4
o Anel de Nibelung:>, de Wag:ter A Valquíria Aparece uma cabana construída no tronco de um vigoroso fresno, o Fresno da Vida, a Árvore do Mundo, cujas raízes proeminentes saem do solo enquanto que sua copa perde-se no infinito. Cravada no tronco, até a bainha, destaca-se uma es- pada, a Espada do Conhecimento Intuitivo. À direita, dentro da cabana, arde a lareira e à esquerda vê-se a escadinha de uma habita- ção interior. Sigmundo, ou Sigismundo, o fi- lho de Wotan e de Erda, abre violentamente a porta, penetra cabana e, vencido por aquele supremo esforço, cai junto ao fogo da lareira. Anoitece. A desordem nas vesti- mentas do guerreiro revela que vem, depois de um combate e de uma fuga, através do bosque. Siglinda, com uma tocha na mão, chega e o vê deitado, sobre um monte de peles, acreditando primeiramente que é seu marido Hunding de regresso de suas caças. Surpresa, fala com o desconhecido e dá-lhe de beber algo que o faz voltar de seu des- maio. - Meus membros estão solidamente unidos, diz o guerreiro, recordando aquele símbolo dos despedaçados membros de Baco, Osíris e tantos outros da lenda universal. Não sei quem sou; quisera sabê-lo: a tempestade ea desgraça me jogaram no bosque tenebroso, na selva misteriosa e cruel da vida, cujo caminho ignoro. Para onde eu vou, acompanha-me a desgraça e o sofrimento. Wehwalt, "o que se agita na dor" foi o triste nome que adotei. Po- deria, entretanto, chamar-me Friedmundo, o boca de paz, antítese do nome Sigmundo que levo; porém, apesar de minhas dores eternas, eu sou Frohwalt, o que se agita na pura volup- tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho do Lobo, o Welsungo, o protótipo daforça e da in- dependência rebelde, aquele que desde a ori- gem dos temposfoi consagrado ao grande Wel- sungo Odin, ou Wotan, o Soberano do Wa- lha lia, quando quis viver independente e livre. Os Neidingen, "os filhos do cão" que sempre adulam, os filhos da Inveja, por fim, vendo que o Lobo era meu pai, incendiaram nossa cova, podaram o carvalho que nos servia de lar, ma- taram minha mãe, roubaram minha família e me separaram de meu pai quando caçava com ele. Proscritos e perseguidos por onde vamos, temos vivido fugindo e separados no bosque te- nebroso durante longos anos, sob as eternas notas do triste motivo do Welsungo, somos in- capazes de inspirar em ninguém o divino senti- mento de Compaixão e de Amor ... Antes de terminar esta frase havia che- gado Hunding, o brutal caçador, filho do cão vil e marido à força da raptada Siglinda, aquela irmã de Sigmundo, cuja perda cho- rava e que, como ele, havia caído nas mãos dos cruéis inimigos de sua raça. - A Norna, que a ti deu tal destino ao nasce- res, pouco te amava. O homem que hoje te alo- jas não pode saudar-te alegre, diz o cruel Hun- ding a Sigmundo. Conheço tua raça feroz, para ela nada há de sagrado. Odiada por to- dos, eu também a odeio. Por esta noite respei- tarei as sagradas leis da hospitalidade; porém, amanhã, ao apontar-se o dia te atacarei, vin- gando com teu sangue o sangue vertido pelos meus ... Siglinda prepara para seu marido uma porção narcotizante, e, quando saem para o quarto volta-se para Sigmundo fixando um olhar de paixão, com o qual pretende tam- bém dar a entender que se fixe na espada do conhecimento intuitivo, que há muito está cravada na Árvore da Vida, ali colocada pelo hercúleo Wotan quando, disfarçado de viajante, se apresentou no dia do forçado casamento de Siglinda. Sigmundo fica triste e só naquelas crescentes trevas da cabana i- mrruga. - Estou sem armas, em casa inimiga! - murmura o herói. Meu pai, o grande Welso (sobrenome do Lobo ou de Wotan) me pro- meteu que, quando me atacasse a suprema an- gústia, encontraria uma espada... O amor mais invencivel me domina! Welso, Welso, onde está tua espada? Pronunciadas estas palavras, o fogo, como que respondendo aos seus clamores, faz brilhar a poderosa arma. Enquanto isso, Siglinda aparece cautelosa e lhe dá a enten- der por sinais que se ponha a salvo ou que tente arrancar a espada para salvá-Ia deste cruel destino. Ao mesmo tempo conta ao herói, entre frases de recíproco e santo 4 THOT

oAnel de Nibelung:>,de Wag:ter - Palas Athena 1982 N.24/O Anel... · tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho do Lobo, o Welsungo, oprotótipo daforça e da in-dependência rebelde,

