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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
Título
O USO DO TEXTO CLÁSSICO DE FILOSOFIA: METODOLOGIAS, ESTRATÉGIAS E RECURSOS PARA A LEITURA DE TEXTOS CLÁSSICOS NO ENSINO MÉDIO
Autor Wilson José Vieira
Disciplina Filosofia
Escola de Implementação do projeto e localização
Colégio Estadual do Paraná
Município da escola Curitiba
Núcleo Regional de Educação Curitiba
Professor Orientador Prof. Dr. Geraldo Balduíno Hor n
Instituição de Ensino Superior Universidade Federal do Paraná
Relação Interdisciplinar Arte, História, Biologia, Geografia
Resumo
A presença da Filosofia no Ensino
Médio depois de décadas de exclusão
traz à tona uma série de questões
extremamente importantes relativas
ao seu ensino. Trata-se agora,
conforme assinala Horn (2010, p. 27),
de legitimar a presença da Filosofia
não somente como uma disciplina a
mais, uma disciplina ao lado de
outras, mas um saber que busca
contribuir na formação de
adolescentes e jovens que
frequentam os bancos escolares. A
produção didático pedagógica se
insere nesse processo de afirmação
da disciplina de Filosofia enquanto
elemento importante na formação dos
2
estudantes e busca desenvolver junto
aos estudantes e professores.
Palavras-chave Ensino de Filosofia, Metodologias, Estratégias, Recursos, Texto clássico de filosofia
Formato do Material Didático Caderno Pedagógico
Público Alvo Professor e Estudantes do 1º e 3º
ano do Ensino Médio
3
CADERNO PEDAGÓGICO DE FILOSOFIA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO -------------------------------------- -------------------------------------- 04
UNIDADE I COMO LER UM TEXTO DE FILOSOFIA ---------- -------------------- 11
UNIDADE II MITO E FILOSOFIA ----------------------- ---------------------------------- 16
UNIDADE III FILOSOFIA DA CIÊNCIA ------------------ ------------------------------- 61
ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS ------------------------- -------------------------- 79
REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------- 87
4
APRESENTAÇÃO
Com a entrada em vigor da Lei nº 11.684, de junho de 2008, que
corrigia o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)
9394/96, efetivou-se a obrigatoriedade da disciplina de Filosofia enquanto
disciplina escolar. A aprovação da Lei, contudo, não instaura de forma mágica
a ensinabilidade da Filosofia. Vive-se, portanto, um momento de defesa da
disciplina, de sua consolidação no currículo escolar e, principalmente, de
legitimação perante a sociedade brasileira. Enquanto disciplina escolar, à
Filosofia compete responder a uma série de questionamentos relativos ao seu
ensino, justamente por conta do pouco tempo de sua existência no currículo do
Ensino Médio brasileiro e principalmente pela perspectiva tecnicista vigente no
cenário educacional brasileiro.
A presença da Filosofia no Ensino Médio depois de décadas de
exclusão traz à tona uma série de questões extremamente importantes
relativas ao seu ensino. Trata-se agora, conforme assinala Horn (2010, p. 27),
de legitimar a presença da Filosofia não somente como uma disciplina a mais,
uma disciplina ao lado de outras, mas um saber que busca contribuir na
formação de adolescentes e jovens que frequentam os bancos escolares.
A produção didático pedagógica se insere nesse processo de
afirmação da disciplina de Filosofia enquanto elemento importante na formação
dos estudantes e busca desenvolver junto aos estudantes e professores
A construção desse material está fortemente ligada a minha trajetória
profissional, pois no período de 2007 a 2010, estive na Secretaria de Estado da
Educação do Estado (SEED/PR), compondo um departamento pedagógico de
Produção de Material Didático e Formação Continuada de Professores na
Equipe Técnico-Pedagógica de Filosofia. Na SEED/PR, participei da
elaboração de vários projetos e ações que visavam à legitimação da Filosofia
no Ensino Médio paranaense. Dentre as variadas ações desenvolvidas neste
período, destacam-se a elaboração das Diretrizes Curriculares de Filosofia
para o Ensino Médio, os cursos de formação continuada DEB (Departamento
de Educação Básica) Itinerante (2007-2008) e NRE (Núcleo Regional de
5
Ensino) Itinerante (2009)1, a produção do Livro Didático Público de Filosofia2, o
Projeto Folhas3 e a Antologia de Textos Filosóficos4. Importante ressaltar que o
interesse pela presença do texto clássico de Filosofia é oriundo tanto das
experiências positivas e das frustrações que tivemos em sala de aula, quanto
da participação na elaboração de materiais didáticos, principalmente da
Antologia de Textos Filosóficos. Ressaltamos também que as viagens
realizadas pelos municípios do Paraná (DEB Itinerante e NRE Itinerante) entre
2007 e 2009, ministrando oficinas de Filosofia5 aos professores da Rede foram
extremamente importante, pois possibilitaram a discussão e observação dos
principais problemas enfrentados pelos professores nas aulas de Filosofia.
O material produzido possui como referencial teórico a pesquisa
realizada em 20126 que forneceu os elementos fundamentais para o
desenvolvimento da Produção Didático Pedagógica PDE cujo título é O uso do
texto clássico de filosofia: metodologias, estratég ias e recursos para a
leitura de textos clássicos de Filosofia no ensino médio. O tema situa-se
em um campo extremamente importante quando se trata de ensino de
Filosofia, pois, conforme afirmam muitos teóricos7, as aulas devem passar, de
alguma forma e em algum momento, pelo texto filosófico. Filosofar é, conforme
afirma Severino (2009, p. 26), “[...] uma grande experiência coletiva, como, de
resto, o é toda cultura humana.” O diálogo com a tradição filosófica, com os
1 O DEB Itinerante (2007 e 2008) foi um programa de formação continuada dos profissionais da educação que visava a implementação das Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do Estado do Paraná e de outras políticas educacionais da SEED/PR. Em 2009 esta ação foi desenvolvida de maneira local pelos técnicos pedagógicos das disciplinas em cada Núcleo Regional de Ensino do Estado do Paraná. 2 O Projeto do Livro Didático Público foi algo inédito na educação paranaense, pois os textos eram escritos por professores da rede pública de ensino. Um projeto que pensava o educador enquanto pesquisador. 3 O Projeto Folhas era um projeto de formação continuada da SEED/PR que visava, de forma colaborativa, a pesquisa e o aprimoramento dos professores em suas respectivas áreas de formação. O resultado destas pesquisas era a produção de textos de apoio destinados aos estudantes da Educação Básica. 4 A Antologia de Textos Filosóficos (SEED/PR 2009) é composta de vinte e três (23) textos ou excertos de filósofos relevantes e visava dar suporte ao aprendizado filosófico. 5 No sistema de cursos realizados na rede pública de ensino do Paraná constam registradas 51 oficinas. 6 Trata-se da Dissertação defendida em 2012 na Universidade Federal do Paraná (setor de educação) por Wilson José Vieira, cujo título era O ensino de filosofia e o uso do texto clássico de filosofia: análise a partir das escolas públicas paranaenses de ensino médio. 7 SEVERINO (2009), GHEDIN (2009), CUNHA (2009), HORN (2010), OLIVEIRA (2004), COSSUTA (2001), FOLSCHEID (2006), NUNES (2010), PORTA (2007), RODRIGO (2009), GALLO (2009),
6
pensadores das diferentes épocas e lugares permite a indagação, a reflexão e
a compreensão de nossa realidade atual. Só posso pensar pensando e pensar
envolve recuperar aquilo que já foi pensado. Quanto a este aspecto, ou seja, o
da presença do texto de Filosofia em sala de aula, não há discordância entre
os teóricos citados. A divergência entre eles está localizada no modo como
essa apropriação será realizada, nos critérios e na transposição didática.
A questão relativa ao lugar do texto clássico de Filosofia é bastante
controversa e polêmica. Seria o texto filosófico o lugar onde se encontra a
Filosofia? Onde estariam os problemas filosóficos? Se a pretensão da Filosofia
é a compreensão da realidade atual, por que ir aos antigos, ou seja, por que
sempre estamos com o “pé” no passado? Não seria mais pertinente o trabalho
com textos de jornais, revistas, com vídeos, enfim com elementos mais
próximos dos estudantes? Não seria mais adequado o trabalho com
comentadores? “[...] Por que ler os clássicos em vez de concentrar-nos em
leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo? [...]” (CALVINO,
1993, p.14). Não seriam os textos de Filosofia muito complicados, difíceis,
complexos aos estudantes de Ensino Médio? Tal perspectiva não geraria, por
conta das deficiências educacionais de professores e estudantes, um
afastamento do filosofar?
Segundo os filósofos franceses Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix
Guattari (1930-1992) “[...] a Filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar
conceitos.” (1992, p. 10). Para eles, fazer Filosofia não consiste em repetir o
que outros filósofos disseram, embora não seja possível pensar sem levar em
consideração o pensado, mas não se trata de pura passividade perante a
realidade e sim de uma forma de transformar o mundo. Gallo (2008, p. 35)
afirma que
[...] criar conceitos é uma forma de transformar o mundo; os conceitos são as ferramentas que permitem ao filósofo criar um mundo à sua maneira. Assim, a Filosofia deleuziana é considerada uma Filosofia da multiplicidade, uma filosofia que olha com atenção o mundo presente, uma filosofia que não visa ser representação do mundo, tal como no platonismo, e sim uma tentativa de inversão do platonismo, de busca da diferença e não da identidade.
7
A partir da perspectiva deleuziana, o lugar onde se encontra a filosofia
pode ser repensado na seguinte perspectiva: pensar não é algo natural, antes,
é preciso um problema, um movimento primeiro, algo que nos force a pensar.
Segundo Gallo (2008, p. 69) “[...] Pensamos, efetivamente, quando nos
deparamos com um problema que não tem solução no âmbito de uma imagem
dogmática do pensamento.” O problema e o conceito são os pontos extremos
da Filosofia, ou seja, “[...] o problema suscita conceitos e conceito suscita
problemas.” (GALLO, 2008, p.70) Se a Filosofia é exercício de um pensamento
por conceitos, uma experiência de pensamento, uma “[...] educação pela
experiência.” (Idem, p. 73) e não um ensino como treinamento, logo é no devir,
no acontecimento, na multiplicidade que estão os problemas filosóficos, eis ai o
seu lugar. Desta forma, os textos clássicos de Filosofia, os encontros, os
“roubos” de conceitos, possibilitam a produção de novos conceitos.
O material didático pedagógico elaborado parte da premissa de que a
presença do texto clássico de Filosofia é ferramenta necessária para o
desenvolvimento das aulas de Filosofia e nesse sentido busca apresentar
diferentes metodologias, estratégias e recursos no que tange o uso do texto em
sala da aula.
Os encaminhamentos metodológicos desse material está
fundamentado nas Diretrizes Curriculares de Filosofia da Educação Básica
(2008) que apresenta uma perspectiva válida para o ensino de filosofia. E uma
das orientações apontadas no documento é a de se evitar uma reprodução
insuficiente dos discursos cotidianos e uma verborréia vã sobre História da
Filosofia. E para tanto, apresenta dois critérios que parecem inevitáveis: em
primeiro lugar, não esquecer que o discurso filosófico exige um rigor que
dificilmente se atinge sem o auxílio da tradição e, em segundo lugar, lembrar-
se constantemente de que a História da Filosofia deve ser significante do ponto
de vista do estudante do Ensino Médio. A solução consiste, portanto, em
sustentar a tensão entre problemas contemporâneos e discussões tradicionais.
As Diretrizes Curriculares de Filosofia para o Ensi no Médio do
Paraná (2008) atribuem sentidos diferentes, mas não desconectados, quanto
ao uso do texto clássico de filosofia. Existem, segundo Horn (2010, p. 32) “três
sentidos diferentes, mas interligados entre si:”
8
[...] a) o uso do texto indicado como centro do processo pedagógico, como tecnologia sem a qual não se pode falar em aula de Filosofia; b) como recurso necessário, no entanto, sem indicar como tratar um texto filosófico do ponto de vista didático pedagógico, muito menos de modo filosófico; ou seja, não estabelece nenhuma orientação em relação à análise de textos; c) indicado como referência, apontando para alguns cuidados como não tomar o texto como fim, não estabelecer uma leitura linear, formal ou simplesmente cadastrada (HORN, 2010, p. 32).
Os três sentidos apontados anteriormente podem ser percebidos
essencialmente na leitura do trecho seguinte retirado das Diretrizes
Curriculares de Filosofia para o Ensino Médio do Paraná (2008)
[...] os conteúdos estruturantes devem ser trabalhados na perspectiva de fazer com que os estudantes pensem os problemas com significado histórico e social e analisem a partir dos textos filosóficos que lhes forneçam subsídios para que pesquisem, façam relações e criem conceitos. Ainda afirma que, ir ao texto filosófico ou à história da Filosofia não significa trabalhar de modo que esses conteúdos passem a ser a única preocupação do ensino de Filosofia. Eles serão importantes desde que atualizem os diversos problemas filosóficos que podem ser trabalhados a partir da realidade dos estudantes. A atividade filosófica centrada, sobretudo no trabalho com o texto, propiciará entender as estruturas lógicas e argumentativas, levando-se em conta o cuidado com a precisão dos enunciados, com o encadeamento e clareza das ideias e buscando a superação do caráter fragmentário do conhecimento. É preciso que o professor tenha uma ação consciente para não praticar uma leitura em que o texto seja um fim em si mesmo. O domínio do texto é necessário. O problema está no formalismo e no tecnicismo estrutural da leitura, que desconsidera, quando não descarta, a necessidade da compreensão do contexto histórico, social e político da sua produção, como também da sua própria leitura (PARANÁ, 2008, p. 52-53).
O documento apresenta uma orientação didático-pedagógica
denominada no texto de “Encaminhamentos metodológicos”. Os estágios ou
encaminhamentos são compostos de quatro momentos, – Mobilização para o
conhecimento, Problematização, Investigação e Criação de conceitos -, sendo
que o momento da investigação é denominado no texto “primeiro passo para
possibilitar a experiência filosófica” (PARANÁ, 2008, p. 60).
É imprescindível recorrer à história da filosofia e aos textos clássicos dos filósofos, pois neles o estudante se defronta com o pensamento filosófico, com diferentes maneiras de enfrentar o problema e, com as
9
possíveis soluções já elaboradas, as quais orientam e dão qualidade à discussão (PARANÁ, 2008, p. 60).
O Livro Didático Público de Filosofia (LDP) foi construído pelos
professores da rede pública de ensino do Paraná. Apesar de haver uma equipe
encarregada de direcionar e principalmente estabelecer um formato na
produção deste material, tal item não foi efetivamente observado, pois
constata-se uma série de discrepâncias entre 21 (vinte e um) capítulos ou
“Folhas” desenvolvidos. E tais antagonismos podem ser percebidos também
quanto a presença do texto clássico? de filosofia. Na apresentação do LDP
existe a seguinte observação quanto aos textos filosóficos:
Em cada Folhas se desenvolve um conteúdo específico, a partir do qual professores e estudantes podem levantar questões, identificar problemas e problematizar o conteúdo com o auxílio dos textos filosóficos. O texto filosófico, além de ser objeto de estudo com suas estruturas lógicas, argumentativas e precisão dos enunciados, também fornece subsídios para entender o problema e o conteúdo que está sendo estudado (PARANÁ, 2007, p. 10).
Constata-se, no entanto, apesar da afirmação introdutória ser de
afirmação do texto filosófico, a carência em muitos capítulos de textos ou
excertos filosóficos e a presença de comentários, tornando assim a única forma
para se compreender determinado conceito filosófico.
O LDP de Filosofia, como todo manual, serve como ponte importante
para o processo de ensino aprendizagem, auxilia o estudante chegar ao
momento no qual se inicia o problema, a questão que segue é de como
atravessar, como chegar às questões filosóficas e ao que é significativo. Sem
dúvida, um material introdutório válido, porém em si mesmo apresenta uma
série de limites.
A Antologia de Textos Filosóficos 8 foi construída na perspectiva de
possibilitar ao estudante de Ensino Médio o contato direto com os textos
8 A Antologia de Textos Filosóficos é composta de vinte e três filósofos. A ordenação foi feita seguindo o critério alfabético. Constam os seguintes filósofos e textos: Agostinho de Hipona: Confissões (excertos) Livro XI 26; Aristóteles: Política - excertos: (1252 a – 1253 b; livro III: 1274 b 30 a - 1276 a) – sobre o cidadão e a cidadania; Avicena : Epístolas; Berkeley: Ensaio para uma nova teoria da visão, Teoria da visão defendida e explicada; Bornheim: Gênese e metamorfose da crítica; Descartes: Meditações 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª (excertos); Espinosa: Tratado breve (2ª parte); Foucault: Poder e saber (entrevista a S. Hasumi), O poder, um
10
filosóficos, pois conforme assinalado na apresentação, é no texto filosófico “o
lugar onde se encontra a Filosofia.” (PARANÁ, 2009, p. 6). Outra orientação
existente na apresentação é a de que os textos da Antologia devem ser
“somados aos materiais já existentes [...]” constituindo assim “[...] um
importante suporte para o aprofundamento do ensino e refinamento da
aprendizagem da Filosofia.” (Idem, p. 6)
A Antologia9 é um passo adiante no processo de legitimação da
filosofia no Ensino Médio. A questão que se apresenta a partir de então é a de
como desenvolver o trabalho, ou seja, como levar o texto clássico para sala de
aula sem uma efetiva formação dos professores. Com o texto filosófico em sala
de aula como tratá-lo sob o ponto de vista filosófico? Se o professor não
possuir o mínimo de formação, o mínimo preparo, o texto clássico poderá
causar desastres.
As Diretrizes Curriculares de Filosofia do Estado do Paraná (2008), O
Livro Didático Público (2007) e a Antologia de Textos Clássicos de Filosofia
(2009), com seus limites e suas deficiências, que é algo presente em todo e
qualquer material de orientação didática e metodológica, estão situados em um
projeto que visa fundamentalmente a formação continuada dos professores,
além da melhoria da qualidade de ensino, pois o acesso a estes materiais
constituirá para muitos a possibilidade de desenvolvimento da leitura e de um
alargamento quanto à compreensão de mundo.
magnífico animal (entrevista a M. Osório); Gramsci: A indiferença, A história, Cadáveres e idiotas, Rabiscos, O progresso no índice de ruas da cidade, Filantropia, boa vontade e organização, A sua herança, Os jornais e os operários, A luz que se apagou, Crônicas de L’Ordine Nuovo – IX, Crônicas de L’Ordine Nuovo – XXX; Hegel: Excertos e parágrafos traduzidos; Hobbes: Leviatã cap. XIII e XVII; Hume: Uma investigação sobre o entendimento humano (seção 8); Kant: Resposta à questão – o que é esclarecimento?; Maquiavel: Discursos sobre a 1ª década de Tito Lívio, O príncipe; Marx: Sobre a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução; Merleau-Ponty: Conversas 1ª, 2ª e 5ª; Nietzsche: Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral; Platão: Hípias Maior (Excertos), A República - Livro X (Excertos); Rousseau: Discurso sobre as ciências e as artes (excertos - 1ª e 2ª parte), Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (excertos – Prefácio; Discurso; 1ª parte e 2ª parte), Contrato Social (excertos – Livro I: capítulos 1; 3; 4; 6; 7; 8); Sartre: O existencialismo é um humanismo; Schiller: Cartas XII; XIV e XV; Tomás de Aquino: A realeza; Voltaire: Mulheres, sujeitai-vos aos vossos maridos, Providência, O século de Luiz XIV, Idéias republicanas por um membro do corpo.
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UNIDADE I
COMO LER UM TEXTO DE FILOSOFIA
O TEXTO CLÁSSICO DE FILOSOFIA
� PARA PENSAR PRECISAMOS DE TODA EXPERIÊNCIA DE PENSAMENTO PRATICADA E ACUMULADA
� O ACESSO A ESSA EXPERIÊNCIA ACUMULADA OCORRE PELA LINGUAGEM
� A LINGUAGEM POSSIBILITA O COMPARTILHAMENTO DE TODOS OS SABERES E VALORES ACUMULADOS
• LEITURA E A ESCRITA SÃO ELEMENTOS ESSENCIAIS AO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM, NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
• A ESCRITA, REPRESENTAÇÃO DA ORALIDADE POR MEIO DE SIGNOS, É POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA MEMÓRIA DIANTE DAS MUDANÇAS TEMPORAIS
• OS TEXTOS CLÁSSICOS DE FILOSOFIA POSSIBILITAM O DIÁLOGO COM PENSADORES QUE NOS PRECEDERAM, COM A TRADIÇÃO FILOSÓFICA.
