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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 39 Cap. 4 Glaucoma

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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 39

Cap. 4

Glaucoma

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GLAUCOMA

é direcionado da câmara posterior para a câmara an-terior através da pupila. Uma vez na câmara anterior,este líquido é drenado por tecidos do ângulo de fil-tração iridocorneano. Neste local existe uma estrutu-ra denominada rede trabecular (trabeculado córneo-escleral), que acompanha toda a circunferência dajunção iridocorneana em conjunto com mais duasestruturas: o esporão escleral, interpondo-se entrea rede trabecular e a raiz da íris, e o canal de Schlemm,um microvaso de drenagem. O humor aquoso é filtra-do na rede trabecular, ganhando o canal de Schlemm,de onde flui para o plexo venoso episcleral.

Agentes colinérgicos (mióticos), como o colírio pi-locarpina, aumentam a drenagem do humor aquosopor esta via por aumentar a contração do músculociliar e do esfíncter da pupila, provocando tensão doesporão escleral e consequentemente a “abertura”das trabéculas da rede trabecular, deste modo redu-zindo a pressão intraocular. As fibras longitudinaisdo músculo cilar ligam o esporão escleral ao estromacoroide, daí o seu efeito de abertura trabecular. Oesfíncter da íris contrai para provocar a miose pupilar;a pupila miótica traciona a raiz da íris junto ao espo-rão escleral e as trabéculas.

Agentes que provocam midríase, como os colírioscicloplégicos (usados em exames de refração e defundoscopia), podem desencadear uma crise agudade glaucoma em pacientes que apresentam o ângulode filtração anatomicamente pequeno (ângulo fecha-do), provocando grandes aumentos da pressãointraocular!! Este fenômeno não acontece nos indi-

ação da anidrase carbônica, uma enzima intracelularque converte CO

2 + H

2O em H

2CO

3, que prontamente

se dissocia em H+ + HCO3. Agora você também pode

compreender o uso da acetazolamida (Diamox) noglaucoma, um fenômeno geralmente não bem expli-cado nos principais livros texto...A acetazolamida éum inibidor da anidrase carbônica e, portanto, inibea secreção de bicarbonato pelo corpo ciliar, com issoreduzindo a produção de humor aquoso e conse-quentemente a pressão intraocular. As catecolami-nas também influem na regulação da secreção dehumor aquoso pelo corpo ciliar, por mecanismos não-conhecidos. O efeito beta-adrenérgico aumenta en-quanto que o efeito alfa2-adrenérgico reduz a produ-ção de humor aquoso. Não é por acaso que colíriosde beta-bloqueadores e de alfa2-agonistas são utili-zados para reduzir a produção de humor aquoso eassim baixarem a pressão intraocular no glaucoma!!Os alfa2-agonistas também agem aumentando a dre-nagem do humor aquoso (ver adiante)...

Drenagem do Humor Aquoso

Em condições normais, cerca de 80-95% da drena-gem do humor aquoso ocorre no ângulo de filtraçãoiridocorneano, a chamada “via convencional”, e os5-20% restantes por uma “via alternativa”, atravésdo fluxo úveo-escleral.

Via Convencional (ângulo de filtração irido-cor-neano): este mecanismo é fundamental para o en-tendimento do glaucoma e a sua terapia... Observenovamente a FIGURA 1... O fluxo do humor aquoso

I - INTRODUÇÃO

1. Dinâmica do Humor Aquoso e PressãoIntraocular

Observe a FIGURA 1... O globo ocular pode ser se-parado anatomicamente em três espaços fluidos in-tercomunicantes: (1) câmara anterior, que se locali-za entre a córnea e a íris, (2) câmara posterior, locali-zada entre a íris e o plano equatorial do cristalino ecorpo ciliar, e (3) corpo vítreo, entre o cristalino e aretina. O segmento anterior do olho contém as câma-ras anterior e posterior, que se comunicam atravésda pupila e são preenchidas pelo humor aquoso. Entrea câmara posterior e o corpo vítreo também há comu-nicação, através do espaço em volta do cristalino,por onde cruzam as fibras zonulares.

O humor aquoso está em constante renovação, exis-tindo um perfeito equilíbrio entre a sua produção edrenagem.

Produção do Humor Aquoso

O humor aquoso é produzido pelas células do epitélioduplo do corpo ciliar, sendo lançado na câmara pos-terior do olho, entre a íris e o cristalino. As células docorpo ciliar secretam sódio, cloreto e bicarbonato(HCO

3) que carreiam água por mecanismo osmótico.

Cerca de 70% do sódio secretado acompanha a se-creção de bicarbonato que, por sua vez, depende da

Fig.1: Anatomia da câmara anterior e posterior do olho e o fluxo normal de produção e drenagem dohumor aquoso (via convencional e via alternativa).

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MEDGRUPO - 201442

víduos com glaucoma de ângulo aberto!São duas as explicações para a crise deglaucoma de ângulo fechado por essasdrogas: (1) afrouxamento da raiz da íris,obstruindo a rede trabecular e (2) bloqueiopupilar: a posição de meia-midríase co-loca a íris em justo contato com cristalino,o que poderia provocar um bloqueio pu-pilar parcial ou total. Este bloqueio difi-culta a passagem do humor aquoso entrea câmara posterior e anterior, criando umgradiente de pressão que desloca a írisanteriormente, provocando a obstruçãodo ângulo de filtração.

Via Alternativa (Úveo-escleral): uma par-te do humor aquoso (5-20%) é drenada sempassar pela rede trabecular, difundindo-seatravés de canais que correm pela raiz daíris e pelo músculo ciliar até alcançar o va-sos da esclera (FIGURA 1). Os análogosda prostaglandina Falfa, como o colírio delatanoprost, aumentam o fluxo do humoraquoso por esta via e atualmente são asdrogas mais usadas no tratamento do glau-coma de ângulo aberto nos EUA...

Pressão Intraocular (PIO)

A pressão intraocular de indivíduos hígi-dos costuma ser de 14 a 16 mmHg, embo-ra a faixa considerada normal seja de 12-21 mmHg. Portanto, o aumento da PIO édefinido quando acima de 21 mmHg. Umdos problemas na confiabilidade da medi-da da PIO é a sua variação circadiana, comníveis maiores de manhã (entre 08h e 11h)e menores de madrugada (entre 0h e 2h).O exame mais usado para medí-la é a to-nometria de aplainação (ver adiante).

Como o globo ocular não pode aumentaro seu volume, o aumento da quantidadede humor aquoso eleva automaticamentea pressão intraocular (PIO) que, por suavez, é transmitida para todo o olho, já queos três espaços fluidos se intercomunicam.Os axônios da papila óptica são bastantesensíveis a este aumento pressórico!!

A quantidade de humor aquoso (e por-tanto a PIO) aumenta no olho sempre quea drenagem deste fluido for inferior à suaprodução. Poderia ocorrer por um aumen-to da produção ou por um comprometi-mento da drenagem. Contudo, na práticao bloqueio da drenagem de humor aquosoé sempre o fator causal! Diversos são osmecanismos de bloqueio da drenagem dohumor aquoso, todos agindo sobre a “viaconvencional”. Esta via pode estar dis-funcionante mas estruturalmente preser-vada, como no glaucoma primário de ân-gulo aberto, ou podem existir importantesalterações estruturais ou anatômicas queobstruem o ângulo de filtração e/ou pro-

vocam bloqueio pupilar, como no glaucoma de ângulo fechado e no glau-coma secundário, quando a PIO pode alcançar valores extremos.

2. Definição de Glaucoma

Ao contrário do que muitos pensam, glaucoma não é simplesmente o au-mento da pressão intraocular. Glaucoma é uma doença de causa desconhe-cida caracterizada pela degeneração dos axônios da papila do nervo óptico,podendo levar à cegueira irreversível. Está na maioria das vezes associa-do ao aumento da pressão intraocular, mas existe uma minoria de casos deglaucoma (em torno de 15%) com pressão intraocular normal... Ou seja, oglaucoma é uma neuropatia da papila óptica. Apesar da relação causa-efeito não ser precisa, é fato consagrado que o aumento da pressãointraocular pode provocar e frequentemente provoca a neuropatia glauco-matosa, especialmente quando esta pressão encontra-se bastante eleva-da. Por conta disso, o tratamento do glaucoma se baseia em medidas parabaixar a pressão intraocular, uma conduta capaz de controlar a doença,evitando que ela progrida.

Anátomo-histologia da Papila Óptica

A papila óptica é uma estrutura em forma de disco, com diâmetro de cercade 1,5 mm, facilmente visualizada pelo exame da fundoscopia. Representaa origem do nervo óptico, sendo formada pela convergência de todos os

Fig.2: Anátomo-histologia da papila e nervo ópticos (visão longitudinal):normal versus glaucoma.

axônios (fibras desmielinizadas) das célu-las ganglionares da retina (cerca de 1 mi-lhão). Ao ganhar a região da papila, osaxônios curvam-se para trás a 90o, cruzan-do a lâmina cribiforme da esclera (uma es-trutura fenestrada), quando se tornam fi-bras mielinizadas para formar os feixes queirão compor o nervo óptico (FIGURA 2).

O glaucoma causa uma degeneração dosaxônios das células ganglionares na papilaóptica, antes de cruzarem a lâmina cribi-forme, provocando a morte desses neu-rônios. A papila torna-se tipicamente es-cavada e afilada, deformando a lâmina cri-biforme que pode eventualmente apare-cer no exame fundoscópico (FIGURA 2).

Tipos de Glaucoma

O glaucoma é classificado em quatro ti-pos, na verdade, quatro entidades clíni-cas diferentes:

- Glaucoma primário de ângulo aberto(mais comum)- Glaucoma agudo de ângulo fechado- Glaucoma secundário- Glaucoma congênito.

Estas entidades serão discutidas separa-damente neste Capítulo...

II - GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO ABERTO

O glaucoma primário de ângulo aberto(GPAA) é a forma mais comum de glauco-ma no Mundo e no Brasil, sendo respon-sável por 90% de todos os casos de glau-coma. É uma doença crônica de causa des-conhecida, definida pela presença de qua-tro elementos em conjunto: (1) neuropatiaglaucomatosa, confirmada por alteraçõesclássicas na fundoscopia e estudo docampo visual, (2) “ângulo aberto”, refe-rindo-se à ausência de alterações estru-turais obstrutivas no ângulo de filtraçãodo humor aquoso, (3) ausência de causassecundárias, (4) início da fase adulta.

A GPAA é uma patologia de evolução in-sidiosa, quase sempre bilateral, emborageralmente assimétrica. É assintomáticanas fases iniciais, exigindo consultas pre-ventivas no oftalmologista para o seu di-agnóstico precoce pois, caso contrário, osurgimento dos primeiros sintomas jápode significar uma perda irreversível degrande parte da visão.

1. Epidemiologia

O glaucoma de ângulo aberto é a segun-da causa de cegueira entre adultos no

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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 43

Mundo, perdendo apenas para a catarata, sendo estaúltima uma causa de cegueira curável. Como infeliz-mente este não é o caso do glaucoma, a doença podeser considerada a causa mais comum de cegueirairreversível no Mundo. Os mesmos dados valem parao nosso meio...

Estima-se uma prevalência da doença de 1-3%. Sãoquatro os principais fatores de risco do glaucoma deângulo aberto: aumento da pressão intraocular, ida-de avançada, raça negra e história familiar positiva(Tabela 1).

Em relação à pressão intraocular (PIO), cerca de 85%dos pacientes com GPAA apresentam PIO > 21 mmHg(geralmente entre 25-45 mmHg), sendo os 15% res-tantes com pressão intraocular normal, ao que cha-mamos de glaucoma com pressão normal!! Pelo fatode não estar sempre presente o seu aumento, a PIOelevada passou a ser considerada um fator de riscoe não um determinante da doença! A enxaqueca podeser um fator de risco para o glaucoma com pressãonormal, postulando-se um mecanismo vasoespásticopara a isquemia da papila óptica...

Indivíduos com PIO elevada mas sem lesão glauco-matosa apresentam um “glaucoma suspeito”. Em-bora o risco de glaucoma seja bem maior neste grupodo que em pessoas com PIO normal, apenas um ter-ço (30-40%) deles evolui para glaucoma ao longodos próximos anos, numa taxa de 1% por ano. Estu-dos demonstram que quanto maior a PIO média dopaciente, maior a chance de ele desenvolver o glau-coma. Ou seja, dois terços (60-70%) das pessoascom PIO elevada sem lesão glaucomatosa não evo-luirão para glaucoma ao longo dos próximos 10 anos.Estima-se em 10% a prevalência de PIO elevada napopulação acima de 40 anos.

Em relação à idade, estudos americanos mostram umaprevalência de glaucoma de menos de 1%, 1% e 3%,respectivamente, nas faixas etárias < 65 anos, entre65-75 anos e acima dos 75 anos. Estes percentuaissão 5x maiores na população da raça negra!

Os corticoides oculares tópicos são fatores de riscomais importantes para o glaucoma do que os corti-coides sistêmicos. A pseudo-exfoliação da íris é uma

condição na qual um material algodonoso é deposi-tado no segmento anterior do olho, obstruindo a redetrabecular. O diabetes mellitos e a hipertensão arteri-al são fatores de risco possíveis, mas não comprova-dos para glaucoma, pois a relação foi demonstradaem estudos baseados em dados hospitalares e nãopopulacionais. Há de fato uma relação estatística en-tre hipertensão arterial e aumento da PIO, mas nãonecessariamente entre hipertensão arterial e glauco-ma. A pressão de perfusão ocular diastólica é deter-minada pela diferença entre os componentes diastó-licos da pressão arterial sistêmica e da pressãointraocular (PA dist – PIO diast). Uma redução destapressão de perfusão pode provocar isquemia dapapila óptica sendo, portanto, também um fator derisco para glaucoma. No hipertenso, esta relação ten-de a se manter constante.

2. Patogênese

A patogênese do GPAA não é conhecida. Contudo,atualmente se sabe que a neuropatia glaucomatosa émultifatorial. O efeito mecânico da PIO sobre as fi-bras axonais da papila óptica é sem dúvida um fatorimportante. No glaucoma, parece haver uma susceti-bilidade maior dos axônios da papila ao efeito daPIO. Existem indivíduos que só desenvolverão a le-são glaucomatosa com PIO muito alta enquanto ou-tros farão a lesão mesmo com a PIO levemente eleva-da ou até na faixa normal. A suscetibilidade da papilaóptica ao glaucoma é um mecanismo pouco compre-endido, mas a hipótese mais aceita é de que existeum comprometimento microvascular, levando à is-quemia crônica da papila, fator bastante relacionadocom a idade. Outro mecanismo descrito é o bloqueiodo fluxo axoplasmático (por dentro do axônio) defatores tróficos para o corpo da célula ganglionar,que morreria por apoptose. Em alguns pacientes, umavez instalada a neuropatia glaucomatosa, o proces-so pode se autoperpetuar, mesmo com a redução te-rapêutica da PIO (especialmente quando a lesão foravançada!). Mecanismos propostos para este fenô-meno são a liberação de neurotransmissoresexcitotóxicos (glutamato) e de óxido nítrico (NO) nolocal da lesão inicial. Estas substâncias induziriam àmorte de mais axônios por apoptose.

O aumento da PIO no GPAA costuma ser leve a mo-derado. O mecanismo parece ser uma degeneraçãoda rede trabecular, ao lado de proliferação endoteliale edema, com consequente redução da drenagem dohumor aquoso. O depósito de fatores da matrizextracelular na rede trabecular talvez seja o fator maisimportante.

3. Manifestações Clínicas

O grande problema do GPAA é o fato do pacientenão apresentar queixa visual alguma durante as fa-ses iniciais da doença. Ou seja, já apresenta aneuropatia da papila óptica, porém, a perda visualnão é grande o suficiente para que o paciente noteproblemas na sua visão. Isso vem dos seguintes fa-tores: (1) não há sintomas oculares do tipo dor, des-conforto, etc., (2) o comprometimento ocular, embo-ra seja bilateral, geralmente é assimétrico (com um

olho enxergando bem, o paciente não percebe o dé-ficit visual no olho pior!), (3) a principal visão com-prometida é a periférica, que é menos utilizada para acompreensão da imagem, (4) a doença progride insi-diosamente (o glaucoma de ângulo aberto é “um as-sassino silencioso do olho”). Quando o paciente per-cebe que a sua visão está comprometida, geralmentejá existe um grande déficit visual irreversível. Daí aextrema necessidade de se fazer os exames de tria-gem no oftalmologista, especialmente nos indivídu-os que apresentam fatores de risco.

Na FIGURA 3 podemos perceber a evolução do défi-cit visual do glaucoma de ângulo aberto. Primeirosurgem escotomas na periferia do campo visual, de-pois há perda da visão periférica até a completatunelização visual.

4. Tonometria (medida da PIO)

A tonometria deve ser um exame rotineiro em todaconsulta oftalmológica. Uma PIO > 21 mmHg, comovimos, é um importante fator de risco para glaucoma.No entanto, nunca podemos confiar apenas nesteexame para fazer uma adequada triagem para o GPAA,pois a PIO de um indivíduo é um parâmetro bastantevariável no tempo e além disso, existe o glaucoma depressão normal. Estes fatores justificam o encontrode uma PIO normal numa primeira avaliação em até50% de portadores de GPAA! Como veremos adian-te, os exames para diagnosticar o glaucoma de ângu-lo aberto são diferentes da tonometria e devem ser

Principais fatores (clássicos):1- Aumento da pressão intraocular (>21 mmHg)2- Brancos > 65 anos3- Negros > 40 anos4- História familiar positiva (parente de 1º grau)Outros fatores:5- Corticoides

- Sistêmicos (>15 mg/dia de prednisona)- Inalatórios em altas doses- Colírio de corticoide (principal)

6- Diabetes mellitus7- Hipertensão arterial8- Baixa pressão de perfusão ocular diastólica9- Miopia de alto grau10- Pseudo-exfoliação

Tabela 1: Fatores de risco para glaucoma primário deângulo aberto.

Fig.3: Fases da visão no glaucoma primário de ângu-lo aberto.

Visão Normal

Fase precoce do glaucoma

Fase intermediária do glaucoma

Fase avançada do glaucoma

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realizados não somente naqueles com PIO> 21 mmHg,mas também em qualquer indivíduo que pertença aogrupo de risco (independente da PIO)...

É importante relembrar que o paciente que possuiPIO elevada, mas sem glaucoma confirmado, podeser considerado como “glaucoma suspeito”.

Existem vários métodos de tonometria, embora o maisutilizado e confiável seja a tonometria de aplanação.

Este método se baseia no princípio da lei de Imbert-Fick, na qual a pressão no interior de uma esfera podeser precisamente determinada quando se exerce umaforça sobre a sua superfície, capaz de produzir umaárea de aplanamento. A pressão pode ser obtida pelocálculo P = F/A, sendo F = força exercida e A = área deaplanamento. O instrumento mais usado na prática é otonômetro de Goldmann (FIGURA 4A). Este apare-lho é munido com dois biprismas de plástico na pontaque ao tocar a córnea do paciente produzem semicírcu-los visualizados pelo examinador com a luz azul, atra-vés da lâmpada de fenda. Quando a córnea á aplanada,os semicírculos se unem formando um círculo, momentono qual pode ser lida a PIO. O exame é realizado apósaplicar no olho um colírio anestésico e um colírio defluoresceína. Com o paciente sentado e a cabeçaacoplada a uma lâmpada de fenda, o aparelho é tocadocuidadosamente em sua córnea, enquanto o examinadora observa utilizando a luz azul. Na união dos semicírcu-los é feita a leitura. Outro aparelho que usa o mesmoprincípio da aplanação é o Tono-Pen (FIGURA 4B), uminstrumento portátil, em forma de caneta, que ao serencostado na córnea do paciente, faz a leitura automa-ticamente.

O método mais antigo de tonometria, ainda utilizadopor alguns é a tonometria de identação, utilizando otonômetro de Schiotz (FIGURA 5). É um aparelhoportátil de baixo custo, que se baseia em princípios

Fig.4: Tonometria de aplanação. Fig.4A:tonômetro de Goldman. Fig.4B: Tono-Pen.

Fig.4A

Tonômetro de Goldmann

Tono-Pen

Fig.4B

Fig.5: Tonometriade identação:tonômetro deSchiotz.

Fig.6: Fundoscopia no glaucoma.

Papila ópticaglaucomatosa

avançadaobserve a escavação

(setas)

Papila ópticaglaucomatosa

avançadaobserve a escavação e

o aspecto da lêminacribiforme

Glaucoma (escavação)

Papila normal

Oftalmoscopia diretal

mecânicos, calculando a PIO indiretamente pelo graude identação da córnea após aplicação de um pesode 5,5g. O exame precisa ser feito obrigatoriamentecom o paciente em decúbito dorsal. Este método émenos confiável que a tonometria de aplanação,embora seja mais disponível e interessante para ternas emergências hospitalares (ver adiante em Glau-coma de Ângulo Fechado)!

5. Diagnóstico e Triagem

Como vimos, o diagnóstico do glaucoma não podeser feito pela tonometria, pois a elevação da PIO éapenas um fator de risco e não um definidor de doen-ça e além disso a PIO pode ser normal em indivíduoscom glaucoma. Os exames de escolha para o diag-nóstico do glaucoma são: (1) estudo da morfologiada papila óptica (fundoscopia ou oftalmoscopia), (2)estudo do campo visual (perimetria). Estes são osprincipais exames para a triagem diagnóstica para oglaucoma de ângulo aberto!!

Quem são os indivíduos com indicação de triagem?

A princípio, são aqueles que possuem PIO > 21 mmHgna tonometria ou algum fator de risco importante paraGPAA. Veja na Tabela 2 as indicações de exames detriagem para glaucoma. A presença de pelo menosuma delas já indica a avaliação! Quando negativospara glaucoma, a repetição dos exames deve ser rea-lizada periodicamente.

com o diâmetro total da papila (relação escavação-papila). Este achado pode ser facilmente visualizadopor um oftalmologista treinado. Na escavação papilar,eventualmente pode ser notada a lâmina cribiforme...

Estudo do Campo Visual (Perimetria): a perimetriaé um exame capaz de avaliar o campo visual de cadaolho de forma precisa. Este exame somente demons-trará alterações nos pacientes com perda de mais de40% das fibras do nervo óptico, não devendo, por-tanto, ser utilizado de forma isolada na avaliação doglaucoma... Atualmente, dois métodos têm sido utili-zados: (1) perimetria manual de Goldmann e (2)

1- Aumento da pressão intraocular (> 21 mmHg)2- Brancos > 65 anos3- Negros > 40 anos4- História familiar positiva (parente de 1º grau)5- Diabetes mellitus6- Miopia de alto grau

Tabela 2: Indicações de se realizar triagem (perimetria efundoscopia) para glaucoma de ângulo aberto

Fundoscopia (Oftalmoscopia): este é o exame inici-al obrigatório na avaliação do glaucoma, sendo emseguida complementado pelo estudo do campo vi-sual. Pode ser feito por maio da oftalmoscopia direta(FIGURA 6) ou indireta (ver capítulo de Retinopatias).As alterações aparecem antes de ocorrerem déficitsno campo visual detectáveis na perimetria... O acha-do clássico é a escavação no centro da papila óptica(FIGURA 6), que deve ser mensurada e comparada

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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 45

perimetria computadorizada de Humphrey. Para o di-agnóstico do glaucoma, a preferência é a para o se-gundo método. O paciente sentado olha através doaparelho (um olho de cada vez), focalizando volun-tariamente a sua visão em um alvo fixo (FIGURA 7).Pontos luminosos aparecerão piscando em diversasporções do campo visual e cada vez que o pacienteenxergá-los, deve apartar um botão. O computadorfaz a leitura. Na presença de glaucoma, o exame irárevelar defeitos no campo visual característicos des-ta doença (FIGURA 7), tais como degrau nasal, es-cotoma paracentral, escotoma de Siedel, escotomaarqueado, etc.

Como avaliar o ângulo írido-corneano?

Além de diagnosticar o glaucoma, é importante sa-ber se realmente é um glaucoma de ângulo aberto.

tipos de substâncias com este efeito (beta-bloquea-dores, análogos de prostaglandinas, alfa2-agonis-tas, inibidores da anidrase carbônica e colinérgicos).A droga de escolha para iniciar o tratamento é ocolírio de beta-bloqueador, na ausência de contrain-dicações. Se a PIO alvo não for atingida, deve-seassociar outra droga ou trocar. A terapia tópica com-binada possui um excelente efeito em pacientes nãocontrolados pela terapia isolada. Uma estratégia muitoutilizada é iniciar a administração da droga tópica emum só olho, observando-se a PIO neste olho ficarásignificativamente menor que no outro olho, provan-do que a queda da PIO foi realmente o efeito da dro-ga e não uma variação espontânea... Uma vez com-provada a eficácia, a droga deve ser aplicada emambos os olhos!

Um problema que afeta os clínicos é o fato da maioriadas substâncias usadas em colírios para tratar o glau-coma terem alguma absorção sistêmica, podendoprovocar efeitos adversos. A explicação é que umaporção variável do fármaco é absorvida pelo ductonasolacrimal, ganhando o plexo nasal e a circulaçãosistêmica. Uma forma de atenuar este problema é ori-entando o paciente para ocluir o ducto nasolacrimalpor 5 minutos, com pressão digital ou oclusão palpe-bral, após pingar o colírio.

Beta-bloqueadores: os beta-bloqueadores são asdrogas de escolha no GPAA, pela sua tradição e efi-cácia comprovada. Reduzem em média 30% da PIO,por reduzir a produção de humor aquoso no corpociliar. Em nosso meio, dispomos dos colírios detimolol 0,25-0,5% 2x/dia (Timolol), levobunolol 0,25-0,5% 2x/dia (Betagan) e o betaxolol 0,5% 2x/dia(Betoptic). Existe o timolol gel ocular 0,5% 1x/dia. Otimolol e o levobunolol são beta-bloqueadores não-seletivos (bloqueio beta1 e beta2), enquanto que obetaxolol é um beta-bloqueador beta1-seletivo. Es-sas drogas possuem ótima tolerância ocular, porémpodem acarretar efeitos adversos sistêmicos, comobroncoespasmo, bradicardia, hipotensão arterial,descompensação da insuficiência cardíaca e dislipi-demia. São contra-indicados em indivíduos asmáti-cos moderados a graves ou com bradiarritmia ou comICC descompensada!! O médico deve estar atento,pois um dia pode se deparar com um paciente emcrise asmática, sem razão aparente, quando na ver-dade, o culpado foi o colírio de beta-bloqueador.

Análogos da prostaglandina: são agonistas dosreceptores da PGFalfa e agem aumentando a drena-gem do humor aquoso pela via alternativa (úveo-escleral). Atualmente são as mais usadas no trata-mento do GPAA nos EUA... Os consensos reco-mendam essas drogas em pacientes cujo glaucomanão foi devidamente controlado por beta-bloque-daores ou quando estes são contra-indicados ounão tolerados. Ou seja, são as drogas de segundaescolha no GPAA. A grande vantagem é a posologia(1 aplicação ao dia em cada olho) e a raridade deefeitos adversos. O grande problema é o seu altocusto. Efeitos estéticos na íris e nos cílios podemser observados em 10% dos casos: escurecimentoda íris (a cor castanho-azulada ou castanho-esver-deada pode se converter em cor castanho puro e

Perimetrianormal

Escotoma arqueadocom degrau nasal

Fig.7: Perimetria no glaucoma (em graus progressivos).Obs.: O ponto cego é um achado normal em todo examede perimetria, pois ele corresponde à área da papilaóptica, que não possui nem cones nem bastonetes (cé-lulas visuais).

Pontocego

Escotomaarqueado

Pontocego

Tunelização

Pontocego

Escotoma paracentrale periférico

Pontocego

Escotoma periféricocom degrau nasal

Pontocego

Perimetria computadorizada de Humphrey.

Pontocego

Fig.8: Gonioscopia no glaucoma.Observe a técnica (acima), neste caso utilizando-sea lente de Zeiss. Observe (abaixo) uma gonioscopianormal (ângulo aberto).

Para isso, utilizamos a gonioscopia (FIGURA 8), exa-me que mostrará uma medida normal do ângulo írido-corneano (FIGURA 8).

6. Tratamento

Embora o glaucoma seja causado por fatores vascu-lares e metabólicos da papila óptica, até o momentonão existem medidas eficazes que agem diretamentesobre tais fatores. A única forma de tratamento dis-ponível para o GPAA é a redução da PIO. Estudosrandomizados, como o EMGT (Early Manifesta Glau-coma Trial) e outros, publicados recentemente (2002),demonstraram que a redução farmacológica da PIOrealmente estabiliza a doença, prevenindo a sua pro-gressão. Em geral, a cada queda de 1mmHg na PIO,há uma redução de 9% no risco de progressão doglaucoma... A PIO alvo deve ser individualizada emcada paciente, geralmente uma redução de 20-40%em relação à PIO anterior. Durante o tratamento, opaciente deve ser acompanhado com tonometria, fun-doscopia e perimetria. Se a redução inicial da PIOnão estiver prevenindo a evolução da lesão glauco-matosa, uma nova PIO alvo deve ser estabelecida. Opaciente deve ser acompanhado a cada 3-4 meses (2-4 semanas inicialmente nos casos de PIO muito ele-vada). Não se pode perder de vista que o objetivofinal do tratamento do GPAA é estabilizar a lesãoglaucomatosa, contendo a sua progressão!! Infeliz-mente, a visão que já foi perdida não pode ser maisrestaurada...

Tratamento Farmacológico

O paciente com GPAA deve sempre receber inicial-mente tratamento farmacológico, com medicaçõestópicas (colírios) redutores da PIO. Existem diversos

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mais escuro) e espessamento, alongamento e hi-perpigmentação dos cílios. Em nosso meio dispo-mos do latanoprosta 0,005% 1x/dia (Xalatan), in-cluído em estudos randomizados, travoprosta(Travatan), bimatoprost (Lumigan) aprovados peloFDA e já amplamente utilizados no Brasil, e uno-prostone (Rescula).

Alfa2-agonistas: são análogos da clonidina queagem reduzindo a produção de humor aquoso pelocorpo ciliar e aumentando a drenagem do mesmo pelavia convencional. Produzem poucos efeitos colate-rais, embora eventualmente causem boca seca,retração palpebral ou reações alérgicas, como a con-juntivite papilar e dermatite de contato. Em nossomeio estão disponíveis: apraclonidina 0,5% 3x/dia(Iopidine), brimonidina 0,15% 3x/dia (Alphagan),esta com menos efeitos alérgicos, porém mais cara.O colírio de dipivefrina é uma pró-droga da epinefrina(adrenalina), um alfa-beta-agonista com efeitos ocu-lares semelhantes aos alfa2-agonistas. Esta pró-dro-ga é convertida em epinefrina pelas células da cór-nea, aumentando o efeito ocular e reduzindo os efei-tos sistêmicos da epinefrina. A dipivefrina possuiefeito antagônico com os beta-bloqueadores, o temreduzido o seu uso no GPAA.

Inibidores da anidrase carbônica: houve uma épo-ca em que se tratava GPAA com acetazolamida(Diamox) via oral; contudo, esta droga possui efei-tos adversos que a tornou obsoleta para este intui-to. Entretanto, foram criados os inibidores da anidra-se carbônica tópicos, sob a forma de colírios, que semostraram drogas adequadas para o tratamento doGPAA. Agem reduzindo a produção de humor aquo-so pelo corpo ciliar por inibir a secração de bicarbo-nato. Dispomos em nosso meio dos seguintesfármacos: dorzolamida 2% 3x/dia (Trusopt) ebrinzolamida 1% 3x/dia (Azopt).

Colinérgicos (mióticos): foram as primeiras drogastópicas utilizadas no tratamento do glaucoma, desde1870 e são as mais baratas do mercado. Como vimosno início deste capítulo, agem por aumentar a drena-gem do humor aquoso pela via convencional, aocontrair o músculo ciliar e o esfíncter da íris (miose),tracionando o esporão escleral e abrindo a rede tra-becular. No mercado existe a boa e conhecida de to-dos, a pilocarpina 1-2% 3-4x/dia (Pilocarpina, Isop-tocarpine). O grande problema do colírio colinérgi-co é induzir a miopia, por manter o músculo ciliarcontraído e, portanto, o cristalino persistentementeacomodado para visão de perto. Com isso, a visãopara longe mantém-se desfocada (miopia). Outro pro-blema é estético: o paciente passa a apresentar pupi-las mióticas não responsivas...

Marijuana: a substância da marijuana (“maconha”),o tetraidrocanabinol, parece ter efeitos de baixar aPIO. Foram criados canabinoides tópicos em colírio,utilizados em alguns países para tratar GPAA. Entre-tanto, os resultados dos estudos randomizados atéo momento foram conflitantes, bloqueando a apro-vação destes produtos pelo FDA. O uso sistêmicoda marijuana é contraindicado pelos seus efeitosadversos deletérios.

Fig.9: Trabeculoplastia a laser.

Tratamento Intervencionista

Dois tipos de tratamento intervencionista têm sidoutilizados no tratamento do GPAA: trabeculoplastiaa laser e trabeculectomia cirúrgica. A intervenção noGPAA é indicado nas seguintes situações: (1) a PIOalvo não foi atingida com a farmacoterapia otimizada,(2) a lesão glaucomatosa continua a progredir, mes-mo quando a PIO alvo foi atingida com a farmacote-rapia, (3) intolerância à terapia farmacológica.

Trabeculoplastia a Laser de Argônio: é realizadacom colírio anestésico, através de uma fonte de laserde argônio focada no ângulo iridocorneano por umalente refletora (FIGURA 9). O efeito do laser é “abrir”anatomicamente a rede trabecular, facilitando a dre-nagem do humor aquoso. São várias aplicações delaser, até cobrir meia circunferência da junção irido-corneana. O procedimento é extremamente seguro eassintomático, tendo bons resultados em baixar aPIO a curto e médio prazo, mas o seu grande proble-ma é que o efeito costuma durar apenas 3-5 anos. Acirurgia possui melhor eficácia em pacientes comolhos mais escuros (íris mais pigmentada) e no glau-coma secundário à síndrome da pseudo-exfoliaçãoou à síndrome de dispersão pigmentar. Atualmente,alguns oftalmologistas o indicam como terapia inici-al do GPAA em pacientes que não desejam ou têmdificuldades com a aplicação regular dos colírios anti-glaucoma...

Trabeculectomia cirúrgica (Cirurgia de filtragemantiglaucoma): está indicada nos casos refratáriosa todas as demais modalidades de terapia não-cirúr-gica (incluindo os casos relativamente comuns derecorrência após a laserterapia) ou em pacientes queprecisam operar catarata (cirurgia combinada glau-coma-catarata). Alguns oftalmologistas preferem atrabeculectomia como procedimento inicial, ao invésda laserterapia... Esta cirurgia é realizada no centrocirúrgico, com anestesia local peribulbar e com o pa-ciente sedado. O objetivo é criar um canal alternati-vo de drenagem do humor aquoso entre a câmara

anterior e um “novo” espaço criado entre a esclera ea conjuntiva (“bolha de filtração”), de onde o líquidoganha facilmente a circulação venosa.

Acompanhe a técnica cirúrgica pela FIGURA 10...Com um fio de sutura tracionando a córnea superior-mente, o cirurgião injeta uma solução balanceada noespaço subconjuntival para a incisão da conjun-tiva,expondo a esclera. Em seguida, é levantado umretalho quadrangular da esclera, após o qual é resse-cado um bloco de tecido córneo-escleral e um peque-no fragmento triangular da íris (iridectomia), criandoum canal de drenagem para o humor aquoso. O cirur-gião conclui a cirurgia fechando o retalho escleral compontos de sutura separados depois e suturando a con-juntiva com pontos próximos. A “bolha de filtração” foicriada. Durante a cirurgia, são injetados antibióticose corticoides tópicos.

O paciente deve ser obrigatoriamente revisto nos pri-meiros 2 dias pós-operatórios, para a avaliar a neces-sidade de nova intervenção. Se houver sinais de baixafiltração (PIO elevada, bolha achatada), deve ser apli-cado laser para aumentar a drenagem pelo retalhoescleral (lise de sutura por laser). As primeiras 2semanas também exigem acompanhamento rigoroso.Colírios de antibiótico e corticoide devem ser utiliza-dos por 2 meses, para garantir um boa cicatrização,essencial para o funcionamento ideal da “bolha de fil-tração”. Nos casos em que o cirurgião antecipa umabaixa filtração pós-operatória, durante a cirurgia, deveser aplicado no espaço subconjuntival um agenteantimitótico tópico (5-fluoracil ou mitomicina-C).Estas substâncias inibem a fibrose local e melhoram oresultado cirúrgico. Com o uso desses agentes, a lisede sutura por laser, quando indicada, deve ser realiza-da tardiamente (primeiras 2 semanas para o 5-FU eprimeiros 2 meses para a mitomicina-C). As complica-ções da trabeculectomia cirúrgica são infrequentesquando realizada por cirurgião experiente. Existem di-versas complicações possíveis e a sua discussão estáfora do escopo deste compêndio...

Glaucoma com pressão normal

Como vimos, o glaucoma de pressão normal respon-de por 15% dos pacientes com GPAA. Estudos re-centes demonstraram que baixando a PIO em tornode 30% (mesmos recursos terapêuticos do GPAAcom PIO elevada) reduziu a progressão da lesão glau-comatosa, embora no grupo controle (sem tratamen-to), 2/3 dos pacientes evoluíram sem progressão.

Glaucoma suspeito (PIO elevada sem lesão glau-comatosa)

Um grande estudo randomizado (OHTS ou OcularHYpertension Treatment Study) está em andamentopara verificar a melhor conduta nos pacientes comglaucoma suspeito, que perfazem 10% da populaçãoacima de 40 anos. Na prática, as indicações de baixara PIO (para menos de 21 mmHg) no glaucoma sus-peito são: (1) pelo menos um fator de risco importan-te para GPAA (raça negra, história familiar positiva,uso prévio de corticoide, etc.), (2) oftalmopatias dealta predisposição ao glaucoma (miopia de alto grau,pseudo-esfoliação, trauma ou cirurgia ocular prévi-os, uveíte prévia, síndrome da dispersão pigmentaretc.), (3) PIO > 30 mmHg.