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: oAnel de Nibelung:>,de Wag:ter - Palas Athena 1982 N.24/O Anel... · tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho do Lobo, o Welsungo, oprotótipo daforça e da in-dependência rebelde,

o Anel de Nibelung:>,de Wag:ter

A Valquíria

Aparece uma cabana construída notronco de um vigoroso fresno, o Fresno daVida, a Árvore do Mundo, cujas raízesproeminentes saem do solo enquanto quesua copa perde-se no infinito. Cravada notronco, até a bainha, destaca-se uma es-pada, a Espada do Conhecimento Intuitivo.À direita, dentro da cabana, arde a lareira eà esquerda vê-se a escadinha de uma habita-ção interior. Sigmundo, ou Sigismundo, o fi-lho de Wotan e de Erda, abre violentamentea porta, penetra nà cabana e, vencido poraquele supremo esforço, cai junto ao fogoda lareira. Anoitece. A desordem nas vesti-mentas do guerreiro revela que vem, depoisde um combate e de uma fuga, através dobosque. Siglinda, com uma tocha na mão,chega e o vê deitado, sobre um monte depeles, acreditando primeiramente que é seumarido Hunding de regresso de suas caças.Surpresa, fala com o desconhecido e dá-lhede beber algo que o faz voltar de seu des-maio.

- Meus membros estão solidamente unidos,diz o guerreiro, recordando aquele símbolodos despedaçados membros de Baco, Osírise tantos outros da lenda universal. Não seiquem sou; quisera sabê-lo: a tempestade e adesgraça me jogaram no bosque tenebroso, naselva misteriosa e cruel da vida, cujo caminhoignoro. Para onde eu vou, acompanha-me adesgraça e o sofrimento. Wehwalt, "o que seagita na dor" foi o triste nome que adotei. Po-deria, entretanto, chamar-me Friedmundo, oboca de paz, antítese do nome Sigmundo quelevo; porém, apesar de minhas dores eternas,eu sou Frohwalt, o que se agita na pura volup-tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho doLobo, o Welsungo, o protótipo daforça e da in-dependência rebelde, aquele que desde a ori-gem dos temposfoi consagrado ao grande Wel-sungo Odin, ou Wotan, o Soberano do Wa-lha lia, quando quis viver independente e livre.Os Neidingen, "os filhos do cão" que sempreadulam, os filhos da Inveja, por fim, vendo queo Lobo era meu pai, incendiaram nossa cova,podaram o carvalho que nos servia de lar, ma-taram minha mãe, roubaram minha família eme separaram de meu pai quando caçava com

ele. Proscritos e perseguidos por onde vamos,temos vivido fugindo e separados no bosque te-nebroso durante longos anos, sob as eternasnotas do triste motivo do Welsungo, somos in-capazes de inspirar em ninguém o divino senti-mento de Compaixão e de Amor ...

Antes de terminar esta frase havia che-gado Hunding, o brutal caçador, filho docão vil e marido à força da raptada Siglinda,aquela irmã de Sigmundo, cuja perda cho-rava e que, como ele, havia caído nas mãosdos cruéis inimigos de sua raça.

- A Norna, que a ti deu tal destino ao nasce-res, pouco te amava. O homem que hoje te alo-jas não pode saudar-te alegre, diz o cruel Hun-ding a Sigmundo. Conheço tua raça feroz,para ela nada há de sagrado. Odiada por to-dos, eu também a odeio. Por esta noite respei-tarei as sagradas leis da hospitalidade; porém,amanhã, ao apontar-se o dia te atacarei, vin-gando com teu sangue o sangue vertido pelosmeus ...

