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FORMAçãO DE PROFESSORES: TENDêNCIAS E DESAFIOS António Mouzinho Francesca Caena Javier M. Valle

“O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Formação de proFessores: tendências e desaFios

antónio mouzinhoFrancesca caenaJavier m. Valle

outros títulos da colecção “Questões-chave da educação”

em 2010

• O valor de educar, o valor de instruir

• Fazer contas ajuda a pensar?

• Como se aprende a ler?

em 2012

• A avaliação dos alunos

• As novas escolas

• As novas tecnologias

em 2014

• A inclusão nas escolas

• Acesso ao ensino superior

em 2011

• Em causa: aprender a aprender

• Aprender uma segunda língua

• O valor do ensino experimental

em 2013

• Ensino profissional

• Indisciplina na escola

em 2015

• A escola e o desempenho dos alunos

Uma edição: Com o apoio:

“O êxito da implementação de políticas e reformas para

as competências dos professores, implica a superação de numerosos

obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais

significativas por parte dos principais intervenientes e instituições”

Francesca caena, Universidade de Veneza

“Não parece sensato basear-se [o acesso a cursos de formação

de professores] na nota média de final do Ensino Secundário,

nem numa prova de conteúdos”

Javier m. Valle, Universidade Autónoma de Madrid

Quando é que a carreira de um professor que fez este percurso

de candidatura, formação, e vínculo, precisa de ser reavaliada?

Quando algo corre mal. E somente neste caso.

antónio mouzinho, Escola Secundária de Sintra

ISBN 978-989-8819-20-8

9 789898 819208

Page 2: “O êxito da implementação de políticas e reformas para
Page 3: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

Título: Formação de professores: tendências e desafios

Autores: António Mouzinho, Francesca Caena, Javier M. Valle

Revisão: Isabel Branco

Tradução: Sara Nogueira e Sílvia Marques Lopes

Design e paginação: Guidesign

Colecção: Questões-Chave da Educação

Edição: Fundação Francisco Manuel dos Santos

1.ª edição: Outubro de 2015

© Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015

Impressão: Guide Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-8819-20-8

Os textos deste livro estão escritos respeitando

ou não as normas do Acordo Ortográfico,

consoante a opção dos autores.

fundação francisco manuel dos santos

Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1

1099-081 Lisboa

Telf: 21 00 15 800

[email protected]

Page 4: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TENDÊNCIAS E DESAFIOS

António MouzinhoFrancesca CaenaJavier M. Valle

Page 5: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

7 PREFÁCIO

Mónica Vieira

11 QUADROS DE COMPETÊNCIAS DE PROFESSORES

NO CONTEXTO EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO

DISCURSO E POLÍTICA ENQUANTO PRÁTICA

Francesca Caena

57 A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA:

UMA CONSTANTE INTERNA (E EXTERNA) DO

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

Javier M. Valle e Jesús Manso

65 FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA E O PRESTÍGIO

SOCIAL DA PROFISSÃO DE DOCENTE:

ALGUNS DESAJUSTES DO SISTEMA EDUCATIVO

ESPANHOL

Javier M. Valle

81 SOBRE TUDO O QUE NÃO TEM IMPORTÂNCIA –

E O QUE A TEM – PARA SE OBTER UMA AMOSTRA

DE PROFESSOR: UM TEXTO NÃO-ERUDITO SOBRE

QUESTÕES NÃO-CIENTÍFICAS, RELACIONADO

COM O PAPEL DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

NA DOCÊNCIA

António Mouzinho

Page 6: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

7

Prefácio

PREFÁCIO

Mónica Vieira

A formação de professores, seja inicial ou contínua, merece a aten-

ção de todos os que se interessam por educação. Muitas vezes apontada

como um problema subjacente aos resultados dos alunos, é importante

perceber como está actualmente organizada e que desafios se avizinham.

Em Portugal, estamos perante um enquadramento legislativo que,

mesmo sumário, traduz a importância atribuída à formação inicial de

professores, instituída como condição de entrada na profissão docente,

de qualidade de desempenho docente e de formação ao longo da vida.

Esta circunstância traduz certamente, à escala nacional, a preocupação de

melhorar a aprendizagem proporcionada pela escola, escrutinada regu-

larmente por provas internas e externas. Mas, traduz igualmente a euro-

peização de políticas educativas, entre as quais se destaca uma exímia

preparação dos professores, entendidos como cruciais para o sucesso

dos alunos e dos sistemas de ensino, com proveito para as sociedades.

Efectivamente, a afirmação de que “os professores e os formado-

res são os intervenientes mais fundamentais na estratégia global com

vista à sociedade do conhecimento e a uma economia fundamentada

no conhecimento” (Comissão Europeia, 2002) tem sido recorrente e

persistente nos discursos políticos. O consenso sobre a importância da

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8

Mónica Vieira

formação de professores encontra, no entanto, múltiplas dificuldades

de acerto no modo de concretizar essa formação, situação que nada

tem de novo ou de surpreendente.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos procura contribuir para

o debate, trazendo, no âmbito do Mês da Educação, um conjunto de

reflexões sobre as tendências europeias na formação de professores e

as questões que se colocam.

Francesca Caena, professora da Universidade de Veneza, fala-nos

no seu texto “Quadros de competências de professores no contexto Europeu:

política enquanto discursos e política enquanto prática” reflectindo sobre

quais as competências, nas quais se incluem conhecimentos, aptidões

e atitudes, que todos os professores deveriam dominar, em contexto

europeu. A importância das normas profissionais (ou standards) para

todos os professores é salientada bem como a importância da formação

estar intimamente ligada às escolas – ao terreno educativo – e não só às

instituições de ensino superior.

Esta mesma preocupação é revelada por Javier M. Valle, professor

na Universidade Autónoma de Madrid, ao identificar os dez factores

essenciais na formação de professores. À definição clara das competên-

cias docentes essenciais e ligação à realidade escolar, o autor adiciona

como condições essenciais ao exercício da profissão, a selecção dos alu-

nos que pretendem entrar num curso de formação de professores e o

acesso à profissão docente após essa formação. A formação contínua,

a liderança pedagógica das escolas e o prestígio social da profissão são

também elementos de relevo.

Por fim, António Mouzinho, professor do Ensino Secundário,

escreve com base na sua reflexão pessoal sobre o processo de selecção,

formação, exercício e contratação. Para o autor, todo o processo deverá

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Prefácio

conduzir à permanência na actividade docente com felicidade e realiza-

ção pessoal, o que constituirá um benefício para o aluno, para a escola

e, em última instancia, para o sistema de ensino.

Com esta publicação e conferência sobre formação de professo-

res, a Fundação Francisco Manuel dos Santos deseja lançar um debate

informado e plural sobre a importância desta formação e sobre os

diversos modelos possíveis.

Page 9: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

QUADROS DE COMPETÊNCIAS DE PROFESSORES NO CONTEXTO EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO DISCURSO E POLÍTICA ENQUANTO PRÁTICA

Francesca Caena

Page 10: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Quadros de competências de professores no contexto europeu

QUADROS DE COMPETÊNCIAS

DE PROFESSORES NO CONTEXTO

EUROPEU: POLÍTICA ENQUANTO

DISCURSO E POLÍTICA

ENQUANTO PRÁTICAEuropean Journal of Education. Research, Development and Policy,

Vol. 49, No. 3, 2014, publicado por Wiley.1

© 2014 John Wiley & Sons Ltd

Francesca Caena

Introdução

Qual a definição actual do papel do quadro de competências de

professores nas políticas e debates educativos na Europa e a nível glo-

bal? Porque merece este tema um papel de destaque no discurso polí-

tico internacional? Qual a sua relação com outras áreas da política edu-

cativa? Quais as questões e os aspectos centrais das competências dos

1 Publicação original: Teacher Competence Frameworks in Europe:

policy-as-discourse and policy-as-practice, European Journal of Education.

Research, Development and Policy, Vol. 49, No. 3, 2014, published by Wiley.

Page 11: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Francesca Caena

professores e das normas profissionais de acordo com a investigação?

Existe um consenso quanto à definição das principais competências dos

professores? Poderão estas competências ser transversais às diferentes

culturas de educação e de ensino? Que denominadores comuns podem

identificar-se na diversidade de práticas políticas ao nível internacio-

nal? Como se pode traduzir tudo isso num sistema educativo capaz de

fazer a diferença – que vá para além das palavras ocas proferidas pelos

discursos políticos oficiais? Quais os principais aspectos e avanços a

destacar neste domínio político com base em contextos nacionais euro-

peus? É possível identificar padrões e retirar ensinamentos que possam

ser de interesse para os peritos em definição de políticas, para os diver-

sos intervenientes e para os responsáveis pela tomada de decisões?

Este artigo começa por descrever o cenário político europeu e glo-

bal, apresentando vários motivos para a necessidade de uma visão con-

vergente das políticas de ensino – a nível mundial – no que diz respeito

às competências e ao seu papel central na profissão docente. Assim, a

investigação procura encontrar denominadores comuns às diferentes

tradições culturais para o conceito de “competências de professores”,

bem como definir quais os principais conhecimentos abrangidos pelo

conceito, identificar as aptidões e as atitudes que deverão fazer parte

das competências dos professores, definir o papel das normas pro-

fissionais e identificar as principais características do conhecimento

especializado do professor. Em seguida, o artigo analisa as implicações

políticas da etapa crucial de implementação dos quadros de competên-

cias de professores a nível nacional – a transição do discurso político à

prática política. Apresenta-se ainda um quadro de análise comparativo

complementado por resumos de políticas e práticas adoptadas em dife-

rentes países. Por fim, o artigo identifica as várias implicações políticas

que importa observar.

Page 12: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Quadros de competências de professores no contexto europeu

Panorama europeu: a política enquanto discurso

As políticas de ensino e de formação são cada vez mais encaradas

como um “bem global”, que fomenta a colaboração entre os países e a

adopção de medidas políticas com base em elementos concretos. Isto

tanto pode tornar a análise das políticas de ensino numa tarefa incri-

velmente simples como, pelo contrário, incrivelmente complexa. Se,

por um lado, a abundância de dados internacionais comparáveis per-

mite uma reflexão mais abrangente e aprofundada, por outro, a inter-

nacionalização da análise e desenvolvimento de políticas originou um

discurso internacional que é como um “verdete” que cobre os textos

políticos nacionais, e que, não raras vezes, pode encobrir a disparidade

com que estas políticas são implementadas. Assim, compreender as

políticas neste contexto pressupõe, frequentemente, uma capacidade

de descodificar a retórica internacional, assim como de analisar as ten-

dências empíricas e a dinâmica da mudança de políticas – tanto de

“políticas enquanto discurso” como de “políticas enquanto prática”

(Green, 2002). No entanto, as práticas políticas nos diferentes países

revelam um potencial inovador na tradução «glocal» das políticas euro-

peias e mundiais, exercendo um papel mediação entre as necessidades

e as limitações em diferentes níveis (Caena, 2014).

A ênfase colocada nas competências dos estudantes e dos profes-

sores tornou-se um tópico central no discurso das políticas educativas.

Os sistemas educativos estão sujeitos e suportam cada vez mais pres-

sões que os forçam a implementar reformas de ensino politicamente

convergentes, estabelecidas para uma melhor adaptação às mudanças

socioeconómicas, para se tornarem cada vez mais eficazes e eficien-

tes, para darem resposta a questões como a equidade, para correspon-

derem às necessidades do mercado de trabalho e para atenderem aos

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Francesca Caena

impulsos de competitividade internacional. O discurso sobre a melho-

ria das reformas do ensino, cada vez mais suportado por provas con-

cretas, confere um papel de destaque à actuação dos professores para

se inverterem as tendências dos resultados dos estudantes e das esco-

las (Hattie, 2003; OCDE, 2013a; 2013b; 2013c). Isto geralmente não se

dissocia da questão da qualidade do ensino, da aprendizagem e das

escolas, o que coloca em evidência uma outra questão: a necessidade de

definir o que é preciso para ser e agir como um “bom” professor, capaz

de formar “bons” cidadãos do mundo.

As políticas da Comissão Europeia no âmbito da Estratégia de

Educação e Formação para 2020, e as visões comparativas da OCDE

quanto ao grau de instrução a alcançar a nível mundial focam-se cada

vez mais na transparência dos resultados para aumentar a mobilidade

profissional. Esta tendência política internacional coexiste, em contex-

tos nacionais, com práticas políticas e com um discurso geral sobre

currículos baseados em competências para as escolas, locais de traba-

lho e universidades, o que indica uma mudança radical de perspectivas.

O paradigma da “Aprendizagem ao Longo da Vida” destaca a

importância das oito principais competências necessárias para os

cidadãos europeus, colocando em primeiro plano a literacia digital e

as competências cívicas a par com as meta-competências: aprender a

aprender, adaptação às mudanças e gestão/ análise de grandes fluxos

de informação (Comissão Europeia, 2011).

As aptidões e atitudes de nível superior como a consciência crítica,

a autonomia e a auto-orientação, necessárias para prosperar na era do

“ponto.com”, estão entre as características mais procuradas pelos empre-

gadores, assim como o espírito de iniciativa, a capacidade de comunica-

ção e de trabalho em equipa, a resiliência, uma atitude de permanente

aprendizagem, a capacidade de resolução de problemas e o empenho.

Page 14: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Quadros de competências de professores no contexto europeu

A criatividade e a inovação também são consideradas aptidões funda-

mentais para a resolução de crises pessoais, sociais e laborais (OCDE,

2011). São necessários profissionais versáteis, com abertura de espírito,

com capacidade para gerar valor através da combinação de diferentes

conhecimentos, de aplicar conhecimentos de várias áreas a uma diver-

sidade de propósitos e de situações, de adquirir novas competências, de

construir relações e de assumir novos papéis (Schleicher, 2011).

As crescentes exigências quanto ao papel e às competências

dos professores são confirmadas pela investigação e pelas políticas e

incluem: capacidade de responder às necessidades de estudantes cada

vez mais díspares, valorização da educação, literacia e numeracia, capa-

cidade de utilizar dados de avaliação, capacidade de investigação e de

reflexão, cooperação com a equipa pedagógica e integração de tecnolo-

gias no exercício diário da profissão (Conway et al., 2009).

As capacidades especializadas para resolver problemas em matéria

de investigação e inovação, assim como competências adequadas para

gerir e alterar situações complexas e imprevisíveis figuram entre os

requisitos das qualificações de professores no Quadro Europeu de Qua-

lificações para o Ensino Superior (Descritores Dublin), que fixa as quali-

ficações dos professores no nível 7 (Comissão Europeia, 2011). No Espaço

Europeu do Ensino Superior (EEES), a abordagem do projecto TUNING

para implementar os programas de estudo do EEES define 15 compe-

tências, enquanto resultados de aprendizagem para a formação de pro-

fessores. Estão divididas em aptidões, consciência, conhecimentos e

interesse e incluem competências genéricas e transversais, como por

exemplo, competências de investigação e capacidades cognitivas para a

geração de conhecimento (González & Wagenaar, 2005).

Contudo, a publicação da Comissão intitulada «Education and Trai-

ning Monitor» (Monitor da Educação e da Formação), de Outubro de 2013,

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Francesca Caena

(http://ec.europa.eu/education/library/publications/monitor13_en.pdf)

refere o envelhecimento da profissão docente, que revela um atraso na

utilização de recursos digitais de ensino/aprendizagem. Isto sublinha a

necessidade da criação de políticas eficazes para atrair, recrutar e formar

candidatos de qualidade e assegurar o seu desenvolvimento profissio-

nal contínuo. Também é necessário um desenvolvimento mais rápido e

difundido de Recursos Educativos Abertos e de Cursos em Linha Abertos

a Todos (MOOC) para acompanhar a disseminação ubíqua das tecnolo-

gias digitais nas interacções sociais, laborais e comerciais quotidianas.

Embora a maioria dos professores na Europa reconheça a importância

do uso das TIC na prática docente, apenas 20% dos estudantes parecem

ser ensinados por professores tecnologicamente confiantes e capazes de

acompanhar as dificuldades técnicas dos alunos.

“Uma vez que os professores são os agentes mais importantes,

ao nível das escolas, no respeita os resultados dos estudantes, é pro-

vável que o foco nesta classe profissional se traduza numa maior efi-

ciência dos sistemas de ensino”. (Comissão Europeia, 2012b, pp.60).

O Documento de Trabalho «Apoio à profissão docente para a obten-

ção de melhores resultados de aprendizagem» (Supporting the Teaching

Professions for Better Learning Outcomes), que acompanha a comunica-

ção da Comissão «Repensar a educação», sublinha a importância de se

definirem e implementarem quadros que garantam práticas de ensino

eficazes e que dêem resposta às necessidades actuais dos alunos e da

sociedade. Isto é confirmado pela investigação na área do ensino e da

aprendizagem2 que identifica os vários processos, contextos e recursos

2 A opinião dominante sobre a natureza “situada” dos conhecimentos do

professor, considera que a aprendizagem e o ensino são mediados por lin-

guagens e contextos sociais específicos (Cochran-Smith, 2006; Lakoff, 2004).

Page 16: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

19

Quadros de competências de professores no contexto europeu

que poderão estar envolvidos no processo3 e recomenda que se repen-

sem meticulosamente os sistemas, as instituições e os programas de

ensino, para que o sistema educativo seja capaz de integrar um ensino

personalizado e abordar questões como a diversidade e a inclusão, ao

mesmo tempo que se adapta às mudanças sociais constantes (Comis-

são Europeia, 2012a; 2012b).

As diversas perspectivas, tanto a nível intracultural como a nível

intercultural, sobre as expectativas em relação aos professores podem

constituir um obstáculo à equidade e à qualidade do ensino nos diferen-

tes contextos escolares, assim como ao recrutamento, selecção e gastos

eficazes com professores. É necessária uma estratégia política consis-

tente e abrangente que concilie a escola com a formação dos professo-

res, que abranja todas as fases da carreira docente, que tenha em conta

os papéis de todos os intervenientes e que supere a disparidade de ini-

ciativas, tal como recomendam repetidamente várias instituições euro-

peias e grupos de interesse (Conselho Europeu e Comissão, Ministros,

grupos de trabalho de peritos). A Estratégia de Educação e Formação

para 2020 salienta a importância de uma prática reflexiva, da aprendi-

zagem contínua, da colaboração, da investigação e procura pela inovação

e da aposta no desenvolvimento das escolas enquanto requisitos míni-

mos do professor, além dos conhecimentos especializados e aptidões

pedagógicas (ensino de competências transversais, utilização das TIC e

ensino em turmas heterogéneas) (União Europeia, 2008; 2009).

3 O acto do ensino é cada vez mais concebido como um resultado de

negociações: as competências dos professores desenvolvem-se e são

organizadas através da interacção com os vários intervenientes e contextos

educativos, o que implica um intercâmbio entre as estruturas institucionais,

processos, relacionamentos e ferramentas de ensino em situações especí-

ficas (Engeström, 1999).

Page 17: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

20

Francesca Caena

O Documento de Trabalho «Supporting the Teaching Profession»

(Apoio à profissão docente) dá conta do discurso político prévio da

Europa sobre os princípios para as competências e para a melhoria da

formação de professores (Comissão Europeia, 2005; União Europeia,

2007) e disponibiliza um guia com as principais medidas políticas

nacionais neste domínio, nomeadamente, a definição das competências

dos professores, a reformulação dos sistemas de recrutamento, a garan-

tia sistemática de apoio ao início de carreira, a análise da prestação dos

professores e um feedback regular sobre o desempenho dos professores

no curso do seu desenvolvimento profissional. O documento também

apresenta directrizes para o desenvolvimento de quadros de competên-

cias de professores, apresentando as principais competências de ensino

comuns a todas as escolas, grupos etários, contextos e disciplinas, desta-

cando a relevância das qualidades e dos valores individuais necessários

para um ensino eficiente (Comissão Europeia 2012a; 2012b).

No âmbito do Método Aberto de Coordenação4, a aprendizagem

entre pares5 do Grupo de Trabalho Temático de Especialistas «Professional

4 Uma governação de carácter intergovernamental na UE, baseada na

cooperação voluntária entre os Estados-Membros. Este sistema baseia-

-se em instrumentos jurídicos não vinculativos e na pressão de grupo

(directrizes, indicadores, avaliação comparativa, partilha das melhores

práticas), com a Comissão Europeia a definir a agenda política e a apoiar

os processos de implementação dos Estados-Membros, sobretudo no que

diz respeito às políticas de educação e formação que continuam a ser da

responsabilidade dos governos nacionais. www.eurofound.europa.eu/areas/

industrialrelations/dictionary/definitions/openmethodofcoordination.htm

5 As actividades de aprendizagem entre pares envolvem grupos de repre-

sentantes dos Estados-Membros (grupos de trabalho de especialistas) que

debatem temas específicos sobre os quais existe vontade de aprender mais

e partilham as experiências dos diferentes países (Lange & Alexiadou, 2007).

