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o ESTRANHAMENTO COMO FENÔMENO HISTÓRICO-SOCIAL EM LUKÁCS Fátima Nobre'" A problemática central que perpassa a ternatização de Lukács acerca da categoria do estranhamento é que ele não é um fenômeno natu- ral e sim social, por conseguinte pode e deve ser superado; e que a luta para se superar determinadas formas de estranhamentos, no decorrer do devir-hu- mano, contribui, então, para o desenvolvimento do eu não-mais-particular, para o desenvolvimento do gênero humano em direção ao seu para-si, enfim, para a superação do gênero mudo. Portanto, segun- o Lukács, o "estranhamento é um fenômeno ex- clusivamente histórico-social... que assume na história formas sempre diferentes ... Por conseguin- e, a sua consti tuição nada tem a ver com uma "con- dição humana" geral, tampouco possui uma niversalidade cósmica"!", Como o estranhamento é uma categoria histórica, segue-se então que "em da formação e em cada período encontra-se ex novo posto em movimento pelas forças sociais real- mente operantes'V', Estas forças, embora partam de ecisões alternativas individuais, são sempre orien- tadas pelo social, têm "profundas raízes sociais"?', Dessa forma, o processo de humanização realiza-se por duas vias autônomas "e todavia diversamente entrelaçadas, que se movem em direção à generidade e nas quais manifesta-se a identidade última entre evir- homem e devir-social"!". Logo, tanto a eneridade em-si como a para-si devem ser levadas em conta nesse processo do devir-humano, dado que, FÁTIMA Maria NOBRE Lopes é Assistente Social da FU DESP (Fundação de Desenvolvimento Pessoal de Fortaleza) e Professora do Departamento de Filosofia da ECE. 1 Lukács, "L'estraniazione", IN: Ontologia DeU' Essere Sociale, vol. n=, p. 559. - Lukács, Idem, p.585. Lukács, Idem, p. 583. • Lukács, Idem, p. 577 •5 EducaçãoemDebaíe-Fortaleza - Aro 17/18 - n 2 29-3().31 e32 de 1995 - p. 15-20 a partir da singularidade e de sua elevação ao não- mais-particular é que possibilita tal realização deste processo, sem esquecer, no entanto, que o ato indi- vidual sobretudo tem um peso muito grande nesta relevância, porém sempre relacionado com o social. Lukács menciona que mesmo as formas de estranhamento mais remotas, por exemplo, a mu- lher como escrava e o seu proprietário, "estão além do mero ser-natural da humanização inicial'õ", Por- tanto, mesmo como escravo o homem faz parte do gênero humano, permanece "objetivamente, em si, um ente social"!". A superação desta forma de estranhamento provocou uma nova forma, solicitan- do "novos remédios", o que leva necessariamente a um desenvolvimento. Diz Lukács: "a superação ... de uma situação social estranhada gera freqüen- temente uma nova forma de estranhamento que supera aquela precedente e diante da qual os ve- lhos remédios experimentados mostram-se irnpoten- tes"?', Foi o que ocorreu, por exemplo, na passagem do feudalismo ao capitalismo. E isso tornou-se pos- sível graças às sínteses pessoais das capacidades, ou seja, à direção do em-si ao para-si. Portanto, é na base destas sínteses pessoais que se desenvolve o indivíduo não-mais-particular, dado que as lutas para enfrentar os conflitos sociais, que daí derivam, "em muitos casos são portadores de progresso social"!". Em suma, o caráter individual tem grande peso no operar das grandes objetivações, E a perso- nalidade não-mais-particular surge exatamente da soma dos atos singulares, no autodesenvolvimento de cada um em direção ao para-si. "Esta ligação da personalidade não-mais-particular com a gene- ridade para- si constitui a superação real do gênero (5) Lukács, Idem, p. 580. (6) Lukács, Idem, p. 580. (7) Lukács, Idem, p 585/586. (8) Lukács, Idem, p. 589.

