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Ednilse Damico Galego Bissoli
Obstrução Do Ducto Biliar Comum Em Um Gato: Relato de Caso
São Paulo- SP
2013
Ednilse Damico Galego Bissoli
Obstrução Do Ducto Biliar Comum Em Um Gato: Relato de Caso
São Paulo- SP 2013
Monografia apresentada como requisito para
conclusão do Curso de Pós-graduação,
Especialização em Clínica Médica de Felinos, do
Centro de estudos Superiores de Maceió, da
Fundação Jayme de Altavila, orientada pelo Prof. Dr.
Arquivaldo Reche Júnior
Dedico este trabalho aos felinos domésticos, pois
quando tudo estava obscuro e triste, eles
tiveram a capacidade de jogar centelhas luz de
em minha vida, transformando-a em um lugar
claro e belo como um nascer do sol.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus pela oportunidade de concluir mais esta etapa de minha vida.
Ao meu marido Adriano e meu filho Felipe pela compreensão e paciência nos
momentos de minha ausência.
A todas as meninas da nossa turma, pela amizade, companheirismo, sinceridade, pois
sem elas as aulas não teriam sido tão boas, como foram.
A minha amiga e irmã Daniela Máximo de Souza, pelos conselhos, risadas, e
desabafos feitos durante todas as viagens.
As nossas coordenadoras Andresa e Marcela, pela disposição, carinho e atenção para
atender nossas necessidades.
Aos professores e amigos Jorge Costa e Gustavo Gosuen pela ajuda nas correções
deste trabalho.
Ao meu ex-aluno e amigo Gustavo Ramos pela contribuição no atendimento do gato
deste relato.
E o meu grande agradecimento para o Prof. Arquivaldo Reche Júnior, pela paciência,
dedicação, bom humor e humildade que tem ao passar seus conhecimentos.
"Você não pode conectar os pontos olhando para frente;
Você só pode conectar os pontos olhando para trás.
Assim, você precisa acreditar que os pontos irão se conectar de alguma maneira no futuro.
Você precisa acreditar em alguma coisa - na sua coragem, no seu destino, na sua vida, no seu
karma, em qualquer coisa.
Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale sua própria voz interior.
Tenha coragem de seguir seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já
sabem o que você realmente quer. Todo o resto é secundário".
Steve Jobin
RESUMO
Doenças do trato biliar extra-hepático são comuns em felinos, porém, podem ser confundidas
com outras doenças intra-abdominais, devido à semelhança dos sinais clínicos e da evolução
desses problemas. As causas mais comuns de obstrução das vias biliares estão relacionadas
com pancreatites, colangites e colicistites. Os sinais clínicos são inespecíficos e sua
manifestação depende do tempo e da intensidade da obstrução (total ou parcial). O
diagnóstico definitivo é realizado por meio do exame ultrassonográfico. Como tratamento
preconiza-se a colecistoduodenostomia e o prognóstico depende da causa e grau da obstrução.
O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de obstrução do ducto biliar comum em um
felino macho, de nove anos e fazer uma revisão bibliográfica desta doença.
Palavras-chave: colestase, extra-hepático, felino
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Demonstração esquemática da anatomia do sistema biliar, ducto
pancreático e comunicação com o duodeno.............................................
03
Figura 2 - Representação esquemática da circulação entero-hepática, demonstrando o
armazenamento da bile na vesícula biliar, sua liberação no duodeno e
posterior retorno para o fígado através do sistema venoso
portal.......................................................................................................
04
Figura 3 - Imagem ultrassonográfica do fígado demonstrando a presença de uma
estrutura ecogênica circular na região do colédoco medindo 1,03 x 0,71
centímetros..................................................
13
Figura 4 - A) Imagem ultrassonográfica demonstrando ducto biliar dilatado e
tortuoso; B) Imagem ultrassonográfica demonstrando a dilatação discreta
da vesícula biliar........................................................................................
14
Figura 5 - Presença de intensa dilatação do ducto biliar comum decorrente da
obstrução biliar........................................................................................
16
Figura 6 - Imagem demonstrando dilatação da vesícula biliar decorrente da obstrução
biliar........................................................................................................
16
Figura 7 - Seringa com conteúdo biliar transparente após punção direta com agulha
fina da vesícula biliar...............................................................................
17
Figura 8 - “Plug” biliar - massa enegrecida de consistência mole, com características
biliares retirada da região do colédoco, responsável pela obstrução do ducto
biliar.........................................................................................................
17
Figura 9 - A imagem demonstra a anastomose entre a vesícula biliar e o duodeno
(colecistoduodenostomia), realizada com fio nylon 4-0 e pontos simples
separados.................................................................................................
18
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Causas de obstrução extra-hepática do ducto biliar comum em gatos..... 05
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11
1. REVISÃO DE LITERATURA............................................................................ 13
1.1. Anatomia e Fisiologia do Sistema Biliar............................................................. 13
1. 1.2. Etiopatogenia da Obstrução do Ducto Biliar...................................................... 14
1.3. Manifestações Clínicas................................................................................................. 17
1.4. Diagnóstico.......................................................................................................... 18
1.5. Tratamento e Prognóstico.................................................................................... 21
2. RELATO DE CASO............................................................................................... 24
3. DISCUSSÃO............................................................................................................ 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 31
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 32
ANEXOS.................................................................................................................... 35
11
INTRODUÇÃO
Entre as desordens hepáticas que acometem os felinos, as doenças do trato biliar são as
de maior ocorrência, enquanto nos cães, as doenças do parênquima hepático são as mais
freqüentes. Porém a incidência de doenças restritas à vesícula biliar é baixa em ambas
espécies. No entanto, com o uso da ultrassonografia abdominal como rotina para auxiliar nos
diagnósticos, a incidência tem aumentado (CENTER, 2009).