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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 47

III - GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO FECHADO

O glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF) re-presenta cerca de 10% dos adultos com glaucomaidiopático, sendo definido pela presença de um ân-gulo iridocorneano (ângulo de filtração) estreito navigência da lesão neuropática glaucomatosa. O GPAFé uma entidade clínica totalmente diferente do GPAA,tanto nos aspectos clínicos como terapêuticos. Oângulo estreito é decorrente de alterações anatômicasque aproximam a raiz da íris da córnea, o que podecomprometer estruturalmente a drenagem do humoraquoso pela rede trabecular.

Como veremos, o GPAF pode se manifestar de formaaguda (considerada uma emergência médica), suba-guda ou crônica. Via de regra, a PIO está significati-vamente elevada, sendo este o grande fator defla-grador da lesão glaucomatosa.

1. Epidemiologia

O GPAF predomina na faixa etária entre 55-70 anos.Em adultos da raça branca, a prevalência acima de 40anos está em torno de 0,1%. Nos asiáticos e nosesquimós, a prevalência deste tipo de glaucoma émuito maior, atingindo cifras entre 2-5%. A Tabela 3lista os principais fatores de risco para o GPAF.

Fig.10: Trabeculectomia cirúrgica.

1- Ângulo iridocorneano estreito (constitucional)2- Idade > 40 anos3- Sexo feminino (3:1)4- Asiáticos5- Esquimós6- História familiar positiva (parente de 1o grau)7- Hipermetropia8- Diabetes mellitus9- Íris plateau10- Pseudo-esfoliação

Tabela 3: Fatores de Risco para o GPAF.

O sexo feminino, a etnia asiática ou dos esquimós ea hipermetropia são fatores relacionados com umacâmara anterior rasa, determinando maior probabi-lidade de um ângulo iridocorneano constitucional-mente estreito. Na hipermetropia, isto vem do fatodo olho apresentar um diâmetro ântero-posteriorpequeno.

É importante compreender que nem todo pacientecom ângulo iridocorneano estreito (um problemaconstitucional) terá glaucoma de ângulo fechado...Isto é apenas um fator de risco. Por exemplo, cercade 2-8% da população possui um ângulo iridocor-neano estreito e somente 5% destes indivíduos de-senvolverão glaucoma de ângulo fechado! Dizemosque um ângulo estreito é um ângulo “fechável”, ouseja, tem um potencial para glaucoma...

A idade avançada cursa com alterações estruturaisdo cristalino, tais como aumento de sua espessura,aumento da curvatura anterior e leve deslocamento

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anterior. Estas alterações aproximam o cristalino daíris, um mecanismo que pode induzir ao bloqueiopupilar em pacientes predispostos (mecanismo queserá abordado a seguir...).

2. Patogênese

Bloqueio pupilar

O principal mecanismo mais comum do GPAF é obloqueio pupilar. Este fenômeno geralmente ocorreapós os 50 anos de idade em indivíduos predispos-tos, ou seja, que nasceram com uma câmara anteriorestreita. Este tipo de anatomia coloca a íris mais pró-xima do cristalino. Como a espessura do cristalinoaumenta com a idade, esta estrutura pode encostardemais na íris, dificultando a passagem do humoraquoso pela pupila. O acúmulo inicial de líquido nacâmara posterior forma um gradiente de pressão queempurra a íris para frente (“íris bombe”), estreitandoainda mais o ângulo írido-corneano (FIGURA 11).

Apesar da alteração anatômica, estes pacientes fre-quentemente apresentam PIO normal... Porém, ficampropensos à crise de fechamento total do ângulo defiltração, desencadeando a crise aguda de glaucoma(glaucoma agudo de ângulo fechado). Esta crise ge-ralmente é precipitada por situações que provocam ameia-midríase (3,5-4 mm). Entre elas, estão o estresseemocional, a meia-luz (ex.: cinema, teatro, restau-rante, etc.) e a aplicação de colírios cicloplégicos(midriáticos) utilizados para exames de fundosco-pia ou de refração. Durante o sono, a as pupilasficam mióticas, não sendo portanto um fator desen-cadeante... Após a aplicação do colírio, o pacientefaz uma midríase máxima (sem risco para fechar oângulo), porém, durante a recuperação (uma a algu-mas horas depois), a pupila atinge a meia-midríase,

precipitando a crise... A posição de meia-midríase éaquela que mais encosta o cristalino na íris, pois amesma se encontra tensionada. Com isso, pode sur-gir um bloqueio pupilar total (FIGURA 11), impedin-do totalmente a passagem do humor aquoso da câ-mara posterior para a câmara anterior, empurrandoainda mais a íris para frente e fechando completa-mente o ângulo de filtração. O resultado final é umgrande aumento da PIO ao nível da câmara posteriore anterior, precipitando a crise de glaucoma agudo.Nesta crise, a PIO costuma chegar a valores entre 40-80 mmHg, o que pode lesar a papila óptica em poucashoras, provocará amaurose irreversível se a PIO nãofor prontamente controlada!! A primeira crise de glau-coma agudo geralmente afeta apenas um olho, mas ooutro olho pode ser afetado numa próxima crise.

O glaucoma subagudo de ângulo fechado possui umapatogênese semelhante, mas quantitativamente me-nos pronunciada, pois o bloqueio pupilar agudo e ofechamento do ângulo não chegam a ser totais. Es-tes pacientes fazem crises brandas autolimitadas re-correntes de elevação da PIO.

O glaucoma crônico de ângulo fechado é decorrenteda formação de sinéquias anteriores periféricas, ouseja, aderências entre a raiz da íris e a rede trabecular,causando a obstrução total permanente de parte dacircunferência do ângulo iridocorneano. Tais siné-quias no glaucoma primário são formadas pela apro-ximação iridocorneana decorrente de um bloqueiopupilar parcial crônico. Raramente, o glaucoma crô-nico de ângulo fechado pode ser desencadeado pelouso crônico de colírios colinérgicos (mióticos),como a pilocarpina. Estes colírios mantêm o músculociliar contraído, exagerando a acomodação do crista-lino, o que aumenta a espessura do mesmo, facilitan-do o bloqueio pupilar em indivíduos predispostos.

Íris Plateau

É um defeito constitucional da íris que se apresentaachatada no centro e angulada demais na periferia,devido à proeminência do corpo ciliar empurrando asua raiz . Com isso, o ângulo iridocorneano torna-sebastante estreitado e o paciente pode evoluir comqualquer um dos três tipos de glaucoma de ângulofechado (agudo, subagudo ou crônico), embora aforma crônica seja mais comum... É mais comum emmulheres jovens, entre 30-40 anos; por isso, todoglaucoma de ângulo fechado que ocorre antes dos50 anos deve aventar a hipótese da síndrome da írisplateau. Na maioria das vezes, a íris plateau vem as-sociada ao bloqueio pupilar, embora numa minoriados casos possa ser a única causa do glaucoma...

3. Avaliação Diagnóstica

O exame oftalmológico rotineiro deve avaliar o ân-gulo iridocorneano, especialmente em pacientes commais de 40 anos, para triar os pacientes que possuemângulo estreito e, portanto, apresentam risco poten-cial para desenvolver o glaucoma de ângulo fecha-do. Existem quatro exames neste intuito: (1) teste dailuminação oblíqua, (2) teste de van Herick na lâmpa-da de fenda, (3) gonioscopia, (4) biomicroscopia comultrassom. Além disso, todo paciente com ânguloiridocorneano estreito confirmado deve ser avaliadocom outros exames para determinar a PIO e se já exis-te glaucoma. Portanto, estão indicados: tonometriade aplanação, fundoscopia (oftalmoscopia) para ava-liação da papila óptica e perimetria do campo visual.Testes provocativos monitorados podem ser realiza-dos em pacientes com ângulo estreito para avaliar orisco de fechamento do ângulo e, portanto, de glau-coma. O erro de refração deve ser determinado paraavaliar a presença de hipermetropia...

Teste de iluminação oblíqua: este teste pode ser rea-lizado até pelo clínico! Utilizando uma lanterna com aluz iluminando tangencialmente a porção temporal doolho, observa-se a íris. Se o ângulo for aberto, toda aíris será iluminada; se o ângulo for estreito, a luz sóiluminará a porção temporal da íris, deixando umasombra em sua porção nasal (FIGURA 12). O motivoé que os pacientes com ângulo estreito possuem umaíris levemente abaulada no centro, pelo mecanismodo bloqueio pupilar parcial. Este teste à beira do lei-to, embora de execução muito fácil, possui umaacurácia inferior aos outros métodos. Portanto, é in-dicado apenas na impossibilidade dos mesmos...

Fig.11: Mecanismo do bloqueio pupilar como causa do estreitamento ou fechamento doângulo iridocorneano. Fig.12: Teste da iluminação oblíqua.

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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 49

Teste de van Herick: utilizando a lâmpada de fenda,o examinador posiciona uma fenda de luz angulada a60o na periferia da córnea , observando-se a distân-cia entre a fenda de luz corneana e a fenda de luz daíris, comparando-a com o diâmetro da fenda de luzcorneana (FIGURA 13). O ângulo iridocorneano érepresentado pela distância entre as fendas, sendonomeado ângulo da câmara anterior (AC).

Testes Provocativos: são usados para simular as si-tuações de meia-midríase. Qualquer que seja o teste,é medida a PIO antes e depois de 60-90min da “pro-vocação”. Existem quatro tipos: (1) teste do quartoescuro: o paciente fica num ambiente escuro; (2) tes-te do decúbito prona: o paciente fica em decúbitoventral; (3) teste do decúbito prona em quarto escu-ro: mistura dos dois anteriores; (4) teste do midriáti-co: é aplicado tropicamida (Midriacyl) a 0,5-1%. Ostestes provocativos são considerados positivosquando há um aumento acima de 8 mmHg na PIO,indicando maior probabilidade de o indivíduo de-senvolver um glaucoma de ângulo fechado. Estestestes têm sido questionados por muitos oftalmolo-gistas por não terem demonstrado boa acurácia nosestudos. Eles preferem confiar nos achados dagonioscopia e no julgamento clínico para decidir aconduta nos pacientes com ângulo estreito, sem glau-coma ainda presente...

4. Glaucoma Agudo de Ângulo Fechado (Crise Aguda de Glaucoma)

Este tipo de glaucoma é o mais importante para oclínico! Trata-se de uma emergência médica que, senão reconhecida e prontamente e adequadamentetratada, acarreta a perda completa e irreversível davisão do olho afetado, o que pode ocorrer ao longode poucas horas!!! Como vimos, a crise aguda de glau-coma pode ser desencadeada pelo próprio médico,após aplicar um colírio midriático-cicloplégico antesde fazer, por exemplo, uma fundoscopia, exame tam-bém realizado pelo clínico!! Para que isso não ocorra,é importante a realização pelo menos do teste de ilu-minação oblíqua (e idealmente o teste de van Herick)antes de aplicar qualquer um destes colírios... Emcaso de ter sido aplicado um colírio midriático-cicloplégico num paciente sabidamente com ânguloestreito, a midríase pode ser prontamente revertidacom o colírio alfa-adrenérgico dapiprazol 0,5%. Nãose deve usar um colírio colinérgico miótico nestecaso, pois, em combinação com o colírio midriático,provocará a meia-midríase...

Esta síndrome ocorre geralmente após os 50 anos empacientes do grupo de risco (ver anteriormente), sen-do precipitada por qualquer situação indutora dameia-midríase, como estresse emocional, meia-luzou de forma iatrogênica.

Manifestações Clínicas

O “ataque” quase sempre acomete somente um olho,iniciando-se de forma abrupta e bastante dramática.Observe os principais sintomas na Tabela 4 e veja aFIGURA 14. Uma crise no outro olho é bastante pro-vável (até 50%) nos próximos 2 anos.

Perceba que esta crise pode simular uma crise gravede enxaqueca! Contudo, uma boa anamnese e umadequado exame físico podem diferenciar facilmenteas duas entidades. Na dúvida, a PIO extremamenteelevada pode confirmar o diagnóstico. Geralmente,utiliza-se o tonômetro de Schiotz ou o Tono-pen (verem “Glaucoma Primário de Ângulo Aberto”), por se-rem aparelhos portáteis. Um desses tonômetros é

peça essencial numa sala de emergência! A crise agu-da de glaucoma é uma das múltiplas causas de “sín-drome do olho vermelho”, como descreveremos emoutro capítulo.

Tratamento da Fase Aguda

O tratamento deve ser realizado no hospital, geral-mente na sala de emergência. A demora no seu iní-cio pode ter consequências graves e irreversíveispara a visão do olho comprometido. O objetivo ébaixar o mais rapidamente possível a PIO, para ocontrole da crise e a prevenção de um dano glauco-matoso imediato. Após a crise ser devidamente con-trolada com terapia farmacológica, o paciente devereceber a intervenção a laser (iridotomia periféricaa laser), como medida definitiva para o tratamentodeste glaucoma. A terapia medicamentosa emergen-cial utiliza drogas tópicas (colírios) e sistêmicas (via

Fig.14: Glaucoma Agudo de Ângulo Fechado.Observe a injeção conjuntival perilímbica e o hazecorneano.

Sintomas1- Dor ocular e retroorbitária2- Cefaleia frontal3- Fotofobia4- Lacrimejamento5- Náuseas e vômitos6- Sudorese fria7- Borramento visual8- Visão de halos em volta de luzesSinais1- “Olho vermelho”, com injeção conjuntival perilímbica (em volta da córnea)2- Haze corneano (certa opalescência da córnea decorrente do edema corneano)3- Pupilas em meia-midríase, não fotorreagentes ou pouco fotorreagentes, devido à isquemia iriana4- PIO extremamente elevada, entre 40-90 mmHg (quando possível medir)

Tabela 4: Sinais e Sintomas da crise Aguda de Glaucoma.

Fig.13: Teste de van Herick.

Grau 4: ângulo aberto

Grau 2: fechamento provável

Com esta técnica, pode-se classificar o ângulo da câmaraanterior (AC) pela sua comparação com a fenda corneana(FC): grau 0 = não há espaço: AC = zero (ângulo fechado);grau 1 = AC < 1/4 FC (ângulo de 10o, fechamento provável);grau 2 = AC = 1/4 FC (ângulo de 20o, fechamento possível);grau 3 = AC = 1/2 FC (ângulo de 30o, fechamento imprová-vel); grau 4 = AC = FC (ângulo aberto, acima de 35o).

Pacientes com ângulo grau 3 e 4 podem receber colí-rio midriático, sem maiores riscos, enquanto que pa-cientes com ângulo grau 0, 1 e 2 devem ser poupa-dos do uso desses colírios... Este é o teste de tria-gem mais usado, tendo uma acurácia muito maior doque o teste de iluminação oblíqua.

Gonioscopia: é indicada quando o teste de van Herickfor positivo. Este exame é considerado o teste padrão-ouro para a determinação do ângulo írido-corneano,sendo importante também para diagnosticar a írisplateau e outras doenças oculares associadas a glau-coma de ângulo fechado, o que pode nortear a terapia.O método foi discutido e mostrado anteriormente quan-do falamos sobre o glaucoma de ângulo aberto...

Biomicroscopia com Ultrassom: exame capaz deavaliar com precisão o ângulo iridocorneano e a pre-sença de anormalidades anatômicas relacionadas aoglaucoma de ângulo fechado. Por ser um exame caro,é reservado apenas nos poucos casos em que existedúvidas após a gonioscopia...

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MEDGRUPO - 201450

oral e venosa). Todas as medidas devem ser toma-das em conjunto:

- Agentes osmóticos sistêmicos: fazer manitol ve-noso 2,5-10 ml/Kg de uma solução a 20% (ex.: 70 Kg= 175-700 ml; na prática usa-se 250-500 ml). Essesagentes aumentam subitamente a osmolaridade plas-mática, retirando líquido dos tecidos. No caso doolho, haverá saída de líquido do corpo vítreo, redu-zindo de imediato a PIO. Alguns autores preconizamo uso do manitol apenas nos casos em que a PIO nãobaixar para o normal (< 21 mmHg) após 1h de terapiacom os demais medicamentos... Devemos ter cuida-do ao usar manitol em cardiopatas e nefropatas, pelorisco de edema agudo de pulmão...

- Inibidores da anidrase carbônica sistêmicos: fazeracetazolamida (Diamox) 500 mg VO, seguido de250 mg VO a cada 6h. Esta droga reduz com altaeficácia a produção de humor aquoso pelo corpociliar. A única contra-indicação é a história de alergiaà sulfa (já que a acetazolamida é derivado de sulfa).Pacientes com hipersensibilidade à acetazolamidapodem desenvolver graves reações idiossincrásicas,inclusive aplasia de medula...

- Colírio de Beta-bloqueador: fazer timolol (Timolol)0,5% 1 gota, repetindo 1h depois, se necessário.Manter com 1 gota a cada 12h até a realização dairidotomia a laser. Em pacientes com contraindica-ções a beta-bloqueadores (ex.: história de broncoes-pasmo), o colírio de timolol deve ser evitado. Nestecaso, se disponível, pode-se optar pelo colírio debetaxolol (Betoptic) 0,25%, um beta-bloqueadorbeta1-seletivo e de menor absorção sistêmica.

- Colírio de Alfa2-adrenérgico: deve-se fazer o colí-rio de apraclonidina (Iopidine) 1% 1-2 gotas, repe-tindo-se após 1h, se necessário. Esta droga age re-duzindo a produção de humor aquoso pelo corpociliar e possui efeito aditivo aos beta-bloqueadores.

- Colírio de Colinérgico (Miótico): deve-se fazer ocolírio de pilocarpina 2% (em olhos claros, ou 4%em olhos escuros) a cada 15-30min, num total de 2-4doses. Não devemos exceder a dose, sob o risco dedesencadear uma crise colinérgica (náusea, vômitos,diarreia, sudorese, bradicardia, hipotensão), especi-almente em idosos. Esta droga age no esfíncter daíris, provocando miose, e no músculo ciliar, repuxan-do o esporão escleral. A miose e o repuxamento doesporão escleral afastam a raiz da íris da rede trabe-cular, aumentando a drenagem do humor aquoso.Estes agentes não agem na íris isquêmica, situaçãocomum quando a PIO está acima de 40 mmHg. En-tretanto, a droga deve ser aplicada precocemente paraalcançar o seu pico de efeito no momento que a PIOtiver baixado com o restante das medidas.

- Identação corneana: um swab ou uma lente degonioscopia é forçada gentilmente no centro dacórnea para provocar uma identação. Este proce-dimento rechaça o humor aquoso da câmara ante-rior para o ângulo iridocorneano, facilitando a suadrenagem, além de eventualmente desfazer o blo-queio pupilar.

- Terapia adjuvante: (1) colírio de esteroide (acetatode prednisolona 1%) 1 gota a cada 6h até a realizaçãoda iridotomia a laser. Este colírio é usado para aliviara inflamação ocular, que contribui para os sintomas;(2) analgésicos sistêmicos, em caso de dor refratáriade maior intensidade; (3) antieméticos, para contro-lar as náuseas e vômitos.

Durante o tratamento da crise aguda de glauco-ma, a tonometria deve ser aferida a cada 30min.Se a PIO não cair abaixo 21 mmHg após 2h detratamento farmacológico, a iridoplastia a laserde argônio, deve ser feita em caráter de emer-gência. Se a PIO continuar acima de 21 mmHgapós 4-6h de tratamento, o paciente é encami-nhado para a cirurgia de urgência (ou iridotomiaa laser de urgência).

Após o controle da PIO (< 21 mmHg), a crise sópode ser considerada realmente abortada quan-do o ângulo não estiver mais fechado. Portanto,uma gonioscopia está indicada neste momento.Se o ângulo estiver fechado, mesmo após a re-solução da sintomatologia, a crise de glaucomapoderá voltar após horas ou dias! Neste caso,um procedimento (ou um novo procedimento,caso algum já, tenha sido realizado) precisa serprontamente realizado.

A iridotomia a YAG laser está sempre indicadaapós 2-7 dias do abortamento da crise, como pro-cedimento definitivo, prevenindo as recidivas. Atéo dia do procedimento, o paciente continua rece-bendo colírios de pilocarpina 2% e corticoide acada 6h em ambos os olhos e de beta-bloquerador (timolol 0,5%) a cada 12h no olhoacometido.

O olho não acometido também deve ser trata-do após uma crise de glaucoma agudo, pois achance deste olho apresentar uma nova crise éalta nos próximos anos. Por isso, a iridotomia aYAG laser deve ser realizada em ambos osolhos!!

Laserterapia

Um procedimento para corrigir em definitivo o dis-túrbio de drenagem no glaucoma de ângulo fechadoé sempre necessário! A terapia medicamentosa demanutenção não previne a evolução da doença e aocorrência de novas crises. Em anos recentes, a la-serterapia substituiu em grande parte o tratamentocirúrgico no glaucoma de ângulo fechado. Existemdois tipos de laserterapia para esta patologia: (1)iridotomia periférica a laser, e (2) iridoplastia periféri-ca a laser. Não confunda os nomes, pois são proce-dimentos bem diferentes e com funções e indicaçõesdiferentes... O procedimento de escolha é a iridoto-mia periférica com YAG laser (realizada 2-7 dias apóso controle da crise, quando retorna a transparênciacorneana), mostrando-se um excelente método paraa correção definitiva do problema básico destes pa-cientes: o bloqueio pupilar.

Iridotomia periférica a YAG laser: neste procedi-mento, realizado em ambulatório sob efeito de colírioanestésico, um feixe de laser (geralmente Nd:YAGlaser) é focalizado em um ponto na borda periféricada íris, criando um orifício para que o humor aquosopossa passar da câmara posterior para a câmara an-terior, desfazendo o bloqueio pupilar. Para a sua rea-lização, é necessário que a córnea esteja transparen-te, o que costuma ocorrer 2-7 dias após o controle dacrise aguda. Em casos de urgência, a transparênciacorneana pode ser eventualmente conseguida com aaplicação tópica de glicerina. Como o laser pode ele-var transitoriamente a PIO, é preciso que o pacientemantenha a medicação tópica até o dia do procedi-mento. As complicações mais comuns não trazemmaiores problemas, são elas: borramento visual tran-sitório, uveíte anterior transitória e pequenas hemor-ragias. As complicações mais temidas são o descola-mento de retina (raríssimo) e a ocorrência de novascrises de glaucoma agudo (que ocorriam com maisfrequência com o uso do laser de argônio).

Iridoplastia periférica a laser de argônio: tambémchamado de gonioplastia periférica a laser de argônio.Este procedimento (também ambulatorial e sob colí-rio anestésico tópico) não é via de regra considera-do um tratamento definitivo para o glaucoma de ân-gulo fechado, pois não desfaz o bloqueio pupilar. Éindicado em situações de emergência, para abortar acrise aguda não resolvida com os medicamentos, jáque não exige a claridade da córnea (o laser não ne-cessita de tanta precisão como no utilizado no pro-cedimento anterior...). O laser é aplicado diretamenteà extrema periferia da íris, visando desfazer uma par-te de seu tecido, sem provocar a formação de orifí-cio, para simplesmente afastar a sua raiz da rede tra-becular e facilitar a drenagem do humor aquoso. Ascomplicações são menos frequentes que as da irido-tomia, porém a maioria dos pacientes terá que fazer airidotomia a laser em um segundo tempo.

Cirurgia

O tratamento cirúrgico atualmente tem sido menosindicado no glaucoma de ângulo fechado, após oadvento da laserterapia. Entretanto, há casos em quea sua indicação é mandatória, como nos casos refra-tários à laserterapia. Raramente, uma crise aguda deglaucoma não consegue ser abortada mesmo com ouso do laser, necessitando de cirurgia de urgência.Outras vezes, mesmo após a iridotomia a laser, o pa-ciente volta a elevar a PIO, necessitando da cirurgia.

A cirurgia mais indicada é a iridectomia periférica,na qual é retirado um diminuto fragmento da íris, des-fazendo o bloqueio pupilar.

5. Glaucoma Subagudo de Ângulo Fechado

A patogênese é a mesma do glaucoma agudo, po-rém, a elevação da PIO é de menor gravidade e semanifesta em surtos repetidos oligossintomáticos.O diagnóstico deve ser suspeitado e confirmado, paraque a iridotomia a laser possa ser realizada, caso con-trário o paciente evoluirá com progressão da lesãoglaucomatosa.

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CAPÍTULO 4 - GLAUCOMA 51

6. Glaucoma Crônico de Ângulo Fechado

O glaucoma crônico de ângulo fechado (GCAF) ocor-re em indivíduos com ângulo iridocorneano estreitoe discreto bloqueio pupilar, que apresentam a forma-ção progressiva de sinéquias na periferia da íris, quepreenchem uma porção da circunferência iridocor-neana (geralmente a metade superior). Outros meca-nismos relacionados a este glaucoma são: íris plateau,uso crônico de colírios colinérgicos mióticos e a sín-drome de glaucoma combinado (ângulo fechado eângulo aberto: após a correção anatômica, o pacien-te permanece com os achados do GPAA). A PIO au-menta paulatinamente e o paciente desenvolve glau-coma assintomático, tal como no caso do glaucomade ângulo aberto primário. A necessidade de se me-dir o ângulo iridocorneano pela gonioscopia em todopaciente com glaucoma assintomático está no fatodeste glaucoma ter um tratamento totalmente dife-rente do glaucoma de ângulo aberto! Alguns pacien-tes com glaucoma crônico de ângulo fechado podem“agudizar”, desenvolvendo crises de glaucomasubagudo ou agudo...

Tal como nos demais glaucomas de ângulo fechado,no GCAF, a idirotomia periférica a YAG laser estásempre indicada para desfazer ou prevenir qualquergrau de bloqueio pupilar. Se após o procedimento, oângulo permanecer estreito e “fechável” (graus 1, 2ou 3 de van Herick), deve ser também realizada umairidoplastia periférica a laser de argônio. O proce-dimento cirúrgico da goniosinesquiálise é utilizadopara retirar a sinéquias, se estiverem presentes. Seapós a abertura do ângulo (confirmado pela gonios-copia), a PIO continuar elevada, provavelmente opaciente apresenta a síndrome do glaucoma combi-nado, devendo ser tratado de forma igual ao GPAA.

IV - GLAUCOMA SECUNDÁRIO

Existe um sem número de doenças oculares que po-dem provocar glaucoma, tanto de ângulo fechadocomo de ângulo aberto. Faremos uma sumária revi-são sobre as principais.

Síndrome da Pseudo-exfoliação(ângulo aberto)

É uma doença idiopática na qual a cápsula anteriordo cristalino “descama” um material que, através dapupila, alcança a câmara anterior e obstrui lentamen-te a rede trabecular. O diagnóstico é feito no exameda lâmpada de fenda quando o oftalmologista obser-va um material algodonoso na borda da pupila. Estespacientes costumam evoluir para glaucoma de ângu-lo aberto e devem ser tratados tal como o GPAA.Eles apresentam uma resposta particularmente exce-lente à trabeculoplastia a laser de argônio.

Síndrome da Dispersão Pigmentar(ângulo aberto)

É uma desordem idiopática caracterizada pela libera-ção de pigmento da face posterior da íris, ao ser

atritada contra as fibras zonulares do cristalino. Ma-nifesta-se geralmente em homens jovens (entre 20-50 anos), sendo mais comum nos negros e nos mío-pes. O pigmento se dispersa, passando pela pupila,atingindo a câmara anterior e obstruindo insidiosa-mente a rede trabecular. O paciente desenvolverá umglaucoma de ângulo aberto. Antes do glaucoma seinstalar, o paciente pode referir sintomas da síndro-me, como episódios de borramento visual e dor ocu-lar induzida pelo exercício físico. O diagnóstico é fei-to pela transiluminação da íris, notando-se peque-nos defeitos (“janelas”) despigmentados. O trata-mento inclui o uso crônico de colírios colinérgicosmióticos (pilocarpina), para afastar a íris das fibraszonulares. Possuem boa resposta à trabeculopastiaa laser de argônio.

Glaucoma traumático com Recessão angular(ângulo aberto)

Embora existam vários mecanismos para o glaucomatraumático (sinéquias, deslocamento do cristalino,etc.), o mais importante é o da recessão angular.Esta síndrome geralmente ocorre após muitos anosde um trauma ocular fechado, associado à formaçãode um hifema (sangue na câmara anterior) não ade-quadamente tratado. O sangue se acumula num ân-gulo iridocorneano traumatizado, levando paulatina-mente á formação de aderências e obstrução da dre-nagem pela rede trabecular. O paciente então podedesenvolver um glaucoma de ângulo aberto. O trata-mento é semelhante ao do GPAA, com algumas dife-renças, como evitar usar os colírios mióticos e acres-centar um colírio midriático ciclopégico ao esquema.Nos casos refratários, indica-se a trabeculectomiacirúrgica (utilizando agentes antimitóticos).

Glaucoma Pós-Uveíte (ângulo aberto ou fechado)

Uveíte é a inflamação da túnica vascular do olho, outrato uveal, formado pela íris, corpo ciliar e coroide.O tipo relacionado ao glaucoma é a uveíte anterior,ou iridociclite, uma causa clássica da “síndrome doolho vermelho”. Cerca de 20% dos pacientes quetiveram ou apresentam uveíte anterior desenvolve-rão glaucoma futuramente. O glaucoma de ânguloaberto é o tipo mais comum, decorrente do acúmulode debris leucocitários e de proteínas inflamatóriasna rede trabecular. O glaucoma de ângulo fechadopode ocorrer pela formação de sinéquias posteriores,tornando a íris aderida ao cristalino e, com isso, indu-zindo ao bloqueio pupilar, ou de sinéquias anterio-res, provocando a aderência da raiz da íris ao ânguloiridocorneano, tornando-o mais estreito.

A síndrome da uveíte heterocrômica de Fuchs éuma rara e interessante desordem caracterizada poruveíte leve unilateral, provocando alterações da pig-mentação de sua íris, deixando um olho mais claroque o outro. Esta síndrome aumenta o risco de glau-coma e de catarata precoce. Outra síndrome rara é asíndrome de Posner-Schlossman, também chama-da de crise glaucomatociclítica, descrita como cri-ses agudas de elevação da PIO, com pouca ou ne-nhuma inflamação ocular, devido à liberação agudade prostaglandinas.

O tratamento das uveítes anteriores é a aplicaçãoregular de colírios de corticoide e colírios midriáti-cos-cicloplégicos, para prevenir ou desfazer as siné-quias posteriores da íris. Uma vez instalado o glau-coma, o paciente deve receber colírios de beta-blo-queador associados. Nos casos refratários, indica-se a trabeculectomia cirúrgica.

Facoglaucoma (Secundário à Catarata)(ângulo aberto ou fechado)

Este tema foi descrito no capítulo sobre catarata.Existem três tipos: (1) facolítico, (2) facoanafilático e(3) facomórfico. Somente este último é de ângulo fe-chado. Estes glaucomas são complicações raras dacatarata, mas, como catarata é extremamente comum,a sua ocorrência não é incomum...

Glaucoma Neovascular(Glaucoma da Retinopatia Diabética Proliferativa)(ângulo fechado)

Trata-se de uma causa de glaucoma de ângulo fe-chado de prognóstico reservado e difícil tratamento.Está associado à retinopatia diabética proliferativae à oclusão da veia central da retina e, menos fre-quentemente, a causas como oclusão da artéria cen-tral da retina, doença carotídea aterosclerótica earterite temporal. A patogênese em comum é a isque-mia crônica dos tecidos oculares, provocando a libe-ração de fatores angiogênicos que são responsá-veis pela formação de neovasos na retina, papilaóptica, corpo ciliar, íris e ângulo iridocorneano. A raizda íris torna-se espessada e produz o estreitamentodo ângulo. O diagnóstico e o tratamento devem serrealizados precocemente, para garantir a eficácia daterapêutica. O tratamento mais indicado é a fotocoa-gulação panretiniana a laser.

V - GLAUCOMA CONGÊNITO

O glaucoma é uma importante causa de cegueira eambliopia (ver capítulo de Catarata) na criança, em-bora seja menos comum do que a catarata congênita.Embora o glaucoma primário da infância (que temcomo um dos tipos o glaucoma congênito) seja omais comum, existem diversas outras causas de glau-coma secundárias a outras doenças oculares. Des-creveremos primeiramente o glaucoma congênito esuas implicações clínicas e terapêuticas. Depois men-cionaremos sumariamente alguns conceitos funda-mentais sobre os outros tipos de glaucoma infantil.

1. Glaucoma Congênito Primário

O glaucoma congênito é uma entidade na qual umacriança nasce com um defeito na formação do ân-gulo de filtração iridocorneano (disgenesia angu-lar). A doença é congênita (malformação orgânicadurante a vida fetal) e não hereditária! Acomete 1 acada 10.000 nascimentos vivos. O ângulo encon-tra-se aberto (glaucoma de ângulo aberto), mas pos-sui alterações estruturais que dificultam a drena-gem do humor aquoso. O glaucoma é unilateral em

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MEDGRUPO - 201452

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1/3 dos casos e bilateral em 2/3 dos casos, sendogeralmente assimétrico.

Os sinais e sintomas podem aparecer ao nascimento(glaucoma congênito verdadeiro) ou durante os pri-meiros 2-3 anos de vida (glaucoma infantil). As ma-nifestações clínicas compõem um conjunto típico desinais e sintomas (Tabela 5).

talmoscopia), que irá revelar a escavação da papilaóptica, característica principal de qualquer glaucoma.

O tratamento deve ser programado o mais precocepossível, caso contrário, o risco de cegueira ou deambliopia é muito alto. A lesão glaucomatosa na cri-ança, para um dado aumento da PIO, progride maisrápido que no adulto, embora com a normalização daPIO, a possa ocorrer a redução da escavação papilar(diferentemente do adulto).

A terapia é sempre cirúrgica!! A cirurgia deve serrealizada o mais rápido possível, evitando-se ultra-passar o primeiro ano de vida, após o qual os resul-tados quanto à queda da PIO e ao controle da lesãoglaucomatosa começam a reduzir a sua taxa de su-cesso. Existem duas cirurgias como primeira opção:(1) goniotomia (corte sobre a rede trabecular), indi-cada quando não há opalescência significativa dacórnea, e (2) trabeculotomia (abertura do canal deSchlemm), procedimento preferido nos casos de opa-lescência corneana. O sucesso dessa cirurgia oscilaem torno de 80-90%. Em caso de falha, outras técni-cas cirúrgicas podem ser executadas, como atrabeculectomia. A terapia medicamentosa tópica(beta-bloqueadores e colinérgicos mióticos) tem oseu maior benefício no pós-operatório, com intuitode evitar uma segunda cirurgia...

2. Glaucoma Congênito Secundário

Diversas doenças oculares congênitas podem cau-sar glaucoma, geralmente sendo parte de um quadrosindrômico. As doenças mais associadas a glauco-ma congênito secundário são: síndrome de Sturge-Weber, aniridia, disgenesia do segmento anterior eretinopatia da prematuridade.

3. Glaucoma Afácico

Como vimos no capítulo sobre Catarata, o único tra-tamento disponível para a catarata congênita é a re-tirada do cristalino. Abaixo de 6 meses de idade, nãohá boa adaptação à colocação de uma lenteintraocular artificial e, portanto, estas crianças ficamsem cristalino (afácicas). Por mecanismos diversos,incluindo a presença de microftalmia associada à ca-tarata, as crianças afácicas possuem um risco em tor-no de 12% de desenvolver glaucoma dentro dos pró-ximos 4-6 anos do pós-operatório.

1- Lacrimejamento excessivo crônico (epífora)2- Fotofobia3- Blefaroespasmo4- Aumento da córnea (nos casos unilaterais ou bi-laterais muito assimétricos, há uma diferença notá-vel no tamanho da córnea entre um olho e o outro)5- Córnea opalescente (translúcida)6- Aumento do globo ocular (buftalmo)7- Injeção conjuntival

Tabela 5: Sinais e Sintomas do Glaucoma Congênito.

Os sinais de glaucoma congênito podem ser reco-nhecidos pela inspeção em apenas 30% dos recém-nascidos; no restante dos casos, a doença se apre-senta mais claramente nos primeiros 3 meses de vida(FIGURA 15), quando está completo o desenvolvi-mento do corpo ciliar e a produção do humor aquosoaumenta. A famosa tríade do glaucoma congênito (asaber: epífora + fotofobia + blefaroespasmo), deveser bem conhecida pelos pediatras, que são os pri-meiros médicos a examinar a criança e precisam sa-ber quando referenciá-la para o oftalmologista!! Oaumento da córnea se dá tanto no seu diâmetro quan-to na sua espessura. Por vezes, o alargamento dacórnea é assimétrico, provocando astigmatismo. Esteaumento estica o tecido corneano e costuma lesar oendotélio e a membrana de Descemet (capítulo 1 so-bre anátomo-histologia do olho), formando as estri-as de Haab, pequenas cicatrizes de aspecto linear ouarqueado, em posição horizontal. Por estas “que-bras” de membrana, o humor aquoso invade oestroma corneano causando edema de córnea (espe-cialmente em crianças menores de 6 meses de vida).A maioria dos sinais e sintomas do glaucoma congê-nito são provenientes deste edema: opalescênciacorneana, epífora, fotofobia, blefaroespasmo, des-conforto e irritação conjuntival. O aumento do glo-bo ocular (buftalmo) ocorre quando o glaucoma seinstala antes dos 3 anos de vida, causando proble-mas estéticos e provocando miopia secundária.

O diagnóstico do glaucoma congênito é suspeitadoclinicamente e deve ser confirmado pela medida dapressão intraocular (PIO), por meio da tonometria(feita com a criança dormindo) e da fundoscopia (of-

Fig.15: Glaucoma congênito: observe a assimetria ealargamento da córnea, além de opalescência dacórnea esquerda.

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 53

Cap. 5Síndrome do

Olho Vermelho

(CONJUNTIVITES, CERATITES, UVEÍTES E OUTROS)

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SÍNDROME DO OLHO VERMELHO

ria clínica e do exame físico inicial. Os principaisachados que sugerem gravidade são:

- Dor ocular acentuada- Redução da acuidade visual- Sensação de desconforto intenso, provocando fechamento palpebral reflexo- Pupila não fotorreagente ou pouco fotorreagente- Fotofobia- Opacidade corneana- Hipópio- Sinais e sintomas compatíveis com crise aguda de glaucoma

A crise aguda de glaucoma (glaucoma agudo de ângulofechado) foi abordada com detalhes no capítulo perti-nente. É uma importante causa de “síndrome do olhovermelho” e constitui uma emergência oftalmológica.

Você verá que várias das entidades causadoras deolho vermelho podem ser secundárias a doenças sis-têmicas, que foram devidamente abordadas em ou-tras apostilas deste curso...

