos que ele contém. Em primeiro lugar,

princípio significa aquilo que iniciou um processo. Nesse sentido, arkhé pode

ser traduzida por começo, início ou nascimento. Se se perguntasse, por

exemplo, “qual é o início (arkhé) de um jogo de futebol?”, uma resposta

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53

possível seria „o apito inicial do árbitro‟. A resposta oferece um dos vários

eventos que ocorrem numa partida de futebol mas que se caracteriza por ser “o

mais anterior” temporalmente, isto é, o primeiro. No sentido de início, portanto,

o princípio do jogo de futebol é o primeiro de todos os eventos que ocorrem no

campo. Na língua portuguesa, o radical de arkhé aparece com este sentido em

palavras como “arcaico” ou “arqueologia”.

O termo arkhé contém, por outro lado, o sentido de governo ou comando

que também está implícito no termo português 'princípio'. Recuperando o

exemplo acima, se a pergunta fosse “qual é o princípio do jogo de futebol?” ao

invés de “qual é o início do jogo de futebol”, a resposta “o apito inicial do

árbitro” soaria estranha. Talvez uma resposta mais interessante fosse “marcar

gols” ou “vencer o adversário”. A diferença entre a primeira e a segunda

resposta acusa explicitamente a distinção entre o princípio e o início. O apito do

árbitro é um acontecimento isolado que se encerra no momento inicial do jogo

e nunca mais se repete. Só um único acontecimento pode ser o início do jogo.

“Fazer gols”, contudo, não é algo delimitado temporalmente, mas é algo que se

perpetua ao longo de todos os eventos que ocorrem no campo. A função do

princípio não é simplesmente iniciar o processo mas conduzi-lo. Assim, o

treinador escolhe usar um ou dois atacantes porque quer fazer gols. Monta um

time defensivo porque não quer sofrer gols. O jogador passa a bola para o seu

colega porque quer chegar ao gol. Nesse sentido, perguntar pelo princípio

significa perguntar por aquilo que governa os eventos de um determinado

processo. O princípio nada mais é, portanto, que a 'lei' que rege e conduz um

determinado acontecimento. Na língua portuguesa, o radical de arkhé aparece

com este sentido em palavras como “patriarca” ou “monarquia”.

A grande inovação da filosofia pré-socrática consiste em julgar que toda

a realidade está organizada segundo um princípio ou uma regra. Pela primeira

vez na história do Ocidente, cristaliza-se a noção de que os eventos que

ocorrem ao redor do homem não são caóticos e desordenados, mas estão

organizados sistematicamente. É exatamente aí que se encontra a principal

diferença entre a filosofia pré-socrática e o discurso mítico produzido por

Homero e os demais poetas antigos.

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54

Como foi visto no caso da poesia, os gregos construíram seus mitos a

partir da deificação da natureza e, por isso, seus deuses estão, de um modo ou

de outro, ligados aos fenômenos naturais. Os mitos escondem, portanto, a

maneira através da qual os gregos enxergavam os acontecimentos que os

cercavam. Analisando as relações entre os deuses, é possível descobrir as

características da compreensão mítica de realidade.

Quando se ouve um mito, é freqüente perceber que a relação entre os

deuses jamais é harmoniosa e regular. Pelo contrário, entre os deuses, impera

a contrariedade. Assim, os mitos apresentam na maior parte das vezes

relações tensas e difíceis que se manifestam em traições, guerras, agressões e

oposições entre as divindades. Numa famosa passagem da Ilíada (HOMERO,

2002, p. 326-331), por exemplo, a esposa de Zeus, Hera, engana o marido

para alterar o rumo da guerra entre troianos e aqueus. Ela trai a vontade de

Zeus.

Se os deuses gregos são, na verdade, frutos do processo de deificação

dos fenômenos naturais, então, quando os poemas os representam em

disputas constantes, isso indica de alguma forma que, na mente dos gregos

antigos, as forças da natureza estavam em guerra umas com as outras. Nesse

contexto, os homens ainda não eram capazes de perceber as relações que se

estabeleciam entre os diversos fenômenos. De seu ponto de vista, os eventos

naturais manifestavam contrariedade. Assim, o fogo e a água destroem-se

mutuamente, o úmido e o seco não conseguem conviver, o mar e a terra estão

separados, etc. Para os primeiros gregos, a realidade constituía um todo

desorganizado e caótico e, por essa razão, eles apresentavam seus deuses

segundo a perspectiva da disputa.

Com o conceito de arkhé, por outro lado, os pré-socráticos indicam uma

nova concepção da realidade que defende a organização dos fenômenos num

todo sistemático. Os primeiros filósofos pressentem que os eventos naturais

não estão numa permanente guerra entre si, mas estão, ao contrário,

relacionados segundo um princípio. Os nomes, no entanto, que conferiram a

esse princípio variavam de um filósofo para o outro. Assim, Tales de Mileto

acreditava que a arkhé era a água. Anaximandro dizia que era o ilimitado. E

Anaxímenes defendia que era o ar. “Porém, a despeito de toda essa

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diversidade, eles pareciam partilhar de uma mesma convicção: há uma unidade

primordial para tudo que existe, e essa unidade é a razão da existência da

Natureza.” (MACIEL JÚNIOR, 2007, p.39).

Diferente dos poetas antigos, portanto, os filósofos não acreditam que a

realidade é composta de uma multiplicidade caótica de fenômenos que tendem

a destruição mútua. Para a filosofia pré-socrática, apesar da aparência

contraditória, os eventos estão essencialmente organizados e cada um deles

tem um papel a cumprir para que o sistema funcione adequadamente. A

principal diferença entre a concepção pré-socrática dos fenômenos e a

compreensão mítica está na existência de uma organização estrutural.

A concepção pré-socrática de conhecimento

Se, para Heráclito, os homens estão descompassados do lógos e, por

essa razão, são inexperientes em palavras e ações que explicam como as

coisas se comportam, devem existir outros homens que, prestando atenção ao

lógos, sejam capazes de explicar o comportamento dos fenômenos. É

justamente deles que Heráclito fala no fragmento 50.

Diz ele: “não de mim, mas do lógos tendo ouvido é sábio homologar [...]”.

Ouvir o lógos não é condição suficiente para explicar o comportamento das

coisas. Heráclito já defendia essa posição no fragmento 01: “deste lógos [...] os

homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham

ouvido [...]”. Até mesmo ouvindo, os homens estão descompassados do lógos.

Além de ouvi-lo, portanto, é necessário realizar mais alguma coisa para ser

diferente dos homens que estão descompassados. É preciso, diz Heráclito,

homologar. Essa palavra é a tradução do termo grego “homologeîn” que é

composto do prefixo “homo-” cujo sentido é junto ou igual e do radical do termo

“lógos”. Etimologicamente, ele significa “ser junto do lógos” ou “igualar-se ao

lógos”. O fragmento 50 diz, por conseguinte, que não basta ouvir o que o lógos

tem a dizer. Além disso, é preciso homologar, isto é, igualar-se ao lógos. A

conseqüência da homologação apresenta Heráclito na seqüência: “[...] tudo é

um”.