A nomenclatura de doença do trato biliar foi recentemente designada como colangite
felina e subclassificada em três condições histopatológicas pelo grupo de padronização
hepática pela Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA). Por
tanto, o termo colangite se refere à inflamação do trato biliar, que, nos felinos, pode se
estender até o parênquima hepático. As categorias das colangites são dos tipos; neutrofílica,
linfocítica e a associada a parasitas hepáticos (Platynossomun concinnum) (GERMAN, 2009).
A obstrução do ducto biliar comum tem como consequência a colestase extra-hepática,
que é a diminuição do fluxo de bile (ZORAN, 2012), o que se traduz pela redução da re-
circulação dos sais biliares (LEHNER; McANULTY, 2010).
A colestase extra-hepática é menos comum que a intra-hepática (origem no interior do
trato biliar hepático), pois os cálculos biliares não são comuns nessa espécie. As causas mais
comuns são neoplasias (primárias no pâncreas) ou pancreatite crônica que pode ocorrer junto
com colangite, resultando em colestase extra e intra-hepática (ZORAN, 2012).
As manifestações clínicas da obstrução do ducto biliar comum são inespecíficas e
variam conforme o grau de obstrução. Elevações da atividade das enzimas hepatocelulares,
enzimas biliares, bilirrubina e colesterol, resultantes da colestase, são indistinguíveis daquelas
aparentadas em outras hepatopatias que causam colestase (NELSON, COUTO, 2004). Os
sinais clínicos mais comuns são; icterícia em diferentes intensidades, anorexia, vômito,
diarreia e perda de peso e, caso a obstrução seja total, presença de fezes acólicas
(MELENDEZ, 2001).
A ultrassonografia abdominal é o método mais específico e também o mais utilizado
para diagnosticar a obstrução biliar em felinos (BLACKBOURNE et al., 1994).
Adicionalmente, deve-se investigar a doença que originou a obstrução, sendo assim, uma
avaliação completa do sistema gastrointestinal (pâncreas, fígado e intestinos) pela
ultrassonografia e realização de biópsia hepática pode ser necessária para se diagnosticar as
12
doenças inflamatórias relacionadas com processos obstrutivos (MEHLER; BENNETT,
2006).
Quando a obstrução do ducto biliar comum for total, o tratamento cirúrgico deve ser
instituído e seu sucesso do procedimento depende da causa e do tempo da obstrução (BOUTE
et al., 2006), além da técnica cirúrgica empregada (MEHLER; BENNETT, 2006).
O crescente aumento de atendimento aos felinos, somada ao perfil de cliente cada vez
mais exigente com o paciente em questão, faz com que a busca do conhecimento seja cada
vez mais profunda e específica para esta espécie. Por este motivo foi descrito uma revisão de
literatura seguida de relato de caso sobre obstrução biliar do ducto comum em um gato, por se
tratar de uma doença comum na clínica médica de felinos, mas que pode ser confundida com
outras enfermidades, tornando-se grave se o diagnóstico não for feito precocemente.
13
1. REVISÃO DA LITERATURA
1.1. Anatomia e Fisiologia do Sistema Biliar
Os felinos com colangite podem apresentar pancreatite e distúrbios gastrointestinais
concomitantes, esses três processos juntos recebe o nome de triadite felina (GERMAN, 2009).
Isso ocorre por que o ducto biliar comum dos felinos se une ao ducto pancreático principal
antes da entrada no duodeno (Figura 1) (MAYHEW et al., 2002), o que aumenta o risco de
pancreatites e infecções biliares ascendentes na presença de doença hepática ou intestinal
(BOUTE et al., 2006).
O sistema biliar extra-hepático é composto pela vesícula biliar, ducto cístico, ductos
hepáticos, ducto comum e papila duodenal. Nos felinos, a bile segue dos canalículos biliares
para os ductos largos do fígado e ducto biliar para ser armazenada na vesícula biliar, que está
alojada em uma depressão entre os lobos hepáticos. O conteúdo da vesícula biliar é drenado
através ao ducto cístico e ducto biliar comum, e alcança a primeira parte do intestino delgado,
no duodeno (MEHLER, 2012). O esfíncter de Oddi está localizado dentro da parede do
duodeno, como parte terminal do ducto biliar comum ( FURNEAUX, 2010).
Figura 1 – Demonstração esquemática da anatomia do sistema biliar, ducto pancreático e
comunicação com o duodeno. (Disponível em: www.lookdiagnosis.com/mesh_info.phd?
terme=Ducto+Hepático+Comum)
14
A bile é composta por sais ou ácidos biliares e bilirrubina. Componentes secundários
incluem água, eletrólitos, colesterol e bicarbonato de sódio. Os ácidos biliares são sintetizados
a partir do colesterol e secretados na bile. A ingestão de alimento é o principal estímulo para a
secreção dos ácidos biliares, que são liberados no intestino (Figura 2) e reabsorvidos pela
circulação entero-hepática (RICHTER, 2005).
Figura 2 – Representação esquemática da circulação entero-hepática, demonstrando o
armazenamento da bile na vesícula biliar, sua liberação no duodeno e posterior retorno para o
fígado através do sistema venoso portal (Disponível em:
itc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mll.digs.htm)
Os sais biliares são re-excretados, pois são importantes na digestão e absorção de
gordura, vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e para a ligação e destruição de bactérias e
toxinas bacterianas intestinais (MEHLER; BENNETT, 2006).
O enchimento da vesícula biliar é contínuo e feito através da secreção hepática seguida
de escoamento passivo até a vesícula. A contração da vesícula é hormônio dependente, sendo
o principal a colecistocinina que é liberado na presença de alimento gorduroso no duodeno
(MEHLER, 2012).
