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I – CEFALEIAS PÉRICLES MARANHÃO-FILHO DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS As cefaleias encontram-se atualmente entre as mais ativas áreas da investigação científica. Pesquisas clínicas e experimentais, além novas técnicas de abordagem aos pacientes somadas a modernos medicamentos, têm promovido um verdadeiro upgrade na compreensão da in- timidade da dor e melhorado a qualidade de vida de seus sofredores. A importância de se tentar entender as cefa- leias também pode ser aquilatada pelos se- guintes aspectos: 95% das pessoas apresen- tam cefaleia em algum momento de suas vi- das. Cerca de 10% dos indivíduos com dor de cabeça são enxaquecosos. Uma entre 30 pes- soas vive mais tempo com cefaleia do que sem ela pelo período de 6 meses ou mais. Cerca de 90% dos pacientes que procuram atendimento em clínicas especializadas apresentam algum tipo de cefaleia primária. As cefaleias ocupam lu- gar de destaque entre as vinte causas mais fre- quentes de atendimento no consultório médico e no atendimento ambulatorial-hospitalar. Cefa- leias primárias predominam em frequência em qualquer centro especializado. Curiosamente, ao contrário do que muitos pensam, as causas graves de cefaleia são raras, correspondendo apenas a cerca de 0,1% de todas as cefaleias do atendimento primário. Este capítulo tem como intuito principal rever alguns aspectos das cefaleias em geral, dando maior ênfase no reconhecimento das mesmas pela história (anamnese das cefaleias), e no quadro clínico daquelas prevalentes. A cefaleia na emergência também é abordada assim como algumas cefaleias inusitadas. CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIAS Ainda no século II, o enxaquecoso Aretaeus da Cappadocia idealizou a mais antiga classifi- cação compreensiva das cefaleias primárias (dores fracas, pouco frequentes e de duração li- mitada; dores mais fortes, duradouras e difíceis de tratar; e uma terceira variedade a qual de- nominou de “heterocrania” – dor de um lado da cabeça). Considerou, portanto, ainda naquela época, diferenças quanto à duração, local e in- tensidade da dor. Tais aspetos compõem boa parte do essencial para o diagnóstico das cefa- leias, e o cerne das classificações idealizadas posteriormente (Maranhão-Filho, 2002). Outras tentativas de ordenação e classifi- cação surgiram ao longo do tempo. Em 1962, um Ad Hoc Committe presidido por Arnold Friedman criou uma classificação que apesar de se utilizar de termos vagos e imprecisos, manteve-se em vigor por mais de ¼ de século. Em 1985 a International Headache Sociaty (IHS), criou um comitê presidido pelo dinamar- quês Jes Olensen, 1988, visando formular um sistema de classificação de cefaleias mais ade- quado. Após 3 anos de estudos e discussões en- volvendo 11 subcomitês com especialistas de diversos países, foi criada a primeira Classifica- ção Internacional das Cefaleias e Algias Faciais, com um grande diferencial – critérios diagnósti- cos operacionais. Foram identificadas 12 catego- rias maiores de cefaleias divididas em dois gran- des grupos: as cefaleias primárias (Categorias DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS · 1187

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I – CEFALEIAS

PÉRICLES MARANHÃO-FILHO

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICASAs cefaleias encontram-se atualmente entreas mais ativas áreas da investigação científica.Pesquisas clínicas e experimentais, além novastécnicas de abordagem aos pacientes somadasa modernos medicamentos, têm promovidoum verdadeiro upgrade na compreensão da in-timidade da dor e melhorado a qualidade devida de seus sofredores.

A importância de se tentar entender as cefa-leias também pode ser aquilatada pelos se-guintes aspectos: 95% das pessoas apresen-tam cefaleia em algum momento de suas vi-das. Cerca de 10% dos indivíduos com dor decabeça são enxaquecosos. Uma entre 30 pes-soas vive mais tempo com cefaleia do que semela pelo período de 6 meses ou mais. Cerca de90% dos pacientes que procuram atendimentoem clínicas especializadas apresentam algumtipo de cefaleia primária. As cefaleias ocupam lu-gar de destaque entre as vinte causas mais fre-quentes de atendimento no consultório médico eno atendimento ambulatorial-hospitalar. Cefa-leias primárias predominam em frequência emqualquer centro especializado. Curiosamente,ao contrário do que muitos pensam, as causasgraves de cefaleia são raras, correspondendoapenas a cerca de 0,1% de todas as cefaleiasdo atendimento primário.

Este capítulo tem como intuito principal reveralguns aspectos das cefaleias em geral, dandomaior ênfase no reconhecimento das mesmaspela história (anamnese das cefaleias), e noquadro clínico daquelas prevalentes. A cefaleiana emergência também é abordada assim comoalgumas cefaleias inusitadas.

CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIASAinda no século II, o enxaquecoso Aretaeus

da Cappadocia idealizou a mais antiga classifi-cação compreensiva das cefaleias primárias(dores fracas, pouco frequentes e de duração li-mitada; dores mais fortes, duradouras e difíceisde tratar; e uma terceira variedade a qual de-nominou de “heterocrania” – dor de um lado dacabeça). Considerou, portanto, ainda naquelaépoca, diferenças quanto à duração, local e in-tensidade da dor. Tais aspetos compõem boaparte do essencial para o diagnóstico das cefa-leias, e o cerne das classificações idealizadasposteriormente (Maranhão-Filho, 2002).

Outras tentativas de ordenação e classifi-cação surgiram ao longo do tempo.

Em 1962, um Ad Hoc Committe presididopor Arnold Friedman criou uma classificaçãoque apesar de se utilizar de termos vagos eimprecisos, manteve-se em vigor por mais de¼ de século.

Em 1985 a International Headache Sociaty

(IHS), criou um comitê presidido pelo dinamar-quês Jes Olensen, 1988, visando formular umsistema de classificação de cefaleias mais ade-quado. Após 3 anos de estudos e discussões en-volvendo 11 subcomitês com especialistas dediversos países, foi criada a primeira Classifica-ção Internacional das Cefaleias e Algias Faciais,com um grande diferencial – critérios diagnósti-cos operacionais. Foram identificadas 12 catego-rias maiores de cefaleias divididas em dois gran-des grupos: as cefaleias primárias (Categorias

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1-4) e as cefaleias secundárias (Categorias5-12). As cefaleias primárias, cujas etiologiassão desconhecidas e seus mecanismos etiopa-togênicos incertos, foram consideradas de acor-do com o perfil dos sintomas apresentados(neste aspecto, pouco diferindo da classificaçãode Friedman de 1962).

No Congresso da IHS de 2004 em Roma, foiapresentada uma revisão desta Classificação,sendo este o modelo atualmente adotado:International Classification of Headache Di-

sorders (ICHD) da International Headache So-

ciety [IHS 2004].

Na primeira parte, quatro grupos de cefa-leias compõem às denominadas cefaleias pri-márias: Enxaquecas (migrâneas), Cefaleias doTipo-Tensão, Cefaleias em Salvas (outras Cefa-leias Trigemino Autonômicas – TAC’s), e umconjunto diversificado de dores denominadooutras cefaleias primárias. As cefaleias secun-dárias vêm a seguir, e na terceira e última par-te, as “Neuralgias craniais, dores faciais cen-trais e primárias e outras cefaleias”, são con-sideradas (Tabela I).

ANAMNESE DAS CEFALEIAS

As cefaleias primárias são doenças de etio-logia desconhecida, cuja intimidade fisiopato-lógica ainda não está totalmente esclarecida.Não possuem marcadores diagnósticos bioquí-micos e nem de imagem. O diagnóstico, por-tanto, deve ser feito ouvindo-se atentamente ahistória, uma vez que os exames físico e com-plementares, na maioria dos casos, são inex-pressivos.

Beckman et al. (1984), deram-se o trabalhode aferir um dado no mínimo curioso, ou seja,que a média de tempo permitido a um pacientecontar a história de sua dor de cabeça antes deser interrompido pelo médico é de 18 segun-dos! E que menos de 25% dos pacientes aomenos consegue dizer seu endereço completo.Por outro lado, quando é permitido aos pacien-tes contar sua história sem ser interrompido,eles usualmente não ultrapassam os 150 se-gundos. Portanto, os médicos que interrom-pem o discurso espontâneo além de prejudica-rem a relação médico-paciente ganham emmédia, pouco mais de 2 minutos no tempo deuma consulta.

Diferente das cefaleias primárias, as cefa-leias secundárias trazem quase sempre na suahistória, no exame físico, ou nos resultados dosexames complementares, sinais indicativosde algum processo causal subjacente.

Os alicerces do diagnóstico das dores decabeça – como de qualquer condição médica –baseiam-se em três etapas: anamnese; exa-me físico (ver a Tabela II); e exames comple-mentares.

Considerando-se que o diagnóstico das cefa-leias deve ser estruturado no que ouvimos dospacientes, ou seja, pelos dados obtidos naanamnese, considere 10 perguntas-chave (Ta-bela III) referentes a diferentes aspectos da dore que, de acordo com as respostas, pode-se tra-çar o perfil, e até mesmo, praticamente firmar odiagnóstico não apenas das cefaleias primárias(enxaquecas, cefaleias tipo-tensão [CT-T], ce-faleias em salvas [CS] e outras cefaleias trigêmi-no autonômicas [CTA’s], mas de boa parte dosoutros tipos de dores de cabeça encontrados naprática diária (Maranhão-Filho, 2006).