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56

A frase final que encerra o fragmento 50, apesar de misteriosa, significa

nada mais que a noção de organização e harmonia que foi atribuída ao

pensamento pré-socrático. Afirmar que tudo é um significa dizer que todas as

coisas estão organizadas segundo uma regra ou um princípio. Significa que os

fenômenos se relacionam uns com os outros de tal modo que compõem

conjuntamente um todo ordenado e sistemático. A frase „tudo é um‟ resume a

posição pré-socrática sobre as relações que se estabelecem entre os eventos

da realidade.

Aquele que não simplesmente ouve o lógos mas ainda se iguala a ele

será capaz de perceber que todas as coisas estão organizadas num sistema e

poderá, dessa forma, tornar-se experiente nas palavras e ações que

distinguem e explicam como as coisas se comportam. O lógos é, portanto, algo

que confere unidade e sistematicidade para os fenômenos – ele é a arkhé –, e

ao mesmo tempo ele é a capacidade do homem de entender as regras e os

princípios desse sistema. Por essa razão, quando se afirma que o homem é um

animal racional (zōon lógon ékhon), pretende-se dizer que, além de perceber

as coisas tal como elas aparecem – isso os outros animais fazem também –,

ele é capaz de entender as regras “ocultas” que determinam como elas se

comportam.

Atividade

Interpretando o fragmento 11 de Demócrito (ca. 460-370 a.C.) à luz das

posições de Heráclito, debata com seus colegas a distinção entre o conhecimento

sensível e o conhecimento racional.

Há duas espécies de conhecimento, um genuíno, outro obscuro. Ao conhecimento obscuro pertencem, no seu conjunto, vista, audição, olfato, paladar e tato. O conhecimento genuíno, porém, está separado daquele. Quando o obscuro não pode ver com maior minúcia, nem ouvir, nem sentir cheiro ou sabor,nem perceber pelo tato, mas é preciso procurar mais finamente, então apresenta-se o genuíno que possui um órgão de conhecimento mais fino.

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57

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UNIDADE 03

FILOSOFIA DA CIÊNCIA

1 MOBILIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO

PROMETEU (DES) ACORRENTADO

Prometeu, de acordo com a mitologia grega, roubou o fogo dos deuses e

o transmitiu aos mortais. Como forma de punição, Zeus o condenou a ser preso

por correntes indestrutíveis a um rochedo inóspito de onde não ouviria voz

alguma, nem veria o semblante de um único mortal e onde sua pele seria

queimada pelo sol. Ainda como castigo, uma águia lhe devoraria durante o dia

o fígado, que voltaria a crescer à noite, pois Prometeu era imortal.

Uma das mais conhecidas interpretações do mito de Prometeu o associa

às pretensões dos homens de superar os limites de sua condição humana e

igualar-se aos deuses. O nome Prometeu forma-se do prefixo “pró” (antes de) e

do termo “mêthos” (saber, ver), e significa o “pre-vidente”, “o que percebe de

antemão”. Dedicou-se a ajudar os homens e uma de suas principais ações foi

conceder-lhes o fogo, que simbolicamente significa nus , inteligência. Privar a

BABUREN, D. Van. Prometeu sendo acorrentado por Vulcano, 1623, óleo sobre tela, 202 x 184 cm, Rijksmuseum, Amsterdam.

Disponível em: <http:www.rijksmuseum.nl>

BABUREN, D. van. Prometeu sendo acorrentado por Vulcano, 1623. Óleo

sobre tela, 202 x 184 cm, Rijksmuseum, Amsterdam.

Disponível em: <http:www.rijksmuseum.nl>

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humanidade do fogo significa, portanto, torná-la anóetos , imbecil. O fogo

representa a capacidade do homem de superar os demais animais. Utilizando o

fogo, o homem funde minérios, constrói ferramentas e armas, domestica os

animais, combate as doenças, fervendo ervas medicinais. Prometeu representa

as tentativas do homem de superar suas dificuldades por meio da ciência e da

técnica.

Atualmente, podemos dizer que essa capacidade humana chegou ao

extremo e o homem domina amplamente a natureza. Prometeu, pode-se dizer,

está definitivamente desacorrentado, isto é, o homem possui poderes jamais

vistos no sentido de domínio da natureza. Prova disso é a capacidade de

destruição oferecida pelo controle da energia nuclear e as possibilidades de

cura abertas pela engenharia genética. O filósofo alemão Hans Jonas (1903-

1993) afirma (2006, p. 21) que “[...] a promessa da tecnologia moderna se

converteu em ameaça [...]” e a atual situação produzida pela ciência, coloca ao

homem as seguintes questões: o que pode servir atualmente de orientação

para a ação humana? Diante da previsão do perigo, c omo agir? Quais

problemas éticos surgem com o atual uso abusivo das ciências?

2 INVESTIGAÇÃO E CRIAÇÃO DE CONCEITOS

Cientificismo

A ciência, principalmente a partir do século XVIII, com a ascensão do

pensamento racional, com o Iluminismo, passa a ter um papel de destaque no

Ocidente, chegando inclusive a constituir uma nova mitologia, ou seja, apesar

de ter surgido em oposição ao mito, a magia e ao sobrenatural, a ciência

acabou se transformando em uma nova forma de mito.

Segundo Brandão, (2000, p. 35-36) “[...] mito é o relato de um

acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a intervenção de entes

sobrenaturais. [...] é o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos

dos princípios, quando com a interferência de entes sobrenaturais, uma

realidade passou a existir [...]” A mitologia grega tinha como uma de suas

características a função de explicação e organização da realidade, os mitos

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exprimiam toda uma concepção de mundo e as relações que os homens

estabeleciam com a natureza. Atualmente a humanidade recorre a mitos e

heróis, porém de forma diferente.

Glossário

Cientificismo: segundo Japiassú (1996 p. 44) o cientificismo é a ideologia

daqueles que, por deterem o monopólio do saber objetivo e racional, julgam-se

os detentores do verdadeiro conhecimento da realidade e acreditam na

possibilidade de uma racionalização completa do saber. Trata-se sobretudo de

uma atitude prática segundo a qual “fora da ciência não há salvação”, porque

ela teria descoberto a fórmula laplaciana do saber verdadeiro.

Atividade

a). Faça uma pesquisa referente a mitologia grega, sobr e o mito de Dédalo

e Ícaro e em seguida redija um texto sobre um dos s eguintes temas: “A

ambiguidade da ciência” ou “Ciência e poder”.

b). Que características em comum podemos observar e ntre o mito de

Prometeu e o de Dédalo e Ícaro? Apresente tais rel ações em um painel.

Utilize as imagens iniciais do texto e pesquise out ras referentes ao mito

de Dédalo e Ícaro.