• A RELAÇÃO DIRETA E CONSTANTE COM OS TEXTOS CLÁSSICO S DE FILOSOFIA É ALGO FUNDAMENTAL
� PENSAMENTO PELA CONFRONTAÇÃO DE OUTROS PENSAMENTOS É O ÚNICO CAMINHO PARA QUE SE EFETIVE O ENSINO DE FILOSOFIA
� Filosofar é, em primeiro lugar, colocar-se em prese nça de uma filosofia anterior. Entretanto, isso não significa inclinar-se diante de uma tradição, como se festejam os santos; as grande s filosofias são algo bem diferente de obras-primas insuperáveis que suscitariam a veneração e que deveríamos visitar co mo um museu.
� Ao contrário de uma fria historiografia, a história da filosofia deve servir para descobrir pensamentos vivos em ação, pa ra encontrar filosofias em ato, através das quais possamos dar a nosso próprio pensamento um suporte, um quadro para orientá-lo. P or isso a prática da filosofia é, antes de mais nada, insepar ável de uma
12
freqüentação de textos que devemos aprender a ler, a explicar e a comentar. FOLSCHEID, 2006
� TEXTO: CONJUNTO DE SIGNOS (SÍMBOLOS) LINGUÍSTICOS Q UE CODIFICAM UMA MENSAGEM
� TEXTO SIGNIFICA TECIDO
� OBJETOS ESPECIAIS QUE TRANSMITEM PENSAMENTOS E DOCUMENTAM TRADIÇÕES
� [...] a composição de significados por meio de entr elaçamento físico de sinais apropriados. Um conjunto de palavr as formando uma frase escrita, por exemplo, constitui um texto, pois há composição de significados, formando nomes, verbos, artigos, etc., e entrelaçamento de sinais, letras, traços fisicame nte construídos sobre o papel ou sobre a rocha, o mármore, enfim, q ualquer outro suporte de escrita ou de inscrições. Mas também con sideraremos texto todo objeto portador de mensagem. Assim exist em os textos orais, visuais, auditivos. (CUNHA, 1992, p. 07)
� O QUE É LER?
� LEITURA DE UM TEXTO: DECODIFICAÇÃO DA MENSAGEM DE QUE SE É PORTADOR
� ESCRITA: PROCESSO DE CODIFICAÇÃO DA MENSAGEM
� CONDIÇÕES: DOMÍNIO DO CÓDIGO LINGUÍSTICO, CONHECIMENTO DOS SIGNOS (SIGNIFICANTES E SIGNIFICADOS)
� O PROCESSO DE LEITURA
� LEITURA ANALÍTICA: PROCESSO DE DECODIFICAÇÃO DE UM TEXTO ESCRITO, COM VISTAS À APREENSÃO/RECEPÇÃO DA MENSAGEM NELE CONTIDA
� APREENSÃO DA MENSAGEM GLOBAL DA UNIDADE DE LEITURA, BUSCANDO UMA VISÃO INTEGRAL DO RACIOCÍNIO DESENVOLVIDO PELO AUTOR
� AS DIRETRIZES PARA A LEITURA ANALÍTICA
ETAPAS ESSENCIAIS:
� ETAPA DE ANÁLISE TEXTUAL
� ETAPA DE ANALISE TEMÁTICA
13
� ETAPA DE ANÁLISE INTERPRETATIVA
� ETAPA DE PROBLEMATIZAÇÃO
� ETAPA DE REELABORAÇÃO REFLEXIVA
� ANÁLISE TEXTUAL
� FASE PREPARATÓRIA
� IDENTIFICAR OS ELEMENTOS QUE PERMITEM A ADEQUADA DECODIFICAÇÃO DO TEXTO
AÇÕES:
� DELIMITAR A UNIDADE DE LEITURA
� LEITURA POR PARTES
� EVITAR A FRAGMENTAÇÃO DE TEMPO
� ENUMERAÇÃO DOS PARÁGRAFOS
� QUEM É O AUTOR (VIDA, OBRA, PENSAMENTO)
� PERFIL GERAL DO TEXTO (CONTEXTO, PARA QUE, PÚBLICO)
� LEITURA PANORÂMICA – LEITURA CORRIDA
� ANOTAR / ASSINALAR / GRIFAR – PALAVRAS, CONCEITOS, REFERÊNCIAS A AUTORES, FATOS HISTÓRICOS, TEORIAS
� ESCLARECER TERMOS E PALAVRAS, CONCEITOS
� NOVA LEITURA PANORÂMICA
� ESQUEMA DA UNIDADE DE LEITURA
� PEQUENO RESUMO – SÍNTESE
� ANÁLISE TEMÁTICA
� FASE DE BUSCA DE COMPREENSÃO, A MAIS OBJETIVA POSSÍVEL, DA MENSAGEM DO AUTOR
� QUAL MENSAGEM É TRANSMITIDA, COMUNICADA
� O CONTEÚDO DO TEXTO
� MOMENTO NO QUAL SE BUSCA COMPREENDER O TEXTO, “OUVIR” O AUTOR
14
05 QUESTÕES:
� 1. DO QUE ESTÁ FALANDO, QUAL O TEMA OU ASSUNTO DO TEXTO?
� 2. QUAL O PROBLEMA QUE SE COLOCA, OU SEJA, POR QUE O TEMA ESTÁ EM QUESTÃO?
� 3. QUAL A RESPOSTA QUE O AUTOR DÁ AO PROBLEMA, QUAL A TESE QUE DEFENDE AO TENTAR RESOLVER O PROBLEMA OU EXPLICAR O TEMA?
� 4. COMO O AUTOR DEMONSTRA SUA HIPÓTESE? COMO ELE A COMPROVA?
� 5. QUE OUTRAS IDEIAS SECUNDARIAS O AUTOR, EVENTUALMENTE, DFENDE NO TEXTO EM ANÁLISE?
� ANÁLISE INTERPRETATIVA
� ÚLTIMA ETAPA DA LEITURA ANALÍTICA
� POSSIBILIDADE DE CRÍTICA
� COMPREENSÃO A PARTIR DE DADOS DE FORA DO TEXTO
� INTERPELAÇÃO, CONFRONTO, DISCUSSÃO COM O AUTOR
� DIÁLOGO COM O AUTOR
� SITUAR O PENSAMENTO, REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO
� 1. INSERÇÃO TEÓRICA (OBRA, PENSAMENTO)
� 2. SITUAR O AUTOR NO CONTEXTO FILOSÓFICO
� 3. PRESSUPOSTOS IMPLICADOS NO TEXTO
� 4. IDEIAS ASSOCIADAS ÀS QUE ESTÃO PRESENTES NO TEXT O
� 5. CRÍTICAS AO TEXTO, POSIÇÃO DO AUTOR
� PROBLEMATIZAÇÃO
� LEVANTAMENTO DOS PROBLEMAS PARA A REFLEXÃO PESSOAL E PARA A DISCUSSÃO COLETIVA
� QUESTÕES SEMÂNTICAS, TEMÁTICAS, INTERPRETATIVAS
� IMPLÍCITAS OU EXPLÍCITAS
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Referência:
CUNHA, J. A. Iniciação à investigação filosófica: um convite ao filosofar. Campinas: Alínea, 2009. SEVERINO, A. J. Como ler um texto de filosofia . 2. ed. São Paulo: Paulus, 2009.
16
UNIDADE II
MITO E FILOSOFIA
1 MOBILIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO
Introdução
A mobilização e problematização filosófica poderá s er iniciada com
a distribuição de textos com diferentes mitos. Por exemplo, sobre a
origem do Papai Noel (São Nicolau).
Texto 1
O PAPAI NOEL É SÃO NICOLAU E NÃO É
O Papai Noel que conhecemos hoje, gordo e bonachão, barba branca, vestes vermelhas, é produto de um imemorial sincretismo de lendas pagãs e cristãs, a tal ponto que é impossível identificar uma fonte única para o mito. Sabe-se,
17
porém, que sua aparência foi fixada e difundida para o mundo na segunda metade do século 19 por um famoso ilustrador e cartunista americano, Thomas Nast, inspirador, por sua vez, de uma avassaladora campanha publicitária da Coca-Cola nos anos 1930. Nas gravuras de Nast, como esta à esquerda, o único traço que destoa significativamente do Noel de hoje é o longo cachimbo que o dele fumava sem parar, algo que nossos tempos antitabagistas já não permitem ao bom velhinho.
O sucesso da representação pictórica feita por Nast não significa que ele possa reivindicar qualquer naco da paternidade da lenda, mas apenas que seu Santa Claus – o nome de Papai Noel em inglês – deixou no passado e nas enciclopédias de folclore a maior parte das variações regionais que a figura do distribuidor de presentes exibia, dos trajes verdes em muitos países europeus aos chifres de bode (!) em certas lendas nórdicas.
Antes de prevalecer a imagem atual, um fator de unificação desses personagens era a referência mais ou menos direta, quase sempre distorcida por crenças locais, a São Nicolau, personagem historicamente nebuloso que viveu entre os séculos 3 e 4 da era cristã e que gozou da fama de ser, além de milagreiro, especialmente generoso com os pobres e as crianças. É impreciso o momento em que o costume de presentear as crianças no dia de São Nicolau, 6 de dezembro, foi transferido para o Natal na maior parte dos países europeus, embora a data primitiva ainda seja observada por parte da população na Holanda e na Bélgica. Nascia assim o personagem do Père Noël (como o velhinho é chamado na França) ou Pai Natal (em Portugal) – o Brasil, como se vê, optou por uma tradução pela metade.
É curioso que, sendo a língua de Nast uma das que mais preservaram no nome do personagem natalino a memória do santo (São Nicolau, Santa Claus), a caracterização que ele consagrou seja claramente inspirada na mitologia germânica, em que o deus Odin, de longas barbas brancas, era conhecido por distribuir presentes às crianças do alto de seu cavalo voador.
http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/palavra-da-semana/o-papai-noel-e-não-nicolau-e-não-e/
Texto 2
Nós e os Mitos Ao contrário dos nossos mitos contemporâneos, celeb ridades fugazes muitas vezes criadas pela imposição da mídia, os mi tos gregos serviam para dar sentido ao mundo e à existência humana. Se us deuses ajudaram o homem a compreender uma natureza repleta de misté rios e, também, a escrever a historia de uma civilização que permanec e, até hoje, como uma das mais magníficas de todos os tempos.
Todas as sociedades, em todas as épocas, têm seus mitos, suas lendas
e seus heróis, que expressam a maneira como os homens se relacionam entre
18
si e com o mundo. Os mitos e heróis contemporâneos são fugazes, midiáticos,
celebridades bem humanas que despontam e se apagam ao sabor da
novidade, no fluxo incessante de notícias e informações que nos bombardeiam
a cada dia, num ritmo sempre crescente. Nossos verdadeiros mitos deslocam-
se para o futuro, para objetivos a serem alcançados: desenvolvimento
sustentável, diminuição das desigualdades, fim da fome, paz mundial, etc. São,
na verdade, promessas, esperanças de um mundo melhor. Dão sentido a
nossa existência cotidiana, projetando nossas ações para algo além da
realidade presente, algo melhor, algo superior, como ma ninfa grega que
perseguíssemos pelos bosques da modernidade, sem nunca alcançá-la.
Os mitos dos nossos antepassados culturais, os gregos, também se
inscreviam em uma busca de sentido para o mundo e para a existência
humana. Faziam-no, contudo, de modo diferente. Devemos ter em mente as
distancias e diferenças que nos separam daquele mundo. Dispersos em
cidades localizadas as margens do Mediterrâneo, em contato forçado e
permanente com outros povos e culturas, os gregos viviam num mundo
fragmentado social e politicamente, que só aos poucos se integraria no Império
romano. Sem os recursos da ciência moderna, defrontavam-se com uma
natureza cercada de mistérios, com efeitos cujas causas desconheciam, com
territórios que só podiam visitar pelas asas da imaginação, com um passado
que, sendo causa do presente, lhes era vedado a conhecer, pois não possuíam
os instrumentos que só a ciência histórica desenvolveu a partir do século XIX.
Para os gregos, assim, mito era a história antes da história. Dava
sentido ao tempo e permitia narrá-lo como algo conhecido, antes mesmo do
conhecível, anterior ao que estava ao alcance do conhecimento humano. Num
certo sentido, era uma estória, ou conjunto de estórias, envolvendo diferentes
personagens, humanos e divinos, que se colocava antes da historia.
Prescindia, desde modo, de documentos, fundando-se em tradições orais,
transmitidas de gerações em geração e sobre as quais atuava mais a crença
que o conhecimento, dando sentido ao tempo e ao mundo conhecido.
Mas a mitologia, sendo crença, tampouco era uma religião. Associava o
universo do sagrado e o do profano como intrinsecamente unidos. A religião
19
não se separa da vida cotidiana, nem os deuses ocupavam um lugar à parte.
Seu mundo entrecruzava-se com o dos mortais, que era povoado por
divindades, boas ou más, e que era preciso apaziguar ou tornar propícias. Os
deuses estavam em toda parte e em cada lugar. Por isso, ao falarmos de mitos
antigos, nosso critério científico, que separa o falso do verdadeiro, não se
aplica. O mito grego combinava narrativas sobre eventos relativos a deuses e a
mortais, coisa que denominaríamos sagradas e outras profanas, estórias
populares e locais com narrativas mais amplas, profundas, até mesmo sobre as
origens do universo.
Na verdade, sabem hoje os historiadores, nunca houve uma mitologia
grega como algo sistematizado e acabado. O que chamamos de mitologia foi o
resultado de séculos de criação e invenção. Foi o produto das narrativas de
muitos povos e cidades, que aceitaram influencias de toda parte, sempre
abertos à absorção de novos mitos e de novas crenças. Nunca houve um livro
sagrado, um cânone dos mitos, nem sacerdotes que os cultuassem e os
reproduzissem. O que chamamos de mitologia é, de fato, o resultado de um
longo processo de construção de uma identidade religiosa no Mediterrâneo
antigo, mas que jamais se consolidou como uma religião oficial. Como
resultado da integração progressiva de povos e cidades distintas, a mitologia
antiga, como a religião dos povos da antiguidade, sempre preservou um caráter
aberto. Ou seja, todos os mitos, locais, regionais, supra-regionais, encontravam
seu lugar numa narrativa mais ampla, que englobava a todos, mesmo à custa
de ambigüidades contradições. Havia, por exemplo, vários deuses com o nome
de Zeus, ou Apolo, todos com estórias diferentes. Os romanos, em particular,
adotaram as divindades gregas, a elas dando os nomes de seus deuses locais,
tal como aparecem nos capítulos de revistas que o leitor tem em mãos,
assumindo as diferentes versões de uma mitologia que, em princípio, lhes era
estranha.
A apropriação pelos romanos dos mitos gregos nos revela outra faceta
da mitologia. Esta nunca foi um corpo acabado de narrativas, mas sempre uma
narrativa em processo de construção. Devemos ter em mente que a mitologia
foi também, inseparavelmente, literatura. Todos os mitos gregos que
20
conhecemos foram colhidos, ou produzidos e inventados por poetas, que
podiam criar suas próprias versões dos mitos.
Foi a poesia, a partir de Homero, que recolheu mitos locais e os unificou
numa grande mitologia, numa mitologia em que todos os gregos, e os povos
influenciados por sua cultura, se reconheciam e se identificavam. A mitologia é
uma obra, um trabalho, ao mesmo tempo religioso e poético. Nesse sentido, a
poesia sobrepôs-se às tradições locais, criando um conjunto mais ou menos
coerente de estórias. As grandes fontes da mitologia foram os dois grandes
épicos atribuídos a Homero, a Ilíada e a Odisséia, os dois poemas de Hesíodo,
a Teogonia e Os Trabalhos e Os Dias, os chamados Poemas Homéricos e, no
século V AC, as obras dos tragediógrafos atenienses, como Ésquilo, Sófocles e
Eurípedes.
Em seu conjunto, compõem uma narrativa incoerente e, sob muitos
aspectos, contraditória. A mitologia, tal como a conhecemos, foi obra de
autores posteriores, que tentaram sistematizar e ordenar as narrativas míticas,
eliminando suas contradições, como a Biblioteca de Apolodoro, ou as
Metamorfoses de Ovídio, nas quais, em grande parte, o presente texto se
baseia. Mas nunca conseguiram dar unidade e coerência a narrativas que
tinham sua origem em relatos orais e produzidos em localidades diferentes.
A despeito da variedade e das incongruências que encontramos nas
narrativas dos mitos, podemos reparti-los em quatro tempos distintos que
representam, para os gregos, o tempo transcorrido antes da história dos
homens: as cosmogonias, que tratam da criação do mundo e cujo principal
representante é Hesíodo; as narrativas envolvendo os deuses do Olimpo e
suas aventuras num mundo em que deuses e homens se misturavam, tal como
aparecem em Homero; os ciclos heróicos, que narram as aventuras de homens
que eram ainda semideuses, porque filhos de deuses, mas já se aproximavam
do tempo e da realidade humanas, como as estórias de Hércules, de Perseu ou
de Cadmo; e, por fim, as narrativas heróicas da Guerra de Tróia, que alguns
gregos, como o historiador Tucídides, consideravam como plenamente
históricas.
21
Acreditavam os gregos em seus mitos? A resposta é difícil e depende da
época e dos autores que os relatam. Um viajante como Pausânias, que no
século II de nossa era percorreu a antiga Grécia, relatava os mitos locais de
cada lugar que visitava e via, na sua própria antiguidade, a prova de sua
veracidade. Muitos ritos locais, já bem adentrado o Império Romano,
reproduziam as narrativas dos mitos em suas cerimônias religiosas e em suas
festividades locais. Outros já tratavam os mitos como alegorias, considerando
os deuses e heróis como personificações de um universo ético e moral e,
portanto, essencialmente humano.
Quando o pensamento moderno, a partir do século XVI, voltou-se para
os mitos gregos, considerou-os, a princípio, como narrativas semi-históricas,
das quais era possível obter informações concretas, desde que desvinculadas
de seus pressupostos religiosos. Foi só a partir de meados do século XIX que
os mitos gregos foram relegados à posição de narrativas fantasiosas. George
Grote, assumindo uma postura que se revelaria dominante a partir de então,
declarou, na metade do século XIX, que a História Grega, realmente
documentada, começava apenas com a primeira Olimpíada, em 776 AC. Essa
posição domina a historiografia até nossos dias. O que não significa que os
mitos gregos tenham perdido sua eficácia. São célebres as tentativas de
identificar, na mitologia grega, conceitos universais que poderiam ser aplicados
á humanidade como um todo. O exemplo mais bem conhecido é, talvez, o do
complexo de Édipo, que jaz no cerce da teoria freudiana sobre a personalidade
humana, mas vários experimentos foram feitos, já no século XX, para
descobrir, nos mitos, verdades imorredouras sobre o Homem, de Carl Jung a
Lévi-Strauss e Jean-Pierre Vernant. Na estória dos deuses, como naquelas dos
heróis cuja sagra pertence também à mitologia, encontramos, com efeito,
certas oposições e estruturas que parecem comuns às sociedades humanas,
como a contraposição entre mortal e imortal, entre pais e filhos, entre homem e
natureza, entre masculino e feminino. Nesse sentido, os mitos gregos ainda
falam para nós e de nós.