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TABELA I – International Classification of HeadacheDisorders, 2nd edition (Adap. [4])

Primeira Parte: cefaleias primárias

1. Enxaqueca2. Cefaleia do tipo-tensão3. Cefaleia em salvas e outras cefaleias trigêmino-

autonômicas4. Outras cefaleias primárias

Segunda Parte: cefaleias secundárias

5. Cefaleia atribuída a traumas de crânio e cervical6. Cefaleia atribuída à desordem vascular cranial ou

cervical7. Cefaleia atribuída à desordem cranial não vascular8. Cefaleia atribuída a substâncias ou sua retirada9. Cefaleia atribuída à infecção10. Cefaleia atribuída à desordem da homeostase11. Cefaleia ou dor facial atribuída a desordens do

crânio, pescoço, olhos, ouvido, nariz, seios, dentes,boca, ou outras estruturas craniais ou faciais

12. Cefaleia atribuída a desordens psiquiátricas

Terceira Parte: neuralgias craniais, dor facialcentral e primária, outras cefaleias

13. Neuralgia cranial e causas centrais de dor facial14. Outras cefaleias, neuralgia cranial, dor facial

central ou primária

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TABELA II – Exame físico do paciente com cefaleia

DEZ ITENS

1. Exame das orelhas, do meato acústico externoe das mastoides

Há eritema, dor à palpação do tragus, secreção nomeato acústico externo ou aumento do volume daorelha? Atenção para presença de hematomas(sinal de Battle – equimose retroauricular)Convém observar as membranas timpânicas

2. Palpação da articulação temporomandibular,mobilidade e ruídos

Há dor à mobilização da articulaçãotemporomandibular? Está preservada a mobilidadeativa e passiva e os movimentos de didução(movimentos laterolaterais)? Apresenta ruídos(cliques) ou limitação na abertura da boca?

3. Inspeção, palpação e eventual percussão dosdentes

Apresenta cáries? Há falhas na dentição ou prótesesmal ajustadas?

4. Palpação da projeção dos seis frontais eparanasais

Palpe a região dos seios paranasais e frontaisVerifique se apresenta dor nas mudanças deposição da cabeça

5. Inspeção e palpação dos olhos sobre aspálpebras. Fundoscopia

Apresenta estrabismo? Dor à mobilidade ocularespontânea? Possui globos oculares endurecidos oudoloridos à digitopressão? Apresenta alterações aoexame do fundo de olho?

Na investigação diagnóstica das cefaleias, todo examinador necessita dispor de pelo menoscinco pré-requisitos básicos, a fim de levar a contento sua tarefa:

1) Conhecimento, para saber o que procurar.2) Inteligência, para poder interpretar o que encontrar.3) Paciência, para cativar e obter a colaboração do paciente.4) Atenção, para captar todos os detalhes, mesmo os mais sutis; e5) Tempo, para melhorar sua acurácia.

TABELA II – Exame físico do paciente com cefaleia(Cont.)

DEZ ITENS

6. Inspeção e palpação do couro cabeludo

Há aumento de volume e/ou depressões localizadasna cabeça? Queixa-se de dor pontual?

7. Palpação das artérias temporais e vasoscervicais

Possui artérias craniais endurecidas e dolorosas?São pulsáteis mas assimétricas? Dor à compressãodas artérias carótidas? Ouvem-se sopros ousentem-se frêmitos?

8. Compressão das emergências dos nervos docrânio e da face

Atenção especial para os nervos: occipital maior emenor, supraorbital, infraorbital e mentoneano

9. Sinais de irritação meningorradicular (sinaisde Kernig e Brudzinski)

Lembre-se que o sinal de Kernig pode serexaminado com o paciente sentado, apenasestendendo a perna. Aproveite e verifique tambéma amplitude de movimento ativa laterolateral dacabeça

10. Palpação dos músculos e apófises cervicais

Palpe as eminências ósseas cervicais e mobilize opescoço. Procure pontos dolorosos na musculaturados ombros

TABELA III – Cefaleias – 10 Perguntas-Chave

Início Frequência Duração Local Qualidade

Quantidade Fatores associadosPrecipitaAgravaAlivia

Como játratou

O que achaque tem?

(Continua)

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A maioria das histórias de dor de cabeçacontém algo que é estranho ou surpreenden-te, e são esses detalhes que animam o que deoutra forma pode ser apenas um conjunto ro-tineiro de perguntas (Weatherall, 2007).

ANAMNESE DAS CEFALEIAS

DEZ PERGUNTASFUNDAMENTAIS E POR QUÊ

1. Há quanto tempo sofre de dores decabeça?

Queremos saber com isso sobre o início dador. Trata-se de sintoma agudo ou crônico? Ascefaleias primárias são doenças paroxísticas ecrônicas. Habitualmente, os sofredores destetipo de cefaleias nos contam relatos de crisesque já ocorrem há muitos e muitos anos. Umbom lembrete: cefaleias crônicas com interva-los assintomáticos nos quais os exames clínicoe neurológico são normais, muito provavel-mente correspondem a cefaleias primárias.Alguns especialistas consideram que o tempode doença (de dor) não é importante para odiagnóstico das cefaleias primárias, uma vezque tal aspecto não faz parte dos últimos cri-térios estabelecidos para as mesmas. Consi-deramos, porém, que dor de cabeça, seja qualfor, é antes de mais nada um sintoma, e comotal deve ter o seu tempo de início estipulado,nem que seja para diferenciarmos condiçõesagudas das subagudas ou crônicas.

2. Qual a frequência das dores de ca-beça?

São diárias, semanais, mensais ou anuais?

A frequência ou periodicidade estabelecese as cefaleias são episódicas (pelo menos al-guns dias sem dor entre as crises), ou se a dorse apresenta na maior parte do tempo (che-gando a ser quase diária). As enxaquecas semaura tendem a ocorrer pelo menos 1 ou 2 ve-zes ao mês. Enxaquecas com aura costumamser mais raras. As cefaleias tipo-tensão (CT-T)episódicas são mais frequentes e duradouras.Na forma crônica da CT-T a dor ocorre mais de15 dias no mês. A cefaleia em salvas (CS) ca-racteristicamente apresenta padrão sazonalcom períodos sintomáticos de alguns meses, e

fases livres de dor que podem durar por mui-tos meses ou até mesmo anos. Vale lembrar,que em um contingente significativo depacientes com CS suas crises iniciam-se du-rante o sono, seja ele diurno ou noturno.

3. Quanto tempo demora a crise?

A duração é de segundos, minutos, horasou dias?

O tempo de duração da dor em cada umdos tipos principais de cefaleias primárias ébastante variável. Na enxaqueca – por critério– dura de poucas horas a até 3 dias. Na CSpermanece em média 40 minutos, ocorrendodiariamente por um período de meses. Já naCT-T episódica as crises de dor são mais dura-douras e podem permanecer de 30 minutos aaté 1 semana.

4. Onde dói?

É importante assinalar o local de início dador e a região onde é mais intensa. Nas enxa-quecas, embora prevaleça o conceito de unila-teralidade da dor, este aspecto não constituicritério obrigatório, podendo a mesma surgirem ambos os lados da cabeça em uma mesmacrise. Na CS, a dor é sempre unilateral, e namaioria das vezes orbitofrontal. Já na CT-T epi-sódica costuma ser holocranial e muitas vezesbilateral com o incômodo predominando princi-palmente na nuca ou região occipital bilateral.Arterite de células gigantes costuma doer demodo pontual, geralmente nas regiões tempo-rais. No processo expansivo intracranial, a dornão apresenta local definido.

5. Qual a qualidade da dor?

A dor é pulsátil, pesada, compressiva ouem faixa?

Diversos são os tipos e expressões utiliza-das pelo pacientes quanto à qualidade de suasdores de cabeça – pulsátil, latejante, marte-lando, apertando, pesando, espetando, furan-do, queimando etc. Procure utilizar sempre asexpressões que o paciente está mais familiari-zado. Nas enxaquecas a dor costuma ser –embora nem sempre – de caráter pulsátil oulatejante. Alguns pacientes afirmam que sa-bem que “ela está vindo” porque começam asentir um “leve latejar em uma das têmpo-ras”. Os enxaquecosos crônicos e já habitua-dos com suas crises, não se iludem com este

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sintoma leve, pois sabem que não passa dabrisa que geralmente antecede a uma grandetempestade.

Na CT-T episódica, a dor apresenta-se ha-bitualmente como pressão ou peso, e diversospacientes também referem uma sensação de“garra” apertando a região cervical posterior.A queixa “como uma faixa apertando todo ocrânio”, não é incomum. Nos casos de CS, ador por si só já nos faz suspeitar do diagnósti-co. É muito frequente ouvir-se a queixa de“um furador de gelo penetrando no olho”, ouentão que, “durante a crise, é como se tivessealgo querendo arrancar meu olho”.

6. Qual a “quantidade” da dor?

No sentido de se aferir parâmetros objeti-vos a um fenômeno subjetivo e imensurávelcomo a dor, considera-se de modo geral que:se a intensidade da dor é fraca, o indivíduonão deixa de realizar suas tarefas da vida diá-ria. Se a intensidade for moderada, atrapalhasuas atividades de trabalho, de lazer ou sociais.E na forma grave, a dor impede qualquer ati-vidade. Sabemos perfeitamente que tanto aenxaqueca quanto a CT-T episódica, podemapresentar moderado espectro de intensida-de. Em decorrência disto, quando considera-mos apenas este aspecto (intensidade dador), pode surgir dificuldade na distinção en-tre ambas as condições. Nas crises de enxa-queca, as dores são geralmente moderadasou intensas, embora possam ter se iniciadocom dor fraca. Na CT-T episódica as dores sãosempre de fraca a moderada intensidade. Me-rece menção especial o fato de que na CS, asdores, na maioria das crises, atingem limiaresquase insuportáveis. Não podemos esquecerque neste caso específico de cefaleia, a dor detão intensa faz com que vários de seus sofre-dores pensem até mesmo em eliminar aprópria vida!