I - INTRODUÇÃO

O segmento anterior do olho é composto por diver-sas estruturas anatômicas, como a córnea, a íris, ocorpo ciliar, o cristalino e a porção anterior da esclera.Tais estruturas são revestidas por membranas vas-cularizadas, como a conjuntiva e a episclera. Obser-ve na figura a anatomia do segmento anterior e suasmembranas de revestimento (FIGURA 1). Externa-mente, algumas estruturas devem ser reconhecidas,como as pálpebras, cílios, ângulos, limbo (junçãocórneo-escleral) e conjuntivas tarsais. A conjuntivatarsal superior pode ser melhor visualizada com amanobra de eversão da pálpebra (FIGURA 2).

A inflamação primária ou secundária de qualquer umdestes elementos da anátomo-histologia do olhopode se apresentar como vermelhidão ou hiperemiaocular ou “síndrome do olho vermelho” (FIGURA3). Neste capítulo, descreveremos as principais enti-dades que causam esta síndrome, com enfoque prin-cipal para os seus agentes etiológicos e os aspectosclínicos e terapêuticos. Abordaremos também doen-ças como o pterígio e patologias inflamatórias dapálpebra (blefarites), incluindo o hordéolo (terçol) eo calázio.

É fundamental que o clínico saiba diferenciar as pa-tologias benignas das patologias que podem acarre-tar (por vezes, num curto espaço de tempo) a perdavisual, de forma direta ou indireta. Na Tabela 1, sepa-ramos as doenças de comportamento benigno (quepodem ser tratadas pelo clínico) das doenças de altopotencial lesivo, que necessitam da pronta aborda-gem de um oftalmologista.

Ao avaliar um paciente com vermelhidão ocular, omédico deve atentar para dados preciosos da histó-

II - CONJUNTIVITES

As conjuntivites são as causas mais comuns de “sín-drome do olho vermelho”!! Na maioria dos casos,podem ser facilmente reconhecidas e tratadas peloclínico geral.

A conjuntiva é uma membrana mucosa transparenteque reveste o globo ocular anterior até o limbo cór-neo-escleral (conjuntiva bulbar), refletindo-se ante-riormente para revestir também a face anterior daspálpebras (conjuntiva tarsal ou palpebral). É forma-da por um epitélio escamoso não queratinizado e poruma lâmina própria de tecido conjuntivo frouxovascularizado. No ponto de transição entre a con-juntiva bulbar e tarsal, onde a conjuntiva é refletida,encontra-se um recesso, denominado fórnix ou fun-do de saco conjuntival.

A inflamação da membrana conjuntiva determinavasodilatação, provocando vermelhidão ocular e oaparecimento de vasos visíveis na superfície ocular(“injeção conjuntival”).

1. Aspectos Gerais

Etiologia e Classificação (Tipos)

Diversas podem ser as causas de conjuntivite, infec-ciosas ou não infecciosas. É justamente a causa queclassifica a conjuntivite em quatro grandes grupos,a saber:

- Conjuntivite viral- Conjuntivite bacteriana- Conjuntivite alérgica- Conjuntivite não infecciosa, não alérgica.

Doenças de evolução favorável, mesmo setratadas pelo clínico1- Conjuntivites (a maioria dos tipos)2- Hemorragia subconjuntival3- Episclerites4- Hordéolo (terçol)

Doenças de evolução desfavorável, se nãotratadas prontamente pelo oftalmologista1- Algumas conjuntivites2- Ceratites3- Ceratoconjuntivites4- Uveítes5- Blefarite6- Endoftalmite7- Crise aguda de glaucoma

Tabela 1: Exemplos de “síndrome do olho vermelho”, se-paradas pela gravidade.

Fig.3: “Síndrome do Olho vermelho”

Limbo

Fig.2: Conjuntiva tarsal superior observada poreversão da pálpebra.

Fig.1: Anatomia do segmento anterior do olho e suas membranas.

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MEDGRUPO - 201456

A causa mais comum de conjuntivite é a conjuntiviteviral, sendo uma doença de alta incidência em todoo Mundo. Quase sempre é causada pelo adenovírus.As demais conjuntivites também possuem alta fre-quência na população.

Quadro Clínico e Diagnóstico

O diagnóstico da conjuntivite é clínico! O pacientese manifesta agudamente com importante hiperemia(vermelhidão) ocular difusa, devido à inflamação daconjuntiva bulbar. Os sinais e sintomas ajudam mui-to na caracterização de uma conjuntivite, afastandooutras causas de “olho vermelho”. A presença desecreção ocular, crostas matinais aderindo às pálpe-bras e a inflamação da porção interna da pálpebra(conjuntiva tarsal) são achados altamente sugesti-vos de conjuntivite. Em geral, um olho é acometidoprimeiro, seguindo-se o acometimento bilateral. Nãoé incomum a ocorrência de inflamação palpebral as-sociada (blefarite). Na conjuntivite não complicada,o paciente refere desconforto ocular (sensação de“areia nos olhos” ou de corpo estranho), mas não hádor ocular, não há redução da acuidade visual, nemfotofobia acentuada e as pupilas são normais efotorreagentes. Um clínico atento pode diagnosticaruma conjuntivite não complicada somente pela ins-peção ocular desarmada.

Exame da lâmpada de fenda (Biomicroscopia): nesteexame, o oftalmologista utiliza um aparelho que ilu-mina o olho do paciente ao mesmo tempo em que oobserva através de lentes de aumento (FIGURA 4).Com a imagem o olho ampliada, detalhes da anato-mia e patologia ocular podem ser identificados. Nocaso da conjuntivite, esses detalhes podem ajudarna sua confirmação, na diferenciação entre as suasdiversas causas e tipos e entre conjuntivite não com-plicada e complicada (ex.: ceratoconjuntivite).

Um olho com conjuntivite apresenta alguns sinaiscaracterísticos à inspeção desarmada complementadapelo exame da lâmpada de fenda:

- Hiperemia conjuntival e “injeção conjuntival” depredomínio periférico (FIGURA 6);- Diversos tipos de secreção, dependendo da causaou tipo de conjuntivite (FIGURA 8);- Conjuntiva tarsal inflamada, apresentando papilas,folículos, pseudomembranas ou membranas.- Blefarite associada (edema a inflamação palpebral).

Papilas (reação papilar): as papilas são geralmentevisualizadas na conjuntiva tarsal superior (por eversãoda pálpebra) como um mosaico de pequenos pontos ver-melhos poligonais medindo entre 0,3-1 mm (FIGURA5A). Representam uma hiperplasia do epitélio conjunti-val, com reação inflamatória mista do estroma subcon-juntival e vasos dilatados no centro. São inespecíficas,encontradas em quase todas as conjuntivites.

Folículos (reação folicular): os folículos costumamser observados na conjuntiva tarsal inferior, como pe-quenas protuberâncias arredondadas de 1-2 mm, trans-lúcidas (FIGURA 5B), com vasos em sua periferia. Re-presentam pequenos nódulos linfáticos reativos e estãomuito associados à linfonodomegalia pré-auricular sa-télite. São encontrados nas conjuntivites virais, por cla-mídia e tóxica.

Papilas gigantes (hipertrofia papilar): em algumasconjuntivites, as papilas podem coalescer, atingindo maior

Fig.4: Exame da lâmpada de fenda.

diâmetro, tornando-se elevações poligonais achatadas,eritematosas ou pálidas, contendo um vaso central. Pos-suem um diâmetro acima de 1 mm (FIGURA 5C). Sãoobservadas na conjuntivite alérgica crônica, na conjun-tivite primaveril e na conjuntivite das lentes de contato.

Pseudomembranas e Membranas: são camadas deleucócitos e fibrina aderidos à conjuntiva tarsal, com umaspecto de uma membrana amarelada (FIGURA 5C). Apseudomembrana pode ser removida sem sangrar e amembrana deixa uma zona sangrante quando removida.São achados da conjuntivite bacteriana, da ceratocon-juntivite adenoviral epidêmica, da síndrome de Stevens-Johnson e de queimaduras químicas.

Tratamento

O tratamento varia conforme a causa e o tipo de con-juntivite, embora algumas medidas gerais sejam indi-cadas. O paciente com conjuntivite deve aplicar noolho compressas de água gelada 4x/dia para alívioimediato dos sintomas e colírios lubrificantes, comoo colírio de hidroxipropilmetilcelulose 0,5% 4-6x/dia. A aplicação de colírios vasoconstrictores (alfa-adrenérgicos) como o de tetrahidrozolina (Visodin)2-4x/dia, podem ser usados para alívio imediato dainflamação, porém com moderação, pela possibilida-de de efeito rebote. Não há fundamento para indicara água boricada, que eventualmente pode produzirreação ocular! O paciente não deve esfregar os olhos,para não piorar a inflamação ocular. Como a maioriadas conjuntivites é contagiosa (viral, bacteriana), sãoessenciais medidas do tipo afastamento provisóriodas atividades em grupo (colégio, trabalho), lava-gem frequente das mãos, evitar o contato próximo eo compartilhamento de fômites.

2. Conjuntivite viral comum (FIGURA 6)

É a causa mais comum de conjuntivite, quase semprecausada pelo adenovírus, um vírus DNA. Dos 41sorotipos de adenovírus, 19 podem causar conjunti-vite. A doença é bastante contagiosa, transmitindo-se pelo contato próximo entre pessoas. Pode acome-ter crianças e adultos. O vírus é eliminado pela viarespiratória e pelas secreções oculares. A mão dopaciente é uma grande fonte de contágio, na seguin-te sequência: olho do paciente - mão do paciente -mão do contactante - olho do contactante. Toalhasde banho, roupas de cama, outros fômites e a águada piscina também servem de fonte de transmissão.Os surtos costumam ocorrer de forma sazonal, pre-dominando no outono e inverno. O período de incu-bação oscila entre 5-12 dias.

O paciente desenvolve inflamação conjuntival deinício agudo, referindo olho vermelho, desconfortoocular, lacrimejamento, remela aderente matinal e se-creção mucoide. O estado geral comumente é preser-vado, mas às vezes o paciente refere sintomas deuma virose respiratória. Após 1-3 dias, a doença ge-ralmente passa para o outro olho. Ao exame, obser-va-se reação folicular tarsal (conjuntivite folicular),descrita como superfície de sagu, além de acúmulode secreção mucoide no canto do olho quando apálpebra inferior é rebaixada, eventuais petéquias sub-conjuntivais, discreta quemose (edema subconjun-

Fig.5A: Papilas: qualquer conjuntivite.

Fig.5: Achados no exame ocular que auxiliam no diag-nóstico de conjuntivite e orientam quanto a sua causa.

Fig.5B: Folículos: conjuntivite viral,conjuntivite por clamídia, conjuntivitetóxica.

Fig.5D: Pseudomembrana ou Membrana:conjuntivite bacteriana, ceratoconjuntiviteadenoviral epidêmica, queimadura química,síndrome de Stevens-Johnson.

Fig.5C: Papilas gigantes:conjuntivitealérgica crônica, conjuntivite primaveril,conjuntivite por lente de contato.

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 57

Fig.6: Conjuntivite viral comum por adenovírus. Neste caso, ainda está unilateral. Observe o edema e ainflamação da pálpebra inferior. Observe a hiperemia da conjuntiva bulbar, de predomínio periférico, com“injeção conjuntival” e a hiperemia da conjuntiva tarsal inferior. Não há acometimento da córnea.

Fig.7: Ceratoconjuntivite adenoviral

epidêmica.

Foto acima: pseudomembrana na conjuntiva tarsalinferior.

Foto do meio: ceratite punctata (fase precoce daceratite)

Foto abaixo: opacidades corneanas subepiteliais(fase tardia da ceratite, com comprometimentovisual).

Fig.8: Conjuntivite bacteriana aguda (estafilo-cócica). Secreção purulenta branco-amarelada.

Fig.9: Conjuntivite bacteriana hiperaguda (go-nocócica). Copiosa secreção purulenta amareladae quemose (edema subconjuntival).

Fig.10: Blefarite estafilocócica. Inflamação dapálpebra superior com crostas purulentas na basedos cílios.

Fig.11: Conjuntivite flictenular. Duas flictenas:lesões arredondadas gelatinosas, uma no limbo eoutra próxima ao limbo.

Fig.12: Conjuntivite de inclusão por clamídia.Inflamação da conjuntiva bulbar e tarsal inferiorcom reação folicular intensa.

Fig.13: Tracoma.

Foto acima à esquerda: Cicatrização conjuntival tracomatosa(fase III). Observe as estrias brancas (linhas de Arlt).

Foto abaixo à esquerda: Fossetas de Hebert (seta).

Foto à direita: Opacidade corneana (fase IV) com triquíase(inversão dos cílios).

Fossetas de Hebert

Pseudomembrana

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MEDGRUPO - 201458

tival), blefarite e adenopatia pré-auricular satélite. Ainflamação progride dentro de 3-5 dias, com duraçãode 1-2 semanas (período de transmissão).

Em resumo, as características que apontam parauma conjuntivite viral são: lacrimejamento, secre-ção mucoide, reação folicular na conjuntiva tarsalinferior e adenopatia pré-auricular.

Tratamento: pode ser diagnosticada e tratada peloclínico. Aplicam-se compressas de água gelada ecolírios lubrificantes. Visa aliviar os sintomas, pois adoença é sempre autolimitada. Colírios vasocons-trictores podem ser usados nos casos mais sintomá-ticos. Os cuidados para prevenir o contágio são es-senciais.

3. Febre faringoconjuntival

Causada por adenovírus sorotipos 3, 4 e 7. É a formamais comum de conjuntivite na criança, predominan-do entre 2-4 anos. Caracteriza-se pela tríade conjun-tivite + faringoamigdalite + febre de 38oC, havendotambém rinite e adenite cervical e pré-auricular. Oquadro dura entre 3-10 dias.

Tratamento: pode ser diagnosticada e tratada pelopediatra ou clínico. É o mesmo tratamento da con-juntivite viral comum, acrescida de antitérmicos.

4. Ceratoconjuntivite adenoviral epidêmica (FIGURA 7)

Causada por adenovírus sorotipos 8, 19 e 37. É umaforma mais grave de conjuntivite adenoviral, por afe-tar também a córnea. A doença afeta os adultos egeralmente ocorre em surtos epidêmicos. A trans-missão é interpessoal, embora há relatos de contá-gio por meio de instrumentos oftalmológicos ecolírios oftálmicos. O quadro manifesta-se com ossinais e sintomas de uma conjuntivite viral típica,mas acrescido de ceratite, justificando a ocorrênciade dor ocular, fotofobia acentuada, incapacidade demanter o olho aberto e borramento visual. Com taissintomas, o paciente deve sempre ser encaminhadopara o oftalmologista. Esta conjuntivite dura por cer-ca de 7-21 dias e pode apresentar quemose, petéquiassubconjuntivais, folículos e papilas hipertrofiadas.Em um terço dos casos, forma-se uma camada deleucócitos e fibrina aderida à conjuntiva tarsal, apre-sentando-se como pseudomembrana (facilmente re-movível) ou membrana (sangra quando removida).Esta reação pode deixar como sequela o simbléfaro(aderência entre a conjuntiva tarsal e a bulbar). Aceratite evolui em três fases: (1) após 3-4 dias: cerati-te punctata difusa, com diminutos pontos na córneavisíveis após a aplicação de fluoresceína, (2) após 6-13 dias: ceratite epitelial focal, com pequenas úlcerasirregulares na córnea que persistem por 1-2 sema-nas, (3) após 14 dias: opacidades subepiteliais, ouseja, manchas corneanas que afetam a acuidade vi-sual e persistem por meses, resolvendo sem deixarsequelas. Embora a ceratite ocorra pelo efeito do ví-rus replicante, as opacidades corneanas são fruto daresposta imunológica tardia. Os sintomas da ceratite

costumam piorar no momento em que a conjuntiviteestá se resolvendo...

Em resumo, as características que apontam parauma ceratoconjuntivite adenoviral epidêmica são:as mesmas da conjuntivite viral usual mas comquemose, papilas hipertrofiadas, pseudomembra-na e ceratite (punctata, epitelial focal e opacidadescorneanas que persistem por longo tempo).

Tratamento: deve ser diagnosticada, tratada e acom-panhada pelo oftalmologista. O tratamento é o mes-mo da conjuntivite viral comum (compressas gela-das, lubrificantes). Em caso de ceratite com opacida-de corneana, indica-se o colírio de corticoide, comoo acetato de prednisolona 1% 3-4x/dia. Como vere-mos adiante, o colírio de corticoide é totalmente con-traindicado na ceratite ou ceratoconjuntivite herpé-tica. Daí a necessidade da confirmação diagnósticapor um oftalmologista...

5. Conjuntivite bacteriana aguda (FIGURA 8)

O agente mais comum é o Staphylococcus aureus,acometendo mais comumente os adultos. Os demaisagentes são o Streptococcus pneumoniae (pneumo-coco) e o Haemophilus influenzae, estes últimos maiscomuns em crianças. A Pseudomonas aeruginosa éum agente comum da conjuntivite em usuários delentes de contato. A conjuntivite bacteriana tambémé contagiosa, sendo transmitida pelo contato comsecreções, geralmente através da mão. Começa numolho e após 1-2 dias acomete o outro. O quadro é devermelhidão ocular, desconforto, remela aderentematinal e eliminação contínua de secreção purulenta(branca, amarela ou esverdeada). Ao exame, nota-sereação papilar (mas não folicular) e pode ocorrer aformação de pseudomembranas ou membranas.Eventualmente, pode haver ceratite associada, comopacidades corneanas. Embora de curso autolimitado(7-10 dias), merecem terapia antibiótica tópica para re-duzir a gravidade e duração da doença.

Em resumo, as características que apontam parauma conjuntivite bacteriana aguda são: elimina-ção contínua de secreção purulenta (branca, ama-rela ou esverdeada) e pseudomembrana.

Tratamento: pode ser diagnosticada e tratada peloclínico. Aplica-se colírio de antibiótico, além das com-pressas de água gelada e colírios lubrificantes. Os anti-bióticos tópicos mais usados em nosso meio (sem cor-ticoide associado) são: ciprofloxacina 0,3% (colírioou pomada oftálmica), norfloxacina 0,3% (colírio),tetraciclina (pomada oftálmica), tobramicina 0,3%(colírio ou pomada oftálmica) e cloranfenicol 0,4%(colírio). Os antibióticos tópicos são aplicados 4-6x/dia durante 5-7 dias. As pomadas oftálmicas são maisindicadas para as crianças. Os colírios de aminogli-cosídeos (tobramicina) não são a melhor escolha,pela possibilidade de ceratoconjuntivite reativa oueczematosa. O colírio de cloranfenicol pode provo-car casos muito raros de aplasia de medula, tambémsendo menos indicado. O tratamento antibiótico tó-

pico melhora os sintomas da conjuntivite bacterianaaguda após 1-2 dias.

6. Tipos especiais de conjuntivite bacteriana

Conjuntivite bacteriana hiperaguda (Gonocócica)(FIGURA 9)

É uma forma grave e potencialmente lesiva para avisão de conjuntivite bacteriana, sendo causada pelaNeisseria gonorrhoeae (gonococo). Esta conjunti-vite é uma DST, sendo transmitida pelo contato mão- genitália - mão - olho. Acomete adultos jovens se-xualmente ativos ou recém-nascidos de mães comblenorragia. A doença se manifesta 12h após a ino-culação e evolui de forma hiperaguda com uma con-juntivite intensamente purulenta, marcada por dorocular, eliminação contínua de secreção amarelo-es-verdeada, quemose acentuada e blefarite. É comum aadenopatia pré-auricular dolorosa satélite. Existe orisco de ceratite periférica ulcerada (ceratoconjunti-vite por gonococo), que pode provocar rotura cor-neana e endoftalmite, com perda da visão. É uma daspoucas manifestações de conjuntivite que indica acoleta de secreção para Gram e cultura. Abacterioscopia pelo Gram irá revelar diplococos Gram-negativos.

Tratamento: o paciente deve ser diagnosticado, tra-tado e acompanhado pelo oftalmologista. Dada agravidade do processo, a terapia é com antibióticosistêmico. O esquema mais usado é: ceftriaxone 1gintramuscular, seguido de eritromicina via oral du-rante 2-3 semanas. Em caso de secreção copiosa, umalavagem com soro fisiológico deve ser realizada.

Blefaroconjuntivite bacteriana crônica(FIGURA 10)

Causada pelo Staphylococus aureus (mais comum)ou pela Moraxella lacunata. A blefaroconjuntivitecrônica estafilocócica manifesta-se com inflamaçãoda pálpebra (blefarite), com crostas purulentas nabase dos cílios, ordéolo (terçol) de repetição, perdade cílios, telangiectasias e uma conjuntivite papilarcom hiperemia difusa e mínima secreção purulenta.Pode haver ulceração periférica da córnea (no limboinferior). O S. aureus infecta a conjuntiva por conti-guidade após colonizar e infectar cronicamente o te-cido palpebral... A infecção pela M. lacunata é cha-mada blefaroconjuntivite angular crônica, caracteri-zando-se por inflamação, maceração e crostas noângulo ocular, justificando a nomenclatura.

Tratamento: exige a escovação e desinfecção diáriada pálpebra, utilizando xampu neutro, com aplicaçãode pomadas de antibiótico e corticoide, além de com-pressas de água quente nos intervalos. Nos casosgraves ou refratários, associa-se um antibióticosistêmico por via oral na dependência do agente.

Conjuntivite flictenular(FIGURA 11)

Decorrente da hipersensibilidade (tipo IV) a produ-tos da degradação bacteriana. A blefaroconjuntivite

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 59

Fig.14: Conjuntivite alérgica comum. Secreçãomucoide e quemose. Lembre-se do prurido.

Fig.17: Manchas de Horner-Trantas. Observadasna conjuntivite primaveril (vernal).

Fig.18: Conjuntivite das lentes de contato(papilar gigante). Papilas gigantes.

Fig.15: Conjuntivite alérgica crônica(dermatite atópica). Papilas gigantes.

Fig.16: Conjuntivite primaveril (vernal).Papilas gigantes.

Fig.19: Oftalmia neonatorum. Recém-nascidocom conjuntivite por clamídia.

estafilocócia e a tuberculose primária na infânciasão os exemplos mais importantes deste tipo de con-juntivite. O que caracteriza esta conjuntivite é o fatode não ter microorganismos ativos na conjuntiva,embora estejam em um sítio distante liberandoproteínas que provocarão uma reação inflamatóriaconjuntival. Clinicamente, a conjuntivite flictenularse apresenta como conjuntivite crônica dolorosa,bilateral, com reação papilar hipertrófica e a forma-ção das flictênulas: pequenas lesões arredondadasgelatinosas no limbo e na periferia da córnea. Algu-mas vezes evolui com uma ceratite marginal, aco-metendo a região periférica da córnea, produzindoneovascularização. Esta síndrome conjuntival tendea apresentar um curso autolimitado, embora possater um caráter recidivante.

Conjuntivite flictenular estafilocócica: atualmen-te, o Staphylococcus aureus (blefaroconjuntiviteestafilocócica) parece ser o agente mais comumen-te associado à conjuntivite flictenular. As proteo-toxinas da bactéria, liberadas durante uma blefaritepurulenta em atividade, entram em contato com aconjuntiva, desencadeando a reação de hipersen-sibilidade. A doença tem caráter sazonal, predomi-nando no verão e primavera. O tratamento da blefa-rite permite a resolução da conjuntivite.Conjuntivite flictenular tuberculosa: éuma enti-dade que deve ser sempre lembrada em nosso meio.Ocorre em alguns poucos casos de tuberculose pri-mária na infância, por vezes associada ao eritemanodoso. É decorrente da hipersensibilidade conjun-tival às tuberculoproteínas.

Tratamento: baseia-se no estabelecimento da causa(estafilocócica versus tuberculose) e seu tratamento

opacidade corneana e micropannus no limbo su-perior (tecido fibrovascular que invade a borda dacórnea). Se o diagnóstico for duvidoso, pode-se co-lher um swab da conjuntiva tarsal, sendo o melhormétodo a cultura (em meio especial). Se não disponí-vel, podemos utilizar o teste do antígeno (imunoflu-orescência direta), a microscopia (inclusões citoplas-máticas intraepiteliais) e a sorologia ( imunofluore-cência indireta > 1:32).

Em resumo, as características que apontam para umaconjuntivite de inclusão por clamídia são: conjuntivitecrônica folicular unilateral, com folículos proeminentes eeventual ceratite.

Tratamento: deve ser diagnosticada, tratada e acom-panhada pelo oftalmologista. Não tem boa respostaa colírio antibiótico, necessitando de terapia sistêmi-ca: doxiciclina 100 mg a cada 12h ou eritromicina500 mg a cada 6h. Duração: 3 semanas.

8. Tracoma (FIGURA 13)

É uma ceratoconjuntivite granulomatosa crônicarecidivante causada pela Chlamydia trachomatissorotipos A, B, Ba ou C. É uma doença de altacontagiosidade, endêmica em algumas áreas comprecárias condições sócioeconômicas. É a causa maiscomum de cegueira em países pobres, especialmenteos da África, existindo diversos casos registradosno Brasil em algumas comunidades. Não é uma DST!Estes sorotipos da clamídia são transmitidos pelocontato próximo ou através de insetos veiculadores(moscas). Trata-se de uma infecção ocular crônica,acometendo principalmente as crianças com menos

(ver tratamento da blefaroconjuntivite estafilocóci-ca). A inflamação é aliviada pelo uso de colírios decorticoide. Em casos refratários associados ao S.aureus, antibióticos sistêmicos por via oral (eritro-micina, tetraciclina), associados a colírios antibióti-cos, devem ser prescritos por período prolongado(2-4 semanas)

Síndrome oculoglandular de Parinaud

Trata-se de uma conjuntivite infecciosa subaguda/crônica por inoculação direta, associada à adenitepré-auricular. A Bartonella hanselae é o agente maisimportante e a síndrome, na verdade, é uma compli-cação da febre da arranhadura do gato, geralmenteassociada à adenopatia generalizada. O diagnósticopode ser confirmado pela bacterioscopia pelo Gram,cultura e sorologia. O tratamento é feito com eritro-micina 500 mg a cada 6h ou doxiciclina 100 mg a cada12h por 4 semanas.

7. Conjuntivite de inclusão por clamídia (FIGURA 12)

Causada pela Chlamydia trachomatis sorotipos Daté K, acometendo adultos jovens sexualmente ati-vos, que podem apresentar também uma uretrite oucervicite associadas. É uma DST, transmitida do mes-mo modo que a conjuntivite gonocócica. O períodode incubação é de 5-14 dias. É uma conjuntivite crô-nica com reação folicular, tipicamente unilateral,apresentando-se com hiperemia acentuada, secreçãomucoide ou mucopurulenta, folículos proeminentese hipertrofia papilar. A partir da segunda semana, podeenvolver a córnea (ceratoconjuntivite por clamídia),com ceratite punctata, eventualmente evoluindo com

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MEDGRUPO - 201460

de 2 anos de idade, embora também possa acometeraté adultos. O período de incubação é de 5-14 dias.No início, o paciente se apresenta com olho verme-lho, fotofobia, blefaroespasmo, sensação de “areianos olhos”, lacrimejamento, com ou sem secreçãomucopurulenta. Ao exame, há uma conjuntivite foli-cular bilateral, com folículos proeminentes e hiper-trofia papilar na conjuntiva tarsal superior e no limbosuperior. Pode haver infecção bacteriana secundá-ria. A evolução é para acometimento grave da córnea.Este se dá principalmente pelo desenvolvimento dopannus (invasão de fibrovascular da córnea) e pelacicatrização fibrosa da conjuntiva tarsal superior, de-formando a pálpebra a ponto de causar inversão pal-pebral (entrópio) e dos cílios (triquíase), que lesam acórnea mecanicamente. O processo evolui paraceratite ulcerativa e opacidade corneana, obscure-cendo a visão. Se não tratada, a lesão corneana pro-gride, culminando em cegueira. As cicatrizes fibróticasda conjuntiva tarsal ganham a forma de estrias bran-cas horizontais (linhas de Arlt) e a cicatrização dosfolículos límbicos deixa pequenas depressões(fossetas de Herbert). O diagnóstico é clínico, masem casos duvidosos, pode-se realizar os mesmostestes especificados acima para a conjuntivite de in-clusão.

O OMS criou uma classificação evolutiva para otracoma:

- Tracoma folicular: cinco ou mais folículos na con-juntiva tarsal superior.- Tracoma intenso: espessamento inflamatório daconjuntiva tarsal superior, obscurecendo pelo me-nos metade dos vasos profundos.- Cicatrização conjuntival tracomatosa: cicatrizes naconjuntiva tarsal superior.- Triquíase tracomatosa: pelo menos um cílio tocan-do o globo ocular.- Opacidade corneana: presença de manchas opacasna córnea, obscurecendo pelo menos parte da mar-gem pupilar.

Em resumo, as características que apontam para otracoma são: conjuntivite folicular crônica, bilateral, compannus, ceratite ulcerativa, opacidade corneana e cica-trização deformante da conjuntiva tarsal superior, le-vando ao entrópio e à triquíase, que contribuem parauma grave lesão de córnea, que provoca cegueira emalguns casos.

Tratamento: deve ser diagnosticado, tratado e acom-panhado pelo oftalmologista. Se tratado na fase pre-coce, é possível curar a doença sem deixar sequelas.A preferência é para a terapia sistêmica com doseúnica de azitromicina 20 mg/Kg ou 1g para adultos.Outras opções para adultos são: tetracilcina, doxici-clina e eritromicina, por um período de 3 semanas. Atriquíase e o entrópio devem ser tratados com cirur-gia corretiva das pálpebras.

Prevenção: é feita através da busca ativa de casosnas escolas, casas e nos familiares, aplicando-se otratamento correto para erradicar o agente na faseprecoce da doença. Em populações de vilas ou aldei-as com prevalência de tracoma superior a 20% outracoma intenso superior a 5%, recomenda-se a apli-cação em massa de colírio de tetraciclina 1%. O con-trole da doença deve ser monitorado e programadopelo Ministério da Saúde.

9. Conjuntivite alérgica comum (FIGURA 14)

A conjuntivite alérgica ocorre pela exposição oculara aeroantígenos capazes de desencadear uma hiper-sensibilidade tipo I (imediata, medida por IgE emestócitos). As fontes principais são ácaros, conta-to com gatos, mofo, etc. O paciente pode apresentarsomente conjuntivite ou um quadro de rinite + con-juntivite. A conjuntivite alérgica caracteriza-se peloinício abrupto, pelo fato de afetar ambos os olhosconcomitantemente, com lacrimejamento, secreçãomucoide, quemose e prurido intenso, sendo este osintoma mais característico. A conjuntivite alérgicacomum é do tipo aguda e tem o curso autolimitado,com duração de poucos dias.

Em resumo, as características que apontam para umaconjuntivite alérgica aguda são: prurido intenso, conco-mitância entre ambos os olhos, quemose e secreçãomucoide, além da história prévia de alergia.

Tratamento: pode ser diagnosticada e tratada peloclínico. Utiliza-se colírios de anti-histamínicos-H1ou de anti-histamínicos com vasoconstrictor. Estãodisponíveis no mercado: levocabastina 0,05%(Livostin) e emedastina 0,05% (Emadine). O colíriodeve ser aplicado 4x/dia por até 2 semanas.

10. Tipos especiais de conjuntivite alérgica

Conjuntivite alérgica crônica(FIGURA 15)

Está frequentemente associada à dermatite atópicae outras alergias. A conjuntivite se parece com a daforma aguda, exceto pela presença de papilas hiper-trofiadas. Pode ter um caráter sazonal.

Tratamento: colírio de anti-histamínico-H1 associa-do a colírio de estabilizador de mastócito. Em nossomeio, dispomos do colírio de olopatadina (Patanol).O estabilizador de mastócito demora algumas sema-nas para fazer efeito. Durante este período podemoslançar mão de colírios anti-inflamatórios (AINE),dando preferência para o cetorolaco de trometamina0,5% (Acular) ou colírios de corticoide.

Conjuntivite primaveril (vernal)(FIGURA 16)

Trata-se de uma conjuntivite inflamatória recidivanteque predomina nos meses da primavera (daí a suanomenclatura). É mais comum no sexo masculino, nafaixa etária jovem, entre 5-20 anos. Esta conjuntivitese caracteriza pela formação de papilas gigantes epossui duas formas de apresentação: (1) formapalpebral e (2) forma límbica. A primeira é reconheci-da pela presença de papilas gigantes e achatadas(“aspecto em pedras-de-calçada”) na conjuntivatarsal da pálpebra superior. A segunda forma se ca-racteriza pelo surgimento de uma massa gelatinosapapilar no limbo superior, que pode eventualmenteinvadir a córnea. As manchas de Horner-Trantas(FIGURA 17) são típicas desta forma, descritas comomáculas de cor esbranquiçada, semelhante ao giz, ecompostas por eosinófilos e debris epiteliais. Emambas as formas de apresentação o paciente refereintenso prurido, secreção mucopurulenta, lacrimeja-mento, blefaroespasmo e fotofobia. A córnea pode

ser envolvida em 50% dos casos (ceratoconjuntiviteprimaveril). As lesões incluem pannus, ceratitepunctata e ulcerações epiteliais e eventualmenteopacidades corneanas.

Tratamento: deve ser diagnosticada, tratada e acom-panhada pelo oftalmologista. A terapia baseia-se naaplicação por curto período (2-3 semanas) de colíriode corticoide e no uso crônico regular de colírio decromoglicato de sódio 4%, um estabilizador demastócitos. A emulsão de ciclosporina 0,05% podeser de grande valia nos casos refratários.

11. Conjuntivites não infecciosasnão alérgicas

Existem importantes entidades neste grupo, entre elasa conjuntivite tóxica folicular, a conjuntivite mecâni-ca e a conjuntivite das lentes de contato, assim comoas conjuntivites associadas a doenças sistêmicas.

Conjuntivite tóxica folicular

Reação inflamatória proveniente da hipersensibili-dade (tipo IV) a substâncias em contato com os olhose pálpebras, como cosméticos e colírios. Entre oscolírios, as principais substâncias envolvidas são:aminoglicosídeos, timerosal, colírios antivirais (ido-xuridina) e para glaucoma (pilocarpina, brimonidina).Apresenta-se como uma conjuntivite subaguda/crô-nica, com intensa reação folicular, hipertrofia papilare blefarite eczematosa associada. O tratamento é fei-to com eliminação do agente causador e colírio decorticoide.

Conjuntivite mecânica

Ocorre pelo efeito irritativo de produtos químicosnão cáusticos, corpo estranho (“cisco no olho”) ouem pacientes com a síndrome seca (xeroftalmia). Éuma conjuntivite branda, com pequena descargamucoide. Após a retirada do fator agressor, a con-juntivite tende a resolver ao longo de 12-24h. Podehaver necessidade de se usar colírios lubrificantes,com a posologia dependente da gravidade (varia de1/1h até 1x/dia).

Conjuntivite da lente de contato(Conjuntivite de papilas gigantes)(FIGURA 18)

Os pacientes que usam lentes de contato por perío-do prolongado podem, após uma média de 8 mesesde uso, desenvolver este tipo de conjuntivite, quecompromete basicamente a conjuntiva tarsal da pál-pebra superior. É muito mais comum com o uso daslentes gelatinosas não descartáveis (embora possaocorrer raramente com as lentes rígidas de uso hávários anos... A patogênese é multifatorial, mas pro-vavelmente depende de uma reação de hipersensibi-lidade tipo IV a antígenos que se misturam ao mucoe proteínas que geralmente recobrem a lente de con-tato. Esta lente acumula depósitos mucoproteicosesbranquiçados. O ato de piscar o olho coloca a con-juntiva tarsal superior em contato frequente com alente alterada, provocando uma reação inflamatóriacrônica basofílica e eosinofílica na conjuntiva tarsalsuperior. O paciente se apresenta com prurido,hiperemia ocular discreta, descarga mucoide e into-

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 61

lerância à lente de contato. O exame físico confirma odiagnóstico ao revelar uma conjuntiva tarsal superi-or repleta de papilas gigantes, de cerca de 2 mm dediâmetro.Tal como na conjuntivite primaveril, man-chas de Horner-Trantas no limbo podem ser obser-vadas. O tratamento iclui a retirada da lente de con-tato até a resolução do quadro. Em casos mais gra-ves, recomenda-se a aplicação de colírios de corti-coide e de cromoglicato de sódio 4% para acelerar amelhora dos sintomas. O paciente pode voltar a usarlentes de contato, mas deve redobrar os cuidadoscom a lente, com limpeza toda noite, uso do peróxidode hidrogênio como desinfectante e desproteinizaçãoenzimática semanal. Se os sintomas voltarem, o paci-ente deve preferir as lentes gelatinosas descartáveisou trocar para lentes rígidas...

Conjuntivites associadas a doenças sistêmicas

Diversas doenças sistêmicas podem cursar com con-juntivite, que pode evoluir de forma aguda recidivanteou crônica, geralmente conjuntivites brandas a mode-radas. As principais doenças associadas são: síndro-me de Reiter, síndrome de Sjögren, outras colagenoses,policondrite recidivante, penfigoide cicatricial, síndro-me de Stevens-Johnson (neste caso, uma forma gravede ceratoconjuntivite), sarcoidose, ceratoconjuntivi-te límbica superior (hipertireoidismo), síndrome dapálpebra frouxa (floppy lid syndrome).

12. Conjuntivite neonatal(oftalmia neonatorum)(FIGURA 19)

É definida por uma conjuntivite que se manifestadentro do primeiro mês após o nascimento, geral-mente transmitida através do canal do parto por umainfecção genital da mãe. A Chlamydia trachomatis éa causa mais comum desta afecção, seguida pelaNeisseria gonorrhoeae. A ceratoconjuntivite herpé-tica (o vírus herpes simplex tipo 2 é o mais comum...)também é uma entidade importante deste grupo. Aoftalmia neonatorum deve ser prontamente reconhe-cida e tratada, pois pode evoluir rapidamente paraceratite com sequelas irreversíveis para a visão. Aconjuntivite neonatal por clamídia (conjuntivite deinclusão neonatal) tem um período de incubação de5-14 dias, ocorrendo nas primeiras semanas de vidae manifestando-se com reação papilar (crianças deaté 6 meses de idade não fazem reação folicular),pseudomembrana, secreção mucopurulenta e blefa-rite. Geralmente tem o curso benigno, mas eventual-mente pode provocar cicatrização da conjuntivatarsal, pannus e úlceras na córnea. Pode ocorrer as-sociação com a pneumonia por C. trachomatis, quegeralmente possui um curso mais tardio (4-12 sema-nas de vida). A conjuntivite neonatal por gonococo(conjuntivite neonatal hiperaguda) é bastante gra-ve, apresentando-se 24-48h após o nascimento comouma blefaroconjuntivite intensamente purulenta,com formação de membrana e que, se não tratada,pode evoluir, com úlcera ou mesmo perfuração dacórnea e perda da visão. A conjuntivite por clamídiae a gonocócica podem vir associadas... A ceratocon-juntivite herpética manifesta-se geralmente nas pri-meiras 2 semanas de vida, com inflamação conjunti-val, rash vesicular herpético palpebral e ceratite gra-ve com risco de perda visual. Pode também evoluircom coriorretinite herpética.