É a esse mundo que a obra de Thomas Bulfinch nos remete, com breves
incursões nas mitologias hindu e nórdica. O autor, baseando-se
22
fundamentalmente em Ovídio, narra as estórias da mitologia grega de modo
eficiente e cativante, deixando, poucas vezes, escapar seus preconceitos de
anglicano. Em certo sentido, ao narrar a mitologia greco-romana, coloca-se no
grande fluxo narrativo que nos aproxima dos amigos, deixando que, em sua
narração, irrompam narrativas recentes, extraídas sobretudo da poesia inglesa,
de Milton a Byron, como a mostra que a força evocativa da mitologia não
morreu, mas é parte integrante de nossa cultura viva, de nossa identidade
como seres culturais. E aí reside uma das virtudes do texto que o leitor tem em
mãos, a de aproximá-lo de uma realidade totalmente diferente da nossa, mas
que esta na raiz do nosso modo de ser e pensar o mundo. Retomando nossas
considerações iniciais, diríamos que o mito ainda atua em nossa vida, mas não
mais como passado, e sim como futuro. Nossa sociedade não mais olha para o
passado como fonte de exemplos, mas para o futuro, como impulso gerador de
esperanças, como justificativa de nossas ações presentes. Nossos mitos
mudaram de forma e conteúdo, mas continuam essenciais para dar sentido a
nossa vida, tanto individual como coletiva. É de esperar que o futuro nos
produza histórias e exemplos tão ricos e frutíferos, como o passado mítico
trazia aos gregos de outrora.
GUARINELLO, Norberto Luiz. Nós e os Mitos. In:_Mitologia 1: História Viva. Ed. Ediouro: São Paulo.
NOBERTO LUIZ GUARINELLO é professor de História Antiga do Departamento de História da Universidade de São Paulo, doutor em arqueologia clássica, com pós-doutorado nas Universidades de Brown (EUA) e Oxford (Inglaterra), autor dos livros Imperialismo Greco-Romano, São Paulo, Ática, 1986, e Primeiros Habitantes do Brasil, São Paulo, Atual, 1994, e de inúmeros artigos especializados publicados em revistas nacionais e estrangeiras.
Texto 3
Que terá levado o homem, a partir de determinado mo mento de sua
história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente,
mais precisamente na Grécia do Século VI a. C., uma nova mentalidade,
que passa a substituir as antigas construções mitol ógicas pela aventura
23
intelectual, expressa através de investigações cien tíficas e especulações
filosóficas? (Os Pensadores, 1978, p. VI)
2 INVESTIGAÇÃO E CRIAÇÃO DE CONCEITOS
Mitologia grega 10
Na antiguidade diferentes povos elaboravam histórias sobre deuses,
heróis e criaturas fantásticas e tais histórias eram repassadas de uma geração
para outra nos rituais religiosos, nas festividades ou simplesmente nas
conversas diárias. Essas histórias são denominadas de mito11. Em semelhança
a esses povos, os gregos antigos também formularam histórias sobre deuses,
heróis e criaturas fantásticas. O que ocorreu especificamente com este povo foi
que, a partir do séc. VI a.C., o modo mítico de produzir discurso foi criticado e
lentamente substituído12 por uma nova modalidade de discurso: a filosofia.
10 O texto aqui produzido foi adaptado e fazia parte daquilo que se denominava Projeto Folhas. O texto foi desenvolvido em conjunto com o professor Juliano Orlandi que compunha a Equipe de Filosofia do Departamento de Educação Básica. Cf. ORLANDI, J. As Principais Características do Mito Grego. 2008. Disponível em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>. Acesso em: 04 jun 2009. Importante observar que em cada Folhas ocorria o desenvolvimento um conteúdo específico, a partir do qual professores e estudantes poderiam levantar questões, identificar problemas e problematizar o conteúdo com o auxílio dos textos filosóficos. O texto filosófico, além de ser objeto de estudo com suas estruturas lógicas, argumentativas e precisão dos enunciados, também forneceria subsídios para entender o problema e o conteúdo que estava sendo estudado (PARANÁ, 2007, p. 10). 11 Segundo Mircea Eliade, citado por BRANDÃO (2000, p. 35-36) o mito é o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial mediante a intervenção de entes sobrenaturais. É o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios, illo tempore, quando com a interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou tão somente um fragmento, um monte, uma pedra, uma ilha, uma espécie animal ou vegetal, um comportamento humano. É a narrativa de uma criação, conta-nos de que forma algo que não existia passou a existir. 12 Existem diferentes perspectivas quanto a origem da filosofia. Segundo Jaeger (2003) a história da filosofia grega deve ser encarada enquanto um processo progressivo de racionalização da concepção religiosa presente nos mitos.
24
Quais são, contudo, as características do mito que o tornam diferente do
discurso filosófico?
Os mitos eram narrativas fantásticas transmitidas na Grécia antiga (séc.
XX – VI a.C.) de forma oral pelos poetas e cantores da época: os rapsodos e
os aedos. Neles eram relatadas as aventuras e lutas das divindades como
Zeus, Apolo, Afrodite e dos heróis como Héracles, Teseu e Odisseu. As
narrativas míticas explicavam os mais variados aspectos da realidade grega e
constituíam, assim, a visão de mundo dominante entre os helenos.
SAIBA MAIS
Lenda : narrativa de cunho edificante composta para ser lida (latim – legenda – o que deve ser lido) ou narrada em público e que tem por alicerce o histórico, embora deformado.
Fábula : é uma pequena narrativa de caráter puramente imaginário, que visa a transmitir um ensinamento teórico ou moral.
Parábola : é um mito elaborado de maneira intencional; tem antes de tudo um caráter didático. Os evangelhos evidenciam o caráter didático da parábola, que tende a criar um simbolismo para explicar princípios religiosos.
Alegoria : etimologicamente – dizer outra coisa é uma ficção que representa um objeto para dar idéia de outro ou, mais profundamente, um processo mental que consiste em simbolizar como ser divino, humano ou animal uma ação ou uma qualidade. (BRANDÃO, J. S. 2000, p. 35)
Os mitos remontam à época em que ainda não havia escrita na Grécia e,
por essa razão, eram difundidos por meio da palavra falada. O vocábulo grego
mýthos, do qual se origina o termo português “mito”, compartilha o mesmo
radical do verbo grego mýtheomai, cujo significado é “dizer”. Assim, mito
significa, em sua acepção mais primitiva, “palavra falada”, “o que foi dito”.
Os grandes representantes desse tipo de narrativa, os poetas Homero e
Hesíodo, viveram, na verdade, em seu período mais tardio; no qual a escrita é
redescoberta pela cultura grega e permite, assim, o registro das antigas
narrativas. As principais obras desses autores, a Ilíada e a Odisséia, no caso
de Homero, e a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, no caso de Hesíodo;
fornecem-nos o mais remoto testemunho da antiga cultura helênica.
25
Primeira fase do universo
CAOS GÉIA TÁRTARO EROS
Érebo Nix (noite) Úrano, Montes, Pontos (Mar)
Éter, Hemera (Dia)
ÚRANO GÉIA
Oceano, Ceos, Crio, Hipéríon, Jápeto, Crono , Téia, Réia, Têmis, Mnemósina, Febe, Tétis, Ciclopes (Arges, Estérope, Brontes), Hecatonquiros (Coto, Briaréu, Gias)
Do sangue de Úrano nasceram: as Erínias (Aleto, Tisífone e Megera), Gigantes (Alcioneu, Efialtes, Porfírio, Encélado...) ninfas Mélias ou Melíades, Afrodite
Em seguida, Nix (Noite), ainda sozinha, deu à luz entre outros: Moro (Destino), Tânatos (Morte), Hipno (Sono), Momo (sarcasmo), Hespérides, Moiras, Queres, Nêmesis, Gueras (Velhice), Éris (Discórdia)...
Com a castração de Úrano, Crono assume o cetro, mas é destronado por Zeus: é a Segunda geração divina que marca a luta de Zeus pelo poder. Crono se casa com a irmã Réia e nasceram Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posídon e Zeus
CRONO RÉIA
Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posídon, Zeus
Graças a um estratagema de Réia, Crono engoliu uma pedra em vez de devorar o caçula Zeus, como fizera com todos os filhos anteriores. Zeus liberta os Ciclopes destrona Crono, que vomita os filhos que havia engolido
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Ao longo da história, os mais diversos interesses, continuamente,
voltaram seus olhos para as obras de Homero e Hesíodo na perspectiva de
aprendizagem e conhecimento. Na perspectiva de compreender o surgimento
da filosofia, entretanto, três características se destacam: a função de
explicação e organização da realidade, o apelo ao d ivino ou sobrenatural
e, finalmente, a revelação como modo hegemônico de acesso ao saber .
Escutemos um mito grego e procuremos descobrir as características citadas
acima.
TEXTO 4
A VISÃO MITOLÓGICA DO MUNDO
(…) Por filosofia entendemos uma forma completamente nova de pensar,
surgida na Grécia por volta de 600 a.C. Antes disso, todas as perguntas dos homens haviam sido respondidas pelas diferentes religiões. Essas explicações religiosas tinham sido passadas de geração para geração através dos mitos.
Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar por que a vida é assim como é.
Ao longo dos milênios, espalhou-se por todo o mundo uma diversificada gama de explicações mitológicas para as questões filosóficas. Os filósofos gregos tentaram provar que tais explicações não eram confiáveis.
A fim de entendermos o pensamento dos primeiros filósofos, precisamos entender primeiro o que significa ter uma visão mitológica do mundo. Vamos tomar por exemplo algumas concepções mitológicas aqui mesmo do Norte da Europa. Não há necessidade de irmos muito longe para mostrar o que queremos.
Na certa você já ouviu falar de Tor e de seu martelo. Antes de o cristianismo chegar à Noruega, acreditava-se aqui no Norte que Tor cruzava os céus numa carruagem puxada por dois bodes. E quando ele agitava seu martelo, produziam-se raios e trovões. A palavra “trovão” – Thor-døn em norueguês – significa originariamente “o rugido de Tor”. Em sueco, a palavra para trovão é åska, na verdade ås-aka – que significa a jornada dos deuses no céu.
Quando troveja e relampeja, geralmente também chove. E a chuva era vital para os camponeses da era dos vikinks. Assim, Tor era adorado como o deus da fertilidade.
A resposta mitológica à questão de saber por que chovia era, portanto, a de que Tor agitava seu martelo. E quando caía a chuva, as sementes germinavam e as plantas cresciam nos campos.
Não se entendia por que as plantas cresciam nos campos e como davam frutos. Mas os camponeses sabiam que isto tinha alguma coisa a ver com a chuva. Além disso, todos acreditavam que a chuva tinha algo a ver com Tor. E isto fazia dele um dos deuses mais importantes do Norte da Europa.
Mas Tor era importante ainda por outro motivo, que tinha algo a ver com toda a ordem do mundo.
27
Os vikings imaginavam o mundo habitado como uma ilha, constantemente ameaçada por perigos externos. Esta parte habitada do mundo eles chamavam de Midgard, que significa “o reino que está no meio”. Em Midgard também havia Ǻsgard, a morada dos deuses. Fora de Midgard havia Utgard, isto é, o reino de fora, habitado pelos perigosos trolls, que não se cansavam de tentar destruir o mundo com toda a sorte de golpes baixos. Chamamos estes monstros malignos também de “forças do caos”. Na religião nórdica e também na maioria das outras culturas, as pessoas acreditavam que havia um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal.
Uma possibilidade que os trolls tinham de destruir Midgard era roubar Freyja, a deusa da fertilidade. Se conseguissem isto, nada mais cresceria nos campos e as mulheres não teriam mais filhos. Por isso era tão importante que os bons deuses mantivessem os trolls afastados.
E também nesse caso Tor era importante: seu martelo não trazia apenas chuva, mas era também uma arma na luta contra as perigosas forças do caos. O martelo emprestava a Tor um poder quase infinito. Ele podia, por exemplo, atirá-lo nos trolls e matá-los. E também não precisava ter medo de perdê-lo, pois o martelo era como um bumerangue e voltava para seu dono.
Esta era a explicação mitológica para o funcionamento da natureza e para o fato de existir sempre uma luta entre o bem e o mal.
Mas não se tratava apenas de explicações. As pessoas não podiam simplesmente ficar sentadas de braços
cruzados, esperando pela intervenção dos deuses, quando catástrofes tais como secas e epidemias as ameaçavam. As pessoas precisavam elas mesmas participar dessa luta contra o mal. E isto elas faziam através de toda a sorte de cerimônias ou rituais religiosos.
O principal ritual religioso na Antiguidade nórdica era o sacrifício. Oferecer alguma coisa em sacrifício a um deus significava aumentar o seu poder. As pessoas precisavam, por exemplo, oferecer sacrifícios aos deuses, a fim de que eles se fortalecessem o suficiente para vencer as forças do mal. Isto podia ser feito, por exemplo, sacrificando-se um animal. Presume-se que a Tor eram sacrificados sobretudo bodes. Para Odin sacrificavam-se às vezes também pessoas.
O mito mais conhecido na Noruega é narrado no poema Trymskveda. Ele nos conta que Tor adormeceu e que, quando acordou, seu martelo tinha desaparecido. Tor ficou tão furioso que suas mãos tremeram e sua barba estremeceu. Acompanhado de seu homem de confiança, Loki, Tor foi até Freyja para lhe pedir emprestadas suas asas, a fim de que Loki pudesse voar até Jotunheim e descobrir se os trolls tinham roubado o martelo de Tor. Lá chegando, Loki encontrou Trym, o rei dos trolls, que logo foi se gabando por ter enterrado o martelo cinco quilômetros debaixo da terra. E, para completar, Trym disse que os deuses só teriam o martelo de volta se Freyja se casasse com ele.
Você está acompanhando, Sofia? Subitamente, os deuses do bem estão diante de um drama jamais visto: um drama envolvendo um refém. Os trolls têm agora em seu poder a mais importante arma de defesa dos deuses, e esta situação é absolutamente inaceitável. Enquanto os trolls estiverem com o martelo de Tor, seu poder sobre os mundos dos deuses e dos homens será irrestrito. Para devolver o martelo eles exigem Freyja. Mas esta troca não é
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possível. Se os deuses entregarem a deusa da fertilidade, que protege todas as formas de vida, então o verde desaparecerá dos pastos, e deuses e homens acabarão morrendo. Não há, portanto, como avançar ou como retroceder nesta situação. Para você entender o que estou dizendo, imagine um grupo terrorista que ameaça explodir uma bomba atômica no centro de Londres ou de Paris, caso suas perigosas exigências não sejam cumpridas.
Continuando, o mito nos diz que Loki volta para Ǻsgard e pede a Freyja que se enfeite de noiva, pois ela terá de se casar com o troll (infelizmente, infelizmente!). Freyja fica furiosa e diz que, se ela se casar com um troll, as pessoas vão pensar que ela é louca por homens.
E então o deus Heimdal tem uma boa idéia. Ele sugere que Tor se fantasie de noiva. Prendendo os cabelos e amarrando duas pedras no lugar dos seios, ele ficaria parecido com uma mulher. É claro que Tor não fica muito entusiasmado com esta idéia, mas acaba reconhecendo que só assim os deuses teriam uma chance de reaver o martelo. No fim, Tor é fantasiado de noiva e Loki o acompanha como dama de honra. — E assim levamos não apenas uma, mas duas mulheres para os trolls — diz Loki em tom de brincadeira.
Se quisermos formular a coisa de uma forma mais moderna, podemos chamar Tor e Loki de um “comando antiterror” dos deuses. Fantasiados de mulher, eles pretendem se infiltrar na fortaleza dos trolls e reaver o martelo de Tor.
Logo que eles chegam a Jotunheim, os trolls iniciam todos os preparativos para as bodas. Na festa, porém, a noiva – isto é, Tor – come um boi inteiro, oito salmões e bebe três barris de cerveja. Trym fica admirado com o que vê. Por um triz o disfarce do comando antiterror não é descoberto. Mas Loki consegue salvá-los desse perigo. Ele conta que Freyja não comia havia oito dias, tão ansiosa que ela estava para chegar a Jotunheim.
Quando Trym ergue o véu da noiva para beijá-la, ele recua ao se deparar com o olhar severo de Tor. Mas também desta vez Loki consegue contornar a situação. Ele conta que a noiva havia sete noites não conseguia dormir de alegria com o casamento. Então Trym ordena que tragam o martelo e que ele seja colocado no colo da noiva durante a cerimônia de casamento.
Conta o mito que quando Tor viu o martelo no seu colo, ele deu uma boa risada. Primeiro matou Trym e depois todos os outros trolls de Jotunheim. E, assim, o terrível drama envolvendo um refém teve um final feliz. Mais uma vez, Tor – o Batman ou o James Bond dos deuses – tinha vencido as forças do mal.
Bem, acho que podemos parar por aqui com a história do mito, Sofia. Mas o que será que este mito em particular realmente quer nos dizer? É claro que ele não foi escrito em versos apenas para divertir. Também este mito quer explicar alguma coisa. E aqui vai uma interpretação possível:
Quando a seca assolava uma região, as pessoas precisavam de uma explicação para a total ausência de chuva. Não seria porque os trolls tinham roubado o martelo de Tor?
Podemos imaginar também que este mito tenta explicar a alternância das estações do ano: no inverno a natureza está morta, porque o martelo de Tor está em Jotunheim. Mas na primavera Tor consegue reavê-lo. E, assim, os mitos tentam explicar às pessoas algo que elas não conseguem entender.
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Mas as pessoas não se contentavam apenas com explicações como esta que acabamos de ouvir. Elas também tentavam participar desses acontecimentos tão importantes para suas vidas. E o faziam através de diferentes rituais religiosos, que guardavam uma relação com os mitos. Assim, podemos imaginar que no caso de seca, ou de uma colheita ruim, as pessoas encenassem um drama que recontasse a história do mito. Talvez um homem da aldeia se fantasiasse de noiva usando pedras no lugar dos seios, a fim de reaver o martelo que estava em poder dos trolls. Era esta a forma que as pessoas viam de fazer alguma coisa para atrair chuva e fazer as sementes germinarem nos campos.
Embora não saibamos exatamente como tudo acontecia, uma coisa é certa: há muitos exemplos de outras partes do mundo que nos mostram que as pessoas encenavam um “mito das estações do ano”, a fim de acelerar os processos naturais.
O que fizemos foi apenas um breve passeio pelo mundo dos mitos nórdicos. Há inúmeros outros mitos sobre Tor e Odin, Frey e Freyja, Hod e Balder, e sobre muitas, muitas outras divindades. Visões míticas como estas existiam no mundo todo, muito antes de os filósofos começarem a questioná-las. Pois os gregos também tinham a sua visão mitológica do mundo, quando surgiram os primeiros filósofos. Ao longo dos séculos, as histórias dos deuses foram sendo passadas de geração em geração. Na Grécia, os deuses eram chamados de Zeus e Apolo, Hera e Atena, Dioniso e Asclépio, Heracles e Hefaístos, apenas para citar alguns nomes.
Por volta de 700 a.C., Homero e Hesíodo registraram por escrito boa parte do tesouro da mitologia grega. Isto levou a uma situação completamente nova. É que, a partir do momento em que os mitos foram colocados no papel, já se podia discutir sobre eles.
Os primeiros filósofos gregos criticaram a mitologia descrita por Homero, porque para eles os deuses ali representados tinham muitas semelhanças com os homens. De fato, eles eram exatamente tão egoístas e traiçoeiros como qualquer um de nós. Pela primeira vez na história da humanidade foi dito claramente que os mitos talvez não passassem de frutos da imaginação do homem.
Um exemplo dessa crítica aos mitos pode ser encontrado no filósofo Xenófanes, nascido por volta de 570 a.C. Para ele, as pessoas teriam criado os deuses à sua própria imagem e semelhança: “Os mortais acreditam que os deuses nascem, falam e se vestem de forma semelhante à sua própria… Os etíopes imaginam seus deuses pretos e de nariz achatado; os tracianos, ao contrário, os vêem ruivos e de olhos azuis… Se as vacas, cavalos ou leões tivessem mãos e com elas pudessem pintar e produzir obras como os homens, eles criariam e representariam suas divindades à sua imagem e semelhança: os deuses dos cavalos teriam feições eqüinas, os das vacas se pareceriam com elas, e assim por diante”.
Nesta época, os gregos fundaram muitas cidades-Estados na Grécia e em suas colônias no Sul da Itália e na Ásia Menor. Nelas, os escravos faziam todo o serviço braçal e os cidadãos livres podiam dedicar-se exclusivamente à política e à cultura. Sob tais condições de vida, o pensamento humano deu um salto: sem depender de nada nem de ninguém, cada indivíduo podia agora opinar sobre como a sociedade devia ser organizada. Desse modo, o indivíduo
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podia formular suas questões filosóficas sem ter que para isso recorrer à tradição dos mitos.