Homem e Natureza

Na história da humanidade podemos observar momentos distintos na

relação homem-natureza. De maneira geral, até a Idade Moderna, não se

observava grandes intervenções, no sentido de transformação da natureza, ou

seja, havia um poder muito limitado de exploração da natureza pelo homem. A

partir do século XVII, com a Revolução Científica, ocorre a união entre teoria e

prática, ciência e técnica ao contrário do saber medieval basicamente

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contemplativo e que via de forma negativa o trabalho manual e, portanto, a

técnica.

A Revolução Científica adquire as suas principais características na obra de

Galileu e, de forma um pouco diferente, nas ideias de Bacon e Descartes. Encontra

sua máxima expressão na imagem de universo concebido por Newton tal como uma

máquina, isto é, como um relógio.

Pode-se dizer que a ciência moderna teve início com o trabalho do matemático

e físico inglês, considerado o criador da física moderna, Isaac Newton (1642-1727) na

Inglaterra.

Segundo Newton, o universo assemelha-se a um grande relógio. Neste, a aparência externa - o lento deslocar-se dos ponteiros – é o resultado do movimento de um mecanismo interno. Da mesma forma, todos os fenômenos naturais que observamos no mundo são resultantes de umas poucas leis naturais que operam sob a superfície das coisas. [...] De um momento para outro, os cientistas viram o universo de um novo modo, ordenado e previsível como nunca. Com as equações de Newton e a linguagem matemática, eles poderiam descrever e predizer o comportamento de todos os tipos de sistemas. (Hazen, 2005, p.28; p.40)

Galileu Galilei (1564-1642), italiano nascido em Pisa, foi um dos fundadores da

ciência moderna. Para Galileu (2007),

“O livro da natureza não pode ser lido até aprendermos sua linguagem e nos tornarmos familiares com os símbolos no qual está escrito. Ele está escrito em linguagem matemática, suas letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é humanamente impossível compreender uma única palavra e há apenas um vagar perdido em um labirinto escuro”

A partir do método experimental é possível, independentemente da fé e da

filosofia, chegar a certezas sobre o universo. Tal parágrafo é o reconhecimento do

papel desempenhado pela matemática na descrição do mundo físico.

Os filósofos Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650)

desprezam de certo modo o saber especulativo, isto é, teórico, contemplativo, e

privilegiam o poder operativo da ciência. O homem, segundo ambos, passou a ser

mestre e possuidor da natureza.

Descartes, no Discurso do Método, (p.101-102), assim expressa essa opinião:

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65

[...] em vez da filosofia especulativa ensinada nas escolas, pode-se encontrar uma outra, prática, pela qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente quanto conhecemos os diversos ofícios, e assim nos tornarmos como que mestres e possuidores da natureza.

Francis Bacon, no começo do século XVII, afirmava que a atuação da

ciência deveria ter em vista o bem-estar do homem e produzir, em última

análise, descobertas que facilitassem a vida humana na terra. Para o inglês,

saber é poder. Em Nova Atlântida, ao criar uma cidade ideal, imagina um

paraíso da técnica, onde seriam levadas a efeito as invenções e as

descobertas de todo o mundo. Bacon foi um dos filósofos preferidos pela época

industrial, pois sua grande preocupação estava relacionada a eficácia e

influência das descobertas científicas sobre a vida humana.

Com a Revolução Industrial no século XVIII, as teorias científicas e

técnicas passaram a estreitar as relações de dependência mútua. A técnica

passa a ter um poder enorme sobre a realidade que chega ao ponto de se

pensar em mecanismos de controle para pesquisas científicas.

Glossário

Método Experimental: tem por base a realização de experimentos para o

estabelecimento de teorias científicas, procedendo através da observação, da

formulação de hipóteses e da verificação ou confirmação das hipóteses a partir de

experimentos. (Japiassú,1996, p. 182)

Revolução Científica: de forma geral, segundo Reale e Antiseri (1990, p. 185) foi o

período de tempo que vai da data de publicação do De revolutionibus de Nicolau

Copérnico (1543) à obra de Isaac Newton, Philosophiae naturalis principia

mathematica (1687). Trata-se de um poderoso movimento de ideias que adquire no

século XVII as suas características determinantes na obra de Galileu, que encontra os

seus filósofos – em aspectos diferentes – nas ideias de Bacon e Descartes. Encontrou

sua expressão clássica na imagem newtoniana do universo e consistiu em um

processo de dessacralização do mundo a partir de sua matematização e manipulação

científica.

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Revolução Industrial: Fenômeno histórico ocorrido na Inglaterra, talvez o mais

importante depois da invenção da agricultura e das cidades, e em parte da Escócia no

século XVIII, que se caracterizou por intensas transformações nas técnicas produtivas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm (SILVA, 2006, p. 370 - 373), a Revolução

Industrial foi uma “explosão na capacidade humana de produzir mercadorias e

serviços por volta da década de 1780, quando, pela primeira vez na história, essa

capacidade se multiplicou de modo ilimitado”. Para Landes (1994, p. 05 - 06), foi um

processo “complexo de inovações tecnológicas que, substituindo a habilidade humana

pelas máquinas e a força humana e animal pela energia de fonte inanimada,

introduzem uma mudança que transforma o trabalho artesanal em fabricação em série

e, ao fazê-lo, dão origem a uma economia moderna”. “O cerne dessa Revolução foi

uma sucessão inter-relacionada de mudanças tecnológicas”.

O poder e o fazer humano

Para Jonas, (2006, p. 32; p. 39) “[...] antes de nossos tempos, final do século

XX, as interferências do homem na natureza, tal como ele próprio as via, eram

essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar um equilíbrio firmemente

assentado” [...] “A técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem inédita de

grandeza, com tais novos objetos e conseqüências que a moldura da ética antiga não

consegue mais enquadrá-las”.

Para Chauí, (2004, p. 341-342)

[...] na sociedade contemporânea a pesquisa científico-tecnológica e suas aplicações não dependem da vontade a da decisão de indivíduos e sim das grandes corporações empresariais e das instituições militares. Tendo em vista o aumento dos lucros e do poderio militar existe a apropriação privada dos resultados científico-tecnológicos que passam a permanecerem em segredo e que afetam todas as formas de vida do planeta.

Marco importante do domínio do homem sobre a natureza pode ser percebido

com a utilização da tecnologia nuclear, por parte dos Estados Unidos, na destruição

das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Segundo Hans Jonas, em entrevista

a revista Espirit em maio de 1991, tal destruição pôs em marcha o pensamento em

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direção a um novo tipo de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa

para nós próprios o nosso poder: o poder do homem sobre a natureza.

Atividade

A filósofa Marilena Chauí define técnica como sendo :

[...] um conhecimento empírico, que, graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. E tecnologia [...] um saber teórico que se aplica praticamente. Por exemplo, um relógio de sol é um objeto técnico que serve para marcar horas seguindo o movimento solar no céu. Um cronômetro, porém, é um objeto tecnológico: por um lado sua construção pressupõe conhecimentos teóricos sobre as leis do movimento (as leis do pêndulo) e, por outro, seu uso altera a percepção empírica e comum dos objetos, pois serve para medir aquilo que nossa percepção não consegue perceber. [...] Os instrumentos técnicos são prolongamentos de capacidades do corpo humano e destinam-se a aumentá-las na relação do nosso corpo com o mundo. Os instrumentos tecnológicos são ciência cristalizada em objetos materiais, nada possuem em comum com as capacidades e aptidões do corpo humano [...] (CHAUÍ, 2004 p. 222; 232).