1.2. Etiopatogenia da Obstrução do Ducto Biliar
A obstrução do ducto biliar extra-hepático é uma síndrome associada a diversas causas
(Quadro 1) que podem ser divididas em compressão extra ou intra-luminal (NELSON;
COUTO, 2004). Porém um estudo demonstrou que as obstruções do ducto biliar comum em
15
felinos, ocorrem, geralmente, secundárias a uma doença inflamatória, como pancreatite,
colangite e colecistite (MAYHEW et al., 2002).
Recentemente, Mehler (2012) relatou que as doenças pancreáticas são as causas mais
comuns de obstrução biliar extra-hepática nos felinos domésticos. Formação de tecido
cicatricial pode ocorrer ao redor do ducto biliar comum, ou o ducto pode ser comprimido por
tecido pancreático inflamado, abscessos fibróticos ou cistos pancreáticos.
Quadro 1- CAUSAS DE OBSTRUÇÃO EXTRA-HEPÁTICA DO DUCTO BILIAR COMUM EM
GATOS
Causas Comuns
- Inflamação de um ou vários órgão como pâncreas, duodeno e trato biliar
- Neoplasias de pâncreas ou do sistema biliar
Causas Incomuns
- Fragmentos do ducto biliar após inflamações, cirurgias ou traumas
- Ruptura diafragmática com envolvimento da vesícula biliar, ducto biliar comum e
consequentemente compressão
- Colelitíase
- Geralmente de colesterol ou sais de cálcio secundário a colangites
- Ocasionalmente de bilirrubina – associada à hemólise
- Cistos (congênitos ou adquiridos) comprimindo o trato biliar
- Parasitos hepáticos (Platynossomun concinnum)
Fonte: Nelson; Couto (2004)
Outras causas de obstrução incluem neoplasias (pancreática, duodenal, pilórica,
hepática e biliar), rupturas diafragmáticas (MAYHEW et al., 2002), cisto no colédoco (BEST
et al., 2010) e avulsão traumática do ducto biliar comum (BACON; WHITE, 2003). As
neoplasias que se originam no trato biliar extra-hepático, pâncreas ou duodeno proximal
podem comprimir o ducto biliar comum ao longo de seu trajeto ou ocluir seu término próximo
ao esfíncter de Oddi (NELSON; COUTO, 2004).
A obstrução intra-luminal é menos comum, e pode ser causada por cálculos, bile
espessa ou neoplasias na vesícula e ducto biliar comum, porém, essas são raras nos animais
domésticos (LEHNER; McANULTY, 2010).
16
Os cálculos podem estar localizados na vesícula biliar, no ducto biliar comum ou,
raramente, nos ductos císticos, hepáticos ou interlobares. Os cálculos biliares, apesar de
infrequentes, não estão associados a manifestações clínicas, exceto se vierem acompanhados
de colangite (NELSON; COUTO, 2004), colecistite ou obstrução do ducto biliar comum
(MORRISON, 1985).
O desenvolvimento dos cálculos começa através de um núcleo formado pela
supersaturação da bile (MEHLER, 2012) associado a alterações de fatores locais, como
desidratação, infecção bacteriana e diminuição do esvaziamento da vesícula biliar durante
períodos de anorexia. Nesses casos os cálculos são compostos de bilirrubina, colesterol,
carbonato de cálcio e outros metabólitos (MORRISON, 1985).
Cálculos de colesterol podem ser formados de colesterol puro ou conter uma mistura
predominante de colesterol com pequena porção de bilirrubina, proteína, sais biliares e
minerais inorgânicos. A raridade deste tipo de cálculos em felinos se deve provavelmente,
pela pequena concentração de colesterol na bile dessa espécie quando comparada à espécie
humana (MEHLER, 2012).
A supersaturação de bilirrubina na bile ocorre quando há aumento da quantidade de
bilirrubina não-conjugada, ou seja, problemas relacionados à hemólise (BENNION;
GRUNDY, 1978). Harvey et al. (2007) também demonstraram que cálculos de bilirrubina
estão associados a quadros hemolíticos secundários à deficiência de piruvatoquinase em 22
felinos com obstrução do ducto biliar comum. Esses cálculos são negros, grosseiros e de
tamanho variado (MORRISON, 1985).
À medida que ocorre o aumento de tamanho do cálculo, pode ocorrer obstrução na
secreção de bile do ducto biliar comum para o duodeno (BENNION e GRUNDY, 1978),
dando início ao processo de colestase intra-hepática (ZORAN, 2012). Quando o sistema de
eliminação da bile está prejudicado, esta se torna espessa e recebe o nome de lama biliar que
pode variar desde um fluído bem viscoso até um material semi-sólido que lembra o pixe
(LEHNER; McANULTY, 2010).
Na obstrução biliar, o fígado perde a capacidade de recircular os sais biliares, que no
intestino delgado, ajudam na absorção de lipídeos e vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. A
deficiência de vitamina K pode tornar a coagulação deficiente (LEHNER; McANULTY,
2010), levando a complicações hemorrágicas antes, durante e após procedimentos cirúrgicos
17
diversos, não obstante, os das vias biliares, quando necessárias (MEHLER; BENNETT,
2006).
Além das coagulopatias, a icterícia obstrutiva leva o animal a graves alterações
sistêmicas, como necrose tubular aguda, hipotensão, retardo na cicatrização, hemorragias
gastrointestinais, endotoxemia, translocação bacteriana, síndrome da resposta inflamatória
sistêmica (SIRS), sepse, coagulação intravascular disseminada e danos no miocárdio. Sendo
todas as alterações resultantes do acúmulo de bilirrubina sanguínea e a falta de ácidos biliares
no intestino delgado (MEHLER, 2012). Essas alterações podem ser explicadas, pois os altos
níveis de ácidos biliares na circulação induzem a inflamação e necrose do tecido intestinal,
favorecendo a translocação de microorganismos entéricos, ou de suas toxinas, através da
parede intestinal, resultando em endotoxemia. Ao mesmo tempo, a diminuição da quantidade
de sais biliares no lúmen intestinal, reduz a formação de íons, promovendo o crescimento das
bactérias intestinais (LEHNER; McANULTY, 2010). A obstrução biliar aumenta
sensivelmente a exposição de endotoxinas devido à alteração no sistema reticuloendotelial
hepático (SRE) e função fagocitária das células de Kupffer (MINTER et al., 2005).