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o ESTRANHAMENTO COMO FENÔMENOHISTÓRICO-SOCIAL EM LUKÁCS

Fátima Nobre'"

A problemática central que perpassa aternatização de Lukács acerca da categoria doestranhamento é que ele não é um fenômeno natu-ral e sim social, por conseguinte pode e deve sersuperado; e que a luta para se superar determinadasformas de estranhamentos, no decorrer do devir-hu-mano, contribui, então, para o desenvolvimento doeu não-mais-particular, para o desenvolvimento dogênero humano em direção ao seu para-si, enfim,para a superação do gênero mudo. Portanto, segun-

o Lukács, o "estranhamento é um fenômeno ex-clusivamente histórico-social... que assume nahistória formas sempre diferentes ... Por conseguin-e, a sua consti tuição nada tem a ver com uma "con-dição humana" geral, tampouco possui umaniversalidade cósmica"!", Como o estranhamento

é uma categoria histórica, segue-se então que "emda formação e em cada período encontra-se ex

novo posto em movimento pelas forças sociais real-mente operantes'V', Estas forças, embora partam de

ecisões alternativas individuais, são sempre orien-tadas pelo social, têm "profundas raízes sociais"?',Dessa forma, o processo de humanização realiza-sepor duas vias autônomas "e todavia diversamenteentrelaçadas, que se movem em direção à generidadee nas quais manifesta-se a identidade última entre

evir- homem e devir-social"!". Logo, tanto aeneridade em-si como a para-si devem ser levadas

em conta nesse processo do devir-humano, dado que,

FÁTIMA Maria NOBRE Lopes é Assistente Social daFU DESP (Fundação de Desenvolvimento Pessoal deFortaleza) e Professora do Departamento de Filosofia da

ECE.1 Lukács, "L'estraniazione", IN: Ontologia DeU' Essere

Sociale, vol. n=, p. 559.- Lukács, Idem, p.585.

Lukács, Idem, p. 583.• Lukács, Idem, p. 577

• 5 EducaçãoemDebaíe-Fortaleza- Aro 17/18 - n229-3().31 e32 de1995 - p. 15-20

a partir da singularidade e de sua elevação ao não-mais-particular é que possibilita tal realização desteprocesso, sem esquecer, no entanto, que o ato indi-vidual sobretudo tem um peso muito grande nestarelevância, porém sempre relacionado com o social.

Lukács menciona que mesmo as formas deestranhamento mais remotas, por exemplo, a mu-lher como escrava e o seu proprietário, "estão alémdo mero ser-natural da humanização inicial'õ", Por-tanto, mesmo como escravo o homem faz parte dogênero humano, permanece "objetivamente, em si,um ente social"!". A superação desta forma deestranhamento provocou uma nova forma, solicitan-do "novos remédios", o que leva necessariamente aum desenvolvimento. Diz Lukács: "a superação ...de uma situação social estranhada gera freqüen-temente uma nova forma de estranhamento quesupera aquela precedente e diante da qual os ve-lhos remédios experimentados mostram-se irnpoten-tes"?', Foi o que ocorreu, por exemplo, na passagemdo feudalismo ao capitalismo. E isso tornou-se pos-sível graças às sínteses pessoais das capacidades, ouseja, à direção do em-si ao para-si. Portanto, é nabase destas sínteses pessoais que se desenvolve oindivíduo não-mais-particular, dado que as lutas paraenfrentar os conflitos sociais, que daí derivam, "emmuitos casos são portadores de progresso social"!".

Em suma, o caráter individual tem grandepeso no operar das grandes objetivações, E a perso-nalidade não-mais-particular surge exatamente dasoma dos atos singulares, no autodesenvolvimentode cada um em direção ao para-si. "Esta ligaçãoda personalidade não-mais-particular com a gene-ridade para- si constitui a superação real do gênero

(5) Lukács, Idem, p. 580.(6) Lukács, Idem, p. 580.(7) Lukács, Idem, p 585/586.(8) Lukács, Idem, p. 589.

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mudo"'?' e, portanto, está presente na história doestranhamenro'!'". Nesse sentido, a luta efetiva parasuperar o modo em que o estranhamento se mani-festa no capitalismo - o fetichismo da mercadoria e areificação das relações humanas, ou seja, o trabalhocomo valor de troca - proporciona indubitavelmentea elevação do gênero humano, auxilia no processode hominização.

O que vem a ser então o estranhamento?Qual a sua gênese ontológica no capitalismo?