Page 18: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

21

Quadros de competências de professores no contexto europeu

Development of Teachers»6 (Desenvolvimento Profissional dos Professo-

res), entre 2010 e 2013 (baseado no trabalho do antigo Grupo «Teachers

and Trainers» (Professores e Formadores)) focou-se nas competências

dos professores: na sua definição e implementação ao longo da carreira

docente, no desenvolvimento profissional contínuo dos professores e

na importância dos formadores, da qualidade e da preparação e selec-

ção de professores. Este Grupo de Trabalho debateu ainda questões

que afectam directamente as competências dos professores (Comissão

Europeia, 2012c; 2013a; 2013b):

• o impacto dos mercados de trabalho multidimensionais na selec-

ção eficaz e nas políticas de recrutamento de professores (devido

à falta de professores e a desequilíbrios entre a procura e a oferta

consoante o contexto, género, disciplina e escola), e

• as estratégias políticas que sustentam a qualidade dos formadores

e a formação de professores, caracterizadas por regulamentações

heterogéneas e fragmentadas dentro e entre os Estados-Membros.

6 A Comissão Europeia cria grupos de especialistas que têm a função

de prestar aconselhamento em matéria de propostas legislativas, iniciati-

vas políticas, implementação de legislação da UE, programas e políticas,

incluindo a coordenação e a cooperação entre os diferentes países e in-

tervenientes. Os grupos de especialistas são importantes fóruns de debate

que prestam um contributo valioso, a partir de várias fontes e intervenien-

tes, sob a forma de opiniões, recomendações e relatórios. O seu contributo

não é de carácter vinculativo para a Comissão, que mantém uma posição

independente quanto à forma como os especialistas levam os resulta-

dos em consideração. http://ec.europa.eu/transparency/regexpert/index.

cfm?do=faq.faq&aide=2

Page 19: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

22

Francesca Caena

Quadros de competências de professores: a perspectiva

da investigação

Pode argumentar-se que a ênfase colocada nas competências (do

professor) nas políticas de ensino europeias resulta de um crescente

meta-discurso sobre uma “sociedade do conhecimento” e a “aprendi-

zagem ao longo da vida e em todos os seus domínios” (uma expres-

são genérica que indica mudança e convergência política, esbatendo as

fronteiras entre a aprendizagem formal e informal).

Os factores demográficos, económicos e culturais como o envelhe-

cimento da população, a reestruturação económica, que tem influência

na procura de aptidões, o pluralismo cultural e a diversidade de estilos

de vida tornaram esta mudança inevitável para os países desenvolvidos.

A ênfase recai sobre a eficiência e a redução de custos orçamentais para

a educação, com exigências cada vez maiores quanto às qualificações dos

profissionais do conhecimento, e às boas aptidões de base, de adaptação e

de colaboração dos trabalhadores menos qualificados de estabelecimentos

que assumem, cada vez mais, o papel de organismos de aprendizagem.

A transição para uma sociedade mais individualizada, com menos

coesão social, encoraja as pessoas a assumirem responsabilidade pelos

seus percursos de aprendizagem e a preservarem os seus postos de tra-

balho. Isto requer uma capacidade de respostas às necessidades indivi-

duais e ofertas formativas adequadas por parte das instituições. É por

isso que o objectivo de alcançar uma maior transparência e mobilidade

de competências, com o reconhecimento de estudos e experiências pré-

vias, tem tido um lugar de destaque na agenda europeia para a apren-

dizagem ao longo da vida.

O conhecimento adquirido a partir de fontes variadas, interactivas

e contínuas tornou-se no principal elemento de ligação dos sistemas

de governação contemporâneos, dando origem a um duplo desafio:

Page 20: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

23

Quadros de competências de professores no contexto europeu

definir as bases dos conhecimentos profissionais específicos (alicerça-

das na investigação) e torná-las disponíveis e proveitosas em diferentes

contextos (Fazekas & Burns, 2011). O objectivo dos quadros de compe-

tências profissionais é responder a estes desafios. Um quadro pode ser

entendido como uma “estrutura” que contém descritores dos conheci-

mentos formais adquiridos (por exemplo, quadros de qualificações), ou

dos conhecimentos e aptidões aperfeiçoados ao longo da carreira (por

exemplo, quadros de competências de professores). Ambos os aspec-

tos podem ser complementares e integrados nas políticas e na prática.

A capacidade da profissão docente para definir, avaliar e certificar um

ensino de alta qualidade é fundamental não só para a aprendizagem dos

estudantes, mas também para a valorização da profissão – por exemplo,

através da estipulação de salários competitivos ou da criação de percur-

sos profissionais atractivos (Ingvarson & Rowe, 2007). Encontrar uma

definição comum das aptidões e conhecimentos profissionais, enquanto

quadro de orientação para a formação e desenvolvimento profissional dos

professores ao longo da carreira, tem sido uma das principais prioridades

internacionais no discurso da OCDE, ao longo de uma década, a par com

a definição de objectivos de aprendizagem claros para os estudantes e de

um consenso quanto ao conceito de ensino eficiente (OCDE, 2005).

Embora se identifiquem algumas tendências gerais, existe uma

grande diversidade nos programas escolares, modos de avaliação e sis-

temas de qualificações nos países europeus, que se deve às regulamen-

tações e culturas administrativas locais (Green, 2002). A governação

no sector da educação e da formação é um indicador-chave para per-

ceber o funcionamento dos diferentes sistemas educativos, uma vez

que tem um impacto relevante nos respectivos processos e resultados.

A formação de professores, em particular, é um sistema definido pelo

seu contexto e está sujeito ao controlo institucional.

Page 21: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

24

Francesca Caena

Tudo o que diz respeito à preparação e à prática docente será certa-

mente um tópico controverso, já que envolve ideologias subjacentes e

entra no terreno sensível das crenças e dos valores, no que diz respeito às

metas e objectivos escolares (Cochran-Smith, 2006). Conceptualizar o que

deverão os professores saber ou ser capazes de fazer pode variar consoante

a cultura política e educativa de cada país, gerando debates e tensões entre

as diferentes abordagens – por exemplo, entre os conceitos de Bildung

e de Ausbildung nas tradições teóricas continentais e  anglo-saxónicas.

Embora a literatura reconheça que não existe uma definição ope-

racional do termo “competência” (Kouwenhoven, 2009), parece haver

uma convergência para uma visão holística, dinâmica e orientada para os

processos daquilo que são as competências dos professores, baseada na

investigação, nas políticas em destaque e na aprendizagem entre pares.

No âmbito deste artigo, o conceito de competências (do professor) deve

ser entendido como uma combinação complexa de conhecimentos, apti-

dões, visão, valores, atitudes e vontade, que se traduzam em acções ade-

quadas e eficazes em contextos específicos (Deakin Crick, 2008).

“Hoje em dia, os professores precisam de competências que

lhes permitam adaptarem-se e inovarem constantemente. Isso inclui

uma atitude crítica e fundamentada para dar resposta aos objectivos

de resultados dos estudantes, a procura de novas evidências dentro e

fora da sala de aula e um diálogo profissional que lhes permita aper-

feiçoarem as suas próprias práticas (Comissão Europeia, 2013c, pp.22-

23). Isto prende-se com um conceito de ensino em que “…a teoria, a

prática e a capacidade de reflexão crítica se iluminam reciprocamente”

(CSEE, 2008, pp.26). Os professores têm de ter “conhecimentos pro-

fundos e aptidões para avaliar a aprendizagem dos alunos… e um vasto

repertório de práticas… que lhes permita aplicar diferentes estratégias

Page 22: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

25

Quadros de competências de professores no contexto europeu

para alcançar diferentes propósitos” (Darling-Hammond, 2006, pp.5).

As suas escolhas devem ser “pragmaticamente sensatas” e adequadas

às metas de ensino e a necessidades específicas: os professores têm

de fazer escolhas e encontrar soluções de compromisso para situações

e estudantes específicos (Biesta, 2012). A  complexidade da docência

forma a definição básica das competências dos professores, indissociá-

veis dos seus contextos e integradas num sistema com múltiplos inter-

venientes e níveis de actividade.

Os seguintes requisitos-base das competências de professores

são transversais a diferentes culturas e tradições de ensino (Comissão

Europeia, 2013a; Feiman-Nemser, 2008; Williamson McDiarmid &

Clevenger-Bright, 2008):

• quadros de conhecimentos bem estruturados e organizados (para pro-

gramas escolares, teorias da educação, métodos de avaliação),

suportados por estratégias eficazes de gestão de conhecimentos;

• conhecimentos sólidos sobre o ensino de disciplinas específicas aliados

a competências digitais e a uma boa compreensão dos processos

de aprendizagem dos estudantes;

• técnicas e estratégias de ensino/gestão em contexto de sala de aula;

• boas capacidades de relacionamento interpessoal, colaboração,

investigação e reflexão no trabalho em comunidades escola-

res profissionais;

• uma atitude crítica em relação à prática profissional e à inovação,

baseada em diversos elementos: resultados dos estudantes, teo-

rias e diálogo profissional;

• atitudes positivas e empenho em matéria de desenvolvimento profis-

sional contínuo, colaboração, diversidade e inclusão; e

• conhecimento especializado adaptável – capacidade de adaptar planos

e práticas às necessidades dos diferentes estudantes e contextos.

Page 23: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

26

Francesca Caena

Estes requisitos-base reflectem seis paradigmas gerais da docência,

que são aspectos integrados e complementares da profissão (Paquay &

Wagner, 2001; Schratz et al., 2007):

• o professor enquanto agente reflexivo – desenvolve um pensa-

mento e um discurso profissional sobre as questões de contexto

e as experiências;

• o professor enquanto especialista informado – quer sobre as suas

matérias, quer transversalmente, ao nível individual e institucional;

• o professor enquanto especialista competente – com conheci-

mentos e uma actuação consciente, informada e profissional-

mente eficaz;

• o professor enquanto líder da sala de aula – com competências

adequadas para gerir a diversidade e garantir a inclusão;

• o professor enquanto agente social – orientado para o diálogo e

para a cooperação nos diversos contextos sociais e comunidades

profissionais; e

• o professor enquanto aprendente ao longo da vida – com a res-

ponsabilidade de formar e desenvolver conhecimentos através de

acções específicas em contextos específicos.

São necessários muitos anos, processos cognitivos elaborados,

práticas sólidas e um feedback de qualidade para que os professores

desenvolvam plenamente os seus conhecimentos especializados ao

longo da carreira. Esse processo implica os seguintes aspectos-chave:

• criação de rotinas – desenvolvimento de padrões de actuação e de

repertórios didácticos;

• conhecimento especializado no seu domínio e disciplina(s), que

permita o reconhecimento de padrões (situações recorrentes) no

contexto complexo de uma sala de aula;

Page 24: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

27

Quadros de competências de professores no contexto europeu

• consciência das exigências sociais e das dinâmicas da sala de aula;

• compreensão dos problemas;

• flexibilidade e capacidade de improvisação; e

• análise crítica da sua própria profissão – quer no contexto escolar,

quer no contexto nacional, assim como no diálogo profissional

(Hagger & McIntyre, 2006; Comissão Europeia, 2011).

Um tópico de debate nos palcos políticos internacionais e nacionais

é a relação entre as competências dos professores e as normas profissio-

nais. Isto está frequentemente relacionado com a ênfase colocada nos

propósitos formativos e de responsabilização dos quadros de competên-

cias de professores, a nível de políticas e de práticas. A falta de consenso

relativamente às normas profissionais reflecte a ambivalência inerente

à profissão docente – o desfasamento entre os leigos, que encaram o

desempenho profissional em termos de resultados e os profissionais,

que analisam aquilo que se conseguiu alcançar numa situação, dentro

das limitações específicas de um dado contexto (Millman & Sykes, 1992).

Uma norma profissional descreve aquilo que se espera que os

professores saibam, compreendam e sejam capazes de fazer enquanto

profissionais especializados nas suas áreas (Comissão Europeia, 2011;

Ingvarson, 1998). Enquanto medidas de competência profissional, as

normas devem esclarecer o que medir, como reunir os elementos e o

que é considerado “desempenho”, e centrar-se na aprendizagem dos

alunos enquanto produto do ensino (Comissão Europeia, 2011). Geral-

mente, as normas profissionais estão ligadas a órgãos institucionais e a

medidas de garantia de qualidade, podendo focar-se num ou mais dos

seguintes aspectos (Kleinhenz & Ingvarson, 2007):

• facultar informações sobre a actuação e o comportamento do pro-

fessor aos interessados e aos grupos sociais;

Page 25: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

28

Francesca Caena

• orientar a actuação dos intervenientes institucionais e profissionais;

• apresentar exemplos de qualidade profissional e de boas práticas

docentes em diferentes etapas da carreira do professor;

• facultar medidas de gestão de relacionamentos no âmbito do

ensino, formação de professores e desenvolvimento profissional; e

• instituir regras de monitorização que serão verificadas por órgãos

institucionais e profissionais.

As normas profissionais podem legitimar a qualidade e os conhe-

cimentos profissionais, com a participação activa dos professores no

desenvolvimento e revisão das suas carreiras (Biesta, 2009; Darling-

-Hammond, 2000). Podem ser ferramentas poderosas para melho-

rar o conhecimento profissional, sobretudo se os professores tiverem

um papel activo e de auto-gestão da sua avaliação (Darling-Hammond,

2000). Por outro lado, uma avaliação baseada em normas e realizada

por agentes institucionais poderá correr o risco de se focar em compe-

tências individuais e em técnicas de ensino e nos resultados mensurá-

veis dos alunos, desvalorizando a natureza distribuída e partilhada das

competências dos professores (Conway et al., 2010).

Segundo os críticos da “cultura das normas”, uma vez que estas

podem levar à criação de relações lineares e casuais entre o comporta-

mento do professor e os resultados dos estudantes, o uso técnico das

normas profissionais, enquanto garantia de qualidade e de incentivo

de carreira, corre o risco de simplificar as complexidades inerentes ao

ensino e à aprendizagem, podendo constituir um entrave à postura crí-

tica dos professores quando procuram atender às necessidades especí-

ficas de um contexto ou criar e partilhar conhecimento nas comunida-

des profissionais (Ball, 2003; Olssen et al., 2004).

Page 26: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

29

Quadros de competências de professores no contexto europeu

Podem identificar-se dois tipos de abordagens para a implementa-

ção das normas profissionais nos diferentes contextos nacionais. Uma

das abordagens centra-se na responsabilização, no controlo e na aferi-

ção do comportamento individual (por exemplo, as abordagens com

base em aptidões no Reino Unido e nos Estados Unidos da América)

e a outra centra-se no desenvolvimento, dando mais relevo aos códi-

gos de conduta e aos princípios do ensino orientadores da profissão

(por exemplo, as normas profissionais para professores na Escócia).

Os estudos transnacionais sobre a função e o impacto das normas para

a profissão docente revelam uma grande variação no seu uso, con-

soante os contextos e as responsabilidades em causa. As normas não

são uma garantia de qualidade, na medida em que “o problema” reside

na sua interpretação (Conway et al., 2010).

Implicações políticas: processos e resultados

A nível nacional, as iniciativas políticas para definir e imple-

mentar os quadros de competências de professores podem basear-se

em diversas fontes, tendo como denominadores comuns as tendên-

cias internacionais:

• compromissos internacionais inerentes ao Processo de Bolonha

relativamente às qualificações fixadas no Quadro Europeu de

Qualificações para o Ensino Superior;

• pressões competitivas internacionais resultantes de inquéritos

comparativos como o PISA e o TALIS;

• compromissos de reformas do ensino noutros domínios políti-

cos, como por exemplo, programas escolares e formação inicial

de professores; e

Page 27: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

30

Francesca Caena

• pressão por parte de outros intervenientes (organizações profis-

sionais, instituições, grupos de interesse social) para se desenvol-

verem mecanismos de responsabilização e reformas eficazes no

sistema de ensino (Comissão Europeia, 2013a).

Os quadros de competências dos professores são reconhecidos

como uma importante influência para a promoção de um sistema de

ensino e formação eficaz:

• capaz de atender às necessidades de contextos específicos,

• com uma visão contínua para o processo de formação  de

professores,

• flexível,

• capaz de tirar partido da aprendizagem colectiva através de ini-

ciativas de mentoria e de avaliação entre pares,

• capaz de articular recursos de aprendizagem, e

• capaz de integrar percursos flexíveis (Musset, 2010).

A mais-valia do processo de criação dos quadros de competências

de professores reside na compreensão, consciência e diálogo partilha-

dos entre todos os intervenientes, o que poderá contribuir para a criação

de um discurso comum e de um poderoso instrumento de reforço do

profissionalismo – identidade dos professores, compromisso, aprendi-

zagem, (auto-) avaliação e reflexão. No entanto, o propósito e a finali-

dade dos quadros de competências têm de ser acordados com clareza e

identificados previamente por todas as partes envolvidas, abordando a

questão da participação activa dos professores no processo, o que pode

variar consoante as culturas.

Do ponto de vista político, as principais implicações do desenvol-

vimento e definição dos quadros de competências de professores são

Page 28: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

31

Quadros de competências de professores no contexto europeu

o envolvimento dos intervenientes e a coordenação de todo o sistema,

tanto na fase de desenvolvimento como na fase de implementação.

O desenvolvimento dos quadros de competências de professores requer

um compromisso político de longo prazo e clareza quanto aos papéis dos

vários intervenientes, calendários e processos, assim como ciclos itera-

tivos de preparação, discussão, monitorização e um feedback regular das

partes interessadas. Além da pilotagem e implementação de políticas,

são necessários processos de avaliação e balanços periódicos (Comissão

Europeia, 2012a). A clareza, a consistência e a simplicidade da redacção e

da linguagem utilizada são de extrema importância. Também é necessá-

ria uma abordagem orientada para a acção (por exemplo, grelhas de ava-

liação com declarações do tipo «é capaz de», exemplificando processos

de ensino concretos para alcançar os resultados pretendidos) de forma a

flexibilizar a satisfação das necessidades específicas de cada contexto e as

complexidades inerentes ao ensino (Conway et al., 2009).

O cenário demográfico de professores na Europa preconiza o

carácter prioritário da adopção dos quadros de competências para esti-

mular, avaliar e apoiar o desenvolvimento profissional dos professores

ao longo da carreira. As seguintes oportunidades, incentivos e requisi-

tos têm sido consideradas medidas potencialmente proveitosas:

• colmatar as necessidades em diferentes níveis do sistema;

• coordenar o percurso de aprendizagem dos professores;

• manter o diálogo entre os vários intervenientes;

• assegurar o tempo e os recursos necessários;

• proporcionar incentivos de carreira e incentivos financeiros;

• aplicar procedimentos de avaliação formativa ou sumativa ade-

quados às culturas locais; e

• garantir programas sistemáticos e contínuos para o desenvol-

vimento das competências dos professores após a formação

Page 29: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

32

Francesca Caena

inicial, que podem incluir uma variedade de actividades formais

ou informais de desenvolvimento profissional contínuo (DPC)

(Comissão Europeia, 2013a).

Ainda assim, continua a verificar-se uma grande diversidade nas

características e no uso dos quadros de competências e das normas para

a profissão docente entre os Estados-Membros da UE, sobretudo no

que diz respeito à forma e à finalidade com que os quadros são usados

para a selecção e avaliação de professores ao longo da carreira profis-

sional, com os intervenientes e processos associados. Existem opiniões

diversificadas sobre o conceito de “profissionalismo dos professores”.

As normas profissionais são objecto de debate, no que respeita à sua

função predominante enquanto meio aprendizagem profissional ou

instrumento de garantia de qualidade, o que por sua vez está relacio-

nado com os níveis de controlo e com o grau de confiança na relação

entre os governos e a profissão docente. Por fim, o nível de integração

e de interconectividade dos quadros de competências de professores

com outras áreas políticas relevantes pode ser uma importante variável

na implementação de políticas, como por exemplo, a sua ligação com

os sistemas nacionais de qualificações, com o Quadro Europeu de Qua-

lificações ou com o Quadro de Qualificações para o Ensino Superior.

Resumos comparativos: do discurso político à prática

Na maioria dos países europeus, os quadros de competências

de professores existem no domínio da “política enquanto discurso”.

No  domínio da “política enquanto prática” o seu formato, nível de

desenvolvimento, valor, uso e reconhecimento – no que diz respeito

à formação de professores, desenvolvimento profissional e de carreira

Page 30: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

33

Quadros de competências de professores no contexto europeu

e outras áreas políticas – diferem consideravelmente, tal como o papel

dos vários intervenientes (Eurydice, 2013).

Os quadros de competências de professores actuam sobretudo

como linhas de orientação (nacionais) para a formação inicial de profes-

sores, descrevendo as metas e os resultados pretendidos. Geralmente

encontram-se referências às oito principais competências europeias

nos quadros, que incluem conhecimentos das matérias e pedagógi-

cos, aptidões de avaliação, capacidade de trabalho em equipa, aptidões

sociais e interpessoais, consciência da questão da diversidade, aptidões

de investigação e aptidões organizacionais e de liderança.