7. Se houver, quais são os fatores as-sociados?

Aqui é onde encontramos aspectos diferen-ciais marcantes na distinção das cefaleiasprimárias. Nas enxaquecas, faz parte dos crité-rios, náusea e/ou vômitos, ou fotofobia e fo-nofobia. O comportamento do sofredor é detentar recolher-se em um ambiente escuro e

silencioso. Já nos casos de CS, chama a aten-ção, e este é um aspecto diagnóstico essencial(faz parte dos critérios diagnósticos), o fatode o indivíduo se comportar durante a crise,com extrema inquietação, andando de umlado para o outro enquanto aperta fortementeo olho dolorido com uma das mãos, ou atémesmo, batendo – literalmente – com a cabe-ça de encontro a parede. Associam-se, ainda,sinais autonômicos exuberantes constituídospor lacrimejamento, vermelhidão ocular, ede-ma da pálpebra, redução da rima palpebral,miose, rinorreia ou constipação nasal. A inten-sidade da dor, o padrão de comportamento eos sinais associados são tão marcantes e este-reotipados que tornam a CS ímpar e até certoponto fácil de ser diagnosticada.

Contrastando com esta exuberância decomportamento e de sinais autonômicos asso-ciados, encontramos a CT-T episódica que éparca em termos de coadjuvantes, sejam elesautonômicos ou não.

Aqui vale um comentário sobre o único sin-toma considerado patognomônico da enxa-quec: a aura. Trata-se de um fenômeno neu-rológico focal que precede ou mais raramenteacompanha a cefaleia enxaquecosa. Há francopredomínio da aura visual, escotomas ou cin-tilações, sobre as outras formas de aura (p.ex., sensitiva). No universo de enxaquecosos,a enxaqueca sem aura acomete cerca de 64%dos sofredores. A associação de enxaquecasem aura e com aura ocorre em cerca de 18%,a enxaqueca com aura em 13%, e a presençada aura sem a dor da enxaqueca ocorre emsomente 5% dos pacientes (Silberstein et al.,2001).

8. Quais os fatores precipitantes, agra-vantes e atenuantes?

O que precipita?

Questione especificamente sobre: estressefísico e/ou emocional, alimentos ou bebidas,privação ou excesso de sono.

Discute-se há muito a possibilidade de quedeterminados tipos de alimentos ou bebidaspossam desencadear crises de enxaqueca. Em-bora não haja comprovação científica para talafirmativa, na prática, observamos que muitospacientes se queixam de terem suas crises de-

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sencadeadas após a ingestão de queijos, choco-lates, alimentos condimentados, frutas cítricase vinho tinto. Alterações climáticas também jáforam reputadas como fatores desencadeantes.É necessário ressaltar que fator precipitante oudesencadeante de crises, não deve de maneiranenhuma ser confundido com a causa da doen-ça ou a origem da mesma.

A privação do alimento, assim como a pri-vação ou excesso de sono, certamente preci-pitam crises nos pacientes predispostos. Tam-bém a queda brusca dos níveis de estrogêniodurante o ciclo menstrual funciona como de-sencadeante. Traumatismos de crânio, mes-mo de fraca intensidade, podem precipitar osurgimento de franca crise de enxaqueca. Cu-riosamente, nos enxaquecosos a fase pós-es-tresse (“quando tudo já passou”), desencadeiamais crises do que propriamente durante afase aguda do estresse.

Nos casos de CT-T episódica, o estresse –físico ou emocional – representa o precipitan-te mais famoso.

Ainda é obscuro o mecanismo subjacenteao ciclo circadiano das crises de CS. Porém, éconhecido o fato de que o uso de bebidas al-coólicas funciona como precipitante de crisesquando se inicia a fase sintomática desta doen-ça. Mudança de posição deitado para de pé ousentado, é o fator desencadeante mais notá-vel nas cefaleias por baixa de pressão do líqui-do cefalorraquidiano.

O que agrava?

Na maioria das vezes, nas cefaleias primá-rias, a tendência natural da dor, uma vez ins-talada, é de agravar sua intensidade caso nãoseja tratada de modo adequado.

Entretanto, por definição e critério, crisesde enxaqueca podem agravar-se pelo esforçofísico habitual como o simples ato de caminharou subir escadas. Ruídos, odores e a luminosi-dade são conhecidos agentes agravantes dasenxaquecas. Vale lembrar que situações deestresse podem exacerbar qualquer as cefale-ias primárias.

O que alivia?

Mesmo sem considerarmos o tratamentomedicamentoso sintomático e profilático, sa-be-se que alguns fatores aliviam as dores das

cefaleias primárias. Hipócrates foi o primeiro achamar atenção para o fato de que os vômitosaliviavam o sofrimento dos enxaquecosos.Embora o sono, quando em excesso e nos pa-cientes predispostos, possa precipitar crises,eventualmente pode atuar como analgésico,tanto nos enxaquecosos quanto nos pacientescom CT-T episódica.

9. O que já fez para tratar?

Procure saber quais providências o pacien-te tomou (medidas físicas ou medicamento-sas), se procurou algum profissional de saú-de. Questione e anote quais foram os trata-mentos abortivos e/ou profiláticos já efetua-dos e quais os seus resultados. Considerecada um dos fármacos utilizados, não apenasquanto à dose empregada, mas também –principalmente profiláticos – em relação aotempo de uso.

Além disso, o paciente faz uso de algummedicamento que possa contribuir para cau-sar cefaleia? Contraceptivo oral, dipiridamol?Faz uso abusivo de analgésicos? (usa analgé-sico comum – de venda livre – mais de 3 vezesna semana?). Utiliza drogas (ditas) recreacio-nais?

10. O que acha que tem?

Não podemos esquecer que a maioria dospacientes que apresentam cefaleia crônica seconsidera sofredor de uma condição grave oumaligna ainda não diagnosticada. É funda-mental saber qual a sua principal angústia emrelação à cefaleia.

Um conselho: não finja estar ouvindo seudoente. Escute-o de verdade! Ouça a históriavalorizando os aspectos mais importantes danarrativa e considerando seriamente as ex-pectativas individuais de cada paciente. Lem-bre-se que pouco adianta tranquilizá-lo dainexistência de um tumor cerebral se o receiofor o de ter tido “um derrame” ou de serpossuidor de um aneurisma.

Além destas 10 perguntas consideradas es-senciais, como complementação anamnésti-ca, solicite informações a respeito da irradia-ção da dor – aspecto importante nas cefaleiasque têm origem no pescoço – e se a dor se ex-pressa de modo superficial ou profundo. Lem-bre-se que a neuralgia herpética acometendo

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terminações V1 do nervo trigêmeo, pode pro-vocar dor em queimação na cabeça, eventual-mente, antes do surgimento das vesículascaracterísticas.

CEFALEIAS PRIMÁRIAS

EnxaquecaEnxaqueca é uma doença paroxística de

etiologia desconhecida, com componente ge-nético (já evidenciada em algumas formas),polimorfa, desencadeada por diversos fatorese cujos sinais e sintomas envolvem diversasfases (Davenport, 2008).

a. Fase prodrômica: acomete 1 em 10 pacien-tes, habitualmente ocorrendo 24 a 48 ho-ras antes da fase de dor. Inclui mal-estarnão definido, incômodo abdominal ou torá-cico, bocejos (principalmente em crianças),fome ou cansaço.

b. Aura: afeta >30% dos enxaquecosos e tipi-camente antecede a fase de dor. Por defini-ção apresenta duração de 5 a 60 minutos. Aaura visual é a mais comum (>70%), em-bora aura sensitiva, aura cognitiva ou mis-ta possam ocorrer. Eventualmente, a aurase apresenta imbricada à fase da dor.

Aura sem dor, antigamente denominada“equivalente enxaquecoso”, atualmente éclassificada como “enxaqueca com aura típicasem cefaleia”, e sempre faz parte do diagnós-tico diferencial das epilepsias focais e dos ata-ques isquêmicos transitórios (AIT’s). A dura-ção e a evolução dos sintomas são os discrimi-nantes que mais ajudam; a crise epiléptica fo-cal durando de segundos a minutos, e os AIT’sque não evoluem no tempo nem no espaço,costumam apresentar sintomas negativosmais do que positivos.

A natureza da aura pode se modificar com otempo, e pessoas idosas podem apresentaraura sem dor subsequente.

c. Cefaleia: não existe dor típica, mas consi-dere a possibilidade de dor enxaquecosaquando a mesma for moderada ou graveem intensidade, pulsátil, unilateral, e quepiora com a atividade física habitual (em-bora não necessariamente, para os três úl-timos aspectos).

A duração varia de poucas horas até 72 h, emuitos pacientes melhoram ao dormir ou vo-mitar.

d. Fatores associados: a maioria dos pacien-tes apresenta pelo menos um dos sinto-mas; náuseas ou vômitos, fonofobia, foto-fobia, haptofobia (grande desconforto como toque físico interpessoal durante a fasede dor), aversão aos odores, ou todos jun-tos. Outros achados autonômicos, tais co-mo: poliúria ou diarreia, podem ocorrer,mas são incomuns.

Tipos Incomuns de EnxaquecaEnxaqueca tipo-basilar: (antiga enxaque-

ca basilar), se caracteriza por apresentar ce-faleia (do tipo enxaqueca), acompanhada porsintomas decorrentes da circulação vertebro-basilar, incluindo disartria, vertigem, zumbi-dos, surdez, diplopia, ataxia, diminuição donível de consciência e sintomas sensitivos bi-laterais.