Siglinda prepara para seu marido umaporção narcotizante, e, quando saem para oquarto volta-se para Sigmundo fixando umolhar de paixão, com o qual pretende tam-bém dar a entender que se fixe na espada doconhecimento intuitivo, que há muito estácravada na Árvore da Vida, ali colocadapelo hercúleo Wotan quando, disfarçado deviajante, se apresentou no dia do forçadocasamento de Siglinda. Sigmundo fica tristee só naquelas crescentes trevas da cabana i-mrruga.

- Estou sem armas, em casa inimiga! -murmura o herói. Meu pai, o grande Welso(sobrenome do Lobo ou de Wotan) me pro-meteu que, quando me atacasse a suprema an-gústia, encontraria uma espada... O amormais invencivel me domina! Welso, Welso,onde está tua espada?

Pronunciadas estas palavras, o fogo,como que respondendo aos seus clamores,faz brilhar a poderosa arma. Enquanto isso,Siglinda aparece cautelosa e lhe dá a enten-der por sinais que se ponha a salvo ou quetente arrancar a espada para salvá-Ia destecruel destino. Ao mesmo tempo conta aoherói, entre frases de recíproco e santo

4 THOT

Page 2: oAnel de Nibelung:>,de Wag:ter - Palas Athena 1982 N.24/O Anel... · tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho do Lobo, o Welsungo, oprotótipo daforça e da in-dependência rebelde,

amor, como um estrangeiro deixou cravadaaquela espada, sem que ninguém houvesseconseguido retirá-Ia. O amor entre eles jáfloresceu. Sigmundo consegue sem esforçosretirar a espada. Lançam-se um nos braçosdo outro, e misteriosamente aparece a fadaPrimavera, que bendiz a união e os arrastaenlaçados para o bosque, sob os raios dá luacheia, melancólica protetora de todosquanto se amam... Reconhecem-se nãocomo irmãos de sangue, mas como irmãosinfelizes do espírito, aquele espírito rebeldee gigante de Welso.

Wotan, armado de todas as armas, apa-rece entre as abruptas montanhas no se-gundo ato das Valquírias. A sua frente; galo-pando pelos ares, a valquíria Brunhilda, aprincipal e mais amada daquelas terríveisguerreiras filhas de Wotan e de Erda.

As valquírias eram as filhas dos mais ar-dorosos desejos de Wotan, encarregadas dedespertar o heroísmo no peito dos homens,tornando-os dignos de morrer em combatee, assim, ser levados até o Walhalla em lu-gar de ver-se submergidos na Hella, a man-são das sombras, ou limbo da vaidade, ondevão parar os mortais vulgares. Esta Hella é,nas lendas nórdicas, o frio inverno, a man-são obscura, mas não o inferno da mentali-dade católica-romana. Simplesmente um lu-gar inferior ou mundo da vulgaridade, ondeficam aqueles que não se destacaram emsuas vidas por nenhuma ação heróica nemaltruísta, bem distinto do que era o Wa-lhalla (Campos Elíseis dos gregos), ondeeram carregadas em triunfo, pelas val-quírias guerreiras, as almas dos heróis mor-tos nos campos de batalha de uma vida deabnegação e de sacrifícios, para ali sertransformados em esplêndidas aves e visto-sas borboletas. A Hella, enfim, faz parte dosSapta-loka, ou Sete Lugares inferiores deIlusão, um dos quais, o mais inferior, infer-nal por certo, era a nossa Terra para os in-dostãos.

O pai Wotan ordena à sua valquíria Bru-nhilda que baixe para proteger Sigmundo, oWelsungo, na luta que travará com Hun-ding, e ela, alegre, parte rapidamente pelosares, lançando seu grito de guerra costu-meiro. Subitamente a alegria da valquíria éinterrompida, e, aterrada, se detém um mo-mento vendo a chegada de Fricka, a inexo-rável esposa do deus, protetora de toda avulgaridade hipócrita e de todos os homensque se conformam com a defeituosíssima Or-dem estabelecida, essa Ordem reinante,onde o gênio, o heroísmo e demais altas vir-tudes não podem nunca ser compreendidasem sua excelsa grandeza, e que representa,portanto, a grosseira moral consuetudinária,plena de rotinas, contrária a toda iniciativa

da Vontade Livre, emancipada das travasdaqui de baixo pelo Conhecimento Intui-tivo.