Dizemos que naquela época ocorreu a evolução de uma forma de pensar atrelada ao mito para um pensamento construído sobre a experiência e a razão. O objetivo dos primeiros filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os processos da natureza.
Gaarder, Jostein. O mundo de Sofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo, Cia. das Letras,1998, p. 34-40.
Os mitos
O mito de Faetonte
http://f.i.uol.com.br/folha/ambiente/images/1100156.jpeg
“Aborrecido com seus companheiros por não acreditarem em sua origem
divina, Faetonte, seguindo o conselho da mãe mortal Climene, procurou o pai
Apolo em seu palácio dourado em busca de um sinal pelo qual todos
soubessem que pertencia à raça dos deuses. Embora Apolo tenha prometido,
sob juramento pelo Estige, conceder qualquer pedido que Faetonte lhe fizesse,
desgostoso ficou ao ouvir o desejo do filho imprudente: conduzir por um dia a
carruagem do Sol. Alertou-o que a incumbência era excessiva para um mortal,
visto que, entre os deuses do Olimpo, apenas ele próprio estava destinado a
suportar tão penoso trabalho. O atrevido rapaz, no entanto, teimou em sua
audaciosa pretensão e não se deixou convencer pelas súplicas paternas.
Ao subir na obra-prima de Hefesto, o carro dourado salpicado de pedras
preciosas e aliado aos corcéis de fogo, exaltou-se o rapaz com a felicidade de
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ser seu dono durante um dia. Tal euforia, entretanto, logo deu lugar ao
sentimento de impotência diante da dificultosa tarefa, pois assim que os
cavalos perceberam que suas rédeas estavam em mãos sem prática,
passaram a escolher o caminho à revelia.
Ao invés de se manter em seu trajeto habitual, o Sol se precipitava para
baixo, destruindo a face amável da natureza e as obras do homem. A relva
murchou, as searas foram queimadas e os bosques desfizeram-se em fogo e
fumo. Nesse dia, um pedaço da terra transformou-se num deserto de areia,
onde nem homens nem animais podem se desenvolver.
Perturbado pela balbúrdia de Faetonte, Zeus-pai acordou de sua sesta e
lançou um raio na descontrolada carruagem do Sol. Arrancado do carro, o
jovem presunçoso se precipitou em direção ao solo com o cabelo em chamas,
como uma estrela cadente, para ir apagar-se no rio Erídano. Os corcéis do Sol,
sem condutor, procuraram sua cocheira no céu; e por uma vez caiu a noite
sobre a Grécia em pleno meio-dia.”
PESQUISA
Pesquise diferentes mitos egípcios, indígenas brasileiros ou africanos,
que expliquem o surgimento dos fenômenos da realidade, compare com a
descrição do mito de Faetonte.
TEXTO 5
Foi um caso de barbeiragem de proporções cósmicas, diz a mitologia. O mortal Faetonte assumiu as rédeas da carruagem do Sol e quase derrubou o astro em cima da pobre Terra. Será que um evento astronômico real poderia ter inspirado a história?
Ao menos para pesquisadores da Alemanha e da Grécia, a resposta é "sim". Em estudo na revista científica "Antiquity", especializada em arqueologia, eles dissecam textos da Antiguidade clássica para tentar demonstrar que um meteorito de verdade está por trás do mito greco-romano de Faetonte.
O casal alemão Barbara e Michael Rappenglück, do Instituto de Estudos Interdisciplinares, coordenou o estudo. Eles são arqueoastrônomos --estudiosos do conhecimento astronômico antigo.
CICATRIZES NA TERRA
Barbara Rappenglück contou à Folha que seu interesse por Faetonte surgiu em 2005, quando estava estudando o chamado impacto de Chiemgau.
32
Nessa região da Baviera (sudeste da Alemanha), o solo está salpicado de aparentes crateras. A maior delas hoje é o lago de Tüttensee, com diâmetro de 600 metros e profundidade de 30 metros.
É claro que o simples chão esburacado não é suficiente para comprovar a queda de um meteorito. Os pesquisadores citam outras pistas bem mais reveladoras, típicas de outros impactos.
Quando um bólido celeste despenca, é como se o calor e a energia da pancada "torturassem" as rochas vizinhas, deixando-as com feições características. Algumas derretem e se solidificam rapidamente; outras são vitrificadas (viram vidro); e surgem até minúsculos diamantes no sedimento. Todos esses detalhes estão presentes em Chiemgau, fortalecendo a hipótese do impacto.
"Muitos autores, nas últimas décadas, estavam associando o mito de Faetonte com a queda de um meteorito ou de fragmentos de um cometa", diz Rappenglück. "Mas essas interpretações não me convenceram."
ORIENTE E OCIDENTE
Porém, duas pesquisas mais caprichadas, do alemão Wolf von Engelhardt e do sueco Jerker Blomqvist, voltaram a inspirá-la na caça à cratera. Blomqvist chegou a propor candidatas: as crateras de Kaali, na Estônia.
Mas um detalhe não batia: a localização tradicional do mito. Conta-se que Faetonte, filho do deus solar Hélios e da mortal Climene, pede a seu pai para guiar a carruagem que leva o Sol pelo céu.
O deus cede aos desejos do filho, mas ele pilota tão mal que quase queima a Terra inteira. Para impedir o desastre, Zeus, o chefão dos deuses gregos, atinge o rapaz com um raio, e ele cai no rio Erídano -que, na tradição grega, ficava em algum lugar da Europa Ocidental, e não Oriental (como a Estônia).
O diabo é saber onde. Alguns identificam o Erídano com o rio Pó, no norte da Itália, outros com o Danúbio.
O casal alemão defende a segunda interpretação, já que o rio é perto de Chiemgau. Por meios indiretos, também é possível datar o surgimento das crateras entre 2000 a.C. e 800 a.C. A data bate, em linhas gerais, com o período de formação da cultura e da mitologia gregas, e antecede a primeira menção escrita clara ao mito de Faetonte, na peça "Hipólito" (428 a.C.), de Eurípides.
Os pesquisadores citam ainda detalhes de narrativas antigas, como as do poeta romano Ovídio (43 a.C.-17 d.C.), que registrariam alguns detalhes muito parecidos com a queda de um objeto celeste "transfigurada" pelo mito.
Rappenglück admite que os relatos são muito posteriores ao impacto, mas diz que podem se basear em dados anteriores.
LOPES, R. J. Meteorito inspirou mito greco-romano de Faetonte, diz grupo. Folha de São Paulo , São Paulo, 01 janeiro 2011. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/853469-meteorito-inspirou-mito-greco-romano-de-faetonte-diz-grupo.shtml>. Acesso em: 15/11/2013.
33
Características do mito
A principal característica das narrativas míticas, que se apresenta a
partir de uma breve leitura do Mito de Faetonte, é a função de explicar e
organizar a realidade. Todos os mitos pretendem tornar inteligível um ou mais
fenômenos que influenciam a vida humana. Assim, os eventos que ocorriam
diariamente espantavam as pessoas e exigiam explicações. O mito é, nesse
sentido, a primeira resposta que os gregos antigos ofereceram para as
perguntas que surgiam de seu contato com os fenômenos da realidade.
No mito de Faetonte, por exemplo, é possível perceber constantemente
essa preocupação. Logo no início, o mito apresenta uma explicação para a
natureza do fenômeno do Sol e para o seu movimento aparente. Segundo essa
explicação, ele é uma carruagem de fogo puxada por cavalos flamejantes. Um
pouco adiante, a narrativa de Faetonte explica a ocorrência de um incêndio que
devastou as florestas e as plantações. Explicam-se também o fenômeno da
estrela cadente, do raio e de um eclipse solar. A história de Faetonte nos
mostra claramente a preocupação da narrativa mítica em oferecer explicações
para os diversos fenômenos que ocorriam entre os homens gregos.
Segundo Coulanges (2000, p. 127), nos primeiros tempos, “[...] os
costumes da vida civilizada ainda não haviam estabelecido uma separação
entre natureza e homem”. Os gregos antigos estavam de tal modo submetidos
à força da natureza que sentiam, constantemente, suas fraquezas e limitações
diante de tudo aquilo que lhes cercava. Assim, esperavam ansiosamente pela
chuva de que dependia sua colheita, receavam as tempestades e secas pelo
seu poder de destruição, espantavam-se com o desaparecimento repentino do
Sol no momento de um eclipse. “O homem experimentava em si,
perpetuamente, um misto de veneração, de amor e de terror, perante a
poderosa natureza” (Ibidem, p. 127-128).
Julgando as forças naturais em semelhança consigo, o grego primitivo
reconheceu-lhes o pensamento, a vontade, os sentimentos; “[...] e, como as
sentia poderosas e sofria seu predomínio, confessou a estas suas
dependências; rezou-lhes e adorou-as; e dessas coisas construiu os deuses”
(Ibidem, p. 128).
34
Podemos chamar esse processo pelo nome de “deificação das forças da
natureza”. Ele se caracteriza, basicamente, por oferecer explicações místicas
ou religiosas para os eventos que ocorrem entre os homens e para os quais
não há outra explicação disponível. Ele não se esgota, contudo, na explicação
dos fenômenos da natureza, mas pretende explicar e organizar fenômenos
políticos ou sociais e, até mesmo, fenômenos psicológicos.
É o que ocorre, por exemplo, com a guerra de Tróia, evento político-
social ocorrido aproximadamente por volta de 1250 a.C. Segundo o relato
homérico, ela aconteceu por causa de um concurso de beleza entre as deusas
Afrodite, Atena e Hera, no qual o juiz troiano, Páris Alexandre, recebeu como
suborno a capacidade de seduzir a mais bela das mulheres: Helena. Ela, no
entanto, era casada com Menelau, rei de Esparta; que uma vez ultrajado,
reuniu, com a ajuda de seu irmão Agaménon, os exércitos aqueus e partiu em
direção à Tróia para recuperar sua esposa.
Nesse caso, o fenômeno explicado pelo mito não é da ordem natural,
mas pertence à ordem humana. Os mitos têm, portanto, a pretensão de
oferecer explicações para toda a realidade humana, seja ela natural ou
“artificial”.
O apelo ao divino ou sobrenatural
A segunda característica que podemos perceber a partir da leitura do
mito de Faetonte e que está intrinsecamente ligada à primeira é o apelo ao
divino ou sobrenatural. Ela constitui a estrutura de explicação da realidade
utilizada nas narrativas míticas e, por essa razão, repete-se nos diversos
acontecimentos e personagens dos mitos antigos.
Ela se manifesta, exemplarmente, na personagem central, Faetonte.
Segundo a terminologia mitológica, ele é um semideus, isto é, ele é
parcialmente divino e parcialmente humano, pois é filho do deus Apolo com
uma mortal: Climene. Por sua ascendência divina, realiza ações que
extrapolam a vida dos homens comuns. Nesse sentido, ele é divino. Por outro
lado, em função de sua ascendência materna, ele não tem poder suficiente
para realizar as ações que os deuses realizam. Portanto, ele é humano. Essa
35
diferença entre humano e divino, mortal e imortal, natural e sobrenatural ou
ordinário e extraordinário constitui o modo próprio através do qual os mitos
gregos explicavam e organizavam os fenômenos da realidade.
O jovem grego é capaz, segundo o mito, de realizar coisas que são
absolutamente proibidas aos demais mortais. Ele pode procurar o pai num
palácio divino, assumir temporariamente as funções de um deus, utilizar-se de
artefatos divinos, etc. Em todos os casos, Faetonte não leva uma vida comum
e banal como os outros homens. Pelo contrário, sua vida é extraordinária.
Se, entretanto, ele pode ir até o palácio paterno, por outro lado, esta não
é a sua morada. Se ele pode ter um pedido concedido por um deus, ele é, no
entanto, desencorajado a fazê-lo. Se ele assume uma função divina, ele não é,
contudo, capaz de concluí-la. Faetonte personifica uma distinção e uma tensão
entre o divino e o humano que constitui para os gregos antigos a estrutura de
organização e explicação da realidade.
Atividade
A partir da leitura dos seguintes versos d'Os Trabalhos e os Dias de
Hesíodo, escreva um texto de aproximadamente 30 linhas, em que se mostrem
os possíveis fenômenos naturais ou sociais que o Mito de Prometeu e Pandora
explicam e suas respectivas causas sobrenaturais ou divinas.
Todos os eventos naturais, os fenômenos políticos e os estados
psicológicos, e não apenas as personagens, estão, aos olhos dos gregos do
mito, imbuídos dessa tensão entre o divino e o humano. Explicar os
acontecimentos da realidade significa nesse contexto descobrir as causas
sobrenaturais ou divinas dos fenômenos naturais ou humanos. No mito de
Faetonte, por exemplo, todas explicações encontradas para os fenômenos
supracitados são de ordem sobrenatural ou divina: o Sol é uma carruagem de
fogo conduzida por um deus, o incêndio é causado pela aproximação da
carruagem à terra, o raio é manifestação da vontade de Zeus, a estrela cadente
é Faetonte caindo com cabelo em chamas e, finalmente, o eclipse solar é o
retorno precoce da carruagem à cocheira. Todos esses casos organizam seus
elementos sobre a mesma estrutura de sentido: a tensão entre o humano e o
36
divino e, assim, expressam o modo específico de explicação da realidade das
antigas narrativas míticas.
Oculto retêm os deuses o vital para os homens;42
senão comodamente em um só dia trabalharias
para teres por um ano, podendo em ócio ficar;
[...]
Mas Zeus encolerizado em suas entranhas ocultou,
pois foi logrado por Prometeu de curvo-tramar;
por isso para os homens tramou tristes pesares:
ocultou o fogo. E de novo o bravo filho de Jápeto 50
roubou-o do tramante Zeus para os homens mortais
em oca férula, dissimulando-o de Zeus frui-raios.
Então encolerizado disse o agrega-nuvens Zeus:
“Filho de Jápeto, sobre todos hábil em suas tramas,
apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas; 55
grande praga para ti e para os homens vindouros!
Para esses em lugar do fogo eu darei um mal e
todos se alegrarão no ânimo, mimando muito esse mal”.
Disse assim e gargalhou o pai dos homens e dos deuses;
ordenou então ao ínclito Hefesto muito velozmente 60
terra à água misturar e aí pôr humana voz e
força, e assemelhar de rosto às deusas imortais
esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena
ensinar os trabalhos, o polidedáleo tecido tecer;
e à áurea Afrodite à volta da cabeça verter graça, 65
terrível desejo e preocupações devoradoras de membros.
Aí pôr espírito de cão e dissimulada conduta
determinou ele a Hermes Mensageiro Argifonte.
Assim disse e obedeceram a Zeus Cronida Rei.
[...]
o arauto dos deuses aí pôs e a esta mulher chamou 80
Pandora, porque todos os que têm olímpia morada
37
deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão.
[...]
(HESÍODO, 1996, p. 25-29).
Se as narrativas míticas relatam, referindo-se ao mundo dos deuses, o
surgimento da realidade e dos diversos fenômenos humanos; então elas
constituem a forma de “conhecimento” própria dos gregos arcaicos. A
concepção de saber que lhe determina as características é, contudo, bastante
particular e merece, por essa razão, um tratamento minucioso.
No Proêmio ao poema Teogonia, diz Hesíodo (2001, p. 107):
Elas [Musas] um dia a Hesíodo ensinaram belo canto
quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino.
Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas
Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide: 25
'Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações'.
Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,
por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso 30
colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto
divino para que eu glorie o futuro e o passado,
impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos
e a elas primeiro e por último sempre cantar.
[...]
Assim como todos os poemas da Grécia arcaica, a Teogonia de Hesíodo
se inicia com a estrutura da evocação das Musas. Elas são filhas de Zeus-pai
com a deusa Mnemósine (Memória) e foram criadas para que louvassem todas
divindades com o canto. Quando, porém, são evocadas no início de um poema
grego, cumprem o importante papel de inspirar o poeta (“colhendo-o admirável,
e inspiraram-me um canto / divino para que eu glorie o futuro e o passado”, v.
31-32).
38
Essa inspiração promovida pelas Musas deve, entretanto, ser entendida
num sentido mais forte do que o corriqueiro. Ela não constitui um mero
entusiasmo que anima a atividade do poeta, mas expressa a concessão do
poder divino de canto a Hesíodo. O cetro mencionado no verso 30 é, entre os
gregos, símbolo de poder e competência, quer nas reuniões dos reis, quer nos
círculos de ouvintes dos aedos. Nesse poema, o símbolo do poder concedido a
Hesíodo é o loureiro, árvore relacionada ao deus Apolo, que junto às Musas
preside as artes e a música. Ao oferecer o loureiro viçoso como cetro, as
Musas “[...] lhe [Hesíodo] outorgam o poder que são elas próprias, – ou, dito de
outro modo, mais usual e menos nítido, o poder de que elas são detentoras”
(TORRANO, 2001, p. 27).
As Musas não só concedem o poder de cantar ao poeta grego, mas
também lhe ensinam qual canto deve ser celebrado (“Elas um dia a Hesíodo
ensinaram belo canto” v. 22). O objeto dos seus versos, assim como de
qualquer outro poema grego do período arcaico, é sempre o mesmo: as
façanhas dos deuses imortais (“impeliram-me a hinear o ser dos venturosos
sempre vivos” v. 33). No próprio título da obra já pode se perceber a natureza
divina de seu tema: da união de “theós”, cujo significado é “deus”, e “génos”,
que significa “nascimento”; resulta “teogonia”, “o nascimento dos deuses”.
Esse conteúdo pertence, entretanto, à dimensão sobrenatural ou divina,
a qual o homem, em virtude de sua natureza mortal, não tem acesso. Para
descobrir, portanto, as causas dos fenômenos naturais ou humanos; ele
necessita de alguma forma de mediação com o sobrenatural. As Musas
exercem, para os gregos do período mítico, esse papel e, assim, revelam aos
limitados mortais o que ocorre no mundo dos deuses.
Sem a evocação das Musas, portanto, as narrativas míticas perdem sua
força argumentativa e a legitimidade característica dos discursos gregos
arcaicos. A tensão entre uma realidade humana e outra realidade divina impõe
a necessidade de uma mediação, que ocorre nos mitos gregos por força da
concessão do poder das Musas aos aedos e rapsodos. Em função desta
estrutura interna, o mito expressa a concepção mítica de que a sabedoria só é
obtida por meio da revelação divina.
39
Os mitos constituíam, portanto, uma modalidade discursiva de
explicação da realidade que predominou entre os gregos antigos até o séc. VI
a.C. Seu modo próprio de entender os fenômenos estava fundado na tensão
entre o divino e o humano e, assim, ele encontrava para todos os eventos
naturais ou sociais causas divinas ou sobrenaturais. Por força dessa estrutura
de explicação, as causas dos fenômenos ordinários estavam distantes dos
homens comuns e o único modo de conhecê-las era através da mediação de
uma divindade. Por isso, todos os poemas míticos se iniciavam com a estrutura
de evocação das Musas.
A partir do séc. VI a.C., no entanto, os gregos passaram a desenvolver
uma nova forma de discurso que pretendeu, explicitamente, superar as antigas
narrativas míticas. Embora o predomínio da poesia tenha sido enfraquecido em
função dessa novidade e também em função das diversas mudanças sociais
que lhe acompanharam, a estrutura mítica de explicação dos fenômenos
jamais deixou de povoar e influenciar a relação intelectual dos homens com o
mundo. Por essa razão, é possível percebê-la em épocas mais recentes da
história. É possível inclusive perceber sua presença na época atual. Nesse
sentido, a explicação mítica dos fenômenos não deve jamais ser considerada
primitiva ou atrasada, porque ela ainda determina o modo como nós
apreendemos a realidade.
Esta é a revelação de Jesus Cristo: Deus a concedeu a Jesus, para ele
mostrar a seus servos as coisas que devem acontecer muito em breve. Deus
enviou ao seu servo João o Anjo, que lhe mostrou essas coisas através de
sinais. João testemunha que tudo quanto viu é a palavra de Deus e
Testemunho de Jesus Cristo. Feliz aquele que lê e aqueles que escutam as
palavras dessa profecia, se praticarem o que nela está escrito. Pois o tempo
está próximo. (Ap, 1, 1-3).
Atividade
A partir da leitura dos versículos 1-3 do Apocalipse de São João, elabore um
quadro comparativo com o trecho supracitado da Teogonia de Hesíodo.