Enxaqueca hemiplégica: fraqueza dimidia-da que pode durar mais que 60 minutos (ouseja, mais do que o período de aura típico),pode ser esporádica ou familiar com herançaautossômica dominante. Mais de 20% dos ca-sos episódios apresentam ataxia cerebelarepisódica, e muitos desenvolvem enxaqueca(com ou sem aura).

Enxaqueca retiniana: rara na prática, masidentificada como aura visual monocular (oucegueira) seguida por cefaleia enxaquecosa.Outras causas de perda visual monoculartransitória incluem AIT’s e disfunção oftálmicaestrutural (p. ex., descolamento de retina) edevem ser excluídas.

Síndromes periódicas da infância: vômitoscíclicos, dor abdominal recorrente, vertigemparoxística (eventualmente torcicolo espas-módico), são mais comuns em crianças queposteriormente venham desenvolver enxa-queca.

Enxaqueca oftalmoplégica: atualmente éconsiderada uma neuralgia cranial (classifica-da entre as cefaleias secundárias), mais doque propriamente uma forma de enxaqueca.Oftalmoplegia típica (mais comumente parali-

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sia do III nervo cranial) que surge 3 ou 4 diasapós cefaleia do tipo enxaquecosa.

Complicações da EnxaquecaEnxaqueca crônica: uma das causas de ce-

faleia crônica diária, onde gradativamente de-saparece o paroxísmo enxaquecoso e os fenô-menos autonômicos associados, e a dor setorna contínua. Pode ou não estar associadaao uso abusivo de medicamento.

Status enxaquecoso: crise debilitante deenxaqueca contínua com mais de 72 horas deduração.

Aura persistente sem infarto: aura típica-mente semelhante às demais só que se fixa eperdura por mais de 1 semana (às vezes me-ses ou anos, mas com exame de imagem nor-mal).

Infarto enxaquecoso: crise típica de enxa-queca com aura persistente, evidência radioló-gica de infarto em território relevante e nãoexplicado por outra doença.

Crise convulsiva desencadeada pela enxa-queca: crise convulsiva ocorrendo durante aaura enxaquecosa em um paciente sabida-mente com enxaqueca com aura. O termo“migralepsia” é utilizado nesta condição.

Cefaleia do Tipo-TensãoEste tipo de cefaleia é a forma mais fre-

quente na humanidade. A dor geralmente é decaráter constritivo (não pulsátil), de intensi-dade leve ou moderada, holocranial (não uni-lateral), frequentemente associada à dor emaperto na nuca.

Alguns pacientes se queixam “como se ti-vessem uma faixa apertando a cabeça” oucomo se estivessem usando um chapéu de nú-mero menor do que deveriam.

Não se acompanha de náuseas ou vômitos,mas pode apresentar fotofobia ou fonofobia.Alguns autores consideram tratar-se de umaforma de enxaqueca “menos incapacitante”(Davenport, 2008).

Cefaleias Trigêmino-AutonômicasAs cefaleias trigêmino autonômicas (TAC’s)

representam um grupo cuja denominação re-flete parte da fisiopatologia da própria condi-

ção, ou seja, excessiva ativação do reflexo pa-rassimpático cranial a impulsos nociceptivosna divisão oftálmica do nervo trigêmeo. TAC’sincluem cefaleia em salvas, hemicrania paro-xística e Short Lasting Neuralgiform Headache

Attacks with Conjuntival Injection and Tearing

(SUNCT) (Goadsby, 2005; Goadsby et al.,1997).

A cefaleia em salvas é a forma mais comume portanto a mais encontrada na prática. Asoutras cefaleias trigêmino-autonômicas, em-bora bem estereotipadas, são mais raras e,por isso pouco vistas.

Cefaleia em SalvasAntigamente denominada neuralgia ciliar,

eritromeralgia da cabeça, eritroposopalgia deBing, hemicrania neuralgiforme crônica, cefa-leia de Horton, neuralgia migranosa de Harris,neuralgia petrosal de Gardner (InternationalHeadache Society, 2004).

A CS predomina nos homens e caracteri-za-se principalmente pela intensidade da dor,estritamente unilateral, predominando na re-gião orbital, mas podendo também ocorrer naregião frontal ou na temporal. A duração variaentre 15 e 180 minutos, surgindo com fre-quência de uma crise por dia até 8 vezes aodia. As crises estão associadas a pelo menosum dos seguintes eventos: miose, edema pal-pebral, eritema escleral, lacrimejamento,congestão ou descarga nasal, ptose palpebral,homolateral à dor, somado à inquietudemotora. As crises predominam à noite. Um pa-ciente referiu sua doença como “humilhante”,por se sentir impotente, ao acordar durante anoite, semanas seguidas com intensa dor.

Na forma crônica da doença (10 a 15% dossofredores), as crises ocorrem por mais de 1ano sem que haja intervalo assintomático su-perior a 30 dias. Cefaleia em salvas pode serherdada (autossômico dominante) em 5% doscasos, e cerca de 27% dos pacientes apresen-tam apenas uma salva de dor ao longo da vida(International Headache Society, 2004).

Hemicrania Paroxística (HP)As crises de HP são semelhantes às da ce-

faleia em salva no que diz respeito aos sinais e

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sintomas clínicos, assim como nas formas deapresentação (paroxísticas e crônicas). Entre-tanto, as crises de HP são muito mais frequen-tes (>5 ao dia), de curta duração (2 a 30 min)(International Headache Society, 2004), ocor-rem mais nas mulheres e respondem à indo-metacina (dose = 150 mg/dia).

SUNCT (short lasting unilateralneuralgiform headache attackswith conjuntival injection andtearing)

Ataques de dor ocular/orbital unilateral decurta duração (5 a 240 segundos) acompa-nhada de proeminente lacrimejamento e ver-melhidão ocular. A freqüência das crises ébastante elevada, podendo chegar até a 200crises por dia.

Ataques incompletos de SUNCT recebem adenominação de SUNA (short lasting unilate-

ral neuralgiform headache attacks with auto-

nomic symptoms). Nestes casos, por vezes, aalteração autonômica associada se apresentaapenas como edema do conduto auditivo ex-terno ou como um leve flush periauricular(Goadsby, 2005).

Mas qual a base para o aparecimento tãoproeminente dos sintomas autonômicos nasTACs?

Estudos de imagem funcional e tomografiapor emissão de pósitron na cefaleia em salvase ressonância magnética funcional na síndro-me SUNCT, demonstraram ativação da regiãohipotalâmica posterior. Situação não observa-da nas enxaquecas episódica ou crônica, nemem casos de dor trigeminal oftálmica experi-mental. Considera-se haver conexão diretahipotalâmica – trigeminal e o hipotálamo é co-nhecido por possuir papel modulador nocicep-tivo e autonômico especificamente nas viasnociceptivas trigeminovasculares. Portanto, acefaleia em salvas e a síndrome SUNCT têm,muito provavelmente, disfunção hipotalâmicacomo cerne etiopatogênico com subsequenteativação trigeminovascular. As alterações au-tonômicas podem persistir após a disfunçãotrigeminal (Goadsby, 2005).

Outras Cefaleias Primárias

Cefaleia em Facadas (StabbingHeadache)

Anteriormente denominada ice-pick heada-

che, ou jabs and joltz. Caracteriza-se por evi-denciar sensação de agulhadas e espetadas nacabeça, mormente nas regiões parietais. A du-ração é de fração de segundos (80% das faca-das duram 3 segundos ou menos), e podemocorrer de forma isolada ou em acúmulo (váriosbrotes em sequencia). Cefaleia em facada ge-ralmente acompanha outras dores de cabeça.Ocorre em 40% dos indivíduos com enxaqueca,e em cerca de 30% daqueles com cefaleia emsalvas.

Cefaleia da TosseCefaleia desencadeada pela tosse ou espir-

ro sem que haja doença intracerebral subja-cente. A dor é bilateral e pode responder à in-dometacina. O início é súbito, com duração desegundos a 30 minutos, pode ser desencadea-da pela tosse, espirro ou manobra de Valsal-va. Merece menção o fato de que cerca de40% dos pacientes com cefaleia da tosseapresentam malformação de Arnold Chiari ti-po I, doença vascular carotídea ou vertebralou aneurisma (cefaleia da tosse sintomáticaou secundária).

Cefaleia do ExercícioCefaleia holocranial, pulsátil, com duração

de 5 minutos a 48 horas e associada a qual-quer tipo de exercício físico. Ocorre mais facil-mente em climas quentes ou em alta altitude.Na primeira crise é mandatório investigar apossibilidade de hemorragia subaracnoide oudissecção arterial. Aqui também a indometaci-na é a medicação indicada como profilático.

Cefaleia Primária Associada àAtividade Sexuala. Pré-orgásmica.

b. Orgásmica.

Antigamente denominada: cefaleia sexualbenigna, cefaleia coital ou cefaleia sexual.

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1195

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É a dor de cabeça precipitada pela ativida-de sexual. Habitualmente inicianda como dorpesada bilateral, aumentando à medida queaumenta a excitação sexual, chegando a atin-gir o ápice de dor no orgasmo.

Atualmente dois tipos são reconhecidos. Acefaleia pré-orgásmica, que mais se associa acontração muscular e tem duração mais curta.E a orgásmica, que é mais forte na intensida-de e com duração mais prolongada. Esta últi-ma forma deve sempre fazer parte do diag-nóstico diferencial de sangramento por roturade aneurisma intracerebral.

Cefaleia Hípnica

Uma das cefaleias que acomente indivíduosmais idosos (>50 anos de idade), se caracteri-za por tirar o paciente do sono. Por isso já foichamada de “cefaleia do despertador”. A dor ébilateral (2/3 dos casos), habitualmente leveou moderada, mas do tipo pesada (dor inten-sa só ocorre em 20% dos casos), acorda o in-divíduo e não está associada a alteração auto-nômica. Dura de 15 a 180 minutos e pode me-lhorar com pequenas doses de café (Cohen et

al., 2004).