Para responder a tais questões, faz-se neces-sário distinguir os termos objetivação, alienação eestranhamento. Para tanto temos que remeter a al-gumas considerações do trabalho em Marx, já que,para nós, a Ontologia de Lukács diz respeito a umresgate fiel da teoria marxiana.

É por demais conhecido que, segundo Marx,o trabalho é a categoria fundante do ser humano, doser social, ou seja, é na sua relação com a natureza,transformando-a em objetos de uso, sociais, que ohomem se torna humano, ser social. Nesse ato detransformação, há de se ressaltar o papel da consci-ência e o pôr teleológico, ou seja, ao transformar anatureza em objetos sociais o homem estabelece ini-cialmente uma teleologia, uma ideação'" e examinaas condições de possibilidades para essa realização.É nesse ato de exame das condições possíveis que ohomem conhece ao mesmo tempo em que tem quesubordinar sua vontade a uma causalidade natural,externa. A subordinação da vontade, embora nãoseja de modo passivo, é condição necessária paraque o processo se realize. O trabalhador, diz Marx,"não apenas efetua uma mudança de forma no ele-mento natural; ele realiza no elemento natural, aomesmo tempo, o próprio objetivo, por ele bem co-nhecido, que determina como lei o modo do seuoperar, e ao qual deve subordinar a sua vontade.

(9) Lukács, Idem, p. 586.CIO) Lukács diz que "o esforço resoluto de ir além da particulari-

dade pode levar (também) a estranhamentos sui Ifeneris'(p.S87, acréscimo nosso), por exemplo, o stalinismo. De for-ma que uma dedicação incondicionada por uma causa derelevo social pode "certamente comportar a potencialidadede determinados aspectos da personalidade, mas pode tam-bém estranhá-Ia em boa parte ou totalmente" (Idem).

(lI)Marx falando da diferença fundamental entre a atividadehumana e a atividade animal. ressalta o papel da consciên-cia, da ideação humana. Diz ele: "no fim do processo detrabalho obtêm-se um resultado que no início já estava pre-sente na idéia do trabalhador, que portanto já estava pre-sente idealmente" (K. Marx, II Capitale. voJ. I : "ProcessoLavorarivo", Trad. Ic.. Riuniti, pp. 211-212).

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E esta subordinação não é um ato isolado. Alémdos esforços dos órgãos que trabalham, é necessário,por toda a duração do trabalho, a vontade orienta-da a um fim..."(\2).

A su bordinação da vontade é a própriaobjetivução. Embora não tenha explicitadodetalhadamente este aspecto'!" que logo mais ve-remos na ótica de Lukács, Marx trata aqui da aliena-ção num sentido positivo, pelo fato de que, comomencionamos, tem que haver uma subordinação davontade, no ato laborativo, a uma causalidade espon-tânea, natural; e isso é tão lógico quanto necessáriopara que o processo - transformação de uma causali-dade natural em uma causalidade posta através dateleologia humana - se realize. Portanto, o processode objetivação tem em si o seu momento intrínseco- alienação necessária, positiva - e neste sentidoa alienação é a própria condição de possibilidade daobjetivação, ou seja, é a própria condição daprocessualidade do homem como ser genérico, comoser histórico-social concreto.

No entanto, nesse processo de objetivaçãopode haver barreiras para tal realização e, nesse caso,a alienação pode se tornar um estranhemento. Tra-ta-se aqui da alienação contingente, negativa e,neste aspecto, tal alienação, que se denominaestranhamento, pode e deve ser suprimida para queo homem realize de forma efetiva a sua essênciahumana. Portanto, enquanto este é um aspecto con-tingente da objetivação - e por conseguinte a aliena-ção no sentido de estranhamento não é uma condiçãonatural e eterna do homem - , aquele (alienação po-sitiva) é constitutivo e necessário; é a condição depossibilidade da própria objetivação, do próprio tor-nar-se humano via trabalho.