A taxa que os ácidos biliares se acumulam no sangue vai depender do grau de
obstrução (parcial ou total) e da complacência da vesícula e trato biliar, que podem ser
alteradas pela inflamação local. Embora esta complacência seja limitada, normalmente a
vesícula biliar e a árvore biliar se dilatam para acomodar o aumento do volume da bile retida.
Com a progressiva expansão, a pressão do sistema biliar chega a um ponto que o fígado é
incapaz de excretar bile para dentro dos canalículos e os ácidos biliares acumulam-se no
sangue e, em casos mais graves, há necrose ou ruptura da vesícula biliar devido à isquemia
induzida pela pressão (LEHNER; McANULTY, 2010).
1.3. Manifestações Clínicas
No estágio inicial da obstrução do ducto biliar comum os sinais clínicos são
inespecíficos e muitos animais não estão nem ictéricos (MEHLER e BENNETT, 2006). A
variação dos sinais clínicos está correlacionada ao tipo de obstrução (total ou parcial),
complacência do sistema biliar e se os agregados da lama biliar estão obstruindo o ducto biliar
comum (LEHNER; McANULTY, 2010). Portanto, se a obstrução for parcial, as
manifestações clínicas podem oscilar por várias semanas.
18
Boute et al. (2006), avaliando 22 felinos com obstrução do ducto biliar comum,
observaram que o tempo médio entre o aparecimento dos sinais clínicos até o tratamento
cirúrgico, para correção da obstrução, foi de 24 dias.
A progressão da obstrução biliar ocasiona a letargia, perda de peso, anorexia
(MAYHEW et al., 2002), vômito e diarreia, hepatomegalia, icterícia e, ocasionalmente, dor e
distensão abdominal, o que pode ser confundido com outras enfermidades abdominais
(LEHNER; McNULTY, 2010). Se a obstrução biliar for total, observam-se fezes pálidas ou
acólicas (NELSON; COUTO, 2004). Ao exame físico, massas abdominais na região cranial
direita podem ser palpadas em pacientes com doença do trato biliar secundária à pancreatite
ou neoplasias (MEHLER; BENNETT, 2006).
1.4. Diagnóstico
A natureza genérica dos sinais clínicos associados à obstrução biliar do ducto comum
pode tornar o diagnóstico difícil, se for baseada apenas nos sinais clínicos. Por isto, exames
laboratoriais e de imagem devem ser solicitados (LEHNER; McANULTY, 2010).
Na maioria das doenças hepatobiliares de felinos, a colestase ocorre. Porém nem
sempre há sinais aparentes de icterícia, pois o nível de bilirrubinemia deve estar de duas a três
vezes acima dos valores de normalidade (acima de 2,5mg/dL) para exceder a capacidade que
o fígado tem em processar o excesso (ZORAN, 2012).
Estudos em cães, onde foi realizada a obstrução experimental do ducto biliar, ficou
demonstrado que muitos animais não apresentaram sinais clínicos ou anormalidades
hematológicas por semanas a meses após a obstrução. Portanto, o diagnóstico precoce
baseado somente nessas avaliações, torna-se um grande desafio (MEHLER; BENNETT,
2006). Porém, se o felino apresentar icterícia, é primordial diferenciar sua origem, ou seja, se
é de origem obstrutiva extra-hepática, hepática ou de origem hemolítica. Já que icterícia é o
excesso de bilirrubina na corrente sanguínea pelo resultado da colestase (MEHLER;
BENNETT, 2006).
Na obstrução do ducto biliar comum com bilirrubinemia, a fração de bilirrubina que
mais aumenta é a direta ou conjugada, aparecendo junto com a bilirrubinúria, pois essa se
torna uma importante via de eliminação do pigmento (MEHLER; BENNETT, 2006).
Segundo Boute et al. (2006), a bilirrubinúria é a primeira anormalidade encontrada em felinos
19
com obstrução do ducto biliar, porém a dosagem sérica dos ácidos biliares serve como
marcador precoce da disfunção hepática com obstrução (LEHNER; MCANULTY, 2010).
O nível de hiperbilirrubinemia não permite diferenciar a colestase intra-hepática da
extra-hepática, embora a presença de fezes acólicas (fezes pálidas ou brancas) seja um forte
sinal de obstrução extra-hepática do ducto biliar, pois a falta de estercobilinogênio no
intestino é encontrada somente em felinos com obstrução completa do ducto biliar (ZORAN,
2012).
Pode se verificar também a ausência de urobilinogênio na urina se a obstrução biliar
for completa, porém como a detecção deste na urina depende de muitas variáveis (exposição a
luz solar, drogas e sensibilidade do método de detecção), a ausência de urobilinogênio deve
ser interpretada com cautela (MEHLER; BENNETT, 2006).
Além da bilirrubina, a avaliação laboratorial inclui a dosagem das enzimas ALT
(alanina aminotransferase), AST (aspartato aminotransferase), FA (fosfatase alcalina) e GGT
(gamaglutamiltransferase). O aumento da ALT e AST ocorre em situações de citólise do
hepatócito, ou seja, elas extravasam do interior do hepatócito. Já o aumento da FA e GGT
decorre da inabilidade que as enzimas têm em serem excretada pelo sistema biliar, ou seja, em
casos de colestase (RICHTER, 2005).