Cefaleia em Trovoada Primária(Thunderclap Headache)

Dor súbita e intensa (atinge seu máximoem < 1 minuto), tal e qual ocorre na rotura deum aneurisma intracerebral, sem que o mes-mo exista. Pode durar de 1h a 10 dias. Neces-sário comprovar a condição com exames de lí-quido cefalorraquidiano e de imagem do cére-bro por tomografia computadorizada ou res-sonância magnética (Dodick, 2002).

A cefaleia em trovoada primária, só podeser considerada após terem sido afastadasoutras possibilidades, tais como cisto coloidedo III ventrículo, apoplexia pituitária, hemor-agia cerebral ou subaracnoide, dissecção ar -terial, angeite do SNC.

Hemicrania ContínuaCefaleia unilateral contínua por mais de 3

meses, sem mudar de lado, associada a pelomenos um dos seguintes sinais:

1. Injeção conjuntival e/ou lacrimejamento.

2. Congestão nasal e/ou rinorreia.

3. Ptose palpebral e/ou miose.

Esta é também uma das cefaleias que res-ponde muito bem à indometacina.

Nova Cefaleia Persistente e Diária(NCPD)

Cefaleia diária, que não remite por até 3meses. A dor tipicamente é bilateral, em pres-são ou peso, de leve a moderada intensidade,e que pode estar associada a náuseas, fotofo-bia e fonofobia. Caracteristicamente o(a) so-fredor(ra), lembra exatamente o dia e a oca-sião quando a dor teve início. O subcomitê queestudou a NCPD na classificação da IHS 2004revisada, aconselha que mais estudos sejamrealizados no sentido de se comparar e carac-terizar clínica e fisiopatologicamente a NCPDcomparando com a cefaleia de tensão-crôni-ca.

Cefaleia Crônica e Diária (CCD)É definida como uma cefaleia que dura mais

4h, durante mais de 15 dias por mês, por maisde 3 meses (Mokro et al., 2004). Mas, na práti-ca, significa alguém que passa mais tempo so-frendo cefaleia do que sem ela. Os pacientes ti-picamente descrevem que seus sintomas per-duram por semanas, meses ou até mesmoanos. O uso abusivo de analgésico, com fre-quência está presente assim como estado de-pressivo.

A CCD é uma síndrome não uma doença e,portanto, não deve ser considerada um diag-nóstico final. Ela pode se apresentar em doiscenários: no primeiro, as dores que sempreforam episódicas (paroxísticas), gradativa-mente vão se tornando constantes até setransformarem em diárias (Tabela IV). Em um

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segundo cenário, as dores são constantes ediárias já desde o início (Davemport, 2008).

TABELA IV – Causas comuns de CCDs (Weatherall,2007)

Cefaleias primárias:

Enxaqueca crônicaCefaleia do tipo-tensão crônica

Cefaleia em salvas crônicaHemicrania paroxística crônica

Hemicrania contínuaNova cefaleia persistente e diária

Cefaleias secundárias:

Cefaleia por uso abusivo de medicamentoCefaleia pós-traumática crônica

Nova cefaleia persistente e diária (aumento da pressãointracranial; baixo volume liquórico; meningite crônica

Na tática de abordagem e da terapêutica, éfundamental reconhecer e tratar o uso abusi-vo de medicamentos, assim como outras dis-funções que costumam acompanhar a CCD,pois fazem parte importante na transforma-ção das crises de dores episódicas em crônicase diárias.

O uso abusivo de medicamentos reduz aefetividade da medicação profilática, podemudar o fenótipo da dor de cabeça e mesmo abiologia da doença (Tabela V). Vale ressaltarque somente os sofredores de cefaleia primá-ria correm risco de apresentar CCD com usoabusivo de analgésicos.

TABELA V – Fatores que contribuem para transformarcefaleias primárias em CCD (Weatherall, 2007)

Definitivo

Uso abusivo de medicaçãoIngestão excessiva de cafeína

Provável

Comorbidade psicológica (ansiedade, depressão)Distúrbio do sono

Possível

Comorbidade física (hipertensão, hipotireoidismo etc.)Estresse do dia a dia

Trauma de crânioObesidade

CEFALEIAS SECUNDÁRIAS

Entre as diversas cefaleias secundárias(grupos de 5-14 da IHS), chamamos a aten-ção especificamente para quatro condiçõesgraves e tradicionalmente geradoras de dorde cabeça passíveis de tratamento.

O tumor cerebral e o aneurisma cerebralsão exemplos típicos de condições graves eque geram risco de morte. Médicos de qual-quer especialidade necessitam estar atentos eter o mínimo grau de suspeição para realizarestes diagnósticos. Conhecer um pouco dascefaleias relacionadas aos tumores cerebraise aneurismas também ajuda a não supervalo-rizar sintomas, e nem colocar estas duas con-dições como primeiras possibilidades diagnós-ticas, aumentando, assim, uma angústia quepossivelmente já existe por parte do paciente.No dia a dia do atendimento primário, logo no-tamos que cefaleias um pouco mais persisten-tes quase sempre geram no sofredor aangústia de possuir um tumor cerebral ouaneurisma.

As arterites de células gigantes (arteritetemporal) apresentam quadro clínico estereotí-pico, os exames complementares auxiliam so-bremaneira ao diagnóstico, e respondem muitorapidamente ao tratamento com corticoides.

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1197

Segundo critérios da International Hea-

dache Society, o uso abusivo de medica-mento fica consignado quando há:1. >10 dias / mês do uso de ergotamínicos,

triptanos, opioides ou medicamentoscombinados

2. >15 dias / mês do uso de analgésico co-mumA taxa de recaída do tratamento da CCD

por uso abusivo de medicamentos infeliz-mente é bastante alta, abrangendo cerca de33 a 50% dos pacientes. Ocorre mais comopioides e analgésicos comuns do que comos triptanos, principalmente no primeiroano de tentativa de retirada(Weatherall,2007)

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Suspeitar deste diagnóstico e atuar com rapidezpodem salvar a visão do seu paciente.

A cefaleia por hipotensão liquórica, que atéalguns anos não possuía tratamento efetivo, édor que apresenta dinâmica própria (melhoraao deitar), atualmente pode ser eliminada porprocedimento simples de blood petching.

Cefaleia e Tumor CerebralApesar das cefaleias constarem como um

dos sintomas capitais no tumor cerebral, a mes-ma costuma ocorrer em apenas 60% dos casose raramente como sintoma único e isolado. Já a“nova cefaleia” que perdura por semanas ou atémesmo meses, esta sim, pode encorajar a pro-cura de uma lesão expansiva subjacente. A ce-faleia associada ao tumor cerebral não se apre-senta com padrão estereotípico (Schankin et

al., 2007). Geralmente é de leve a moderadaintensidade, pode simular cefaleia tipo-tensão(2/5 dos casos) ou enxaqueca. Pode tanto serpulsátil quanto pesada e contínua. O caráterprogressivo está mais relacionado ao edemacircundante do que propriamente ao tamanhoda lesão expansiva. Provavelmente devido à al-teração do fluxo do líquido cefalorraquidiano,tumores infratentoriais e/ou intraventricularesse acompanham mais frequentemente por do-res de cabeça (Plund et al., 1999). Em uma faseainda inicial, 20% dos pacientes com tumor ce-rebral apresentam cefaleia exatamente sobre olocal da lesão. Com o crescimento da mesma eo aumento do edema, a dor deixa de ter valorde localização, tornando-se difusa.

Um dos fatores mais importantes no desen-volvimento da cefaleia no tumor cerebral é aexistência de cefaleia preexistente (Schankinet al., 2007).

Há alguns anos Maranhão-Filho et al.(1997) tentando avaliar clinicamente a dor(ou a ausência da mesma) nos casos de tumorcerebral, reuniram 12 pacientes com os maisdiversos tipos histológicos de tumor, tanto decrescimento lento (meningeomas) quanto decrescimento rápido (astrocitomas e glioblas-tomas), primários ou secundários, nas maisdiversas localizações. Alguns com edema exu-berante e desvio de estruturas da linha média.Nenhum dos pacientes estudados apresenta-

va cefaleia (Figs. 1 A e B). Apenas um dos pa-cientes estudados referiu cefaleia do tipo-ten-são episódica preexistente.

Cefaleia e Aneurisma CerebralO aneurisma é uma dilatação localizada na

parede do vaso sanguíneo. Os aneurismas sãofrequentemente classificados de acordo com seuformato: aneurismas saculares ou berry aneu-rismas são arredondados e nascem das bifur-cações arteriais (Cestari Rizzo, 2004) (Fig. 2).Aneurisma não saculares são habitualmente fusi-formes na sua forma e os aneurismas tortuosossão denominados doliectásicos. Aneurismas infec-ciosos recebem a denominação de marânticos.

O risco de rotura de um aneurisma é difícil dedeterminar, porém, o tamanho do aneurisma éo fator de risco de rotura mais importante. Orisco anual de rotura de um aneurisma com <10 mm de diâmetro é de <0,05%; de 0,5%para um aneurisma = 10 mm, e > 6% para osaneurismas gigantes (=25 mm). Estima-se orisco de rotura de 1 a 2% por ano para os aneu-rismas assintomáticos e encontrados ao acaso(achado incidental) (Cestari Rizzo, 2004).

Aneurisma não roto com < 3 mm não causasintomas. A expansão do aneurisma sem rotu-ra frequentemente causa cefaleia, assimcomo o sangramento pequeno (tears) na pa-rede do saco aneurismático.