Vejamos então de que modo Lukács delineiaessa questão. Dissemos anteriormente que Marx nãoexplicitou, no plano terminológico, a questão do atolaborativo. Porém Lukács, analiticamente, o sepa-rou em objetivação e alienação. "Em verdade, noato real, os dois momentos são inseparáveis: cadamovimento e cada reflexão no curso (ou antes) dotrabalho são dirigidos em primeiro lugar a umaobjetivação, isto é, a uma transformação teleolo-

(l2)KarIMarx. Il Capitale, Idem, p. 212 (parte do grifo é nosso).(13)Lukács diz que embora Marx não tenha descrito com

precisão, no plano terminológico, o ato laborativo, ele(Lukács) "analiticamente" o separou" em objetivaçãoe alienação". embora no ato real os dois momentos se-jam inseparáveis (ver Lukács, Op. Cit., L'estraniazione.p. 564).

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ente adequada do objeto do trabalho?'!", Dessaa os objetos, antes naturais, chegam a umailidade social, passam por um processo de

.~ .vação. Esta objetivação é ao mesmo tempo uma- nação: o ser-em-si dos objetos adquire o seu devir-

a-nós através do trabalho humano. Trata-se por-to dos dois lados nos atos de trabalho emborairários: a objetivação e a alienação. Porém, a di-

- ência destes dois momentos consiste no fato de-:......e 'enquanto a objetivação é imperativamente eciaramcnte prescrita pela respectiva divisão do tra-

. o e portanto desenvolve as capacidades neces-rias nos homens ..., o efeito da alienação sobre osieitos do trabalho é por princípio diversificada"!'".

_ elhor dizendo, a forma como as alienaçõesrerroagern sobre os indivíduos é variada, podendo: 'orecer ou desfavorecer o desenvolvimento da. rsonalidade e, dependendo do efeito causado, aalienação pode se tornar um estraahemento. Em- ma, o resultado da objetivação é prescrita pela di--isão do trabalho e, portanto, pode ser mais ou me-os calculável, enquanto que o retorno da alienação

sobre as personalidades pode provocar comporta-entos totalmente diversos, inclusive pode resultar

em estranharnenros'!",É o que ocorre na sociedade capitalista onde

o trabalho, "que é o ponto de partida do processoe humanização do ser social ... ", tal como se

objetiva aí, torna-se um trabalho "degradado e avil-zado. Torna-se estrenhedd":", Trata-se aqui debarreiras sociais que se opõem ao desenvolvimen-

to da personalidade humana"?". Descrevendo essefenômeno, como é delineado por Marx, Lukács dizque "o desenvolvimento das forças produtivas é ne-cessariamente também desenvolvimento das capa-idades humanas, mas - e aqui emerge plasticamente

o problema do estranhamento - o desenvolvimentoas capacidades humanas não produz obrigatoria-

mente o da personalidade humana. Pelo contrário,mesmo potenciando capacidades singulares, podedepreciar, aviltar, etc, a personalidade do homern'"!",

HlLukács. Idem. p. 564.15)Lukács. Idem. p. 564/565.161Pensamosque é nesse pomo que consiste o duplo aspecto

do trabalho descrito por Marx, ou seja. o trabalho como cri-ador de valor de uso e simultânea e predominantementecomo valor de troca. Nota nossa.

1171 Ricardo Antunes. "O Trabalho Estranhado", IN: Adeus aotrabalho ?, p. 123/124.

18) Ricardo Antunes, Op. Cit .• p. 132. nota de n° 14.(19)Lukács, Op. Cit .• p. 562.

17 EducaçãoemDebate· For1aIeza -Aro 17/18·~~1 e32 de 1995-p. 15-20

Isso ocorre justamente porque "no capitalis-mo, o intercâmbio do homem com a natureza é medi-ado por relações sociais que transformam a atividadeprodutiva numa atividade rei5cada, na medida emque o trabalho se torna um simples meio de criaçãode riqueza abstrata. .. o trabalho se torna um meiode adquirir dinheiro"?", Daí porque o trabalho nocapitalismo torna-se abstrato, prevalece como va-lor de troca, eestreabedo'" uma vez que, no sen-tido mais geral, o resultado do trabalho leva àqueladepreciação da personalidade de que fala Lukács,ou seja, "a criação humana se faz estranha ao própriohomem, o homem não se reconhece no que criou "(22);

e isso porque o desenvolvimento das forças produti-vas se realiza "dentro de uma forma social fetíchi-eede , de uma forma social coisi5cada, em síntese;dentro de uma forma social que é a forma de desen-volvimento não do homem, mas do capital'V".

