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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. Ofício de escrita em Raul Brandão Autor(es): Claúdio, Mário Publicado por: Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/35069 Accessed : 5-Jul-2021 16:38:42 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

Ofício de escrita em Raul Brandão · 2015. 1. 6. · 163 MÁRIO CLAÚDIO OFÍCIO DE ESCRITA EM RAUL BRANDÃO Que escritor nenhum é menos o que pretende do que tudo e só quanto

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    de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste

    documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por

    este aviso.

    Ofício de escrita em Raul Brandão

    Autor(es): Claúdio, Mário

    Publicado por: Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa

    URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/35069

    Accessed : 5-Jul-2021 16:38:42

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    MÁRIO CLAÚDIO

    OFÍCIO DE ESCRITA EM RAUL BRANDÃO

    Que escritor nenhum é menos o que pretende do que tudo e só quanto pode ser,

    credo, derramado por uma obra não apenas dele, mas contra ele falando.Caberia aqui discorrer sobre as contradições da sinceridade, isto é, sobre se pode ainda ser sincero o que quer que nasça do propósito de o ser.Sincera como poucas é esta amálgama de linhas, a que exclusivamente preside a tumultuária

    porventura má – consciente de si, com certeza aspirante aos paradigmas de que se vê – e diz pretender-se – afastada.Comecemos por surpreender-lhe a morfologia, daí partindo para lhe detectarmos impulsos e exigências, códigos e ideais.E, desde logo, o exercício da fragmentação sintomatiza, no nosso autor, uma bem demarcada atitude perante o ofício escrevente. Tudo se manifesta, pois, nessa causalidade entre a posição moral que postula uma estética e a teoria plástica que recorta a silhueta de um regulamento ético de trabalho.E ora o estilhaçado do texto surge como condição de sua qualidade e de sua insondabilidade metafísica (“A sua vida, a sua alma, ele a estatela nas páginas esfarrapadas do livro que segue e que deixou escrito”. – A Morte do Palhaço), ora como vislumbre de um paraíso antes da queda, explicativo do absurdo da vida e dos textos (“Todas as folhas que deixou são encadeadas de pedaços amargos onde por vezes luz o oiro da quimera”. – A Morte do Palhaço).Esta operação é apenas a necessária a um ser que, como o demiurgo K. Maurício – à imagem e semelhança de seu próprio demiurgo, Raul Brandão -, “tem gestos arrepelados na frase, com ímpetos de energia, e logo cai exausto”, (A Morte do Palhaço).Mas nem só nos terrenos d amoral e da estética deverá a questão ser colocada. Não foi só

    dúvida – enormemente difusa, difuso como era o homem e o escritor. É também de uma

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    desabafos que alguns recolheram.Ele, que explodiu: “Detesto a acção”, (Memórias, I vol.), abjurará do emblemático escritor de carteira, de “couvre-pied” e dicionário, e resguardar-se-á - não apenas de corpo, mas de alma – das pequenas deformações que sempre o projectam em caricatura. Assim o veria Aquilino Ribeiro, manipulando “caneta de anilha com borracha para evitar o calo do escrivão” (Camões, Camilo, Eça e alguns mais); assim se via ele próprio, único em sua

    (“Falta lógica nas minhas páginas, a lógica banal de todos. Eu não tenho, muitas vezes,

    recolhidas por Augusto Casimiro).A essa pressa pertence a responsabilidade pela “imperfeição”, a parcelação e o improviso: dela se retiram as iniludíveis provas da renovação da existência.Mas este homem tão seguro da sua lateralização, olhará sempre com incoercível nostalgia a imagem renegada da estabilidade operante: desfar-se-á em desculpas, esgotar-se-á em emulações, inconformar-se-á com a sorte que lhe coube e na qual proclama o seu orgulho de “homo faber”.

    de Raul Brandão recolhidas por Augusto Casimiro); quem sente que “é preferível a irregularidade, o tumulto vivo e ardente, à maior harmonia e equilíbrio em que a sinceridade

    jogado, haverá de enfrentar os espectros da desordem e da morte (“Eu hoje escrevo muito mal, tenho nos ouvidos sempre esta zoeira, e não me larga a ideia de que endoideço…” – AMorte do Palhaço.

    Arcanjo de Luz.E é nesta selva escura que Raul Brandão se perde, sem guias nem Beatrizes.Dirá: “Esta maneira que tenho de escrever aos golpes, inquieta-me até. E há quem escreva tão bem!” (A Morte do palhaço).

    que “foi talvez feliz, foi decerto feliz (…), que acabou com um tiro na cabeça, deixando (…) os seus papéis – notas, projectos, um diário, um esboço de novela e certas páginas singulares. Matou-se por um fantasma”. (A Morte do Palhaço); continuará invejando embora “os que se levantam pensando com obstinação nos seus livros”. (Vale de Josafat).Ferido, como todos os criadores transtornados, na formação e manifestação de sua vontade, o autor do Húmus apontar-nos-ia mais do que um caminho – indeciso entre si e a sua sombra, artista do perigo violentamente tentado pelo artesão da certeza. (Jornal de Notícias, 10/03/1981)