O nível de precisão dos quadros também é variável: podem ser

mais genéricos, com enunciados de carácter mais geral ou áreas de

competência básicas (por exemplo, competências de avaliação), como

é o caso na Flandres, em França ou na Lituânia, ou podem ser listas

detalhadas de conhecimentos, aptidões e atitudes, com indicadores e

grelhas de avaliação com declarações do tipo «é capaz de», como na

Irlanda, nos Países Baixos ou na Escócia. Em alguns países, os qua-

dros são regulamentados pelas normas profissionais (por exemplo, na

Estónia, na Letónia, nos Países Baixos e na Escócia) podendo integrar o

desenvolvimento de carreira ou a avaliação de professores e distinguir

diferentes níveis de conhecimento especializado.

Os seguintes resumos comparativos procuram explorar as com-

plexidades da transição da “política enquanto discurso” para a “política

enquanto prática” no contexto europeu. Serão identificados pontos de

convergência e de afastamento entre países da Europa e analisadas as

implicações das diferentes abordagens políticas, tendo em conta algu-

mas variáveis como a gestão e o controlo de qualidade, os papéis e res-

ponsabilidades dos vários intervenientes, a implementação de políticas

e o estatuto da profissão docente.

Page 31: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

34

Francesca Caena

As variações regionais nos sistemas de educação e de formação

podem atribuir-se a factores como a história, os diferentes conceitos

de ensino e de cidadania, teorias de aprendizagem, tecnologias utili-

zadas nas escolas, culturas administrativas, custos e recursos disponí-

veis e sistemas de controlo de qualidade (Cummings, 2003). Porém,

os actuais processos de globalização, que fazem convergir ideologias,

política e economia, foram comparados a uma “tripla revolução” com

potencial para uma implementação de reformas no sistema de ensino

sem precedentes (Tatto, 2006). Num cenário de convergência global,

embora com variações regionais, os governos nacionais actuam como

mediadores com três funções essenciais de coordenação, nomeada-

mente, em matéria de legislação, representação e liderança. Os temas

e as instituições de ensino dependem do Estado, por razões curricula-

res, financeiras e jurídicas. Isso tanto pode gerar vulnerabilidade como

resistência às influências globais, resultando ou em conformidade ou

em divergência (Tatto, 2007).

Este resumo comparativo das tendências políticas dos Estados-

-Membros quanto às competências dos professores tem em conside-

ração as suas relações com a formação, qualificação, selecção, recruta-

mento e estatuto dos professores e com as características do mercado

de trabalho nos diferentes contextos nacionais. São também considera-

dos aspectos como a governação, as culturas de responsabilização e as

estratégias de implementação de cada país (Gordon et al., 2009; Michel

& Halász, 2011).

As diferenças regionais de governação do ensino podem incluir:

• tendência para uma administração centralizada ou descentra-

lizada; e

• consequentemente, um equilíbrio variável entre a autonomia/

confiança (em instituições de ensino/prestadores de serviços

Page 32: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

35

Quadros de competências de professores no contexto europeu

educativos) e o controlo/carácter prescritivo (por parte das auto-

ridades educativas ou outros órgãos), por exemplo, dos processos

de avaliação, selecção e elaboração do currículo de formação ini-

cial de professores.

As culturas de responsabilização podem variar muito de país para

país no que diz respeito a:

• estruturas de controlo de qualidade internas/externas, papéis dos

intervenientes, ferramentas e procedimentos para a formação de

professores, modo de ensino e organização das escolas; e

• presença/ausência de órgãos e de norma profissionais e utiliza-

ção/revisão, ou não, dos quadros de competências de professores.

Os padrões de implementação de políticas também podem variar

entre os Estados-Membros, no que diz respeito a:

• fortes/fracas capacidades de implementação de políticas (utili-

zação de instrumentos políticos, compreensão de estratégias de

mudança e investimento no reforço de capacidades);

• diferentes estratégias de implementação (preferência por abor-

dagens políticas ascendentes/descendentes, sistemas agrupados,

colaboração/cooperação lateral, etc.);

• fortes/fracas sinergias políticas entre os diferentes subsistemas

de ensino:

– uma visão contínua para a formação e carreira dos professo-

res, contemplação da formação inicial de professores, uso dos

quadros de competências para orientar o apoio ao início de

carreira e o aperfeiçoamento profissional contínuo dos pro-

fessores e apreciação/avaliação dos mecanismos de controlo

de qualidade;

Page 33: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

36

Francesca Caena

– diferentes níveis de consecução na articulação de metas, objec-

tivos, avaliação e apreciação do ensino e da formação;

– um forte/fraco apoio à inovação em matéria de políticas, exis-

tência de parcerias e redes, criação de pontes de ligação entre

as várias instituições; e

– um forte/fraco papel de liderança nas instituições de ensino.

Em essência, as forças centrípetas globais para a mudança alte-

raram o curso dos sistemas de ensino europeus em direcção a uma

autonomia institucional/local em termos de escolhas (por exemplo, no

que diz respeito a programas escolares e à selecção de professores), à

diversificação (de programas escolares e modos de ensino) e à flexibi-

lidade (na organização, no modo de ensino e nos currículos escolares,

na adaptação às necessidades regionais). Assim, a mudança geral na

regulamentação e na governação do ensino nos Estados-Membros da

UE reside na transferência da gestão central e directa de processos por

parte dos governos para uma maior delegação de controlo operacional

a outros níveis do sistema. Consequentemente, a actuação dos minis-

térios centrais em vários países é “orientado por metas e objectivos”.

A complexidade dos sistemas de ensino e de formação modernos dá

origem a processos de decisão mais próximos e atentos às necessidades

locais e, como tal, provavelmente mais eficientes (Green, 2002). A ten-

dência de descentralização dos sistemas educativos, no entanto, varia

muito de país para país, nomeadamente no que diz respeito a:

• delegação parcial de alguns poderes adicionais às instituições de

ensino/escolas, ainda que sujeitos ao controlo geral do Estado

em matéria de orçamento e recrutamento de professores (em

alguns países continentais ou mediterrânicos como a França, a

Alemanha e a Itália);

Page 34: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

37

Quadros de competências de professores no contexto europeu

• delegação de poderes a regiões geográficas ou comunidades lin-

guísticas (por exemplo, Áustria, Bélgica, Espanha);

• delegação de responsabilidades a municípios e regiões (por

exemplo, países nórdicos); e

• delegação de poderes administrativos e orçamentais a instituições

de ensino/escolas (por exemplo, Reino Unido, Países Baixos).

Verifica-se a mesma heterogeneidade entre os países quanto à res-

ponsabilização, ao controlo da qualidade do ensino e à formação de

professores. Devido às pressões internacionais da Estratégia de Educa-

ção e Formação para 2020 e do Processo de Bolonha, a formação ini-

cial de professores foi fixada no nível “universitário”, o que implicou

alguns desafios de execução devido às discrepâncias entre as qualifica-

ções nacionais dos professores e os requisitos gerais do ensino supe-

rior (culturas de ensino, de formação e escolares em contextos especí-

ficos) (Zgaga, 2013). As qualificações dos professores podem, portanto,

variar muito consoante o país e o ciclo escolar em causa, sendo o requi-

sito mais comum para professores do ensino secundário o grau de

mestre (Eurydice, 2013).

A selecção e recrutamento de professores são outras variáveis rele-

vantes nos quadros de competências, pela sua relação com o estatuto

do professor e com o mercado de trabalho. Com as tendências de des-

centralização na Europa, o estatuto do professor depende cada vez mais

da posição geográfica, sendo o recrutamento aberto da competência

das autoridades educativas ou escolas locais, o que frequentemente

acarreta problemas relacionados com oferta/permanência na carreira

dos professores. Apenas em alguns Estados-Membros (como a França

ou a Itália) o estatuto do professor continua a depender da sua car-

reira, o que geralmente envolve concursos muito competitivos sendo

Page 35: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

38

Francesca Caena

a selecção feita a partir de um excedente de candidatos. Alguns paí-

ses dão conta de dificuldades no recrutamento de professores e criam

iniciativas políticas para atrair candidatos (por exemplo, a Flandres, a

Dinamarca, a Estónia, os Países Baixos, o Reino Unido); a docência é

vista como uma careira de prestígio em poucos países (Chipre, Espa-

nha, Finlândia, Irlanda).

Desta forma, a selecção de professores nos vários países parece

ser um processo fragmentado, adaptado à especificidade de cada con-

texto e à relação entre a procura e a oferta de emprego. Apenas em

alguns países (Estónia, Irlanda, Países Baixos, Inglaterra e Escócia)

existem relações explícitas entre a selecção de professores e os quadros

de competências ou as normas – por exemplo, com respeito à conclu-

são da formação inicial de professores, ao apoio no início de carreira

ou à prática escolar.

Os resultados de aprendizagem dos programas iniciais de forma-

ção de professores são estabelecidos em termos de competências, na

maioria dos países, de acordo com a legislação nacional e com os regu-

lamentos para a garantia de qualidade. A avaliação da formação inicial

de professores (processos e resultados) é obrigatória ou recomendada

na maior parte dos países; no entanto, a frequência, os procedimentos

e o propósito da avaliação podem variar muito entre os Estados-Mem-

bros. Os diferentes graus de autonomia das instituições universitárias,

garantidos pelos governos nacionais, podem variar entre uma grande

autonomia em alguns países (por exemplo, Áustria, Finlândia, França,

Letónia, Luxemburgo, Malta) e procedimentos de controlo mais rigoro-

sos noutros países (por exemplo, Chipre, Hungria, Lituânia, Noruega,

Polónia, Reino Unido) (Eurydice, 2006; 2013).

Assim, a garantia da qualidade na formação de professores pode

envolver processos que articulam a avaliação externa e a avaliação

Page 36: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

39

Quadros de competências de professores no contexto europeu

interna (por exemplo, na Bélgica, na Flandres, na Finlândia, na Irlanda,

no Reino Unido) e o uso das normas de qualificações de professores

num conjunto de países (como a Bélgica, a Alemanha, a Lituânia, os

Países Baixos, Suécia e o Reino Unido). Pode basear-se em procedi-

mentos gerais de avaliação para o ensino superior, relacionados com

a acreditação ou renovação de programas. Em alguns países ainda,

órgãos profissionais como a Inspecção do Ensino Escolar ou os Con-

selhos de Educação participam no controlo de qualidade (por exemplo,

na Irlanda e na Escócia).

Quanto às estratégias de implementação, a literatura reconhece

que as capacidades dos Estados-Membros são assimétricas (Michel &

Halász, 2011). Os diferentes graus de compromisso político e de capa-

cidade de implementação podem ser determinantes para o sucesso

e para a celeridade da promulgação de políticas (ver figura 1). Isto é

mais provável em países com sistemas de responsabilização e de ino-

vação para o ensino nacional bem desenvolvidos – em que os objec-

tivos gerais para o desenvolvimento de competências e para a defini-

ção de normas, enquanto resultados de aprendizagem, são sustentados

por sinergias entre todos os subsistemas de ensino, com um misto de

acções descendentes e ascendentes e que envolvem intervenientes a

vários níveis (o Ministério, dirigentes e comunidades escolares, gru-

pos/associações profissionais ou de interesse). Uma visão contínua

para as competências dos professores, que conjuga a formação inicial

de professores, o apoio ao início de carreira e o desenvolvimento pro-

fissional contínuo, está cada vez mais presente nas reformas políticas

europeias, por exemplo, em países como a Áustria, a Irlanda, a Letónia

e a Suécia (Comissão Europeia, 2013a).

Page 37: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

40

Francesca Caena

Figura 1. Modelo de implementação de políticas: o papel decisivo dos

quadros de competências de professores para um ensino baseado em

competências

Contributo político

Resultados das políticas

Ensino eficaz baseado em competências

Compromisso político

Definir metas e padrões adequados para os programas escolares

Desenvolver as competências dos professores através da formação e do DPC

Facultar um feedback adequado através de mecanismos de apreciação e avaliação

Delinear práticas escolares através da inovação, apoio e desenvolvimento das escolas e respectivos dirigentes

Capacidades de implementação

Imple

men

taçã

o de

pol

ític

as

Page 38: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

41

Quadros de competências de professores no contexto europeu

Exemplos de políticas

Os exemplos paradigmáticos da Suécia, da Irlanda, dos Países Bai-

xos e da Escócia visam ilustrar diferentes etapas da elaboração de políti-

cas para os quadros de competências de professores, começando pelas

políticas desenvolvidas mais recentemente e terminando com as mais

antigas tradições neste domínio. Os papéis e as responsabilidades atri-

buídos aos principais intervenientes, a intervenção e o envolvimento

dos órgãos profissionais e aspectos relacionados com o recrutamento,

estatuto e permanência na carreira dos professores variam entre os

quatros países. Contudo, estes países possuem semelhanças notáveis

nas suas estratégias integradas e abrangentes de implementação, que

geralmente envolvem um misto de abordagens descendentes e ascen-

dentes e consultas estruturadas e regulares a outros intervenientes –

com o conceito subjacente de um continuum para a formação e apren-

dizagem dos professores. Outro aspecto interessante prende-se com

as pontuações destes países no mais recente inquérito PISA (2012).

Os Países Baixos e a Irlanda mantêm-se acima da média, embora com

resultados inferiores aos de 2009, a qualificação da Escócia situa-se

dentro da média e a posição da Suécia desceu significativamente, tanto

em termos de equidade como de desempenho (OCDE, 2013a).

Na Suécia, onde se prevê um aumento da escassez de professo-

res, a prioridade para a implementação de políticas para professores

é aumentar a qualidade destes profissionais no continuum da forma-

ção de professores, proporcionando-lhes oportunidades para aprofun-

darem o seu profissionalismo ao longo da carreira e reconhecendo o

seu papel central para a obtenção de bons resultados de aprendizagem.

Isto é facilitado pela oferta de quatro diplomas profissionais na fase de

formação inicial de professores, de acordo com os respectivos níveis

Page 39: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

42

Francesca Caena

de ensino e especializações, com especificações precisas e relacionadas

com o quadro de competências enquanto resultados de aprendizagem.

A  Lei da Educação de 2010 «Top of the Class» (O melhor da turma),

seguindo os requisitos de Bolonha, introduziu uma reforma nacional

nos programas de formação inicial de professores em que se definem

três áreas curriculares – estudos da disciplina, estudos educacionais

(60 ECTS), e prática docente (30 ECTS). Com uma governação des-

centralizada, a formação inicial de professores, sob a alçada das insti-

tuições de ensino superior, é orientada por objectivos determinados a

nível central e por resultados de aprendizagem.

(https://webgate.ec.europa.eu/fpfis/mwikis/eurydice/index.php/

Sweden:Teachers_and_Education_Staff).

Aos professores que adquirem qualificações académicas adicio-

nais e que provam a excelência do seu ensino durante quatro anos são

oferecidas ainda outras possibilidades de progressão e de diferenciação

do percurso profissional, através de incentivos salariais ou de bolsas.

Esses perfis profissionais podem envolver responsabilidades adicio-

nais, como por exemplo, mentoria ou projectos de desenvolvimento

escolar. Além disso, os requisitos para o emprego permanente de pro-

fessores tornaram-se mais rigorosos desde Julho de 2012. Existe tam-

bém um sistema de registo para o emprego permanente de novos pro-

fessores, após a formação inicial e o apoio ao início de carreira, que

certifica que os professores têm competências de avaliação e de orien-

tação pedagógica adequadas. Este certificado pode ser anulado no caso

de o desempenho profissional ser insuficiente. A  legislação recente

também articula o sistema nacional de controlo de qualidade das ins-

tituições de ensino superior com incentivos para promover melhores

resultados de aprendizagem, aumentando a frequência das avaliações

de qualidade regulares, que são efectuadas pela agência nacional do

Page 40: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

43

Quadros de competências de professores no contexto europeu

ensino superior (Comissão Europeia, 2013a). No  que diz respeito ao

perfil e requisitos de competências dos formadores de professores,

todos os formadores universitários de professores têm de ser doutora-

dos, havendo programas intensivos de apoio para professores que pre-

cisem de obter este grau de qualificação (Comissão Europeia, 2013b).

Na Irlanda, os professores têm estatutos e salários muito elevados,

a selecção durante a formação inicial de professores é altamente com-

petitiva e a maioria dos candidatos insere-se no quartil superior. Foi

desenvolvido um quadro de competências de professores com a inter-

venção, apoio e responsabilidade do Conselho Educativo. Esta orga-

nização profissional, criada em 2006, fomentou o debate e o planea-

mento estratégico para harmonizar a formação inicial de professores,

o apoio no início de carreira e o desenvolvimento profissional do ser-

viço docente. Encomendou também um estudo, em 2009, que suge-

riu uma reforma e recomendou uma maior coerência e integração da

formação de professores para promover uma aprendizagem eficaz ao

longo de toda a carreira (Conway et al., 2009).

O continuum da formação de professores na Irlanda centra-se em

cinco dimensões interligadas: o papel do professor, a qualidade do

ensino, o ciclo de vida profissional, a aprendizagem do professor e os

relacionamentos, salientando o aprofundamento, o profissionalismo

colaborativo e o trabalho interactivo dos professores, a necessidade de

existirem múltiplos percursos profissionais e o papel dos mecanismos

de apoio ao início de carreira. A implementação e revisão do quadro de

competências de professores foram geridas pelo Conselho Educativo,

com a participação activa e o envolvimento dos profissionais através de

fases iterativas de consulta (Comissão Europeia, 2013a).

O desenvolvimento das normas de competências para a fase de

entrada na carreira (requisitos para a obtenção de um registo pleno)

Page 41: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

44

Francesca Caena

foi articulado com um código deontológico e com uma estratégia para

a revisão e acreditação de programas de ensino e de formação (ITE)

(recursos, processos e resultados). As directrizes de acreditação (revis-

tas em 2010, com o feedback de intervenientes relevantes) visaram esta-

belecer um número limitado de resultados (competências) para o pro-

grama de carácter geral, flexível e acessível, distintos dos resultados de

aprendizagem realizáveis, mensuráveis e avaliáveis dos estudantes (ali-

nhados com os requisitos de acreditação académica). Após a revisão,

os resultados de aprendizagem foram fixados no Nível 8 do Quadro

Nacional de Qualificações (QNQ); foram descritos em termos de conhe-

cimentos, aptidões e competências, e agrupados em categorias gerais

(por exemplo “comunicação e construção de relacionamentos”). (www.

gtcni.org.uk/userfiles/file/The_Reflective_Profession_3rd-edition.pdf).

Além disso, após uma revisão, os critérios para os formadores

de professores requerem agora que estes profissionais possuam uma

experiência de ensino específica e uma actividade de investigação rele-

vante. Estão a ser introduzidos requisitos semelhantes para mentores

escolares, que incluem competências interpessoais, empenho profis-

sional e elevados padrões de conduta e prática profissional (Comissão

Europeia, 2013b).

No sistema de governação descentralizado do ensino, nos Países

Baixos, há uma longa tradição do uso de quadros nacionais de com-

petências de professores, enquanto normas profissionais (o primeiro

quadro foi desenvolvido em 2004 e incluído na Lei de 2006), tendo-se

integrado uma base de conhecimentos complementar nos currículos

para a formação inicial de professores (que inclui requisitos específicos

e gerais) (www.kennisbasis.nl). As normas profissionais actuam como

um quadro de referência para os conselhos escolares, que estão a cargo

das políticas de recursos humanos e do desenvolvimento profissional

Page 42: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

45

Quadros de competências de professores no contexto europeu

de professores, e também para as instituições de ensino superior, que

são responsáveis pela formação de professores, embora os sindicatos

e organismos profissionais também desempenhem um papel funda-

mental. Os quadros de competências estão sujeitos a processos de ava-

liação a cada seis anos: são criadas propostas de revisão, que envolvem

a profissão docente, com uma definição clara dos papéis e responsabi-

lidades dos vários intervenientes (Comissão Europeia, 2013a).

Os quadros identificam os requisitos básicos das competências dos

professores (qualidades interpessoais, organizacionais, pedagógicas,

ensino de matérias específicas) dividindo-as em três grandes aplicações:

na colaboração com os outros, no local de trabalho e a nível individual

(www.european-agency.org/country-information/netherlands/national-

overview/teacher-training-basic-e-specialist-teacher-training). Para cada

uma das sete competências principais, existe uma descrição dividida

em três níveis:

• os aspectos visíveis das competências (o que tem de ser alcan-

çado e de que forma);

• os requisitos das competências (atitudes profissionais, aptidões e

conhecimentos específicos); e

• indicadores que descrevam os processos de ensino concretos que

revelam as competências – isto é, o que o professor tem de ser

capaz de fazer – enquanto exemplos e linhas de orientação para

interpretar os requisitos das competências.