40
O SURGIMENTO DA FILOSOFIA
Que terá levado o homem, a partir de determinado momento de sua
história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente, mais
precisamente na Grécia do Século VI a. C., uma nova mentalidade, que passa
a substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual,
expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas? (Os
Pensadores, 1978, p. VI)
Os historiadores afirmam que a filosofia surgiu nas colônias gregas da
Ásia Menor (Jônia) entre os séculos VII a. C. e VI a. C., que o primeiro filósofo
foi Tales de Mileto e que ao nascer a filosofia era uma cosmologia (explicação
racional da ordem do mundo e do cosmos).
Periodização da história da Grécia Antiga
Civilização micênica – desde o início do segundo milênio a . C.; nome – cidade
de Micenas, de onde no século XII a . C. partem Agamemnom, Aquiles e Ulisses
para sitiar e conquistar Tróia
Tempos homéricos (séculos XII a VIII a . C.) – Homero; fase de transição de
um mundo essencialmente rural, surgimento de uma aristocracia proprietária de
terras; desenvolvimento do sistema escravista
Período arcaico (séc. VIII a VI a . C.) – alterações sociais e políticas – advento
das Cidades-estado (polis); desenvolvimento do comércio - movimento de
colonização grega
Período clássico (séc. V a IV a . C.) – apogeu; democracia; artes, literatura e
filosofia; Sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles
Período helenístico (séc. III e II a . C.) – decadência política; domínio
macedônico e conquista pelos romanos; influência cultural dos ocidentais
Atividade
Apresente os principais problemas (3 pares de oposi ção) acerca da
origem da Filosofia.
41
Existem diferentes perspectivas, controvérsias, quanto a origem da
Filosofia, procuraremos analisar as principais compreensões acerca do que se
denomina “problemas da origem da Filosofia.”
Segundo Chauí (2002, p. 18) existem três pares de oposições,
1 – Milagre grego X orientalismo
2 – Harmonia luminosa X Dilaceramento desmedido
3 – Descontinuidade entre mito e filosofia X Contin uidade entre
mito e filosofia
1 – A filosofia é a expressão mais acabada do milagre grego ou o
resultado de empréstimos, influências e heranças orientais?
2 – A filosofia é a expressão mais acabada do “gênio helênico” enquanto
harmonia, simplicidade e luminosidade ou uma das manifestações do
dilaceramento trágico, da desmedida e do fundo obscuro do espírito grego?
3 – A filosofia é o advento da razão inteiramente liberada do mito e da
religião ou é a continuação (racionalizada e laica) das formulações mítico-
religiosas?
Milagre grego X orientalismo
Harmonia luminosa X
Dilaceramento desmedido
Descontinuidade entre mito e
filosofia X Continuidade entre mito
e filosofia
A partir do século VI a. C., os gregos experimentaram uma nova forma
de discurso sobre a realidade que se opôs radicalmente à forma até então
vigente: o mito. Gradualmente, as histórias de Faetonte, Zeus e Hércules
deram lugar a um novo modelo de atividade intelectual que ficou conhecido
pelo nome de filosofia. Por essa razão, tornou-se comum entre os historiadores
do pensamento utilizar a expressão “Passagem do Mito à Filosofia‟ para
caracterizar o surgimento do pensamento racional na Grécia Antiga.
42
Quais são, no entanto, as principais diferenças entre o mito e a filosofia?
O que caracteriza essencialmente o pensamento dos primeiros filósofos? O
que levou os gregos a criar uma nova forma de discurso oposto à tradição
existente?
Leia os textos e em seguida apresente em seguida a perspectiva
quanto a origem da filosofia
Aristóteles, Metafísica
De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre maiores [...] Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis. De modo que, se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância, é evidente que buscavam o conhecimento unicamente em vista do saber e não por alguma utilidade prática. E o modo como as coisas se desenvolveram demonstra: quando já se possuía praticamente tudo o de que se necessitava para a vida e também para o conforto e para o bem-estar, então se começou a buscar essa forma de co-nhecimento (ARISTÓTELES, 2002, p. 13).
Jaeger, Paideia
Não e fácil traçar a fronteira temporal do momento em que surge o pensamento racional. Passaria, provavelmente pela epopéia (Poema que narra ações grandiosas) homérica. No entanto, nela é tão estreita a interpenetração do elemento racional e do "pensamento mítico", que mal se pode separá-los. Uma análise da epopéia, a partir deste ponto de vista, nos mostraria quão cedo o pensamento racional se infiltra no mito e começa a influenciá-lo. [...]
O início da filosofia científica não coincide, assim, nem com o princípio do pensamento racional nem com o fim do pensamento mítico. Até porque, mitogonia autêntica ainda encontramos na filosofia de Platão e na de Aristóteles. São exemplos, o mito da alma em Platão, e, em Aristóteles, a idéia do amor das coisas pelo motor imóvel do mundo (JAEGER, 2003, p. 191-192).
A filosofia pré-socrática
O termo pré-socrático é utilizado para designar os pensadores que
viveram por volta do século VI a.C. nas colônias gregas da costa da Jônia
43
(atualmente Turquia) e da Magna Grécia (atualmente sul da Itália). Segundo a
tradição filosófica (ARISTÓTELES, 1979, p. 16), foram eles os primeiros a
elaborar e desenvolver uma atividade intelectual que na posteridade ficou
conhecida pelo nome de filosofia. Entender o surgimento do pensamento
racional no Ocidente significa, portanto, descobrir e analisar as obras, as
teorias, as doutrinas e os argumentos enunciados de diferentes modos por
esse vasto grupo de pensadores.
Embora sua produção literária tenha sido extensa, nenhuma das obras
dos primeiros filósofos resistiu à ruína do tempo e, por isso, não temos hoje
qualquer possibilidade de acesso direto ao seu pensamento. Podemos
conhecer sua filosofia, contudo, de maneira indireta, pois filósofos ulteriores, tal
como Platão e Aristóteles, registraram em seus próprios textos comentários e
citações das obras pré-socráticas. No início do século XX, um pesquisador
alemão chamado Hermann Diels (1848-1922) recolheu e organizou essas
citações e comentários dispersos e os publicou sob o título de Os Fragmentos
Pré-Socráticos . Essa obra constitui hoje o principal material disponível para o
estudo dos primeiros filósofos e, por essa razão, conduzirá nossas
investigações daqui por diante.
A primeira coisa que percebemos com uma breve leitura dos fragmentos
pré-socráticos é sua crítica explícita e contundente ao mito e aos poetas
antigos. Ouvimos, assim, de um dos mais importantes pré-socráticos: “Homero
merecia ser expulso dos certames e açoitado, e Arquíloco13 igualmente”
(HERÁCLITO, 1978, p. 83). Xenófanes de Colofão (ca. 570 – 528 a.C.), por sua
vez, dizia (ibidem, p. 64) que “tudo aos deuses atribuíram Homero e Hesíodo, /
tudo quanto entre os homens merece repulsa e censura, / roubo, adultério e
fraude mútua.” Nos dois casos é possível perceber que a filosofia pré-socrática
se compreende, de modo geral, como uma forma de discurso contrária e
concorrente à poesia mítica.
Curioso é, contudo, que o termo que, ao longo da tradição, foi utilizado
para caracterizar a primeira filosofia, a palavra grega “lógos”, tem o mesmo
significado que o termo utilizado para designar a poesia mítica, “mýthos”. Como
13 Arquíloco foi um poeta grego que viveu por volta do século VII a.C. Escreveu poemas líricos e foi considerado pelos antigos tão importante quanto Homero.
44
vimos anteriormente, “mýthos” deriva do verbo “mýtheomai” e significa o que é
dito, o que é contado. “Lógos”, por sua vez, deriva do verbo “légein”, cujo
significado é dizer e, por isso, também é traduzido como o que é dito, o que é
falado. As palavras escolhidas para representar as duas formas de discurso
têm, portanto, o mesmo significado.
Esse fato não constitui um testemunho contrário à primeira apreensão
que foi feita da relação entre filosofia e mito? Como é possível que duas
atividades opostas sejam sinteticamente caracterizadas da mesma forma? Se a
filosofia no momento de seu surgimento quis distanciar-se da poesia, por que
se autodenominou com um termo que tem exatamente o mesmo significado da
palavra que designava seu opositor?
A função de explicação e organização da realidade
Essa questão se torna ainda mais grave quando se percebe que a
principal função exercida pela filosofia é exatamente a mesma que era exercida
pelo mito grego. Tal como as narrativas míticas pretendiam oferecer
explicações para os mais diversos fenômenos da realidade, a filosofia, no
momento de seu nascimento, também pretende cumprir uma tarefa dessa
natureza.
É o que se percebe com facilidade na leitura da maior parte das
afirmações dos filósofos pré-socráticos. Xenófanes, por exemplo, se
pronunciava da seguinte maneira sobre um conjunto de eventos naturais
(ibidem, p. 66):
O mar é a fonte da água, é fonte do vento; pois, nas nuvens, não haveria a força do vento que sopra para fora, sem o grande mar, nem as correntes dos rios, nem a água chuvosa do éter. É o grande mar que engendra as nuvens os ventos e os rios.
A última frase encerra o fragmento de Xenófanes em tom categórico: é o
mar que causa as nuvens, os ventos e os rios. Ela parece uma espécie de
conclusão de um argumento que trata das relações entre o mar, a chuva, os
45
ventos, as nuvens e os rios. Diante das relações pressentidas, o fragmento
defende, a título de conclusão, que é o mar a causa de todos os outros
fenômenos.
Ao longo de sua vida, Xenófanes certamente testemunhou todos esses
eventos naturais e, provavelmente, se surpreendeu com o fato de que sua
compreensão sobre eles era extremamente limitada. Ele era incapaz de
controlá-los, de prevê-los ou até mesmo de explicá-los. Por essa razão, decidiu
questioná-los. O fruto desse questionamento foi, possivelmente, o texto em que
constava o fragmento acima e a conseqüente elaboração de uma “teoria”
primitiva de explicação de alguns fenômenos da natureza. É possível, e até
mesmo provável, que essa obra ou essa parte da obra de Xenófanes se
iniciava com a pergunta: qual é a origem das nuvens, dos ventos, dos rios e da
chuva? ou com alguma forma derivada dela. E,provavelmente, o texto se
encerrava com o fragmento que nos restou ou – o que é o mesmo – com a
resposta: o mar é a causa de todos esses fenômenos. Outro pré-socrático,
Empédocles de Agrigento (ca. 490 – 435 a.C.), preocupado com a natureza da
matéria, afirmava que ela era constituída pela combinação de quatro elementos
primordiais: o fogo, o ar, a água e a terra. Todos os seres compostos eram,
segundo Empédocles, o resultado das possíveis combinações desses quatro
elementos. Não existiria, assim, nada na natureza que não fosse fogo, água, ar
e/ou terra. Afirmava então o filósofo de Agrigento (ibidem, p. 222):
Outra te direi: não há criação nenhuma dentre todas (as coisas) mortais, nem algum fim em destruidora morte, mas somente mistura e dissociação das (coisas) misturadas é o que é, e criação isto se denomina entre os homens.
Empédocles pretende aqui defender a tese de que a matéria nunca
surge nem desaparece, ela apenas se transforma. As coisas, desse modo, são
constituídas somente de um arranjo específico de partes que, quando se
agrupam, temos a impressão que algo nasce e, quando se dissociam, temos a
impressão que algo morre. Na verdade, diz Empédocles, as coisas não são
criadas e nem destruídas, são os elementos que ou as compõem ou as
destroem. „Criação‟ e „morte‟ são nomes que os homens utilizam para
46
designar ou a combinação dos elementos ou a sua dissociação. A pergunta
que, provavelmente, esteve à base da investigação de Empédocles e que, por
fim, resultou na afirmação do fragmento oitavo foi: como e por que as coisas
nascem e morrem?
Com a leitura do fragmento de Empédocles, é possível perceber
novamente a preocupação dos pré-socráticos com a função de explicação e
organização dos diversos fenômenos da realidade. Por essa razão, tornou-se
comum designá-los pelo termo fisiólogos, isto é, aqueles que estudam a phýsis
(natureza). Essa característica indica novamente a proximidade entre o mito e
a filosofia. Ambos são modos de explicar a realidade. Resta-nos então
perguntar: onde está a diferença entre eles?
Os filósofos pré-socráticos criticavam os poetas míticos justamente
porque acreditavam ter encontrado uma maneira mais eficiente de realizar a
função de explicação e organização da realidade. Nessa perspectiva, o
problema do mito se encontrava no modo através do qual ele realizava sua
explicação dos fenômenos. Encontrava-se, portanto, no apelo ao divino ou
sobrenatural.
Como foi visto, as narrativas míticas explicavam os mais diversos
eventos da realidade e, por isso, não era possível enxergar, à primeira vista,
uma unidade de objetos entre elas. Se, do ponto de vista do conteúdo, elas
eram múltiplas, do ponto de vista da forma, elas eram, contudo, semelhantes.
Todas procuravam causas sobrenaturais ou divinas para os fenômenos
naturais ou humanos. Assim, para explicar um eclipse solar, a narrativa de
Faetonte propunha o retorno antecipado dos cavalos de Apolo à cocheira. Para
entender a motivação da Guerra de Tróia, o mito descrevia a deusa Afrodite
subornando Páris Alexandre e vencendo o concurso de beleza. As narrativas
míticas buscavam desse modo suas explicações dos fenômenos num contexto
divino ou sobrenatural.
Os filósofos pré-socráticos, em contrapartida, explicavam os fenômenos
da realidade não mais segundo causas divinas ou sobrenaturais mas segundo
um apelo ao próprio mundo humano ou natural. É o que se vê com facilidade
nos fragmentos pré-socráticos supracitados. Xenófanes, por exemplo, não
apresenta a causa dos ventos de acordo com uma perspectiva sobrenatural da
47
realidade. Não fala numa divindade ou criatura fantástica como Bóreas, o deus
do vento norte14. Xenófanes oferece um fenômeno tão natural quanto o vento:
o próprio mar.
Observando a natureza, o filósofo de Colofão suspeita de uma relação
entre as nuvens e os ventos e descobre que as primeiras se originam do mar.
Se o mar causa as nuvens e as nuvens causam os ventos, conclui Xenófanes,
o mar é necessariamente a causa dos ventos. Ao invés, portanto, de
apresentar um deus ou uma criatura fantástica para explicar os fenômenos
naturais que tem diante si, o pré-socrático explica a realidade com causas
humanas ou naturais.
A mesma diferença se mostra no fragmento de Empédocles de
Agrigento. Se ele fosse um poeta mítico, provavelmente atribuiria o surgimento
das coisas ao casamento e à procriação dos deuses15. Na medida em que é
um filósofo, no entanto, explica o surgimento das coisas através da
combinação de quatro elementos primordiais: o fogo, a água, o ar e a terra.
Nenhum destes fenômenos contém qualquer aspecto divino ou sobrenatural;
são simplesmente elementos cotidianos que se fazem presentes no mundo
natural ou humano. Tal como Xenófanes, por conseguinte, Empédocles
apresenta causas puramente naturais para explicar os fenômenos do mundo
dos homens.
Se, portanto, o mito e a filosofia pré-socrática são semelhantes em sua
intenção de explicar e organizar a realidade, por outro lado, são diferentes
porque a explicam e a organizam de modos distintos. Enquanto o primeiro está
marcado pelo sentido de irrupção do sagrado no mundo cotidiano, a segunda
circunscreve sua busca por explicações no próprio domínio dos fenômenos
humanos ou naturais.
14 Após derrotar os espartanos na famosa batalha das Termópilas (480 a.C.), o rei persa Xerxes teve parte de sua frota destruída por um vendaval no promontório de Artemisium. Os atenienses atribuíram essa derrota à ajuda do deus Bóreas, que havia antes raptado e desposado uma princesa de Atenas, Oreitia. Diante dos invasores persas, os atenienses ouviram do Oráculo “invoca seu genro como aliado” e, ao assistirem da Ilha de Eubéia à formação de uma tempestade, realizaram sacrifícios em homenagem a Bóreas. Segundo o mito, o deus soprou forte e afundou cerca de 400 navios do império persa. 15 Do ponto de vista do mito, o vento norte (Bóreas) era, por exemplo, filhos de Ástreos (Astros) e Éos (Aurora).
48
Atividade
A partir dos fragmentos de Anaxímenes (ca. 585 – 528/5 a.C.) e
Xenófanes, escreva um texto sobre o objetivo pré-socrático de explicar e
organizar os fenômenos da realidade segundo um apelo ao natural ou humano.
Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim
também todo o cosmo [universo] sopro e ar o mantém. Os lídios foram os
primeiros a cunhar moedas.
A descoberta da racionalidade
Como vimos, os poetas gregos julgavam que seu saber sobre a
realidade dependia de um auxílio divino e, por essa razão, iniciavam seus
relatos com a estrutura da evocação das Musas. Antes de relatar o nascimento
dos deuses, por exemplo, Hesíodo afirmava que as Musas lhe revelaram o
conhecimento das coisas divinas e, assim, fizeram dele um poeta. Uma vez
que as causas dos fenômenos naturais eram, do ponto de vista mítico, divinas
ou sobrenaturais, os mortais não eram capazes de percebê-las diretamente.
Para conhecê-las, eles precisavam que uma divindade as revelasse. Assim, ao
evocar as Musas no início da Teogonia , Hesíodo atesta a compreensão de
que o canto foi revelado pelos deuses e exemplifica a concepção do
conhecimento como revelação divina.
Os pré-socráticos, por outro lado, concebem o conhecimento a partir do
conceito de razão (lógos) e, para grande parte dos historiadores do
pensamento, é justamente essa concepção que enseja o desenvolvimento da
filosofia e das ciências. Os estudiosos acreditam, assim, que os pré-socráticos
fundaram a concepção racional de conhecimento que se tornou paradigmática
no Ocidente. Resta, contudo, saber como ela se caracteriza essencialmente?
Para responder a indagação acima, serão lidos dois fragmentos de um
dos mais importantes filósofos pré-socráticos: Heráclito de Éfeso. Neles, o
pensador utiliza a palavra grega 'lógos', cuja tradução é geralmente feita com o
termo português 'razão', e apresenta o modo pré-socrático de compreender a
atividade do conhecimento. É, portanto, no uso que Heráclito faz do termo
grego que se procurará descobrir a perspectiva epistemológica que se tornou o
paradigma no Ocidente.
49
O problema está, contudo, no fato de que o termo 'lógos' é polissêmico.
Ele pode significar: palavra, dito, máxima, sentença, exemplo, decisão,
condição, promessa, pretexto, argumento, ordem, menção, conversação,
relato, matéria de estudo, razão, inteligência, motivo, juízo, estima, explicação,
etc. Em função dessa multiplicidade de traduções possíveis, as ocorrências da
palavra 'lógos' nos fragmentos de Heráclito serão mantidas no original grego. O
objetivo é evitar que ela seja, assim, compreendida a partir de preconceitos
modernos, possibilitando uma aproximação maior do sentido que lhe foi
conferido no séc. VI a.C. Eis o fragmento 01 (Ibidem, p. 79) e o fragmento 50
(Ibidem, p. 84) de Heráclito de Éfeso:
Deste lógos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas (as coisas) segundo esse lógos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais quais eu discorro segundo (a) natureza distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta. Aos outros homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo. Não de mim, mas do lógos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um. A relação entre logos e o homem
A primeira informação que Heráclito oferece sobre o lógos e que,
certamente, constitui o principal objetivo do fragmento 01 é o fato de que ele
estabelece uma relação com os homens. Diz ele: “deste lógos [...] os homens
se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido
[...]”. O lógos é, portanto, algo audível para os homens, muito embora eles não
o acompanhem.
A frase de Heráclito, no entanto, não especifica quais homens não
acompanham o lógos, mas diz tão-somente que “deste lógos [...] os homens se
tornam descompassados [...]”. Disto pode se seguir duas coisas diferentes:
primeiro, Heráclito pode defender que não há um homem sequer que seja
capaz de acompanhar o lógos. Ou, na seqüência do fragmento, ele pode
defender que existem dois grupos de homens: aqueles que acompanham o
lógos e aqueles que não o acompanham.