A elevação dos valores do ALT e AST é comum nos felinos com obstrução do ducto
biliar pelos danos hepáticos causados pela colestase ou por uma doença hepática pré-
existente, porém não são específicos de obstrução biliar (LEHNER e McANULTY, 2010) e a
magnitude da elevação sérica das enzimas não se correlaciona com o grau da obstrução
(MEHLER e BENNETT, 2006).
Segundo Center (2009), há aumento das atividades das transaminases parenquimatosas
(ALT e AST) e enzimas colestásicas (FA e GGT) na maioria das desordens do sistema biliar,
com ou sem hiperbilirrubinemia ou icterícia.
Apesar da atividade da FA, nos felinos, ser muito mais baixa quando comparada aos
cães, elevações discretas dessa enzima são indicativas de doença hepatobiliar. A atividade
reduzida dessa enzima nos felinos é explicada, pois sua meia-vida é muito mais curta (seis
horas versus três dias) e sua produção, nos casos de colestase, é menor. Já que o fígado dos
felinos possui um terço da concentração dessa enzima por grama de fígado do que no cão
(RICHTER, 2005).
20
Segundo Richter (2005), a elevação da GGT está presente nos casos de obstrução
biliar, mas também pode se elevar nas doenças hepatobiliares primárias com colestase intra-
hepática. Na doença biliar a atividade sérica da GGT aumenta mais precocemente que a FA.
Com relação às alterações hematológicas, Center et al. (1983), avaliando seis gatos
com obstrução do ducto biliar comum por ligação cirúrgica, observou inicialmente
leucocitose por neutrofilia, que foi aumentando com a cronicidade do quadro obstrutivo.
Anormalidades nos testes de coagulação são incomuns nos pacientes com diagnóstico
precoce de obstrução do ducto biliar, porém quando são identificadas coagulopatias, o tempo
de protrombina está geralmente elevado antes do tempo parcial da tromboplastina pela meia-
vida curta do fator VII de coagulação (MEHLER; BENNETT, 2006).
A ultrassonografia abdominal é a técnica de imagem inicial para avaliação da vesícula
biliar e do ducto biliar comum (BLACKBOURNE et al., 1994), pois é o método mais sensível
e específico para diagnóstico de obstrução biliar nos felinos, cães e humanos (BESSO et al.,
2000).
Segundo Mehler e Bennett (2006) a obstrução biliar pode ser diagnosticada
precocemente através do exame ultrassonográfico, isto é verificada antes da manifestação
clínica da icterícia.
O exame ultrassonográfico revela dilatação do trato biliar extra e intra-hepático e da
vesícula biliar, embora a dilatação da vesícula biliar não seja um achado consistente e
essencial para o diagnóstico, pois ela pode estar pequena em alguns animais (NELSO;
COUTO, 2004). O fato é explicado pela quantidade de fluido restante na vesícula biliar de
coloração branca (bile mucinosa) que ocorre pela intensa reabsorção do pigmento biliar e pela
contração da vesícula biliar decorrente da inflamação. Portanto, tamanho da vesícula biliar
não é indicador de obstrução do ducto biliar comum pela ultrassonografia (ZORAN, 2012).
Outros achados ultrassonográficos incluem ducto biliar tortuoso pela intensa dilatação e
vesícula biliar com conteúdo de lama biliar (MAYHEW; WEISSE, 2007).
Gaillot et al. (2007) avaliaram as características ultrassonográficas de 30 gatos com
obstrução biliar extra-hepática espontânea e observaram um diâmetro de ducto biliar comum
com mais de 5 milítros em 97% dos animais, sendo que a dilatação da vesícula biliar foi vista
em menos de 50 por cento dos gatos. Neste mesmo trabalho, os autores identificaram pela
ultrassonografia, todos os cálculos ou plug biliares no ducto biliar comum, no entanto, nem o
diâmetro do ducto biliar comum, nem a aparência ou qualquer outra característica
21
ultrassonográfica permitiu a diferenciação entre a causa primária da obstrução (doença
inflamatória ou tumor).
Nos cães e em pacientes humanos, a ultrassonografia abdominal é capaz de identificar
as causas de dilatação biliar secundária à obstrução em 62 a 100% dos casos. Nos felinos,
exame ultrassonográfico cuidadoso do intestino delgado, pâncreas e fígado, deve ser
conduzido para se pesquisar possíveis causas de obstrução (BESSO et al., 2000).
A ruptura da vesícula biliar pode ser evidenciada pela presença de líquido livre na
cavidade abdominal e análise do fluído deve ser realizada para confirmação do diagnóstico,
pois este terá alta concentração de bilirrubina (NELSON; COUTO, 2004).
Radiografias abdominais podem demonstrar hepatomegalia, distensão da vesícula
biliar e cálculos biliares mineralizados, pois 14 a 50% são radiopacos. Porém a técnica é
limitada para o diagnóstico de obstrução biliar (LEHNER; McANULTY, 2010).
A colangiografia contrastada oral ou intravenosa pode ser realizada em cães e
humanos, porém concentrações altas de bilirrubina, hipoalbuminemia, icterícia, doença
hepatocelular, pancreatite, peritonite, obstrução biliar, colecistite e administração simultânea
de sulfonaminas e salicilatos podem diminuir a concentração hepática do contraste, resultando
numa pobre opacificação do sistema biliar extra-hepático para o diagnóstico (MATTHIESEN,
1989).
Outras técnicas como colangiografia trans-hepática percutânea,
colangiopancreatografia retrógrada e colecistocentese são utilizadas como diagnóstico de
obstrução das vias biliares apenas de pacientes humanos, não estando disponíveis para a
medicina veterinária (MEHLER; BENNETT, 2006).
O diagnóstico diferencial de obstrução biliar em felinos inclui as neoplasias biliares,
cistoadenomas biliares, pancreatite, colelitíase, parasitismo e obstrução por corpo estranho
(WOODS et al., 2012).