O diagnóstico é clínico, mas pode incluir a coletade swab conjuntival para o Gram (gonococo = di-plococos Gram-negativos), cultura em meios espe-ciais (gonococo e clamídia), microscopia (inclusõescelulares típicas da clamídia ou do herpes simplex)e teste de antígenos (imunofluorescência direta paraclamídia).

Tratamento: depende do agente. Os achados clíni-cos já pdoem orientar a escolha do antimicrobiano.Clamídia: eritromicina via oral 50 mg/Kg/dia (dividi-da em 4 tomadas) por 14 dias. Gonococo: cefotaximevenoso 25-50 mg/Kg/dia (2 tomadas) por 7 dias ouceftriaxone venosa 25-50 mg/Kg/dia (1 tomada)por 7dias. Herpes simplex: aciclovir pomada oftálmica 5%ou outros antivirais tópicos (trifluorotimidina, ido-xiuridina, vidarabina), disponíveis apenas para im-portação.

Profilaxia: todo recém-nascido deve receber aprofilaxia tópica para a conjuntivite gonocócica naprimeira hora após o nascimento. As opções reco-mendadas são: nitrato de prata 1% (método deCredé, introduzido ma prática da neonatologia des-de 1881), colírio de eritromicina 0,5%, colírio detetraciclina 1%.

Conjuntivite química neonatal: o nitrato de pratatópico pode causar uma conjuntivite química, quenão deve ser confundida com uma conjuntivite in-fecciosa neonatal. Até 90% dos recém-nascidos querecebem a profilaxia com esta substância desenvol-vem uma conjuntivite, geralmente leve, que se iniciapoucas horas após o nascimento e dura por 24-36h.O início precoce ajuda diferenciar a conjuntivite quí-mica da conjuntivite por clamídia ou herpética...

III - HEMORRAGIA SUBCONJUNTIVAL

A hemorragia subconjuntival é uma coleção de san-gue circunscrita entre a conjuntiva e a esclera. Trata-se de um evento extremamente comum, na maioriadas vezes decorrente de um pequeno trauma. O trau-ma pode ser tão discreto a ponto do paciente não serecordar do mesmo. Pode ocorrer também após umacrise de tosse ou vômitos ou após uma vigorosamanobra de Valsalva... O sangramento se dá pelarotura de pequenas veias da conjuntiva ou da epis-clera. Clinicamente, observa-se uma mancha verme-

lho-vivo na região branca do olho, tipicamente as-sintomática e circunscrita (FIGURA 20), emborapossa ser extensa. Algumas situações predispõem àhemorragia subconjuntival por aumentar a fragilida-de capilar no olho, por inibir a hemostasia ou aindapor aumentar a pressão hidrostática vascular. Exem-plos: uso de corticoide, contraceptivos orais, hiper-tensão arterial, diabetes mellitus, síndromes febrisagudas, cirurgia ocular, anticoagulantes etc.

Tratamento: não há necessidade de tratamento e aevolução é sempre benigna. O paciente deve ser avi-sado de que a mancha vermelha irá regredir paulati-namente ao longo de 2-3 semanas.

IV - EPISCLERITE

A episclera é um delgado tecido conjuntivo frouxovascularizado que se localiza entre a conjuntivabulbar e a esclera (FIGURA 1), recoberto por umacapa de tecido elástico, a cápsula de Tenon.

A episclerite é uma inflamação aguda da episcle-ra, de evolução benigna e autolimitada, não tra-zendo risco á acuidade visual do paciente. Namaioria das vezes é idiopática (70% dos casos),embora possa ocorrer associada a doenças sistê-micas inflamatórias, com destaque para as vascu-lites, a artrite reumatoide, LES e as espondiloar-tropatias soronegativas (ex.: síndrome de Reiter,artrite enteropática). O mecanismo da episclerite é aresposta imunológica de hipersensibilidade. A his-topatologia revela edema, vasodilatação e infiltradolinfocítico da episclera.

Manifestação Clínica, Tipos e Diagnóstico

A episclerite é mais comum em mulheres jovens,embora possa ocorrer em qualquer faixa etária e tam-bém no sexo masculino. O paciente se apresenta comum quadro agudo de olho vermelho, com desconfor-to ocular e lacrimejamento. Tipicamente, não há dorocular, fotofobia, borramento visual ou secreção. Namaioria das vezes é unilateral. Os casos de bilatera-lidade são incomuns na forma idiopática e devemsempre aventar a hipótese de uma doença sistêmicaassociada. O quadro clínico geralmente resolve es-pontaneamente em poucos dias (2-21 dias). Existemdois tipos clínicos:

(1) Episclerite nodular (FIGURA 21A): o olho dopaciente apresenta uma inflamação nodular localiza-da. É o tipo mais comum, geralmente idiopático, po-rém associado à artrite reumatoide em 6% dos ca-sos. É diferenciada de uma reação conjuntival nodular(ex.: flictênula) por ser imóvel com a palpação con-juntival.

(2) Episclerite difusa (FIGURA 21B): o olho do pa-ciente possui inflamação mais difusa, de predomí-nio periférico e com “injeção episcleral” (engurgita-mento dos vasos episclerais), semelhante à “injeçãoconjuntival”. Esta é a forma associada às vasculitese à síndrome de Reiter e à artrite enteropática. Comovocê se recorda, estas últimas espondiloartropatiassoronegativas estão relacionadas ao HLA-B27...

Fig.20: Hemorragia subconjuntival.

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O diagnóstico da episclerite é clínico. Diante de talachado, é importante consultar um clínico para ava-liar a possibilidade de uma doença sistêmica. Examesde sangue como hemograma, VHS, proteína C reativae fator reumatoide são geralmente solicitados.

Tratamento

É importante esclarecer ao paciente a benignidadedo processo, mesmo sem a terapia. Para alívio dossintomas, deve-se prescrever colírios lubrificantes(hidroxipropilmetilcelulose 0,5%) 4-6x/dia até a re-solução da inflamação ocular. Em casos mais sinto-máticos, apesar dos colírios lubrificantes, pode-seacrescentar colírios anti-inflamatórios AINE 4x/dia,como o colírio de cetorolaco de trometamina 0,5%(Acular) ou o diclofenaco 1% (Still). Raramente sãonecessários os AINE por via oral...

V - ESCLERITE ANTERIOR

A esclera (“branco do olho”) faz parte da túnica fi-brosa do olho, unindo-se à córnea no limbo córneo-escleral. É uma camada constituída de tecido con-juntivo denso, rico em fibras colágenas, sendo nutri-da por vasos emissários provenientes dos vasosepisclerais. A esclerite anterior é responsável por80-90% dos casos de esclerite, acometendo a por-ção escleral do segmento anterior do olho. A escleri-te posterior será revista no capítulo seguinte...

A esclerite anterior é uma desordem ocular potencial-mente grave, ameaçadora da visão, pelo risco de ulce-ração ou perfuração escleral, envolvimento corneanosecundário e associação com esclerite posterior. Aassociação com doenças inflamatórias sistêmicas estápresente em 50% dos casos, predominando a artrite

reumatoide (presente em 1/3 dos casos). Outras do-enças registradas em associação com esclerite anteri-or são: vasculites necrosantes (granulomatose deWegener, poliarterite nodosa, LES, policondriterecidivante, sarcoidose, doença inflamatória intesti-nal, sífilis, tuberculose, zóster oftálmico.

A patogênese da esclerite parece ser uma vasculiteimunomediada, gerando uma reação inflamatória crô-nica de caráter granulomatoso. Nas formas mais gra-ves, há necrose fibrinoide da parede vascular quepode provocar trombose luminal e, consequentemen-te, isquemia e necrose do tecido local.

Manifestação Clínica, Tipos e Diagnóstico

A esclerite anterior predomina em adultos, na faixaetária entre 30-60 anos. Pode ser uinilateral, bilateralou alternante (ora num olho ora no outro). Manifes-ta-se com um quadro subagudo ou insidioso de olhovermelho e importante dor ocular, o que a difere dasconjuntivites, hemorragia subconjuntival e da epis-clerite. Lembre-se de que a dor ocular é uma indica-ção precisa de se encaminhar o paciente com olhovermelho ao oftalmologista!! A dor costuma ser con-tínua e de forte intensidade, impedindo as ativida-des diárias e atrapalhando o sono do paciente.Fotofobia e lacrimejamento também podem ocorrer.Ao exame da lâmpada de fenda, o oftalmologista per-cebe vermelhidão difusa ou localizada, associada a“injeção conjuntival e episcleral” e descoloraçãoviolácea do “branco do olho” (importante sinalsemiológico!). Ao toque, a lesão é dolorosa e a apli-cação de um colírio vasoconstrictor reduz a verme-lhidão proveniente da injeção conjuntival-episcleral,permitindo uma melhor visualização da lesão escleral.A atividade inflamatória da esclerite anterior costu-ma durar meses ou mesmo anos...

A esclerite anterior pode vir associada à uveíte (es-clerouveíte) e o oftalmologista deve procurar altera-ções esclerais associadas sempre que fizer um diag-nóstico de uveíte...

Existem quatro tipos clínicos de esclerite anterior, asaber:

(1) Esclerite anterior difusa (FIGURA 22A): é aforma mais comum de apresentação. O paciente en-contra-se com olho vermelho doloroso e sinais deesclerite. Esta forma clínica é de melhor prognóstico,sendo infrequente a evolução para complicações.

(2) Esclerite anterior nodular (FIGURA 22B): é asegunda forma mais comum. O olho do pacienteapresenta uma massa nodular vermelha próxima aolimbo, decorrente do edema escleral e vasodilataçãodos vasos episclerais profundos. Este tipo de escle-rite toma um curso recidivante em metade dos casose a chance de complicações é maior do que no pri-meiro tipo.

(3) Esclerite anterior necrosante (FIGURA 22C): éuma forma rara, porém extremamente grave de escle-rite, potencialmente ameaçadora à visão. Predominaem mulheres em torno de 60 anos e está bastanteassociada a doenças sistêmicas. Além dos sinais tí-picos de uma esclerite anterior difusa ou localizada,surgem áreas de necrose escleral, que vão se tor-nando azul-enegrecidas por exposição do trato uvealsubjacente. Pode ocorrer a formação de umestafiloma, uma zona de abaulamento da úvea (azul-enegracida) pela esclera adelgaçada e distendida, comrisco maior de perfuração escleral, a complicaçãomais temida! A lesão corneana pode ocorrer sob aforma de uma ceratite ulcerativa periférica (esclero-ceratite).

Fig.21: Episclerite.

Episclerite nodular

Episclerite difusa

Fig.22: Esclerite (as quatro formas).

Fig.22A: Esclerite anterior difusa. Fig.22B: Esclerite anterior nodular.

Fig.22C: Esclerite anterior necrosante.

Fig.22D: Escleromalácia perfurante.

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 63

(4) Escleromalácia perforante (FIGURA 22D): tam-bém chamada de scleromalacia perforans, é umaforma necrosante não inflamatória de esclerite ante-rior. É mais comum em mulheres de mais idade porta-doras de artrite reumatoide de longa data. É umaforma indolor, geralmente bilateral, de esclerite an-terior, daí o frequente atraso no diagnóstico. Umborramento visual decorrente de astigmatismo cor-neano secundário pode ocorrer. Manifesta-se inici-almente com áreas branco-amareladas, evoluindo comaspecto enegrecido da necrose escleral. Não há ver-melhidão ocular associada.

O diagnóstico da esclerite anterior é clínico e realiza-do sempre por um oftalmologista. O olho do pacien-te deve ser examinado tanto pela inspeção desarma-da quanto pela lâmpada de fenda. Tal como na epis-clerite, uma bateria de exames e um parecer de umclínico ou reumatologista são medidas necessáriaspara avaliar a presença de doenças sistêmicas asso-ciadas. Um FTA-ABS ou um MHA-TP para sífilisdeve fazer parte dos exames solicitados...

Complicações

Como ressaltado anteriormente, a esclerite anterior éuma entidade potencialmente grave, possuindo com-plicações. Um déficit visual permanente (parcial outotal) pode ocorrer em 10% dos casos de escleriteanterior difusa, 25% dos casos na esclerite anteriornodular e 80% dos casos nas esclerites necrosantes!!As principais complicações são:- Estafiloma- Perfuração escleral- Ceratite ulcerativa- Glaucoma secundário- Catarata precoce

Tratamento

Ao contrário da conjuntivite e episclerite, a terapiatópica não possui efeito satisfatório na esclerite.Portanto estes pacientes merecem terapia com dro-gas sistêmicas. O tratamento deve ser mantido até aresolução dos sinais de atividade da doença (verme-lhidão ocular e dor ocular) o que geralmente necessi-ta de meses a anos de terapia. A dor costuma respon-der dramaticamente.

Nos casos de esclerite leve (não necrosantes e cominflamação branda), os anti-inflamatórios AINE po-dem ser suficientes para o controle da doença. Qual-quer AINE pode ser usado, embora a indometacina50 mg via oral a cada 8h seja o mais estudado. Noscasos refratários aos AINE ou nos casos graves, oscorticoides sistêmicos são as drogas de escolha. Adose inicial do corticosteroide é 1,0-1,5 mg/Kg/diade prednisona, reduzindo-se paulatinamente a doseapós a melhora dos sinais e sintomas. A aplicação decorticoide no espaço subconjuntival pode ser feitacomo medida adjuvante. Em alguns pacientes podeser necessária a pulsoterapia com metilprednisolonavenosa 1g por 3 dias.

Os imunossupressores devem ser acrescentados aoesquema terapêutico nas seguintes situações: (1) re-fratariedade ao corticoide (inflamação persistente após2-3 semanas da terapia), (2) formas necrosantes deesclerite, (3) pacientes que necessitam de altas doses

de esteroides para a manutenção. O período de trata-mento costuma ser de 3-6 meses. Diversos imunossu-pressores mostraram benefício no tratamento das for-mas graves: metotrexate 10-20 mg/semana oral ou IM,ciclofosfamida oral (1,5-2,5 mg/Kg/dia) ou em pulsosmensais, clorambucil 0,1-0,2 mg/Kg/dia, azatioprinaoral 1-2 mg/Kg/dia, ciclosporina oral 2-5 mg/Kg/dia.

Cirurgia na esclerite: é indicada nos casos de per-furação escleral ou estafiloma. O procedimento é re-alizado em centro cirúrgico, com anestesia local nãotópica, por meio da qual é colocado um enxertoescleral, que pode ser autólogo (periósteo da cristatibial, fácia lata) ou de um doador. Durante a cirurgia,é recomendada a biópsia escleral para a avaliar apossibilidade de processos neoplásicos que se as-semelham à esclerite...

VI - CERATITES

As ceratites formam um grupo de doenças que pro-vocam lesão inflamatória da córnea, muitas delasapresentando um potencial destrutivo e ameaçadorà visão, especialmente as causas infecciosas. A sus-peita clínica de uma ceratite a princípio é considera-da uma urgência oftalmológica, requerendo tratamen-to imediato.

Como vimos no Capítulo 1, a córnea é formada porcinco camadas: (1) epitélio estratificado não querati-nizado (camada mais externa), (2) membrana deBownman, (3) estroma corneano, (4) membrana deDescemet, (5) endotélio (camada mais interna, emcontato com o humor aquoso da câmara anterior).

Fisiologia das camadas da córnea: o epitélio dacórnea contém 5-6 camadas de células, sendo re-vestido por uma película de lágrima, importantepara a nutrição e oxigenação das células epiteliais edos demais tecidos corneanos. Esta película é for-mada por lipídios, água, mucina e outras proteínas;os lipídios evitam a evaporação da lágrima, enquan-to que a mucina impede a dispersão do fluido parafora da córnea. O epitélio é uma importante barrei-ra contra agentes infecciosos e corpos estranhos,impedindo a sua penetração no estroma corneano.A película de lágrima contribui com proteínas deefeito antibacteriano, como a lactoferrina, a lisozimae a IgA. Por isso, as lesões epiteliais (ex.: abrasõesda córnea) e a deficiência lacrimal são importantesfatores de risco para as ceratites bacterianas... Oepitélio possui alta capacidade regenerativa, justi-ficando uma rápida resolução das ceratites epiteli-ais superficiais (24-48h), sem deixar sequelas. Poroutro lado, as lesões corneanas mais profundas,que destroem a membrana de Bowman (úlceras cor-neanas), regeneram de forma lenta e insuficiente,deixando via de regra cicatrizes (manchas opacas)no estroma corneano. A córnea é mantida em umrelativo grau de desidratação pelo constante fluxode água e eletrólitos pela ação de seu endotélio.Esta propriedade é importante para garantir uma boatransparência à luz. O edema da córnea, presentenas ceratites estromais ou nas lesões do endotélio,acarreta córnea translúcida, provocando uma que-da da acuidade visual.

O grande problema das ceratites é o potencial paracausar um dano irreversível à visão. As complica-ções são mais prováveis nas ceratites infecciosasprofundas, que afetam o estroma corneano, como aceratite herpética avançada, bacteriana, fúngica eamebiana. Quatro complicações com repercussãovisual podem ocorrer:- Astigmatismo irregular: decorrente da irregulari-dade dos meridianos de uma córnea cicatrizada. Al-gumas vezes, pode ser corrigido com lentes de con-tato rígidas.- Leucomas: são cicatrizes estromais fibróticas dacórnea. A infecção ou inflamação do estroma tendema cicatrizar com formação de cicatrizes fibróticas,deixando manchas brancas permanentes. Se estasmanchas se localizarem no eixo pupilar, trarão impor-tante prejuízo da visão.- Perfuração da córnea e Endoftalmite: é a complica-ção mais temida das ceratites! A necrose estromalpode atingir toda a espessura do estroma, causandodescemetocele (abaulamento da membrana deDescemet em direção anterior), seguida de perfura-ção. Neste caso, o agente infeccioso se alastra paratodos os tecidos oculares, acarretando endoftalmite,com grande chance de amaurose.

1. Aspectos Gerais

Tipos de Ceratites

As ceratites devem ser classificadas a princípio em(1) não infecciosas e (2) infecciosas, sendo estasúltimas as maiores responsáveis por uma evoluçãodesfavorável, caso não recebam tratamento preco-ce. A profundidade da lesão corneana também é im-portante... Neste caso, as ceratites podem ser classi-ficadas em: (1) epiteliais superficiais, (2) subepiteli-ais e (3) estromais. As duas primeiras costumam terum bom prognóstico e estão associadas mais a cau-sas virais, enquanto que as ceratites estromais po-dem deixar graves sequelas. As ceratites estromaispodem ser úlceras corneanas, com destruiçãoepitelial e stromal, ou como ceratite intersticial,quando afeta o estroma sem romper a barreira epitelial.As úlceras corneanas são causadas por bactérias,herpes, fungos e ameba, enquanto que a ceratite in-tersticial tem como causa clássica a sífilis. A ceratiteneurotrófica é um tipo especial de ceratite, decor-rente da desnervação da córnea, o que leva à forma-ção de defeitos epiteliais e até mesmo úlceras corne-anas e perfuração. Tem como causas principais le-sões do ramo oftálmico do trigêmio, a ceratite herpé-tica e o zóster oftálmico.

Quadro Clínico e Diagnóstico

Os sinais e sintomas das ceratites são mais dramáti-cos que os das conjuntivites e episclerites. Na pre-sença desses sintomas, o clínico deve encaminhar opaciente para oftalmologista em caráter emergencial!!A história de uso de lentes de contato, especialmen-te na falta de cuidados adequados, é um fator quesugere a possibilidade de ceratite, sempre indican-do encaminhamento oftalmológico! Uma das cau-sas mais comuns de ceratite infecciosa grave é o usode lente de contato... O paciente com ceratite costu-ma se manifestar com olho vermelho devido à inje-ção conjuntival reativa, localizada na área perilímbica(flush ciliar) ou então por apresentar uma conjunti-

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vite associada (ceratoconjuntivite). O flush ciliar tam-bém pode ser observado na uveíte anterior e na crisede glaucoma de ângulo fechado. Dor ocular, intensafotofobia, pupilas mióticas, sensação de corpo es-tranho provocando fechamento palpebral reflexo (ble-faroespasmo) e redução recente da acuidade visualsão achados sugestivos de ceratite. A dor ocular écausada pela própria lesão corneana (a córnea é rica-mente inervada por ramos do V par craniano) e pelacontração reflexa do músculo ciliar e esfíncter da íris...Secreção mucopurulenta branco-amarelada pode servista nas ceratites bacterianas, embora apareça emmenor quantidade quando comparada à conjuntivitebacteriana...

Os sinais de ceratite podem ser observados na ins-peção desarmada e devem ser confirmados por umoftalmologista no exame da lâmpada de fenda(biomicroscopia). A seguir, listamos os principais si-nais indicativos de ceratite (qualquer um deles podeestar ausente):

- Injeção conjuntival perilímbica, ou flush ciliar(FIGURA 23); pode ser difusa ou localizada;- Pupilas levemente mióticas (nos casos de inflama-ção mais pronunciada);- Intolerância à luz: o paciente tem uma tendênciareflexa a fechar o olho com qualquer estímulo lumi-noso;- Redução da acuidade visual;- Anormalidades corneanas à inspeção: embora le-sões epiteliais superficiais sejam difíceis de seremnotadas ao exame sem o uso de corantes (ver adian-te), as úlceras corneanas formam opacidades esbran-quiçadas na córnea, facilmente notadas no exame dalâmpada de fenda (FIGURA 23). São típicas das ce-ratites bacterianas, da ceratite herpética avançada,fúngica e amebiana; quando extensas, podem ser ob-

servadas pela inspeção desarmada. Pode-se eventu-almente notar a invasão da córnea por vasos con-juntivais (neovascularização) no limbo (mais comum)ou próxima à úlcera (FIGURA 25B).- Reação da câmara anterior: nas ceratites estro-mais (profundas), é comum a presença de sinais dereação da câmara anterior, como presença de célulasdispersas (leucócitos), aumento do conteúdoprotêico provocando o “flare” acúmulo de fluido es-branquiçado (purulento) na câmara anterior (FIGU-RA 23B), geralmente estéril (sem microorganismos).

A presença de dor ocular importante e fotofobia podedificultar o exame. Neste caso, na ausência de sinaisde trauma perfurante, um colírio anestésico podeser aplicado, aliviando a dor do paciente por cercade 10-20min. Tal é o alívio, que o paciente frequente-mente pede que o médico prescreva este colírio paracasa... deve então ser ressaltado que este colírio pre-judica a cicatrização corneana e está contraindicadopara uso regular...

Teste da Fluoresceína ou Rosa-bengala: o exameda lâmpada de fenda deve ser complementado pelouso de corantes. Estes devem ser aplicados com con-ta-gotas individuais ou utilizando fitas de papeldescartável. A fita é embebida pelo corante em adi-ção a soro fisiológico ou colírio anestésico, sendoentão tocada ao recesso palpebral inferior, com opaciente olhando para cima. Ao piscar, a substânciaé rapidamente espalhada por toda superfície ocular.A fluoresceína impregna qualquer defeito epitelialda córnea, superficial ou profundo (úlcera corneana),seja por ceratite ou por abrasão.... Na presença deum defeito, a iluminação pela luz azul de cobalto (dis-ponível em qualquer oftalmoscópio ou lâmpada defenda) irá revelar áreas de coloração verde ou esver-deada (FIGURA 24A). As lesões ou ceratites epite-

liais superficiais geralmente só são diagnosticadaspelo uso do corante! A morfologia dos defeitos epite-liais corados é de grande auxílio no diagnóstico dasceratites epiteliais superficiais, como no caso da lesãodendrítica, típica da ceratite herpética. O rosa-benga-la impregna células epiteliais desvitalizadas, sendomuito usado para o diagnóstico da lesão herpética(FIGURA 24B). As lesões adquirem tonalidade ver-melha quando iluminadas pela luz branca.

Tratamento

O tratamento depende da causa de ceratite e dotipo de agente infeccioso. Porém, alguns princípiosbásicos podem ser aqui descritos... Em primeiro lu-gar, nas ceratites infecciosas, os antimicrobianostópicos são a base da terapia e devem ser iniciadoso quanto antes! Nas ceratites não infecciosas, nasíndrome do olho seco, na ceratite herpética neuro-trófica e nas abrasões da córnea, colírios lubrifi-cantes podem auxiliar no reparo tecidual e no alíviodo desconforto ocular. Nas ceratites dolorosas, sãoutilizados colírios cicloplégicos como adjuvantes,por auxiliar no controle da dor, já que inibem o es-pasmo do músculo ciliar e do esfíncter da íris. Ocolírio de ciclopentolato 1% (Cicloplégico colírio)ou o colírio de atropina 1% podem ser aplicados2x/dia.

Nos casos de leucomas cicatriciais que prejudicam avisão, pode-se tentar a terapia intervencionista. Atu-almente, a ceratectomia fototerapêutica (PTK) é ométodo mais indicado, no qual um feixe de excimerlaser é aplicado na opacidade corneana, de forma aretirar o estroma superficial. Nos casos refratários àPTK ou com intensa destruição corneana, podemoslançar mão do transplante de córnea (ceratoplastiapenetrante).

2. Ceratite herpética (Herpes simplex)(FIGURA 25)

O vírus herpes simplex foi abordado em outras apos-tilas do Medcurso. Trata-se de um DNA vírus quetem a propriedade de infectar cronicamente osgânglios neurais, mantendo-se em estado latente nosneurônios ganglionares. A qualquer momento, o ví-rus pode ser ativado, dando início a uma nova fasede replicação, quando então é capaz de descer pelasterminações nervosas e infectar o epitélio inervadopelas mesmas. Existem dois tipos de vírus herpessimplex: HSV-1 e HSV-2. O primeiro tem preferênciapara o gânglio de Nasser do trigêmio (V para craniano),e o segundo pelos gânglios do plexo pélvico. Porconta disso, o HSV-1 é o principal agente do herpesorofacial, enquanto que o HSV-2 costuma estar as-sociado ao herpes genital. A importância do HSV-2para a oftalmologia está no fato de ser o agente daoftalmia neonatal herpética, transmitida pelo canaldo parto ao recém-nascido e determinando umablefaroconjuntivite com ceratite e outras possíveiscomplicações oculares (ver anteriormente). Em adul-tos, o destaque é para o HSV-1, o agente da ceratiteou ceratoconjuntivite herpética.

A primoinfecção pelo HSV-1 geralmente ocorre nainfância, sendo assintomática em grande parte doscasos ou manifestando-se como uma estomatite fe-bril autolimitada. O grande problema para o sistema

Fig.24: Ceratite herpética epitelial superficial(corada pela fluoresceína e rosa-banegala).Fig.23: Ceratites.

Fig.23B: Ceratite com hipópio (seta) e opacidadecentral.

Fig.24B: Rosa-bengala.

Fig.24A: Fluoresceína.

Fig.23A: Ceratite com injeção conjuntival difusa eopacidade central (seta).

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 65

ocular é a recidiva do herpes, quando o vírus podeatingir a córnea e/ou conjuntiva por meio dos ramosda divisão oftálmica do trigêmio. O herpes recidivan-te é mais comum ser do tipo orolabial, sendo a ceratiteuma forma de apresentação em apenas 5% de todosos casos. Entretanto, como o herpes recidivante émuito comum na população, 5% constitui um núme-ro absoluto significativo de casos...

A ceratite herpética tende a tomar um curso maisgrave quanto maior for o número de recidivas. Umavez ocorrendo o primeiro episódio de herpes ocular,as recidivas ocorrem em cerca de 40% dos indivídu-os ao longo dos próximos 5 anos. Muitas vezes, opaciente refere um fator desencadeante, como expo-sição solar, estresse emocional, trauma, cirurgia oumenstruação... A deficiência de vitamina A e a des-nutrição são fatores de risco. Por sorte, a doençaquase sempre é unilateral, entretanto os pacientescom dermatite atópica possuem maior chance de aco-metimento bilateral. Pelo arsenal terapêutico atual,não há como erradicar o vírus do organismo. Portan-to, o objetivo primário do terapeuta é reconhecer pre-cocemente cada episódio de ceratite herpética e tratá-lo agressivamente, utilizando drogas antivirais ca-pazes de inibir a replicação viral, retornando o víruspara seu estado latente.

Apresentação Clínica, Tipos de Ceratitee Diagnóstico

O herpes ocular recidivante na maioria das vezes seapresenta com ceratite isolada, enquanto que o her-pes ocular primário frequentemente se manifesta comceratoconjuntivite folicular, adenopatia pré-auriculare blefarite vesiculosa. Os sintomas são dor e infla-mação ocular de intensidade variável e lacrimejamen-to, de início agudo. As lesões corneanas são bastan-te características e o diagnóstico é clínico, porémexige a avaliação de um oftalmologista com exame dalâmpada de fenda e aplicação de corantes (fluores-ceína e rosabengala). Os tipos de ceratite herpética,na verdade, são fases evolutivas da doença, que ge-ralmente começa acometendo superficialmente oepitélio corneano, estendendo-se para o estroma coma repetição dos surtos. As diversas formas de ceratiteherpética podem simular a ceratite por quase todosos agentes microbianos... A seguir, listamos os doistipos mais importantes de ceratite herpética e seusachados:

- Ceratite epitelial ativa (FIGURA 25A): geralmen-te a primeira manifestação da doença, decorrente deintensa replicação viral no epitélio corneano. Podese iniciar com erosões pontuais (ceratite punctata)mas logo assume a forma de uma ceratite dendrítica(clássica desta ceratite). Trata-se de pequena erosãoepitelial, única ou múltipla, com formato arborizadocom bordas bulbares, corável no centro pela fluores-ceína e nas bordas pelo rosa-bengala. A ceratite her-pética não é a única causa de lesão dendrítica, embo-ra o encontro de uma lesão como esta é consideradaherpes até se prove o contrário! A tendência é pararesolução espontânea em 1-2 semanas, embora pos-sa evoluir com úlceras epiteliais mais extensas,serpiginosas e profundas (úlceras geográficas) e/ou com envolvimento estromal. O uso inadvertidode colírio de corticoide aumenta bastante a chancede evolução desfavorável!!

- Ceratite estromal necrosante (FIGURA 25B): for-ma mais grave da ceratite herpética, sendo respon-sável pela maior parte dos casos de perda visual doherpes ocular. Pode ocorrer no primeiro surto, porémé mais frequente após algumas recidivas. É decor-rente tanto da replicação viral ativa quanto da res-posta imune aos antígenos virais. Manifesta-se poruma ceratite ulcerada, marcada pela presença deopacidades esbranquiçadas na córnea, coráveis pelafluoresceína. Áreas de neovascularização e reaçãoda câmara anterior com hipópio também podem serencontradas. A complicação mais temida é a perfura-ção corneana, levando à endoftalmite e amaurose.Os dois tipos de ceratite (dendrítica superficial eestromal ulcerada) estão frequentemente presentesna mesma córnea... A forma estromal necrosante daceratite herpética é muito semelhante à ceratite bac-teriana (ver adiante), diferenciando-se da mesma pelocurso clínico (subagudo-recidivante versus agudo-hiperagudo) e pela concomitância eventual de umaceratite dendrítica.

Existem outras formas de ceratite herpética, descri-tas a seguir:

- Ceratopatia epitelial neurotrófica: decorrente dadesnervação corneana, uma sequela da ceratite epitelialherpética. O sinal típico é a perda da sensibilidade dacórnea ao toque. Manifesta-se com erosões pontuaislocalizadas ao nível da fenda palpebral, que depois tor-nam-se mais extensas e de formato oval, sem infiltradosubjacente. As lesões podem ser persistentes e culmi-nar em ulceração estromal e manchas cicatriciaisirreversíveis.

- Ceratite estromal intersticial (imune): decorrenteda resposta imune tardia aos antígenos virais. Manifes-ta-se como infiltrado focal, multifocal ou difuso,opacificando a córnea, mas sem lesão epitelial associa-da. A lesão é semelhante à da ceratite sifilítica (ver adi-ante)... Uma forma anelar pode se assemelhar à ceratiteamebiana...

- Ceratite disciforme (FIGURA 25C): um tipo de ceratiteintersticial, caracterizada pelo edema de córnea locali-zado em forma de disco, com bordos bem marcados,separando-o da córnea normal. O edema de córnea apa-rece como uma zona translúcida ou de ofuscamento (tipo“vidro fosco”). Se a localização cobrir a área pupilar,acarreta déficit de visão. Alguns autores a classificamcomo forma estromal, outros como uma forma deendotelite herpética.

- Endotelite: manifesta-se com a formação de precipi-tados ceráticos (ver item sobre uveíte) e edema cornea-no. Os precipitados ceráticos podem se acumular peri-fericamente, adjacentes ao limbo. É decorrente de res-posta imune tardia aos antígenos virais. Pode evoluircom uveíte anterior (ceratouveíte herpética) etrabeculite, causando glaucoma secundário.

Como você reparou, alguns tipos de ceratite herpéti-ca são provocados pela replicação viral ativa (lesãoepitelial dendrítica, lesão estromal necrosante), ou-tras pela resposta imune aos antígenos do vírus (le-são estromal intersticial ou anelar, endotelite) e ou-tras pela desnervação corneana (lesão epitelial neu-rotrófica).

Na dúvida diagnóstica, deve-se lançar mão do ras-pado corneano para a pesquisa dos antígenos pelométodo ELISA, pela cultura viral ou pelo PCR.

Em resumo, as características que apontam para umaceratite herpética são: erosões dendríticas ou geo-gráficas na córnea (ceratite epitelial ativa), coradaspela fluoresceína ou rosa-bengala. Após recidivas, écomum a evolução para comprometimento estromalulcerativo, quando passa a ser confundida com asceratites bacterianas. Na ceratite ativa, o uso inad-vertido de corticoide tópico pode ter efeito catastró-fico!

Tratamento

O tratamento da ceratite herpética visa reduzir a evo-lução para lesão estromal cicatricial ou qualquer ou-tra complicação que possa levar ao déficit visual. Setratada precocemente, o prognóstico visual é bom!!A estratégia terapêutica difere entre as diversas for-mas de lesão corneana.

A ceratite epitelial ativa (dendrítica ou geográfica)deve ser tratada com antivirais tópicos por 7-10 dias.Infelizmente, os colírios antivirais mais eficazes con-tra a ceratite herpética não estão disponíveis no mer-cado brasileiro. São eles: (1) trifluridina 1% 9x/dia (a

Fig.25: Ceratite herpética (várias formas).

Fig.25A: Ceratite epitelial dendrítica. Corada pelacombinação fluoresceína + rosa-bengala.

Fig.25B: Ceratite estromal necrosante (com úlcerainfiltrativa e neovascularização).

Fig.25C: Ceratite disciforme.

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MEDGRUPO - 201466

cada 2h), seguido por 6x/dia (a cada 4h) quando aslesões dendríticas começarem a regredir (tipicamen-te após 2-5 dias de tratamento); (2) vidarabina 3%pomada oftálmica 5x/dia. A pomada oftálmica deaciclovir 3% (Zovirax) tem sido utilizada por muitosautores com sucesso, embora seja difícil de encon-trar no mercado. Uma opção à terapia tópica é oacilcovir oral 400 mg 5x/dia, também com bons re-sultados. Os corticoides são formalmente contra-indicados na ceratite epitelial herpética em ativida-de, pelo risco de progressão para lesão estromal.

A ceratite estromal e endotelite devem ser tratadoscom antivirais (tópicos ou sistêmicos) associados acorticoides tópicos, para reduzir a resposta imuneinflamatória.

Um estudo recente, o HEDS (Herpetic Eye DiseaseStudy) demonstrou benefício importante da terapiaprofilática com aciclovir oral (400 mg 2x/dia) porpelo menos 12 meses, para prevenir novas recidivasde ceratite herpética. Portanto, esta estratégia é atu-almente recomendada.

Nos casos de ceratite neurotrófica ou erosões her-péticas superficiais inativas persistentes, recomen-da-se o uso de colírios lubrificantes e, nos casosmais resistentes, lentes de contato terapêuticas. Emcasos intratáveis de lesão cicatricial que limita a vi-são ou de perfuração, o transplante de córnea é indi-cado.

3. Ceratoconjuntivite adenoviral epidêmica

Já discutimos esta entidade (causada pelo adenoví-rus, sorotipos 8, 9 e 37) quando descrevemos asconjuntivites. Devemos apenas lembrar que as le-sões corneanas desta doença se apresentam comouma ceratite punctata (pequenos defeitos epiteliaissuperficiais coráveis pela fluoresceína). Em 20-50%dos casos, evoluem para opacidades subepiteliais,que podem prejudicar a visão, persistindo por mesesa anos, porém, resolvendo sem deixar cicatrizes.

4. Ceratite bacteriana(FIGURA 26)

Juntamente com a ceratite herpética, a ceratite bacte-riana é uma das maiores causas de cegueira corneana.Um único episódio pode ter evolução desfavorável,culminando na rápida destruição do tecido da córneae perda visual. As bactérias mais comuns associa-das à ceratite são o Staphylococcus aureus e aPseudomonas aeruginosa, esta última ocorrendoquase que exclusivamente em usuários de lente decontato. Estas bactérias não penetram a córnea sã,precisando de uma lesão corneana prévia ou de umacondição que leve à deficiência lacrimal. Os princi-pais fatores de risco para a ceratite por estas bactéri-as são:- Uso inadequado de lentes de contato.- Anormalidades das pálpebras e cílios, levando aotrauma mecânico contínuo da córnea (triquíase,entrópio), como ocorre no tracoma e na síndrome deStevens-Johnson, ou exposição da córnea (ectrópio,exoftalmia).- Síndrome do olho seco.- Lagoftalmo (impossibilidade de fechar a pálpebra),como acontece em pacientes comatosos na UTI e em

indivíduos com paralisia facial periférica (Bell).- Ceratite herpética prévia.- Trauma ocular, queimadura química.- Cirurgia refrativa (LASIK).- Uso de colírio contaminado (ex.: Pseudomonas).