50
Abaixo Heráclito explica melhor quem são os descompassados do lógos.
Diz ele o seguinte: “[...] a inexperientes se assemelham embora
experimentando-se em palavras e ações [...]”. A conseqüência de não estar no
compasso do lógos é, portanto, parecer inexperiente nas tarefas relacionadas
ao agir e ao falar. Existem, contudo, diversos tipos de ação a serem realizadas
e diversas coisas a serem ditas. Em quais ações e palavras os homens
descompassados do lógos são, segundo Heráclito, inexperientes? Em todas ou
em apenas algumas?
Heráclito esclarece na seqüência: “[...] palavras e ações tais quais eu
discorro [...] distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta.” Os
homens parecem inexperientes, portanto, naquilo que Heráclito realiza, isto é,
ele distingue como cada coisa se comporta. Explicar o comportamento das
coisas é o tipo de tarefa que foi atribuída acima aos filósofos pré-socráticos. Os
exemplos de Xenófanes e de Empédocles pretendiam mostrar que a principal
preocupação da filosofia nascente era oferecer, em contraposição ao discurso
mítico, uma explicação dos fenômenos da realidade. Explicar a realidade nada
mais é do que distinguir como cada coisa se comporta e, assim, ao escrever o
fragmento 01, Heráclito se filia ao grupo dos pensadores pré-socráticos.
Existem, portanto, para ele dois tipos de homem: aqueles que explicam a
realidade e aqueles que não conseguem explicá-la.
A pergunta sobre a existência de homens que acompanham o lógos se
resolve com o último trecho mencionado. Se existem, por um lado, homens que
são inexperientes em palavras e ações porque não acompanham o lógos e se
existem ainda outros que não parecem inexperientes, tal como o próprio
Heráclito, então há pelo menos alguns homens que devem estar no compasso
do lógos. São eles que se assemelham a experientes em palavras e ações que
distinguem como as coisas se comportam.
O fragmento 01 afirma, portanto, que a relação entre os homens e o
lógos pode se manifestar de dois modos distintos. Em primeiro lugar, os seres
humanos podem não acompanhar o lógos e, por isso, são inexperientes nas
explicações dos fenômenos da realidade. Por outro lado, eles podem
acompanhar o lógos e, assim, se tornarem capazes de explicar como cada
coisa se comporta. Se, portanto, o lógos é quem oferece aos homens o
51
conhecimento da realidade, então ele deve estabelecer também algum tipo de
relação com as coisas.
A relação entre logos e as coisas
Se, por um lado, o lógos pode estabelecer duas relações diferentes com
os homens, por outro, ele estabelece apenas uma com as coisas. Heráclito a
anuncia ainda no fragmento 01: “[...] tornando-se todas (as coisas) segundo
esse lógos [...]”. O termo original traduzido por 'tornando-se' é 'gignomenón'
que compreende o radical grego 'gen-'. Esse último tem o sentido de
nascimento ou geração e consta em palavras portuguesas como 'gênesis,
genética, gênero', etc. O fragmento de Heráclito diz, por conseguinte, que
todas as coisas nascem de acordo com o lógos ou o nascimento das coisas é
conduzido pelo lógos. É preciso, no entanto, compreender precisamente o
sentido de nascimento que consta no radical 'gen-'. Quando se utiliza
corriqueiramente a palavra 'nascimento', geralmente se entende aquele
momento singular e passageiro em que algo ou alguém veio a ser. A pergunta,
por exemplo, 'quando você nasceu?' é usualmente respondida com uma data
específica: 01/05/1985. Com esse tipo de resposta, entende-se por nascimento
um único momento concretizado e determinado pelos limites do tempo
passado.
Com o radical 'gen-', por outro lado, compreende-se algo que não
ocorreu apenas no passado, mas que permanece ao longo do presente e do
futuro. Assim, quando se fala em genes de um animal, pretende-se descrever
um conjunto de aspectos químicos que determinam as características físicas e
permanecem presentes para serem transmitidos aos descendentes. Os genes
são, portanto, algo que estava no nascimento do animal, que permanece
durante sua vida e que será repassado às gerações futuras.
O fragmento 01 de Heráclito afirma, por conseguinte, que as coisas são
determinadas no momento de seu nascimento pelo lógos e que, para toda a
sua existência, ele continua determinante. A relação entre as coisas e o lógos
é, portanto, uma relação de determinação 'genética'. Por essa razão, se os
homens não forem descompassados do lógos, diz Heráclito, serão capazes de
52
explicar e distinguir como cada coisa se comporta. Uma vez que é o lógos
quem determina “geneticamente” todas as coisas, somente através dele o
homem será capaz de entender e explicar seu funcionamento.
O título do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, compreende o mesmo
sentido de algo que ocorreu no passado mas que permanece no presente.
Assim, o livro conta a história da expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden
por conta do pecado original. Segundo a Bíblia, Deus disse a Adão: “Já que
você deu ouvidos a sua mulher e comeu da árvore cujo fruto eu lhe tinha
proibido de comer, maldita seja a terra por sua causa. Enquanto você viver,
você dela se alimentará com fadiga. [...] Você comerá seu pão com o suor do
seu rosto, até que volte para a terra, pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó
voltará.” (Gn, 3, 17-19). O pecado cometido por Adão cria uma situação que se
perpetua, segundo a Igreja Católica, até hoje. Todos os homens são herdeiros
desse erro original e, por essa razão, devem ser purificados. A maneira de
purificar os homens é, segundo o Compêndio de Catecismo da Igreja
Católica (2005), submetendo-os ao batismo. O Gênesis apresenta, portanto, a
compreensão de um erro que não só ocorreu no passado mas que continua
determinando os homens de hoje e que precisa, por conta disso, ser
continuamente purificado pelo rito do batismo.
A noção de arkhé
A concepção de nascimento e perpetuação que o radical 'gen-' comporta
se manifesta também numa palavra que Heráclito não utiliza nos fragmentos
supracitados mas que se tornou fundamental para os pensadores pré-
socráticos: a arkhé. Comumente traduzida por “princípio”, ela constitui,
segundo muitos historiadores da filosofia, a mais importante característica do
pensamento dos primeiros filósofos.
O problema de traduzir o termo “arkhé” por princípio é correr o risco de
não perceber a complexidade de sentidos que ele contém. Em primeiro lugar,
princípio significa aquilo que iniciou um processo. Nesse sentido, arkhé pode
ser traduzida por começo, início ou nascimento. Se se perguntasse, por
exemplo, “qual é o início (arkhé) de um jogo de futebol?”, uma resposta
53
possível seria „o apito inicial do árbitro‟. A resposta oferece um dos vários
eventos que ocorrem numa partida de futebol mas que se caracteriza por ser “o
mais anterior” temporalmente, isto é, o primeiro. No sentido de início, portanto,
o princípio do jogo de futebol é o primeiro de todos os eventos que ocorrem no
campo. Na língua portuguesa, o radical de arkhé aparece com este sentido em
palavras como “arcaico” ou “arqueologia”.
O termo arkhé contém, por outro lado, o sentido de governo ou comando
que também está implícito no termo português 'princípio'. Recuperando o
exemplo acima, se a pergunta fosse “qual é o princípio do jogo de futebol?” ao
invés de “qual é o início do jogo de futebol”, a resposta “o apito inicial do
árbitro” soaria estranha. Talvez uma resposta mais interessante fosse “marcar
gols” ou “vencer o adversário”. A diferença entre a primeira e a segunda
resposta acusa explicitamente a distinção entre o princípio e o início. O apito do
árbitro é um acontecimento isolado que se encerra no momento inicial do jogo
e nunca mais se repete. Só um único acontecimento pode ser o início do jogo.
“Fazer gols”, contudo, não é algo delimitado temporalmente, mas é algo que se
perpetua ao longo de todos os eventos que ocorrem no campo. A função do
princípio não é simplesmente iniciar o processo mas conduzi-lo. Assim, o
treinador escolhe usar um ou dois atacantes porque quer fazer gols. Monta um
time defensivo porque não quer sofrer gols. O jogador passa a bola para o seu
colega porque quer chegar ao gol. Nesse sentido, perguntar pelo princípio
significa perguntar por aquilo que governa os eventos de um determinado
processo. O princípio nada mais é, portanto, que a 'lei' que rege e conduz um
determinado acontecimento. Na língua portuguesa, o radical de arkhé aparece
com este sentido em palavras como “patriarca” ou “monarquia”.
A grande inovação da filosofia pré-socrática consiste em julgar que toda
a realidade está organizada segundo um princípio ou uma regra. Pela primeira
vez na história do Ocidente, cristaliza-se a noção de que os eventos que
ocorrem ao redor do homem não são caóticos e desordenados, mas estão
organizados sistematicamente. É exatamente aí que se encontra a principal
diferença entre a filosofia pré-socrática e o discurso mítico produzido por
Homero e os demais poetas antigos.
54
Como foi visto no caso da poesia, os gregos construíram seus mitos a
partir da deificação da natureza e, por isso, seus deuses estão, de um modo ou
de outro, ligados aos fenômenos naturais. Os mitos escondem, portanto, a
maneira através da qual os gregos enxergavam os acontecimentos que os
cercavam. Analisando as relações entre os deuses, é possível descobrir as
características da compreensão mítica de realidade.
Quando se ouve um mito, é freqüente perceber que a relação entre os
deuses jamais é harmoniosa e regular. Pelo contrário, entre os deuses, impera
a contrariedade. Assim, os mitos apresentam na maior parte das vezes
relações tensas e difíceis que se manifestam em traições, guerras, agressões e
oposições entre as divindades. Numa famosa passagem da Ilíada (HOMERO,
2002, p. 326-331), por exemplo, a esposa de Zeus, Hera, engana o marido
para alterar o rumo da guerra entre troianos e aqueus. Ela trai a vontade de
Zeus.
Se os deuses gregos são, na verdade, frutos do processo de deificação
dos fenômenos naturais, então, quando os poemas os representam em
disputas constantes, isso indica de alguma forma que, na mente dos gregos
antigos, as forças da natureza estavam em guerra umas com as outras. Nesse
contexto, os homens ainda não eram capazes de perceber as relações que se
estabeleciam entre os diversos fenômenos. De seu ponto de vista, os eventos
naturais manifestavam contrariedade. Assim, o fogo e a água destroem-se
mutuamente, o úmido e o seco não conseguem conviver, o mar e a terra estão
separados, etc. Para os primeiros gregos, a realidade constituía um todo
desorganizado e caótico e, por essa razão, eles apresentavam seus deuses
segundo a perspectiva da disputa.
Com o conceito de arkhé, por outro lado, os pré-socráticos indicam uma
nova concepção da realidade que defende a organização dos fenômenos num
todo sistemático. Os primeiros filósofos pressentem que os eventos naturais
não estão numa permanente guerra entre si, mas estão, ao contrário,
relacionados segundo um princípio. Os nomes, no entanto, que conferiram a
esse princípio variavam de um filósofo para o outro. Assim, Tales de Mileto
acreditava que a arkhé era a água. Anaximandro dizia que era o ilimitado. E
Anaxímenes defendia que era o ar. “Porém, a despeito de toda essa
55
diversidade, eles pareciam partilhar de uma mesma convicção: há uma unidade
primordial para tudo que existe, e essa unidade é a razão da existência da
Natureza.” (MACIEL JÚNIOR, 2007, p.39).
Diferente dos poetas antigos, portanto, os filósofos não acreditam que a
realidade é composta de uma multiplicidade caótica de fenômenos que tendem
a destruição mútua. Para a filosofia pré-socrática, apesar da aparência
contraditória, os eventos estão essencialmente organizados e cada um deles
tem um papel a cumprir para que o sistema funcione adequadamente. A
principal diferença entre a concepção pré-socrática dos fenômenos e a
compreensão mítica está na existência de uma organização estrutural.
A concepção pré-socrática de conhecimento
Se, para Heráclito, os homens estão descompassados do lógos e, por
essa razão, são inexperientes em palavras e ações que explicam como as
coisas se comportam, devem existir outros homens que, prestando atenção ao
lógos, sejam capazes de explicar o comportamento dos fenômenos. É
justamente deles que Heráclito fala no fragmento 50.
Diz ele: “não de mim, mas do lógos tendo ouvido é sábio homologar [...]”.
Ouvir o lógos não é condição suficiente para explicar o comportamento das
coisas. Heráclito já defendia essa posição no fragmento 01: “deste lógos [...] os
homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham
ouvido [...]”. Até mesmo ouvindo, os homens estão descompassados do lógos.
Além de ouvi-lo, portanto, é necessário realizar mais alguma coisa para ser
diferente dos homens que estão descompassados. É preciso, diz Heráclito,
homologar. Essa palavra é a tradução do termo grego “homologeîn” que é
composto do prefixo “homo-” cujo sentido é junto ou igual e do radical do termo
“lógos”. Etimologicamente, ele significa “ser junto do lógos” ou “igualar-se ao
lógos”. O fragmento 50 diz, por conseguinte, que não basta ouvir o que o lógos
tem a dizer. Além disso, é preciso homologar, isto é, igualar-se ao lógos. A
conseqüência da homologação apresenta Heráclito na seqüência: “[...] tudo é
um”.
56
A frase final que encerra o fragmento 50, apesar de misteriosa, significa
nada mais que a noção de organização e harmonia que foi atribuída ao
pensamento pré-socrático. Afirmar que tudo é um significa dizer que todas as
coisas estão organizadas segundo uma regra ou um princípio. Significa que os
fenômenos se relacionam uns com os outros de tal modo que compõem
conjuntamente um todo ordenado e sistemático. A frase „tudo é um‟ resume a
posição pré-socrática sobre as relações que se estabelecem entre os eventos
da realidade.
Aquele que não simplesmente ouve o lógos mas ainda se iguala a ele
será capaz de perceber que todas as coisas estão organizadas num sistema e
poderá, dessa forma, tornar-se experiente nas palavras e ações que
distinguem e explicam como as coisas se comportam. O lógos é, portanto, algo
que confere unidade e sistematicidade para os fenômenos – ele é a arkhé –, e
ao mesmo tempo ele é a capacidade do homem de entender as regras e os
princípios desse sistema. Por essa razão, quando se afirma que o homem é um
animal racional (zōon lógon ékhon), pretende-se dizer que, além de perceber
as coisas tal como elas aparecem – isso os outros animais fazem também –,
ele é capaz de entender as regras “ocultas” que determinam como elas se
comportam.
Atividade
Interpretando o fragmento 11 de Demócrito (ca. 460-370 a.C.) à luz das
posições de Heráclito, debata com seus colegas a distinção entre o conhecimento
sensível e o conhecimento racional.
Há duas espécies de conhecimento, um genuíno, outro obscuro. Ao conhecimento obscuro pertencem, no seu conjunto, vista, audição, olfato, paladar e tato. O conhecimento genuíno, porém, está separado daquele. Quando o obscuro não pode ver com maior minúcia, nem ouvir, nem sentir cheiro ou sabor,nem perceber pelo tato, mas é preciso procurar mais finamente, então apresenta-se o genuíno que possui um órgão de conhecimento mais fino.
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61
UNIDADE 03
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
1 MOBILIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO
PROMETEU (DES) ACORRENTADO
Prometeu, de acordo com a mitologia grega, roubou o fogo dos deuses e
o transmitiu aos mortais. Como forma de punição, Zeus o condenou a ser preso
por correntes indestrutíveis a um rochedo inóspito de onde não ouviria voz
alguma, nem veria o semblante de um único mortal e onde sua pele seria
queimada pelo sol. Ainda como castigo, uma águia lhe devoraria durante o dia
o fígado, que voltaria a crescer à noite, pois Prometeu era imortal.
Uma das mais conhecidas interpretações do mito de Prometeu o associa
às pretensões dos homens de superar os limites de sua condição humana e
igualar-se aos deuses. O nome Prometeu forma-se do prefixo “pró” (antes de) e
do termo “mêthos” (saber, ver), e significa o “pre-vidente”, “o que percebe de
antemão”. Dedicou-se a ajudar os homens e uma de suas principais ações foi
conceder-lhes o fogo, que simbolicamente significa nus , inteligência. Privar a
BABUREN, D. Van. Prometeu sendo acorrentado por Vulcano, 1623, óleo sobre tela, 202 x 184 cm, Rijksmuseum, Amsterdam.
Disponível em: <http:www.rijksmuseum.nl>
BABUREN, D. van. Prometeu sendo acorrentado por Vulcano, 1623. Óleo
sobre tela, 202 x 184 cm, Rijksmuseum, Amsterdam.
Disponível em: <http:www.rijksmuseum.nl>
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humanidade do fogo significa, portanto, torná-la anóetos , imbecil. O fogo
representa a capacidade do homem de superar os demais animais. Utilizando o
fogo, o homem funde minérios, constrói ferramentas e armas, domestica os
animais, combate as doenças, fervendo ervas medicinais. Prometeu representa
as tentativas do homem de superar suas dificuldades por meio da ciência e da
técnica.
Atualmente, podemos dizer que essa capacidade humana chegou ao
extremo e o homem domina amplamente a natureza. Prometeu, pode-se dizer,
está definitivamente desacorrentado, isto é, o homem possui poderes jamais
vistos no sentido de domínio da natureza. Prova disso é a capacidade de
destruição oferecida pelo controle da energia nuclear e as possibilidades de
cura abertas pela engenharia genética. O filósofo alemão Hans Jonas (1903-
1993) afirma (2006, p. 21) que “[...] a promessa da tecnologia moderna se
converteu em ameaça [...]” e a atual situação produzida pela ciência, coloca ao
homem as seguintes questões: o que pode servir atualmente de orientação
para a ação humana? Diante da previsão do perigo, c omo agir? Quais
problemas éticos surgem com o atual uso abusivo das ciências?
2 INVESTIGAÇÃO E CRIAÇÃO DE CONCEITOS
Cientificismo
A ciência, principalmente a partir do século XVIII, com a ascensão do
pensamento racional, com o Iluminismo, passa a ter um papel de destaque no
Ocidente, chegando inclusive a constituir uma nova mitologia, ou seja, apesar
de ter surgido em oposição ao mito, a magia e ao sobrenatural, a ciência
acabou se transformando em uma nova forma de mito.
Segundo Brandão, (2000, p. 35-36) “[...] mito é o relato de um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a intervenção de entes
sobrenaturais. [...] é o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos
dos princípios, quando com a interferência de entes sobrenaturais, uma
realidade passou a existir [...]” A mitologia grega tinha como uma de suas
características a função de explicação e organização da realidade, os mitos
63
exprimiam toda uma concepção de mundo e as relações que os homens
estabeleciam com a natureza. Atualmente a humanidade recorre a mitos e
heróis, porém de forma diferente.
Glossário
Cientificismo: segundo Japiassú (1996 p. 44) o cientificismo é a ideologia
daqueles que, por deterem o monopólio do saber objetivo e racional, julgam-se
os detentores do verdadeiro conhecimento da realidade e acreditam na
possibilidade de uma racionalização completa do saber. Trata-se sobretudo de
uma atitude prática segundo a qual “fora da ciência não há salvação”, porque
ela teria descoberto a fórmula laplaciana do saber verdadeiro.
Atividade
a). Faça uma pesquisa referente a mitologia grega, sobr e o mito de Dédalo
e Ícaro e em seguida redija um texto sobre um dos s eguintes temas: “A
ambiguidade da ciência” ou “Ciência e poder”.
b). Que características em comum podemos observar e ntre o mito de
Prometeu e o de Dédalo e Ícaro? Apresente tais rel ações em um painel.
Utilize as imagens iniciais do texto e pesquise out ras referentes ao mito
de Dédalo e Ícaro.
Homem e Natureza
Na história da humanidade podemos observar momentos distintos na
relação homem-natureza. De maneira geral, até a Idade Moderna, não se
observava grandes intervenções, no sentido de transformação da natureza, ou
seja, havia um poder muito limitado de exploração da natureza pelo homem. A
partir do século XVII, com a Revolução Científica, ocorre a união entre teoria e
prática, ciência e técnica ao contrário do saber medieval basicamente
64
contemplativo e que via de forma negativa o trabalho manual e, portanto, a
técnica.
A Revolução Científica adquire as suas principais características na obra de
Galileu e, de forma um pouco diferente, nas ideias de Bacon e Descartes. Encontra
sua máxima expressão na imagem de universo concebido por Newton tal como uma
máquina, isto é, como um relógio.