Cite outros exemplos de objetos que correspondam a tal distinção entre técnico e tecnológico.

Hans Jonas: o filósofo da vida

A vida intelectual de Jonas pode ser dividida em três momentos. O

primeiro teve início em 1921, em Freiburg, quando frequentou as aulas do seu

mestre Martin Heidegger. Com a publicação de sua tese de doutorado (1934),

atinge o ponto mais alto da primeira fase de sua vida acadêmica. O segundo

momento ocorre com o retorno à docência no Canadá (1949-1955) e,

posteriormente, nos Estados Unidos (1955-1976), em (1966) publica o livro O

Princípio Vida : Fundamentos para uma biologia filosófica. Com a

aposentadoria, inicia-se a terceira fase de sua carreira, na qual faz a

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publicação da obra O Princípio responsabilidade – Ensaio de uma ética para

a civilização tecnológica, sem dúvida sua obra mais importante.

Jonas foi um filósofo de produção filosófica modesta, porém, foi um dos

filósofos mais originais e importantes do século XX. Ironicamente foi na

Alemanha, de onde se viu obrigado a fugir da pena de morte em 1930, que seu

legado filosófico foi mais reconhecido.

Jonas viveu os grandes fatos históricos do nosso século: a crise da humanidade européia dos anos 20 e 30, o advento do nazismo e o holocausto, o triunfo da sociedade tecnológica especialmente o Projeto Manhattan (1945), o Projeto Apollo (1969) e a crise ecológica. A idéia de responsabilidade nasceu destas experiências, do triunfo da tecnologia e das suas expectativas utópicas. Tais acontecimentos fizeram-no refletir sobre seu tempo e seu espírito, obrigando-o a buscar alternativas capazes de arrancar do conhecimento e do poder, gerado pelo próprio homem, um dever em relação aos que vivem e viverão futuramente. Esses acontecimentos, especialmente a bomba sobre Hiroshima, colocaram o pensamento em direção de um novo tipo de questionamento sobre o perigo que representa para nós mesmos nosso poder e o poder do homem sobre a natureza. Criou gradativamente a consciência dos riscos de um “apocalípse humilhante muito mais importante que o apocalipse brusco e brutal”. (ZANCANARO, 1998, p. 24)

O Princípio Responsabilidade de Hans Jonas

O Prometeu definitivamente desacorrentado, ao qual a ciência confere

forças antes inimagináveis e a economia o impulso infatigável, clama por uma

ética que, por meios de freios voluntários, impeça o poder dos homens de se

transformar em uma desgraça para eles mesmos. [...] a promessa da

tecnologia moderna se converteu em ameaça, ou esta se associou àquela de

forma indissolúvel. [...] nada se equivale no passado ao que o homem é capaz

de fazer no presente e se verá impulsionado a seguir fazendo, no exercício

irresistível desse seu poder.(JONAS, 2006, p. 21)

Na perspectiva de Jonas, os parâmetros da ética tradicional não

atendem mais às transformações e às mudanças no agir provocadas pela

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tecnologia. Os impactos da tecnologia são tão fortes que a ética também

precisa mudar seus princípios para melhor explicar os fenômenos tecnológicos

e os impactos que foram provocados por ela, ou seja, como a ética está

relacionada ao agir, a consequência lógica disso é que a natureza modificada

do agir humano impõe uma modificação da ética.

A ética tradicional, para Jonas (2006, p. 35-36), apresenta as seguintes

características: O cuidado é com o agir próximo, ao círculo imediato da

ação, exemplificados nos mandamentos: ama o teu pró ximo como a ti

mesmo, instrui teu filho no caminho da verdade, nun ca trate os teus

semelhantes como simples meios, mas sempre como fin s em si mesmos.

As ações se desenvolvem à luz do comércio, dos vizinhos, ao presente

comum de todos os participantes. A ciência até então não produzia impactos

ou mudanças sensíveis, a vida era vista em função do presente, do aqui e do

agora. O bem e o mal estavam circunstanciados entre a ideia de amigos e

inimigos. O futuro era providencialista, a preocupação era com a salvação da

alma. Não havia uma preocupação com o futuro da natureza e do planeta.

Tudo isso se modificou decisivamente. O processo de industrialização

tornou-se radical e se expandiu extraordinariamente. A humanidade substituiu

o arado pela máquina. A técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem

inédita de grandeza, com novos objetos e conseqüências que a moldura da

ética antiga não consegue mais enquadrá-las. O mundo científico e tecnológico

exige, segundo Jonas, uma nova ética. As antigas prescrições da ética “do

próximo” (fraternidade, bondade, amizade, misericórdia, honestidade) ainda

continuam, mas enquanto uma esfera próxima da interação humana.

Entretanto, a ciência e a tecnologia afetaram o espaço de ação, mudaram a

relação do homem para com o homem e com a natureza. Agora, por meio da

técnica, existe a possibilidade de destruição do planeta (guerra bacteriológica

ou atômica), o homem tem um poder incomensurável e necessita direcioná-lo

em função de um querer livre, cuja ação seja responsável pela existência do

mundo no futuro.

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A questão central apresentada por Jonas se coloca nos seguintes

termos:

A investigação sobre as novas tarefas da ética no mundo moderno explicitará um novo conceito de responsabilidade adequado ao agir tecnológico. As inovações criadas pelos avanços científicos colocaram a ética em crise e obrigaram a filosofia a repensar a realidade sob novos princípios, dado que os anteriores se mostram insuficientes para reger as ações presentes. Em que imperativos se sustentará a ação, diante do grande poder de transformação da moderna tecnologia? Qual o imperativo ético proposto por Jonas? Em que bases se fundamenta? Qual a razão de se falar em ética da responsabilidade? Existe ética sem responsabilidade? Por que Jonas lhe dá tanta importância? (ZANCANARO, 1998, p. 13)

Jonas propõe um novo imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e

voltado para o novo tipo de sujeito atuante formulado da seguinte forma:

Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”; ou, expresso negativamente: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida”, ou, em um uso novamente positivo: “Inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer” (JONAS, 2006, p.47-48)

Se observarmos atentamente a história da ciência no último século veremos a

mesma fortemente guiada por objetivos econômicos. Segundo Hobsbawm (2003, p.

504) “nenhum período da história foi mais penetrado pelas ciências naturais nem mais

dependente delas do que o século XX. Contudo, nenhum período, desde a retratação

de Galileu, se sentiu menos à vontade com elas”. A partir da década de 1970, a

ciência passa a receber com mais força interferências do mundo externo. Isto ocorreu

em consequência, principalmente, da explosão econômica global e das possíveis

mudanças, talvez irreversíveis, produzidas no planeta Terra.