O recrutamento e o desenvolvimento profissional dos profes-

sores são geridos ao nível das escolas, enquanto os conteúdos curri-

culares da formação de professores são da responsabilidade das ins-

tituições de formação inicial de professores, em linha com os dois

quadros de referência (normas profissionais e base de conhecimentos).

Page 43: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

46

Francesca Caena

O desenvolvimento e preservação da qualidade dos docentes são enca-

rados como uma responsabilidade conjunta do governo, dos conselhos

escolares e dos professores, procurando alcançar-se um equilíbrio entre

os papéis e o envolvimento de cada uma das partes. O governo define,

através da legislação, quadros para as competências dos professores e

para o desenvolvimento profissional e o organismo de Inspecção ava-

lia a qualidade dos professores nas escolas. Os conselhos escolares são

responsáveis por apoiar, financiar, possibilitar e monitorizar o desen-

volvimento profissional dos professores, de quem se espera que actua-

lizem as suas competências através de um número acordado de activi-

dades de aprendizagem profissionais (Comissão Europeia, 2013a).

No que diz respeito aos formadores de professores, as normas pro-

fissionais (em vigor há mais de dez anos), a base de conhecimentos

profissionais (em vigor desde 2011) e o registo profissional são con-

siderados pelos governos e pelos empregadores como instrumentos

essenciais para garantir e promover a qualidade do ensino. A organi-

zação profissional VELON, que é um reconhecido e importante inter-

veniente nos diálogos nacionais das políticas para professores, é res-

ponsável pelo desenvolvimento e pela revisão cíclica destas normas.

No processo neerlandês de registo de formadores de professores (até

agora de carácter facultativo), as normas profissionais são encaradas

como referências para analisar os pontos fortes e os pontos fracos des-

tes profissionais, para elaborar um plano de aprendizagem/desenvolvi-

mento e para a criação de um portefólio, através do diálogo entre pares

(Comissão Europeia, 2013b).

As políticas de ensino actuais nos Países Baixos (Plano de Acção

de 2020 para Professores) têm como objectivo elevar o nível de qua-

lidade do ensino de “bom” a “excelente”, abordando as questões do

recrutamento e da permanência dos professores na carreira (através de

Page 44: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

47

Quadros de competências de professores no contexto europeu

iniciativas políticas que visam atrair um leque mais alargado de candida-

tos), as condições de trabalho dos professores e a governação do ensino

(www.government.nl/documents-e-publications/reports/2013/02/27/

teaching-2020.html). As iniciativas incluem bolsas para o desenvolvi-

mento profissional dos professores (para qualificações universitárias

adicionais ou necessidades educativas especiais), uma maior diversifi-

cação laboral (em termos de postos de trabalho e de tabelas de venci-

mentos) e um registo do desenvolvimento profissional dos professores

(obrigatório a partir de 2017, que requer um DPC anual mínimo de

40 horas). Outras estratégias para garantir a qualidade dos professores

incluem planos de acção para melhorar as escolas, estudos secundá-

rios, formação profissional e o aumento do nível de exigência dos exa-

mes e da qualidade dos dirigentes escolares.

A Escócia tem uma longa tradição na aplicação de normas profis-

sionais para professores (introduzidas em 2000 e revistas em 2013),

integradas num sistema caracterizado pela actuação do Conselho Geral

de Educação (desde 1996) (www.gtcs.org.uk/standards/standards.

aspx). As etapas da carreira docente são descritas por quatro conjun-

tos de normas profissionais, com uma perspectiva formativa que se

centra mais na investigação, nas atitudes e nos valores (como a justiça

social) do que nas aptidões técnicas. As três primeiras dimensões do

quadro (valores profissionais e empenho pessoal; conhecimentos pro-

fissionais; aptidões e habilidades profissionais) são parte integrante da

quarta (processos profissionais). As  dimensões dividem-se em listas

com pontos específicos, que incluem exemplos de declarações do tipo

«é capaz de» para cada ponto listado nas quatro áreas do quadro.

O acordo de 2001 «A Teaching Profession for the 21st century» (Uma

profissão docente para o século XXI) introduziu o direito de todos os

professores a 35 horas anuais de DPC, um esquema de aprendizagem

Page 45: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

48

Francesca Caena

profissional, um esquema de apoio ao início de carreira e uma revi-

são bietápica da formação de professores (www.scotland.gov.uk/

Resource/Doc/158413/0042924.pdf). O acordo envolveu a participação

do governo, de empregadores e de sindicatos, reflectindo um elevado

nível de confiança e de respeito entre todas as partes envolvidas. Tanto

as autoridades nacionais (incluindo organismos de inspecção) como as

autoridades educativas locais (Conselhos escoceses, que possuem um

certo nível de autonomia para a gestão de serviços educativos) apoia-

ram as comunidades de aprendizagem de professores na promoção

de uma mudança dos métodos de ensino e de avaliação, assim como

em projectos colaborativos entre escolas e universidades; a avaliação da

formação inicial de professores baseia-se mais na revisão pelos pares.

A  docência é encarada como uma profissão atractiva, havendo exce-

dente de candidatos, oportunidades de progressão na carreira e salários

razoavelmente elevados (Comissão Europeia/IBF, 2012d).

O sistema de apoio ao início de carreira, estabelecido em 2002,

contempla uma orientação estruturada e apoio contínuo aos professo-

res, que se estende além do período de apoio inicial. Foram introduzidas

opções de progressão de carreira com os programas para professores

diplomados (com grau de Mestre ou com qualificações profissionais) e

para posições de liderança. A implementação da medida escolar «Curri-

culum for Excellence» (Currículo para a Excelência), em 2010, aumentou

as responsabilidades dos professores, colocando ênfase na inter-rela-

ção entre a formação de professores, programas escolares e resultados

educacionais e permitindo uma maior liberdade na adaptação dos pro-

gramas escolares às necessidades dos estudantes, embora alinhados

com as directrizes gerais das políticas nacionais. Na Escócia, as políti-

cas para professores têm sido elogiadas pela sua abordagem orientada

para o desenvolvimento, centrada na aprendizagem dos professores e

Page 46: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

49

Quadros de competências de professores no contexto europeu

não na utilização regulamentar das normas profissionais (Conway et

al., 2009; Menter et al., 2010).

Quanto à qualidade e ao desenvolvimento profissional da forma-

ção de professores, a criação de competências de investigação é uma

prioridade e um desafio contínuo para as universidades escocesas.

As abordagens colaborativas no AERS (Applied Educational Research

Scheme) e na SERA (Scottish Educational Research Association) são

valiosos exemplos dos avanços feitos nesta área (Menter et al., 2010).

Conclusão: matéria para reflexão

O papel predominante das políticas europeias numa área como a

educação, que é regulada pelo princípio da subsidiariedade, pode ser

considerado como um catalisador da mudança nacional e do empo-

deramento, criando oportunidades para que os governos dos Estados-

-Membros implementem reformas internas, que tenderão a desafiar as

instituições, os intervenientes e as práticas locais, estimulando o desen-

volvimento de políticas e a aprendizagem social nos diferentes países

(Michel & Halász, 2011). A  Estratégia de Educação e Formação para

2020 considera o desenvolvimento e o uso eficaz de quadros de com-

petências de professores, fundamental para a reforma das políticas de

ensino, devido à sua ligação com praticamente todas as principais áreas:

competências-chave para o ensino em contexto escolar, formação e

desenvolvimento profissional de professores, quadros de qualificações,

garantia de qualidade, eficácia e transparência no ensino e na formação.

No entanto, em matéria de políticas para professores, as dinâmicas

de adaptação e a resistência às pressões europeias produzem resultados

heterogéneos e diversificados nos vários países, onde os papéis, o equilí-

brio e a intervenção das principais instituições (ao nível macro e médio),

Page 47: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

50

Francesca Caena

inseridas em estratégias políticas e culturas concretas, podem determi-

nar o ritmo e o sucesso da tradução do discurso para a prática política.

A ênfase nas competências dos professores pode ser vista como o

resultado de uma mudança de paradigma na Europa, que tem vindo a

focar-se nas competências que deverão fazer parte dos programas de

ensino. Contudo, o êxito da implementação de políticas e reformas

para as competências dos professores, implica a superação de numero-

sos obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais signi-

ficativas por parte dos principais intervenientes e instituições, nomea-

damente, universidades e outros prestadores de serviços de formação

de professores/desenvolvimento profissional, escolas enquanto locais

de ensino e aprendizagem dos professores, formadores de professores

e dirigentes escolares.

Para que se encontre um rumo político no terreno caótico, irregu-

lar e acidentado das competências e da formação de professores, poderá

ser útil identificar alguns pontos de referência. O primeiro tem que ver

com a aprendizagem para o desenvolvimento das competências dos

professores, na fase de formação inicial e posteriormente – que pode

ter lugar sobretudo no contexto escolar, embora requeira uma prepa-

ração criteriosa, reflexão, feedback adequado e um diálogo profissional

permanente com mentores experientes e formadores de professores.

Isto implica decisões políticas que definam a estrutura e o currículo da

formação inicial de professores e requer parcerias eficazes e estrutura-

das entre escolas e universidades, o intercâmbio e desenvolvimento de

conhecimentos e os conhecimentos especializados dos formadores de

professores, mentores e investigadores.

O segundo ponto de referência diz respeito à consistência da ava-

liação das competências dos professores em diferentes contextos, fun-

ções e etapas da carreira. Se a competência do professor é um conceito

Page 48: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

51

Quadros de competências de professores no contexto europeu

dinâmico, que implica a mobilização de conhecimentos e de aptidões

em contextos específicos, então deverá ser avaliada na prática – na sala

de aula e no exercício da profissão. Isso deverá estar reflectido nos pro-

gramas de formação inicial de professores, nos trabalhos académicos

e na avaliação dos professores ao longo da carreira, ressaltando o papel

fundamental dos portefólios profissionais.

O terceiro ponto diz respeito ao reconhecimento da necessidade

de um continuum no processo de formação de professores, que requer

coesão e articulação entre as várias etapas do seu processo de apren-

dizagem e desenvolvimento. Numa conferência internacional recente

sobre a formação de professores, que teve lugar em Essen (Projecto

Nexus/Conferência de Reitores Alemães, Janeiro de 2014) (www.hrk-

-nexus.de/aktuelles/termine/education-e-training-for-european-pro-

fessores), expressou-se a opinião de que poderia ser mais fácil e eficaz

elaborar políticas mais focadas no desenvolvimento profissional con-

tínuo dos professores e não tanto na formação inicial de professores,

tendo em conta os vários desafios institucionais e cognitivos inerentes

ao processo de formação inicial de professores. Admitindo que esse

seria o caso, isso poderia significar uma oportunidade perdida para

que as universidades evoluíssem de torres de marfim para centros de

aprendizagem e catalisadores do conhecimento, criando sinergias ino-

vadoras com as escolas, enquanto comunidades profissionais.

Page 49: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Francesca Caena é professora na área de Formação de

professores na Universidade Ca’ Foscari em Veneza.

É consultora do Grupo de Trabalho da Comissão Europeia para

a política escolar e formação de professores. Os seus interesses

de investigação situam-se nos estudos comparativos sobre

políticas europeias, formação inicial e contínua de professores

e aprendizagem online em comunidades profissionais. Foi

coordenadora de um projecto do Programa Erasmus cujo

objectivo foi desenvolver um curriculum de mestrado para

professores europeus, envolvendo oito universidades europeias.

Page 54: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA: UMA CONSTANTE INTERNA (E EXTERNA) DO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

Javier M. Valle Jesús Manso

Page 55: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

59

A formação para a docência

A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA:

UMA CONSTANTE INTERNA

(E EXTERNA) DO DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL DOCENTE

Javier M. Valle

Jesús Manso7

A expressão Lifelong Learning constitui nos dias de hoje um para-

digma urgente no ensino contemporâneo. O  normal nestes tempos

de conhecimento “líquido” e “esférico” é considerar-se que a formação

não deve parar nos períodos em que se obtém uma determinada qua-

lificação, nem reduzir-se aos contextos de ensino formal. Desta forma,

há que formar-se interna e externamente, o que constitui o processo vital

de um profissional.

Muitas são as temáticas em debate quando se aborda “a ques-

tão docente”. O erro, frequentemente reiterado, é abordar soluções de

7 Grupo de Investigação sobre “Políticas Educativas Supranacionales”

da Universidade Autónoma de Madrid (UAM)

Page 56: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

60

Javier M. Valle, Jesús Manso

forma isolada e desconexa, quando, na nossa apresentação, “a ques-

tão docente” deve ser tratada como uma constante e abordar um vasto

número de factores com relações complexas entre si. Entre esses fac-

tores a ter em conta podem enumerar-se (para uma aproximação siste-

mática, apesar de insistir no artificioso da sua consideração indepen-

dente) os que constituem o seguinte decálogo:

1) Definição das competências profissionais dos docentes. Que

competências deve aplicar um docente no exercício da sua pro-

fissão (na sala de aula, na escola, com as famílias, com o meio

envolvente, com o conhecimento e a investigação…)? E… sempre

de acordo às mesmas:

2) Selecção dos futuros estudantes de profissões que qualificam

para o exercício da docência. Como deverá ser feita a selecção

adequada dos que querem ingressar nos programas de forma-

ção de qualificação para o exercício da docência (seja qual for o

modelo escolhido para esses programas)? É viável pensar-se em

provas de natureza diversa para o acesso aos estatutos de Pro-

fessor Ensino Básico e Professor do Ensino Secundário?

3) Formação “Inicial”. Como deve ser a formação para os que que-

rem exercer a docência, de forma a serem qualificados com as

competências adequadas, tendo em conta os distintos níveis e

disciplinas em que se materializa esta profissão na realidade do

sistema educativo? Dentro desta qualificação não podemos esque-

cer-nos de, pelo menos, três questões: 3.1) A formação disciplinar;

3.2) A formação pedagógica; 3.3) A formação prática (3.3.1. Com

uma reflexão sobre as escolas onde se aplicará a prática; 3.3.2.

Atendendo à formação de mentores dos estudantes em estágio).

4) Certificação de qualificações de profissionais docentes. Como

dar certificação a profissionais que possuam as competências

Page 57: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

61

A formação para a docência

exigidas para o exercício da docência? Deve existir alguma Enti-

dade Nacional de Acreditação de Docentes?

5) Acesso à profissão de docente. Como deverá ser o processo de

selecção dos candidatos para o desempenho de forma profissio-

nal do cargo de docente?

6) Indução profissional. Como criar um plano de indução, de

inserção nos contextos do exercício da profissão de docente,

que permita aos professores principiantes uma aprendizagem

de boas práticas?

7) A formação “permanente” ou contínua. Como articular uma

melhoria constante nas competências profissionais dos docen-

tes e um aperfeiçoamento dos graus de domínio dos desempe-

nhos latentes nessas competências…?

8) As condições profissionais e sociais no exercício da docência.

Como devem ser as condições para o exercício eficiente da pro-

fissão? O que deve constar no “Estatuto profissional do docente”?

9) A função directiva e a liderança pedagógica. Como deve ser a

formação dos responsáveis pela direcção das escolas e agru-

pamentos? Como ter acesso a cargos de tal responsabilidade?

Como fomentar a existência nas escolas e agrupamentos de

dinâmicas que originem uma liderança pedagógica e que pro-

movam, desta forma, um ensino inovador?

10) O prestígio e a consideração social dos docentes. Como recu-

perar a confiança nos nossos docentes e recuperar o prestígio

social desta profissão?

Todos estes factores, pelo menos, e de forma totalmente interligada,

deveriam fazer parte de uma política que aborde a “questão docente” a

partir de uma perspectiva verdadeiramente integral, holística.

Page 58: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

62

Javier M. Valle, Jesús Manso

O conceito de Lifelong Learning aplicado ao caso concreto dos pro-

fessores e o que se presume com “a vida” de “ser professor” é o que

aqui definiremos como “Lifelong Teacher´s Education”.

Através desta perspectiva integrante, nenhum dos factores ante-

riormente citados pode ser analisado de forma isolada…

Desde o primeiro momento em que o futuro docente se propõe

a sê-lo, deve estar consciente de que “ser” professor começa antes

mesmo de ingressar no programa de formação que o qualifica para o

exercício da docência. Deve estar consciente das competências profis-

sionais exigidas para o exercício da docência (que para tal devem ter

sido previamente estabelecidas – mediante um acordo a nível nacional

que tenha em conta os referentes de consenso nacionais sobre a temá-

tica-) e deve também conhecer o processo de selecção que o permitirá

ingressar em algum destes programas.

Obviamente, este processo de selecção deverá ter em conta essas

competências e incluir o plano de provas de natureza diversa para

poderem ser avaliadas. Não parece sensato basear-se na nota média

de final do Ensino Secundário, nem numa prova de conteúdos (como

parece estar a ser apresentado desde a arena do actual debate político,

que inclusivamente está a criar provas de ingresso nesta errante direc-

ção …) uma vez que as provas deverão dar a informação sobre as apti-

dões do aspirante a docente para que possa, com a formação adequada,

alcançar as competências necessárias e estabelecidas, tal como é feito

há algum tempo em vários países europeus.

Essas competências devem ser, por sua vez, o foco central dos pro-

gramas de formação que outorguem a qualificação adequada. Para formar

professores no cenário contemporâneo de aprendizagem por competên-

cias é necessário fazê-lo através do enfoque das competências. E no enfoque

Page 59: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

63

A formação para a docência

das competências, a vertente prática tem um papel fundamental. Alguns

documentos assinalam a importância de um equilíbrio entre a teoria e a

prática na formação inicial de professores. Equilíbrio esse que nos actuais

programas de formação do nosso país está longe de ser alcançado. Den-

tro da organização da vertente prática, é imprescindível uma boa selecção

dos centros educativos onde será posta em prática, bem como dos men-

tores para a sua supervisão. Nem todos os centros docentes servem como

modelo nem exemplo para um estudante em estágio; nem todos têm a

infra-estrutura organizativa nem os recursos humanos para apoiar o estu-

dante de forma adequada. Por outro lado, os orientadores destes estagiá-

rios nem sempre têm a formação que deveria ser exigida para tal (aliás, não

é exigida nenhuma condição especial para ser orientador de um estudante

em estágio). Para não falar do conteúdo dos estágios, que nem sempre

está bem definido, nem segue sequer uma linha orientadora que prepare

os futuros docentes a enfrentar as diversas situações, quer a diversidade de

alunos, ou grupos diferentes bem como os contextos variados…

Uma vez terminados os programas de formação, a certificação da

formação mediante uma qualificação deve ser feita de forma muito cui-

dadosa. O  título que se outorga nos centros de formação para a docência

será suficiente para certificar uma qualificação? Será essa a adequada

para ser professor? É necessária uma profunda reflexão sobre esta

temática e um plano mais ajustado às necessidades reais da docência

dos dias de hoje para os processos de certificação dessa qualificação.

Outro factor determinante nesta constante Lifelong Teacher's Educa-

tion é a selecção de aqueles que, uma vez formados e com qualificação

acreditada, devem começar a trabalhar num cargo concreto de docente.

Mais uma vez, os processos de selecção devem garantir que o professor

demonstra ter as competências profissionais requeridas e que já foram

anteriormente mencionadas. Um sector muito amplo da docência não

Page 60: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

64

Javier M. Valle, Jesús Manso

considera adequados os processos actuais, reclamando uma mudança

dos mesmos e pede para que os processos sejam equiparados quer o

exercício da docência seja feito no sector privado ou no público.

Uma vez seleccionado para um posto concreto, a constante Lifelong

Teacher´s Education não deve parar. Seria bom que os centros educativos

contassem com planos de indução adequados para que os professores nos

primeiros anos da sua carreira e inseridos na realidade da sua profissão,

adquirissem as ferramentas necessárias para a desempenhar com um grau

de domínio cada vez maior. A constante melhoria do corpo docente tem de

ser promovida e avaliada.

Neste seguimento, a denominada formação contínua ou perma-

nente tem um papel fundamental desde os primeiros anos, sendo para

tal necessário estabelecer planos de formação para a docência, desde

uma perspectiva integrante e flexível que aborde os variados aspectos

que vão sendo exigidos em função das mudanças sociais e pedagógicas.

Relativamente a essa formação, existe para nós uma área muito

importante. Deveria existir uma formação para poder desempenhar

cargos directivos num centro educativo ou para promover a inovação

mediante a liderança pedagógica. Espanha não se destaca necessariamente

por ter uma determinada qualificação para os nossos directores nem por ter

sistemas para a sua selecção muito exigentes.

Para terminar, considerando todos estes factores, anteriormente

mencionados, como uma constante indiscutível, é provável que a car-

reira de docente mude a sua imagem actual para uma mais conforme à

sua transcendência no Estado contemporâneo, ganhando apoio social

e incrementando o seu prestígio.