Pode-se dizer que a ciência moderna teve início com o trabalho do matemático
e físico inglês, considerado o criador da física moderna, Isaac Newton (1642-1727) na
Inglaterra.
Segundo Newton, o universo assemelha-se a um grande relógio. Neste, a aparência externa - o lento deslocar-se dos ponteiros – é o resultado do movimento de um mecanismo interno. Da mesma forma, todos os fenômenos naturais que observamos no mundo são resultantes de umas poucas leis naturais que operam sob a superfície das coisas. [...] De um momento para outro, os cientistas viram o universo de um novo modo, ordenado e previsível como nunca. Com as equações de Newton e a linguagem matemática, eles poderiam descrever e predizer o comportamento de todos os tipos de sistemas. (Hazen, 2005, p.28; p.40)
Galileu Galilei (1564-1642), italiano nascido em Pisa, foi um dos fundadores da
ciência moderna. Para Galileu (2007),
“O livro da natureza não pode ser lido até aprendermos sua linguagem e nos tornarmos familiares com os símbolos no qual está escrito. Ele está escrito em linguagem matemática, suas letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é humanamente impossível compreender uma única palavra e há apenas um vagar perdido em um labirinto escuro”
A partir do método experimental é possível, independentemente da fé e da
filosofia, chegar a certezas sobre o universo. Tal parágrafo é o reconhecimento do
papel desempenhado pela matemática na descrição do mundo físico.
Os filósofos Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650)
desprezam de certo modo o saber especulativo, isto é, teórico, contemplativo, e
privilegiam o poder operativo da ciência. O homem, segundo ambos, passou a ser
mestre e possuidor da natureza.
Descartes, no Discurso do Método, (p.101-102), assim expressa essa opinião:
65
[...] em vez da filosofia especulativa ensinada nas escolas, pode-se encontrar uma outra, prática, pela qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente quanto conhecemos os diversos ofícios, e assim nos tornarmos como que mestres e possuidores da natureza.
Francis Bacon, no começo do século XVII, afirmava que a atuação da
ciência deveria ter em vista o bem-estar do homem e produzir, em última
análise, descobertas que facilitassem a vida humana na terra. Para o inglês,
saber é poder. Em Nova Atlântida, ao criar uma cidade ideal, imagina um
paraíso da técnica, onde seriam levadas a efeito as invenções e as
descobertas de todo o mundo. Bacon foi um dos filósofos preferidos pela época
industrial, pois sua grande preocupação estava relacionada a eficácia e
influência das descobertas científicas sobre a vida humana.
Com a Revolução Industrial no século XVIII, as teorias científicas e
técnicas passaram a estreitar as relações de dependência mútua. A técnica
passa a ter um poder enorme sobre a realidade que chega ao ponto de se
pensar em mecanismos de controle para pesquisas científicas.
Glossário
Método Experimental: tem por base a realização de experimentos para o
estabelecimento de teorias científicas, procedendo através da observação, da
formulação de hipóteses e da verificação ou confirmação das hipóteses a partir de
experimentos. (Japiassú,1996, p. 182)
Revolução Científica: de forma geral, segundo Reale e Antiseri (1990, p. 185) foi o
período de tempo que vai da data de publicação do De revolutionibus de Nicolau
Copérnico (1543) à obra de Isaac Newton, Philosophiae naturalis principia
mathematica (1687). Trata-se de um poderoso movimento de ideias que adquire no
século XVII as suas características determinantes na obra de Galileu, que encontra os
seus filósofos – em aspectos diferentes – nas ideias de Bacon e Descartes. Encontrou
sua expressão clássica na imagem newtoniana do universo e consistiu em um
processo de dessacralização do mundo a partir de sua matematização e manipulação
científica.
66
Revolução Industrial: Fenômeno histórico ocorrido na Inglaterra, talvez o mais
importante depois da invenção da agricultura e das cidades, e em parte da Escócia no
século XVIII, que se caracterizou por intensas transformações nas técnicas produtivas.
Segundo o historiador Eric Hobsbawm (SILVA, 2006, p. 370 - 373), a Revolução
Industrial foi uma “explosão na capacidade humana de produzir mercadorias e
serviços por volta da década de 1780, quando, pela primeira vez na história, essa
capacidade se multiplicou de modo ilimitado”. Para Landes (1994, p. 05 - 06), foi um
processo “complexo de inovações tecnológicas que, substituindo a habilidade humana
pelas máquinas e a força humana e animal pela energia de fonte inanimada,
introduzem uma mudança que transforma o trabalho artesanal em fabricação em série
e, ao fazê-lo, dão origem a uma economia moderna”. “O cerne dessa Revolução foi
uma sucessão inter-relacionada de mudanças tecnológicas”.
O poder e o fazer humano
Para Jonas, (2006, p. 32; p. 39) “[...] antes de nossos tempos, final do século
XX, as interferências do homem na natureza, tal como ele próprio as via, eram
essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar um equilíbrio firmemente
assentado” [...] “A técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem inédita de
grandeza, com tais novos objetos e conseqüências que a moldura da ética antiga não
consegue mais enquadrá-las”.
Para Chauí, (2004, p. 341-342)
[...] na sociedade contemporânea a pesquisa científico-tecnológica e suas aplicações não dependem da vontade a da decisão de indivíduos e sim das grandes corporações empresariais e das instituições militares. Tendo em vista o aumento dos lucros e do poderio militar existe a apropriação privada dos resultados científico-tecnológicos que passam a permanecerem em segredo e que afetam todas as formas de vida do planeta.
Marco importante do domínio do homem sobre a natureza pode ser percebido
com a utilização da tecnologia nuclear, por parte dos Estados Unidos, na destruição
das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Segundo Hans Jonas, em entrevista
a revista Espirit em maio de 1991, tal destruição pôs em marcha o pensamento em
67
direção a um novo tipo de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa
para nós próprios o nosso poder: o poder do homem sobre a natureza.
Atividade
A filósofa Marilena Chauí define técnica como sendo :
[...] um conhecimento empírico, que, graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. E tecnologia [...] um saber teórico que se aplica praticamente. Por exemplo, um relógio de sol é um objeto técnico que serve para marcar horas seguindo o movimento solar no céu. Um cronômetro, porém, é um objeto tecnológico: por um lado sua construção pressupõe conhecimentos teóricos sobre as leis do movimento (as leis do pêndulo) e, por outro, seu uso altera a percepção empírica e comum dos objetos, pois serve para medir aquilo que nossa percepção não consegue perceber. [...] Os instrumentos técnicos são prolongamentos de capacidades do corpo humano e destinam-se a aumentá-las na relação do nosso corpo com o mundo. Os instrumentos tecnológicos são ciência cristalizada em objetos materiais, nada possuem em comum com as capacidades e aptidões do corpo humano [...] (CHAUÍ, 2004 p. 222; 232).
Cite outros exemplos de objetos que correspondam a tal distinção entre técnico e tecnológico.
Hans Jonas: o filósofo da vida
A vida intelectual de Jonas pode ser dividida em três momentos. O
primeiro teve início em 1921, em Freiburg, quando frequentou as aulas do seu
mestre Martin Heidegger. Com a publicação de sua tese de doutorado (1934),
atinge o ponto mais alto da primeira fase de sua vida acadêmica. O segundo
momento ocorre com o retorno à docência no Canadá (1949-1955) e,
posteriormente, nos Estados Unidos (1955-1976), em (1966) publica o livro O
Princípio Vida : Fundamentos para uma biologia filosófica. Com a
aposentadoria, inicia-se a terceira fase de sua carreira, na qual faz a
68
publicação da obra O Princípio responsabilidade – Ensaio de uma ética para
a civilização tecnológica, sem dúvida sua obra mais importante.
Jonas foi um filósofo de produção filosófica modesta, porém, foi um dos
filósofos mais originais e importantes do século XX. Ironicamente foi na
Alemanha, de onde se viu obrigado a fugir da pena de morte em 1930, que seu
legado filosófico foi mais reconhecido.
Jonas viveu os grandes fatos históricos do nosso século: a crise da humanidade européia dos anos 20 e 30, o advento do nazismo e o holocausto, o triunfo da sociedade tecnológica especialmente o Projeto Manhattan (1945), o Projeto Apollo (1969) e a crise ecológica. A idéia de responsabilidade nasceu destas experiências, do triunfo da tecnologia e das suas expectativas utópicas. Tais acontecimentos fizeram-no refletir sobre seu tempo e seu espírito, obrigando-o a buscar alternativas capazes de arrancar do conhecimento e do poder, gerado pelo próprio homem, um dever em relação aos que vivem e viverão futuramente. Esses acontecimentos, especialmente a bomba sobre Hiroshima, colocaram o pensamento em direção de um novo tipo de questionamento sobre o perigo que representa para nós mesmos nosso poder e o poder do homem sobre a natureza. Criou gradativamente a consciência dos riscos de um “apocalípse humilhante muito mais importante que o apocalipse brusco e brutal”. (ZANCANARO, 1998, p. 24)
O Princípio Responsabilidade de Hans Jonas
O Prometeu definitivamente desacorrentado, ao qual a ciência confere
forças antes inimagináveis e a economia o impulso infatigável, clama por uma
ética que, por meios de freios voluntários, impeça o poder dos homens de se
transformar em uma desgraça para eles mesmos. [...] a promessa da
tecnologia moderna se converteu em ameaça, ou esta se associou àquela de
forma indissolúvel. [...] nada se equivale no passado ao que o homem é capaz
de fazer no presente e se verá impulsionado a seguir fazendo, no exercício
irresistível desse seu poder.(JONAS, 2006, p. 21)
Na perspectiva de Jonas, os parâmetros da ética tradicional não
atendem mais às transformações e às mudanças no agir provocadas pela
69
tecnologia. Os impactos da tecnologia são tão fortes que a ética também
precisa mudar seus princípios para melhor explicar os fenômenos tecnológicos
e os impactos que foram provocados por ela, ou seja, como a ética está
relacionada ao agir, a consequência lógica disso é que a natureza modificada
do agir humano impõe uma modificação da ética.
A ética tradicional, para Jonas (2006, p. 35-36), apresenta as seguintes
características: O cuidado é com o agir próximo, ao círculo imediato da
ação, exemplificados nos mandamentos: ama o teu pró ximo como a ti
mesmo, instrui teu filho no caminho da verdade, nun ca trate os teus
semelhantes como simples meios, mas sempre como fin s em si mesmos.
As ações se desenvolvem à luz do comércio, dos vizinhos, ao presente
comum de todos os participantes. A ciência até então não produzia impactos
ou mudanças sensíveis, a vida era vista em função do presente, do aqui e do
agora. O bem e o mal estavam circunstanciados entre a ideia de amigos e
inimigos. O futuro era providencialista, a preocupação era com a salvação da
alma. Não havia uma preocupação com o futuro da natureza e do planeta.
Tudo isso se modificou decisivamente. O processo de industrialização
tornou-se radical e se expandiu extraordinariamente. A humanidade substituiu
o arado pela máquina. A técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem
inédita de grandeza, com novos objetos e conseqüências que a moldura da
ética antiga não consegue mais enquadrá-las. O mundo científico e tecnológico
exige, segundo Jonas, uma nova ética. As antigas prescrições da ética “do
próximo” (fraternidade, bondade, amizade, misericórdia, honestidade) ainda
continuam, mas enquanto uma esfera próxima da interação humana.
Entretanto, a ciência e a tecnologia afetaram o espaço de ação, mudaram a
relação do homem para com o homem e com a natureza. Agora, por meio da
técnica, existe a possibilidade de destruição do planeta (guerra bacteriológica
ou atômica), o homem tem um poder incomensurável e necessita direcioná-lo
em função de um querer livre, cuja ação seja responsável pela existência do
mundo no futuro.
70
A questão central apresentada por Jonas se coloca nos seguintes
termos:
A investigação sobre as novas tarefas da ética no mundo moderno explicitará um novo conceito de responsabilidade adequado ao agir tecnológico. As inovações criadas pelos avanços científicos colocaram a ética em crise e obrigaram a filosofia a repensar a realidade sob novos princípios, dado que os anteriores se mostram insuficientes para reger as ações presentes. Em que imperativos se sustentará a ação, diante do grande poder de transformação da moderna tecnologia? Qual o imperativo ético proposto por Jonas? Em que bases se fundamenta? Qual a razão de se falar em ética da responsabilidade? Existe ética sem responsabilidade? Por que Jonas lhe dá tanta importância? (ZANCANARO, 1998, p. 13)
Jonas propõe um novo imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e
voltado para o novo tipo de sujeito atuante formulado da seguinte forma:
Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”; ou, expresso negativamente: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida”, ou, em um uso novamente positivo: “Inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer” (JONAS, 2006, p.47-48)
Se observarmos atentamente a história da ciência no último século veremos a
mesma fortemente guiada por objetivos econômicos. Segundo Hobsbawm (2003, p.
504) “nenhum período da história foi mais penetrado pelas ciências naturais nem mais
dependente delas do que o século XX. Contudo, nenhum período, desde a retratação
de Galileu, se sentiu menos à vontade com elas”. A partir da década de 1970, a
ciência passa a receber com mais força interferências do mundo externo. Isto ocorreu
em consequência, principalmente, da explosão econômica global e das possíveis
mudanças, talvez irreversíveis, produzidas no planeta Terra.
Temos desde então uma série de consequências naturais do crescimento
econômico (superboom econômico) relacionados com a ciência, tais como: destruição
da camada de ozônio, efeito estufa, etc.
71
Olhando retrospectivamente o século que ora se finda, vemos que foi marcado principalmente por três megaprojetos. O primeiro foi o Projeto Manhatan, que descobriu e utilizou a energia nuclear bem como produziu a bomba atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki (1945), pondo fim à II Guerra Mundial. É descoberto o “coração” da matéria, o átomo, e dele se extrai energia. O segundo grande projeto foi o Projeto Apollo que jogou o ser humano no coração do cósmos. A data símbolo é o primeiro passo do homem na lua (1969). [...] O terceiro e mais recente é o Projeto Genoma Humano que teve começo no início dos anos 90. Leva o ser humano ao mais profundo de si mesmo em nível de conhecimento de sua herança biológica, numa verdadeira caça aos genes. [...] Que benefícios esses avanços trarão para a humanidade? O novo paraíso prometido pelas descobertas científicas na área da biologia que inauguram o “oitavo dia da criação” não teria cheiro de tecnolatria? Surgem perplexidades pelas novas formas de discriminação, escravidões, eugenia, etc. No Brasil, por exemplo, o teste genético para determinar a maternidade ou paternidade com impressão digital em DNA se presta como uma tecnologia policial refinada. A Inglaterra já o usa para catalogar os imigrantes do Terceiro Mundo. (PESSINI, 1996, p. 05-06)
Atividade
No dia 25 de Abril de 1953 os cientistas James Watson e Francis Crick,
baseados em estudos de outros cientistas, publicaram um texto em uma revista
científica referente a uma descoberta que alteraria a história da ciência, tratava-
se da molécula de DNA. Watson afirmou que talvez tal descoberta tenha sido o
mais famoso evento em biologia desde o livro de Darwin.
a). Faça uma pesquisa na Internet ou em livros de Biologia sobre o que é DNA
e a importância de tal descoberta no cotidiano, tenha como exemplos o exame
de paternidade, desvendamento de crimes, identificação de pessoas em
acidentes e catástrofes, diagnóstico de doenças hereditárias, etc.
b). Procure em revistas reportagens que tratem dos avanços das pesquisas
genéticas. Quais os principais países envolvidos nestas pesquisas?
Uma das áreas que mais tem avançado ou se transformado na atualidade –
devido principalmente a alta lucratividade obtida pelas empresas que investem neste
tipo de pesquisa, tendo seu início na década de 70, e “(...) que suscitou a questão
imediata de se se deviam considerar limitações à pesquisa científica” (Hobsbawm,
2003, p. 534), é o da Engenharia Genética ou Bioengenharia.
72
Por Engenharia Genética entende-se, segundo Candeias, (1991, p. 03), um
conjunto de processos que permitem a manipulação direcionada do genoma de seres
vivos micro-organismos vivos, com a consequente alteração das capacidades de cada
espécie. Para Fátima Oliveira, (1996, p. 138), trata-se de um conjunto de saberes
oriundos da física, da química e da biologia, que aliados a técnicas que possibilitam
manipular a molécula de DNA, os genes, conseguem reformar, reconstituir, reproduzir
ou construir novas e diferentes formas de vida, em geral não existentes na natureza.
O termo engenharia genética é um termo geral que se refere ao processo de manipulação direcionada do genoma de um organismo. Como a engenharia genética envolve em geral a combinação de genes de duas ou mais origens, é também comumente chamada de tecnologia do DNA recombinante (rDNA). A engenharia genética normalmente envolve a manipulação de um gene específico. O objetivo da engenharia genética, obviamente, não é apenas manipular o DNA de um organismo, mas modificar alguma coisa relacionada às proteínas produzidas naquele organismo: fazer com que ele produza uma nova proteína, parar a produção de uma antiga proteína, aumentar ou diminuir a produção de uma proteína, e assim por diante. Manipular o genoma é somente a forma de influenciar a produção de uma proteína. (KREUZER, 2002, p. 143)
Nas últimas décadas, a engenharia genética passou da simples observação
dos fatos para a explicação dos mesmos e, mais recentemente, para a transformação
e modificação de boa parte da natureza. Os resultados recebem várias leituras que
vão desde a total aprovação até à total negação.
Existem vários benefícios e uma série de preocupações relativas a Engenharia
Genética. Para o Dr. Wilmar Luiz Barth, (2005, p. 367-373), elas são as seguintes:
BENEFÍCIOS PREOCUPAÇÕES
- Medicina preventiva: a possibilidade de
se saber do futuro estado de saúde através
da decodificação dos genes presentes no
DNA
- Reducionismo genético: tudo está nos
genes, aspecto físico, ser, pensar e agir das
pessoas
- Planejamento privado e público: melhor - Determinismo genético ou fatalismo
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planejamento dos programas de saúde
públicos
genético: a atuação pessoal tais como -
ações violentas, solidariedade,
homossexualismo, etc, são explicados a partir
da estrutura genética
- Plantas adaptadas ao ambiente: ao invés
da dependência de adubos, de inseticidas,
a biotecnologia possibilita mais proteção
biológica das plantas e melhoria das
espécies
- Mapa genético: cada pessoa poderá ter seu
chip genético, tal como o Registro Geral (RG),
onde estarão contidos o tipo sangüíneo,
doenças, possíveis doenças
- Exames de paternidade e criminais:
possibilidade de se descobrir a paternidade
de alguém bem como o esclarecimento de
crimes praticados
- Modificações genéticas: a modificação da
estrutura genética não poderão gerar efeitos
imprevisíveis? Ao manipular a estrutura
genética não estarão os cientistas “brincando
de Deus?”
Atividade
a). Preencha os espaços em branco com possíveis aspectos positivos no
quadro abaixo, relativos à Engenharia Genética :
- - Discriminação genética: a possibilidade de
que a pessoa possua uma predisposição
genética geraria a perda do trabalho, do plano
de saúde ou até pagar mais pelo mesmo
- - Rejeição e eliminação de embriões e fetos
com defeitos: possibilidade de descartar
embriões considerados defeituosos por
portarem doenças genéticas dos pais
- - Escolha do sexo do filho: possibilidade de
escolha através do Diagnóstico Genético Pré-
Implantacional, assim somente os embriões
saudáveis do sexo escolhido são implantados
74
no útero
- - Bioterrorismo ou microterrorismo biológico:
utilização de agentes tóxicos e químicos
visando matar uma grande quantidade de
pessoas, espalhar medo e destabilizar
governos
Uma outra importante preocupação relacionada aos avanços da Engenharia
Genética é a questão das Patentes privadas: é ético patentear o genoma humano,
uma vez que não se trata de invenção e sim descoberta de algo presente na
natureza? Eis o que escreve Vandana Shiva, (2001, p. 26)
Por meio das patentes e da engenharia genética, novas colônias estão sendo estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos e a atmosfera têm sido todos colonizados, depauperados e poluídos. O capital agora tem que procurar novas colônias a serem invadidas e exploradas, para dar continuidade a seu processo de acumulação. Essas novas colônias constituem, em minha opinião, os espaços internos dos corpos de mulheres, plantas e animais. Resistir à biopirataria é resistir à colonização final da própria vida – do futuro da evolução como também do futuro das tradições não ocidentais de relacionamento com o conhecimento da natureza. É uma luta para proteger a liberdade de evolução de culturas diferentes. É a luta pela conservação da diversidade, tanto cultural quanto biológica.