Algumas bactérias podem penetrar a córnea intacta,com destaque para a Neisseria gonorrhoeae (gono-coco), geralmente num contexto de uma conjuntivitegonocócica hiperaguda. Outras bactérias implicadasem ceratite são: estreptococos, estafilococos coa-gulase-negativos, Gram-negativos entéricos, pneu-mococo (antigamente o agente mais comum...),hemófilos, moraxela, bacilo da difteria, micobactériasentre outras.

A doença manifesta-se com uma ceratite ulcerada(necrosante) aguda ou hiperaguda, unilateral, comdor ocular, fotofobia, lacrimejamento, eventual des-carga purulenta branco-amarelada, olho vermelho porinjeção conjuntival perilímbica ou conjuntivite papilarassociada, além de quemose e blefarite (inflamação eedema palpebral). Ao exame, é nítida a presença deuma úlcera corneana estromal, (opacidade esbran-quiçada exsudativa fluoresceína positiva) que, selocalizado no eixo pupilar, provoca queda da acuidadevisual. O infiltrado estromal pseudomônico pode teruma cor azul-esverdeada (evidenciada pela luz deWood), devido à produção de pigmento por estabactéria... Em volta do infiltrado, ocorre edema doestroma da córnea em “vidro fosco”, que contribuipara o déficit visual. A reação da câmara anterior(ver no item “uveítes”), com acúmulo de células(leucócitos), “flare” e hipópio estéril, é um achadomuito frequente.

Se não tratada precocemente, a ceratite bacterianaevolui rapidamente com complicações (leucoma, per-furação, endoftalmite), que determinam perda visu-al irreversível!

O diagnóstico é suspeitado clinicamente, indicandoo pronto início da terapia, porém alguns autores re-comendam colher um raspado corneano (sobanestesia tópica) logo antes do tratamento, obten-do-se material para Gram e cultura.

Em resumo, as características que apontam para umaceratite bacteriana são: quadro agudo doloroso de olhovermelho com a presença de densas manchas esbran-quiçadas opacas na córnea. Pode ou não haver blefari-te associada e secreção mucopurulenta. Geralmente,existe algum fator de risco (mau uso das lentes de con-tato, triquíase, entrópio, ectrópio, lagoftalmo, exoftalmia,trauma, queimadura química, olho seco, etc.).

Tratamento: a ceratite bacteriana é considerada umaemergência oftalmológica. Portanto, o tratamentocomeça sempre de forma empírica e deve ser realiza-do com colírio de antibiótico, contudo o esquemaposológico é totalmente diferente do da conjuntivitebacteriana. Recomendam-se nas primeiras 24h de tra-tamento duas gotas do colírio a cada 15min nas pri-meiras 6h e depois a cada 30min nas próximas 18h(podendo reduzir um pouco a frequência de aplica-ção durante o sono do paciente). Após este período,mantém-se a posologia a cada 1h, espaçando-se pro-gressivamente os intervalos, até completar um totalde 5-7 dias. O antibiótico de escolha deve pertencerao grupo das fluoroquinolonas. A melhor opção emnosso meio é o colírio de ciprofloxacina 0,3%

Fig.26: Casos de Ceratite bacteriana (ulcerada).

Ceratite bacteriana em atividade.Observe a úlcera de córnea (opacidade no centroda córnea) e o hipópio.

Cicatriz (leucoma) após tratamento antibiótico.Observe a mancha branca opaca no centro dacórnea. Esta mancha é permanente.

Ceratite bacteriana grave após um procedimento deLASIK. Grande úlcera exsudativa central e hipópio.

Ceratite bacteriana em atividade.Úlcera corada positivamente pela fluoresceína.

Após otratamento

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 67

(Ciloxan, Biamotil). A terapia adjuvante com colírioscicloplégicos é bem vinda, como em toda ceratitedolorosa com miose. É controverso o uso adjuvantede corticoide tópico, visando reduzir o risco de le-sões cicatriciais. Se for usado, só pode ser iniciadoapós haver melhora clínica inquestionável pelo colíriode antibiótico.

5. Ceratite da sífilis congênita(FIGURA 27)

A sífilis congênita se caracteriza pela presença datríade de Hutchinson: ceratite intersticial, surdezneurossensorial e malformações dentárias típicas(dentes de Hutchinson). Outras alterações encon-tradas são: retardo mental, fronte olímpica, tíbia emsabre e nariz em sela. A ceratite costuma aparecertardiamente, logo após 5 anos de idade e geralmenteevolui com acometimento ocular bilateral assimétrico.Na fase ativa, sintomas típicos de ceratite podemocorrer (dor ocular, fotofobia, lacrimejamento, blefa-roespasmo). A atividade dura alguns meses, quandoentão evolui para uma fase cicatricial, com opacida-des corneanas permanentes que limitam a visão. Oexame na fase ativa revela uma ceratite intersticial,caracterizada por infiltrados esbranquiçados estro-mais profundos, sem a presença de erosões epiteli-ais (o epitélio está totalmente íntegro!), sendo por-tanto lesões fluoresceína-negativas. Podem ser fo-cais ou difusos. O fenômeno da neovascularizaçãocorneana (invasão da córnea por vasos conjuntivais)é um achado comum, começando no limbo (perife-ria), e eventualmente atingindo outras áreas dacórnea, que pode adquirir uma tonalidade rósea corde salmão (mancha salmão de Hutchinson). Os va-sos invasores regridem deixando elementos rema-nescentes (“vasos fantasmas”). Na fase cicatricial,as áreas de opacidade inflamatória se converte emopacidades permanentes (leucomas), com prejuízoirreversível da visão (lembre-se de que a doença cos-tuma ser bilateral!). Raramente a ceratite intersticialocorre na sífilis adquirida...

O diagnóstico da sífilis congênita é fortemente sus-peitado clinicamente e confirmado pelo examesorológico específico (FTA-ABS ou MHA-TP). Éconfirmatória uma dosagem positiva após os 6 me-ses de vida ou com títulos superiores aos da mãe.

Outras causas clássicas de ceratite intersticial crôni-ca são: uma forma de ceratite herpética, ceratitehansênica, tuberculosa e a síndrome de Cogan (vas-culite sistêmica + sintomas vestibulococleares +ceratite intersticial), uma entidade inflamatória não-infecciosa (apostila de Reumato: Vasculites).

Em resumo, as características que apontam para umaceratite sifilítica congênita intersticial são: opacidades es-branquiçadas fluoresceína-negativas e neovasculariza-ção. A presença ao nascimento de surdez neurossenso-rial e dentes de Hutchinson facilitam o diagnóstico.

6. Ceratite fúngica(FIGURA 28)

É uma ceratite mais comum no meio rural, apósabrasões corneanas com elementos vegetais. Osagentes mais comuns neste caso são fungos fila-mentosos, constituídos por hifas, destacando-se o

Fusarium sp. e o Aspergillus sp., seguidos peloCephalosporium sp. e o Penicillium sp. No meiourbano, a ceratite fúngica predomina nos imunocom-prometidos, com lesão corneana prévia e em uso demúltiplos antibióticos. Neste caso, destacam-se asespécies de Candida sp.

Clinicamente, a ceratite fúngica se manifesta de for-ma insidiosa (crônica), embora existam casos agu-dos. A inflamação ocular é unilateral e os sintomasdolorosos são leves ou inexistentes. O exame de-monstra uma ceratite ulcerada (necrosante), fluo-resceína positiva. A úlcera fúngica pode ser demorfologia inespecífica ou possuir aspecto típico:forma circular de bordas “hifadas” (projeções espi-culadas) e lesões satélite. Pode ou não haver reaçãoda câmara anterior. O diagnóstico é suspeitado pelapresença de fatores de risco na história prévia (ex.:exposição da córnea a fragmentos vegetais), pelaevolução insidiosa e não-resposta à terapia tópicacom antibióticos (ciprofloxacina). A confirmação éfeita pelo raspado corneano, levado para examemicológico e cultura.

Tratamento: é feito a base de antifúngicos tópicos,como a anfotericina B. O esquema posológico deveser semelhante ao da ceratite bacteriana. Imidazólicossistêmicos (cetoconazol, fluconazol) podem ser ad-ministrados para complementar a terapia, que devedurar pelo menos 3 meses.

7. Ceratite amebiana (Acanthamoeba)(FIGURA 29)

A Acanthamoeba é um protozoário de vida livre quehabita coleções de água, incluindo lagos, reservató-rios, piscinas, etc. Como toda a ameba, existe sobduas formas evolutivas: trofozoítas (formas móveise invasivas) e cistos (formas latentes, responsáveispela reprodução). A ceratite por este parasita é típi-ca de usuários de lente de contato gelatinosa, quenão seguem as recomendações adequadas de cuida-do com a lente, especialmente quando as lavam emágua corrente. Lembre-se de que nos usuários delente de contato, esta ceratite perde de longe em fre-quência para a ceratite pseudomônica...

O quadro clínico é de uma ceratite unilateral de evo-lução insidiosa (crônica), porém com potencial dedestruição do estroma corneano e perda visual. Exis-te um aspecto da ceratite por Acanthamoeba quemuito se assemelha com a ceratite herpética: o fatode evoluir em fases, a primeira epitelial (superficial) ea segunda estromal (profunda). Entretanto, a ceratiteherpética é de caráter recidivante, com surtos autoli-mitados deixando sequelas cumulativas, enquantoque a ceratite amebiana é insidiosamente progressi-va, de curso flutuante. Uma outra diferença impor-tante é nos sintomas: na ceratite amebiana, o pacien-te refere dor ocular de grande intensidade, despro-porcional aos achados clínicos oculares, devido àinvasão das terminações nervosas da córnea pelostrofozoítas (polineurite corneana). Curiosamente,embora o paciente tenha acentuada dor ocular es-pontânea, a sensibilidade da córnea costuma estarreduzida ao toque... A fase inicial (primeiros 2 meses)manifesta-se com dor moderada, fotofobia, lacrime-jamento, hiperemia conjuntival perilímbica e quemose.Ao exame, há erosões epiteliais dendritiformes

(pseudodendríticas), fluoresceína positivas, seme-lhantes às da ceratite epitelial herpética, porém semapresentar bulbos nas extremidades. Na fase tardia(após 2 meses), a dor ocular aumenta, enquanto queos sinais inflamatórios objetivos reduzem. Nesse mo-mento, a infecção invade o estroma, tomando a for-ma de uma ceratite ulcerada (necrosante) exsudati-va (opacidade fluoresceína positiva), por vezes cir-cundada por um infiltrado estromal em forma de anel(anel imunológico de Wessely), desencadeado pelaresposta imune antigênica.

O diagnóstico deve ser confirmado com o estudo doraspado corneano, corado pelo calcoflúor-branco ouGiemsa, para se detectar os trofozoítas e cistos daameba. A cultura pode ser positiva...

Tratamento: feito com amebicidas tópicos, que pre-cisam combater tanto os trofozoítas quanto os cis-

Fig.29: Ceratite por Acanthamoeba (ulcerada).Opacidade anelar.

Fig.28: Ceratite fúngica (ulcerada). Observe umaúlcera corneana “hifada”. A faixa vertical no centro é ofeixe de luz da lâmpada de fenda...

Fig.27: Ceratite sifilítica (intersticial). Observe ahemicórnea esquerda opacificada, contendo umamancha salmão de Hutchinson (seta).

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MEDGRUPO - 201468

tos. Estes colírios devem ser importantes, pois não estãodisponíveis no mercado brasileiro. Recomenda-se a asso-ciação de um anti-séptico catiônico, como biguanidapolihexametileno (PHMB) 0,02% ou clorexidine 0,02%,com um aromático, como isotionato de propamidina 0,1%(Brolene) ou hexamidina ou pentamidina. Colírios de ami-noglicosídios ou imidazólicos podem complementar a te-rapia, cujo período total deve ser de 6-12 meses.

8. Ceratites não infecciosas

Existem diversas entidades classificadas como ceratites nãoinfecciosas crônicas, de causa idiopática. As mais citadasna literatura são: úlcera de Mooren (úlcera corneana peri-férica dolorosa), ceratite de Tygeson (ceratite punctata bi-lateral), ceratoconjuntivite límbica superior de Theodore(hiperemia conjuntival bilateral recorrente na porção su-perior do olho, adjacente ao limbo). Estas entidades exi-gem sempre avaliação e tratamento pelo especialista, ne-cessitando muitas vezes de corticoides e drogas imunomo-duladoras para o seu controle.

VII - OLHO VERMELHO POR CAUSAS FÍSICAS

1. Corpo estranho na superfície do olho

A presença de um corpo estranho na superfície ocular é umadas situações mais comuns do dia-a-dia. Pequenas partícu-las (sujeira, grãos de areia, cílios, pêlos, unhas, ferrugem,pedaços de metal, vidro, plástico ou madeira, sementes,fragmentos de insetos, etc.) podem aderir à superfície doolho trazidos pelo vento ou pelo próprio dedo do paciente,sendo normalmente eliminados pelas lágrimas durante o atode piscar. Entretanto, algumas vezes podem permaneceraderidos à superfície ocular, provocando grande desconfor-to, olho vermelho e eventualmente algum tipo de lesão. Doislocais são bastante comuns de se encontrar um corpo estra-nho aderido: na conjuntiva tarsal superior e na córnea.

Corpo estranho na conjuntiva(FIGURA 30)

O paciente refere que subitamente notou a presença de umcorpo estranho no olho, provocando desconforto ocular,vermelhidão discreta e lacrimejamento. Comumente, o cor-po estranho se aloja na conjuntiva tarsal superior, tornan-do difícil a sua retirada pelo próprio paciente e até mesmoa sua visualização no espelho ou por uma outra pessoa.Por vezes, a partícula é eliminada pela lavagem em águalimpa. Caso contrário, recomenda-se procurar atendimen-to médico. O corpo estranho conjuntival é facilmente reti-rado utilizando-se a manobra de eversão da pálpebra supe-rior. Com uma das mãos, o examinador segura firmementea borda palpebral pelos cílios, quando com a outra mãopressiona inferiormente o meio da pálpebra utilizando umcotonete ou o seu próprio dedo. Sob visualização direta, ocorpo estranho é retirado com o auxílio de um cotonete oupinça. Em alguns pacientes, o procedimento é feito maistranquilamente com o uso de colírio anestésico.

É importante ressaltar que um corpo estranho conjuntival,embora um evento corriqueiro, deve ser sempre removido,pelo risco de causar abrasões corneanas durante o ato depiscar.

Corpo estranho na córnea(FIGURA 30)

É um local relativamente comum de alojamento de um cor-po estranho, geralmente partículas de ferrugem, vidro, plás-

tico, madeira ou fragmentos vegetais. Este pode impactarsuperficialmente no epitélio ou mais profundamente noestroma corneano. Os sintomas são bem mais pronuncia-dos do que os do corpo estranho conjuntival, já que acórnea é ricamente inervada. O paciente se apresenta comdor na superfície anterior do olho, fotofobia, sensação decorpo estranho (como se estivesse algo arranhando o olho),blefaroespasmo, olho vermelho e lacrimejamento. Os sin-tomas são prontamente aliviados com a aplicação de umcolírio anestésico, necessário para um bom exame ocular(lâmpada de fenda) e para a retirada do corpo estranho.Quando superficial, visualiza-se apenas a(s) partícula(s)incrustada(s) na córnea, porém, quando profundo, podeocorrer uma reação estromal, com a formação de uminfiltrado (opacidade corneana). Quando se trata de umapartícula de metal, alojada há alguns dias, pode-se notarum anel ferruginoso em volta do corpo estranho. A suaretirada deve ser o mais precoce possível e sempre por umprofissional capacitado da área médica.

Para retirá-lo, utiliza-se uma agulha de insulina esteriliza-da, sob anestesia tópica (colírio) e visualização pela lâm-pada de fenda. Partículas muito superficiais eventualmen-te podem ser removidas com um cotonete ou uma simpleslavagem ocular com água limpa.

Devemos ressaltar que corpos estranhos na córnea de lo-calização profunda podem evoluir com cicatrizes perma-nentes se não retirados precocemente! Além disso, a pre-sença deles aumenta significativamente o risco de ceratiteinfecciosa bacteriana ou fúngica (esta última, somente emcaso de partículas vegetais...). A bactéria mais implicada éo estafilococo coagulase-negativo (S. epidermidis). Porconta disso, após a retirada do corpo estranho deve-seprescrever profilaticamente colírios de antibiótico 4x/dia por 3-5 dias. Para a dor, analgésicos sistêmicos

(paracetamol) e colírios cicloplégicos são recomendados(ver adiante, em “abrasões da córnea”).

2. Abrasões da córnea(FIGURA 31)

São também muito frequentes na prática médica. As abrasõescorneanas são defeitos epiteliais na córnea desencadeadospor um dos seguintes fatores: (1) trauma mecânico direto,geralmente por unha ou objetos do tipo borda de papel oucartão, pinças de maquiagem, ferramentas manuais, gravetos,folhas ou corpo estranho na conjuntiva tarsal superior; (2)lentes de contato; (3) corpo estranho na córnea (após a suaretirada costuma deixar uma abrasão corneana). O pacienterefere intensa dor na superfície anterior do olho, fotofobiae sensação de corpo estranho (tipo arranhadura), provocan-do blefaroespasmo. Muitas vezes, por achar que há umcorpo estranho, o indivíduo lava exaustivamente o olho semsucesso no alívio dos sintomas...

O exame ocular deve ser minucioso... A acuidade visualdeve ser testada e pode estar comprometida se o defeitoepitelial atingir o eixo pupilar ou quando há edema corne-ano. A pupila pode estar levemente miótica. Se o pacientefor examinado após algumas horas do trauma, uma leveinjeção conjuntival perilímbica (olho vermelho) pode serencontrada. Os defeitos epiteliais podem ser percebidoscomo irregularidades tênues no exame da lâmpada defenda, que está sempre indicado. Áreas de edema doestroma corneano são percebidas como zonas translúcidasou “haze” (nevoadas, ofuscadas), diferentemente das úlce-ras profundas e infiltrados, que são zonas opacas esbran-quiçadas. A aplicação de fluoresceína é fundamental pararevelar plenamente as abrasões corneanas. Os defeitos tor-nam-se amarelos pela luz branca normal e verdes ouesverdeados quando se ilumina com a luz azul de cobalto.

Corpo estranho na conjuntiva tarsal superior,observado durante a eversão palpebral.

Fig.30: Corpo estranho (setas). Acima: conjuntival.Abaixo: na superfície da córnea.

Corpo estranho incrustado no epitélio da córnea.

Fig.31: Abrasões na córnea (fluoresceína).

Abrasões lineares na córnea (fluoresceína).

Abrasão ovalada na córnea por lente de contato(fluoresceína). Observe também uma área deedema corneano (haze), à direita.

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 69

Diversos aspectos podem ser encontrados: linear, geográ-fico, estrelado. As abrasões por lentes de contato costu-mam ser ovaladas e centrais, por vezes estendendo-se porquase toda a córnea, entremeadas a lesões punctatas.Abrasões lineares verticais na porção superior da córneasão altamente sugestivas de corpo estranho na conjuntivatarsal superior. Como rotina, após terminar o exame deuma córnea com abrasões, o médico deve everter a pálpe-bra do paciente à procura de corpo estranho.

Defeitos epiteliais arborizados (dendríticos) devem suge-rir ceratite herpética, embora esta morfologia também pos-sa ser observada em abrasões em fase de cicatrização. Nadúvida, o paciente é revisto após 24-48h: se for apenasabrasão, os sintomas se resolvem neste tempo; se for her-pes, eles persistem...

Tratamento: as abrasões não complicadas costumam se re-solver em 24-72h. Pelo maior risco de ceratite bacteriana,toda abrasão de córnea indica a aplicação profilática de colíriode antibiótico 4x/dia por 3-5 dias. A dor ocular e a fotofobiapodem ser aliviadas pelo uso de colírios cicloplégicos, quebloqueiam o espasmo do músculo ciliar e esfíncter da íris.Os mais usados são o ciclopentolato 1% e a atropina 1%.Analgésicos sistêmicos por via oral podem ser necessários.Atualmente, existe uma controvérsia quanto ao uso do cu-rativo oclusivo, pois estudos demonstraram que este nãoteve influência na melhora da cicatrização e dos sintomas.Entretanto, ainda é recomendado nas abrasões corneanasextensas (mais da metade da superfície da córnea). O curati-vo deve ser feito corretamente, com gazes e esparadrapos,de modo que o olho ocluído não consiga piscar. Quandoindicado, é mantido por apenas 24h. As abrasões por lentesde contato são contraindicação formal ao curativo oclusivo,pelo maior risco de infecção!!

3. Queimadura química e térmica(FIGURA 32)

As queimaduras oculares são emergências oftalmológicas epodem provocar graves sequelas visuais. Cerca de 85%dos casos são queimaduras químicas, por ácidos ou álcalis,sendo os 15% restantes queimaduras térmicas. As quei-maduras por álcalis são as de pior prognóstico!! Aocontrário dos ácidos, que lesam geralmente apenas o epitéliocorneano, os álcalis, pelo caráter lipofílico, penetram acâmara anterior em 5-15min, provocando graves le-sões de diversas estruturas oculares, especialmente daíris, corpo ciliar, cristalino e rede trabecular. O álcali liberahidroxila (OH) e consome o H+ do meio. Reage com osfosfolipídios da membrana celular, acarretando rotura dascélulas, além de hidrolizar glicosaminoglicanos e desnaturaro colágeno. O resultado é a necrose de liquefação. O ácidolibera H+ no meio, reagindo com proteínas e provocandouma necrose coagulativa que geralmente é contida noepitélio. Uma exceção à regra é a queimadura por ácidohidrofluórico, cuja forma não ionizada pode penetrar acórnea, tendo um efeito lesivo semelhante ao dos álcalis. Aqueimadura térmica (por água fervendo, fumaça quente, pontade cigarro ou metais fundidos) costuma necrosar apenas oepitélio corneano. Contudo, podem eventualmente provo-car necrose térmica mais profunda ou mesmo perfurar acórnea. Este tipo de queimadura também causa graves le-sões das pálpebras, com contratura subsequente.

Os álcalis que causam queimadura possuem pH > 10, sen-do os principais exemplos: cal, amônia, soda cáustica,lixívia. Os ácidos lesivos têm pH < 4,0, exemplificadospelo ácido sulfúrico (presente em baterias de carro), peloácido clorídrico bem como outros usados em laboratóriosde química ou indústrias químicas. O ácido hidrofluórico éencontrado em alguns produtos de limpeza.

O paciente com queimadura química ou térmica se mani-festa com dor e vermelhidão ocular variável, fotofobia eredução da acuidade visual. O exame é feito apenas após airrigação terapêutica (ver adiante). Nas queimaduras quí-micas leves, os sinais inflamatórios são mais proeminentesao exame: conjuntiva bulbar hiperemiada, quemose, lesõesepiteliais superficiais da córnea, difusas ou punctatas ereação da câmara anterior (células, flare). Nas queimadurasgraves (geralmente por álcali), não há vermelhidão ocular.O que se observa é a conjuntiva bulbar branco-acinzentada(isquemiada ou necrosada), associada à quemose, erosõesepiteliais, haze corneano (edema) ou opacidades. Por ve-zes, a córnea adquire aspecto porcelanado. Especialmentena queimadura por álcali, as estruturas internas do olhodevem ser cuidadosamente examinadas...

Tratamento e Prognóstico: o tratamento da queimaduraquímica deve ser imediato (emergencial), com lavagemocular copiosa. Se o paciente estiver em casa, pode serfeita com água limpa; no hospital, realiza-se a lavagemcom soro fisiológico (nunca usar neutralizadores quími-cos!!), mantendo-se o olho totalmente aberto, por vezescom auxílio de um retrator palpebral. Uma quantidade mí-nima de 1L e um tempo mínimo de 30min são parâmetrosque devem ser respeitados. Uma fita de pH deve ser usadapara verificar a eficácia após a primeira lavagem. Se o pHocular não estiver neutro, nova lavagem deve ser realizada.O tratamento em seguida é semelhante ao das abrasões:colírio de antibiótico profilático por 3-5 dias, colírioscicloplégicos e analgésicos sistêmicos (conforme a neces-sidade). Um curativo oclusivo deve ser mantido por 24h.Os pacientes com lesões oculares mais graves, especialmen-te da córnea, devem ser monitorados frequentemente pelooftalmologista. As queimaduras térmicas exigem o mesmotratamento tópico. Neste caso, cuidado maior deve serdirecionado à lesão das pálpebras e anexos. A retraçãopalpebral, com lagoftalmo, indica o uso de colírios lubrifi-cantes e encaminhamento para a cirurgia corretiva.

As principais complicações costumam ocorrer na queima-dura por álcali: úlceras e leucomas corneanos, perfuraçãoda córnea, catarata, glaucoma secundário, descolamento daretina. Cerca de 1/3 desses pacientes evolui com déficitvisual e 15% do total se tornam cegos. O transplante decórnea pode ser a única medida para corrigir a visão, contu-do, o sucesso é inferior a 50%, alguns pacientes necessi-tando de 4-5 transplantes para adquirir um bom resultado.

4. Ceratite por raios ultravioleta(“cegueira da neve”)

Uma ceratite leve e autolimitada pode se desenvolver pelaexposição acentuada e/ou prolongada aos raios ultravioletado Sol ou de outras fontes luminosas, como faíscas, raios,etc. Em países de clima frio, esta lesão é relativamentecomum quando os raios de sol refletem na neve e retornamaos olhos.

O paciente apresenta-se cerca de 6-12h após a fotoexposi-ção com dor ocular intensa, sensação de corpo estranho,fotofobia, olho vermelho (por inflamação e injeção conjun-tival) e redução da acuidade visual. Os sintomas desapare-cem ao longo de 36-72h. A acuidade visual é prejudicadapor edema corneano difuso. Ao exame, percebe-se hazecorneano (ofuscamento), pelo edema, e uma ceratite su-perficial punctata ao exame da fluoresceína, com múlti-plos defeitos epiteliais puntiformes, idênticos aos encon-trados na ceraticonjuntivite adenoviral epidêmica. O trata-mento visa o alívio dos sintomas e a prevenção de ceratitebacteriana: colírios de antibiótico, colírios cicloplégicos eanalgésicos sistêmicos.

VIII - UVEÍTE ANTERIOR (IRITE)

Como vimos no Capítulo 1, o trato uveal corresponde àtúnica vascular ou média do olho, composta pela íris, cor-po cilar e coroide. O nome “úvea” é bem antigo e refere-seaspecto do globo ocular de cadáveres após ser descascadocom a retirada da esclera, deixando uma cor semelhante àde uma uva...

Uveíte anterior é a inflamação da íris, sendo também co-nhecida como irite. Pode ser acompanhada ou não de in-flamação da corona ciliar (pars plicata) do corpo ciliar,quando então é chamada de iridociclite. A uveíte anteriorrepresenta 70-80% dos casos de uveíte na prática médica,sendo uma das causas mais importantes de síndrome doolho vermelho. Deve, portanto, ser diferenciada das con-juntivites, ceratites, episclerites e esclerites.

Uveíte posterior (5% dos casos de uveíte) é a inflamaçãoda coroide (coroidite), estando frequentemente associ-ada à vitrite (inflamação do corpo vítreo) e à retinite (in-flamação da retina). Neste caso, pode ser denominadacoriorretinite ou retinocoroidite, com alto potencial deperda visual. A causa mais comum de uveíte posterior éa toxoplasmose. Eventualmente, a uveíte posterior ocor-re de forma combinada com uveíte anterior, piorando oprognóstico desta última.

Uveíte intermediária (1% dos casos de uveíte) indica umainflamação da pars plana do corpo ciliar (parsplanite).Quase sempre é idiopática.

Panuveíte (menos de 1% dos casos de uveíte) indica ainflamação de todo o trato uveal, sendo uma forma particu-larmente grave de uveíte. A forma idiopática, a sarcoidose ea doença de Behçet são suas causas mais comuns.

A uveíte posterior e a uveíte intermediária não se manifes-tam com olho vermelho e serão descritas no capítulo sobreretinopatias...

Fig.32: Queimadura química.

Córnea porcelanada com infiltrado central. Áreas daconjuntiva bulbar branco-acinzentada em meio azonas de hiperemia conjuntival.

Lavagem e curativo oclusivo.

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MEDGRUPO - 201470

A uveíte anterior é uma entidade especialmente impor-tante para os clínicos, devido à sua frequente associaçãocom doenças sistêmicas, especialmente as doençasreumáticas, a doença inflamatória intestinal e a sar-coidose. Quando um oftalmologista faz o diagnóstico deuma uveíte anterior, ele geralmente requisita a avaliação deum clínico ou reumatologista, à procura de uma desordemda qual a uveíte pode ser apenas uma das várias manifesta-ções. Neste ponto, a uveíte anterior se parece com aepisclerite e a esclerite, síndromes oculares também as-sociadas comumente com doenças sistêmicas reumáticas.

Causas e Tipos

Em cerca de 50% dos casos, a uveíte anterior é idiopática,sem causa definida, sendo unilateral na maioria dos casose predominando em indivíduos entre 25-50 anos, sem pre-ferência de sexo ou raça. O antígeno HLA-B27 está pre-sente em 40-50% dos casos de uveíte anterior aguda, con-tra 2-6% de positividade na população normal. A presençadeste antígeno, aumenta a probabilidade da associação comdoenças sistêmicas (de 50% para 80%).

Em 50% dos casos, a uveíte anterior está associada a umadoença sistêmica. De uma forma geral, as uveítes anterio-res são distribuídas etiologicamente da seguinte forma:idiopática (50% dos casos), espondiloartropatias sorone-gativas (20% dos casos), artrite reumatoide juvenil (10%dos casos), ceratouveíte herpética (7% dos casos), com asarcoidose e a doença de Behçet respondendo por quasetodos os casos restantes.

Vejamos alguns dados sobre as principais causas de uveíteanterior secundária:- Espondiloartropatias soronegativas HLA-B27 posi-tivas (espondilite anquilosante, artrite reativa, síndromede Reiter, artrite psoriásica, artrite enteropática). Estegrupo é responsável pela maior parte dos casos de uveíteanterior secundária! Nas três primeiras entidades, a uveíteé exclusivamente anterior (irite), costuma ser unilateral etoma um curso agudo, com surtos autolimitados e recidi-vantes. Na artrite psoriásica e na artrite enteropática, auveíte frequentemente é bilateral e segue um curso maisinsidioso, com tendência a cronificar e possível associa-ção com uveíte posterior. A uveíte anterior B27 positivatem 80% de chance de ter uma espondiloartropatia soro-negativa associada, sendo a mais comum a espondiliteanquilosante. Dos pacientes com espondilite anquilosan-te, artrite reativa ou síndrome de Reiter, 20-40% desen-volvem uveíte anterior; este percentual cai para 5% coma artrite psoriásica e a artrite enteropática.- Ceratouveíte herpética: a uveíte anterior, neste caso, é umacomplicação de uma ceratite herpética do tipo endotelite (veranteriormente no item ceratite herpética).- Doença inflamatória intestinal (doença de Crohn,retocolite ulcerativa). A uveíte é bem mais comum na do-ença de Crohn do que na retocolite... A uveíte pode virisolada ou associada à artrite (neste caso, definindo a artri-te enteropática, uma espondiloartropatia soronegativa).- Sarcoidose (pode ocorrer tanto na sarcoidose crônicacomo na sarcoidose aguda, a chamada síndrome de Löfgren).O principal achado clínico que aponta para o diagnósticoda sarcoidose é a presença de adenopatia hilar bilateralsimétrica na radiografia de tórax ou na TC de tórax. Auveíte da sarcoidose é do tipo granulomatosa, começandounilateral, mas evoluindo com acometimento bilateral etendência a cronificar. Cerca de 75% dos pacientes comsarcoidose irão apresentar uveíte anterior em algum mo-mento, que pode ou não vir associada a uveíte posterior oupanuveíte..- Artrite reumatoide juvenil (forma oligoarticular). É acausa mais comum de uveíte anterior em crianças! A for-

ma oligoarticular predomina em meninas (4:1), apresen-tando-se tipicamente entre 2-4 anos de idade, e costumater o FAN positivo e o fator reumatoide negativo. Cerca de80% das crianças com uveíte anterior apresentam artritereumatoide juvenil e 25% dos pacientes com artrite reu-matoide juvenil (forma oligoarticular) desenvolvem uveíteanterior...- Doença de Behçet (uma vasculite rara que geralmentese apresenta com a tríade de úlceras orais + úlceras genitais+ uveíte). Cerca de 70% dos pacientes com doença deBehçet desenvolvem uveíte. O quadro, na realidade, é deuma panuveíte, sendo o principal fator de morbidade destavasculite.

Outras causas menos comuns de uveíte anterior são: sífi-lis, tuberculose, hanseníase, síndrome TINU (uveíte +nefrite túbulo-intersticial aguda), síndrome de Vogt-Koya-nagi-Harada, esta última uma causa clássica de uveíte pos-terior (que será revista no capítulo de retinopatias). A uve-íte anterior é uma complicação da cirurgia de catarata.

A uveíte anterior pode ser dividida em dois tipos:(1) aguda (não granulomatosa)(2) crônica (granulomatosa)O tipo não granulomatoso é mais comum e pode ser idiopáticoou associado à espondiloartropatias soronegativa ou artritereumatoide juvenil. O tipo granulomatoso, na maioria dasvezes, tem associação com a sarcoidose ou sífilis.

Manifestação Clínica e Diagnóstico

A uveíte anterior pode ter uma instalação aguda, evoluindogeralmente com surtos auto limitados e recidivantes, ou seapresentar de forma insidiosa e crônica.

Uveíte anterior aguda (não granulomatosa): é a formamais comum de uveíte anterior, representada pela formaidiopática e a relacionada às espondiloartropatias soro-negativas do tipo espondilite anquilosante, artrite reativae síndrome de Reiter. O acometimento costuma ser uni-lateral. A doença se apresenta ao longo de horas ou diascom olho vermelho, dor ocular intensa opressiva (porvezes, referida como periorbitária), fotofobia acen-tuada, lacrimejamento e borramento visual de grauvariado (quando presente). Não há secreção ocular ouhiperemia tarsal, como nas conjuntivites e nem sensaçãode corpo estranho, como nas ceratites. A fotofobia éexplicada pela contração dolorosa do esfíncter da íris(miose) e do músculo ciliar pelo estímulo luminoso. Oquadro clínico é autolimitado, resolvendo-se ao longo desemanas, mas com uma alta tendência à recidiva.

Uveíte anterior crônica (granulomatosa): está geralmenteassociada à sarcoidose, sua causa mais comum). Manifesta-seinsidiosamente com borramento visual e leve vermelhidãoocular. A dor e a fotofobia são discretas ou inexistentes. Adoença geralmente começa unilateral e evolui para o acometi-mento bilateral.

O exame ocular é fundamental para o diagnóstico de uveíteanterior e diversos sinais característicos podem ser encon-trados.

Sinais encontrados na uveíte anterior aguda(não granulomatosa):(FIGURA 33)

- Hiperemia e injeção conjuntival perilímbica- Miose em graus variados- Redução da acuidade visual (geralmente leve ouinexistente). As ceratites comprometem mais a acuidadevisual, enquanto que as conjuntivites sempre a preservam...

- Redução transitória da pressão intraocular (PIO), devi-do à inibição da produção de humor aquoso pelo corpocilar inflamado.

O exame da lâmpada de fenda (biomicroscopia) é essen-cial para o diagnóstico de uma uveíte anterior. Somentecom este exame o médico poderá confirmar o diagnós-tico, pois os achados específicos não são observados àinspeção desarmada!! Neste exame, a maioria dos sinaisencontrados caracterizam uma “reação da câmara ante-rior”, termo utilizado quando ocorre extravasamento deproteínas e células inflamatórias para o humor aquoso.Esta reação pode ser encontrada nas ceratites estromaisagressivas, porém, é mais clássica das uveítes anteriores,estando sempre presente.

Sinais característicos de uveíte anterior aguda (não granu-lomatosa) no exame da lâmpada de fenda:- “Células” na câmara anterior (indicam uveíte em ati-vidade): o oftalmologista observa na região do feixe lumi-noso grupamentos de leucócitos (“células”) flutuando nascorrentes de convecção do humor aquoso. Estes pequenospontos podem ser contados numa área do feixe. Esta con-tagem classifica a uveíte quanto à sua atividade (em cru-zes): 6-15 “células” (+1), 16-25 “células” (+2), 26-60 “cé-lulas” (+3), > 60 “células” (+4).- “Flare”: termo utilizado quando a região do feixe lumi-noso sobre a câmara anterior apresenta um aspecto foscoou embaçado, tal como a luz de um farol de carro à noitequando vista de perfil. O “flare” indica alta concentraçãode proteínas no humor aquoso e não possui relação com aatividade da uveíte.- Hipópio: uma coleção de pus estéril na câmara anterior.Está presente em apenas algumas uveítes anteriores, comonas uveítes HLA-B27 positivas e na doença de Behçet.- Fibrina: acúmulo de pequenos coágulos vermelhos nacâmara anterior, geralmente associada a hipópio.- Precipitados ceráticos: são depósitos leucocitários noencravados no endotélio da córnea, observados como finaspartículas imóveis de cor branco-acinzentada, geralmentena porção inferior da córnea. Nas uveítes agudas não-granulomatosas, os precipitados são pequenos.

Um sinal frequentemente encontrado em casos recidivan-tes de uveíte anterior aguda é a presença de sinéquiasposteriores. São aderências que algumas porções inflama-das da face posterior da íris formaram com o cristalino.Quando a íris possui sinéquias posteriores, o exame mos-tra uma pupila de formato irregular e não reagente à luz.

Em resumo, as características que apontam para umauveíte anterior aguda são: intensa dor ocular tipo opres-siva, fotofobia, miose e exame da lâmpada de fendademonstrando “células” + “flare” (achados confirmató-rios) com ou sem hipópio na câmara anterior.

Sinais encontrados na uveíte anterior crônica(granulomatosa):(FIGURA 34)

- Hiperemia perilímbica leve ou ausente.- Redução da acuidade visual.

É preciso realizar o exame da lâmpada de fenda para diag-nosticar a uveíte anterior graulomatosa. Neste caso pode-mos encontrar:

- Nódulos inflamatórios na íris: são dois tipos. Os nó-dulos de Koeppe são vistos na borda pupilar e os nódulosde Busaca são observados na superfície anterior da íris.

- Precipitados ceráticos tipo “gordura de carneiro”:

são precipitados grandes e de aspecto “gorduroso”, distri-

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 71

buídos numa região triangular na porção inferior da córnea(triângulo de Arlt).