Tem de se pôr mãos à obra!

Page 61: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

65

A formação para a docência

FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA

E O PRESTÍGIO SOCIAL

DA PROFISSÃO DE DOCENTE:

ALGUNS DESAJUSTES DO SISTEMA

EDUCATIVO ESPANHOL

Javier M. Valle8

O fim do ano académico de 2013-14 foi adornado com a apresen-

tação em Junho, do Relatório TALIS-2013 (OCDE, 2014), o Inquérito

Internacional sobre Ensino e Aprendizagem que, promovido pela

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, ofe-

rece uma panorâmica internacional para as percepções dos docentes de

33 países de todo o mundo nas diversas questões que os afetam.

Este relatório, de grande impacto mediático, devolve a questão

docente à actualidade do debate educativo espanhol. Dos variados

aspectos que costumam ser abordados nesse debate, escolhi focar-me

brevemente em dois, pois considero existirem alguns desajustes que

8 Coordenador do Grupo de Investigação sobre “Políticas Educativas

Supranacionales” da UAM

Page 62: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

66

Javier M. Valle

necessitam de uma maior e urgente atenção. Trata-se da formação para

a docência (inicial, permanente e para a liderança) e do prestígio social

da profissão de docente. Para além disso, são dois aspectos nos quais

encontro certas conexões. Ambos encerram uma complexa problemá-

tica entre os que se dedicam ao ensino no sistema educativo espanhol,

criando uma “zona escura” sobre a qual nunca se vislumbra a luz sufi-

ciente para melhorar de verdade a qualidade da nossa docência; factor

chave da qualidade global do nível educativo de um país segundo o con-

senso de organismos nacionais.

Por um lado, ouve-se falar que os nossos professores carecem da

formação inicial suficiente e inclusivamente são apresentadas propos-

tas para tornar mais rígidas as condições de acesso à qualificação para a

docência no Ensino Básico e Ensino Secundário (Álvarez y Silió, 2014).

Por outro lado, os directores de centros educativos espanhóis conside-

ram que a profissão de docente não está bem valorizada na nossa socie-

dade (INEE, 2014 a:4) o que nos permite assumir que o valor dado

pela sociedade à profissão de professor não é o merecido. Talvez ambos

os aspectos tenham uma certa conexão e formem o binómio que, no

nosso sistema educativo, deveria ser melhor ajustado.

Relativamente à Formação Inicial para a Docência, se bem que

as mudanças derivadas ao Processo de Bolonha tenham possibilitado

ampliar os estudos de um Bacharelato (3 anos) para uma Licenciatura

(de 4), com planos de estudo que dão mais ênfase à prática, continuam

ainda a estar muito carregados de aspectos relativos à psicologia (espe-

cialmente psicologia evolutiva e da educação) mantendo graves défices

na formação pedagógica, como por exemplo, no que diz respeito à aten-

ção pela diversidade, aos recursos para abordar com êxito a diversidade

cultural através de um foco intercultural, às necessidades para a gestão

dos centros educativos e a liderança pedagógica, ou a transmitir uma

Page 63: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

67

A formação para a docência

imprescindível dimensão europeia e internacional, imperativa num

contexto globalizado como o actual9.

A reforma levou também a mudanças no sistema de formação dos

professores do Ensino Básico e Secundário, mas na minha perspectiva,

as mudanças foram insuficientes, tendo sido desperdiçada uma grande

oportunidade. É evidente que o antigo Certificado de Aptidão Profissional

(CAP)10 não oferecia garantias mínimas de uma formação inicial de

qualidade. O  novo Máster de Formación de Profesorado de Secundaria

pretende melhorar a formação11. Contudo, o modelo não se alterou radi-

calmente12, e continua a ser insuficiente. Em Espanha, onde se segue o

modelo denominado “consecutivo”13, os professores do Ensino Básico e

Secundário acedem à sua formação pedagógica, à sua qualificação pro-

fissional como docentes, depois de terem o título de Licenciado numa

9 Ao examinar-se os planos de estudo relativos aos Cursos para

a docência, na maioria das universidades, disciplinas como “Educação

intercultural”, “Liderança escolar”, “Atenção a pessoas com incapacidades na

sala de aula”, “Educação Comparada”, “Educação Internacional”, “Educação

Europeia” se constam do programa, costumam ser de carácter opcional.

10 O CAP surge do desenvolvimento da Lei Geral de Educação de 1970

(MEC, 1970).

11 Uma brilhante e exaustiva análise sobre a nova qualificação para

a docência foi feita recentemente por Manso (2012).

12 A nova qualificação para a docência é, sem dúvida, uma profunda

melhoria do CAP. Mas o modelo estrutural da Formación Inicial del

Profesorado de Secundaria não muda uma vez que se exige uma

certificação prévia numa área de conhecimento que se complementa com

uma formação posterior em questões pedagógicas.

13 A Rede de Informação sobre Educação na Europa (EURYDICE)

publicou uma obra onde os modelos de formação inicial para a docência

estão bem definidos e explicados (EURYDICE, 2003).

Page 64: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

68

Javier M. Valle

área de conhecimento (física, línguas e literatura, filosofia, matemá-

tica…). Os países que seguem o modelo “simultâneo”, desde o início do

Curso formam os estudantes para serem professores de uma disciplina

ou disciplinas numa área de conhecimento concreta. A vantagem do

modelo “consecutivo” é dotar os docentes de um vasto conhecimento

da sua disciplina mas não fornece excessivas competências pedagógi-

cas, extremamente necessárias no Ensino Básico e Secundário, sobre-

tudo nas salas de aula dos nossos dias: interculturais, diversas, com

tecnologias educativas complexas…

Nos países de modelo “simultâneo” (como o exemplo da Alema-

nha ou Suécia), desde o início do curso que se pretende adquirir o título

concreto de professor numa determinada área, estudando os conteú-

dos disciplinares dessa área, mas apenas os necessários para o pro-

grama do ensino básico e secundário. Caso se pretenda estudar mais

conteúdos disciplinares, o curso que se deve seguir é o da própria disci-

plina correspondente. Mas para ser professor de uma disciplina, enve-

reda-se pelo curso de professor da mesma disciplina.

Nos modelos como o nosso, consecutivos, a disciplina é o subs-

tantivo, sendo a condição de ser professor o qualificativo. Em suma, no

nosso modelo, formamos “gente que sabe muito sobre algo e ensina

esse algo”. Nos modelos “simultâneos”, o ser professor é o substantivo,

sendo o adicional, o qualificativo, a disciplina que se ensina. Nestes

modelos somos “professor de algo” e não “alguém que sabe de algo e

se dedica a ensinar sobre o que sabe”.

A vantagem do modelo “simultâneo” está na boa formação peda-

gógica e na suficiente formação disciplinar. A desvantagem do nosso

modelo “consecutivo” está na insuficiente formação pedagógica compa-

rativamente com a formação disciplinar. De facto, e segundo os dados

do relatório espanhol sobre TALIS realizado pelo Instituto Nacional de

Page 65: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

69

A formação para a docência

Evaluación Educativa, em Espanha, quase 1 em cada 10 professores não

se sente preparado no que diz respeito à formação pedagógica (INEE,

2014 c:  22);contudo, relativamente à formação disciplinar, 99% dos

nossos professores sentem-se muito bem preparados (INEE, 2014

c: 22). Mas tendo em conta um estudo sobre os dados do TALIS o nível

de percepção de autoeficácia dos professores espanhóis encontra-se

abaixo da média da OCDE (Egido, López-Martín, Manso y Valle, 2014:

13-37). Seria interessante contrastar a hipótese da escassa preparação

em matérias pedagógicas, assinalada por quase 10% dos professores

espanhóis, como uma variável que possa estar por detrás desta baixa

percepção de autoeficácia…

Por outro lado, a seleção dos futuros professores não se vê como

suficientemente exigente. Assim como a área da Saúde, outro elemento

chave nas políticas públicas mais básicas de uma sociedade moderna,

a seleção para os estudos para a docência deveria exigir as notas mais

altas de acesso. Podemos ver o exemplo da Finlândia, onde se exige

uma média de 9 para ingressar nos estudos para a docência (apenas

um em cada quatro candidatos consegue vaga) (Melgarejo, 2006).

Esta “impressão” de que é necessário haver uma maior exigência

no acesso à formação inicial dos nossos futuros professores é forta-

lecida por alguns dados que surgem de inquéritos feitos à sociedade.

Assim como por exemplo, um recente relatório da Fundación Europea

Sociedad y Educación (FESE) sobre El prestigio de la percepción docente.

Percepción y realidad, que assinala:

73% dos inquiridos está de acordo com a ideia de que o acesso à carreira

de Docente deva ser tão exigente como o acesso à Medicina. Também

uma ampla maioria (68%) vê de forma favorável uma formação específica

para os professores, no lugar do modelo actual (FESE, 2013: 158).

Page 66: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

70

Javier M. Valle

No que diz respeito à Formação Inicial para a Docência existe outro

tema que o nosso país tem vindo a descuidar: a necessidade de formar

os professores para os cargos directivos e de gestão dos centros edu-

cativos bem como a formação em liderança pedagógica. Para que um

centro educativo funcione adequadamente, não é suficiente que seja

gerido por um professor; deve estar nas mãos de um professor com

preparação para tal cargo e qualificação que lhe outorgue as competên-

cias necessárias em liderança pedagógica, gestão de recursos huma-

nos, administração de recursos materiais e financeiros, para que possa

gerir uma estrutura tão complexa como os centros educativos dos nos-

sos dias (com tecnologia educativa, diversidade cultural, inclusão de

pessoas com dificuldades… etc).

No capítulo referente à direção dos centros e à formação dos direc-

tores das escolas, o relatório TALIS é claro ao referir:

In the same way that the knowledge and skills students obtain from their

schooling is influenced by the quality of the preparation and the conduct of

teachers, the quality of a nation’s schools relies heavily upon the preparation

and conduct of its school leaders (OCDE, 2014: 65)14.

Assim, no que diz respeito à formação dos directores escolares,

a figura 3.6 do mesmo relatório ilustra que a Espanha ocupa o quarto

14 Da mesma forma que o conhecimento e as capacidades que os

alunos obtêm durante a sua formação dependem da qualidade e conduta

dos seus professores, a qualidade das escolas de um país baseia-se

em grande parte na preparação e no desempenho dos que exercem a

liderança escolar. [tradução].

Page 67: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

71

A formação para a docência

lugar no défice na formação de liderança pedagógica dos seus directo-

res escolares (OCDE, 2014: 69).

O nosso próprio INEE (Instituto Nacional de Evaluación Educativa)

o expressa claramente:

uma proporção significativa dos directores não recebeu nunca forma-

ção para a administração ou direção de centros educativos nem em lide-

rança pedagógica. A  falta de formação em liderança é especialmente

notória em Espanha, onde 4 em cada 10 directores afirma não ter rece-

bido essa formação (INEE, 2014 a: 4).

Desta forma, a meu ver, é necessário que exista no nosso país uma

qualificação oficial, criada exclusivamente para a gestão de centros esco-

lares e que seja um requisito sem o qual não se possa exercer a dire-

ção de centros escolares. É o caso do Reino Unido, onde é requerida

a certificação de National Professional Qualification for Headship como

requisito prévio para ser Director de um centro escolar (EURYDICE,

2009: 189).

Contudo, não é apenas a Formação Inicial para a Docência que

precisa de reformas. É também necessário reformular de forma ade-

quada a Formação Permanente, elemento fundamental do desenvolvi-

mento profissional do docente. Continuando com o relatório TALIS, a

análise feita a Espanha deteta um grave desajuste estrutural:

TALIS data suggest that the problem of not receiving enough incentives

for participating in professional development is a substantial issue for

teachers in Italy (83%), Portugal (85%) and Spain (80%) (Table 4.14).

This is important because participation rates in professional develop-

ment are below average in Spain and at average in Portugal (Table 4.6).

Page 68: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

72

Javier M. Valle

(…) This should be of special concern from a policy perspective in these

countries (OECD, 2014: 112)15.

O próprio INEE faz uma leitura dos dados do relatório TALIS con-

vergente com os temas apresentados e é contundente ao reconhecer

que quatro em cada cinco professores acreditam que não há incentivos

que fomentem a participação em atividades de desenvolvimento profis-

sional (INEE, 2014 b: 3).

O último dos desafios referentes à Formação para a Docência, deriva

da importância da indução na profissão, entendida como o período prá-

tico durante a formação inicial e os primeiros anos de carreira. Muitos

estudos assinalam esse período de indução como crítico para formar um

“bom professor”16 e o mesmo foi feito pela própria Comissão Europeia

15 Os dados do relatório TALIS sugerem que para os professores de

Itália (83%), Portugal (85%) e Espanha (80%) é um problema substancial

não receber incentivos suficientes para se envolverem em actividades

de desenvolvimento profissional (Tabela 4.14). Sendo importante pois os

valores de participação em actividades de desenvolvimento profissional

estão abaixo da média em Espanha e na média em Portugal (Tabela 4.6).

(…) Estes dados, exigem uma especial preocupação das políticas

educativas desses países. [tradução].

16 Por exemplo, o Consejo General de Colegios de Doctores y

Licenciados, em cooperação com o Instituto Superior de Formación

del Profesorado e a Agencia Nacional de Evaluación de la Calidad y

Acreditación, impulsionou um estudo intitulado "La dimensión práctica

en la formación inicial del profesorado de secundaria: orientaciones para

el reconocimiento de centros de buenas prácticas", cujo objectivo era

analisar os factores de qualidade na dimensão prática da formação e

experiência iniciais do futuro professor. Apresentado a 24 de junho de

2009 na sede do Consejo Escolar del Estado, oferece um interessante

Page 69: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

73

A formação para a docência

(UE, 2010). Esta indução profissional não é suficientemente cuidada no

nosso país. Tal como nos apresenta o relatório TALIS de forma explícita:

In some countries, most teachers work in schools that don’t have a formal

induction programme. This is the case in Brazil, Mexico, Poland, Portugal

and Spain, where between 70% and 80% of teachers work in schools that do

not have an induction programme (OECD, 2014: 89)17.

Portanto, é preciso melhorar o processo de indução de jovens pro-

fessores em Espanha, começando por uma boa selecção dos centros

educativos onde os futuros docentes irão estagiar. Nem todos os cen-

tros são bons exemplos no processo de inserção de futuros professores

na cultura escolar, devendo ser selecionados aqueles em que se reco-

nheçam “boas práticas”. Também seria recomendável que os professo-

res em estágio curricular, ou em início de carreira, fossem orientados

por mentores (aos quais não seria descabido oferecer uma formação

adequada, incentivos diversos…etc.) para que realmente tenham a

capacidade de guiar os jovens professores no processo de inserção.

Todos esses défices na formação espanhola de docentes (inicial e

permanente) precisam de atenção urgente. No meu entender, podem

estar também, por detrás da percepção que se tem sobre o prestígio da

profissão de professor.

repertório de possíveis medidas para melhorar estas questões. O estudo

está disponível em: http://www.consejogeneralcdl.es/images/Dimension_

practica_formacion_inicial.pdf

17 Em alguns países, a maioria dos professores trabalham em escolas

sem qualquer programa formal de indução. É o caso de Brasil, Espanha,

México, Polónia e Portugal, onde entre 70% a 80% dos professores

trabalham em centros educativos onde não existe tal programa de indução.

Page 70: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

74

Javier M. Valle

Em Espanha, menos de 10% dos professores pensa que a sua pro-

fissão é bem valorizada (INEE, 2014 c: 137). O que é especialmente pro-

blemático para o nosso país, em comparação com os outros participan-

tes no relatório TALIS, uma vez que nesse assunto, a média da OCDE é

de 28% e há países com percentagens de 59% (Finlândia) ou mesmo de

66% (Coreia); Abaixo dos nossos níveis apenas se encontram a Suécia

e França (5%) e a Eslováquia (4%) (INEE, 2014 c: 137). É curioso saber

que França é um dos paradigmas do modelo “concorrente” de forma-

ção de professores (assim como Espanha) e que a Finlândia, ao contrá-

rio, representa um dos bons exemplos do modelo “simultâneo”. Já foi

referido que segundo o estudo de FESE, parece existir no nosso país

uma maioria que concorda que se exija o mesmo quer seja para ingres-

sar nos estudos da medicina quer na docência e também defende a sua

posição a favor da mudança da formação de professores para o modelo

“consecutivo” (FESE, 2013: 158).

Todavia, é de realçar que a negativa percepção que os professo-

res têm sobre o prestígio que a sociedade lhes dá está desajustada em

relação à percepção que a sociedade tem sobre o prestígio dos seus pro-

fessores… Mas não totalmente desajustada! Segundo o estudo FESE,

sobre uma lista de profissões, as respostas dos inquiridos colocam os

professores de Ensino Básico e Secundário nos lugares 21 e 22, abaixo

de médicos, bombeiros, pilotos, arquitectos, químicos, físicos, engenhei-

ros, biólogos, dentistas, assessores financeiros, enfermeiros, farmacêu-

ticos, notários, técnicos de laboratório, economistas… (FESE, 2013: 17).

Para além disso, segundo o INEE (INEE, 2014 c: 137), um inquérito do

CIS de 2013 indica que 54% dos inquiridos respondeu que a profissão

de docente tem bastante ou muito prestígio social – o que significa que

46% da população não pensa assim…– mas, apesar destes dados, ape-

nas 6,5% escolheria para os seus filhos a profissão de professor…

Page 71: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

75

A formação para a docência

O desajuste é mais visível quando se observa que “Numa escala

de 1 a 5, os inquiridos atribuem aos professores um prestígio de 3,7, ao

passo que os próprios se atribuem um prestígio de 2,3 mas gostariam

de ter de 4,5” (FESE, 2013: 19).

As ligações entre a formação dos nossos professores e a conside-

ração do seu prestígio são reforçadas com o dado que nos indica que

81,2% dos inquiridos considera que um maior prestígio da profissão

atrairia melhores candidatos (FESE, 2013: 11). Dito de outra forma, a

sociedade reconhece que o aparente escasso prestígio social da profissão

alimenta a existência de candidatos “medianos”, o que nos leva de novo

à questão da importância de uma melhor seleção dos candidatos para

iniciar os estudos para a docência.

Outro dado interessante refere-se a 78% dos inquiridos que apoia

o argumento de que se aumentasse o prestígio dos professores melho-

rariam os resultados do nosso sistema educativo (FESE, 2013:  11).

E evidentemente, segundo relatórios internacionais, os resultados do

sistema melhoram quando o corpo docente é de qualidade, o que é

conseguido, em grande parte, ao selecionar muito bem os candidatos

a futuros docentes bem como com uma formação o mais exigente pos-

sível, não só relativamente à disciplina que irão lecionar mas também

nas questões pedagógicas e de liderança.

Esta última questão, a da liderança, interliga-se com outra que se

refere à autoridade dos docentes. Uma melhor formação em liderança

poderia talvez melhorar a autoridade dos docentes, perante os pais dos

alunos e os próprios alunos. Infelizmente, parece que Espanha apre-

senta alguns problemas em relação a situações ligadas à autoridade,

como por exemplo manter o bom funcionamento das aulas sem inter-

rupções frequentes. Segundo o TALIS (INEE, 2014 c: 129) Espanha está

acima da média dos países da OCDE na percentagem de professores

Page 72: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

76

Javier M. Valle

que considera as suas aulas muito barulhentas (40% frente a 25%), que

perdem bastante tempo devido a interrupções da aula por parte dos

alunos (42% frente a 30%) e que quando a aula começa têm de espe-

rar muito tempo para que os alunos fiquem em silêncio (42% frente a

30%). Ao contrário, Espanha está abaixo da média na opinião dos pro-

fessores que estimam que os alunos procuram criar um ambiente agra-

dável à aprendizagem (60% frente al 70%).

Para a sociedade, parece óbvia a ligação entre o prestígio social

e a autoridade do professor. Para 77,2% dos inquiridos, uma maior

prestígio dos professores aumentaria a sua autoridade (FESE, 2013: 11).

Na minha opinião, uma leitura cruzada de todos os dados que

foram detalhados neste artigo e que basicamente pôs em diálogo os do

estudo TALIS (referente à percepção dos docentes) com os do estudo da

FESE (referentes à percepção da sociedade sobre os docentes), permite

observar ligações entre “formação para a docência / prestígio profis-

sional docente / qualidade educativa”. Na minha modesta perspectiva,

uma melhoria na formação inicial para a docência melhoraria a ima-

gem que os professores têm de si bem como a imagem que a sociedade

tem sobre eles; e portanto, o prestígio social dos professores aumenta-

ria. Para além disso, professores melhor formados e que se sintam mais

reconhecidos e apoiados pela sociedade desempenhariam o seu traba-

lho, sem dúvida, com maiores níveis de eficiência e talvez, originassem

uma real melhoria no rendimento escolar dos nossos alunos que, sem

querer ser alarmista, mas de forma pública, se distancia do rendimento

que seria esperado num país com o nosso nível social e económico,

segundo relatórios internacionais como PISA (Programa Internacional

de Avaliação de Alunos).