Essa nova situação coloca em risco a natureza, pois, os efeitos colaterais em
consequência do emprego em escala de tais tecnologias têm um caráter cumulativo,
ou seja, esses efeitos vão se acumulando na ecosfera e na biosfera criando riscos.
Tenhamos como exemplos o acúmulo de lixo nuclear e o efeito estufa. Se
observarmos as experiências com bombas atômicas, perceberemos que desde a
construção do primeiro reator nuclear, construído pelo físico italiano Enrico Fermi em
1942, houve um aumento gradativo dos riscos, e atualmente, tal poder articulado com
o respectivo conhecimento acumulado é capaz de destruir a terra várias vezes. Esse
risco aumentou quando o homem passou a manipular os genes em laboratório.
75
A ética de Jonas está apoiada no princípio responsabilidade e fundamentada
nas seguintes questões: “a heurística do medo”, “uma ética para evitar a catástrofe”,
uma filosofia prática que se deixa envolver e se concentra no mal ameaçador que é o
risco da destruição da vida humana e da natureza, nela o medo em relação ao futuro
deve assumir o lugar do amor pelo bem supremo. O princípio da responsabilidade
global voltada para o futuro da humanidade. Responsabilidade global pois tudo aquilo
que fazemos tem conseqüências globais.
Aquilo que fazemos diariamente na maior inocência, por exemplo, dirigindo o carro ou pilotando aviões a jato, sem nenhuma má intenção de prejudicar alguém, porém, simplesmente participando do poder empregado coletivamente para facilitar e enriquecer a nossa vida, para diminuir o sofrimento e aumentar o prazer implica uma responsabilidade com o futuro, ou seja, pode tornar-nos culpados perante o futuro. Isso constitui algo novo. (JONAS, 2006, p. 257)
Podemos, então, constatar que a ética da responsabilidade aqui
apresentada é uma resposta aos desafios da globalização e tem como objetivo
central evitar a catástrofe que se vislumbra à distância e prioriza a salvaguarda
da sobrevivência da humanidade. Trata-se de uma ética mínima esboçada em
uma situação de necessidade na iminência de uma catástrofe tecnológica,
biológica e ecológica.
Importante salientar que Jonas não é um panfletário que desfere
ataques sem fundamentação à tecnociência. Ele não pretende desestimular os
avanços tecnológicos. Sua preocupação está no uso de tais conhecimentos, na
colocação do homo faber acima do homo sapiens.
Ao tratar da fusão nuclear Jonas assim se posiciona
O que dissemos até aqui não deve ser interpretado como se desaconselhássemos o desenvolvimento da fusão nuclear para fins pacíficos. Esse seria um presente muito bem-vindo e dependeria de nós que ele não se transformasse em um presente envenenado. Nada do que dissemos antes deveria ser compreendido como um desestímulo a esse ou a qualquer outro progresso técnico, apesar de constituir um tema recorrente, para nós, o perigo de que esses poderes caiam nas
76
mãos da avidez e da mesquinharia humana (e mesmo da miséria humana!). Se formos contemplados com a fusão nuclear, poderemos resolver de vez o problema energético. Seria preciso, apenas, que utilizássemos esse presente de forma sábia e moderada, assumindo um ponto de vista de responsabilidade global [...] (Jonas, 2006, p. 306-307)
Atividades:
a). Procure em jornais, revistas e/ou internet notícias referentes às importantes
contribuições da ciência em diferentes áreas e também algumas catástrofes
geradas.
b). Monte, em seguida, um mural com as notícias encontradas.
c). Organize a turma em pequenos grupos que deverão discutir os aspectos
positivos e negativos de tais contribuições.
d). Em seguida, cada aluno deverá redigir um texto com o seguinte tema: Os
mitos da ciência contemporânea.
A ciência é atualmente o meio mais poderoso que os
seres humanos possuem para a compreensão e intervenção no universo físico
e é também o meio que representa a maior ameaça à sobrevivência da
humanidade. Prometeu simboliza o poder de intervenção na natureza pelo
conhecimento que tem do fogo, é um símbolo do progresso técnico e científico.
Jonas, seguindo esta interpretação, conclui que Prometeu está definitivamente
desacorrentado, pois, “[...] Foi ele quem lhes deu [ao homem] o fogo e ajudou-
os a tornar-se iguais aos deuses” (STEPHANIDES, 2001, p. 17-18). A
humanidade não pode, neste momento histórico, agir tal como Epimeteu, irmão
de Prometeu, que significa “aquele que pensa depois”, “imprevidente”. Isso
porque zelar pelo futuro é ser responsável pelo presente e por sua permanente
possibilidade de vir-a-ser. É preciso ser como Prometeu, ser prudente, pensar
antes, é preciso responder pelo que faz.
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79
ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS
UNIDADE II MITO E FILOSOFIA
Justificativa
A compreensão do surgimento da filosofia depende de um estudo sobre
as condições históricas que fizeram com que os gregos antigos substituíssem o
registro de explicação da realidade que utilizavam até então: o mito. Para
esclarecer as principais características da filosofia no momento de seu
nascimento é preciso, portanto, entender e determinar as características da
poesia mítica. A comparação entre as duas formas de discurso no contexto da
Grécia Antiga permite o estudante compreender a multiplicidade de explicações
da realidade com as quais convive e perceber suas origens ou no discurso
racional ou no discurso mítico. A Unidade I tem como objetivo explorar as
estruturas do modo mítico de explicar a realidade e esclarecer um dos recursos
que o homem utiliza para dominar e entender as coisas.
Uma vez esclarecidas as principais características da forma de discurso
à qual a filosofia, ao surgir, se opõe; torna-se possível investigar e
compreender os aspectos essenciais que determinam o discurso filosófico. O
objetivo da unidade é justamente desenvolver as comparações e assim refletir
as características descobertas no discurso mítico no contexto do discurso da
filosofia. Desta forma, é preciso descobrir nas obras filosóficas: primeiro, qual a
função que elas pretendem realizar por oposição ao mito; em segundo lugar,
de que modo elas concretizam tal função e, por último, em qual concepção de
conhecimento elas se apóiam. Esta comparação pretende esclarecer quais são
as diferenças entre o mito e a filosofia e, dessa forma, apresentar o que é
essencial ao discurso filosófico.
Na perspectiva de facilitar a compreensão dessas diferenças, os textos
de filosofia escolhidos para a comparação com o discurso mítico são
exatamente aqueles que foram redigidos no momento de surgimento da
filosofia: os fragmentos dos pré-socráticos. Apesar das dificuldades próprias de
ler um texto fragmentado e não integral, os escritos dos pré-socráticos
representam a oposição entre mito e filosofia da maneira mais clara e explícita,
uma vez que em nenhum outro momento da História da Filosofia foi preciso
80
justificar o pensamento racional num contexto exclusivamente mitológico. A
filosofia pré-socrática representa, assim, a melhor via de acesso para a
compreensão das características essenciais do discurso filosófico.
METODOLOGIA
MOBILIZAÇÃO
O estudo será iniciado com mitos da atualidade, por exemplo o Mito do
Papai Noel (São Nicolau) e buscará essencialmente explicitar a construção dos
mitos e sua necessidade.
Outra possibilidade é introduzir o estudo será com uma referência aos
mitos que eram narrados na Grécia Antiga. A mitologia grega exerce uma
fascinação sobre a mente dos jovens e, por isso, aparece em diversas
manifestações da cultura comum. Desse conhecimento prévio, pretende-se
colocar o problema entre essa forma de discurso e o discurso filosófico que se
aprende e desenvolve na escola.
PROBLEMATIZAÇÃO
O problema propõe uma pesquisa sobre as características que
determinam essencialmente o discurso mítico. O objetivo central é questionar
as determinações da estrutura que o estudante percebe em todos os discursos
de ordem mística ou religiosa e, assim, entender a forma racional de discurso
que pretende substituí-las.
Investigação
Para compreender a estrutura do mito, o capítulo se inicia com uma
apresentação histórica do contexto cultural dos gregos e apresenta uma
análise de uma narrativa mítica tradicional: o Mito de Faetonte. Dessa
investigação são estabelecidas duas características fundamentais: a função de
explicação e organização da realidade e o apelo ao divino ou sobrenatural.
Para discutir a terceira característica, a concepção de conhecimento própria do
mito, é desenvolvida uma análise de um trecho da Teogonia de Hesíodo. O
objetivo é descobrir na estrutura da invocação das Musas a concepção de que
os “conhecimentos” sobre a realidade que contam os mitos foram revelados por
um ente do mundo divino ou sobrenatural.
81
CRIAÇÃO DE CONCEITOS
A compreensão de que as características estruturais do mito se repetem
em outras formas de discurso é o principal objetivo da unidade. Assim, o que
se espera dos estudantes é a capacidade de, em primeiro lugar, extrair as
determinações gerais do mito e, na direção inversa, aplicar essas
determinações em contextos próprios dos estudantes, tal como o contexto
religioso.
Subsídios para correção das atividades e exercícios dos alunos
Na Atividade da p. 30, o objetivo é mostrar que a narrativa de Faetonte
guarda semelhanças irrevogáveis com outras formas de narrativa que são
encontradas em contexto distintos, tal como o indígena, o africano, egípcio, etc.
O objetivo é fazer com que o estudante perceba desde o início que embora o
capítulo se desenvolva tendo como referência o mito grego, os conhecimentos
que nele forem desenvolvidos servem também para compreender formas,
contextos e momentos diferentes de discurso que apela ao sobrenatural ou
divino.
Na p. 35, a Atividade proposta pretende descobrir se as características
do mito trabalhadas até esse momento foram ou não assimiladas pelos
estudantes. Assim, a tarefa apresentada consiste em ler e interpretar um
fragmento d'Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo e procurar determinar quais
fenômenos da realidade são explicados no trecho e quais explicações o poeta
antigo oferece para esses fenômenos.
A Atividade da p. 40 complementa a Atividade da p. 30 quando pede
para que o estudante elabore um quadro comparativo entre a passagem inicial
do Apocalipse de São João e a Teogonia de Hesíodo. O objetivo é mostrar
que, embora existam diferenças entre as duas passagens, ambas manifestam
a mesma estrutura de invocação dos entes sobrenaturais ou divinos para a
revelação dos “conhecimentos” sagrados. Assim, a concepção de que o saber
é revelado pelos deuses – que foi o principal objetivo da análise da poesia do
Hesíodo –, pode ser experimentado também no contexto do cristianismo.
82
Atividades complementares
É possível propor na unidade pesquisas que ampliem os conhecimentos
dos estudantes no que diz respeito ao contexto histórico-cultural dos gregos no
momento em que o discurso mítico era predominante. Existem nesse período
diversas característica da civilização grega que destoam da imagem habitual
que se têm da Grécia, isto é, da imagem que se detém nos aspectos próprios
dos séculos V e IV a.C. Assim, uma pesquisa permitirá que os estudantes
compreendam as questões relacionadas ao mito numa “moldura” mais rica e
melhor determinada dos séculos em que ele era vigente.
AVALIAÇÃO
O estudo do mito grego tem nessa unidade dois objetivos que
estão interligados: em primeiro lugar, ajudar a compreensão das
características essenciais da filosofia no momento de seu nascimento e,
em segundo lugar, oferecer a compreensão de uma estrutura discursiva
que se repete em diversos contextos da história da humanidade. O que
se espera dos estudantes é, por conseguinte, que eles compreendam as
características do mito que são criticadas pelos filósofos e, assim,
estejam melhor preparados para compreender as principais
características do discurso filosófico e, concomitantemente, espera-se
que os estudantes descubram a estrutura mítica que se apresenta em
outras formas de discurso sobre a realidade, como por exemplo na
religião cristã.
UNIDADE III
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
O Princípio Responsabilidade em Hans Jonas
INTRODUÇÃO
O mundo contemporâneo está fortemente marcado pelos avanços da
ciência e da tecnologia. Tais avanços geraram mudanças na relação entre os
humanos e dos humanos com a natureza. Nunca na história o poder de
intervenção do homem sobre o mundo físico foi tão grandioso quanto hoje.
83
Através da técnica existe, segundo Hans Jonas (1903-1993), filósofo alemão
de origem judaica e que procurou estabelecer as bases de uma nova ética
denominada por ele de ética da responsabilidade, a possibilidade de destruição
do planeta, e portanto, diante de tal poder o homem precisa repensar a sua
ação, criar um conceito de responsabilidade em adequação a esta nova
realidade.
Jonas viveu os grandes fatos históricos do nosso século: a crise da
humanidade européia dos anos 20 e 30, o advento do nazismo e o holocausto,
o triunfo da sociedade tecnológica especialmente o Projeto Manhattan (1945),
o Projeto Apollo (1969) e a crise ecológica. A idéia de responsabilidade,
questão central do texto, nasceu destas experiências, do triunfo da tecnologia e
das suas expectativas utópicas. Tais acontecimentos fizeram-no refletir sobre
seu tempo e seu espírito, obrigando-o a buscar alternativas capazes de
arrancar do conhecimento e do poder, gerado pelo próprio homem, um dever
em relação aos que vivem e viverão futuramente.
Hans Jonas busca discutir os principais efeitos do uso que se faz dos
conhecimentos científicos, para ele (2006, p. 21) “[...] a promessa da tecnologia
moderna se converteu em ameaça [...]” e a atual situação produzida pela
ciência, coloca ao homem as seguintes questões: o que pode servir atualmente
de orientação para a ação humana? Diante da previsão do perigo, como agir?
Quais problemas éticos surgem com o atual uso abusivo das ciências? Jonas
se opõe à artificialização do vivo e à exploração sem freio da natureza, em
nome de um novo imperativo categórico: "Age de forma que os efeitos de tua
ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente
humana sobre a terra". O Princípio Responsabilidade está no coração dos
debates contemporâneos mais afiados e mais cheios de conseqüências para o
futuro.
METODOLOGIA
MOBILIZAÇÃO
84
O professor poderá iniciar sua aula com a leitura do mito de Prometeu
ou outro mito que ilustre a relação entre o conhecimento e o agir humano. A
interpretação feita do mito é a de o associar as pretensões dos homens em
superar os limites de sua condição humana e igualar-se aos deuses. Prometeu,
o “pre- vidente”, o “prudente”, representa as tentativas do homem de superar a
si mesmo através da ciência e da técnica para dominar a natureza. O Titã
roubou o fogo dos deuses e o entregou aos mortais e desta forma tentou
compensar a vulnerabilidade humana em comparação as demais espécies.
Esse mito apresenta o homem como um ser obrigado a desenvolver técnicas
para sobreviver.
Ainda como forma de mobilização o professor poderá apresentar ou
pedir que os alunos pesquisem alguns avanços da ciência, principalmente na
área de energia nuclear e da engenharia genética, estes são exemplos de que
a ciência moderna colocou os homens numa nova relação com o mundo e as
conseqüências, muitas vezes, são imprevisíveis. Neste primeiro momento se
procurará enfatizar os avanços científicos e as consequências relacionadas a
estes avanços e que determinados avanços produziram ameaças ao planeta e
que diante de tais mudanças existe a necessidade de uma nova ética.
PROBLEMATIZAÇÃO
A partir do mito de Prometeu, que trata do poder de intervenção do
homem sobre a natureza, o professor poderá elencar as seguintes questões: o
que pode servir atualmente de orientação para a açã o humana? Diante da
previsão do perigo, como agir? Quais problemas étic os surgem com o
atual uso abusivo das ciências? Tais questões possibilitará ao professor
discutir os aspectos centrais da filosofia de Jonas.
INVESTIGAÇÃO
85
Na investigação filosófica proposta os alunos desenvolverão pesquisas,
debate e leituras de trechos do texto de Hans Jonas - O princípio
responsabilidade – Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
O professor poderá utilizar outros textos filosóficos que tratam das
possíveis relações existentes entre ciência e ética. Seria também interessante
a utilização de filmes que podem servir de subsídio para as discussões e
principalmente para a contextualização das questões elencadas, nas atividades
complementares apresentamos alguns filmes que podem ser utilizados.
CRIAÇÃO DE CONCEITOS
A contribuição de Jonas está no fato de que os parâmetros da ética
tradicional não atendem mais as transformações e às mudanças no agir
provocadas pela tecnologia. Os impactos da tecnologia são tão fortes que a
ética também precisa mudar seus princípios para melhor explicar os
fenômenos tecnológicos e os impactos que foram provocados por ela, ou seja,
como a ética está relacionada ao agir, a conseqüência lógica disso é que a
natureza modificada do agir humano impõe uma modificação da ética.
A compreensão dos impactos que a tecnologia provoca no mundo atual
e a necessidade de se pensar tais impactos e portanto a construção de uma
ética que seja adequada a esta nova realidade possibilitará ao estudante a
capacidade de se situar de forma diferente no mundo, possibilitará ao mesmo
uma transformação em suas atitudes de forma a alcançar uma postura mais
crítica diante da realidade, principalmente no que tange a destruição do
planeta.
Subsídios para correção das atividades e exercícios dos alunos
As atividades da unidade buscaram estabelecer relações entre a mitologia
grega os avanços da tecnociência e principalmente perceber o quanto a ação
sem limites no campo científico pode desencadear consequências nefastas,
inclusive a construção de novos mitos. A atividade da p. 63 possibilita a
compreensão de que com a Revolução Industrial no século XVIII, as teorias
86
científicas e técnicas passaram a estreitar as relações de dependência mútua e
que a técnica passou a ter um poder enorme sobre a realidade ao ponto de se
pensar em mecanismos de controle para pesquisas científicas.
Nessa atividade (p. 67) o professor poderá esclarecer os conceitos de
técnica e tecnologia e apresentar exemplos de instrumentos técnicos e
tecnológicos. Tal atividade possibilitará a compreensão do quanto o saber
teórico aplicado pode contribuir para a melhoria da existência humana ou para
a destruição do homem e da natureza.
Nessas atividades (p. 71) o professor poderá desenvolver os aspectos
positivos relativos aos avanços da engenharia genética e a relação de tais
avanços com o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos.
A atividade (p.73) é uma complementação da anterior e busca
esclarecer que as pesquisas no campo da Engenharia Genética apresentam
muitos aspectos positivos, porém existe a necessidade de se estabelecer
limites referentes a tais pesquisas.
Nestas atividades (p.76) o professor poderá desenvolver pesquisas
voltadas a sua realidade local procurando identificar quais as principais
contribuições da ciência em sua região e principalmente se os avanços da
ciência no campo da medicina são acessíveis às pessoas onde vive.
Atividades Complementares
O professor poderia utilizar imagens que mostram a destruição do
planeta – poluição, derretimento de geleiras, acúmulo de lixo, etc. Existem
muitos filmes que tratam dos progresso da ciência sem que pense nas
consequências de um uso responsável. Atualmente está em evidência a
produção de filmes sobre tal questão, principalmente voltados ao tema
Engenharia Genética.
Um cuidado que se deve ter ao trabalhar com filmes é não transportar
aos estudantes uma visão simplista relativa a tais questões e que na maior
parte das vezes reportam a um maniqueísmo. Sugerimos os seguintes filmes:
Gattaca – A Experiência Genética (Andrew Niccol – 1997), Blade Runner
(Ridley Scott – 1986), A. I. - Inteligência Artificial (Steven Spielberg – 2001).
87
É inegável o avanço da humanidade em aspectos tecnológicos, porém
em outros aspectos tais como diminuição da pobreza, melhoria da qualidade de
vida, destruição do meio ambiente, etc, podemos observar a mesma melhoria?
Os avanços da engenharia genética estão ao alcance de todos?
AVALIAÇÃO
A avaliação em Filosofia é sempre diagnóstica e processual. Espera-se
que o estudante possa compreender a necessidade de uma nova ética diante
dos avanços da tecnociência e da importância do novo conceito de ética criado
por Hans Jonas. Da discussão destas questões espera-se que o estudante seja
capaz de reavaliar seus processos de formulação de discursos e
conhecimentos.
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