Temos desde então uma série de consequências naturais do crescimento

econômico (superboom econômico) relacionados com a ciência, tais como: destruição

da camada de ozônio, efeito estufa, etc.

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Olhando retrospectivamente o século que ora se finda, vemos que foi marcado principalmente por três megaprojetos. O primeiro foi o Projeto Manhatan, que descobriu e utilizou a energia nuclear bem como produziu a bomba atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki (1945), pondo fim à II Guerra Mundial. É descoberto o “coração” da matéria, o átomo, e dele se extrai energia. O segundo grande projeto foi o Projeto Apollo que jogou o ser humano no coração do cósmos. A data símbolo é o primeiro passo do homem na lua (1969). [...] O terceiro e mais recente é o Projeto Genoma Humano que teve começo no início dos anos 90. Leva o ser humano ao mais profundo de si mesmo em nível de conhecimento de sua herança biológica, numa verdadeira caça aos genes. [...] Que benefícios esses avanços trarão para a humanidade? O novo paraíso prometido pelas descobertas científicas na área da biologia que inauguram o “oitavo dia da criação” não teria cheiro de tecnolatria? Surgem perplexidades pelas novas formas de discriminação, escravidões, eugenia, etc. No Brasil, por exemplo, o teste genético para determinar a maternidade ou paternidade com impressão digital em DNA se presta como uma tecnologia policial refinada. A Inglaterra já o usa para catalogar os imigrantes do Terceiro Mundo. (PESSINI, 1996, p. 05-06)

Atividade

No dia 25 de Abril de 1953 os cientistas James Watson e Francis Crick,

baseados em estudos de outros cientistas, publicaram um texto em uma revista

científica referente a uma descoberta que alteraria a história da ciência, tratava-

se da molécula de DNA. Watson afirmou que talvez tal descoberta tenha sido o

mais famoso evento em biologia desde o livro de Darwin.

a). Faça uma pesquisa na Internet ou em livros de Biologia sobre o que é DNA

e a importância de tal descoberta no cotidiano, tenha como exemplos o exame

de paternidade, desvendamento de crimes, identificação de pessoas em

acidentes e catástrofes, diagnóstico de doenças hereditárias, etc.

b). Procure em revistas reportagens que tratem dos avanços das pesquisas

genéticas. Quais os principais países envolvidos nestas pesquisas?

Uma das áreas que mais tem avançado ou se transformado na atualidade –

devido principalmente a alta lucratividade obtida pelas empresas que investem neste

tipo de pesquisa, tendo seu início na década de 70, e “(...) que suscitou a questão

imediata de se se deviam considerar limitações à pesquisa científica” (Hobsbawm,

2003, p. 534), é o da Engenharia Genética ou Bioengenharia.

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Por Engenharia Genética entende-se, segundo Candeias, (1991, p. 03), um

conjunto de processos que permitem a manipulação direcionada do genoma de seres

vivos micro-organismos vivos, com a consequente alteração das capacidades de cada

espécie. Para Fátima Oliveira, (1996, p. 138), trata-se de um conjunto de saberes

oriundos da física, da química e da biologia, que aliados a técnicas que possibilitam

manipular a molécula de DNA, os genes, conseguem reformar, reconstituir, reproduzir

ou construir novas e diferentes formas de vida, em geral não existentes na natureza.

O termo engenharia genética é um termo geral que se refere ao processo de manipulação direcionada do genoma de um organismo. Como a engenharia genética envolve em geral a combinação de genes de duas ou mais origens, é também comumente chamada de tecnologia do DNA recombinante (rDNA). A engenharia genética normalmente envolve a manipulação de um gene específico. O objetivo da engenharia genética, obviamente, não é apenas manipular o DNA de um organismo, mas modificar alguma coisa relacionada às proteínas produzidas naquele organismo: fazer com que ele produza uma nova proteína, parar a produção de uma antiga proteína, aumentar ou diminuir a produção de uma proteína, e assim por diante. Manipular o genoma é somente a forma de influenciar a produção de uma proteína. (KREUZER, 2002, p. 143)

Nas últimas décadas, a engenharia genética passou da simples observação

dos fatos para a explicação dos mesmos e, mais recentemente, para a transformação

e modificação de boa parte da natureza. Os resultados recebem várias leituras que

vão desde a total aprovação até à total negação.

Existem vários benefícios e uma série de preocupações relativas a Engenharia

Genética. Para o Dr. Wilmar Luiz Barth, (2005, p. 367-373), elas são as seguintes:

BENEFÍCIOS PREOCUPAÇÕES

- Medicina preventiva: a possibilidade de

se saber do futuro estado de saúde através

da decodificação dos genes presentes no

DNA

- Reducionismo genético: tudo está nos

genes, aspecto físico, ser, pensar e agir das

pessoas

- Planejamento privado e público: melhor - Determinismo genético ou fatalismo

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73

planejamento dos programas de saúde

públicos

genético: a atuação pessoal tais como -

ações violentas, solidariedade,

homossexualismo, etc, são explicados a partir

da estrutura genética

- Plantas adaptadas ao ambiente: ao invés

da dependência de adubos, de inseticidas,

a biotecnologia possibilita mais proteção

biológica das plantas e melhoria das

espécies

- Mapa genético: cada pessoa poderá ter seu

chip genético, tal como o Registro Geral (RG),

onde estarão contidos o tipo sangüíneo,

doenças, possíveis doenças

- Exames de paternidade e criminais:

possibilidade de se descobrir a paternidade

de alguém bem como o esclarecimento de

crimes praticados

- Modificações genéticas: a modificação da

estrutura genética não poderão gerar efeitos

imprevisíveis? Ao manipular a estrutura

genética não estarão os cientistas “brincando

de Deus?”

Atividade

a). Preencha os espaços em branco com possíveis aspectos positivos no

quadro abaixo, relativos à Engenharia Genética :

- - Discriminação genética: a possibilidade de

que a pessoa possua uma predisposição

genética geraria a perda do trabalho, do plano

de saúde ou até pagar mais pelo mesmo

- - Rejeição e eliminação de embriões e fetos

com defeitos: possibilidade de descartar

embriões considerados defeituosos por

portarem doenças genéticas dos pais

- - Escolha do sexo do filho: possibilidade de

escolha através do Diagnóstico Genético Pré-

Implantacional, assim somente os embriões

saudáveis do sexo escolhido são implantados

Page 75: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

74

no útero

- - Bioterrorismo ou microterrorismo biológico:

utilização de agentes tóxicos e químicos

visando matar uma grande quantidade de

pessoas, espalhar medo e destabilizar

governos

Uma outra importante preocupação relacionada aos avanços da Engenharia

Genética é a questão das Patentes privadas: é ético patentear o genoma humano,

uma vez que não se trata de invenção e sim descoberta de algo presente na

natureza? Eis o que escreve Vandana Shiva, (2001, p. 26)

Por meio das patentes e da engenharia genética, novas colônias estão sendo estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos e a atmosfera têm sido todos colonizados, depauperados e poluídos. O capital agora tem que procurar novas colônias a serem invadidas e exploradas, para dar continuidade a seu processo de acumulação. Essas novas colônias constituem, em minha opinião, os espaços internos dos corpos de mulheres, plantas e animais. Resistir à biopirataria é resistir à colonização final da própria vida – do futuro da evolução como também do futuro das tradições não ocidentais de relacionamento com o conhecimento da natureza. É uma luta para proteger a liberdade de evolução de culturas diferentes. É a luta pela conservação da diversidade, tanto cultural quanto biológica.