E esse melhor rendimento aumentaria, por sua vez, o prestígio

da profissão.

Page 73: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

77

A formação para a docência

Abordar, então, de forma integrada, a realidade encerrada por este

triângulo (“formação para a docência / prestígio profissional docente

/ qualidade educativa”) representa hoje, talvez, um dos desafios mais

urgentes da política educativa espanhola.

Um desafio que parece não receber a responsabilidade política que

merece. Talvez ajudasse o tão esperado Estatuto Professional Docente,

anunciado há anos por diferentes administrações educativas (de vários

partidos políticos) mas que nenhuma foi capaz de pôr em prática.

Oxalá chegue em breve.

Referências

ÁLVAREZ, P. e SILIÓ, E. (2014): Cualquier titulado no vale para ser maestro. El país, 24 de abril de 2014.

EGIDO, I., LÓPEZ-MARTÍN, E., MANSO, J. e VALLE, J.M. (2014): Factores deter-minantes de la auto-eficacia docente en los países de la Unión Europea. Un análisis a partir de los resultados de TALIS-2013. Em INEE, TALIS-2013: Estu-dio Internacional de la Enseñanza y el Aprendizaje. Análisis secundario, pp. 13-37. Madrid: INEE.

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Page 74: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

78

Javier M. Valle

MANSO (2012): La formación inicial del profesorado de Educación Secundaria: Análisis y valoración del modelo de la LOE. Tese de Doutoramento. Universidad Autónoma de Madrid.

MEC (1970): Ley 14/1970, General de Educación y Financiamiento de la Reforma Educativa. Boletín Oficial del Estado de 6 de agosto de 1970.

MELGAREJO, J. (2006): “La selección y formación del profesorado. Clave para com-prender el excelente nivel de competencia lectora de los alumnos finlandeses”. Revista de Educación, nº extraordinário, pp. 237-262.

OECD (2014): TALIS 2013 Results. An International Perspective on Teaching and Lear-ning. Teaching and Learning International Survey. OECD Publishing.

UE (2010): European Commission report on “Developing coherent and system-wide induc-tion programmes for beginning teaching staff – a handbook for policymakers”, SEC (2010) 538 final.

Javier M. Valle é doutorado em Educação pela UNED

e premiado com o Extraordinary PhD Award e o primeiro lugar

do prémio nacional para Tese de Doutoramento em Educação

Comparada “Pedro Roselló”. Professor na área de Teoria

e História da Educação na Escola de Formação de Professores

da Universidade Autónoma de Madrid. Especialista em Política

Educativa de Instituições Supranacionais (maioritariamente

na União Europeia). Actualmente, lidera o grupo de investigação

sobre Políticas Supranacionais de Educação na Universidade

Autónoma de Madrid e é director da revista científica “Journal

of Supranational Policies of Education”.

É consultor externo da Unidade espanhola da EURYDICE

na Comissão Europeia. É ainda membro da TEAM-EUROPA

(grupo de especialistas da União Europeia), da Comissão

executiva da Sociedade Espanhola de Educação Comparada

e co-director da “Spanish Journal of Comparative Education”.

Page 75: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

SOBRE TUDO O QUE NÃO TEM IMPORTÂNCIA – E O QUE A TEM – PARA SE OBTER UMA AMOSTRA DE PROFESSOR

António Mouzinho

Page 76: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

SOBRE TUDO O QUE NÃO TEM

IMPORTÂNCIA – E O QUE A TEM –

PARA SE OBTER UMA AMOSTRA

DE PROFESSOR: UM TEXTO

NÃO-ERUDITO SOBRE QUESTÕES

NÃO-CIENTÍFICAS, RELACIONADO

COM O PAPEL DA FORMAÇÃO

PROFISSIONAL NA DOCÊNCIA

António Mouzinho

Como divulgo aqui reflexões pessoais, abro com um esclareci-

mento: já tive a oportunidade de afirmar que o termo «ciências da edu-

cação» foi inventado como um pretexto para justificar a utilização das

aspas. É um artifício semântico, um contrassenso útil que dá particular

relevo, e inegável brilho, ao pequeno sinal de pontuação.

Não tenho nenhum tipo de preconceito, dito isto, quanto aos estu-

dos de psicologia das várias idades do crescimento, ou de pedagogia

aplicada às várias fases da aprendizagem. São domínios de especulação

de utilidade evidente e reconhecida, e o meu preconceito é reservado

Page 77: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

82

António Mouzinho

ao uso do termo «ciências» em domínios que não correspondem exa-

tamente à definição usual de «ciência» – e não cabem, assim sendo,

no seu espaço. Não deixo de fazer, como leigo, leituras de ingressão

por relatos de avanços da psicologia cognitiva. Encontrei imensa infor-

mação útil em obras de divulgação de vários aspetos da neurociência

e da cognição, de interesse imediato para o ensino: é o caso de Stanis-

las Dehaene, sobre a forma como lidamos com os números e sobre

a aprendizagem da leitura. (The Number Sense: How the Mind Creates

Mathematics e Reading in the brain: The New Science of How We Read –

nestes casos estamos mesmo a lidar com deduções e linguagem típicas

da Ciência, e aplicações relativamente recentes que tiram partido do

processo conhecido por imagens por ressonância magnética.) Mas o

que me parece aqui importante é transmitir uma perspetiva que se me

afigura correta da abordagem que faço a estes campos: tento ser sério,

mas não me ocorre produzir qualquer raciocínio científico.

Um dos males do nosso tempo não é a ausência de teses cientí-

ficas em todos os domínios; é, pelo contrário, a presença de teses que

se querem científicas em domínios que o não são. É, por exemplo, a

omnipresença de gente que se apoia em dados com tratamento mate-

mático para lidar com assuntos de uma complexidade que transcende

as contas – por mais corretas que elas sejam – e extrai disso consequên-

cias práticas; ou, mais perfeito ainda, não se apoia em dados de espécie

alguma, mas apenas em preconceitos ideológicos: dou como exemplo

muitas políticas de ensino, numa variedade suficiente de países para

percebermos que estamos acompanhados na asneira. A Ciência é uma

esfera de atividade onde se trabalha com causas e efeitos segundo um

princípio relativamente simples: as afirmações têm um caráter contin-

gente, e o que torna algo científico é a possibilidade de ser refutável – e

não a aparência de ser verdadeiro. As políticas de ensino do ocidente

Page 78: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

83

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

desde há 100 anos (estou, para não incorrer em exageros, a abreviar)

têm, em nome da fé, consistentemente produzido erros em quantidade

quase tão significativa como bons resultados.

Professor do Ensino Secundário Público com cerca de 43 anos de

carreira, fui brindado com uma parte substancial das reformas que

o Estado entendeu empreender naquilo que corresponde particular-

mente ao 3.º ciclo do Ensino Básico e ao Secundário, desde o final do

Estado Novo (inclusive: comecei em 72). Fui objeto da formação – e for-

matação – correspondente ao que se designou, durante anos, por «está-

gio pedagógico». Conheci modelos anteriores – narrados pela geração

que me precedeu: sou filho de dois professores do Secundário, ambos

de Letras, ambos dos quadros do Ensino Técnico até 1974 – e conheci

modelos mais recentes, quer porque com eles coabitei na escola onde

tenho estado colocado, quer porque deles tive notícia.

Devo acrescentar, à laia de complemento de apresentação, que

acumulei a profissão de professor com a de arquiteto – esta, como pro-

fissional liberal. É da formação de arquiteto que me advém a necessária

habilitação para a docência, o que resulta no quadro seguinte: tenho ori-

gem numa área de mestria, para exercer uma profissão a mestrear; isto

é, segui dois percursos profissionais que têm como motor pedagógico

a prática assente na tradição oficinal, na passagem de «boas» rotinas

de mestre para discípulo, na permanente adaptação de um conjunto de

conhecimentos organizados em rede a outro conjunto de situações em

constante mutação. Isto aplica-se ao modo de operar dos arquitetos, e

igualmente ao dos professores, quer no âmbito duma turma, quer no

encontro com cada um dos indivíduos que a compõem.

Em suma: não tenho, por detrás dos meus procedimentos pro-

fissionais, um corpo de regras teóricas que me indique, com exati-

dão, como lidar com cada realidade concreta. Não aplico um algoritmo

Page 79: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

84

António Mouzinho

simples, linear, a cada manifestação dessa realidade. Ao invés, adquiri

estratégias de aproximação às circunstâncias que se me apresentam:

na modelação do espaço, como na de um ambiente de transmissão

de conhecimentos, estou a interagir com seres humanos num qua-

dro complexo, e a aproximação acaba por ter essência semelhante, e

semelhante aparência.

O tempo ensinou-me a gerir com considerável humildade o meu

dia-a-dia como técnico, em ambas as profissões, e fico perplexo com

a facilidade com que se produz, pelos círculos de opinião, afirmações

taxativas sobre questões muito ricas de conteúdo e de caráter muito

sensível: o ensino e a formação dos seus mestres não é assunto que

se dê bem com apreciações pouco prudentes. De resto, sabemos que

muitas decisões que estiveram na base de reformas do ensino nos ditos

últimos 100 anos sofreram desse mal: avaliaram pouco, teorizaram no

ar, produziram decisões levianas e – sempre em nome da moderni-

dade – não se libertaram, feitas as contas, duma atitude que só pode ser

designada por… setecentista.

Quando, há já uns anos, fiz uma passagem pelo extinto Gabinete

de Avaliação Educacional (Gave para os amigos), fui recrutado para

coordenar as equipas das várias reformas do ensino da Geometria Des-

critiva, e acabei incumbido das equipas responsáveis por dois grupos

de provas de exame: essas, e também as de História da Arte (foi acres-

centada, no meu último ano de trabalho no Gabinete, a História da Cul-

tura e das Artes). Dei-me conta, na coordenação do processo do fabrico

de itens e dos respetivos critérios de classificação, da dificuldade em

comunicar de forma eficaz com todo o conjunto de professores classi-

ficadores: estes têm diferentes proveniências académicas, e diferentes

formações profissionais. Com a passagem do tempo, e a multiplicação

das instituições e das variantes de formação, o fenómeno acentuou-se.

Page 80: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

85

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

Se isto acontece em muitos dos grupos do ensino português, torna-se

particularmente presente na minha área, não adiantando pensar que

ao lidar com dois profissionais que ensinem as mesmas disciplinas

numa escola pública estamos a referir duas pessoas que estarão, aca-

demicamente, em sintonia. Dei por mim, então, a pensar, juntamente

com os autores que constituíam as equipas, como poderia transmitir-se

um critério de classificação que fosse entendido por todos os interve-

nientes de forma aproximadamente igual (e, já agora, que correspon-

desse ao nosso próprio entendimento: dos autores da prova, e o meu

…). Ainda hoje não sei o que poderá ser exatamente, a menos que con-

sideremos interpor neste procedimento uma via de formação profissio-

nal que transforme especialistas gerados por escolas diferentes em pro-

fessores igualmente qualificados duma determinada disciplina, através

dum percurso unificador.

Tenciono aqui refletir sobre um conjunto de questões: a vocação, a

seleção de candidatos a professores, a formação profissional, a forma-

ção em exercício. Igualmente tenciono mencionar o tempo que passa,

a atualização dos conhecimentos e das práticas usadas no dia-a-dia da

profissão de docente. Tenciono restringir todas estas apreciações ao

estrito universo da escola pública que, não sendo único, não só é de

grandes dimensões como é o que, verdadeiramente, nos importa defi-

nir e alimentar. Uma escola privada fará sempre o que bem entender,

limitando-se a solicitar do nosso Estado, ou de uma rede de forma-

ção internacional, um qualquer estatuto de acreditação. Ora, defendo

como solução geral para qualquer país a predominância de uma escola

pública de qualidade como motor da aquisição de conhecimentos e

competências e, finalmente, de inclusão social.

*

Page 81: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

86

António Mouzinho

Quantos de nós não pensámos exercer uma profissão mirabolante?

Essa escolha tem esta coisa magnífica que é ser um campo imenso, aberto

a todas as explorações. A  cada concretização pessoal cabe essa outra

coisa, igualmente magnífica, que é ser um teste às ideias de exploração

menos apoiadas. Não é conhecido um método para diagnosticar profis-

sões num jovem, embora seja possível determinar domínios de eleição,

gostos, proficiências variadas, que é isso que a abordagem das técnicas

de orientação profissional faz, desejavelmente de forma reservada, em

regra sugerindo áreas dignas de reparo, possibilidades de atividade.

A atual tendência nas instituições de prosseguimento de estu-

dos (universidades e institutos superiores) é para circunscrever cam-

pos, absorvendo vocações. Um estudante, por razões que são lá dele,

com frequência nebulosas, junta algum gosto pela literatura com um

impulso pelo estímulo à leitura junto de gente jovem – podemos ter

desenhado, aqui, dois traços principais de um candidato à profissão de

professor de línguas e literatura – e recebe acolhimento numa facul-

dade de Letras. Que vai a instituição fazer-lhe? Em princípio, se tudo

for nitidamente declarado, pô-lo a seguir um curso vocacional, uma

via de ensino. E se for parar a um instituto politécnico, o mesmo lhe

acontece, pelo que frequentará algum curso de uma escola superior de

educação. Digamos que o estudante faz todo o seu caminho, chegando

ao termo do mestrado com excelentes notas, e considera-se professor.

Admitindo que obtém colocação, é, então, confrontado com turmas de

verdade, numa escola de verdade, e reconhece que se enganou. Afinal

aquilo não era bem o que imaginava, as técnicas aprendidas em cadei-

ras de pedagogia não merecem o grato reconhecimento do seu público,

os garotos surgem como um grupo hostil e irritante e boa parte do que

lhe é pedido parece enfadonho. Basicamente, gosta de ler e de conver-

sar sobre isso. Que poderá fazer para arrepiar caminho?

Page 82: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

87

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

Pode refazer tudo, pouco mais ou menos…

Isto, que não é solução para a maioria dos jovens adultos no pri-

meiro emprego, é um dos problemas que minam o ensino: por detrás

dum técnico recém-graduado podem existir todas as qualificações, mas

faltar a vocação. As  alternativas são pesadas, particularmente as que

obrigam a reponderar custos de vida, organização e projetos familia-

res; enfim: a reconsiderar formas de sobrevivência digna e feliz nessa

fase da existência.

Perdeu-se um percurso profissional adequado, e não se ganhou

um professor.

A organização da formação no nosso país processa-se, geralmente,

numa estrutura de árvore, o que significa que no fim de cada percurso

não há alternativas. É aquilo – ou regressar atrás e fazer algo seme-

lhante, noutra estrutura formativa idêntica.

Ora, como sabemos, os psicólogos que se ocupam de orientação

profissional detetam inclinações, domínios de competência, determi-

nam vias, mas não arriscam a frase final: «meu caro, inscreva-se no Ins-

tituto Politécnico de Lisboa, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde,

onde encontrará o curso de Radiações Aplicadas às Tecnologias da Saúde

– que é a sua cara.» A orientação profissional não é feita assim, embora

possa ser uma ajuda preciosa, se – como sabem os referidos psicólogos –

for manipulada com pinças, visto que o assunto é escaldante.

Então, parece prudente, no que à formação de professores diz res-

peito, que o processo de determinação da vocação seja mais substan-

cial do que um mero repente aos 18 anos. Parece avisado protelá-lo, não

parando a aprendizagem, não diminuindo o ritmo de criação de uma

especialidade profissional, mas mantendo as portas abertas a opções.

Que pretendo dizer com isto? Que as pessoas podem e devem

seguir cursos de formação em domínios que as interessam – ou, de

Page 83: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

88

António Mouzinho

preferência, apaixonam –, mas tendo sempre em vista um leque de saí-

das profissionais, de opções de vida, tão grande e aberto quanto possível.

Todo o ensino em Portugal precisa de uma séria revisão curricular.

As tentativas a que temos vindo a assistir nos últimos anos, por parte

de vários ministros de diferentes governos, não estão perto, sequer, de

satisfazer: guiando-se por circunstâncias do discurso político ou ideo-

lógico, alimentaram slogans, mais do que necessidades pedagógicas,

produzindo perturbações, enganos sortidos na opinião pública, um fre-

nesi de renovação de manuais escolares e maior opacidade no sistema

de ensino. Essa revisão do plano nem é assim tão importante nos pro-

gramas das disciplinas principais, que vão mantendo alguma eficácia;

onde parece ser importante rever, é nos requisitos para obter creditações

finais: que curricula consideramos adequados a uma formação básica ou

secundária, que flexibilidade tem a composição curricular, com quan-

tos ciclos é que devemos lidar, como serão feitas as transições de ciclo,

será possível criar condições para regionalizar, como iremos lidar com

as idades dos alunos, como deveremos lidar com os alunos pontual-

mente muito mais lentos e com os muito mais rápidos, e por aí adiante:

sabemos que isto é uma matéria complexa com que a sociedade ociden-

tal lida de formas muito diversas, e nem sempre muito eficazes. Reto-

mando a analogia de Christopher Alexander, um arquiteto matemático,

os vários ministérios do Ocidente tendem a pensar e projetar em árvore,

e o mundo escolar troca-lhes as voltas porque é uma semirretícula.

Ora, essa revisão tarda e, entretanto, há mais que fazer: produzir

adultos informados e com competências técnicas variadas. Não podemos

encurralá-los em finais de primeiro percurso de formação profissional,

numa opção medíocre. Nada aconselha, por conseguinte, à criação, após

a escolaridade obrigatória, de cursos orientados para a docência. Mesmo

que só na altura do mestrado. Uma tradição das nossas faculdades de

Page 84: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

89

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

letras, por exemplo, faz com que todas as pessoas que não se sintam

inclinadas a produzir estudos sobre literatura ou linguística, ou não

encarem uma carreira de tradutores ou intérpretes, optem por um

caminho óbvio: a via de ensino. São professores? Muitos, não, por mais

cadeiras de pedagogia que integrem no curriculum.

É, então, o quê, ser professor? É ter um entusiasmo real pela trans-

missão do conhecimento, juntamente com o conjunto das caracterís-

ticas que são, não úteis, mas essenciais, na aula: gosto pelo público de

determinadas idades, firmeza de caráter, tolerância, sentido de justiça,

aliança entre o espírito proselitista e perfeccionismo; e, bem entendido,

o pensamento organizado sobre a matéria tratada – cultura adequada

na área em questão, e noutras úteis (tantas mais quanto mais recuado

o ciclo escolar) –, servido por boa expressão oral.

Creio que há um erro grave na hierarquia destas coisas: coloca-se a

profissão de professor ao nível das outras profissões, e faz-se disso um

mestrado. Ora não se é professor como se é engenheiro, ou ator, ou far-

macêutico, ou historiador. É-se professor para se ensinar os futuros pro-

fissionais disto ou daquilo, o que, só por si, pressupõe a formação… nisto

ou naquilo. O mercado de professores deve, naturalmente, ser abastecido

pelos profissionais já formados em algo. Pelos mestres das formações ou

das atividades que compõem o mundo profissional de qualquer nação.

É entre os profissionais já formados que devemos encontrar os

futuros docentes.

Recentemente tive, a propósito de um livro meu contendo um pro-

jeto educativo para o ensino nacional, uma troca de impressões com

uma colega do 1.º ciclo do Ensino Básico que não concordou comigo

em vários pontos; em particular, com a necessidade de partir duma

licenciatura para estabelecer a base de formação de um «professor

primário»: achava que o perfil por mim desenhado para estes colegas

Page 85: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

90

António Mouzinho

transvasava as necessidades. Ora, a troca de argumentos foi interes-

sante, mas continuo a pensar que é do prazer de trabalhar com deter-

minadas idades das crianças que deve nascer a inclinação para este ou

para aquele grau de ensino, e não de uma formação telegrafada por um

instituto superior de educação. A monodocência, aconselhada por tudo

o que sabemos das idades em causa, pode ter correspondência, justa-

mente, num lote de qualificações que não são encontradas no comum

dos professores. No dito livrinho, definia o perfil do professor do 1.º

ciclo, justamente, como agregando as exigências mais variadas; vou

citar-me: «[…] não faz qualquer sentido, sabendo o que se sabe hoje, inven-

tar umas escolas à parte da universidade onde se formam – com critérios,

nalguns casos, nebulosos – jovens que não são fortíssimos em Matemática e

Português e não falam um par de línguas estrangeiras, não desenham, não

cantam nem dançam, não percebem patavina de música, não têm um gosto

afirmado pela leitura, e pelas ciências, e pela História, não praticam des-

porto – mas estudaram Piaget, e sabem ensinar a ler por um método global

tirado à sorte, na sala de aula, com palhinhas.