Os dois aspectos mais importantes em rela-ção à dor no sangramento aneurismático são:a alta intensidade e a subtaneidade. Cefaleiade forte intensidade, reputada espontanea-mente pelo próprio paciente como sendo: “acefaleia mais intensa que já senti na vida”,deve sempre levantar a suspeita de sangra-mento.

Em 25% dos casos, a rotura de um aneuris-ma intracerebral com sangramento subarac-noide pode gerar a chamada: cefaleia em tro-voada (Tunderclap headache) (Dodick, 2002).Nesta situação, a dor, que pode ocorrer emqualquer lugar da cabeça, atinge o pico máxi-mo em 60 segundos, podendo perdurar um“lastro” de dor por horas ou dias. Pode estarassociada vômitos e promover letargia. Geral-mente a nuca fica rígida devido à meningite

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química provocada pelo sangramento. Tra-ta-se de uma emergência médica.

Outras causas de cefaleia em trovoada sãoapoplexia pituitária, trombose de seio venoso,dissecção da carótida, encefalopatia hiperten-siva, hematoma retroclival e a cefaleia emtrovoada primária.

Cefaleia na Arterite de CélulasGigantes

A preservação da visão de alguns pacientescom arterite de células gigantes depende dograu de suspeita da cefaleia temporal e dapresteza em se introduzir o tratamento comcorticoides (Davenport, 2008).

A cefaleia da arterite de células gigantesfaz parte do grupo da cefaleia dos idosos(como a cefaleia hípnica), portanto não ocorreem indivíduos com menos de 55 anos de ida-de. Alguns aspectos são sistemáticos e mar-cantes. A dor costuma ser localizada, na re-

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1199

Fig. 2 – Anerisma sacular bocelado sugestivo de sangra-mento prévio.

Figs. 1 A e B – A. Paciente assintomático (sem queixa de déficit motor ou cefaleia). Único sinal presente: discreto apa-gamento do sulco nasolabial à direita. B. Tomografia computadorizada de crânio com contraste. Imagem redonda inten-samente captante do meio de contraste localizada na região frontal esquerda, circundada por halo de edema hipodensoprovocando desvio da linha média e colabamento parcial do ventrículo lateral homolateral. Laudo histopatológicopós-biopsia: metástase de carcinoma de células renais.

A B

Page 14: OFTALMOLOGIA CL.NICA 2 - Neurologia Clínica e ...neurobarra.com/files/CAPITULO FINAL.pdf · palmente na nuca ou região occipital bilateral. Arterite de células gigantes costuma

gião temporal, onde a artéria temporal super-ficial costuma estar engurgitada e endurecida(Fig. 3), mas pode ocorrer dor na nuca tam-bém. A associação com polimialgia reumática,com dores difusas e articulares, é frequente.

A velocidade de hemossedimentação (VHS),assim como a dosagem de proteína C reativa,se encontram alteradas. A primeira geralmen-te acima de 80 mm na primeira hora. Embora ouso de Doppler colorido das artérias temporaiscontribua para o diagnóstico, o padrão, ourona investigação diagnóstica ainda é a biopsiada artéria temporal superficial, com a retiradade um fragmento alargado. Havendo a suspei-ta diagnóstica o tratamento com corticoidesdeve ser implementado de imediato, mesmoantes do resultado da biopsia, devido ao riscode perda da visão bilateral pelo comprometi-mento das artérias ciliares posteriores.

Cefaleia por Hipotensão LiquóricaHoje, se reconhece que a maioria, senão

todas, as cefaleias por hipotensão intracranialespontânea são motivadas pela saída do líqui-do cefalorraquidiano do espaço subaracnoide(Mokri et al., 2004).

De acordo com a Classificação Internacionaldas Cefaleias 2a edição(Beckman e Frankel,1984), três situações justificam a cefaleia porhipotensão liquórica: a cefaleia pós-punçãolombar (7.2.1), a cefaleia por fístula liquórica

(7.2.2) e a cefaleia atribuída à baixa da pres-são liquórica espontânea ou idiopática (7.2.3)

Nesta cefaleia o quadro clínico, o exame deimagem (ressonância magnética com contras-te) e o tratamento (blood patching) são em-blemáticos.

No quadro clínico, é a cefaleia ortostática oque mais chama a atenção. A dor surge ou pio-ra 15 minutos após ficar sentado ou de pé, emelhora 15 minutos após assumir o decúbitohorizontal (quando a pressão liquórica na re-gião lombar, cisternal e provavelmente no vér-tex se iguala [60 a 180 mm de água]. Pode es-tar acompanhada por zumbido, hipoacusia, fo-tofobia, náuseas, diplopia horizontal ou nucarígida. Se houver o antecedente de trauma apossibilidade de fístula liquórica deve ser aven-tada. Se não há o antecedente de punção lom-bar ou trauma, a possibilidade de hipotensãoliquórica (dita) espontânea ou idiopática deveser considerada. Neste caso, por vezes, dorcervical ou interescapular pode anteceder a ce-faleia postural por dias ou semanas. Seja qualfor o fator desencadeante, a pressão liquóricaquando aferida na posição sentada encontra-se � 60 mm H2O. A cisternografia com radioisó-topo auxilia na localização da fístula. E a resso-nância magnética de crânio com contraste evi-dencia o sinal de Mokri (1999), qual seja, o“desenho” da paquimeninge devido à impreg-nação dos pequenos vasos venosos durais dila-tados (Fig. 4).

Muitos pacientes com cefaleia por baixa dapressão liquórica melhoram completamente equase que imediatamente com a aplicação deblood petching (aplicação de 10 cc de sanguedo próprio paciente no espaço peridural), ou ainfusão salina pela mesma via. O uso de hidra-tação, cafeína ou analgésicos apenas, nãoapresenta os mesmos resultados.

CEFALEIA NA EMERGÊNCIAA sala de emergência sabidamente não é o

ambiente mais fácil de conhecer uma históriacuidadosa. Pacientes e familiares tensos (epor vezes agressivos), não conseguem enten-der como contar uma história detalhada podeser mais importante do que realizar imediata-mente uma tomografia do crânio. Firmeza, se-

1200 � ESSENCIAL EM OFTALMOLOGIA

Fig. 3 – Arterite de células gigantes. Artéria temporal es-querda elevada e tortuosa devido ao processo inflamató-rio local.

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gurança e sensibilidade são necessárias aomédico que atende, pois ele sabe que a chavedo diagnóstico está, na maioria das vezes, na

sua capacidade de conseguir obter a informa-ção detalhada de como a cefaleia iniciou eevoluiu.

Nos serviços de emergência, as cefaleiasgraves e que geram risco de morte ocorrem,mas são raras! Os dados a seguir (ainda nãopublicados) representam os diagnósticos obti-dos frente ao atendimento emergencial pres-tado a 2.264 pacientes, na unidade de atendi-mento médico que mais atende dor de cabeçaaguda do Brasil. Trata-se da Unidade 24 horas

de Tratamento da Dor de Cabeça Aguda

(UTDCA), situada em Fortaleza – Ceará (Ta-bela VI). Criada e dirigida pelo neurologistaDr. João José Freitas de Carvalho, a UTDA jáprestou atendimento a mais de 70.000 casosem seus 12 anos de funcionamento. O volumede atendimentos (6.000 casos por ano) é difícilde ser equiparado até mesmo por unidades deatendimento emergencial dos EUA e da Europa.

Conforme se observa, 80% dos pacientesapresentaram cefaleias primárias (grupos 1–4da ICHD 2004) e 16,6% cefaleias secundárias.Cerca de 1% neuralgias e 2,4% cefaleias quenão se conseguiu classificar (grupos 5 – 14 daICHD 2004). Das cefaleias primárias, 75% fo-ram crises de enxaqueca. Das cefaleias se-

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1201

TABELA VI – Unidade 24 horas de tratamento da dor de cabeça aguda – Fortaleza – Ceará

N= 2.264 pacientes

GRUPO* CEFALEIAS No %

1 Enxaqueca 1.347 59,5%

2 Cefaleias do tipo-tensão 397 17,5%

3 Cefaleia em salvas e outras cefaleias trigêmino-autonômicas 60 2,7%

4 Outras cefaleias primárias 25 1,1%

5 Cefaleias associadas a trauma craniano 77 3,4%

6 Cefaleias associadas a doenças vasculares 23 1,0%

7 Cefaleias associadas a doenças cranianas não vasculares 8 0,4%

8 Cefaleias associadas ao uso de substâncias ou sua retirada 1 0,0%

9 Cefaleias associadas a infecções 190 8,4%

11 Cefaleias ou dores faciais associadas a ... 58 2,6%

13 Neuralgias cranianas 23 1,0%

14 Cefaleias não classificadas 55 2,4%

*ICHD 2004.

Fig. 4 – Ressonância magnética do crânio em corte sagi-tal ponderada em T1 com contraste. Impregnação da pa-quimeninge pelo meio de contraste. Sinal de Mokri (seta).

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cundárias, 51% eram crises de dor de cabeçaassociadas a quadros infecciosos em suagrande maioria (se não a totalidade) motivadapor doenças virais. Apenas 0,4% dos casosatendidos foram de cefaleias associadas a le-sões tumorais.

Na Tabela VII consideramos 10 sinais dealarme ou red flags em relação às cefaleias emgeral, úteis tanto no ambiente emergencialquanto no ambulatorial.