- “Flare”: como não está relacionado à atividade de uveíte,o “flare” se torna permanente nas uveítes crônicas.

- “Células”: são observadas apenas em períodos de exa-cerbação aguda da doença.

- Sinéquias posteriores: são bastante frequentes nasuveítes crônicas granulomatosas.

Complicações

Embora durante a sua atividade a uveíte não traga grandesprejuízos para a acuidade visual, a visão pode vir a serafetada tardiamente pelas suas complicações. Estas ocor-rem nas uveítes agudas recidivantes e nas uveítes crônicas.Vejamos alguns detalhes sobre tais complicações:

- Catarata secundária: complicação comum. Tanto areação inflamatória da íris, próxima ao cristalino, comoo uso crônico de corticoides para o tratamento da uveítepodem causar catarata, geralmente do tipo subcapsular.A cirurgia de extração da catarata neste caso é maisdifícil, pela presença de inflamação da íris e de sinéqui-as posteriores. Por isso, é recomendado que antes dacirurgia, a inflamação uveal esteja controlada por pelomenos 3 meses. Novas técnicas têm melhorado os re-sultados cirúrgicos.

- Glaucoma secundário: o glaucoma secundário à uve-íte foi revisto no capítulo de glaucoma. O mecanismomais comum de aumento da PIO nas uveítes anteriores éa obstrução da rede tracecular por células inflamatóriase fibrose (trabeculite), causando um glaucoma de ângu-lo aberto. A formação de sinéquias anteriores (entre araiz da íris e o ângulo iridocorneano) e o uso crônico decorticoide tópico é um importante fator contribuinte. Al-guns pacientes desenvolvem o glaucoma de ângulo fe-chado devido ao bloqueio pupilar pelas sinéquias poste-riores e podem apresentar crises agudas de glaucoma.

- Ceratopatia em faixa: é uma complicação mais co-mum da uveíte anterior associada á artrite reumatoidejuvenil. Trata-se de um depósito de cálcio na membranade Bowman e estroma superficial da córnea, como uma

faixa horizontal na região interpalpebral. Por se locali-zar no eixo visual, pode acarretar grave prejuízo à visão.O tratamento é cirúrgico: ceratectomia superficial comaplicação de EDTA e complemento com laser.

Tratamento

Inclui dois tipos de fármaco: (1) corticoides tópicos, (2)cicloplégicos tópicos. O colírio de corticoide é a base daterapia, agindo como potente anti-inflamatório. O colíriode acetato de prednisolona 1% é aplicado no(s) olho(s)afetado(s) a cada 2h, durante pelo menos 1 semana, quan-do então, caso haja melhora da inflamação, a aplicação éespaçada para 4x/dia durante semanas ou meses, depen-dendo do caso. O colírio cicloplégico tem duas funções: (1)inibir a contração do músculo ciliar e do esfíncter da íris,aliviando a dor ocular e a fotofobia do paciente, (2) afastara borda pupilar do cristalino, prevenindo ou desfazendo assinéquias posteriores. A atropina 1% ou ciclopentolato1% são aplicados a cada 12h durante 1-3 semanas. A mai-oria dos pacientes possui boa resposta ao tratamento tó-pico, dentro dos primeiros 10 dias. Nos casos refratários,recomenda-se o uso do corticoide periocular, tendo comoopções a dexametsona para injeção subconjuntival ou ametilprednisolona ou triancinolona para injeção subteno-niana (abaixo da cápsula de Tenon). Os corticoides orais(prednisona 1,0-1,5 mg/Kg/dia) são reservados para oscasos mais graves e recalcitrantes.

O acompanhamento contínuo do paciente é essencial, parase detectar possíveis complicações. A tonometria, paramedida da PIO, é fundamental. Um aumento da PIO deveser tratada com colírios tópicos antiglaucomatosos, evi-tando-se a pilocarpina e os análogos das prostaglandinas.

É claro que se houver uma doença sistêmica associada àuveíte anterior, esta deve receber a terapia específica. No

Fig.33: Achados clássicos da uveíte anterior.

Olho vermelho por uveíte anterior aguda: injeçãoperilímbica e a miose.

Olho vermelho por uveíte anterior aguda: injeçãoperilímbica e o hipópio (seta).

Lâmpada de fenda: um retângulo de luz é direciona-do ao olho, demonstrando claramente um embaça-mento na área da pupila. Este é o “flare”.

Precipitados ceráticos na uveíte anterior agudanão granulomatosa.

Sinéquias posteriores da íris após recidivas deuveíte anterior. Observe o seu formato irregular.

Lâmpada de fenda: uma fenda vertical de luz é di-recionado ao olho, refletido na córnea (linha ar-queada) e na íris (linha vertical). A porção da fendaluminosa à frente da pupila está embaçada (seta).Este é o “flare”. Observe também o hipópio.

Fig.34: Achados na uveíte anterior crônicagranulomatosa.

Precipitados ceráticos em “gordura de carneiro”

Nódulos de Koeppe (setas)

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MEDGRUPO - 201472

Fig.35: Uveíte heterocrômica de Fuchs (no olhodireito).

caso da sarcoidose, é fundamental o uso dos corticoidesorais e na doença de Behçet, pelo alto potencial de perdavisual e pelo fato de ser uma panuveíte, geralmente é ne-cessária a associação de imunossupressores, como aciclofosfamida.

Uveíte Heterocrômica de Fuchs(FIGURA 35)

É uma causa rara de uveíte anterior (1,5% dos casos),de causa desconhecida, e que pode acometer indivíduosentre 30-40 anos. O quadro típico é o de uma uveíteunilateral, crônica, insidiosa e assintomática, sendo emgeral suspeitada pela primeira vez após um exame oftal-mológico rotineiro... Embora provoque pouco ou nenhumsintoma, esta é uma das uveítes com maior propensãode evolução para catarata e glaucoma secundários,complicações que ocorrem, respectivamente, em 80% e40% dos casos. Dois são os achados clássicos da do-ença: (1) heterocromia: a íris do olho acometido torna-se mais clara em relação à íris do outro olho, devido àatrofia progressiva de seu estroma pigmentado; em indi-víduos de olho claro, pode ocorrer heterocromia parado-xal: o olho afetado torna-se mais escuro que o outro,quando a atrofia do estroma anterior descobre porçãoposterior pigmentada; (2) precipitados ceráticos típi-cos da doença: pequenos, em forma de estrela e distri-buídos em toda extensão da córnea. “Células” e “flare”na câmara anterior são muito discretos ou ausentes.Pela paucidade de sintomas e sinais inflamatórios, emgeral não necessária a terapia com corticoides tópicos.O mais importante é o acompanhamento do paciente,para que as complicações sejam reconhecidas e trata-das precocemente...

IX - ENDOFTALMITE

Endoftalmite é uma inflamação dos espaços intraoculares,envolvendo o humor aquoso e o corpo vítreo. Na maioriadas vezes é de natureza infecciosa, sendo causada por bacté-rias ou fungos. A infecção se alastra para as estruturasintraoculares (panoftalmia), com um alto potencial de pro-vocar lesão grave e perda irreversível da visão. Quanto à viade inolculação, a endoftalmite pode ser: (1) exógena, quan-do o agente através de uma cirurgia ocular (endoftalmitepós-operatória) ou trauma perfurante (endoftalmite pós-traumática), ou (2) endógena, quando o microorganismocontamina os tecidos oculares por via hematogênica, a partirde um foco infeccioso à distância.

O quadro clássico da endoftalmite manifesta-se com atétrade: dor ocular + fotofobia + queda da acuidadevisual + olho vermelho. A acuidade visual costuma estarbastante reduzida (a ponto do paciente ter apenas percep-ção luminosa), sendo este o principal achado clínico daendoftalmite!! A inflamação do vítreo, tornando-o turvo, éo principal mecanismo da redução da acuidade visual epode também acarretar a percepção de “pontos flutuan-

tes” no campo visual do paciente. Sem o tratamento pre-coce, a doença evolui com lesões retinianas cicatriciais per-manentes e descolamento de retina, culminando em amau-rose. Ao exame, o olho acometido apresenta intensa hipe-remia conjuntival com quemose, além de córnea opacificadae hipópio (observado em 85% dos casos). O edema palpe-bral está eventualmente presente. No exame da lâmpada defenda, é detectada reação da câmara anterior, pela irite as-sociada, com presença de “células” e “flare” (tal comonas uveítes anteriores...). Na oftalmoscopia direta ou indi-reta, observa-se “células” e borramento do vítreo (vitri-te), impossibilitando a visualização dos vasos da retina em80% dos casos, e abolindo o reflexo vermelho em 70% dospacientes. Nas poucas situações em que é possível avaliara retina, podem ser encontrados hemorragias e exsudatos.

Todo paciente com suspeita clínica de endoftalmite deveser imediatamente abordado por um oftalmologista, quedeve realizar no mesmo dia uma punção do humor aquoso(0,1 ml) e uma punção do corpo vítreo (0,2 ml) ou umavitrectomia via pars plana. Estes procedimentos visam:(1) coleta de material para microscopia pelo Gram e cultu-ra para bactérias e fungos, e (2) iniciar prontamente a tera-pia com injeção vítrea de antimicrobianos. Vejamos agoraseparadamente os dados sobre a endoftalmite bacteriana ea endoftalmite fúngica...

1. Endoftalmite bacteriana(FIGURA 36)

A tipo mais comum é a endoftalmite exógena, que pode serpós-operatória ou pós-traumática.

Endoftalmite bacteriana pós-operatória: predominam oscasos pós-cirurgia de catarata (a cirurgia oftalmológica cru-enta mais realizada no Mundo), com uma incidência entre0,1-0,2%, seguido pela trabeculectomia em bolha filtrante(para o glaucoma de ângulo aberto). O risco de endoftalmi-

te aumenta de acordo com a técnica cirúrgica e o tipo delente intraocular artificial implantada. O tipo mais comumé a forma aguda, dentro das primeiras 6 semanas dacirurgia, instalando-se geralmente entre 2-7 dias de pós-operatório. A doença se manifesta de forma abrupta, comtodos os sinais descritos anteriormente, acrescidos de even-tual descarga purulenta. O agente mais comum é oStaphyloccocus epidermidis (70% dos casos), seguidopelo S. aureus (10% dos casos), estreptococos (9% doscasos) e Gram-negativos (6% dos casos), incluindo a Pseu-domonas aeruginosa (o tipo de pior prognóstico, de evo-lução fulminante). A forma tardia de endoftalmite pós-operatória ocorre após 6 semanas da cirurgia de catarata(endoftalmite crônica pseudofácica), sendo causada peloPropionibacterium acnes. Esta forma segue um curso in-sidioso, com queda progressiva da acuidade visual, maspouca dor e inflamação, muito semelhante a uma uveíteanterior crônica.

Endoftalmite bacteriana pós-traumática: ocorre em 5-15% dos casos de trauma perfurante ocular. A presençade corpo estranho intraocular e a demora na realização dacirurgia reparadora além de 24h são importantes fatoresde risco. O agente mais comum e de evolução mais fulmi-nante é o Bacillus cereus, um bacilo Gram-positivo, se-guido pelo S. epidermidis, S. aureus, estreptococos eGram-negativos, incluindo a P. aeruginosa. A endoftalmitepor B. cereus pode se instalar após 12-24h do trauma,tendo prognóstico visual reservado, mesmo com o trata-mento.

Endoftalmite bacteriana endógena: é uma entidade relati-vamente rara, associando-se principalmente à endocarditebacteriana e menos comumente a pielonefrite, abscessosintra-abdominais, cateter venoso profundo e usuários dedrogas endovenosas. Os agentes etiológicos principais va-riam entre os estudos e com o fator predisponente, compredomínio para estreptococos do grupo viridans, S.aureus, Escherichia coli e Klebsiella sp.

O diagnóstico da endoftalmite bacteriana é confirmado peloGram e cultura de material do corpo vítreo (maior positivi-dade) e humor aquoso (menor positividade). A cultura geral-mente traz o resultado dentro de 48h.

Tratamento: a endoftalmite bacteriana é uma emergênciaoftalmológica, necessitando de tratamento imediato! Ainjeção intravítrea de antibióticos é a base da terapia.Deve ser realizada logo após a coleta de material do corpovítreo, aproveitando-se o mesmo procedimento. Esque-ma antibiótico empírico de escolha para injeção intravítrea:vancomicina 1 mg + ceftazidime 2,25 mg ou amicacina0,4 mg. A injeção combinada com dexametasona 0,4 mgintravítrea é opcional... Embora de benefício controver-so, a maioria dos oftalmologistas associa colírios de anti-biótico (esquema parecido com o da ceratite bacteriana) eantibióticos sistêmicos venosos por 7 dias (vancomicina+ ceftazidime ou ciprofloxacina). Nos casos mais gravesou rapidamente progressivos, os antibióticos sistêmicossão sempre indicados, bem como uma segunda injeçãointravítrea, utilizando o esquema vancomicina +ceftazidime, ou guidada pelo resultado das culturas. Avitrectomia via pars plana (realizada em centro cirúrgi-co com anestesia local) é obrigatória nos seguintes casos:(1) evolução grave ou progressiva, (2) casos pós-trabe-culectomia em bolha filtrante, (3) endoftalmite pós-trau-mática, (4) endoftalmite endógena. A cirurgia deevisceração ocular (retirada das estruturas intraoculares,deixando a esclera) ou enucleação (retirada de todo oglobo ocular) é reservada para os casos refratários queevoluiram com amaurose e ainda mantém dor ocular. Cer-

Fig.36 : Endoftalmite bacteriana avançada .Observe a hiperemia conjuntival, a opacidadecorneana e o hipópio.

Fig.37: Endoftalmite por Candida. Fundoscopiademonstrando turvamento vítreo e exsudatos bran-cos em “bola de neve”.

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 73

ca de 60% dos casos de endoftalmite por P. aeruginosanecessitam deste tipo de conduta!!

2. Endoftalmite fúngica(FIGURA 37)

É causada mais frequentemente por leveduras do gêneroCandida, seguido pelos fungos filamentosos dos gênerosAspergillus e Fusarium.

Endoftalmite por Candida: pode ser do tipo exógena ouendógena. A forma exógena é uma rara complicação da cirur-gia de catarata. O agente mais comum é a Candidaparapsilosis, que infecta o humor aquoso e a lente intraocular,para em seguida invadir o corpo vítreo, a coroide e a retina.A forma endógena geralmente é causada pela Candidaalbicans, e menos comumente por C. glabrata, C. krusei. Éuma complicação conhecida da candidemia, provenientede qualquer foco orgânico, sendo a causa mais comum deendoftalmite endógena e de endoftalmite hospitalar. Ofungo ganha o tecido ocular através da coroide e retina, de-terminando inicialmente uma coriorretinite, seguindo-se umavitrite. Todo paciente com candidemia deve ter a avaliaçãode um oftalmologista, pois a frequência de acometimentoocular é alto, variando entre 15-40%!! Os fatores de riscopara candidemia e endoftalmite por Candida são: uso dedrogas endovenosas (especialmente heroína), catéter veno-so profundo, nutrição parenteral total, uso de antibióticosde amplo espectro, cirurgia abdominal prévia, uso de corti-coides sistêmicos e neutropenia (curiosamente a endoftal-mite é uma rara complicação da candidemia emneutropênicos...). A endoftalmite por Candida manifesta-sede forma subaguda ou indolente com importante redução daacuidade visual, dor ocular leve a moderada, pontos flutuan-tes e eventualmente olho vermelho e quemose. Oenvolvimento bilateral ocorre em 25% dos casos. Reação dacâmara anterior, com “células”, “flare” e precipitados cerá-ticos é comum, além de “células” e borramento do corpovítreo. Os achados mais característicos da endoftalmite porCandida são a presença de exsudatos brancos redondas nacoriorretina (“bolas de neve”) e opacidades vítreas branco-amareladas conectadas por traves (“colar de pérolas”).Com o tratamento adequado e precoce, o prognóstico visualda endoftalmite por Candida pode ser relativamente bom.

Endoftalmite por fungos filamentosos: causada geralmentepelo Aspergillus sp. ou Fusarium sp. Na grande maioriadas vezes é do tipo exógena, pós-operatória (cirurgia decatarata) ou pós-traumática (trauma perfurante, especial-mente aqueles causados por matéria vegetal). O quadroclínico é indolente, desenvolvendo-se 2-6 semanas após oevento. O prognóstico visual desta endoftalmite é reserva-do, mesmo com o tratamento, com 2/3 dos pacientes evo-luindo com perda visual.

O diagnóstico da endoftalmite fúngica é confirmado pelamicroscopia ou cultura de material do corpo vítreo, no meiode Sabouraud (o resultado já pode ser positivo em 48h).

Tratamento: inclui várias medidas associadas: terapiaantifúngica sistêmica + injeção intravítrea de anfotericina B10 mcg + vitrectomia via pars plana + retirada da lenteintraocular artificial (em caso de endoftalmite fúngica pós-cirurgia de catarata). Na coriorretinite endógena por Candida,sem sinais de acometimento do vítreo, a terapia sistêmicaisolada costuma ser suficiente... A terapia antifúngica sistê-mica varia de acordo com o fungo implicado (Candida oufungo filamentoso). Veja as recomendações... Endoftalmitepor Candida albicans: fluconazol oral 400-800 mg/dia;Endoftalmite por C. glabrata ou C. krusei (espécies deCandida fluconazol-resistentes): anfotericina B venosa 0,7-1 mg/Kg/dia + flucitosina oral 100 mg/Kg/dia; Endoftalmite

por fungos filamentosos: voriconazol venoso 6 mg/Kg a cada12h por duas doses, seguido de voriconazol oral 400 mg/dia.A duração da terapia sistêmica é de 6-12 semanas. As ci-rurgias de evisceração e enucleação possuem a mesma indi-cação referida para a endoftalmite bacteriana...

X- SÍNDROME DO OLHO SECO E CERATOCONJUNTIVITE DE EXPOSIÇÃO

A síndrome do olho seco, ou ceratoconjutivite seca, éuma causa bastante comum de sintomas oculares na práti-ca médica e pode também se manifestar com síndrome doolho vermelho e, nos casos graves, provocar uma ceratiteulcerada com potencial de perda visual. A síndrome é de-corrente de um distúrbio lacrimal, que pode ser: (1) redu-ção da produção lacrimal, (2) aumento da evaporação lacri-mal, (3) alterações qualitativas da lágrima. Descreveremosalgumas noções anatômicas e fisiológicas do sistema lacri-mal e em seguida as principais entidades clínicas que po-dem causar a síndrome.

Anatomia e Fisiologia do Sistema Lacrimal

A lágrima é um fluido que forma uma película protetoraque reveste a superfície ocular externa, de fundamentalimportância para a integridade da córnea, evitando o seuressecamento e prevenindo contra infecções. Como vimosno item sobre as ceratites, a película lacrimal é compostapor três componentes que se distribuem em camadas: (1)mucina (camada interna), aderida ao glicocálix da superfí-cie das células epiteliais, necessária para manter a películaaderida e homogeneamente distribuída pela superfície dacórnea (estabilidade lacrimal), (2) aquosa (camada inter-mediária), porção de maior espessura e que dá fluidez àlágrima, sendo composta por água, eletrólitos e proteínascom propriedades antimicrobianas, importante para aoxigenação e nutrição da córnea e proteção contra agentesinfecciosos, (3) lipídica (camada externa), importante paraprevenir a evaporação lacrimal.

Cada componente da lágrima é produzido em um localdiferente... Acompanhe a FIGURA 38...

(1) Porção mucinosa (muco): secretada pelas célulascaliciformes do epitélio conjuntival e, em menor grau,pelo epitélio da córnea. A perda desta camada de mucinapromove instabilidade lacrimal: a película de lágrimanão se mantém aderida à superfície ocular, especial-mente a córnea.

(2) Porção aquosa: secretada pelas glândulas lacrimais.A glândula lacrimal principal, localizada na regiãoântero-lateral do teto orbitário, é responsável pelo lacri-mejamento reflexo, em resposta a estímulos irritativos àcórnea ou descargas emocionais (choro). Vale ressaltarque o estímulo corneano (secura, calor, tato etc.) é umimportante componente para manter a secreção lacrimaldurante a vigília, quando o indivíduo está de olho aberto.Uma desnervação da córnea, por exemplo, ao cortar esteestímulo, é um mecanismo clássico de olho seco. Asglândulas lacrimais acessórias (glândulas de Wolfringe Krause), localizadas no recesso conjuntival superior,encarregam-se da produção basal contínua de lágrima,necessária para manter a película lacrimal umedecendoconstantemente a superfície ocular.

(3) Porção lipídica (sebo): este componente é produzidopelas glândulas de Meibomius, glândulas sebáceaslongas, dispostas verticalmente na espessura do tarso(estrutura fibroelástica da face interna da pálpebra),abrindo seus ductos na borda palpebral. A disfunçãodessas glândulas altera a composição lipídica da lágri-ma, permitindo a sua evaporação.

Papel do ato de piscar: a lágrima precisa ser espalhadapela superfície ocular para formar uma adequada pelícu-la de revestimento. Para isso, é essencial o movimentoinvoluntário de piscar, fazendo as pálpebras recubriremintermitentemente toda a superfície ocular. Problemascom o ato de piscar ou alterações palpebrais que impe-dem a cobertura completa da superfície ocular permitema evaporação da película lacrimal, sendo um dos meca-nismos de síndrome do olho seco grave, evoluindo comimportante lesão de córnea (ceratite de exposição).

A lágrima é drenada no canto medial (nasal) do olho, esco-ando pelos canalículos lacrimais após penetrar nos pon-tos lacrimais, pequenos orifícios com 0,5 mm de diâme-tro. Dos canalículos, o fluido ganha o saco lacrimal, cor-rendo pelo ducto nasolacrimal até desembocar no meatonasal inferior.

Causas de Síndrome do Olho Seco

A tabela 1 a seguir classifica as causas de olho seco quantoao seu mecanismo fundamental:

Causas Comuns de Síndrome do Olho Seco(geralmente leve a moderada)

Olho seco relacionado à idade: é a causa mais co-mum de olho seco sintomático, justificando uma preva-lência de até 10% entre os idosos. Após 50-60 anos de

Fig.38: Sistema lacrimal.

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idade, alterações degenerativas na glândula lacrimal prin-cipal reduzem o componente reflexo da produção lacri-mal, o que pode levar a sintomas de olho seco em algunsidosos, especialmente em mulheres. A redução da fre-quência de piscar os olhos pode contribuir para o olhoseco do idoso, por facilitar a evaporação da lágrima. Ossintomas, geralmente leves ou moderados, são frequen-temente desencadeados por fatores ambientais (ver adi-ante). Mulheres na pós-menopausa podem desenvolver

a síndrome do olho seco, provavelmente pela deficiênciade androgênios, hormônios importantes para a fisiologiada secreção lacrimal. A terapia de reposição hormonalcom estrogênios + progestagênios pode aumentar a in-cidência da síndrome.

Olho seco relacionado à menopausa: mulheres apósa menopausa podem desenvolver a síndrome do olhoseco, provavelmente pela deficiência de androgênios,hormônios importantes para a função das glândulas la-crimais. Estudos recentes mostraram que a terapia dereposição hormonal com estrogênios + progestagêniosaumenta a incidência da síndrome.

Fatores ambientais: funcionam mais como fatores agra-vantes em indivíduos predispostos, embora algumasvezes possam causar sintomas transitórios de olho secoem pessoas hígidas. Principais exemplos: climas secosou quentes, grandes altitudes, ar condicionado, fumaça,vento, muitas horas trabalhando em frente à tela de com-putador (pela redução da frequência de piscar).

Olho seco medicamentoso: provocado por drogas an-ticolinérgicas (causa mais comum), antiadrenérgicas ououtras. Os anticolinérgicos inibem a secreção pelasglândulas lacrimais, que estas recebem estímulo fisio-lógico parassimpático. Os principais exemplos são: anti-histamínicos, antiespasmódicos, antidepressivostricíclicos, inibidores da MAO, antipsicóticos, lítio edisopiramida. Entre os antiadrenérgicos estão: beta-blo-queadores, clonidina, metildopa. Como vimos, a terapiade reposição hormonal é uma causa ou fator agravantedo olho seco... Outras drogas raramente implicadas são:hidroclorotiazida, AINEs e marijuana.

Lentes de contato: o uso crônico de lentes de contatopode causar ou agravar o olho seco, pois as lentes ab-sorvem o filme lacrimal após acumular proteínas. Exis-tem modelos de lente de contato formulados para preve-nir este problema.

LASIK: é muito comum a ocorrência da síndrome doolho seco após a cirurgia refrativa, especialmente aLASIK. O mecanismo é a desnervação corneana transi-tória, cortando o componente reflexo da secreção lacri-mal. Os sintomas geralmente são leves a moderados etendem a desaparecer após 6 meses da cirurgia, quandoocorre normalmente a reinervação da córnea.Diabetes mellitus: pacientes diabéticos podem apre-

sentar certo grau de desnervação da córnea, predispondoao olho seco pela deficiência do larcrimejamento reflexo.

Causas de Síndrome do Olho Seco Grave

Síndrome de Sjögren: é uma das principais causas desíndrome do olho seco grave. Trata-se de uma colageno-se, de mecanismo autoimune, caracterizada pela infil-tração linfoplasmocitária das glândulas lacrimais e sali-vares, produzindo olho seco (xeroftalmia), boca seca(xerostomia) e hipertrofia das glândulas salivares (ex.:aumento das parótidas). A secura ocular costuma seracentuada, podendo acarretar graves complicações... Em50% dos casos, é uma desordem primária e na metaderestante, associada a uma colagenose, principalmente aartrite reumatoide, mas também o LES, a polimiositee a esclerodermia. A síndrome de Sjögren predomina emmulheres (proporção 9:1) entre 30-50 anos de idade.

Desordens infiltrativas: várias doenças sistêmicas po-dem produzir olho seco por infiltração patológica dasglândulas lacrimais.A infecção pelo HIV (associada àlinfadenite crônica), sarcoidose, linfoma, amiloidose,hemocromatose e doença enxerto-versus-hospedeiro sãoos exemplos mais importantes.

Herpes zóster e Herpes simplex: estes vírus podemacometer, respectivamente, as fibras do ramo oftálmicodo trigêmio e as terminações livres do epitélio corneano,gerando uma desnervação. Isso pode acarretar olho secoe ceratite neurotrófica.

Hipovitaminose A: a vitamina A é importante para arenovação epitelial da conjuntiva e da córnea. A sua de-ficiência provoca degeneração das células caliciformesdo epitélio conjuntival, reduzindo a sua produção demucina (xeroftalmia por jnstabilidade lacrimal). O pro-blema é agravado pela renovação deficiente do epitéliocorneano, causando ceratomalácia e erosões ou úlce-ras corneanas, que evoluem facilmente para ceratite in-fecciosa. A hipovitaminose A também causa disfunção edegeneração retiniana, resultando em cegueira noturna.

Síndrome de Stevens-Johnson: cursa com grave le-são do epitélio conjuntival, com degeneração das célu-las caliciformes, evoluindo para deficiência da produçãode mucina e instabilidade lacrimal. Uma fisiopatologiasemelhante está presente no tracoma, pênfigo cicatrici-al e após queimaduras químicas.

Redução da secreção lacrimal (fase aquosa)

- Relacionado à idade- Relacionado à menopausa- Efeito de medicamentos- LASIK- Diabetes mellitus- Síndrome de Sjögren- Desordens infiltrativas (HIV, sarcoidose, etc.)- Herpes-zóster, herpes simplex

Redução da produção de mucina (muco)(instabilidade lacrimal)

- Hipovitaminose A- Síndrome de Stevens-Johnson- Tracoma- Penfigoide cicatricial- Queimaduras químicas

Redução da produção de lipídios (sebo)(maior evaporação)

- Rosácea- Blefarite estafilocócica crônica

Aumento da exposição da superfície ocular(maior evaporação)

- fatores ambientais- Lagoftalmo- Ectrópio, entrópio- Exoftalmia- Estado de coma

Outros mecanismos

- Lentes de contato (uso crônico)

Tabela 1: Causas de Síndrome do Olho Seco.

Fig.39: Síndrome do Olho Seco.

Ceratoconjuntivite seca.

Ceratite filamentar (setas).

Teste do rosa-bengala positivo para olho seco.

Ceratite ponteada (fluoresceína).

Teste de Schirmer.

Oclusão do ponto lacrimal

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 75

Rosácea e Blefarite: estas doenças cursam com dis-função das glândulas palpebrais de Meibomius, provo-cando olho seco por facilitar a evaporação da películalacrimal, já que esta se encontra deficiente de sua ca-mada lipídica.

Exposição ocular: esta síndrome será descrita adiantee se caracteriza pela incapacidade das pálpebras emmanter a superfície ocular constantemente lubrificada pelapelícula lacrimal, levando à xeroftalmia por evaporação.

Manifestações Clínicas e Diagnóstico(FIGURA 39)

Os pacientes com síndrome do olho seco desenvolvemsintomas quase sempre bilaterais de “irritação ocular”(ceratoconjuntivite seca), do tipo queimação, prurido,pontada, sensação de corpo estranho (“areia nos olhos”),fotofobia, fadiga ocular e olho vermeho. Pode ocorrer bor-ramento visual em alguns casos. Os sintomas e sinais vari-am conforme a gravidade, sendo especialmente proemi-nentes na síndrome de Sjögren e na ceratoconjuntivite deexposição. As queixas são tipicamente exacerbadas comalguns fatores ambientais (clima seco, ar condicionado, ca-lefação, altitude, viagem de avião, vento, trabalho prolon-gado na tela do computador, etc.). Paradoxalmente, al-guns pacientes apresentam lacrimejamento excessi-vo (epífora), devido ao forte estímulo da secura corneanaà secreção lacrimal, na tentativa (infrutífera) de compensaro olho seco.

A inflamação conjuntival secundária ao olho seco, em par-te provocada pela hiperosmolaridade lacrimal, é decorren-te da liberação local de citoquinas, podendo provocar de-generação do epitélio, com a formação de placas de quera-tinização e degeneração das células caliciformes, reduzin-do o componente mucinoso da película lacrimal, o que iráagravar ainda mais o quadro.

Alguns sinais oculares são observados à inspeção desar-mada e outros, com o auxílio do exame da lâmpada defenda. Esses sinais predominam da região interpalpebral (amais exposta). São eles: hiperemia e injeção conjuntival,redução do brilho da córnea, perda do menisco lacrimal ediversos tipos de ceratite. A ceratite ponteada (punctata)é a forma mais branda, reconhecida pelo exame da fluores-ceína. Um segundo tipo, a ceratite filamentosa é caracte-rizada pelo acúmulo de filamentos de muco ressecado ade-ridos a erosões da córnea em uma de suas extremidades,sendo reconhecidos ao exame da lâmpada de fenda pelouso do corante rosa-bengala. O ato de piscar movimentaestes filamentos, tracionando seus pontos de fixação nacórnea, o que provoca intensa dor ocular. A ceratite ulce-rada é a complicação mais temida, sendo mais comum nasformas graves de olho seco (ex.: síndrome de Sjögren). Asúlceras corneanas desenvolvem-se na periferia ou na regiãoparacentral. Podem evoluir com leucomas cicatriciais, per-furação de córnea ou com ceratite bacteriana secundária,situações que levam à perda visual.

Para confirmar o diagnóstico da síndrome do olho seco sãonecessários alguns exames:

- Teste de Schirmer: é o teste de realização mais prá-tica e disponível. É feito com a colocação de uma fita depapel de filtro no canto externo dos olhos, com o paci-ente mantendo as pálpebras fechadas, quando entãomede-se a extensão do papel que se tornou umidificadaapós 5min. Uma extensão menor que 5 mm indica olhoseco. Idealmente, o teste é feito em duas etapas...Schirmer I (mede o lacrimejamento total, reflexo ebasal): realizado sem anestesia tópica, permitindo aestimulação ocular pelo papel de filtro. Schirmer II

(mede apenas o lacrimejamento basal): realizado comanestesia tópica.

- Tempo de ruptura lacrimal: mede a instabilidadelacrimal. Após a aplicação de fluoresceína no recessoconjuntival inferior para corar o fluido lacrimal, mede-seo tempo entre uma piscada palpebral e o aparecimentode um “defeito” na película corneana. Um tempo inferiora 5 segundos é compatível com instabilidade lacrimalsuficiente para provocar lesão de córnea (ceratite).

- Teste do rosa-bengala: enquanto a fluoresceína coraerosões epiteliais, o rosa-bangala é capaz de corar asuperfície epitelial íntegra quando esta está desprovidade mucina. Toda síndrome do olho seco, independentedo mecanismo, acaba degradando a camada de mucina.Assim, os indivíduos com síndrome do olho seco podemapresentar impregnação de áreas da córnea ou conjun-tiva pelo rosa-bengala. De acordo com o número de regi-ões coradas, um “escore de olho seco” é atribuído.

Após o diagnóstico da síndrome do olho seco, é importan-te descobrir a sua causa. Eventualmente, esta pode pareceróbvia ao exame, como no caso da rosácea, das blefaritescrônicas e dos problemas estruturais das pálpebras (expo-sição). Em outros casos, exames complementares devemser solicitados, especialmente para avaliação de uma pos-sível síndrome de Sjögren (exames sorológicos: FAN, fatorreumatoide, anti-Ro, anti-La).

Tratamento

O tratamento se baseia na prescrição de colírios ou poma-das lubrificantes, vulgarmente chamados de “lágrimasartificiais”. Geralmente contém polímeros de celulose, comoo hidroxipropilmetilcelulose. Os colírios podem ser apli-cados 4x/dia ou em maior frequência. Nos casos mais gra-ves, recomendam-se colírios lubrificantes sem preservati-vos (mais caros), para evitar uma possível efeito irritativoocular. Em alguns pacientes, pode-se lançar mão de lentesde contato especiais com função reparadora da córnea. Oscasos graves refratários podem necessitar de intervenção,sob a forma de oclusão dos pontos lacrimais, no intuitode reduzir a drenagem da lágrima, aumentando assim a suapermanência na superfície ocular. A oclusão pode ser feitacom cauterização, colocação de um plug de silicone oupelo YAG laser. Nos casos de grave inflamação ou lesão decórnea estéril, pode-se aplicar colírios de corticoide e,mais recentemente, colírio de ciclosporina. Na ceratitefilamentosa, o uso de mucolíticos tópicos (acetilcisteína2-10%) podem desfazer os filamentos de muco. A retiradamanual dos filamentos guiada pela lâmpada de fenda porser útil.

Ceratoconjuntivite de Exposição

Uma das causas de olho seco grave merece destaque... Aexposição constante da superfície ocular pode provocarceratoconjuntivite grave, com erosões e úlceras da córnea epossível perda visual irreversível, se a condição não fortratada a tempo. É uma lesão ocular frequentemente obser-vada na UTI, em pacientes comatosos, mas que não man-tém o fechamento espontâneo completo das pálpebras.Outras causas são distúrbios estruturais ou funcionais daspálpebras. Veja os exemplos: ectrópio (eversão da pálpe-bra, geralmente a inferior), entrópio (inversão da pálpe-bra), exoftalmia (comum na oftalmopatia de Graves) elagoftalmo (impossibilidade de fechar as pálpebras pordesnervação do músculo orbitário, como acontece na para-lisia de Bell, no nervo facial, ou VII par craniano). O trata-mento deve ser precoce e inclui a aplicação regular de colírioslubrificantes, gazes umedecidas para manter as pálpebrasfechadas (em pacientes comatosos), lentes de contato re-

paradoras e técnicas cirúrgicas de plástica ocular. Um pro-cedimento provisório para reduzir a fenda palpebral é atarsorrafia (sutura parcial da fenda palpebral), quepode ser utilizado como ponte para cirurgias de plás-tica ocular mais complexas.

XI - PTERÍGIO E PINGUÉCULA

1. Pterígio(FIGURA 40)

Embora nada tenha a ver com as pálpebras, o pterígioserá descrito neste momento, já que se trata de uma enti-dade a parte, separada de todas as outras causas de olhovermelho...

O pterígio é um tecido fibroproliferativo da superfície an-terior do olho que nasce no limbo e estende-se para a con-juntiva bulbar nasal e para a córnea. Tem um formato trian-gular, com a base se estendendo em direção ao canto doolho e o vértice em direção à córnea. É uma desordemocular muito comum, com uma prevalência variável entreas populações, entre 5-25%, sendo maior acima dos 40anos de idade. A lesão tipicamente surge em qualquer mo-mento após os 20 anos de idade. Não se conhece apatogênese do pterígio, embora existam dois fatores derisco documentados: (1) exposição solar, (2) história fa-miliar. Na fase de atividade, o pterígio é uma massa verme-lha, associada à inflamação conjuntival localizada (olhovermelho), podendo provocar sintomas de irritação ou des-conforto ocular. O paciente por vezes procura o médicoachando que tem uma conjuntivite... A tendência natural écessar o crescimento após meses a poucos anos, entrandona fase inativa. Nesta fase, a inflamação desaparece e opterígio se torna uma placa branca e achatada.

O maior problema do pterígio é o seu potencial para inva-dir a superfície da córnea a partir do limbo, a ponto deacarretar dois tipos de problema visual. O primeiro a apa-recer é o astigmatismo irregular, decorrente de altera-

Fig.40: Pterígio e pinguécula.

Pinguécula

Pterígio

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ções nos meridianos corneanos. Um pequeno grau de as-tigmatismo, sem afetar muito a nitidez da visão, começageralmente quando o pterígio invade 3mm ou mais da córnea.Quando chega a meio caminho entre o limbo e eixo pupilar(em torno de 3,5mm), o astigmatismo ultrapassa 1,00D,tendo importante repercussão na visão do paciente. Valelembrar que a presença de um pterígio pode dificultar aadaptação do paciente a lentes de contato, que podemtrazer desconforto... O segundo problema a ocorrer é quan-do o pterígio avança sobre o eixo pupilar, acarretando dé-ficit importante da visão, não corrigível com óculos oulentes de contato.