Portanto, o estranhamento do trabalho nocapitalismo se manifesta sob a forma de fetichismoda mercadoria, onde o produto do trabalho recebeum valor de troca que, por sua vez, predomina sobreo valor de uso. Então, a mercadoria passa a ser con-siderada como um poder autônomo, supra- sensí-vel, gerando, assim, a reificação das relaçõeshumanas'>', uma vez que tudo se torna mercadoria,

(21llFranciscoTeixeira, "Marx e a Metamorfose do Mundo doTrabalho", IN: Universidade e Sociedade, n" 08, p. 108.

(21)0bserve que dessa base originária surgem OUtrosestranhamentos (político. religioso. ideológico. etc ). Tra-ta-se aqui do que Lukács denomina de Teleologias Se-cundárias que, embora decorrentes do ato laborarivo,ganham uma certa autonomia. Dessa forma ele argumen-ta que nem todos os atos humanos podem ser reduzidos aatos do trabalho (ver Lukács, Op. Cit .• L'estraniazione, p.609 a 610).

<22ISergioLessa, "O Estranharnento", In: A Ontologia deLukács. p. 118.

(23)Francisco Teixeira, "O Capital uma Época Governadapela Desrazão", IN: Pensando com farx, p. 30 (grifos nos-sos).

(2f) As relações humanas são reificadas porque são substituídaspor relações entre coisas. Marx diz que "a mercadoria éuma coisa enganosa ... como valor de uso não há nada demisterioso nela ... mas logo que se apresenta como merca-doria (valor de troca) se transforma em uma coisa supra-sensível" .. o entanto "aquilo que assume para os homensa forma fancasmagórica de uma relação entre coisas é ape-nas a relação social determinada que existe entre os própri-os homens ...". Assim como na crença religiosa os produtosdo cérebro humano parecem figuras independentes, tam-bém ocorre "no mundo das mercadorias com os produtosda mão humana. Chamo a isto de Petichismo ...". (KarlMarx, Il Capitale. "II carattere di feticcio dela merce il suoarcano, p. 103 a 105, o acréscimo e os grifos são nossos).

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inclusive a força de trabalho do trabalhador, da qualo capitalista procura retirar o máximo de lucro possí-vel. Como tudo gira em torno do dinheiro, do lucro,do valor, a vida tanto do trabalhador como do capita-lista não lhes pertence e sim ao capital; suas vidas,embora de modos diferentes, são estranhadas?". Éessa a gênese ontoiâgica do estrenhemento nocapitalismo.

Mas, como dissemos em nota anterior, dessabase originária surgem outros estranhamentos, umavez que não se pode reduzir todos os atos humanosa atos do trabalho, ou seja, a origem do ser socialocorre a partir da permuta orgânica do homem com anatureza, isto é, a partir do trabalho. Porém daquise geram novos complexos, exigindo novas teleo-10gias(Z6I,que desencadeiam nexos causais que, porsua vez, escapam ao controle do homem como sefossem uma segunda natureza. Esses nexos causaisgeram momentos de casualidades que muitas vezes_. .,." .. .sao irnprevisrvers; quanto mais SOCiaISse tornam ascategorias econômicas, tanto mais assumem o cará-ter de um sistema de leis ... " e esse "mesmo proces-so torna-se cada vez mais independente da vontade,dos desejos, etc. dos homens singulares'V",

É o que ocorre com as relações sociais nocapitalismo. Elas ganham uma vida própria e pare-cem ter uma autonomia diante das vontades indivi-duais. Porém não se deve esquecer que estes nexoscausais partem de decisões e ações do próprio ho-mem; por conseguinte, não se deve reduzir essesfatos a um desenvolvimento global teleológico.

(25) Marx diz que "tudo o que no operário aparece como ativi-dade de alienação, de estranhamento. aparece no não ope-rário como estado de alienacão, de estranhamento" (K.Marx, "Manoscritti Economico-Filosofici dei 1844, p. 86).Ainda mostrando esse duplo estranhamento (operário ecapitalista) ele diz que é natural que o capitalista "se sintaà vontade nestas formas estranhadas e irracionais do capi-ta!..." pois isso "corresponde ao interesse da classe domi-nante ..." (K. Marx, 11Capitale, V. III, "I Redditi e Le LoroFonti, p. 944. o grifo é nosso). Sérgio Lessa mostrando aanálise ontológica do estranhamento em Lukács mencionaque "tanto o burguês como o operário são o resultado doprocesso do estranhamento globaL." nos dois casos "a vidaé igualmente carente de sentido, é uma vida medíocre,estranhada" (Sérgio Lessa, Op. Cit., p. 111).