Essa nova situação coloca em risco a natureza, pois, os efeitos colaterais em

consequência do emprego em escala de tais tecnologias têm um caráter cumulativo,

ou seja, esses efeitos vão se acumulando na ecosfera e na biosfera criando riscos.

Tenhamos como exemplos o acúmulo de lixo nuclear e o efeito estufa. Se

observarmos as experiências com bombas atômicas, perceberemos que desde a

construção do primeiro reator nuclear, construído pelo físico italiano Enrico Fermi em

1942, houve um aumento gradativo dos riscos, e atualmente, tal poder articulado com

o respectivo conhecimento acumulado é capaz de destruir a terra várias vezes. Esse

risco aumentou quando o homem passou a manipular os genes em laboratório.

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75

A ética de Jonas está apoiada no princípio responsabilidade e fundamentada

nas seguintes questões: “a heurística do medo”, “uma ética para evitar a catástrofe”,

uma filosofia prática que se deixa envolver e se concentra no mal ameaçador que é o

risco da destruição da vida humana e da natureza, nela o medo em relação ao futuro

deve assumir o lugar do amor pelo bem supremo. O princípio da responsabilidade

global voltada para o futuro da humanidade. Responsabilidade global pois tudo aquilo

que fazemos tem conseqüências globais.

Aquilo que fazemos diariamente na maior inocência, por exemplo, dirigindo o carro ou pilotando aviões a jato, sem nenhuma má intenção de prejudicar alguém, porém, simplesmente participando do poder empregado coletivamente para facilitar e enriquecer a nossa vida, para diminuir o sofrimento e aumentar o prazer implica uma responsabilidade com o futuro, ou seja, pode tornar-nos culpados perante o futuro. Isso constitui algo novo. (JONAS, 2006, p. 257)

Podemos, então, constatar que a ética da responsabilidade aqui

apresentada é uma resposta aos desafios da globalização e tem como objetivo

central evitar a catástrofe que se vislumbra à distância e prioriza a salvaguarda

da sobrevivência da humanidade. Trata-se de uma ética mínima esboçada em

uma situação de necessidade na iminência de uma catástrofe tecnológica,

biológica e ecológica.

Importante salientar que Jonas não é um panfletário que desfere

ataques sem fundamentação à tecnociência. Ele não pretende desestimular os

avanços tecnológicos. Sua preocupação está no uso de tais conhecimentos, na

colocação do homo faber acima do homo sapiens.

Ao tratar da fusão nuclear Jonas assim se posiciona

O que dissemos até aqui não deve ser interpretado como se desaconselhássemos o desenvolvimento da fusão nuclear para fins pacíficos. Esse seria um presente muito bem-vindo e dependeria de nós que ele não se transformasse em um presente envenenado. Nada do que dissemos antes deveria ser compreendido como um desestímulo a esse ou a qualquer outro progresso técnico, apesar de constituir um tema recorrente, para nós, o perigo de que esses poderes caiam nas

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mãos da avidez e da mesquinharia humana (e mesmo da miséria humana!). Se formos contemplados com a fusão nuclear, poderemos resolver de vez o problema energético. Seria preciso, apenas, que utilizássemos esse presente de forma sábia e moderada, assumindo um ponto de vista de responsabilidade global [...] (Jonas, 2006, p. 306-307)

Atividades:

a). Procure em jornais, revistas e/ou internet notícias referentes às importantes

contribuições da ciência em diferentes áreas e também algumas catástrofes

geradas.

b). Monte, em seguida, um mural com as notícias encontradas.

c). Organize a turma em pequenos grupos que deverão discutir os aspectos

positivos e negativos de tais contribuições.

d). Em seguida, cada aluno deverá redigir um texto com o seguinte tema: Os

mitos da ciência contemporânea.

A ciência é atualmente o meio mais poderoso que os

seres humanos possuem para a compreensão e intervenção no universo físico

e é também o meio que representa a maior ameaça à sobrevivência da

humanidade. Prometeu simboliza o poder de intervenção na natureza pelo

conhecimento que tem do fogo, é um símbolo do progresso técnico e científico.

Jonas, seguindo esta interpretação, conclui que Prometeu está definitivamente

desacorrentado, pois, “[...] Foi ele quem lhes deu [ao homem] o fogo e ajudou-

os a tornar-se iguais aos deuses” (STEPHANIDES, 2001, p. 17-18). A

humanidade não pode, neste momento histórico, agir tal como Epimeteu, irmão

de Prometeu, que significa “aquele que pensa depois”, “imprevidente”. Isso

porque zelar pelo futuro é ser responsável pelo presente e por sua permanente

possibilidade de vir-a-ser. É preciso ser como Prometeu, ser prudente, pensar

antes, é preciso responder pelo que faz.

Referências Bibliográficas

BARTH, Wilmar Luiz. A Engenharia Genética . Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Revista Saúde Pública, vol.25, nº.1, São

Page 78: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

77

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Page 80: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

79

ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

UNIDADE II MITO E FILOSOFIA

Justificativa

A compreensão do surgimento da filosofia depende de um estudo sobre

as condições históricas que fizeram com que os gregos antigos substituíssem o

registro de explicação da realidade que utilizavam até então: o mito. Para

esclarecer as principais características da filosofia no momento de seu

nascimento é preciso, portanto, entender e determinar as características da

poesia mítica. A comparação entre as duas formas de discurso no contexto da

Grécia Antiga permite o estudante compreender a multiplicidade de explicações

da realidade com as quais convive e perceber suas origens ou no discurso

racional ou no discurso mítico. A Unidade I tem como objetivo explorar as

estruturas do modo mítico de explicar a realidade e esclarecer um dos recursos

que o homem utiliza para dominar e entender as coisas.

Uma vez esclarecidas as principais características da forma de discurso

à qual a filosofia, ao surgir, se opõe; torna-se possível investigar e

compreender os aspectos essenciais que determinam o discurso filosófico. O

objetivo da unidade é justamente desenvolver as comparações e assim refletir

as características descobertas no discurso mítico no contexto do discurso da

filosofia. Desta forma, é preciso descobrir nas obras filosóficas: primeiro, qual a

função que elas pretendem realizar por oposição ao mito; em segundo lugar,

de que modo elas concretizam tal função e, por último, em qual concepção de

conhecimento elas se apóiam. Esta comparação pretende esclarecer quais são

as diferenças entre o mito e a filosofia e, dessa forma, apresentar o que é

essencial ao discurso filosófico.