TABELA VII – Cefaleias

DEZ SINAIS DE ALARME

1. Início com mais de 55 anos de idade

Embora existam cefaleias que ocorrempredominantemente na faixa etária mais elevada(cefaleia na arterite de células gigantes, cefaleiahípnica), as cefaleias primárias de modo geral seiniciam entre os 20 e 40 anos de idade

2. Dor persistentemente no mesmo lado

Cuidado com cefaleias que nunca mudam de lado. Aalternância de lado pode ser um selo debenignidade

3. Mudança de característica

Mesmo nos pacientes com cefaleias crônicas, ouçasuas queixas como se fosse a primeira vez. Fiqueatento para “novas dores de cabeça”

4. Sinais focais

Exceto pelas alterações autonômicas das TAC’s, asdemais cefaleias primárias não apresentam sinaisde localização. Lembre-se que a enxaqueca é umadoença sem marcadores clínicos, laboratoriais e/oude imagem

5. Início súbito

A subtaneidade, principalmente se associada a forteintensidade, é sinal de alarme considerado “maior”

6. “A dor de cabeça mais forte da minha vida”

Esta afirmativa tem grande valor semióticoAcredite nela e investigue seu paciente. Ele podeter sangrado

7. Crise convulsiva associada

Crises convulsivas na maioria das vezes sãoseguidas por cefaleia. É a denominada cefaleiapós-ictal. Mas não é disso que estamos falando

8. Aura prolongada ou de curta duração

Auras da enxaqueca duram em média de 12 a 20minutos (por critério até 1 h). Aura de curtaduração, de poucos segundos ou minutos, sugerecrise epiléptica. Aura com duração prolongadasugere alteração estrutural encefálica

9. Aura sensitiva > aura visual

Na enxaqueca, as auras visuais são aspredominantes. Aura sensitiva e prolongada apontapara alteração estrutural

10. Ausência de história familiar

Tem valor negativo na enxaqueca, mas só quandoassociado a outros dados

ALGUMAS CEFALEIAS RARASAlgumas cefaleias, além de raras, primam

pelo inusitado da situação desencadeante. Oprofessor Bernardo Couto*, quando lecionavasobre cefaleias, sempre apresentava no finalde suas aulas um slide no qual enumerava di-versas “Cefaleias Anedóticas”. Anedóticas,não no sentido de engraçadas e sim no senti-do de inéditas, originais ou incomuns. Lembrobem de pelo menos três destas cefaleias lista-das pelo professor; a cefaleia do cachimbo(provocada por mordedura mantida e assimé-trica), da cefaleia do sorvete (citada adiante)e a cefaleia do baixinho que gosta de dirigircarro grande (dor provocada pelo “estiramen-to forçado do pescoço na tentativa de enxer-gar por cima do painel do carro”). Citamos aseguir algumas cefaleias consideradas raras(ou anedóticas).

Cefaleia do BanhoA Cefaleia Relacionada ao Banho (CRB),

acomete principalmente mulheres asiáticas demeia-idade ou idosas (média de idade 51anos), e foi inicialmente descrita como “cefa-leia induzida pelo banho”. Na maioria das ve-zes, banho com água quente. A apresentaçãotípica envolve uma salva de dor de forte inten-sidade, de início hiperagudo (consistente comcefaleia em trovoada), desencadeada pelo ba-nho ou outra atividade envolvendo contatocom água. Cada ataque apresenta duraçãoque varia de 30 min a 30 h. Em alguns pacien-tes observou-se vasoconstrição cerebral mul-tifocal reversível. A maioria dos casos é autoli-

1202 � ESSENCIAL EM OFTALMOLOGIA

*Professor Bernardo Couto foi professor Titular de Neuro-

logia da UFRJ.

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mitado em até 3 meses. Afastar-se do fator de-sencadeante, ou seja, do banho, abole a condi-ção. Não há tratamento agudo satisfatório. Oemprego profilático da nimodipina pode mino-rar a duração das crises (Mak et al., 2005).

Cefaleia da Lactação

Em 1989, Askmark et al., publicaram o re-lato de caso de uma jovem mãe de 26 anos deidade, com antecedente de enxaqueca com esem aura, mas que apresentava crises de ce-faleia de forte intensidade parietotemporal bi-lateral que se iniciava cerca de 2 minutos apósiniciar a amamentação. A duração da dor eracurta, de 2 a 7 minutos, mas em algumas oca-siões perdurava com dor leve por todo o res-tante do dia. Não havia náuseas, vômitos ouqualquer alteração visual. A amamentaçãoocorria 5 vezes ao dia e todas as vezes a dorsurgia. Em uma ocasião, quando o bebê paroude sugar, a cefaleia imediatamente desapare-ceu, retornando após o bebê voltar a sugar omamilo esquerdo. Foi tentado o uso de pro-pranolol sem resultado. A etiologia desta cefa-leia é desconhecida e os autores do relato dis-cutem a possível relação fisiopatológica da ce-faleia com a amamentação.

Cefaleia do Rabo de Cavalo(Ponytail headache)

Descrita por Blau em 2004, este tipo de ce-faleia extracranial tem como origem os mús-culos pericraniais ou da tração de tendões efáscias. A cefaleia que obviamente predominano sexo feminino (mas não exclusivamente),foi positiva em 50 de 91 mulheres entrevista-das, com idades que variaram de 9 a 57 anos.A dor predomina na base do rabo de cavalo(10/50), e pode se iniciar em um período quevaria de imediatamente até horas depois deprender o cabelo. O fato de o rabo de cavalo fi-car mais apertado facilita o surgimento dador. Algumas pacientes apresentam tambémdor no local dos arcos que utilizados para se-gurar os cabelos. Massagear com os dedos olocal dolorido costuma aliviar a dor, e soltar orabo de cavalo ou retirar o arco de cabeloeliminam o problema.

Cefaleia do Riso (LaughingHeadache)

O riso, principalmente o riso farto, fogoso,animado, pode precipitar crises de dor de ca-beça, que geralmente estão relacionadas comas enxaquecas ou com as cefaleias de esforço,ou ambas. Curiosamente o riso falso, dissimu-lado e sem sentimento não desencadeia dor(Lewin e Ward, 2003).

Por vezes, o riso se mostra como o único“esforço” precipitante. Não ocorrendo cefaleiaao inclinar-se para frente, evacuar, realizar amanobra de Valsalva, tossir, espirrar etc.

Já foi descrito a associação de cefaleia doriso (com dor fina, de curta duração, no vér-tex) induzida também pelo riso intenso, alémdo bocejo ou do esforço de evacuar, em pacien-te com malformação de Arnold-Chiary tipo I(Morales-As'Yn et al., 1998).

Nos casos cuja investigação causal é nega-tiva, divalproex de sódio pode ser um agenteprofilático efetivo, mas provavelmente a cefa-leia do riso (primária) é autolimitada.

Cefaleia do Choro (CryingHeadache)

Em 1995, em carta endereçada a Lancet, J.Blau chama a atenção para um tipo de dor de ca-beça ainda não descrita, e que, portanto, mere-cia estudo. Questionando 75 mulheres com ida-des entre 17 e 64 anos, notou que 35 delasapresentavam, ao final do choro ou logo após omesmo, cefaleia, principalmente do tipo “pres-são”, predominando na região frontal (10/35),com duração de 5 minutos 12 horas. Pressão di-gital, massagem, água fria, ar fresco, banhoquente ou analgésico comum aliviavam o sinto-ma. Cerca de 40% não faziam nada!

Em 1998, Evans chama a atenção para ochoro como fator desencadeante de enxaqueca.O choro tem que ser “sentido” e sofrido. Chorode alegria, ou lacrimejamento advindo de cortarcebolas não funcionam como trigger.

Cefaleia do BocejoO bocejo é um fenômeno normal nos mamí-

feros e pode significar sonolência, fadiga,fome ou tédio. Dor elicitada pelo bocejo é bem

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1203

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conhecida em pacientes com neuralgia cranial,disfunção da articulação temporomandibulare síndrome de Eagle (dor na hipofaringe, ore-lha ou base da língua relacionada à hipertrofiado processo estiloide ou ossificação do liga-mento estilo-hióideo). Porém, a cefaleia ou al-gia cranial provocada pelo bocejo pode ocor-rer sem causa aparente (cefaleia primária –do bocejo), sem necessitar tratamento espe-cífico, porém requerendo diferenciação de ca-usas secundárias de maior relevância (Jaco-me, 2001).

Cefaleia do Sorvete (Ice-creamheadache)

Também conhecida como cérebro congela-do ou ganglioneuralgia esfenopalatina, estacondição é reconhecida pela International Hea-

dache Society. Trata-se de uma forma de dorcranial de curta duração e forte intensidade,geralmente na região frontal ou frontotempo-ral, sempre associada ao consumo (geralmen-te rápido) de bebidas geladas ou alimentos ge-lados (como sorvete). Pode ocorrer também, eapenas, pelo contato de substâncias geladasno palato.

A temperatura fria causa vasoconstrição elogo a seguir dilatação extrema de “rebote”,estimulando de modo retrógrado o cérebro,via sistema trigeminal. A dor tem duração desegundos a poucos minutos.

A cefaleia do sorvete atinge igualmentepessoas de ambos os sexos e de todas as ida-des, inclusive crianças, e dificilmente alguémprocura atendimento médico devido a estetipo de dor (Mattson, 2001).

A profilaxia mais efetiva se resume em in-gerir o líquido ou substância gelada lentamen-te. Alguns autores aconselham pressionar alíngua de encontro ao palato para “esquentar”a região.

Cefaleia NumularA cefaleia numular se caracteriza por apre-

sentar dor leve ou de moderada intensidade,

exclusivamente sentida em uma área elípticacom diâmetro de aproximadamente 1 a 6 cm,localizada principalmente na região parietal. Aárea sintomática é única, não muda de formanem de tamanho com o tempo. A dor (podecoçar, queimar ou espetar) é contínua com flu-tuações incluindo exacerbações lancinantes devários segundos ou minutos. Trata-se de umacefaleia primária benigna, que pode coexistircom outros tipos de cefaleia, mas que impõediagnóstico diferencial com lesões locais tantoda caixa óssea quanto de partes moles (Ran-dolph et al., 2005).