Fricka, a guardiã do Himeneu (casa-mento), ainda que este não seja por amor, esim por engano, ou por força, como o de Si-glinda e Hunding, aproxima-se de seu es-poso para exigir-lhe, em nome do Himeneu,que proteja Hunding e abandone o Wel-sungo, que, em seu adultério e incesto, vio-lou todas as leis divinas e humanas. O deusresiste em vão alegando que não pode exis-tir lei alguma contra as sagradas leis doAmor, nem juramento algum válido que noAmor não se fundamente. Fricka, furiosacomo a Juno grega contra o nascimento deHércules, começa a maldizer a raça Wel-sung, símbolo da suprema ignonímia de umdeus que, percorrendo os bosques como oslobos, sob o nome de Welso, depois de ha-ver forçado a Orvala Erda, ou a Natureza, etirando dela as guerreiras valquíiras, chegouà baixeza inaudita de procriar "um casal hu-mano", esse deus busca em sua Mentetranscendida nada menos que um Homem,um Herói que seja capaz de criar uma Or-dem desconhecida e que, sem a proteção di-vina, saiba redimir-se de suas leis e cumpraassim seu destino, destino necessário parasalvar os deuses, porém que nenhum delespodia realizar. Semelhante Desejado dosTempos, não é outro senão aquele divinoProrneteu-Sigfrido: o "filho amado de umpai inimigo". Fricka é o símbolo da negrareação, oposta sempre como inerte lastro atodas as exaltações dos Movimentos reden-tores: o mundo do Mal, em suma, contra asascensionais energias do Bem, e com oBem, no entanto, desposado, pela lei doscontrários; o mundo da Mentira contra aVerdade; o da Rotina, contra a mágica Ima-ginação Criadora, a mais misteriosa das fa-culdades da Mente.

THOT 5

Page 3: oAnel de Nibelung:>,de Wag:ter - Palas Athena 1982 N.24/O Anel... · tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho do Lobo, o Welsungo, oprotótipo daforça e da in-dependência rebelde,

Wotan, em meio à dor, sacrifica - comoAbrão - seu próprio filho, com base nas leisque ele mesmo criou. Esse é o glorioso sím-bolo do pai sacrificador e do filho sacrifi-cado, que é base de todas as teogonias, in-clusive do Cristianismo; e o pai, fiel a estaOrdem estabelecida, vê-se obrigado, pelaInércia dessa mesma ordem, a retirar a pro-teção de sobre o Amado de sua alma,deixando-o abandonado em seu destino: odestino do sacrifício que redime, como setudo quanto existe de negro e de malditoneste baixo mundo houvesse de ser lavado,não com o sangue das veias, mas com esteoutro sangue da dor moral e da imolação daMente no aras do Amor, que é Sabedoria.

Wotan retira a proteção de seu filho edeixa em liberdade a valquíria, para quefaça aquilo que sua Vontade determine.Fricka se retira satisfeita e Wotan cai triste-mente sobre uma roca, absordo em suas lú-gubres reflexões. Brunhilda joga-se a seuspés; Wotan narra-lhe, então, seu grande se-gredo:

Que ninguém jamais saiba o terrível segredoque vou contar-lhe. Quando comecei a perder aatração pelo Amor, minha alma audaz ambi-cionou o Poder. Com ferocidade impetuosa,soube conquistar o universo e sujeitar com leistodas as Potências do Mal ... Tão-só o astutoLoge, sob a forma de uma chama errante, es-capou. de minha tirania porém, ainda sendoonipotente, aspirei amar unicamente umfi-lho das Trevas, um débil nibelungo, Alberico,que maldisse o Amor, soube desligar-se de tãosupremo vínculo, conquistando o Ouro doRena e com ele um poder incomensurável ...O anel que forjara caiu em minhas mãos,manchando-as; porém, em vez de devolver. oouro às ondas sagradas, paguei com ele a cons-trução do Walhalia , de onde domino o mundo.Aquela para quem o passado ou o porvir nãotem segredos, Erda, a sublime, a sábia, fezcom que me desfizesse do anel, profetizando-me uma ruína definitiva ... quis saber de tudo,mas ela se retirou, desaparecendo. Perdi entãotoda a serenidade e, ansioso por saber de tudo,Deus baixou do Céu até as entranhas daTerra ... Encantada pelos veios do Amor, tur-bada no orgulho de sua ciência, a Vala me res-pondeu por fim ... Foi minha! E assim a maissábia das sibilas do mundo foi sua Mãe, aterra, e a de seus oito irmãos. Eu mesmo oscriei com a esperança de evitar os perigos quea Vala me havia predito... o vergonhosoOcaso dos Deuses. Para que na hora da luta oinimigo nos encontrasse fortes, encarreguei vo-cês, as valquirias, de engendrar e fomentar oheroismo de nossos antigos escravos, os ho-mens, o heroismo da Humanidade toda, redu-zida por nosso despotismo a inclinar a cabeçaàs nossas determinações ... Havíamos extin-