1.5. Tratamento e Prognóstico
O tratamento da obstrução do ducto biliar comum vai depender da causa e se a
obstrução é parcial ou total (NELSON; COUTO, 2004). Nas obstruções totais do sistema
biliar ocorrem alterações fisiológicas progressivas e graves levando o animal à óbito. Por
tanto, para o restabelecimento do fluxo biliar, é preconizado à intervenção cirúrgica de
22
emergência para remoção da obstrução ou realização de um desvio no sistema biliar, como a
coledocoenterostomia ou colecistoenterostomia (LEHNER; McANULTY, 2010). A
colecistoenterostomia pode ser realizada pela técnica de colecistoduodenostomia (anastomose
entre a vesícula biliar e o duodeno) ou de colecistojejunostomia (anastomose entre a vesícula
biliar e o jejuno), sendo a primeira técnica mais recomendada para o direcionamento biliar,
pois a colecistojejunostomia apesar de diminuir a chance de refluxo enterobiliar, aumenta o
risco de úlceras no duodeno, uma vez que a secreção de ácido gástrico aumenta e a
neutralização da acidez no duodeno é diminuída (MEHLER; BENNETT, 2006).
Os procedimentos cirúrgicos são complexos e requerem habilidade técnica,
principalmente pela manipulação de tecidos inflamados, pacientes que podem ter alterações
na coagulação e tendem a descompensar na anestesia geral prolongada (LEHNER;
McANULTY, 2010).
Segundo Boute et al. (2006) felinos com obstrução do ducto biliar, a hipotensão é o
componente que aumenta a mortalidade durante o ato cirúrgico e, que, normalmente, surge 60
a 90 minutos após a anestesia geral. Por este motivo, alternativas para o tratamento definitivo
têm sido exploradas, incluindo a implantação de “stents” ou tubos dentro do ducto biliar
comum através de laparotomias ou do uso do endoscópio.
Morrison et al. (2008) estudando o uso do endoscópio para realização da
colecistoduodesnotomia em 28 casos (24 cães e 4 gatos), relatou que as causas mais comum
de morte foram eutanásia secundária a neoplasia, peritonite ou parada respiratória.
Outras complicações das anastomoses enterobiliares além das supras citadas, incluem
extravasamento do conteúdo biliar, deiscência de pontos e colangite associadas ao refluxo do
conteúdo intestinal por drenagem inadequada da vesícula biliar para o intestino (MEHLER;
BENNETT, 2006). Segundo Matthiensen (1989), é importante criar uma abertura de 2,5 a 4
centímetros no sentido longitudinal do intestino para minimizar problemas como colangites,
pois estas se tornam raras quando tamanhos adequados de incisão são criados.
É esperado um crescimento bacteriano dentro do trato biliar durante o pós-operatório
inicial, embora, a colangite clínica geralmente não se desenvolve exceto se o trato biliar
tornar-se obstruído ou se a incisão de drenagem for pequena demais (MEHLER; BENNETT,
2006).
A biopsia hepática deve sempre ser realizada durante as cirurgias de doenças biliares,
pois os achados histológicos do parênquima hepático podem fornecer informações úteis a
23
respeito da doença de base que afeta o fígado, o estado do paciente à longo prazo e o
prognóstico (MEHLER; BENNETT, 2006).
Estudos recentes em pacientes humanos com obstrução biliar secundária a pancreatite
aguda, sugere que o tratamento clínico isolado ou realizado antes da cirurgia, não deixou
nenhuma sequela, porém nenhum estudo similar foi relatado em felinos (NELSON; COUTO,
2004)
Felino com obstrução parcial, onde não há presença de fezes acólicas, o tratamento
clínico deve ser instituído. Coléricos, como ácido ursodesoxicólico (15mg/kg diariamente) e
anti-oxidantes como a s-adenosilmetionina (20mg/kg ou 200 a 400mg diariamente) têm ação
protetora sobre os hepatócitos que estão sofrendo injúria oxidativa induzida pela bilirrubina.
Nesses casos também é fundamental o tratamento da doença de base, entretanto se o animal
não melhorar depois de alguns dias ou aparecerem sinais de obstrução completa, como fezes
acólicas, a cirurgia deve ser realizada
As cirurgias do trato biliar em felinos estão associadas a diversas complicações fatais
(MEHLER, 2011), levando a alta mortalidade, sendo realizada por tanto, somente quando a
obstrução for total, visto que o prognóstico das obstruções parciais é bom quando utilizado
tratamento clínico (NELSON; COUTO, 2004).
A taxa de mortalidade nas cirurgias de obstrução do ducto biliar em cães é de 28 a
63% e em humanos de 8 a 30%. Estas variações são explicadas pela presença de fatores de
risco pré-existentes nos pacientes, interferindo na taxa de sobrevivência no pós-operatório.
Em humanos, estes fatores incluem presença de febre, anemia, leucocitose, azotemia,
hiperbilirrubinemia, presença de neoplasias e aumento nos níveis das enzimas hepáticas
(MEHLER; BENNETT, 2006).
24
2. RELATO DE CASO
Em dezembro de 2011, foi atendido um gato de nove anos de idade com queixa de apatia.