TRATAMENTO

A causa exata da dor na enxaqueca aindanão é conhecida. A tradicional hipótese vas-cular foi substituída por uma teoria mais inte-grada que envolve tanto componentes vascu-lares quanto neuronais. Diversos trabalhosexperimentais em animais e no córtex cere-bral de humanos têm demonstrado que aaura visual, que ocorre em cerca de 30% dosenxaquecosos, tem sua origem em uma ondade despolarização no córtex cerebral denomi-nada “Onda de Depressão Alastrante” ou“Onda de Leão”. Fenômeno neuroquímicodescrito pelo cientista brasileiro AristidesLeão em 1944, e que se movimenta lenta-mente pela cortiça cerebral (Leão e Morison,1945) liberando potássio, ácido araquidôni-co, íons hidrogênio e óxido nítrico (Mosko-witz, 2007). Estes elementos promovem adespolarização de aferentes trigeminais le-vando à vasodilatação e inflamação neurogê-nica de vasos sanguíneos meningeais, geran-do dor pulsátil. Aferentes parassimpáticosque suprem as meninges também causamaumento da vasodilatação e dor. Na continui-dade da crise aguda, neurônios sensitivos donúcleo caudal do trigêmeo se tornam sensibi-lizados, resultando em uma hipersensibilida-de cutânea denominada alodinia. Também jáse conseguiu demonstrar que os triptanospodem atuar nas diversas fases do processo

1204 � ESSENCIAL EM OFTALMOLOGIA

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da enxaqueca, inclusive inibindo a inflama-ção neurogênica, como vasoconstritor dosvasos sanguíneos cerebrais e também blo-queando a transmissão da dor, quando nasua passagem das terminações trigeminaisao tronco cerebral, onde a sensitização cen-tral ocorre (Moskowitz. 2007; Silverstein,2004).

Abordaremos aqui apenas o tratamentodas cefaleias primárias.

Além de todo o trabalho básico no sentidode evitar os fatores precipitantes, tradicio-nalmente o tratamento das enxaquecas é di-vidido em agudo e profilático. O primeiro visaabortar a crise, o segundo impedir o início damesma (Goadsby, 2007). Um auxilia o outrono sentido de que, naqueles que utilizam tra-tamento profilático, a droga visando trata-mento agudo atua mais prontamente.

Quando indicado o tratamento profilático(Tabela IX), deve-se sempre incluir no planoterapêutico a possibilidade do mesmo fármacopoder atuar em mais de uma eventual co-morbidade, tais como depressão, epilepsia,hipertensão arterial etc. Mas o terapeuta tam-bém deve estar atento aos efeitos adversosque constituem nos principais fatores limitan-tes em relação às drogas profiláticas: disfun-ção cognitiva, ganho ponderal, cansaço ex-cessivo ou disfunção erétil.

ENXAQUECA: TRATAMENTOAGUDO (TABELA VIII)

Quanto ao tratamento agudo, a ausênciade resposta não pode deixar de ser considera-da, mesmo porque o melhor tratamento –agonista de receptor de serotonina 1B/1D(5HT 1B/1D), ou triptano – não atua em todosos pacientes. Também não se pode descuidardo uso abusivo de medicamentos, dos efeitosgastrointestinais, assim como os efeitos cardio-vasculares e vasculares periféricos.

TABELA VIII – Fármacos que atuam no tratamentoagudo e comentários (Goadsby, 2007)

Analgésico simples

Baratos, frequentemente efetivos,mas quando seus efeitos sãolimitados costumam associar-se auso abusivo. A aspirina dificilmentepromove uso abusivo, mas temlimitação por sua açãogastrointestinal

Anti-inflamatóriosnão hormonais

(AINH)

Muito úteis, mas com limitaçãogastrointestinal. Geralmente sãoprescritos em subdoses

Opioides

Podem ser úteis, como, porexemplo, durante a gravidez, mascom alta propensão de causarproblemas por uso abusivo

Ergotamina

Eventualmente útil. Dificilmenteutilizada como primeira opçãodevido aos efeitos adversos.Reduzido seu uso nos últimos 20anos

TriptanosMuito efetivos. Revolucionaram otratamento agudo (apesar dosefeitos vasculares)

ENXAQUECA: TRATAMENTOPROFILÁTICO (TABELA IX)

Vários fármacos de diversas classes são utili-zados na profilaxia da enxaqueca. A maioriadescoberta ao acaso. Bloqueadores �-adrenér-gicos, anticonvulsivantes, antidepressivos, an-tidepressivos (tricíclicos ou inibidores de recap-tação de serotonina). O mecanismo de ação dosfármacos preventivos da enxaqueca é múltiplo,mas é postulado que converge para dois alvosespecificamente: (1) inibição da excitação corti-cal; (2) restauração da disregulação nocicepti-va. Com nível 1 de evidência contamos com an-tidepressivos (amitriptilina), anticonvulsivantes(divalproex e topiramato), e bloqueadores�-adrenérgicos (propranolol, timolol e metopro-lol como os profiláticos de primeira linha (Tabe-la X). Entretanto, algumas classes de fármacosprofiláticos para enxaqueca possuem tantos etão variados graus de efeitos adversos, que po-dem ter o seu uso muito limitado (Ramadan,2007).

DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1205

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TABELA IX – Enxaqueca

DEZ INDICAÇÕES PARA PROFILAXIA

1. Frequência: mais de duas crises por mês

2. Intensidade: crises que incapacitam por mais de 72 h

3. Ineficácia do tratamento abortivo

4. Intolerância do tratamento abortivo

5. Abuso de drogas abortivas

6. Crises programadas: p. ex., crises menstruais

7. Enxaqueca com auras frequentes ou prolongadas

8. Enxaqueca hemiplégica familiar, tipo-basilar,retiniana e infarto enxaquecoso

9. Abranger comorbidades

10. Preferência do paciente

A abordagem terapêutica das cefaleias dotipo-tensão também se subdivide em aguda eprofilática. Na maioria dos casos, como a dor éde leve intensidade, o paciente não chega aprocurar atendimento médico. O uso de anal-gésico comum e de AINH costuma resolver ascrises isoladas de leve ou moderada intensi-dade. A profilaxia com o uso exclusivo de bai-xa dose de amitriptilina (12,5 mg/dia) podeser efetivo em um percentual elevado de ca-sos. Neste tipo de dor de cabeça e nas crisesde enxaqueca, quando muito frequentes, umcuidado maior deve ser tomado no sentido dese evitar o uso abusivo de medicamentos.

O tratamento das cefaleias crônicas e diáriascom uso abusivo de medicamentos é sempreum grande desafio, principalmente devido àsrecidivas. Embora não seja consenso, a retira-da completa dos analgésicos ou AINH (medi-camentos mais utilizados) deve ser imposta!Orientar a profilaxia desde o primeiro momen-to e deixar prescrito um medicamento de se-gurança para uso se necessário (SOS), como,por exemplo, o naproxeno sódico 250 a 500mg é de boa conduta. Alguns autores preconi-zam, na fase inicial de tratamento, além daretirada do analgésico e do AINH, um cursorápido de corticoides iniciando com 60 mg/dia, reduzindo a zero em 1 semana.

Quanto às cefaleias trigêmino-autonômicas,na cefaleia em salvas o tratamento aborti-vo/profilático admite a utilização de diversosfármacos, mas o uso de O2 a 100% sob másca-ra nasal, estando o paciente sentado, com oscotovelos apoiados sobre os joelhos, mãos se-gurando a cabeça fletida (Fig. 5), não previnecrises subsequentes mas reduz a duração dacrise atual. Lidocaína a 10% gotejada na pro-fundidade da mucosa nasal pode minorar a dor.E a profilaxia com o uso do verapamil ou carbo-nato de lítio é prática comum.

A hemicrania contínua e a hemicrania paro-xística crônica costumam responder muitobem ao uso da indometacina na dose acima de250 mg/dia. A síndrome SUNCT primária, atéa presente data, não possui tratamento agudoou profilático eficaz. Alguns autores recomen-dam o emprego da lamotrigina, assim comopara as cefaleias em facadas.

1206 � ESSENCIAL EM OFTALMOLOGIA

TABELA X – Fármacos que atuam na profilaxia dasenxaquecas (Davenport, 2008)

Fármacos Comentários

Propranolol (40 a 240mg/dia) Evidência classe A

Outrosbetabloqueadores(metoprolol, atenolol,timolol, nadolol)

Provavelmente tãoefetivo quantopropranolol

Valproato de sódio (800a 2.000 mg/dia) Classe A de evidência

Topiramato (100 mg/dia)

Gera perda ponderal –útil para mulheres

Gabapentina (> 1,800mg/dia)

Evidência menossignificativa que paravalproato e topiramato

FármacosantidepressivosTricíclicos mais efetivosIniciar com Amitriptilina12,5 mg/dia

Tricíclicos e avenlaflaxina parecemúteis. Inibidoresseletivos de recaptaçãode serotonina (ISRS),não

Pizotifeno (1,5 a 3 mg/dia)

Menos efetivo emadultos que em criançasEfeitos adversoslimitantes

Flunarizina (5 a 10 mg/dia)

Parece ser tão efetivoquanto propranololEfeitos adversos:depressão eparkinsonismo

Metisergida (> 12 mg/dia)

Efetivo, porém comefeitos adversos gravesNão deve ser usado pormais de 6 mesesininterruptamente

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DOENÇAS NEURO-OFTALMOLÓGICAS � 1207

Fig. 5 – Crise de cefaleia em salvas. Inalação de O2 a100%, 8L/min sob máscara nasal (bem ajustada). Posiçãocorreta: sentado com a cabeça flexionada para frente.

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