Na perspectiva de facilitar a compreensão dessas diferenças, os textos

de filosofia escolhidos para a comparação com o discurso mítico são

exatamente aqueles que foram redigidos no momento de surgimento da

filosofia: os fragmentos dos pré-socráticos. Apesar das dificuldades próprias de

ler um texto fragmentado e não integral, os escritos dos pré-socráticos

representam a oposição entre mito e filosofia da maneira mais clara e explícita,

uma vez que em nenhum outro momento da História da Filosofia foi preciso

Page 81: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

80

justificar o pensamento racional num contexto exclusivamente mitológico. A

filosofia pré-socrática representa, assim, a melhor via de acesso para a

compreensão das características essenciais do discurso filosófico.

METODOLOGIA

MOBILIZAÇÃO

O estudo será iniciado com mitos da atualidade, por exemplo o Mito do

Papai Noel (São Nicolau) e buscará essencialmente explicitar a construção dos

mitos e sua necessidade.

Outra possibilidade é introduzir o estudo será com uma referência aos

mitos que eram narrados na Grécia Antiga. A mitologia grega exerce uma

fascinação sobre a mente dos jovens e, por isso, aparece em diversas

manifestações da cultura comum. Desse conhecimento prévio, pretende-se

colocar o problema entre essa forma de discurso e o discurso filosófico que se

aprende e desenvolve na escola.

PROBLEMATIZAÇÃO

O problema propõe uma pesquisa sobre as características que

determinam essencialmente o discurso mítico. O objetivo central é questionar

as determinações da estrutura que o estudante percebe em todos os discursos

de ordem mística ou religiosa e, assim, entender a forma racional de discurso

que pretende substituí-las.

Investigação

Para compreender a estrutura do mito, o capítulo se inicia com uma

apresentação histórica do contexto cultural dos gregos e apresenta uma

análise de uma narrativa mítica tradicional: o Mito de Faetonte. Dessa

investigação são estabelecidas duas características fundamentais: a função de

explicação e organização da realidade e o apelo ao divino ou sobrenatural.

Para discutir a terceira característica, a concepção de conhecimento própria do

mito, é desenvolvida uma análise de um trecho da Teogonia de Hesíodo. O

objetivo é descobrir na estrutura da invocação das Musas a concepção de que

os “conhecimentos” sobre a realidade que contam os mitos foram revelados por

um ente do mundo divino ou sobrenatural.

Page 82: O uso do texto clássico de filosofia: metodologias, estratégias e

81

CRIAÇÃO DE CONCEITOS

A compreensão de que as características estruturais do mito se repetem

em outras formas de discurso é o principal objetivo da unidade. Assim, o que

se espera dos estudantes é a capacidade de, em primeiro lugar, extrair as

determinações gerais do mito e, na direção inversa, aplicar essas

determinações em contextos próprios dos estudantes, tal como o contexto

religioso.

Subsídios para correção das atividades e exercícios dos alunos

Na Atividade da p. 30, o objetivo é mostrar que a narrativa de Faetonte

guarda semelhanças irrevogáveis com outras formas de narrativa que são

encontradas em contexto distintos, tal como o indígena, o africano, egípcio, etc.

O objetivo é fazer com que o estudante perceba desde o início que embora o

capítulo se desenvolva tendo como referência o mito grego, os conhecimentos

que nele forem desenvolvidos servem também para compreender formas,

contextos e momentos diferentes de discurso que apela ao sobrenatural ou

divino.

Na p. 35, a Atividade proposta pretende descobrir se as características

do mito trabalhadas até esse momento foram ou não assimiladas pelos

estudantes. Assim, a tarefa apresentada consiste em ler e interpretar um

fragmento d'Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo e procurar determinar quais

fenômenos da realidade são explicados no trecho e quais explicações o poeta

antigo oferece para esses fenômenos.

A Atividade da p. 40 complementa a Atividade da p. 30 quando pede

para que o estudante elabore um quadro comparativo entre a passagem inicial

do Apocalipse de São João e a Teogonia de Hesíodo. O objetivo é mostrar

que, embora existam diferenças entre as duas passagens, ambas manifestam

a mesma estrutura de invocação dos entes sobrenaturais ou divinos para a

revelação dos “conhecimentos” sagrados. Assim, a concepção de que o saber

é revelado pelos deuses – que foi o principal objetivo da análise da poesia do

Hesíodo –, pode ser experimentado também no contexto do cristianismo.

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82

Atividades complementares

É possível propor na unidade pesquisas que ampliem os conhecimentos

dos estudantes no que diz respeito ao contexto histórico-cultural dos gregos no

momento em que o discurso mítico era predominante. Existem nesse período

diversas característica da civilização grega que destoam da imagem habitual

que se têm da Grécia, isto é, da imagem que se detém nos aspectos próprios

dos séculos V e IV a.C. Assim, uma pesquisa permitirá que os estudantes

compreendam as questões relacionadas ao mito numa “moldura” mais rica e

melhor determinada dos séculos em que ele era vigente.

AVALIAÇÃO

O estudo do mito grego tem nessa unidade dois objetivos que

estão interligados: em primeiro lugar, ajudar a compreensão das

características essenciais da filosofia no momento de seu nascimento e,

em segundo lugar, oferecer a compreensão de uma estrutura discursiva

que se repete em diversos contextos da história da humanidade. O que

se espera dos estudantes é, por conseguinte, que eles compreendam as

características do mito que são criticadas pelos filósofos e, assim,

estejam melhor preparados para compreender as principais

características do discurso filosófico e, concomitantemente, espera-se

que os estudantes descubram a estrutura mítica que se apresenta em

outras formas de discurso sobre a realidade, como por exemplo na

religião cristã.

UNIDADE III

FILOSOFIA DA CIÊNCIA

O Princípio Responsabilidade em Hans Jonas

INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo está fortemente marcado pelos avanços da

ciência e da tecnologia. Tais avanços geraram mudanças na relação entre os

humanos e dos humanos com a natureza. Nunca na história o poder de

intervenção do homem sobre o mundo físico foi tão grandioso quanto hoje.

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83

Através da técnica existe, segundo Hans Jonas (1903-1993), filósofo alemão

de origem judaica e que procurou estabelecer as bases de uma nova ética

denominada por ele de ética da responsabilidade, a possibilidade de destruição

do planeta, e portanto, diante de tal poder o homem precisa repensar a sua

ação, criar um conceito de responsabilidade em adequação a esta nova

realidade.

Jonas viveu os grandes fatos históricos do nosso século: a crise da

humanidade européia dos anos 20 e 30, o advento do nazismo e o holocausto,

o triunfo da sociedade tecnológica especialmente o Projeto Manhattan (1945),

o Projeto Apollo (1969) e a crise ecológica. A idéia de responsabilidade,

questão central do texto, nasceu destas experiências, do triunfo da tecnologia e

das suas expectativas utópicas. Tais acontecimentos fizeram-no refletir sobre

seu tempo e seu espírito, obrigando-o a buscar alternativas capazes de

arrancar do conhecimento e do poder, gerado pelo próprio homem, um dever

em relação aos que vivem e viverão futuramente.