Tratamento: pacientes com sintomas oculares irritativosou inflamatórios devem ser tratados com o uso regular decolírios lubrificantes. A excisão do pterígio é a únicaforma de tratamento específico. A princípio, não é reco-mendado na ausência de astigmatismo secundário ou blo-queio do eixo pupilar. Qualquer prejuízo à visão indica acirurgia excisional, realizada em ambiente ambulatorial, sobanestesia tópica (colírios) ou local. A excisão simples pos-sui um alto risco de recidiva (30-50%), quase sempredentro do primeiro ano pós-operatório. Se for retiradonovamente, o índice de recidiva é ainda maior, criando-seum ciclo vicioso de excisão-recidiva-excisão-recidiva... Porconta disso, a maioria dos oftalmologistas usa técnicasadjuvantes que reduzem o risco de recidiva para menos de10%. Entre elas, podemos citar: retalho ou autoenxertoconjuntival, aplicação de mitomicina C tópica intraopera-tória, irradiação com raios beta. A única maneira compro-vada de prevenir o pterígio é a proteção contra os raiossolares, por meio do uso de óculos escuros.

2. Pinguécula(FIGURA 40)

É uma lesão análoga ao pterígio, diferenciando-se do pri-meiro por não invadir a córnea, mantendo-se estável eassintomática, constituindo-se apenas um leve problemaestético.

fecção resultam em importantes e comuns entidades pa-tológicas (calázio, hordéolo). O tecido palpebral contacom três tipos de glândula. São elas: (1) glândulas deMeibomius: glândulas sebáceas longas, dispostas verti-calmente na espessura do tarso, abrindo seus ductos nobordo posterior da fenda palpebral, (2) glândulas deZeis: pequenas glândulas sebáceas constituintes dosfolículos pilossebáceos dos cílios; liberam sua secreçãonos próprios folículos, que desembocam no bordo ante-rior da fenda palpebral; (3) glândulas de Moll: peque-nas glândulas sudorípiaras apócrinas, localizadas logoatrás dos cílios. A secreção sebácea produzida pelas glân-dulas de Meibomius e de Zeis é rica em lipídios quecompõem o fluido lacrimal, ajudando a prevenir sua eva-poração.

1. Calázio(FIGURA 42)

O calázio é uma inflamação granulomatosa não in-fecciosa de uma glândula de Meibomius (calázio pro-fundo) ou de Zeis (calázio superficial). É decorrentedo entupimento do orifício de drenagem da glândula,levando ao extravasamento de lipídios para o tecidocircunjacente, gerando uma reação inflamatória crôni-ca contendo células epitelioides, células gigantes deLanghans e linfócitos (granuloma). Rosácea e blefaritecrônica são importantes fatores de risco, embora na maiorparte das vezes o calázio seja um achado isolado... Alesão costuma se instalar insidiosamente com a forma-ção de uma área de edema e eritema na pálpebra, evolu-indo para a formação de um nódulo de tonalidade ama-relada na superfície interna ou externa da pálpebra. Ocalázio é tipicamente indolor e persistente, trazendogeralmente apenas um problema estético. Se for de gran-des dimensões, pode afetar a superfície da córnea, pro-duzindo astigmatismo. Algumas vezes, desenvolve-sede forma aguda, com edema e eritema, podendo ser con-fundido com um hordéolo. O diagnóstico na maioria das

Calázio

Hordéolo (terçol)

Fig.42: Calázio e Hordéolo.

XII - INFLAMAÇÃO DAS PÁLPEBRAS E SACO LACRIMAL

As pálpebras são pregas móveis de tecido que servem pararecobrir e proteger o olho. Através do ato involuntário depiscar repetidas vezes, as pálpebras a todo momento es-palham e distribuem o fluido lacrimal pela superfície ante-rior do olho, além de evitar a sua evaporação, tendo umafunção de capital importância para a integridade da córnea.Além disso, o reflexo de piscar previne na maioria dasvezes o contato da superfície ocular com corpos estranhose pequenos traumas.

As pálpebras são formadas por (1) pele (tecido cutâneo),(2) tecido subcutâneo, (3) músculos estriados esqueléti-cos, como o orbicular da pálpebra (fechamento palpebral,inervado pelo VII para craniano) e elevador da pálpebra(abertura palpebral, inervado pelo III para craniano), (4)um músculo liso que também contribui para a elevação dapálpebra (músculo de Mueller, inervado pelo simpático),(5) tarsos: placas de tecido fibroelástico denso, localiza-dos na face interna da pálpebra, dando a ela consistênciaestrutural, (6) cílios, que se originam de folículos pilosos,e (7) glândulas.

A pele da pálpebra é a mais delgada do corpo, com apenas1mm de espessura. Logo abaixo está o subcutâneo, umtecido conjuntivo frouxo desprovido de gordura. A elasti-cidade acentuada de sua pele somada à extrema frouxidãodo tecido subcutâneo fazem da pálpebra uma estruturabastante propensa ao edema, que pode tanto se instalarcomo também se resolver de forma abrupta. Os vasos daconjuntiva tarsal possuem íntima ligação com os vasos dotecido palpebral, o que explica a tão frequente ocorrênciade blefarite nos casos de conjuntivite.

As glândulas palpebrais (FIGURA 41) são de especialimportância neste capítulo, pois a sua inflamação ou in-

Fig.41: As pálpebras. Acima, à esquerda: Visão externa. Abaixo, à esquerda: Pálpebras cerradas, vistas defrente, retirada a pele para ressaltar a anatomia das glândulas de Meibomius. À direita: Corte coronal (visão deperfil), ressaltando a anatomia das glândulas de Meibomius, os cílios e as glândulas sebáceas de Zeis.

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CAPÍTULO 5 - SÍNDROME DO OLHO VERMELHO 77

vezes é clínico; na dúvida, o estudo histopatológico éconfirmatório.

Tratamento: os calázios pequenos podem ser apenas ob-servados, pela possibilidade de involução espontânea oucom a aplicação de compressas quentes 4x/dia. Cerca de50% dos casos resolvem com a terapia conservadora...Nos casos refratários ou de calázios de maior tamanho, aintervenção é indicada. Os pequenos podem ser removi-dos com uma pequena incisão e curetagem. Os maiorespodem ser tratados com injeção intralesional de corticoideou drenagem cirúrgica via conjuntiva tarsal.

2. Hordéolo (“Terçol”)(FIGURA 42)

É uma infecção aguda purulenta do folículo ciliar (glân-dulas de Zeis ou Moll), configurando o hordéolo externo,ou das glândulas de Meibomius, definindo o hordéolo in-terno. Quase sempre a bactéria implicada é o Staphylococcusaureus. Manifesta-se com inflamação aguda da pálpebra(geralmente a superior), com eritema, dor, calor e edema. Ainflamação logo se localiza, formando um pequeno absces-so que se abre como um ponto de pus ou foliculite ciliar. Ador e a formação de pus diferencia o hordéolo de umcalázio. Na maioria dos casos, o tratamento é conserva-dor, com involução espontânea em até 5-7 dias. Compres-sas quentes por 15min 4x/dias são a base da terapia. Poma-das de antibiótico tópico podem ser acrescentadas. Emcasos refratários ou de grandes hordéolos a drenagem ci-rúrgica deve ser realizada. Se houver celulite periorbitáriaassociada ou adenopatia pré-auricular, antibioticoterapiasistêmica está indicada.

Dacriocistite aguda

Fig.43: Infecções peripalpebrais.

Molusco contagioso

Celulite periorbitáriaFitiríase ciliar

3. Celulite periorbitária(FIGURA 43)

Uma afecção mais comum em crianças, caracterizada poruma infecção bacteriana aguda das pálpebras e do tecidosubcutâneo periorbitário. Os microorganismos mais co-muns são o Staphylococcus aureus e Streptococcuspyogenes, tendo como porta de entrada abrasões palpebraisou picadas de inseto. A celulite periorbitária também ocor-rer como complicação de uma sinusite bacteriana aguda,tendo como agentes mais comuns o Streptococccuspneumoniae e o Haemophilus influenzae. O paciente seapresenta com febre alta e importante edema palpebral eperiorbitário, com rubor, dor e calor. A complicação maistemida é a invasão do tecido orbitário (celulite orbitária),geralmente nos casos relacionados à sinusite etmoidal,podendo evoluir com disseminação para o sistema nervo-so central. O tratamento da celulite periorbitária é feitocom antibioticoterapia sistêmica antiestafilocócica venosa(oxacilina, cefazolina, cefalotina), seguido por antibióticooral, até completar 7-10 dias.

4. Blefarite(FIGURA 10)

A causa mais comum é a blefarite crônica estafilocócica,que foi descrita detalhadamente no item sobre conjuntivi-tes bacterianas. Manifesta-se com edema inflamatório pal-pebral, eliminação de secreção purulenta, calázio ouhordéolo de repetição. Está associada a uma conjuntivitepor hipersensibilidade à toxinas bacterianas liberadas, quepode se converter em uma conjuntivite flictenular crônica.O tratamento é feito com escovação e desinfecção diária da

pálpebra com xampoo neutro, além de pomadas de antibi-ótico e corticoide. Uma outra causa clássica de blefaritecrônica é a rosácea, com eritema e telangiectasias, comoachados típicos. O tratamento foi devidamente abordadona apostila de Dermatologia...

5. Dacriocistite(FIGURA 43)

É a infecção bacteriana aguda (dacriocistite aguda) ou crô-nica (dacriocistite crônica) do saco lacrimal e/ou ducto naso-lacrimal. A infecção é causada mais comumente por S.aureus, S. epidermidis, S. pyogenes, S. pneumonia e H.influenzae, tendo como principal fator predisponente aobstrução total ou parcial do ducto nasolacrimal. Os re-cém-nascidos ou lactentes apresentam frequentemente (até20% dos casos) uma obstrução do ducto nasolacrimal porimaturidade tecidual, que tende a se abrir espontaneamen-te durante o primeiro ano de vida em 90% dos casos. Estaé a causa mais comum de epífora (lacrimejamento excessi-vo) nesta faixa etária e predispõe à dacriocistite agudarecidivante ou crônica. Em adultos, a obstrução costumaser por inflamação idiopática (mais comum em mulherescom mais de 40 anos) ou relacionada à sarcoidose ou gra-nulomatose de Wegener. O quadro clínico da dacriocistiteaguda é marcado por edema inflamatório do canto nasal doolho (pericistite), epífora, borramento visual (pelo aumen-to da película lacrimal) e conjuntivite por hipersensibilida-de. Pode ocorrer celulite periorbitária, febre e leucocitose.Uma temida complicação é a celulite orbitária. Nos casoscrônicos a inflamação tem sinais menos proeminentes, sendoa epífora o principal sintoma.

Tratamento: após coleta de secreção proveniente dos pon-tos lacrimais (para Gram e cultura), inicia-se a antibioti-coterapia sistêmica, que pode ser oral ou venosa, depen-dendo da gravidade do caso. A duração é de 7-10 dias.Cefalexina, cefadroxil, oxacilina, cefazolina e cefalotina sãoos antibióticos preferidos. Após a resolução do quadroinfeccioso agudo, o tratamento cirúrgico deve ser indicado,através da dacriocistorinostomia. Em crianças com epífora,no primeiro ano de vida, a conduta pode ser a massagemmanual repetida do saco lacrimal ou a introdução de umasonda no ductolacrimal para desfazer a obstrução. Comomencionado, a obstrução cede espontaneamente na grandemaioria dessas crianças...

6. Fitiríase ciliar(FIGURA 43)

O Phtyrus pubis (“chato”) pode parasitar os cílios, provo-cando incômodo, prurido local e eventualmente conjunti-vite, sendo típico na faixa etária pediátrica, tendo os paiscomo fonte de contágio. O tratamento é feito com remoçãomecânica das lêndeas e parasitas e aplicação tópica depetrolatum, fisostigmina (0,25-1%) ou fluoresceína 20%,durante 10 dias. Uma alternativa seria a ivermectina oral200 mcg/Kg em duas tomadas separadas por 1 semana.

7. Molusco contagioso(FIGURA 43)

Causado por um DNA poxvírus, a doença é transmitidapelo contato direto ou através de fômites ou piscinas pú-blicas. Surgem lesões clássicas, como pápulas umbilicadasmúltiplas, na superfície das pálpebras. O tratamento éfeito com curetagem ou criocirurgia.

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RETINOPATIAS 79

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RETINOPATIAS

E OUTRAS DOENÇAS DO SEGMENTO POSTERIOR

vertendo-o em estímulo elétrico, para que possa ser carreadopelas fibras do nervo óptico até os centros nervosos encar-regados da percepção e reconhecimento visual. Emboratenha uma espessura de apenas 0,5 mm, a retina é umtecido altamente especializado e complexo, sendo forma-do por 8 camadas (FIGURA 1):

- Epitélio pigmentar da retina: camada única de cé-lulas cuboides contendo melanina, firmemente aderida

po vítreo, a coroide (uveítes posteriores, coroidopatias), apars plana (parsplanite ou uveíte intermediária) e escleraposterior (esclerite posterior).

Retina e Corpo Vítreo

A retina forma a túnica neural ou interna do olho, tendocomo função primordial receber o estímulo luminoso, con-

Retina, papila óptica e vasos retinianos visualizados na fundoscopianormal. Observe uma região oval mais escura no centro, avascular,que corresponde à mácula, que apresenta uma depressão, a fóvea.

Fig.1: Anátomo-histologia da retina e segmento posterior.

*

Corpo Vítreo(membrana hialoide)

I - INTRODUÇÃO

O segmento posterior do olho é composto pelas estrutu-ras que se localizam atrás do cristalino: pars plana do cor-po ciliar, corpo vítreo, esclera, coroide, retina e nervo óptico(FIGURA 1). Neste capítulo, descreveremos as princi-pais retinopatias, bem como as doenças que afetam o cor-

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à coroide através da membrana de Bruch. As célulasdeste epitélio interagem com a camada dos fotorrecep-tores (cones e bastonetes) e possui funções essenci-ais, a saber: prevenir o acúmulo de líquido nesta cama-da; armazenar e reciclar o retinol (vitamina A), pigmentonecessário para a reação fotoquímica dos fotorrecepto-res; regenerar continuamente os fotorreceptores; sinteti-zar a matriz entre os fotorreceptores (propriedade funda-mental para manter a retina neural aderida e evitar o seudescolamento); servir como parede opaca para evitar adispersão da luz no interior do globo ocular.- Camada dos fotorreceptores: os cones e bastone-tes são encarregados de converter o estímulo luminosoem estímulo elétrico, através de uma reação fotoquímica.A luz é absorvida pelo pigmento visual, presente na mem-brana dos fotorreceptores, formado pela combinaçãoopsina (proteína especializada) + retinol (vitamina A).A luz converte o isômero 11-cis-retinol no isômero all-transretinol, produzindo hiperpolarização da membra-na, transmitida imediatamente para os neurônios da reti-na. Neste instante, a forma all-transretinol se desliga daopsina, sendo armazenada e reisomerizada pelas célu-las do epitélio pigmentar da retina. A opsina difere entreos cones e bastonetes. Os cones possuem iodopsina esão responsáveis pela nitidez da visão durante o dia epela visão de cores, existindo três tipos: um para o es-pectro verde, um para o espectro azul e outro para oespectro vermelho (a grande variedade de cores por nóspercebida provém do estímulo combinado dos três tiposde cone...). Os bastonetes contêm rodopsina e são res-ponsáveis pela visão noturna (em preto e branco) e pelavisão em movimento.- Camada nuclear externa: esta camada é formadapelos núcleos dos cones e bastonetes. Representam o“primeiro neurônio” da visão.- Camada plexiforme externa: contém as sinapsesentre os fotoreceptores e os neurônios bipolares.- Camada nuclear interna: formada basicamente pe-los núcleos dos neurônios bipolares, que representam osegundo neurônio da visão. Contém também as célulashorizontais que regulam a transmissão sináptica entreos fotoreceptores e os neurônios bipolares, e as célulasamácrinas, que modulam a transmissão sináptica entreos neurônios bipolares e as células ganglionares.- Camada plexiforme interna: onde se fazem assinapses entre os neurônios bipolares e as células gan-glionares.- Camada de células ganglionares: nesta camada,encontram-se as células ganglionares, que represen-tam o terceiro neurônio da visão.- Camada de fibras nervosas: os axônios das célulasganglionares caminham por esta camada, em direção àpapila do nervo óptico (II par craniano), ponto de conver-gência de todas as fibras do estímulo visual.As células de Müller são as células gliais da retina,sendo dispostas verticalmente e cujo comprimento atin-ge praticamente toda a espessura retiniana. Essas célu-las formam as duas membranas basais da retina: (1)membrana limitante externa: localizada entre os cor-pos celulares dos fotorreceptores (camada nuclear ex-terna) e a porção fotorreceptora dessas células (cones ebastonetes); (2) membrana limitante interna: separaa camada mais interna da retina (camada de fibras ner-vosas) do corpo vítreo. O descolamento de retina (sín-drome patológica de extrema importância neste capítu-lo) é a separação entre o epitélio pigmentar da retina eas 7 camadas restantes (retina neural). Existe um es-paço virtual entre a retina neural e o epitélio pigmentar,referido como espaço subretiniano, assinalado comoum asterisco (*) na FIGURA 1. Este espaço, na verdade,envolve os cones e bastonetes e é composto por umafrouxa matriz de tecido conjuntivo. O espaço subretinia-no possui um recesso anterior, na junção entre a retinae o epitélio do corpo ciliar e um recesso posterior, aonível da papila óptica. A porção da retina periférica (maisanterior) que se une à pars plana do corpo ciliar tem umaspecto serrilhado, sendo denominada ora serrata.A retina possui regiões de diferentes funções e arranjoshistológicos. A retina central (mais posterior) é denomi-nada mácula, uma área ovalada, situada no pólo poste-rior retiniano, temporalmente à papila ótica, e que apre-

senta um diâmetro de 5,5 mm (aproximadamente duaspapilas ópticas). Esta região diferencia-se da retina pe-riférica (todo o restante da retina) por ter maior espessu-ra (devido à grande quantidade de células ganglionares)e maior acuidade visual. Na verdade, o centro da mácu-la, a fóvea, é uma depressão retiniana que constitui olocal de maior acuidade visual. O cérebro possui circui-tos neuronais reflexos que centralizam a cada momentoos globos oculares de modo que a fóvea de ambos osolhos receba a maior parte dos feixes luminosos emiti-dos pelos objetos que enxergamos. O centro da fóveapossui apenas cones, que se encontram impactados, deforma a garantir uma acuidade visual perfeita. A ceguei-ra retiniana ocorre quando há lesão permanenteda fóvea! O centro da fóvea só possui a camada dosfotoreceptores (cones), pois as demais camadas encon-tram-se rechaçadas em direção ao declive a borda foveal.A proporção de cones em relação a bastonetes continuasendo maior na mácula em comparação com a retinaperiférica...Além da mácula, no restante da retina, a proporção debastonetes em relação aos cones aumenta cada vezmais, em direção à retina periférica (mais anterior). Ana-lisando a retina como um todo, os bastonetes são osfotoreceptores predominantes, existindo em número 10vezes maior que o de cones. Os bastonetes, como jáassinalado, são os fotoreceptores responsáveis pela vi-são noturna e pela visão em movimento. A linhacircunferencial que divide a retina verticalmente em duassemiesferas (posterior e anterior) é o equador da reti-na. A retina periférica encontra-se anteriormente a estalinha, sendo visualizada apenas na oftalmoscopia indi-reta com a pupila em máxima dilatação (ver adiante). Éjustamente nesta região que surgem os rasgos da retina,lesões implicadas no tipo mais comum de descolamentoda retina (ver adiante).Vascularização da retina: a retina recebe dois siste-mas vasculares de irrigação (sem ligação por vasoscolaterais), ambos originários da artéria oftálmica,primeiro ramo da carótida interna:1- Artéria e veia central da retina: a artéria central daretina ganha o interior do globo ocular salientando-sepela papila óptica. A partir de sua primeira bifurcação,os vasos já são arteríolas. A artéria se divide nos ramossuperior e inferior que, por sua vez, bifurcam-se em ra-mos nasais e temporais, que formam arcadas nos quatroquadrantes da retina visível à fundoscopia. Os ramos daartéria central da retina correm na superfície retiniana esão responsáveis pela irrigação dos 2/3 internos da es-pessura da retina (da camada de fibras nervosas até acamada plexiforme externa). A veia central da retinaacompanha a artéria de mesmo nome e suas tributáriassão vênulas ou pequenas veias dispostas lado a lado àsarteríolas retinianas, perfeitamente visíveis à fundosco-pia. Existem pontos de cruzamento nos quais arteríolaspassam à frente de veias tributárias, compartilhando amesma adventícia. Observe a vascularização retinianasuperficial (arteríolas e veias) na FIGURA 1 (fundosco-pia normal). Por serem vasos de irrigação terminal, semcolaterais, a oclusão em qualquer ponto do sistemavascular superficial causa isquemia retiniana, na áreacoberta pelos ramos ocluídos.2- Coriocapilares: a camada da coroide adjacente à mem-brana de Bruch é extremamente rica em capilares (oscoriocapilares). Estes vasos são responsáveis pela irri-gação do 1/3 externo da espessura da retina (epitéliopigmentar da retina, camada dos fotoreceptores e cama-da nuclear interna. A fóvea não recebe vasculariza-ção proveniente da artéria central da retina (daíser considerada uma área “avascular” na fundoscopia),sendo irrigada exclusivamente pelos coriocapilares.Vascularização da coroide: a coroide (úvea posteri-or) é irrigada pelas duas artérias ciliares posteriores,ramos da artéria oftálmica.Corpo vítreo (FIGURA 1): o corpo vítreo é uma massagelatinosa transparente, de cerca de 4 ml, composta deágua, colágeno e ácido hialurônico, que preenche a ca-vidade do segmento posterior do globo ocular. A camadasuperficial do corpo vítreo é a membrana hialoide,que faz contato com a superfície da retina (membranalimitante interna). O corpo vítreo é preso à retina so-mente na sua porção anterior, mantendo-se firme-

mente aderido à extrema periferia da retina, ora serrata epars plana do corpo ciliar, numa zona circunferencialreferida como base do vítreo. Na infância, existem ou-tros pontos de fixação vítrea, como a face posterior docristalino e a papila óptica.

II - RETINOPATIAS E VITREOPATIAS

1. Sinais e sintomas

As doenças da retina e do corpo vítreo são relativamentecomuns, especialmente na população idosa. Os sintomasvisuais não costumam ser acompanhados de dor ocular ouolho vermelho. Podem ocorrer de forma lenta e insidiosaou instalar-se de forma abrupta, dependendo do tipo dedoença. Quando unilaterais, muitas vezes não são percebi-dos pelo paciente, até que a patologia acometa o outroolho! Uma perda completa ou quase completa da visãounilateral, com preservação do outro olho, pode se apre-sentar com aestereopsia, ou seja, a perda da visão de pro-fundidade. Quando a doença é bilateral, diversos sintomasvisuais podem ocorrer e nos casos mais graves, pode seinstalar a cegueira.As maculopatias (FIGURA 2), ou doenças da mácula,têm como característica principal, desde as suas fases ini-ciais, a redução da acuidade visual, que pode ser leve (até20/60), moderada (20/60 a 20/160), grave (20/160 a 20/400) ou cegueira legal (inferior a 20/400). Os sinais e sinto-mas sugestivos de uma maculopatia são:

- Borramento da visão central: a queda na acuidade visu-al nas maculopatias predomina na visão central, funda-mental para a atividade de leitura e reconhecimento defaces. Há também uma típica perda da sensibilidade aocontraste.- Escotomas centrais ou paracentrais: são borrões oumanchas que dificultam ou bloqueiam completamente avisão central ou uma área próxima à visão central (para-central). Inicialmente, aparece um escotoma incompleto(mancha cinzenta que borra e sombreia o centro da ima-gem, mas sem bloqueá-lo completamente). Nesta fase,o paciente ainda consegue ler utilizando lentes de au-mento (magnificação)... Quando a fóvea é totalmentedestruída, o escotoma torna-se completo (o centro davisão apresenta-se como uma mancha preta). A visãoperiférica ainda é mantida, porém borrada, já que mes-mo uma retina periférica normal não possui boa acuida-de visual (por conter poucos cones). Alguns destes pa-cientes podem conseguir ler quando fazem treinamentoda visão excêntrica e com o acréscimo de uma lente deaumento...- Metamorfopsia: é a distorsão da imagem, que se tornasinuosa ou encurvada, especialmente na porção centralda visão. É um dos primeiros sintomas de uma macu-lopatia e frequentemente não é percebido pelo pacien-te. A grade de Amsler é um método de triagem muitoutilizado, no qual o paciente examina a visão de cadaolho (tampando o outro com a mão), focalizando-a noponto central da imagem; se houver maculopatia em faseprecoce, o ponto estará borrado e algumas linhas fica-rão tortas...- Glare (ofuscamento pela luz): em ambientes muito ilu-minados, por luz solar ou artificial, o paciente apresentaum ofuscamento da visão pela claridade.- Discromatopsia: pode também ser um sintoma inicialde uma maculopatia. Neste caso, o paciente nota que ascores perdem sua nitidez e saturação, embora aindaconsiga diferenciá-las.

As doenças da retina periférica (FIGURA 3), como aretinite pigmentosa, mantêm a acuidade visual preservadaem seus estágios iniciais, embora tenha sintomas que po-dem limitar significativamente as atividades do paciente.Vejamos os principais:

- Perda da visão periférica (Tunelização): a visão come-ça a ser tunelizada. O paciente consegue ler perfeita-mente, embora tenha dificuldades com a visão ambiental,esbarrando frequentemente em objetos, o que traz inse-

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gurança e dificuldade para deambular. Nos casos avan-çados, a tunelização pode evoluir para a perda total ouquase total do campo visual. A tunelização também ocorreno glaucoma...

- Nictalopia (“Cegueira noturna”): sintoma típico da retinitepigmentosa. O paciente começa a ter dificuldades emambientes com baixa luminosidade (pela perda de bas-tonetes da retina periférica). Este fenômeno piora se oindivíduo veio diretamente de um ambiente de alta lumi-nosidade (má adaptação). Lembre-se de que a cegueiranoturna também ocorre na deficiência de vitamina A.- Escotomas periféricos: manchas pretas ou cinzentasfixas, únicas ou múltiplas, em qualquer posição do cam-po visual periférico.

As alterações do corpo vítreo (FIGURA 4) podem ounão vir associadas à lesão retiniana. Podemos descreverdois importantes sintomas:

- Moscas volantes ou corpos flutuantes: é a sensação deobjetos escuros de formas variadas passando eventual-mente pelo campo visual, de forma intermitente e episó-dica. Estes sintomas são relativamente comuns na ter-ceira idade, pelo descolamento do vítreo, que passa aconter grumos (debris celulares). Estes grumos ficamflutuando no vítreo, provocando sombras transitórias emóveis na retina. As moscas volantes são percebidasprincipalmente quando o paciente olha fixamente parauma parede branca ou para o céu azul. Podem se exa-cerbar quando este movimenta lateralmente os olhos e

tendem a desaparecer com movimentos verticais (paracima e para baixo). Embora na maioria das vezes indi-quem um problema benigno, podem ocorrer também as-sociados a rasgos na retina, descolamento de retina euveíte posterior ou intermediária (com vitrite).

- Flashes luminosos (Fotopsia): quando regiões do corpovítreo tracionam partes da retina, isso pode provocar umsúbito aparecimento de um ponto luminoso (flash,cintilação) no campo visual, que dura frações de segundo,mas pode se repetir. Deve ser diferenciado dos escotomascintilantes da aura da enxaqueca. Estes últimos aparecemcomo imagens brilhantes ou coloridas em forma de arcozigue-zagueado e duram por 10-20min. Compare a fotopsiacom os escotomas cintilantes na FIGURA 4.

Visão normal Metamorfopsia

Visão normal

Escotoma central

Fig.2: Sintomas oculares nas maculopatias.

Metamorfopsia

Discromatopsia

Glare (ofuscamento pela luz)

Visão normal

Escotoma central incompleto(fase inicial)

Correção com lente de aumento

Escotoma central completo(fase avançada)

Não corrige só comlente de aumento

Correção comvisão excêntrica +

lente de aumento

VISÃO NA MACULOPATIA

LEITURA NAMACULOPATIAE MÉTODOS DE

CORREÇÃO

GRADE DE AMSLER

Moscas volantes: as imagens escuras que vocêestá vendo, na verdade, estão em movimento.

Flashes (fotopsia)

Fig.4: Sintomas do corpo vítreo e sua interação coma retina.

Fig.3: Sintomas das retinopatias periféricas.

Escotoma cintilante(aura da enxaqueca)

Visão tunelizada

Escotomas periféricos

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cimento de “pequenas sombras”. A conduta é apenas ori-entar o paciente quanto à benignidade do quadro. Movi-mentar os olhos para cima e para baixo é uma manobrageralmente eficaz para a melhora imediata do incômodo.

4. Descolamento posterior do vítreo(FIGURA 6)

Eventualmente, entre os 50-75 anos de idade, uma grandelacuna de vítreo liquefeito rompe a membrana hialoide,descolando a face posterior do corpo vítreo da superfícieda retina. Este processo pode se completar agudamente aolongo de 1 semana ou ocorrer de forma mais lenta, em até 3

Fig.7: Descolamento de retina e seus tipos.

Descolamento regmatogênico. Descolamento tracional (diebetes).Seta preta: pontos de fotocoagulação

Descolamento exsudativo (seroso)

Descolamento do vítreo Tração da retina periférica Descolamento regmatogênico

Fig.6

Oftalmoscopia direta

Fig.5: Exames para visualizar a retina e a papila óptica.

Oftalmoscopia indireta

Angiografia com fluoresceína Angiografia com fluoresceína(imagem fotográfica)

Imagem virtualinvertida

2. Exames diagnósticos

Não seria possível diagnosticar e tratar as doenças da reti-na se não houvesse meios para visualizá-la e analisar osseus detalhes. A era das retinopatias foi iniciada pela cria-ção da oftalmoscopia em 1851 pelo fisiologista alemãoHernan von Helmholtz. Vamos comentar rapidamente so-bre quatro exames essenciais para o estudo da retina:

Oftalmoscopia direta (FIGURA 1 e 5): realizado pormeio do oftalmoscópio, um aparelho portátil, que emiteum forte luz através da pupila do paciente e em direção àsua retina. Ao ser intensamente iluminada, a retina refletea luz para fora da pupila, em direção ao olho do examina-dor, revelando a sua tonalidade avermelhada, bem comoseus vasos e a papila óptica. O examinador cola seu olhono oftalmoscópio, aproximando-o ao máximo do olho dopaciente. Para enxergar a retina do paciente com nitidez,o olho do examinador e do paciente precisam ter o mesmopoder de focalização, ou seja, qualquer diferença de re-fração deve ser corrigida utilizando-se lentes do próprioaparelho. Idealmente, a pupila do paciente deve ser dila-tada por colírios midriáticos de curta ação (ex.: ciclopen-tolato). A imagem retiniana é observada de forma amplia-da (10-15 vezes), cobrindo-se a cada visualização umaárea equivalente a duas papilas ópticas. Com este exa-me, é possível estudar a metade posterior da retina, ouseja, até o seu equador, incluindo a papila óptica, a mácu-la e os vasos retinianos. Devemos ressaltar que este apa-relho pode ser usado por qualquer médico após um trei-namento mínimo. Utilizando lentes convexas para focali-zar o feixe luminoso mais à frente, o médico pode tambémexaminar em grande aumento as estruturas do segmentoanterior do olho (córnea, humor aquoso, íris, cristalino),obtendo alguns dados que só seriam constatados peloexame da lâmpada de fenda.

Oftalmoscopia indireta (FIGURA 5): este método sebaseia no princípio de se usar uma luz ainda mais forte,com o examinador afastado do paciente e a interposiçãode uma lente convexa encostada no olho a ser examina-do. A lente convexa faz com que a imagem retiniana refle-tida seja formada a meio caminho entre o examinador e opaciente. A pupila deve ser dilatada ao máximo com ummidriático potente. Neste exame, a imagem possui maiornitidez e abrange praticamente toda a retina, incluindo aretina periférica até a ora serrata, embora seja invertida.O método mais usado atualmente é a oftalmoscopia indi-reta binocular, trazendo ainda a vantagem da visãoestereóptica (noção de profundidade). A oftalmoscopiaindireta é o único exame capaz de diagnosticar as lesõesna retina periférica. O exame pode ainda ser fotografadopor máquinas com filtros especiais. Esses registros sãoimportantes para o acompanhamento do paciente...

Angiografia com fluoresceína (FIGURA 5): além deajudar no diagnóstico das doenças da córnea, a fluores-ceína também é de grande utilidade na avaliação das do-enças da retina. Neste caso, o corante é injetado na veiado paciente, quando, através da corrente sanguínea, ga-nha a vasculatura retiniana. Um oftalmoscópio indiretobinocular, provido de uma máquina fotográfica para fun-doscopia, é usado para registrar as diversas fases doexame: fase de enchimento (8-20seg), fase de circulação(3-5min) e fase tardia (30-60min). Este exame é funda-mental para a detecção das doenças vasculares da reti-na, edema macular e neovascularização.

Ultrassom tipo-B: usado rotineiramente para diagnos-ticar lesões retinianas ou de outras partes do segmentoposterior do olho em pacientes que possuem opacificaçãodo segmento anterior (catarata, corneopatia), o que im-pediria a visualização por meio da oftalmoscopia, diretaou indireta. O modo-B do ultrassom é bidimensional eem tempo real.

Neste momento, vamos começar a descrever as principaisretinopatias e vitreopatias...

3. Sinerese do corpo vítreo

A partir da quinta década de vida, o corpo vítreo começa asofrer um lento processo degenerativo, denominado

sinerese. Ocorre, na verdade, a liquefação de algumas por-ções do vítreo, formando lacunas (FIGURA 6). No interi-or dessas lacunas, as moléculas de colágeno costumam for-mar pequenos grumos que flutuam no interior do globoocular. Este mecanismo explica um sintoma relativamentecomum em indivíduos a partir dos 50 anos de idade, apercepção visual de pequenas moscas volantes ou corposflutuantes, como se fossem pedaços de teia ou “pequenasminhocas” que aparecem episodicamente e caminham pelocampo visual do paciente, especialmente quando este fixaa visão numa parede branca ou no céu azul. Na maioria dasvezes, não causa grandes problemas para as atividades dopaciente, que se acostuma e se adaptam ao eventual apare-

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meses. Na maioria das vezes é assintomático, mas quandosintomático, pode ser o evento patogênico inicial do des-colamento de retina (ver adiante). Quando presentes, ossintomas são marcados pelo surgimento ou piora abruptadas moscas volantes ou corpos flutuantes, representan-do debris celulares e hemácias desprendidas da retinasubjacente. Um corpo flutuante em anel (anel de Weiss)pode aparecer, devido ao desprendimento de células gliaisda periferia da papila óptica. Durante o descolamento, opaciente também pode enxergar flashes luminosos pon-tuais (fotopsia), desencadeados pela súbita tração retinia-na em pontos de aderência entre o gel vítreo e a retinaperiférica. Uma discreta hemorragia vítrea pode ocorrernuma minoria dos pacientes, apresentando-se como umachuva de pequenas sombras flutuantes. Hemorragias mai-ores podem acarretar o sombreamento de uma grande áreado campo visual. Os fatores de risco mais importantespara o descolamento posterior do vítreo são a miopia gra-ve e o trauma ocular. O prognóstico do descolamento ví-treo assintomático geralmente é muito bom... Os corposflutuantes cessam ou se tornam mais brandos após 3-12meses. Contudo, os casos sintomáticos exigem avalia-ção oftalmológica imediata, pelo risco da ocorrênciade rasgos na retina periférica (15% dos casos), quepodem evoluir para o temido descolamento de retina!Ambos os olhos devem ser examinados cuidadosamentepor oftalmoscopia indireta, à procura de rasgos periféricosque, se presentes, devem receber terapia intervencionista(ver adiante). O exame da lâmpada de fenda pode revelarpigmentos no vítreo anterior (“poeira de tabaco” ou si-nal de Schaffer), indicando maior risco da presença deum rasgo retiniano.

5. Descolamento de retina

Trata-se de uma síndrome ocular com grande potencial deprovocar completa perda visual, se não reconhecida e tra-tada precocemente. Estima-se uma incidência populacio-nal de 1 a cada 10.000 indivíduos, embora existam fatoresde risco bem documentados que aumentam sobremaneira afrequência da síndrome. O descolamento de retina édefinido pela separação entre o epitélio pigmentar daretina (aderido à coroide pela membrana de Bruch) ea retina neural, contendo os fotoreceptores e demaiscamadas de neurônios, com preenchimento do espaço su-bretiniano por líquido. Como os fotoreceptores recebem asua vascularização e nutrição exclusivamente da coroide(pelos coriocapilares), essas células, na porção descoladade retina, sofrem grave isquemia e começam um processode degeneração, que pode se tornar irreversível ao longodas próximas semanas. Daí a extrema necessidade do prontodiagnóstico e tratamento... Na verdade, existem três tiposdiferentes de descolamento de retina, que possuem pato-gênese, quadro clínico e tratamento diferentes. Estes serãodiscutidos separadamente...

Descolamento de retina regmatogênico(FIGURA 7)

Este é o tipo mais comum de descolamento de retina,ocorrendo geralmente de forma espontânea em indivídu-os acima de 50 anos, ou desencadeada por trauma ocular(descolamento de retina traumático). Costuma ser uni-lateral, embora exista um alto risco de ocorrer no outroolho em um futuro próximo. O seu mecanismo é a forma-ção de um rasgo ou buraco na retina periférica (“regma”,do grego, significa rasgo), pelo qual o vítreo liquefeito pe-netra, dissecando a retina neural do epitélio pigmentar epreenchendo o espaço subretiniano. A seguinte sequênciade eventos caracteriza sua patogênese (FIGURA 7): (1)descolamento posterior do vítreo, provocando tração daretina periférica numa área de firme aderência vítreo-retini-ana; (2) surgimento súbito de um rasgo operculado (com

retalho) na retina periférica pela tração vítrea; (3) penetra-ção do vítreo liquefeito através do rasgo no espaço subre-tiniano, fenômeno este facilitado pela aderência do retalhode retina ao gel do vítreo; (4) propagação do descolamento,que começa numa área da retina periférica e caminha pos-teriormente em direção à mácula. Esta fase de propagaçãopode evoluir rapidamente (em horas ou dias) ou mais len-tamente (2-4 semanas), na dependência do tipo de rasgo...Os rasgos retinianos podem ser de três tipos: (1) rasgostracionais espontâneos (tipo mais comum), geralmente ar-queados, em forma de ferradura, associados ao descola-mento posterior espontâneo do vítreo, (2) buracos atrófi-cos, associados à degeneração látice (ver adiante), (3) diáliseretiniana (rasgo circunferencial ao nível da ora serrata),associado ao trauma ocular fechado. Os rasgos tracionaisespontâneos, quando no contexto de uma descolamentovítreo sintomático, possuem uma chance de 50% de evo-luir com descolamento de retina, daí a indicação obrigatóriade intervenção terapêutica. Por outro lado, o encontro ca-sual de um rasgo retiniano assintomático (observados em6% da população), traz um risco muito pequeno (em tor-no de 0,5%) de descolamento de retina sintomático... Osprincipais fatores de risco para o descolamento regmato-gênico podem ocorrer isoladamente ou de forma combina-da. São eles: (1) idade > 50 anos; (2) miopia grave, comalongamento ocular significativo; os míopes com mais de -6,0D possuem um risco até 10 vezes maior de descola-mento da retina que a população não míope; a miopiagrave está presente em 55% dos casos de descolamentoregmatogênico espontâneo; (3) degeneração látice da reti-na, (4) trauma ocular fechado; (5) cirurgia de catarata; cercade 40% dos casos de descolamento de retina ocorrem emindivíduos com história prévia de cirurgia de catarata; (6)coriorretinite por CMV na AIDS.