O animal vive numa residência com mais 30 gatos, num gatil telado. Todos os gatos da casa
eram vacinados e tinham tratamento anti-parasitário. Durante a anamnese nenhuma queixa
com relação ao apetite, fezes e urina foram relatas pelo proprietário, apenas a intensa
prostração. Como o exame físico não apresentou nenhuma alteração, foram realizados alguns
exames complementares. No hemograma foi observada leucocitose por neutrofilia e
hiperproteinemia (Anexo - 1). Os valores de uréia, creatinina, fosfatase alcalina,
gamaglutamiltransferase e bilirrubinas estavam dentro da normalidade , apenas a ALT estava
aumentada (Anexo - 2). Para maior esclarecimento do quadro clínico, foi realizado uma
ultrassonografia abdominal que demonstrou vesícula biliar repleta, ducto biliar dilatado e
tortuoso, com presença de uma estrutura circular medindo 1,03cm x 0,71 cm na região do
colédoco (Figura 3 e Figura 4), sugerindo uma obstrução do ducto biliar comum. Mediante os
achados ultrassonográficos, o animal foi internado para observação de outras alterações
clínicas e constatou-se presença de fezes acólicas após 20 horas dos resultados dos exames e
intensa prostração e diminuição do apetite. Mediante a presença de fezes acólicas o animal foi
submetido à cirurgia de colecistoenterostomia devido à obstrução total do ducto biliar comum.
Figura 3 – Imagem ultrassonográfica do fígado demonstrando a presença de uma estrutura
ecogênica circular na região do colédoco medindo 1,03 x 0,71 centímetros.
25
O animal permaneceu em jejum alimentar e hídrico de seis e duas horas, respectivamente,
para evitar vômitos e aspiração do conteúdo durante e após a anestesia. Recebeu como
medicação pré-anestésica a associação de clorpromazina (1 mg/kg) e cloridrato de tramadol
(2mg/kg), na mesma seringa por via intra-muscular. Após 20 minutos, foi realizada a indução
anestésica com propofol (6 mg/kg) por via intra-venosa e manutenção com isoflurano.
Durante todo o procedimento cirúrgico o paciente recebeu infusão de solução de ringer lactato
por via intra-venosa.
O gato foi posicionado em decúbito dorsal para tricotomia ampla da região abdominal e
após anti-sepsia local e colocação dos panos de campo, foi realizada incisão na pele e
musculatura abdominal (da região esternal até a cicatriz umbilical). Durante a avaliação
hepática pode se notar intensa dilatação do ducto biliar comum, como visibilizado ao exame
ultrassonográfico (Figura 5) e da vesícula biliar (Figura 6). Antes da colecistoduodenostomia,
realizou-se a punção da vesícula biliar com agulha fina, para coleta de bile para realização do
exame parasitológico direto, que estava de coloração transparente (Figura 7). Com a vesícula
biliar vazia, foi realizada uma incisão longitudinal de aproximadamente 3,5 centímetros e uma
pinça hemostática foi introduzida em seu interior na direção do colédoco para retirada de uma
massa enegrecida de consistência mole que estava causando a obstrução, isto é, um “plug”
biliar (Figura 8). Uma incisão do mesmo tamanho foi feita no duodeno para a realização da
Figura 4 – A) Imagem ultrassonográfica demonstrando ducto biliar dilatado e tortuoso (seta);
B) Imagem ultrassonográfica demonstrando a dilatação discreta da vesícula biliar (seta).
A B
26
colecistoduodenostomia ou seja, anastomose entre a vesícula biliar e o duodeno. A sutura foi
realizada com fio nylon 4-0 e pontos simples separados (Figura 9). Antes do fechamento do
peritônio, região subcutânea e pele, o animal foi submetido à biopsia hepática.
O animal foi assistido até que voltasse da anestesia e seus parâmetros fisiológicos
como temperatura, frequência cardíaca e respiratória retornassem aos valores de normalidade.
No pós-operatório imediato o felino recebeu aplicação de amoxicilina (20mg/kg) e
dipirona (25mg/kg), ambas pela via subcutânea. No dia seguinte, o animal começou
apresentar interesse pelo alimento e estava mais ativo, portanto foi liberado para casa com
amoxicilina e clavulanato (20mg/kg) a cada 12 horas, metronidazol (7,5mg/kg) e prednisolona
(1mg/kg) 1 vez ao dia, todas as medicações por um período de quatro semanas.
O exame parasitológico da bile foi negativo para Platynossomum sp e os achados da
biopsia hepática foram compatíveis com colangite neutrofílica crônica.
No dia da retirada dos pontos, o animal se apresentava bem e passados quase um ano da
obstrução, o animal permaneceu estável.
Figura 5 – Presença de intensa dilatação do ducto biliar comum decorrente da obstrução biliar.
27
Figura 7 – Seringa com conteúdo biliar transparente após punção direta com agulha fina da
vesícula biliar
Figura 5 – Imagem demonstrando dilatação da vesícula biliar decorrente da obstrução biliar.
28
Para restabelecer o fluxo biliar foi realizada uma incisão de mesmo tamanho no duodeno
para criar uma comunicação entre a vesícula biliar e a porção anatômica mais próxima do
Figura 8 – “Plug” biliar - Massa enegrecida de consistência mole, com características
biliares retirada da região do colédoco, responsável pela obstrução do ducto biliar.
Figura 9 – A imagem demonstra a anastomose entre a vesícula biliar e o duodeno
(colecistoduodenostomia), realizada com fio nylon 4-0 e pontos simples separados.
29
3. DISCUSSÃO
Apesar da obstrução biliar de origem intra-luminal ser infreqüente em gatos
(LEHNER; McANAUTY, 2010), esta foi observada no paciente deste relato clínico, embora
tenha sido secundária à colangite neutrofílica (MAYHEW, 2002).
A colangite neutrofílica está frequentemente associada à pancreatite, pela proximidade
anatômica dos ductos, favorecendo infecções ascendentes (BOUTE et al., 2006), porém
nenhuma anormalidade pancreática foi observada no paciente.
A queixa de letargia e exames laboratoriais de rotina dentro dos valores de
normalidade não foram suficientes para definir a enfermidade do paciente, porém como já
observado por Mehler e Bennett (2006) e Besso et al. (2000), a ultrassonografia foi capaz de
diagnosticar a obstrução biliar precocemente, antes da manifestação clínica da icterícia.