(26) Lukács faz uma distinção entre posições teleológicas pri-márias que são aquelas referentes, diretamente, à esferado trabalho. e posições teleolõgice« secundárias que sãoaquelas referentes às ações dos homens geradas a partirdos complexos aí decorrentes, ou seja, à superestrutura.(\"er Lukács, Op. Cit., Vol. 11·, "lI Lavoro", e Vol. 11", -n. íomenro Ideale e L'ideologia" ).Lukács. Op. Cit., L'estraniazione, p. 571/572.

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Já dissemos que a alienação é um momentonecessário ao processo de objetivação; porém a for-ma como ela retroage sobre os indivíduos ocorre demodo totalmente diversificado, podendo comportarestranhamentos e comportamentos totalmente di-versos. Os conflitos com que defrontamos como in-divíduos tornam necessária "uma tal alternativaindividual" a qual pode ser respondida com ato desubmissão ou rebelião, isto vai depender de comoessas contradições recaem sobre os indivíduos. Issovem comprovar "o caráter não teleolõgico do de-senvolvimento social global..."(Z8>,ao mesmo tempoem que afirma o caráter histórico, processual doestranhamento que, por sua vez, se manifesta de "for-ma pluralista". Isso significa dizer que se dão com-plexos dinâmicos de estranharnentos e de tentativassubjetivas, conscienciosas, de superá-los e que taiscomplexos são qualitativamente diversos entre si.Lukács menciona que o estranhamentos singularespossuem no plano ontológico uma" tão ampla auto-nomia recíproca, que na sociedade são frequentes aspessoas que, enquanto combatem os influxos estra-nhados num complexo do seu ser, aceitam, por ou-tro lado, outros complexos sem opor qualquerresistência". A exemplo disso, cita o fato de homensque lutam com paixão contra o próprio estranha-mento de trabalhadores, no movimento operário •mas na vida familiar estranham tiranicamente as sumulheres, terminando assim por favorecere r um novoestranhamento de si rnesmos'V",

Mas isso não implica de modo nenhum umsubjetivismo, "uma contraposição entre personali-dade e sociedade", como entendem certas correntesfilosóficas e psicológicas, uma vez que a personali-dade dos homens "em todos os seus níveisevolutivos, em todos os seus modos de exprimir-se ...é uma categoria ontológico-social: o indivíduo é umente social"?". Portanto o processo primário impostopelo desenvolvimento das forças produtivas gera noshomens diferentes posições e o modo de reagir oucumprir tais posições vai resultar das diferentes ca-pacidades individuais. Diz Lukács: "Existe umacerta espontaneidade, induzida pela produção, nomodo em que as capacidades singulares são postasentre si... A partir de tais interações surgem semdúvidas diferenças individuais, com traços pessoaisbem visíveis ... tudo isso se desenvolve no nível dageneridade em-si'V!'. No entanto é na base destas(28) Lukács, Idem, p. 582.(29) Lukács. Idem, p. 588.(30) Lukács, Idem, p. 613 e 610.(31) Lukács, Idem, p.589 .

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ínteses pessoais que se desenvolve o indivíduo não-mais-particular, dado que as lutas para enfrentar osconflitos que daí derivam podem tornar-se portado-ras de progresso social. Em suma, o influxo destesconflitos sociais não deve jamais ser visto como so-

ente egativo, como estranhante., porque, segundo Lukács, é preciso evi-

reeonceitos de que, por um lado, o estranha-;:C_lu""" seria fatal, inevitável, no entanto tal concepção

espaldo nas ideologias das classes domi-e consideram o estranhamento um fenô-do por natureza"; por outro lado, cai-se