Hans Jonas busca discutir os principais efeitos do uso que se faz dos

conhecimentos científicos, para ele (2006, p. 21) “[...] a promessa da tecnologia

moderna se converteu em ameaça [...]” e a atual situação produzida pela

ciência, coloca ao homem as seguintes questões: o que pode servir atualmente

de orientação para a ação humana? Diante da previsão do perigo, como agir?

Quais problemas éticos surgem com o atual uso abusivo das ciências? Jonas

se opõe à artificialização do vivo e à exploração sem freio da natureza, em

nome de um novo imperativo categórico: "Age de forma que os efeitos de tua

ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente

humana sobre a terra". O Princípio Responsabilidade está no coração dos

debates contemporâneos mais afiados e mais cheios de conseqüências para o

futuro.

METODOLOGIA

MOBILIZAÇÃO

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O professor poderá iniciar sua aula com a leitura do mito de Prometeu

ou outro mito que ilustre a relação entre o conhecimento e o agir humano. A

interpretação feita do mito é a de o associar as pretensões dos homens em

superar os limites de sua condição humana e igualar-se aos deuses. Prometeu,

o “pre- vidente”, o “prudente”, representa as tentativas do homem de superar a

si mesmo através da ciência e da técnica para dominar a natureza. O Titã

roubou o fogo dos deuses e o entregou aos mortais e desta forma tentou

compensar a vulnerabilidade humana em comparação as demais espécies.

Esse mito apresenta o homem como um ser obrigado a desenvolver técnicas

para sobreviver.

Ainda como forma de mobilização o professor poderá apresentar ou

pedir que os alunos pesquisem alguns avanços da ciência, principalmente na

área de energia nuclear e da engenharia genética, estes são exemplos de que

a ciência moderna colocou os homens numa nova relação com o mundo e as

conseqüências, muitas vezes, são imprevisíveis. Neste primeiro momento se

procurará enfatizar os avanços científicos e as consequências relacionadas a

estes avanços e que determinados avanços produziram ameaças ao planeta e

que diante de tais mudanças existe a necessidade de uma nova ética.

PROBLEMATIZAÇÃO

A partir do mito de Prometeu, que trata do poder de intervenção do

homem sobre a natureza, o professor poderá elencar as seguintes questões: o

que pode servir atualmente de orientação para a açã o humana? Diante da

previsão do perigo, como agir? Quais problemas étic os surgem com o

atual uso abusivo das ciências? Tais questões possibilitará ao professor

discutir os aspectos centrais da filosofia de Jonas.

INVESTIGAÇÃO

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Na investigação filosófica proposta os alunos desenvolverão pesquisas,

debate e leituras de trechos do texto de Hans Jonas - O princípio

responsabilidade – Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.

O professor poderá utilizar outros textos filosóficos que tratam das

possíveis relações existentes entre ciência e ética. Seria também interessante

a utilização de filmes que podem servir de subsídio para as discussões e

principalmente para a contextualização das questões elencadas, nas atividades

complementares apresentamos alguns filmes que podem ser utilizados.

CRIAÇÃO DE CONCEITOS

A contribuição de Jonas está no fato de que os parâmetros da ética

tradicional não atendem mais as transformações e às mudanças no agir

provocadas pela tecnologia. Os impactos da tecnologia são tão fortes que a

ética também precisa mudar seus princípios para melhor explicar os

fenômenos tecnológicos e os impactos que foram provocados por ela, ou seja,

como a ética está relacionada ao agir, a conseqüência lógica disso é que a

natureza modificada do agir humano impõe uma modificação da ética.

A compreensão dos impactos que a tecnologia provoca no mundo atual

e a necessidade de se pensar tais impactos e portanto a construção de uma

ética que seja adequada a esta nova realidade possibilitará ao estudante a

capacidade de se situar de forma diferente no mundo, possibilitará ao mesmo

uma transformação em suas atitudes de forma a alcançar uma postura mais

crítica diante da realidade, principalmente no que tange a destruição do

planeta.

Subsídios para correção das atividades e exercícios dos alunos

As atividades da unidade buscaram estabelecer relações entre a mitologia

grega os avanços da tecnociência e principalmente perceber o quanto a ação

sem limites no campo científico pode desencadear consequências nefastas,

inclusive a construção de novos mitos. A atividade da p. 63 possibilita a

compreensão de que com a Revolução Industrial no século XVIII, as teorias

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científicas e técnicas passaram a estreitar as relações de dependência mútua e

que a técnica passou a ter um poder enorme sobre a realidade ao ponto de se

pensar em mecanismos de controle para pesquisas científicas.

Nessa atividade (p. 67) o professor poderá esclarecer os conceitos de

técnica e tecnologia e apresentar exemplos de instrumentos técnicos e

tecnológicos. Tal atividade possibilitará a compreensão do quanto o saber

teórico aplicado pode contribuir para a melhoria da existência humana ou para

a destruição do homem e da natureza.

Nessas atividades (p. 71) o professor poderá desenvolver os aspectos

positivos relativos aos avanços da engenharia genética e a relação de tais

avanços com o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos.

A atividade (p.73) é uma complementação da anterior e busca

esclarecer que as pesquisas no campo da Engenharia Genética apresentam

muitos aspectos positivos, porém existe a necessidade de se estabelecer

limites referentes a tais pesquisas.

Nestas atividades (p.76) o professor poderá desenvolver pesquisas

voltadas a sua realidade local procurando identificar quais as principais

contribuições da ciência em sua região e principalmente se os avanços da

ciência no campo da medicina são acessíveis às pessoas onde vive.

Atividades Complementares

O professor poderia utilizar imagens que mostram a destruição do

planeta – poluição, derretimento de geleiras, acúmulo de lixo, etc. Existem

muitos filmes que tratam dos progresso da ciência sem que pense nas

consequências de um uso responsável. Atualmente está em evidência a

produção de filmes sobre tal questão, principalmente voltados ao tema

Engenharia Genética.

Um cuidado que se deve ter ao trabalhar com filmes é não transportar

aos estudantes uma visão simplista relativa a tais questões e que na maior

parte das vezes reportam a um maniqueísmo. Sugerimos os seguintes filmes:

Gattaca – A Experiência Genética (Andrew Niccol – 1997), Blade Runner

(Ridley Scott – 1986), A. I. - Inteligência Artificial (Steven Spielberg – 2001).

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É inegável o avanço da humanidade em aspectos tecnológicos, porém

em outros aspectos tais como diminuição da pobreza, melhoria da qualidade de

vida, destruição do meio ambiente, etc, podemos observar a mesma melhoria?

Os avanços da engenharia genética estão ao alcance de todos?

AVALIAÇÃO

A avaliação em Filosofia é sempre diagnóstica e processual. Espera-se

que o estudante possa compreender a necessidade de uma nova ética diante

dos avanços da tecnociência e da importância do novo conceito de ética criado

por Hans Jonas. Da discussão destas questões espera-se que o estudante seja

capaz de reavaliar seus processos de formulação de discursos e

conhecimentos.

REFERÊNCIAS

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