Valores de bilirrubinas dentro da normalidade e ausência de icterícia neste gato com
obstrução do ducto biliar, se justifica pela capacidade que o fígado tem em excretar a
bilirrubina excedente, precisando estar acima de 2,5mg/dL, para ter evidência clínica de
icterícia, como observado também por Zoran (2012).
Não foi observada nenhuma alteração no hemograma além da leucicitose por
neutrofilia do felino estudado, observação notada em gatos com obstruções induzidas
experimentalmente (CENTER et al., 1983).
Obstrução biliar do ducto comum aguda sem alterações nas enzimas hepáticas foi
relatado por Mehler e Bennett (2006) em cães com obstrução experimental do ducto biliar,
apesar de não ser um achado comum.
O tratamento cirúrgico pela técnica de colecistoduodenostomia foi a primeira opção de
tratamento por se tratar de uma obstrução total do ducto biliar comum, já que foram notadas
fezes acólicas e presença de uma estrutura circular na região do colédoco ao exame
ultrassonográfico, comprovada durante o procedimento cirúrgico.
Durante a punção da vesícula biliar pode se notar a mudança da coloração da bile, de
verde escuro para transparente, denominada bile branca, pois na presença de obstrução
completa do ducto biliar há redução de secreção de bilirrubina e aumento na produção de
mucina, como descrito por Mehner e Bennett (2006).
30
A estrutura retirada da região do colédoco era de consistência macia e enegrecida, ou
seja, a bile se transformou em um material semi-sólido, excluindo portanto, a hipótese de um
cálculo, mas que poderia dar origem à um cálculo se tivesse permanecido na vesícula biliar,
como relatado por Lehner e McAnulty (2010).
A realização da biopsia hepática durante o procedimento cirúrgico foi importante para
o diagnóstico da causa primária da obstrução do ducto biliar, corroborando com os autores
Mehler e Bennett (2006), que observaram a presença de uma doença de origem inflamatória
como a colangite neutrofílica, como causa dos quadros obstrutivos. O aumento do ALT nos
exames de triagem do animal pode sugerir uma doença hepática já pré-existente.
A técnica cirúrgica escolhida foi capaz de promover a drenagem da bile para o
duodeno, sem evidência de complicações no pós-operatório.
Como é esperado um crescimento bacteriano no trato biliar durante o pós-operatório
(MEHLER; BENNETT, 2006), a escolha dos antibióticos foi baseada nos estudos que
referem que as principais bactérias envolvidas são de origem gastrointestinal (Gram-positivas,
negativas e anaeróbicas) (GERMAN, 2009). Com a confirmação da colangite neutrofílica pela
histopatologia e ausência de alterações clínicas do felino sete dias após o procedimento
cirúrgico, optou-se por permanecer com os antibióticos para tratar a doença hepática pré-
existente. Estes antimicrobianos são de amplo espectro, com bom efeito bactericida, eficazes
contra organismos anaeróbios e excretados pela bile, com metabolismo hepático mínimo.
A prednisolona em dose baixa foi utilizada, devido à estase e presença de inflamação
no trato biliar, como recomendado também por German (2009).
O prognóstico das obstruções biliares que necessitam de intervenções cirúrgicas pela
literatura é sempre reservado (NELSON; COUTO, 2004; GERMAN, 2009), porém o gato
relatado se apresenta bem após um ano. Acredita-se que neste caso o prognóstico tenha sido
bom, pela ausência de alterações pancreáticas e a precocidade do diagnóstico.
31
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obstrução do ducto biliar comum é uma doença grave e debilitante que requer
diagnóstico precoce e preciso quanto à doença de base.
Com o uso da ultrassonografia abdominal na rotina clínica, há uma tendência no
aumento do diagnóstico desta doença.
O diagnóstico da obstrução biliar baseado somente no exame clínico e laboratorial é
difícil pelas semelhanças com outras enfermidades que causam colestase e icterícia.
Os clínicos devem estar preparados para realizar as cirurgias do trato biliar, pois não
são procedimentos utilizados e aprendidos na rotina da medicina veterinária.
32
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35
ANEXO – 1: Resultado do exame hemograma do felino.
HEMOGRAMA
ERITROGRAMA Valores Valores de referência
Hematócrito
Hemácias
Hemoglobina
VCM
CHCM
40%
8,1 milhões/ mm3
13,1 g/dL
49,4%
32,8%
24 – 45
5,0 – 10,0
8 – 15
39 – 55
30 – 36
LEUCOGRAMA
Leucócitos
Bastonetes
Segmentados
Linfócitos
Eosinófilos
Basófilos
28.200 /µl
0
25.944 /µl
1.692 /µl
0
0
6.000 – 17.000
0 - 300
2.500 – 12.500
0 – 850
0 – 1.500
0 – 50
Proteína Plasmática Total: 9,6 g/dL 5,7-7,8 g/dL
Contagem de Plaquetas: 143.000/µl 300.00 - 800.000/µl
Obs: agregação plaquetária
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ANEXO – 2: Resultados dos exames bioquímicos do felino.
EXAMES BIOQUÍMICOS Valores Valores de referência
ALT 250 U/I 6 – 83 U/I
GGT 7,0 U/I 1-10 U/I
Bilirrubina Total 0,4 mg/ dL Até 0,5 mg/ dL
Bilirrubina Direta 0,2 mg/ dL Até 0,2 mg/ dL
Bilirrubina Indireta 0,2mg/ dL Até 0,2mg/ dL
Albumina 3,0 g/dL 2,1 – 3,9 g/dL
Globulina 5,2 g/ dL 1,5 – 5,7 g/dL
Uréia 52mg/dL 42,8 - 64,2mg/dL
Creatinina 1,0mg/dL 0,8 – 1,8 mg/dL