Pobres professores; pobres alunos.

[…]».

Também tenho «professoras primárias» como familiares próxi-

mas, e sei que acabaram por adquirir, ao longo da vida, algumas qua-

lificações que sentiam que a formação não lhes dera. Aquilo que me

contavam e o que eu via do trabalho de preparação corrente das aulas

era, por vezes, duma complexidade, na multitarefa que lhes era exi-

gida pela monodocência, que me deixava boquiaberto. É evidente para

mim que não estamos a falar de profissionais menores e, também por

isso, temos toda a vantagem em procurá-los no mesmo meio que todos

os outros, embora com critérios muito específicos no que respeita

à multidisciplinaridade.

Page 86: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

91

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

Se considerarmos este ponto de partida, percebemos que acabá-

mos por descartar todos os estudos de psicologia aplicada e de pedago-

gia que fazem atualmente parte da formação inicial de professores no

quadro de um mestrado de ensino. Voltarei ao assunto mais adiante.

Importa neste momento situar, exemplificando, o nosso finalista que

envereda por uma profissão: acabou um mestrado em Química, começa

vida numa área laboratorial que não o satisfaz por completo; quer expe-

rimentar o ensino e, do que conhece, acha que o Secundário lhe dará

um contacto estimulante com «adolescentes velhos». É o momento

de se candidatar à docência. Primeira diferença relativamente ao que

agora se faz: os seus conhecimentos científicos são, evidentemente,

adequados a qualquer percurso na especialidade, pelo que não está

num beco sem saída. O que deverá, então, reservar-lhe o mercado do

ensino?: uma estrutura do Estado que lhe receba a candidatura e, por

um processo estabelecido, o entreviste, certifique as suas qualificações

académicas e, eventualmente, profissionais; o insira numa bolsa que

corresponda às necessidades do país na área do ensino da Química e

verifique, pelos processos que considere mais adequados, através de

testes de expressão escrita e oral, vocacionais entre outros, se existe um

perfil discernível; e, logo, a possibilidade de encarar uma candidatura

para frequentar o estágio profissional que poderá levar à docência. Se

sim, o candidato será sujeito a uma triagem que tenha em considera-

ção a relação entre a oferta de candidatos e as necessidades do ensino

público. A ser escolhido, está no caminho do estágio remunerado.

Só a partir deste momento deveriam começar as preocupações

com a formação pedagógica, que faria corpo com as atividades letivas.

Penso que uma formação com exercício é um modelo correto: se levar

em linha de conta a minha experiência (final dos anos 70), que foi

um padrão mais ou menos seguido noutros períodos, quer anteriores,

Page 87: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

92

António Mouzinho

quer subsequentes, a estrutura pode ser organizada em torno duma

personagem central, o orientador de estágio (noutros tempos, deu pelo

nome de metodólogo, e incluiu professores ilustres como Rómulo de

Carvalho; embora nem todos, obviamente…). Essa personagem é de

suma importância, visto que reúne dois papéis: o de exemplo e trans-

missor de métodos de trabalho docente e de avaliação, que incluem

as didáticas específicas de cada disciplina; e o de avaliador, no final do

processo de estágio. As didáticas podem ser várias, e muito diferen-

tes: pense-se num pintor que queira fazer também carreira como pro-

fessor, reunindo sob o mesmo chapéu disciplinas como o Desenho, a

Geometria Descritiva e a História da Cultura e das Artes, e far-se-á uma

ideia da diversidade que podem tomar.

O estágio nunca foi, que me lembre, encarado a frio como aquilo

que é: uma pós-graduação. Muitas experiências e estórias que acom-

panham os períodos de estágio revelam percursos aventurosos, com

peripécias variadas, e o teor geral é, depois de empurrado o pedregulho

de Sísifo montanha acima, o da conquista do Graal (os meus professo-

res de História que me perdoem a mistela). Não obstante, é uma mera

pós-graduação, e como tal deve ser encarada: em termos de duração, de

exigência e de avaliação. Tal como existiu, durante largos anos, terá dei-

xado bastante más memórias, pelo que pode parecer peregrina a ideia

de retomar o assunto. Sabemos como o estágio surgia, em regra, como

uma imposição controladora, oposta, por vezes, àquilo que os estagiá-

rios consideravam correto – frequentes vezes ao fim de um ror de anos

de ensino. Era condição para adquirir um posto de trabalho seguro e

com a localização pretendida, executada em tempo recorde, com exi-

gências absurdas de leituras e relatórios, e penalizações várias para

quem não cumprisse todas as regras. O todo, coroado por uma classifi-

cação que era, por vezes, discutível, e que ficava como um estigma para

Page 88: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

93

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

o resto da vida. Ora, é claro que se a formação de professores for regu-

lada no acesso, através de critérios de adequação do candidato à tarefa,

e o estágio terminar com sucesso, não existe qualquer razão para que o

final do processo não seja: «Professor».

Mas, vejamos: naturalmente, a experiência incluirá as várias

modalidades de presença em aula que os referidos estágios compreen-

diam: aulas assistidas nas turmas do orientador; aulas dadas às turmas

do orientador; aulas assistidas em turmas de colegas de estágio; aulas

assistidas pelo orientador e pelos colegas nas próprias turmas. É neces-

sário que as didáticas constituam o essencial deste plano de forma-

ção, pelo aspeto preciosamente prático de que normalmente se reves-

tem. É necessário complementar todo o dito plano de atividade com o

conjunto de conhecimentos de pedagogia e de métodos de avaliação

que poderão cimentar o exercício num todo operacional. É, finalmente,

fundamental colocar o professor que daqui resulta num período expe-

rimental de primeiro contrato docente, chame-se-lhe provisório, ou

outra coisa parecida, findo o qual será sujeito à avaliação final, sob a

forma de relatório e entrevista, e um resultado: a aceitação.

A confirmar-se o contrato, entrará para os quadros do ensino

público, onde fará carreira, em condições normais, até onde lhe aprou-

ver. Em condições usuais, não haverá, ao longo da vida, qualquer neces-

sidade de reavaliação. O conjunto de talento e conhecimentos que lhe

facultaram, ao longo de um percurso de escalada trabalhoso, exigente,

o lugar de professor, não se diluem com o tempo. Antes se apuram.

A prática diária, o trabalho com os alunos, constituem uma provocação

permanente e, se de alguma alteração de cenário podemos suspeitar,

é do alargar de premissas de atuação com o passar de cada turma, de

cada ano. Se os profissionais não forem sistematicamente chumbados

com rotinas de trabalho administrativo de candente inutilidade – mas

Page 89: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

94

António Mouzinho

que consomem tempo e energia –, têm todas as condições para se man-

terem bastante interessados em leituras e estudos na sua área, a que

adicionarão congressos e atividades de formação complementar que

vão surgindo ao longo da carreira, em particular se não tiverem um

caráter obrigatório, humilhantemente obrigatório. As atuais condições

foram facilitando a atividade de centros de formação de professores

que orbitam em torno de agrupamentos de escolas, tendo como espe-

cialização o fabrico de cursos creditados cujo interesse é variável, já

que nem sempre será considerado pertinente. Vão tendo a frequência

dos docentes da área que, rotineiramente, adquirem os pontos exigidos

pelas normas de progressão em vigor (numa carreira cuja progressão

está, de resto, congelada há muitos anos).

Vivemos rodeados de afirmações tontas, que caíram do céu aos

trambolhões mercê da adaptação de todos os ritmos profissionais à

norma da empresa «moderna»: que só tem sucesso, só cresce, só evo-

lui positivamente, pressiona quem lá trabalha e reúne, avalia, é prag-

mática e tem, como meta razoável, maiores dividendos para os acionis-

tas, sucesso na bolsa de valores e o infinito – distribuído em latinhas de

spray, além de difundido no ar condicionado. Uma das maiores tontices

produzidas é a seguinte: se os funcionários de qualquer empresa são

regularmente avaliados, porque haverão os professores de escapar a

essa obrigação? Um início de resposta, é este: porque são professores, e

o seu objetivo não é o lucro. Porque o sucesso, quando estamos a medir

a qualidade da formação de jovens, vai ser avaliado pelo sistema com

algum tempo, e não anualmente, mesmo que com base em exames.

Dois anos letivos são duas coisas diferentes, e é impossível regular a

qualidade docente por dados desse teor. A consistência num professor

depende de outras variáveis, e há escassas razões para pensar que um

bom profissional, que o Estado contrate por um processo de seleção tão

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95

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

exigente como aquele que referi, possa vir a ter um colapso de compe-

tência que não se prenda com razões de saúde.

Todos os bons professores que conheci (em cerca de 23 anos de

frequência de instituições de ensino como discente, em que encava-

lito 43 de docência, conheci muitos) tinham como principal caracterís-

tica o seguinte: gostavam de ensinar, e nunca abrandaram; pelo contrá-

rio, refinaram com o passar dos anos. Sabemos, para dar um exemplo,

como deixou o ensino Rómulo de Carvalho: ficou desgostoso com o

destino da instituição onde lecionava, após a revolução: a escola estava

simplesmente parada e alunos de diferentes facções lutavam dentro

e fora de reuniões constantes; gastou a paciência com a ineficácia e a

interposição de práticas intrusivas no dia-a-dia escolar, como relata nas

Memórias. Posso garantir, no entanto, que era um homem paciente.

Mas não estava interessado em debater, sem termo à vista, a neces-

sidade dessas guerras, feitas em nome de princípios nebulosos por

rapaziada que, contas redondas, vivia bastante razoavelmente e não se

interessava pela revolução um palmo para além do folclore. Assim, far-

tou-se da falta de condições para produzir trabalho de qualidade como

professor de Física e Química. Tinha a possibilidade legal de se aposen-

tar. Pediu a reforma.

As provas de avaliação que o atual ministro interpôs na contrata-

ção de professores, que deslizam entre a literacia básica, o teste de inte-

ligência e o domínio dos conteúdos, revelam-se em sintonia com o res-

tante processo de acesso à carreira: pífias. Pretendem triar, na entrada

para a carreira, as pessoas licenciadas ou mestradas mas que afinal não

sabem usar a língua materna nem fazer contas, revelam-se incapazes

de lidar com resolução de problemas do tipo daqueles que surgem em

testes de QI e no PISA e, de resto, também não dominam os conteú-

dos da matéria em que obtiveram um diploma. E o que é mais inaudito

Page 91: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

96

António Mouzinho

é que há reprovações, e o ministério fica contente, porque provou que

está a proceder com prudência secular. Aparentemente, descobriu terra

no meio da tormenta, algo que faz inveja ao Gama. O desespero dos

candidatos só encontra paralelo no desespero dos professores sem vín-

culo a uma escola: não fazem a mais remota ideia do que os espera, e

sentem-se chegados ao fim de um percurso que não tem outra saída

que não seja o ensino – sem perspetiva de ensinar. As qualidades pes-

soais e profissionais destas pessoas nem sequer importam para o juízo

em tal contexto: é o contexto que não faz qualquer espécie de sentido.

Quem governa mal refugia-se em habilidades e metáforas escolhi-

das com pouco critério, e não é aplicando códigos do mundo empresa-

rial ao ensino público (obrigatório) de um país decente que alguém fica

mais esclarecido quanto ao que importa. E também não é formando

pessoas numa não-profissão que é ser «ensinante» que resolvemos

a preparação para a vida dos «aprendentes». Ensina-se algo. É a esse

algo que devemos ir buscar professores, que serão os profissionais com

inclinação e engenho que hão de ser reconhecidos, apoiados, desenvol-

vidos, aproveitados.

Tudo o que o Estado tem de aprender a fazer é a cativar talentos de

profissão definida, não é estar a injetar cadeiras pedagógicas em rapa-

rigas e rapazes que ainda não sabem grande coisa. Tomar uma pes-

soa talentosa e pô-la em contacto com turmas, com acompanhamento,

com interação, com reflexão permanente e oportuna, e com doses

substanciais de informação e discussão didática, é esse o âmago da for-

mação de professores. Quaisquer estudos gerais de pedagogia devem

subordinar-se a este propósito, e a questão magna da avaliação deve

constar do curriculum do estágio, e acompanhar o que de mais recente

se sabe sobre o assunto. Sabe-se, por exemplo, que a velha divisão entre

avaliações diagnóstica, formativa e sumativa, sofre dos males de todas

Page 92: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

97

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

as taxonomias: a partir de um certo grau de aproximação começam a

ter vida própria, e fazem os utilizadores perder a distância, a noção

de que apenas são uma forma conveniente e simplificada de abordar

o assunto, e tornam-se matéria de fé, com a respetiva corte de segui-

dores, sacerdotes, boas práticas, pecados e anátemas. A pós-graduação

deve perspetivar essas coisas.

A duração do estágio deve ser variável, tal como a de qualquer

outro curso. Deverá poder fazer-se em regime exclusivo – horário com-

pleto, etc. – ou em meio tempo, a par de qualquer outra atividade.

A lógica daquilo que aqui proponho é a de que os professores tenham

uma formação para uma profissão, ou sejam mesmo profissionais com

atividade e curriculum. Por outras palavras: mestrado em qualquer área,

ou competência curricularmente reconhecida num «mester». Será avi-

sado mantê-los em contacto com essa profissão, se assim o desejarem.

Como será fundamental adaptar o tempo do estágio à carga estabe-

lecida à partida, compreendendo isto as caraterísticas das disciplinas

a ensinar, mas igualmente a quantidade de disciplinas de áreas dife-

rentes. Se olharmos de novo para o leque de disciplinas incluído na

área dos professores de Artes, encontramos no mesmo saco ciências,

humanidades e arte, e um lote de técnicas sortidas que tornam pesado

o trabalho com didáticas tão singulares. O estágio pedagógico que fre-

quentei, e que durou um ano, ocupou-se, essencialmente, da didática

da Geometria Descritiva, já que a História da Arte ainda não estava

na paisagem e o Desenho… autorregulava-se. Partia-se dum princípio

algo discutível: como todos os estagiários tinham a mesma proveniên-

cia (as Belas-Artes de Lisboa ou do Porto), a carga horária de Desenho e

afins que traziam de qualquer das escolas davam-lhes, no entender do

orientador pedagógico, uma boa base de proficiência na metodologia

do ensino dessa disciplina. Sabiam, por muito ter visto praticar. Mas,

Page 93: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

98

António Mouzinho

enfim: parece razoável que um pintor queira ensinar, exclusivamente,

Desenho – e não esteja interessado em fazer qualquer outra área de

profissionalização. O estágio deve poder adaptar-se ao desígnio do esta-

giário; é esse todo o espírito que informa este texto. Se não aprovo a

entrega do ensino por uma nação, e como política de base, ao mer-

cado privado – entre outras razões, pela componente de lucro que aí é

introduzida na questão –, já sou francamente adepto da «liberalização»

de várias práticas dentro da estrutura pública: é duma cegueira fácil

de demonstrar a recusa em contratar com condições variáveis (uma

só disciplina; meio-tempo, ou tempo parcial; em acumulação), quando

a bolsa de professores compreende essas necessidades e, por conse-

guinte, situações. Bem sei: a ausência de equiparação à generalidade

da função pública torna a questão espinhosa a ambos, governo e sin-

dicatos… Mas ser funcionário público nunca foi um desejo dos profes-

sores, se isso obrigasse a usos estranhos à profissão; esta, vale por si, e

merece uma gaveta própria.

Uma outra abordagem, no entanto, torna relevante a menção do

caso particular do meu estágio: havia alguma uniformidade, à época, na

formação ministrada aos profissionais que davam entrada no ensino.

Entre faculdades e institutos era conhecido aquilo com que podia contar-

-se, e era previsível uma linguagem comum dentro duma reunião de

professores. Isso já não é o caso, muitas vezes, nos tempos que correm.

Por si só, não constitui estranheza ou inconveniente: os cursos têm a

estrutura interna que têm. No entanto, qualquer coisa que seja feita com

apoio em formações dissemelhantes tem, forçosamente, de levar isso

em conta, o que indica que os estágios deverão ser flexíveis a este ponto,

e os orientadores de estágio terão de estar preparados para tal. Volto aqui

a uma questão que mencionei previamente, de passagem: é a formação

de professores, através do exemplo e do trabalho centrado nas didáticas,

Page 94: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

99

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

que poderá pôr diferentes especialistas, de diferentes formações, a pos-

suírem algo comum: uma forma idêntica de encarar a matéria a dar.

Pode parecer-se, este arrazoado, com o estabelecer de fundamen-

tos para despessoalizar o trabalho docente. Isso seria – a ser, sequer,

tentado – um feito impossível: nada há de tão pessoal como a rela-

ção humana (dir-se-ia, em memória de La Palisse); é esse o âmago da

relação de um professor com os alunos, e o que afinal aqui afirmo é

o seguinte: diferentes mestres, com diferentes formações académicas,

interagindo de diferentes formas e com diferentes meios com os alu-

nos, podem dar o mesmíssimo programa, com as mesmíssimas tónicas

(e metas, se quiserem), entender sem variações de monta uma tarefa

de avaliação e serem, no que aos conteúdos diz respeito, intermutáveis

quanto baste. É precisamente esta equivalência que o «estágio» pode

assegurar, ao concentrar uma parte importante do trabalho no exercí-

cio da execução do programa, nas estratégias de relação entre diferen-

tes anos de lecionação e as suas diferentes partes, em formas harmo-

niosas de as distribuir nos períodos letivos, nas pontes que podem ser

estabelecidas – pelo professor presente na aula – com outras áreas do

conhecimento, e em formas eficazes de abordar cada ponto da matéria.

É, justamente, em complemento deste trabalho diário, desta for-

mação profissional, que facilmente se pode entender um segundo

grande tópico do estágio: a avaliação.

Convém, aqui, estabelecer princípios de abordagem claros: existe

por aí muita mistificação à volta deste assunto, e posições irredutíveis

em torno de estilos de avaliação que, em si, não são nem bons, nem

maus. Há uns bons anos a ferrugem começou a acumular-se em torno

de dois polos férreos: o polo da avaliação formativa e o polo da avalia-

ção sumativa. Apesar de ferrugenta, esta conversa continua a percor-

rer as escolas, a ser objeto de palestras sectárias, a provocar debates

Page 95: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

100

António Mouzinho

acalorados e a enfadar muitos profissionais que lidam com essas coisas

com o pragmatismo e a flexibilidade que elas exigem, e recusam tornar

taxativas ou controversas práticas que são todas, muito simplesmente,

úteis. Os únicos pecados que podem constar numa prática de avalia-

ção revelam-se nos processos defeituosos; na avaliação mal construída.

É importante que a formação ensine como se articulam as peças numa

máquina dessas de tal forma que cumpra o objetivo de ser reveladora

dos conhecimentos dos alunos – não no sentido de os catalogar e seriar,

mas para exibirem os conhecimentos que têm e, sobretudo, aquilo que

não aprenderam, porque é aí que deve concentrar-se a atenção de toda

a gente: professor, aluno, encarregado de educação.

Considero que é possível ensinar meninos, classificá-los e dar-

-lhes diplomas, sem recurso a testes externos de âmbito global: exames

nacionais sobre toda a matéria de um ciclo de estudos. Tenho sobre

esse assunto uma opinião firme, reforçada pelos resultados satisfató-

rios de casos conhecidos, como o do ensino finlandês, bem documen-

tado por Pasi Sahlberg. Mas, por outro lado, reconheço que é verdade

que, se um aluno é conhecedor seguro de determinada matéria, não

lhe será difícil prestar provas de lápis e papel, ou práticas, ou outras,

sobre essa matéria. Com sucesso e sem traumas. E também penso que

o ensino finlandês tem uma posição discutível em relação ao assunto

porque, ao longo da vida, acontecem situações em que uma pessoa é

sujeita a «exames» de tipos variados, e não vejo porque não poderá a

Escola fornecer-lhe uma introdução a tal prática.

O que atualmente se usa não deixa de ter aspetos perversos; por

exemplo, a forma como se utiliza a literatura na avaliação em língua

materna. Quase toda a vida li, e vi ler quem me rodeava (familiares,

amigos), alguns 30, 40 ou 50 livros por ano. Apesar de sermos geral-

mente alérgicos a leituras obrigatórias, sabíamos, por outro lado, o que

Page 96: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

101

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

dizer, os meus colegas e eu, quando interrogados sobre a interpreta-

ção de uma passagem desconhecida que nos proporcionassem num

teste. Os testes que fiz na escola e os exames nacionais não estavam

construídos sobre um pequeno leque de obras que eram objeto de tra-

tamento especializado, levando à compra de livros habilidosos escritos

por peritos na dissecção: uma espécie de médicos legistas da literatura,

que exercem a atividade em todo o mundo ocidental (a França é um dos

expoentes do género) e, com pompa e circunstância, divulgam o alfa e o

ómega da exegese literária, obra a obra, papeleta de farmácia a papeleta

de farmácia, empurrando para fora do universo habitável tudo quanto

escapa à suas análises. Não é essa a competência que queremos desen-

volver nos nossos miúdos: a de decorar inutilidades sobre heterónimos

para, na prática, serem inábeis a reconhecê-los pela leitura… À memória

cabe um papel importantíssimo na aprendizagem, mas não para «empi-

nar» exegetas: talvez para decorar a tabuada. E isso, sim, é bom que o

estagiário discirna: é às capacidades interpretativas que deve ser reser-

vado o discurso do aluno que reage a um item de resposta aberta; nessa

qualidade deve ser avaliado e, ulteriormente, interpelado. O professor

tem esse papel, porque é essa a responsabilidade do ensino.