guido sua bravura e nossa tarefa consistia emsustentá-Ias nos combates, exaltando seu vigorpela rudeza da luta, para que assim eu pudessereunir no Walhalla as mais intrépidas multi-dões armadas, capazes de lutar. Porque, temde saber ainda ... que se o nibelungo conse-guir o anel, nossa ruina é segura. Hoje o anelestá sob acustádia dó gigante Fafner e eu nãoposso retirá-Ia por causa dos pactos firmados.Somente 'um, o Eleito, um herói sem meu in-fluxo, com a única ajuda de suas próprias ar-mas, poderia conseguir o único objeto de meuDesejo. Como descobrir esse amigo-inimigocapaz de lutar a meu favor contra minha pró-pria divindade? Como criaria um Ser Livre,que sem minha aprovação mereceria minhagratidão e meus amores por sua rebeldia?Quem, não sendo eu, realizará espontanea-mente o ideal de meu exclusivo desejo? Do-lorsa angústia! Asco profundo de encontrarsempre reproduzida minha imagem por ondequer que haja algo criado! ...

Brunhilda fica estupefata ante a ordemque recebe de lutar contra o Welsungo, pro-tegendo o repugnanteHunding, e trata, emvão, de resistir à força da vontade paterna.Entretanto, os felizes Sigmundo e Siglindahaviam subido pelo barranco e esta, com ocoração amargurado pelo perigo que correseu amado na luta contra o injurio o Hun-ding, cai desmaiada; Sigmundo coioca-a so-bre uma pedra. A valquíria, aparecendomisteriosamente, diz a Sigmundo que a olheface a face, porque logo deverá segui-Ia aoWalhalla, onde se encontram os maioresguerreiros que sucumbiram. O intrépido he-rói se nega a acompanhá-Ia se não puderlevar consigo Siglinda, coisa que é impossí-vel, porque as mulheres não podem gozardos triunfos celestes, reservados aos heróis.Siglinda deve ainda respirar a aura da terrapelo que tem de revelar depois. Em vãotenta a valquíria vencer sua resistência,dizendo-lhe que, segundo a lei, aquele que aobservasse face a face teria forçosamentede morrer. O herói se prepara para a lutaconfiando em sua espada Nothunga ex-traída do Fresno da Vida, e confiante emseu próp.rio esforço deixa Siglinda sob aproteção da insensível deusa, a qual, comotodas as imortais, não conhecia o senti-mento de piedade para com o débil, e decompaixão para com o abatido... Aospoucos o coração da valquíria começa aperceber e sentir este sentimento humanode piedade redentora e impede que o heróimate a sua amada para que não sobreviva aoseu infortúnio. A valquíria, tendo já trans-formado em humano o seu coração, resolvedesobedecer ao Pai e ampara com suaégide, o Welsungo.

Hunding aparece com seus cachorros e

6 THOT

Page 4: oAnel de Nibelung:>,de Wag:ter - Palas Athena 1982 N.24/O Anel... · tuosidade dos deuses. Sou, enfim, o filho do Lobo, o Welsungo, oprotótipo daforça e da in-dependência rebelde,

••• LEIAM•• •• •••••••••••••••••••• Os Mistérios de 151S E 051RI5 - Narração do filósofo Plutarco, do

século I A.C. sobre a mitologia e filosofia egípcias .• MAHATMA GANDHI - A Violência Derrotada - Lia Mertzig - A

Importância de Gandhl para o acervo moral e espiritual da humanidadtte seus exemplos práticos de renúncia a toda luta violenta.