- --;'0 oposto, ou seja, o de se acreditar que, com- earo do socialismo, o estranhamento seria eli-

totalmente da vida humana'l". É certo_ - _ partir de um dado período, todo estranha-

rem bases econômicas, o que suscita umaça precisa de sua estrutura; porém todo

escraanamenro, embora nascendo sobre essa base, ée mais nada um fenômeno ideológico, por-superação subjetiva só pode realizar-se, na

~-'-""'"••..como ato do próprio indivíduo. A exemplo. Lukács menciona que pode haver o fato de

teorizarem a essência do estranhamento e.CC·~.:..i..!.lUleceremestranhadas na sua conduta de vida.:=: • :eciso, portanto, para que o momento subjetivo

tranhamento seja superado, que o indivíduoposições práticas corretas "em questões em

.,._:: ele mude, em termos efetivos, práticos, o pró-modo de reagir aos fatos sociais ..."; em ques-

ões em que ele mude "a sua atitude para com a~ pria conduta de vida e para com os outros ho-

i'(33). Em suma, o influxo dos conflitos sociais-::-0 deve jamais ser visto somente como estra-

te"?", de formas que existem tendências emreção ao para-si, ao não-mais-particular; todavia

e ocorrer o oposto. Percebe-se, então, umadissolúvel ligação e, ao mesmo tempo, a contra-

- ão prático-humana entre as determinações sociais.. individuais no campo do estranhamento'Y".

Observe: antes do sistema capitalista houve outras formas deestranhamentos, assim como outras formas virão. Trata-se deuma processual idade constituída pelo próprio devir do ho-mem na busca e construção de novas sociabilidades.(verLukács, L'estraniazione, p. 611 a 612 e 615 a 616).Lukács, Op. Cit., p. 612.Lukács, Idem, p.589. (observe que na p.572 Lukács menci-ona que não se deve conceber o estranhamento "como oúnico esquema conflitual ou absolutamente central do de-senvolvimento da sociedade. O estranhamento é apenas umdos conflitos sociais, ainda que de grandiosa importância".)

- Lukács, Idem, p.590.

Educação em Debate - Fortaleza - Aro 17/18 - n2 29-30-31 e 32 de 1995 - p. 15-20

Resumindo as nossas considerações podemos

reafirmar que o incidir do estranhamento sobre ohomem não é natural, nem tampouco linear. Existe,pois, um indissolúvel entrelaçamento entre o pesso-al e o social, ambos influindo um no OUtro. Não setrata, portanto, de uma determinação puramentesubjetiva ou objetiva.

Então, a partir da vida cotidiana, pode-sechegar a graus superiores de luta para se combater oestranhamento no capitalismo. É certo que a contra-dição dialética que se exprime como estranhamento- desenvolvimento das capacidades e a depreciaçãoda personalidade - pode levar a uma interpretaçãoerrônea acerca dessa categoria, como sendo deterrni-nisticamente um fenômeno natural. Porém Lukácsressalta que a forma como esse fenômeno retroagenas individualidades é diferente. Daí as diversas re-ações, lutas ou comodismos. O caminho a se trilharpara chegar a um domínio mais geral, em termos deluta, de superação da sociabilidade estranhada, comoocorre no capitalismo, é assunto de um novo enfoquesobre esse tema .

O que quisemos ressaltar aqui foi a distinçãodos termos objetivação, alienação e estranhamento,bem como demonstrar, na ótica lukacsiana, que esteúltimo não é um fenômeno natural e sim social eque se deve lutar para sua superação, embora, apósisso, possam ocorrer novas formas de estranha-mento; porém o homem estará em um nível maisalto como está agora em relação ao sistema feudal.

Para concluir ressaltamos aqui uma afirma-ção de]. Chasin: "O homem e o seu mundo são pro-duções de seu gênero - a interatividade universal emutante dos indivíduos em processualidade infini-ta, que tem por protoforma o trabalho - a atividadeespecificamente humana, porque consciente e vol-tada a um fim. Único ser que trabalha, através dasucessão e multiplicidade de seus fins básicos eimediatos, constitui igualmente a si mesmo, nãoimporta quão radicalmente contraditória e, de fato,cruel, perversa e mutiladora seja a maior parte dessatrajetória sem fim"?",

(36) J. Chasin, "Marx - Estatuto Ontológico e ResoluçãoMetodológica", IN: Francisco José S. Teixeira, Pensandocom Marx, p. 392.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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