É necessário, feitas as contas, que a profissionalização familiarize

o candidato a mestre com toda a variedade de abordagens que pode

ser feita aos conhecimentos dos alunos, desde o mais simples questio-

namento oral de circunstância, ao teste com itens de resposta aberta.

Igualmente se impõe que sejam conhecidas boas experiências de todas

as tipologias, e resultados com significado de estudos sérios sobre a

matéria, dos quais a aprendizagem através dos testes é apenas um

exemplo: aí se aprende como os testes de vocação sumativa são, afinal…

sumamente formativos. A  Fundação Francisco Manuel dos Santos

promoveu, em 2011, uma excelente conferência (com correspondente

Page 97: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

102

António Mouzinho

livrinho de acompanhamento), subordinada ao tema Em causa: apren-

der a aprender. Além da palestra que ilustrava o tema e foi intitulada

pela professora de Psicologia, Lynne Reder, (na representação de uma

equipa da Universidade de Carnegie Melon) «Aplicações da psicologia

cognitiva à educação e suas deturpações», quem lá esteve pôde tam-

bém ouvir Paula Carneiro, da Universidade de Lisboa; a sua interven-

ção, «Promovendo a aprendizagem através dos testes», relatava um tra-

balho desenvolvido na Universidade que, tanto quanto sei, continua

desconhecido no ensino público. Talvez aqui se encontre um tema que

merece fazer parte importante duma operação de limpeza e atualiza-

ção, e se encontre espaço para tratar, com o possível rigor científico,

capítulos relevantes de psicologia cognitiva, e do papel da memória na

nossa vida e na nossa formação – sem omissões, e sem preconceitos

com origens fumosas. O que corre ainda nas escolas é a mais bafienta

cartilha construtivista: não aquilo que são as suas virtudes – das quais o

despertar de atenção para o autoritarismo absurdo de algumas práticas

é um dos pontos fortes –, mas o seu dogma, acompanhado com crença

não menos absurda por um conjunto estrategicamente situado de pro-

sélitos. Também aqui convém conhecer o que se faz bem «lá fora», para

não imitar, com atraso, as experiências que falharam nos E.U.A., ou em

França, Inglaterra ou na Suécia – o que parece ser o paradigma dos nos-

sos governantes, aconselhados por gente tão superficial na abordagem

destas matérias como eles parecem ser. Por exemplo: o Vestibular, no

Brasil, dispõe de provas de escolha múltipla – no acesso à universidade,

para os estudos de História – que deixam abalada qualquer crítica ime-

diata, pouco circunstanciada, generalista e imprudente.

É o Mundo que conforma a Escola, e é a Escola que determina o

Mundo. Não acredito, apoiado nos meus 40 e tal anos de ensino, na

premência da maioria das atualizações que são ditas prementes. Posso

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103

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

estrear os exemplos com um fenómeno recente, a reforma da escrita

que dá pelo nome interessante de «acordo ortográfico» (acordo?): ela

terá inúmeras virtudes, mas não deixa de ter esta qualidade, que é –

ser inútil. De resto, e como é patente, utilizo-a; as razões são estrita-

mente funcionais, já que devo usá-la nas minhas aulas. Não lhe vejo

virtudes que sobrelevem os inconvenientes, mas a questão nem é essa:

tirando o mercado editorial, em particular as editoras escolares, quem

ganhou com a urgência? Isto afeta todas as conversas sobre educação,

ao ponto de provocar paragens graves no raciocínio de pessoas que

normalmente param para pensar, mas não param de pensar. Não obs-

tante, a voz corrente, dentro e fora das escolas, martela algo deste teor:

o Mundo, hoje, sofre mudanças tão rapidamente que a Escola é obri-

gada a fazer essa mesma corrida; e o universo dos alunos está tão per-

meado pela tecnologia que a Escola tem de acompanhar, ou enfrenta

o risco duplo de perder o «desafio tecnológico» e os próprios alunos,

versados nessas tecnologias e com hábitos novos.

Por outras palavras: o Mundo, hoje, sofre mudanças tão rapida-

mente, que a Escola pode dar-se ao desplante – por estar entretida a cor-

rer atrás da tecnologia – de não criar uma inteligência crítica, uma sen-

sibilidade aguda e o domínio da abstração, que são aquilo que permite

à elite da humanidade o exercício desse processo de mudança. Ora, se

não sinto na pele o mesmo que um contemporâneo de Bach, passo, no

entanto, horas a ouvi-lo. O que se passava na cabeça de Bach é impor-

tante para mim, e não tenho a menor dúvida que é importante para os

meus alunos, assim eles consigam perceber o que pensava Bach (falo

da música, como será evidente). Rendermo-nos ao tempo do iPod e

sucedâneos, carregados com conteúdos manhosos em MP3, e desistir

de formar musicalmente os garotos, não é boa ideia, porque desvalo-

riza-os, que é a última coisa que podemos desejar. O ensino precisa de

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António Mouzinho

dar Newton, que é a condição para entender Einstein. E, mais tarde,

Einstein, que é a condição para acompanhar o tempo. Eça não é, de

facto, fácil de entender pelos novos jovens, porque entre o 1.º ciclo e

o fim da escolaridade perderam algo que parecia adquirido, que era o

gosto pela leitura. Não é utilizando as «novas tecnologias» (estão na

minha escola há 25 anos: já são velhas, e ainda ninguém deu por isso)

que se ganha o Eça; é gostando de ler: aí, cedo ou tarde, surge o Eça.

Aquilo de que precisam os nossos professores é de conhecimentos e

entusiasmos superiores, e não do último grito do manual escolar inte-

rativo, ou do auxiliar eletrónico ainda mais interativo. Ou da última

moda da pedagogia ou da avaliação, com aquele terrível cheiro a armá-

rio fechado que conhecem de sobejo as pessoas que leram Rousseau e

não gostaram por aí além. (E leram Jacques Rancière e não acharam as

conclusões generalizáveis.)

De facto, se nos debruçarmos um pouco sobre o que é esse apa-

rente avanço do Mundo sobre a Escola, concluímos o seguinte: não é

o que consta por aí. Isso é assim quer na opinião pública, muito alar-

mada pela mudança rápida de formas de comunicar e pelo que sobre o

assunto propalam televisões e jornais, quer nos círculos da política, mui-

tas vezes ignorantes dos assuntos que abordam, porque pretendem ter

voz sobre tudo. Também, enfim, no próprio meio escolar, aturdido pela

celeridade com que os alunos tiveram acesso a redes sociais, wikipédia, e

por SMS aos outros alunos, digitando num pingue-pongue feroz e ins-

tantâneo, com uma linguagem abreviada e cheia de erros, mas eficaz.

No entanto, em que é que, verdadeiramente, as novas tecnologias trazem

avanço e mudanças substantivas? Em nada: os jovens são meros utiliza-

dores de dispositivos eletrónicos cuja essência desconhecem, caem nas

armadilhas informáticas mais elementares, não conseguem ter critério

na escolha da informação a que acedem. Não acrescentam ao domínio

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Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

rudimentar da língua materna o menor conhecimento de qualquer lin-

guagem de programação. Têm uma ideia geralmente vaga do sistema

operativo que usam, dos utilitários com que trabalham (processador de

texto, folha de cálculo ou as temíveis bases de dados), programas de dese-

nho por computador, e por aí adiante. É a esta ignorância generalizada

que a Escola deve adaptar-se? Qualquer professor com alguma proficiên-

cia no processador de texto preferido bate aos pontos um aluno que o usa

irregularmente como mais um gadget. E as Ciências, e as Humanidades;

e o ensino das Línguas; e as Artes, e a Música? E tudo aquilo sobre o que

incide a ideia vaga de progresso: exige adaptações curriculares urgentes?

Para percebermos os Balcãs, ou o átomo, temos de reformular tudo com

base na última notícia da Lusa ou o último artigo da Science?

Há um enorme exagero na necessidade de atualização, em parti-

cular se considerarmos que a escolaridade obrigatória apenas cobre os

ensinos Básico e Secundário. E não consigo, deveras, entender de que

atualização significativa necessita um pobre professor de Matemática

para explicar – a uma turma de miúdos – como se monta um sistema

de duas equações a duas incógnitas que, no Básico, cobre necessidades

mais prementes do que o último grito nas teorias do caos.

Aquilo de que precisam professores selecionados e preparados,

como sugeri mais atrás, não é de se atualizarem permanentemente,

sendo sujeitos a avaliações periódicas a ver se não perderam brilho:

o que importa é que sejam acompanhados por planos de trabalho

bem concebidos, e melhor enquadrados materialmente (em instala-

ções, gratuidade real do sistema para qualquer estudante, tarefas de

complemento, estrutura geral de estudo). Os planos de trabalho dão

pelo nome de programas; em parte, é para saber geri-los que é feita

a profissionalização. Tudo aquilo que seja um projeto aliciante deve

ser acrescentado à rotina a título de projeto, em paralelo, com grupos

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António Mouzinho

experimentais e grupos testemunha, com a prudência que requerem

as cobaias do costume: os alunos. Tive, nos 6.º e 7.º anos do liceu, o

privilégio de frequentar uma turma de Matemática Moderna. Era o fim

dos anos 60 (começou em 1966, se não estou em erro), com um pro-

grama experimental de Sebastião e Silva para o qual era solicitada, na

matrícula, uma palavrinha de anuência dos encarregados de educação.

O programa, que foi um dos mais extensos (ou o mais extenso) que

passou no nosso Secundário – sendo, inclusivamente, objeto do reforço

de uma hora semanal –, acrescentava todas as novidades ao conteúdo

do programa clássico, que continuava a ser ministrado simples, sob a

forma tradicional, noutras turmas, noutras escolas. Esta estória teve

um final feliz, em matéria de formação, porque somou; não subtraiu,

nem trocou algo conhecido por uma teoria qualquer.

Da avaliação e seleção prévias de professores deverão constar a

análise dos próprios resultados escolares, evidentemente, mas também

de hábitos de leitura e de cultura, de aspetos pessoais de realização pes-

soal ou profissional, de todas as coisas que são consideradas periféricas

mas que não podem sê-lo quando se pretende investir numa formação

profissional que está tão ligada a um perfil de carreira. É importante

determinar se a pessoa é boa comunicadora, claro, mas também se

parece ser persistente, ter «garra», e se se apresenta como detentora

de uma apreciável satisfação na vida; ou seja, como alguém com ten-

dência para a benevolência exigente, sentindo satisfação a entregar-se a

outros e conseguindo resultados palpáveis na transmissão de conheci-

mentos. Aquilo que qualquer professor adequado consegue é simples:

constrói bases de sucesso na aprendizagem e está atento. Tão atento

que não lhe escapa, sistematicamente, aquilo onde falha, e persiste na

revisão dos próprios processos, só repetindo experiências bem sucedi-

das e modificando todas as abordagens que o deixam insatisfeito. Isto

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Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

é, invariavelmente, uma experiência de vida; e tem, não menos invaria-

velmente, reflexo nos resultados escolares.

Tem outra caraterística, esse professor adequado: autoalimenta-se

sem necessidade de planos de formação artificiais. Não é pensável que

uma pessoa – que exerce esta profissão e tem traços do género daque-

les que foram referidos – precise de uma rotina de formações genéricas

como as que por aí pululam. Gera, e gere, as suas próprias exigências:

de reformulação de processos didáticos, bem entendido, mas igual-

mente de leituras feitas, do acompanhamento de palestras sobre assun-

tos que lhe parecem relevantes, da frequência de espetáculos, e dos

escapes que lhe surgirem como interessantes ou, porque não, necessá-

rios. Assim a profissão não surja acompanhada de horários mal feitos,

de obrigações administrativas desnecessárias, de exigências despropor-

cionadas na carga letiva, de toda uma ganga de critérios de unicidade

com o conjunto de funcionários públicos: será sempre um imenso dis-

parate na gestão nacional dos recursos. Todos os professores que man-

têm um desejável nível de exigência quanto à qualidade do trabalho

corrente precisam de tempo para o realizar, e esse tempo depende da

disponibilidade oferecida pelas condições gerais de funcionamento do

sistema. Complique-se o horário com o acréscimo de atos administra-

tivos absurdos, modificações curriculares inúteis e apressadas, ações

de formação destituídas de interesse mas obrigatórias, e obtém-se um

funcionário atrapalhado com a gestão diária do tempo. É o que de pior

se pode oferecer a um profissional do ensino.

Uma recente formação de professores classificadores de provas

de exames nacionais – aguardada com as melhores expectativas por

parte dos formandos –, conseguiu juntar, a um núcleo de práticas per-

feitamente planeado e útil que se centrava na matéria específica, um

temível lote de inanidades pedagógicas. Estas eram constituídas por

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António Mouzinho

textozinhos de alma construtivista com qualidade científica invariável,

e utilidade prática invariável: ambas discutíveis, para dizer o mínimo.

E eram acompanhadas pela exigência de uma espécie de leituras de

férias, e da produção de trabalhinhos de casa – refletindo a sua digestão

– que deixavam boa parte dos formandos verdadeiramente furibundos

com a perda de tempo que lhes era proposta, numa altura inconve-

niente do ano letivo. Se a parte da formação que dizia respeito à clas-

sificação de provas de exame, especificamente, pareceu a quase todos

informativa e niveladora de critérios, já tudo o resto constituía exata-

mente aquilo de que a formação em exercício menos precisa: perda de

tempo de quem tem, de facto, mais que fazer.

Este foi um exemplo perfeito de como se pode alienar o entusiasmo

natural de quem gosta da sua ocupação, tratando-o com a indelicadeza

que é dar gato por lebre em matéria de formação, e enchendo-lhe a vida

de inutilidades que apenas consomem tempo precioso. A dignidade dos

nossos professores é, possivelmente, um dos maiores trunfos de que

dispõe o país, e nenhuma tutela pode dar-se ao luxo de desvalorizá-la.

A qualidade da formação dos nossos mestres é condição maior de estabi-

lidade e da utilidade do ensino público; estas, por seu lado, de qualquer

ideia de inclusão social que possamos, como nação, alimentar.

Quando é que a carreira de um professor que fez este percurso de

candidatura, formação, e vínculo, precisa de ser reavaliada? Quando

algo corre mal. E somente neste caso.

Todas as experiências profissionais que não resultam são acompa-

nhadas de um grande incómodo. Se possível, devem deixar em aberto

outras alternativas quando, de facto, se conclui que há um capítulo da

vida que precisa de ser encerrado. É aqui que a formação genérica do

profissional que muda de rumo se revela valiosa: tem por detrás uma

qualificação que o torna apto, precisamente, para as mesmas atividades

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109

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

exercidas pelos colegas que não enveredaram pelo ensino, numa área

pela qual tem interesse – que, nalguns casos, até poderá estar a exer-

cer em paralelo. Isto contrasta com as carreiras de todos aqueles que,

após uma graduação na via de ensino, se encontram num limbo relati-

vamente à profissão de professores, sem alternativa profissional com-

patível com os estudos menos especializados que fizeram na sua área.

As soluções à vista são, em regra, um emprego não qualificado ou um

retorno à especialização, um recuo e um recomeço do plano de estu-

dos, numa idade em que poderiam estar a estabilizar na vida, e a esta-

belecer estruturas adultas de família.

Algo que o sistema estanque que vigora não contempla, é a mudança

simples de grau de ensino. A verdade é que foi gerado por um acumular

de opções falsamente elitistas que, em 1974, por exemplo, ainda distin-

guia os professores do Ensino Técnico daqueles outros que lecionavam

no Ensino Liceal. Ora, se pusermos a tónica da formação nas didáticas,

segue-se o seguinte: um profissional que se sinta tentado a trabalhar

numa diferente faixa etária de alunos, em qualquer altura da sua vida,

poderá ver essa passagem apoiada pelo Estado, com correspondente

formação em exercício, e um segundo processo mais simplificado do

que o primeiro, embora com todas as necessárias abordagens da espe-

cialização num novo ciclo escolar.

O plano geral de um processo correto de seleção, formação, exer-

cício sem vínculo e contratação, tem como objetivo a longa duração.

A permanência nesta atividade com felicidade, com realização pessoal,

constitui-se em benefício para o ensino, quer dizer, para os alunos. Daí

os pressupostos, daí a exigência. Daí os cuidados em verificar – logo

desde o início do processo – que bons profissionais de qualquer área

não vêm a encalhar numa atividade menos desejada, transformando-

-se em medíocres mestres, infelizes com o seu destino. Daí, também,

Page 105: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

110

António Mouzinho

os cuidados em verificar que não é de entre os estudantes universitá-

rios menos dotados ou menos ambiciosos que estamos a recrutar o

nosso corpo docente, como por vezes parece acontecer: as provas que

são infligidas atualmente aos candidatos à docência serão surpreen-

dentes e dignas de crítica pelo espírito com que são concebidas, pela

adequação, e pela oportunidade tardia; mas, temos de conceder – como

afirmei lá atrás: há quem chumbe!

Todo o nosso interesse, como país, é que haja quem – com distin-

ção – passe.

Relação das leituras mencionadas no texto,

por ordem de entrada:

DEHAENE, Stanislas – The Number Sense. 2.ª ed. New York: Oxford University Press, 2011. Também em edição Kindle

DEHAENE, Stanislas – Reading in the Brain: The Science and Evolution of a Human Invention. New York: Viking Penguin, 2009. Tb. ed. Kindle

ALEXANDER, Christopher – A City Is Not a Tree. http://www.bp.ntu.edu.tw/wp-con-tent/uploads/2011/12/06-Alexander-A-city-is-not-a-tree.pdf

MOUZINHO, António J. M. – Da educação dos príncipes: uma proposta de projeto edu-cativo para o ensino público português no século 21. Lisboa: Gradiva, 2015

CARVALHO, Rómulo de – Rómulo de Carvalho [Memórias]. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 2010

SAHLBERG, Pasi – Finnish Lessons: What Can the World Learn from Educational Change in Finland?. New York & London: Teachers College, Columbia Univer-sity, 2010. Tb. ed. Kindle (2.ª ed. 2015)

REDER, Lynn M. [et al.] – Em Causa: Aprender a Aprender. Lisboa: Fund. Francisco Manuel dos Santos, 2011

ROUSSEAU, Jean-Jacques – Emílio, ou Da educação. Várias edições, em várias lín-guas. Tb. ed. Kindle (domín. públ.)

RANCIÈRE, Jacques – Le maître ignorant. Paris: Éd. 10/18, 2004. Tb. ed. Kindle

Page 106: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

111

Sobre tudo o que não tem importância — e o que a tem — para se obter uma amostra de professor

António Mouzinho é professor do grupo 600 (Artes Visuais)

do ensino secundário público há 42 anos; arquiteto, mestre

em História da Arte, atualmente ensina, sobretudo, a disciplina

de Geometria Descritiva.

Page 107: “O êxito da implementação de políticas e reformas para

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Formação de proFessores: tendências e desaFios

antónio mouzinhoFrancesca caenaJavier m. Valle

outros títulos da colecção “Questões-chave da educação”

em 2010

• O valor de educar, o valor de instruir

• Fazer contas ajuda a pensar?

• Como se aprende a ler?

em 2012

• A avaliação dos alunos

• As novas escolas

• As novas tecnologias

em 2014

• A inclusão nas escolas

• Acesso ao ensino superior

em 2011

• Em causa: aprender a aprender

• Aprender uma segunda língua

• O valor do ensino experimental

em 2013

• Ensino profissional

• Indisciplina na escola

em 2015

• A escola e o desempenho dos alunos

Uma edição: Com o apoio:

“O êxito da implementação de políticas e reformas para

as competências dos professores, implica a superação de numerosos

obstáculos e requer mudanças culturais e comportamentais

significativas por parte dos principais intervenientes e instituições”

Francesca caena, Universidade de Veneza

“Não parece sensato basear-se [o acesso a cursos de formação

de professores] na nota média de final do Ensino Secundário,

nem numa prova de conteúdos”

Javier m. Valle, Universidade Autónoma de Madrid

Quando é que a carreira de um professor que fez este percurso

de candidatura, formação, e vínculo, precisa de ser reavaliada?

Quando algo corre mal. E somente neste caso.

antónio mouzinho, Escola Secundária de Sintra

ISBN 978-989-8819-20-8

9 789898 819208