". ANKOR, O DIScíPULO - Jorge Angel Llvraga - A verdade sobre aAtlântlda à luz do conhecimento esotárlco.

• SATSANGA, Contos da índia - Ada Albrecht - narrações da antigatradição Indiana

• A Alma, a Beleza e a Contemplação - Ismael Qulles - seleção ecomentários das "Enáadas" do filósofo Plotlno

• UTTARA OITA - Ada Albrecht - tratado de filosofia monlsta da índia• Último Lançamento: DINÂMICA DA HIST6RIA - Cláudio De Clcco - a

história em uma visão vibrante e atual.Publlcações da Associação Palas Athena

THOT 7

os dois se chocam em furiosa luta, entre osfulgores da tempestade que desencadeia. Abatalha fica por um momento indecisa, por-que Brunh ilda protege Sigmundo dos gol-pes mortais de Hunding. Quando Hundingestá por cair pelo ardor invencível de Sig-mundo e de sua Nothunga (a espada), apa-rece Wotan, de improviso, entre os comba-tentes: com sua lança invencível, faz saltarem dois pedaços a espada do Welsungo, e oherói, assim desarmado, cai por fim sob ogolpe mortal de Hunding, enquanto a val-quíria recolhe os pedaços da espada e, mon-tando no cavalo com a infeliz Siglinda, vaipara o Walhalla. Hunding, por sua vez, caimorto ante a simples presença de Wotan,que lhe ordena ir prostrar-se na Hela anteFricka. Em pleno horror da tempestade, odeus supremo que acaba de sacrificar, con-tra sua vontade, seu próprio filho, lança ve-lozmente o cavalo em perseguição à sua fi-lha, para castigá-Ia pela inaudita rebeldia.

Na ladeira direita da montanha há umbosque de pinheiros e, à esquerda, a en-trada de uma gruta onde o monstro Fafnerdorme sobre seu tesouro. As divinas val-quírias chegam à sua mansão excelsa le-vando na garupa dos cavalos as almas dosguerreiros que acabam de morrer comba-tendo pelo Ideal em qualquer de suas for-mas. Só falta Brunhilda, que chega, por fim,trazendo em seu cavalo a carga mais santade uma mulher que vai ser mãe, porém, aomesmo tempo, a carga mais odiosa e repul-siva para a insensível crueldade daquelasguerreiras virgens.

"Brunhilda pede o auxilio de suas irmãs,par encontrar um local para a pobre Mãe,

que por si só é o mais elevado dos heróis, aHeroína. Mas as insensíveis valquírias senegam a protegê-Ia, temerosas do furor pa-terno. Brunhilda, mais sublime que nuncapelo mero fato de ser já compassiva, com-partilhando as dores com a pobre Humani-dade, leva amorosamente a Mãe para a ca-verna de Fafner, segura de que ali Wotannão lançaria sua fúria. Serena e compassiva,com a certeza do dever cumprido, vai aoencontro de seu indignado pai, não armadade lança, mas com uma arma mais pode-rosa: o invencível vigor di! Consciência mo-ral e humanizada, que opõe a Égide do De-ver Cumprido às brutalidades da forçafísicae às estreitezas de uma moral rotineira sememotividade real: este é o tema da Justifica-ção que todo o herói humano, ainda que su-cumba, lança à face dos deuses ou forçasque o tiranizam.

Brunhilda sabe qual é o castigo que deverásofrer pela desobediência a seu pai Wotan:p e r d e r à a c o n d i ç ão d e vai q u ír i a ,transformando-se numa vulgar mortal. Nofundo, Wotan não está tão feliz, pois Bru-nhilda teria realizado seu desejo oculto, masnovamente sucumbe em virtude de suaspróprias leis,

Antes porém do terrível julgamento deBrunhilda, esta havia feito a profecia deque o filho de Siglinda se chamaria Sig-frido, o Redentor, e lhe seria entregue,c,omo dote, os dois pedaços da espada glo-nosa.

~ Emílio Moufarrige