Degeneração látice da retina: é uma desordem caracte-rizada pela formação, no equador da retina, de uma oumais linhas de afinamento retiniano, com bordas elevadase atravessadas por uma treliça branca (vasos esclerosa-dos), o que inspirou o nome da doença (látice = treliça). Adoença tem uma prevalência em torno de 8% da popula-ção e é encontrada em 30% dos casos de descolamentoregmatogênico espontâneo. O mecanismo principal pare-ce ser a forte aderência vítreo-retiniana nas bordas dalesão látice; na ocorrência de um descolamento posteriordo vítreo, a porção aderente é tracionada, provocando orasgo. Um outro mecanismo é a formação de um buracoatrófico na lesão, que pode ser responsável por um des-colamento regmatogênico de evolução bastante insidiosa,frequentemente não percebido pelo paciente até chegarnuma fase avançada.

Descolamento traumático: o trauma ocular fechadopode provocar descolamento posterior do vítreo e um ras-go tipo diálise retiniana, evoluindo frequentemente comdescolamento regmatogênico da retina.

O quadro clínico do descolamento regmatogênico espontâ-neo se apresenta de forma unilateral com o surgimentosúbito de moscas volantes ou corpos flutuantes múltiplos,flashes luminosos (fotopsia), representando o descolamen-to posterior sintomático do vítreo, seguido dias ou sema-nas depois pela ocorrência de uma sombra no campo visu-al periférico que vai aos poucos se estendendo, tal comouma “cortina”, em direção à visão central, representando odescolamento da retina em fase de propagação. A acuidadevisual vai se deteriorando no momento em que a máculacomeça a ser descolada e, se atingir a fóvea, o pacienteperde a visão no olho afetado. A oftalmoscopia indiretabinocular com a pupila dilatada (FIGURA 7) é o exameconfirmatório, observando-se a imagem típica de uma por-ção pregueada ou ondulada da retina, ocupando geralmenteum quadrante da fundoscopia. É fundamental que o rasgo

na retina periférica seja detectado, pois a intervenção tera-pêutica se baseia no fechamento definitivo deste rasgo.

Tratamento: todos os pacientes com descolamento reg-matogênico sintomático devem ser tratados em caráter deurgência! A terapia é sempre intervencionista, associando-se uma técnica para fechar em definitivo o rasgo retiniano(geralmente a crioretinopexia) com um método para pro-mover a correção do descolamento (retinopexia pneumáti-ca, introflexão escleral ou vitrectomia). A crioretinopexiaé realizada da seguinte maneira: após anestesia subconjun-tival e sob monitoramento da oftalmoscopia indireta bino-cular, uma sonda de crioterapia é posicionada na conjunti-va exatamente no ponto correspondente ao rasgo retiniano;em seguida diversos pontos em volta do rago são “queima-dos” pelo frio, de forma a produzir uma aderência definiti-va. Os métodos para corrigir o descolamento da retina(FIGURA 7) podem ser realizadas isoladamente ou emconjunto: (1) retinopexia pneumática: após a crioreti-nopexia do rasgo retiniano, é injetada uma bolha de gás noespaço vítreo, capaz de tamponar e selar a retina descola-da; (2) introflexão escleral: realizada em centro cirúrgicocom anestesia retrobulbar; após a criorretinopexia, ésuturado na esclera um explante cilíndrico de silicone, deforma a criar uma indentação escleral; (3) vitrectomia (in-dicada nos casos mais complicados de descolamento): rea-lizada via pars plana com três pontos de esclerotomia paraintrodução dos instrumentos, quando então é retirado todoo corpo vítreo; em seguida é injetada uma bolha de gás ouóleo de silicone para selar a retina descolada.

Pequenos descolamentos periféricos assintomáticos po-dem ser tratados apenas com criorretinopexia ou retinope-xia a laser do rasgo. Quando associados a buracos atróficos,alguns autores optam pela simples observação e acompa-nhamento do paciente...

Prevenção (rasgo retiniano sem descolamento): Peloalto risco de evoluirem para descolamento retiniano, todosos rasgos tracionais que se apresentam sintomáticos de-vem ser tratados, visando o fechamento definitivo da le-são. Existem duas opções terapêuticas: (1) retinopexia alaser, (2) criorretinopexia. Estes procedimentos redu-zem o risco de descolamento de 30-50% para 1%. Nasduas primeiras semanas de pós-operatório, o paciente deveevitar atividades que necessitam de intenso movimentoocular (ex.: leitura). Os rasgos retinianos assintomáticos(achados ocasionais da oftalmoscopia) podem apenas seracompanhados, orientando-se o paciente quanto à neces-sidade imediata de procurar atendimento oftalmológico casosurjam sintomas sugestivos de descolamento.

Descolamento de retina tracional(FIGURA 7)

Ocorre na ausência de rasgo retiniano em condições quecriam aderências vítreo-retinianas e contração do corpovítreo. O exemplo clássico deste tipo de descolamento é aretinopatia diabética proliferativa, com formação deneovasos que produzem traves fibrosas vítreo-retinianas.Outras causas são: trauma perfurante ocular e a síndromeda tração vítreo-retiniana idiopática. O grande problemado descolamento tracional é a sua localização preferencialna mácula, trazendo um mau prognóstico. O tratamentoinclui a vitrectomia, com liberação das aderências por ins-trumentos especiais, seguido de um dos procedimentosdescritos acima para tamponar e selar a retina descolada.

Descolamento de retina exsudativo (seroso)(FIGURA 7)

Ocorre na ausência de rasgo retiniano pelo acúmulo pri-mário de fluido no espaço subretiniano propiciado poruma condição de perda da integridade da barreira da mem-

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brana de Bruch e epitélio pigmentar da retina. Na maioriadas vezes, é decorrente da coroidorretinopatia centralserosa, uma desordem idiopática. Ocorre em indivíduosentre 20-40 anos que apresentam uma alteração funcionaldo epitélio pigmentar retiniano. O fluido proveniente dacoroide transuda para o espaço subretiniano, descolandoa retina de forma insidiosa ao nível da mácula. O pacienterefere metamorfopsia, discromatopsia e perda progres-siva da visão central. Alguns casos sofrem resolução es-pontânea ao longo de 3-4 meses e a terapia com laser éreservada para os casos mais sintomáticos. Na verdade,qualquer causa de descolamento exsudativo costuma com-prometer a mácula e, portanto, causar perda de grau vari-ável da visão central. As outras causas de descolamentoexsudativo são: coriorretinites (ver adiante), tumoresintraoculares (hemangioma, melanoma, retinoblastoma),trabeculectomia com bolha filtrante para o glaucoma edoença de Coats (retinopatia congênita que predominaem meninos < 18 anos, caracterizada por capilares anô-malos, telangiectasias, grandes exsudatos retinianos e des-colamento exsudativo; tratada com fotocoagulação a laser).O tratamento do descolamento exsudativo é voltado paraa doença de base...

6. Degeneração macular senil(FIGURA 8)

Os idosos podem desenvolver diversos problemas ocula-res que podem dificultar a sua visão. Entre eles, podemoscitar: presbiopia, catarata, glaucoma, retinopatia diabéticae a degeneração macular senil. Esta última é uma das causasmais comuns de cegueira irreversível em indivíduos acimade 65 anos. Trata-se de uma doença degenerativa idiopáticada mácula, cuja prevalência aumenta progressivamente coma idade: 0,2%, 1%, 5% e 13% nas faixas etárias entre 55-64anos, 65-74 anos, 75-84 anos e > 85 anos, respectivamen-te. Existem alguns fatores de risco documentados: (1)idade > 55 anos; (2) tabagismo; (3) exposição solar prolon-gada; (4) raça branca; (5) hipertensão arterial e aterosclero-se; (6) cirurgia de catarata; (7) dieta pobre em vitaminas erica em gordura. A doença se caracteriza histopatologica-mente por: (1) formação das drusas: nódulos eosinofíliosque se depositam entre a membrana de Bruch e o epitéliopigmentar da retina, (2) atrofia geográfica e degeneração doepitélio pigmentar da retina ao nível da mácula, que setorna despigmentado e pode atingir a fóvea, (3) neovascu-larização coroideana (presente apenas em um subtipoda doença): formação de neovasos provenientes dos corio-capilares que se infiltram pela membrana de Bruch, desco-lando o epitélio pigmentar e acumulando-se no espaço su-bretiniano, provocando edema macular, exsudato lipídico,hemorragia macular e posteriormente cicatriz maculardisciforme. A neovascularização coroideana é a maior res-ponsável pelos casos de cegueira da doença! A patogênese

da degeneração macular senil é desconhecida, mas postula-se que fatores oxidativos provoquem alterações degenera-tivas no epitélio pigmentar retiniano, que permite a criaçãode vazamentos na membrana de Bruch e os demais compo-nentes da síndrome. Existem dois subtipos de degeneraçãomacular senil: (1) tipo atrófico ou “seco”, (2) tipo exsuda-tivo ou “úmido” ou neovascular.

Degeneração macular senil atrófica(“seca”)

Também chamada de forma não exsudativa ou nãoneovascular, é responsável por 80% dos casos, emboratenha um curso muito mais benigno que a outra forma e,portanto, raramente causando cegueira. É caracterizada pelapresença de múltiplas drusas, atrofia geográfica macular efocos de hiperpigmentação macular. As drusas podem serde dois tipos: (1) “drusas duras”: nódulos pequenos decontornos regulares, e (2) “drusas moles”: nódulos maio-res, de contornos irregulares. A presença de “drusas mo-les” e de focos de hiperpigmentação macular aumenta orisco de evolução para a forma exsudativa da degeneraçãomacular senil. Como achado isolado, as “drusas duras”costumam ser assintomáticas e de bom prognóstico... Namaioria das vezes, não progridem para sintomas visuais,daí alguns autores referirem para esses casos o termo “ma-culopatia senil”, ao invés de degeneração macular senil...Clinicamente, o paciente evolui insidiosamente (ao longode vários anos) com sintomas de maculopatia. A metamor-fopsia é a apresentação inicial mais comum, detectado pre-cocemente pelo teste da grade de Amsler.

Outros sintomas são discromatopsia parcial, glare (visãoofuscada pela luz) e borramento progressivo da visão cen-tral, atrapalhando principalmente a leitura e o ato de dirigirveículos. A doença começa unilateral, mas pode progredirpara acometimento bilateral. Em muitos casos, tende aestabilizar-se, sem comprometer significativamente a acui-dade visual do paciente. Entretanto, pode eventualmenteprogredir ou transformar-se subitamente na forma exsuda-tiva (neovascular) da doença! O diagnóstico é confirmadopela oftalmoscopia direta ou indireta (FIGURA 8), naqual observa-se as drusas como múltiplos depósitos ma-culares arredondados de tonalidade amarela e uma área ge-ográfica de atrofia macular despigmentada. Como vimos,podem ser notados também focos maculares de hiperpig-mentação.

Degeneração senil exsudativa(neovascular, “úmida”)

Embora seja a forma menos comum da doença, é aquelamais frequentemente associada a sintomas visuais limitantese a causa mais comum de cegueira da degeneração macularsenil. A característica principal desta forma é o acúmulo de

exsudato, hemorragia ou neovascularização coroideanano espaço subretiniano, sendo esta última a grande res-ponsável pelo mau prognóstico visual destes pacientes.Ao contrário da forma atrófica, o subtipo exsudativo dadegeneração macular senil manifesta-se agudamente, comintensa metamorfopsia e perda progressiva da visãocentral ao longo de semanas ou meses. Um escotomacentral ou paracentral (inicialmente incompleto, mas de-pois completo) é um achado típico. Pacientes com estetipo de sintomatologia devem procurar imediatamente ava-liação de um oftalmologista! A oftalmoscopia direta ouindireta pode sugerir ou confirmar com frequência o diag-nóstico, embora a angiografia com fluoresceína seja opadrão-ouro. Os achados oftalmoscópicos, observados naregião da mácula, são (FIGURA 8): drusas, exsudatos ama-relos confluentes, hemorragia subretiniana ou uma manchacinza-esverdeada (representado a neovascularizaçãosubretiniana ou membrana neovascular). A angiografia comfluoresceína (FIGURA 8) confirma a presença da neovas-cularização, pelo extravasamento tardio do corante, for-mando uma grande área macular de hiperfluorescência. Alesão neovascular é classificada em “clássica” ou “oculta”,de acordo com a intensidade e homogeneidade dafluorescência. Deve ser ainda categorizada em justafoveal,subfoveal e extrafoveal, a título de orientação terapêutica.

Tratamento

O objetivo do tratamento é conter a progressão da doença.Daí a importância do reconhecimento e início precoce daterapêutica, pois, uma vez ocorrido uma perda importanteda acuidade visual, esta costuma não se reverter... A tera-pia antioxidante é um importante elemento da terapêuti-ca. Estudos recentes demonstraram benefício desta terapiano subtipo atrófico (“seco”) de grau moderado ou avança-do e no subtipo exsudativo (neovascular). Deve ser feitacom a associação de vitamina C 500 mg + vitamina E 400U+ beta-caroteno 15 mg, tomados 1x/dia, de preferência coma parada do tabagismo. As recomendações atuais para aterapia antioxidante na degeneração macular senil são: (1)múltiplas drusas de tamanho intermediário, (2) pelo me-nos uma drusa de grande tamanho, (3) atrofia do epitéliopigmentar extrafoveal, (4) subtipo exsudativo(neovascular).

A terapia intervencionista é um componente fundamentaldo tratamento do subtipo exsudativo (neovascular)! Exis-tem duas modalidades terapêuticas: (1) fotocoagulação alaser térmico: indicada apenas nas membranas neovascu-lares “clássicas” extrafoveais; o laser é aplicado sobre alesão, provocando coagulação dos neovasos e lesão per-manente da retina suprajacente; (2) terapia fotodinâmi-ca: indicada nas membranas neovasculares “clássicas” ou“ocultas” com sintomas progressivos, de localizaçãosubfoveal; após a injeção venosa do corante verteporfina,um laser fotoativador é aplicado; este laser não lesa a reti-na, agindo apenas nos vasos coroides impregnados pelasubstância. Os resultados da terapia intervencionista sãobons, no sentido de evitar a progressão da perda visual.Recentemente, duas opções terapêuticas têm surgido. Ainjeção intravítrea de um inibidor do VEGF (fator de cres-cimento vascular endotelial), chamado pegaptanib mos-trou resultados semelhantes aos da terapia fotodinâmica.A cirurgia de translocação macular também está trazendoresultados promissores...

7. Outras maculopatias

Miopia degenerativa ou patológica: causa relativa-mente frequente de cegueira, sendo caracterizada poruma grave miopia (> -6,0D) que evolui a partir da faseadulta para alongamento progressivo do globo ocular,com a formação de um estafiloma (protrusão escleral)no pólo posterior, que provoca uma grave maculopatia,

Fig.8: Degeneração macular senil.

Forma atrófica:múltiplas drusas e hiperpigmentação central

Forma exsudativa:múltiplas drusas, exsudatos,neovascularização coroideana (seta)

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RETINOPATIAS 85

com rotura da membrana de Bruch, atrofia coroide eneovascularização subretiniana. Além da maculopatia,estes pacientes também podem apresentar outros pro-blemas oculares, como estrabismo, glaucoma de ângu-lo aberto, catarata precoce e descolamento de retinaregmatogênico. A doença é praticamente exclusiva daraça branca e duas vezes mais comum em mulheres,possuindo importante predisposição familiar. A incidên-cia é maior nas síndromes hereditárias de Marfan e deEhler-Danlos. Não há terapia comprovadamente eficazpara prevenir a progressão do estafiloma e degeneraçãomacular, embora alguns autores recomendem o uso docolírio de atropina em crianças com este tipo de mio-pia... A detecção de neovascularização subretiniana deveindicar a terapia fotodinâmica ou fotocoagulação a laser.O glaucoma deve ser tratado precocemente com colíriosredutores da PIO.

Edema macular cistoide (FIGURA 9): uma condiçãosecundária a uma série de causas, tais como pós-cirur-gia de catarata (causa mais comum) ou capsulotomia aYAG-laser, uso abusivo de colírios de epinefrina e aná-logos da prostaglandina para o glaucoma, maculopatiadiabética, oclusão da veia central da retina, retinite pig-mentosa, uveíte posterior, par splanite, membranaepiretiniana e descolamento posterior do vítreo. Após acirurgia de catarata (síndrome de Irvine-Gass), cercade 3% dos pacientes terão esta complicação dentro doprimeiro ano. O edema forma-se pelo extravasamentode fluido dos capilares parafoveais e tem como patogê-nese provável a liberação de radicais livres e de prosta-glandinas pelo efeito da fototoxicidade da luz do micros-cópio cirúrgico. O mecanismo vasogênico e citotóxicopode explicar o edema cistoide decorrente das outrascausas...Os sintomas são de uma maculopatia insidio-sa, com borramento progressivo da visão central. A of-talmoscopia pode sugerir o diagnóstico, que deve serconfirmado pela angiografia com fluoresceína, demons-trando a típica imagem de hiperfluorescência petalada.A maioria dos casos da síndrome de Irvine-Gass resolvedentro de 6-12 meses. Nos casos persistentes, ou comsintomatologia grave, o tratamento clínico é necessário.Este é realizado com colírios de corticoide (a cada 2henquanto acordado, por 3 semanas) ou de AINE, eventu-almente sendo necessário o uso da prednisona eindometacina por via oral.

Maculopatia diabética: causa relativamente comumde doença macular e será melhor descrita adiante, em“retinopatia diabética”.

Buraco macular senil (FIGURA 9): afecção idiopáticade prognóstico visual reservado, caracterizada pelo sur-gimento de um defeito atrófico na fóvea (centro da mácu-la), apresentando-se com o desenvolvimento subagudode um escotoma central e perda progressiva da acuida-de visual. A patologia geralmente é unilateral, ocorrendoem indivíduos > 60 anos, duas vezes mais comum emmulheres. A patogênese é controversa, embora a traçãoda retina macular pela contração degenerativa do corpovítreo seja a hipótese mais provável. O diagnóstico éfeito pela oftalmoscopia, revelando uma lesão redondavermelho viva com bordos elevados. O tratamento dos

estágios iniciais é realizado com vitrectomia e liberaçãodas aderências vítreo-maculares, evitando a progressãodo déficit visual.

Toxicidade ocular pela cloroquina (FIGURA 9): umatemida complicação do uso crônico deste antimaláriconas doenças reumáticas. Além de diplopia e depósitoscorneanos, a cloroquina (e em menor grau, a hidroxiclo-roquina) pode provocar uma maculopatia de evoluçãoinsidiosa, caracterizada pela lesão “em olho-de-boi” (cen-tro hipopigmentado e bordas hiperpigmentadas) na of-talmoscopia. O quadro manifesta-se com metamorfop-sia, discromatopsia e queda da acuidade visual. O paci-ente em uso de cloroquina ou de hidroxicloroquina pre-cisam de avaliação oftalmológica a cada 3 meses, paraa detecção precoce do problema. A perimetria (campovisual) e a oftalmoscopia podem revelar achados incipi-entes, indicando a suspensão da droga. Uma vez insta-lada a lesão típica, geralmente o dano visual se tornairreversível!!

Membrana epiretiniana (FIGURA 9): desordem idi-opática que pode ocorrer em indivíduos com mais de 50anos e se apresenta com metamorfopsia, borramentoda visão central e redução lentemente progressiva daacuidade visual (quadro muito semelhante à degenera-ção macular senil, seu principal diagnóstico diferenci-al). A membrana é formada pela proliferação das célu-las gliais, ou de Müller, aderente à superfície da mem-brana limitante interna na região macular. A contraçãoglial provoca um enrugamento progressivo macular eeventual edema cistoide, comprometendo a visão emgraus variados. O diagnóstico pode ser obtido pela of-talmoscopia (enrugamento macular, vasos retinianosdistorcidos em “saca-rolhas”, branqueamento macular),embora o exame padrão-ouro seja a angiografia comfluoresceína. O tratamento é reservado quando a acui-dade visual é inferior a 20/100, utilizando-se davitrectomia com retirada parcial da membrana; os re-sultados são variáveis.

8. Retinite pigmentosa(FIGURA 9)

O termo “retinite pigmentosa” inclui um grupo de doençashereditárias que têm em comum a degeneração progressivados fotorreceptores e do epitélio pigmentar da retina. Naverdade, não há “retinite” (inflamação da retina) e o termomais correto seria “retinopatia pigmentosa”... A doençaafeta 1 a cada 4.000 indivíduos e pode possuir três formasde herança genética: autossômica recessiva (mais comum),ligada ao X (forma quase exclusiva dos homens) e autossô-mica dominante (menos comum). Na forma recessiva, esti-ma-se uma prevalência em torno de 1% de portadores as-sintomáticos do gene implicado na desordem. A apresenta-ção clínica da doença pode variar, independente do genótipo,sendo a forma mais comum a chamada distrofia bastonete-cone, na qual a degeneração inicial e primária tem comoalvo os bastonetes. Como os bastonetes predominam naretina periférica, a doença manifesta-se com os sinais e

sintomas de uma retinopatia periférica. Infelizmente, aretinite pigmentosa quase sempre acomete ambos osolhos e de forma simétrica! Na maioria das vezes, aretinite pigmentosa (RP) é um distúrbio isolado. Contudo,pode também fazer parte de uma síndrome congênita ougenética. Os principais exemplos são:

- Síndrome Usher (RP + surdez neurossensorial),

- Síndrome de Bardet-Biedl (RP + baixa estatura + obe-sidade + polidactilia + retardo mental),

- Síndrome de Basen-Kornzweig ou abetalipoproteine-mia (RP + esteatorreia + ataxia)

- Síndrome de Kearns-Sayer (leve RP + oftalmoplegia+ proptose + bloqueio AV total).

Nos casos típicos, os primeiros sintomas geralmente sãopercebidos entre 10-30 anos de idade. O déficit visual élentamente progressivo, ao longo de anos, embora a acui-dade visual (dependente da mácula) seja poupada até asfases mais avançadas da doença. O primeiro sintoma rela-tado é a nictalopia (“cegueira noturna”): o paciente temdificuldade para enxergar à noite, no crepúsculo ou emqualquer ambiente escuro ou de baixa iluminação (ex.: cine-ma, teatro), pois os bastonetes da retina periférica estãodegenerados e estas são as células responsáveis pela visãonoturna. Isso se torna particularmente problemático paradirigir veículos à noite, no final da tarde, sob nevoeiro ousob chuva forte. Muitas vezes, o primeiro sinal percebidopelo paciente é a má adaptação visual quando passa de umambiente de alta para um de baixa iluminação. Alguns paci-entes também referem glare (ofuscamento da visão pelaluz), tendo também dificuldades em ambientes deluminosidade muito alta. O segundo sintoma a se apresen-tar é o escotoma anular, que prejudica a meia visão peri-férica. Este escotoma vai aumentando lentamente (5 grauspor ano, em média) em direção à periferia, determinandouma tunelização da visão. Nesse momento, o pacientecomeça a esbarrar em vãos de porta, objetos ou pessoas aoseu lado, embora consiga ler perfeitamente, já que a acuida-de visual ainda é boa. Ao longo de muitos anos, a tendênciaé a progressão da tunelização, até comprometer tardia-mente a função macular, com redução da acuidade visual.Muitos pacientes com retinite pigmentosa estão legalmen-te cegos (acuidade inferior a 20/400) por volta dos 40 anosde idade.

Na abordagem ao paciente, é importante ressaltar que adoença está muito associada a patologias ocularescorrigíveis, como a catarata subcapsular posterior pre-coce e a miopia. Alguns casos também podem apresentaredema macular cistoide secundário.

A oftalmoscopia indireta binocular pode fazer o diag-nóstico, ao encontrar achados clássicos. O mais típico de-les é o encontro de pontos de hiperpigmentação em forma

Fig.9: Outras maculopatias.

Buraco macular:lesão vermelha redonda na fóvea

Membrana epiretiniana: vasosdistorcidos, branqueamento macular

Edema macular cistoide:fluoresceína

Maculopatia por cloroquina:lesão em “olho de boi”

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MEDGRUPO - 201486

suem grandes limitações em suas atividades cotidianas,sendo uma pessoa praticamente normal. Porém, podemser vetados a tirar carteira de motorista (por dificuldadescom os sinais de trânsito) ou a assumir determinadas pro-fissões, como a de piloto de viação aérea. O diagnóstico éfacilmente confirmado pelos testes para visão a cores,utilizando telas policromáticas formadas por pontos dediversas cores criando figuras (ex.: números). Os testesmais utilizados são os de Ishihara (FIGURA 10), de Hardy-Rand-Rittler e de Stilling. Um indivíduo normal consegueenxergar a figura corretamente, mas o daltônico não conse-guirá discerni-la em algumas telas. Analisando a respostado paciente a vários tipos de tela policromática, pode serdeterminado com precisão o tipo de “cegueira para cores”apresentado.Tipos raros de “cegueira para cores” são a tritanopia (ce-gueira para o azul e incapacidade de diferenciar o azul doamarelo) e a cegueira total para cores (acromatopsia, mo-nocromatismo), no qual a pessoa enxerga em preto e bran-co, além de apresentar nistagmo, intensa fotofobia, glare ebaixa acuidade visual, devido à deficiência total de cones.Não podemos esquecer que existe a discromatopsia ad-quirida, que pode ter como casusas as maculopatias (ex.:degeneração macular senil), a neurite óptica e a disfunçãomacular medicamentosa (cloroquina, etambutol. etc.).

10. Retinopatia diabética(FIGURA 12)

É a terceira causa de cegueira em adultos no Brasil e acomplicação crônica mais comum do diabetes mellitus!Sem um controle glicêmico rígido, a retinopatia diabéticaocorre em quase 100% dos diabéticos tipo 1 e em 50-80%dos diabéticos tipo 2. Estes percentuais certamente sãobem menores naqueles pacientes com terapia antidiabéticaadequada e manutenção da hemoglobina glicosilada abaixode 7%. A retinopatia diabética é decorrente de distúr-bios da microcirculação retiniana, portanto, uma re-tinopatia vascular. O acúmulo dos AGE (produtos da

de “espículas ósseas” na retina periférica (FIGURA 10).Outros achados são: atenuação dos vasos retinianos, clare-amento de fundo na retina periférica (atrofia do epitéliopigmentar), papila óptica de aspecto pálido e céreo. Adoença pode ser diagnosticada antes de ocorrerem as alte-rações na fundoscopia, sendo o eletrorretinograma oexame padrão-ouro, ao medir os potenciais elétricos doscones e bastonetes, após estímulo luminoso, com um ele-trodos fixado na córnea e eletrodos posicionados na regiãoperiorbitária. Na forma típica da doença, há uma reduçãoimportante da atividade elétrica dos bastonetes. O chama-do teste de adaptação ao escuro também está alteradoprecocemente, revelando baixo limiar. A perimetria é outroexame fundamental e suas alterações também precedem osachados oftalmoscópios. Enquanto no glaucoma o melhormétodo é a perimetria computadorizada, na retinite pig-mentosa a perimetria de Goldman traz resultados maisconfiáveis para demonstrar o escotoma anular e a tuneliza-ção. A angiografia com fluoresceína é solicitada em pa-cientes com baixa acuidade visual, para detectar um possí-vel edema macular cistoide associado (FIGURA 10).

Infelizmente, a retinite pigmentosa não tem trata-mento comprovadamente eficaz, embora estudos tenhammostrado um pequeno benefício do uso regular de palmitatode vitamina A 15.000 U/dia, que pode reduzir discreta-mente a velocidade de progressão do déficit visual. O

aconselhamento genético é fundamental, bem como o en-caminhamento para profissionais especializados na pres-crição de métodos de auxílio visual (FIGURA 10). Naretinite pigmentosa, os telescópios reversos, óculos comprismas, escópios para visão noturna, filtros antiglare, sãomodalidades que podem melhorar muito a capacidade vi-sual do paciente.

9. Daltonismo e outras discromatopsias(FIGURA 11)

O daltonismo é o tipo mais comum (99% dos casos) dediscromatopsia (“cegueira parcial para cores”) hereditária,acometendo cerca de 8% da população. O paciente daltô-nico consegue enxergar a maioria das cores, apresentandoapenas uma incapacidade no reconhecimento do vermelho(protanopia) ou do verde (deuteranopia). O distúrbiofoi descrito pelo cientista inglês John Dalton, em 1794,sendo ele mesmo um daltônico... No daltonismo, o pacien-te tem uma deficiência hereditária dos cones para o verme-lho ou para o verde. A síndrome tem uma herança genéticaligada ao X, sendo encontrada quase sempre em homens,embora cerca de 0,5% das mulheres sejam daltônicas (ho-mozigotas). Os indivíduos daltônicos geralmente não pos-

Escotoma em anel

Telescópioreverso

Fig.10: Retinite pigmentosa.

Retinite pigmentosaEdema macular cistoide

Fig.11: Daltonismo protanópico (teste de Ishihara):visão normal (esquerda); visão do paciente (direita). Fig.12: Retinopatia diabética (RD) e suas diversas fases.

RD não proliferativa precoce:exsudatos “duros”, microaneurismas

RD não proliferativa avançada:Veias em rosário, IRMAs (setas)

RD proliferativa:Neovascularização (setas)

Maculopatia diabética:Exsudatos “duros” em voltada mácula, edema macular

RD não proliferativa avançada:Hemorragias, manchas

algodonosas

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RETINOPATIAS 87

retinopatia hipertensiva por si não costuma ocasionar ne-nhum déficit visual. Entretanto, sabemos que a hiperten-são arterial com retinopatia hipertensiva é um fator derisco para a doença vascular oclusiva retiniana (arterial ouvenosa) e para a atrofia isquêmica da papila óptica. Exis-tem dois tipos de retinopatia hipertensiva: (1) retinopa-tia hipertensiva crônica (tipo mais comum), associada àhipertensão crônica assintomática, e (2) retinopatia hi-pertensiva maligna, associada a uma entidade chamadahipertensão acelerada maligna, uma síndrome mais comumem indivíduos de meia-idade (40-50 anos) e que respondepor 1% dos hipertensos. Está associada à nefroesclerosehipertensiva maligna e alto risco para encefalopatia hiper-tensiva e edema agudo de pulmão. O achado clássico daretinopatia hipertensiva crônica é o cruzamento arterio-venoso patológico, observado na oftalmoscopia e sendoconsiderado confirmatório para o diagnóstico. O espessa-mento da parede das arteríolas retinianas, devido à arterio-loesclerose hialina hipertensiva, explica os cruzamentospatológicos, pois na retina as arteríolas e veias dividem amesma adventícia em pontos de cruzamento, justificandoa compressão venosa pela arteríola espessada. Outros acha-dos: estreitamento e tortuosidade arteriolar e dilataçõesvenosas focais adjacentes ao cruzamento arteriovenoso.As alterações vasculares da retinopatia hipertensiva se con-fundem com as da arterioloesclerose senil, que pode serencontrada mesmo em idosos não hipertensos. Neste caso,a característica mais importante é o aumento do brilhoarteriolar. Quando avançada, a arterioloesclerose senil de-termina a presença arteríolas com aspecto em “fio de co-bre” ou em “fio de prata” (o estágio mais avançado). Aretinopatia hipertensiva maligna é marcada pela vasocons-tricção arteriolar difusa e edema retiniano pela quebra dabarreira de autorregulação do fluxo vascular. A oclusão demicrovasos explica o aparecimento de manchas algodo-nosas (microinfartos na camada de fibras ganglionares)associadas à presença de hemorragias em chama de vela(focos hemorrágicos na camada de fibras ganglionares). A

glicosilação avançada, ou seja aminoácidos ou proteínasque sofreram glicosilação irreversível) e a propensão à trom-bose microvascular constituem os principais mecanismospatogênicos propostos. Outro dado importante é a grandeassociação entre retinopatia e nefropatia diabética (quasesuperficiais, na camada de fibras ganglionares). Todos aque-les que têm nefropatia também apresentam retinopatia)...Por razões desconhecidas, a gestação pode agravar a doen-ça retiniana diabética... A retinopatia diabética geralmenteé bilateral, embora assimétrica.

Existem três tipos de retinopatia diabética: (1) retinopatianão proliferativa, (2) maculopatia diabética, (3) retinopa-tia diabética proliferativa. Vamos descrevê-los...

Retinopatia diabética não proliferativa(FIGURA 12)

As alterações patológicas principais estão na microvascu-latura retiniana: (1) perda de células endoteliais e de pericitos,(2) degeneração e espessamento da membrana basalendotelial. As lesões provocam fraqueza dos microvasos eum aumento da permeabilidade vascular, o que pode levarao edema retiniano ou macular, e formação de microaneu-rismas e de exsudatos. A oftalmoscopia direta e indiretapodem detectar as alterações. Na fase precoce, encontra-mos microaneurismas (pequenos pontos vermelhos),exsudatos “duros” (pequenos nódulos amarelados dematerial lipoproteináceo extravasado) e hemorragias pun-tiformes (pequenos pontos vermelhos, localizados pro-fundamente na retina sensorial e difíceis de serem diferen-ciados dos microaneurismas pela oftalmoscopia). Na faseavançada, um outro mecanismo patogênico começa a semanifestar: a isquemia retiniana. A oclusão de microvasospor pequenos trombos causam sangramento e lesões isqu-êmicas pontuais na retina. Os marcos desta fase são ashemorragias em chama de vela (manchas vermelhas lo-calizadas superficialmente na camada de fibras gangliona-res) e as manchas algodonosas (microinfartos da camadade fibras ganglionares). Estes achados são idênticos aos daretinopatia hipertensiva estágio III, embora, ao contrárioda retinopatia hipertensiva, as lesões da retinopatia diabé-tica são numerosas, múltiplas. Outros achados desta fasesão as veias em rosário e as anormalidades microvas-culares intraretinianas (IRMA). Pacientes com sinaisoftalmoscópicos de retinopatia não proliferativa avançadaapresentam grande chance (50% em 1 ano) de evoluirempara retinopatia proliferativa! Sem afetar a mácula, a reti-nopatia não proliferativa geralmente cursa assintomáticaou com leve prejuízo à visão, sob a forma de escotomasperiféricos múltiplos no campo visual.

Maculopatia diabética(FIGURA 12)

É uma das principais causas de grave deficiência visual emdiabéticos. Ocorre devido ao extravasamento de fluido peloaumento da permeabilidade capilar, provocando edemada mácula, entremeado a hemorragias e exsudatos. Algu-mas vezes, este edema pode evoluir com características deedema macular cistoide. O paciente começa a notar me-tamorfopsia, borramento visual, escotoma central e im-portante redução da acuidade visual.

Retinopatia diabética proliferativa(FIGURA 12)

À medida que a doença avança, a isquemia retiniana setorna mais acentuada, surgindo um novo mecanismopatogênico: a neovascularização retiniana. A isquemiaativa a interação de fatores angiogênicos (IGF-1, VEGF)que são liberados em diversas locais da retina. Os neovasospodem ser reconhecidos na oftalmoscopia e formam-se apartir das veias retinianas, geralmente adjacentes ou ao

nível da papila óptica, embora possam também aparecerdistantes da papila. Os neovasos estão na camada superfi-cial da retina e tendem a infiltrar a face posterior do corpovítreo. Com o tempo, começam a sofrer degeneração fibro-sa, provocando aderência vítreo-retiniana, especialmenteao nível da mácula. O corpo vítreo também degenera, con-traindo-se progressivamente. A perda visual na retino-patia diabética proliferativa geralmente é abrupta, de-corrente de dois mecanismos: (1) hemorragia vítrea, pelarotura dos neovasos, (2) descolamento de retina, quepode ser do tipo tracional não regmatogênica (a contraçãovítrea repuxa a retina macular, descolando-a) ou regmato-gênica, após a formação de um rasgo retiniano localizadono pólo posterior.

Triagem, Diagnóstico e Tratamento

A retinopatia diabética só se instala após 5 anos do inícioda hiperglicemia. Diabéticos tipo 1 (início da doença bemdelimitado) merecem a primeira avaliação oftalmológicaapós 5 anos do diagnóstico, enquanto que diabéticos tipo2 (início da doença indeterminado) precisam ser avaliadosdesde o momento do diagnóstico. A triagem é feita comoftalmoscopia direta. Na ausência de retinopatia, a avalia-ção é repetida anualmente. O achado de lesões sugestivasna oftalmoscopia direta indica uma nova avaliação por of-talmoscopia indireta e angiografia com fluoresceína.Este é o exame padrão-ouro para confirmar o edema macular(hiperfluorescência), a presença de áreas isquêmicas(hipofluorescentes) e da neovascularização retiniana. Ocontrole glicêmico rígido está sempre indicado, emborasó traga benefício na fase precoce da retinopatia diabéticanão proliferativa, retardando ou prevenindo a sua progres-são para estágios mais avançados. A retinopatia não proli-ferativa avançada, a maculopatia sintomática e a retinopa-tia proliferativa não sofrem influência evolutiva pelo con-trole glicêmico. Um ponto a ressaltar é a eventual pioraprovisória da retinopatia diabética no primeiro anode insulinoterapia, precipitando o surgimento de novasmanchas algodonosas. De suma importância também é ocontrole da pressão arterial, dando-se preferência paraos inibidores da ECA. Estudos demonstraram que mantera PA abaixo de 130 x 80mmHg pode retardar a progressãoda retinopatia e nefropatia. O tratamento específico estáindicado para a maculopatia diabética e para a retinopatiaproliferativa. baseia-se da fotocoagulação com laser deargônio. Na maculopatia, os feixes de laser são aplicadosna região parafoveal, e geralmente promovem a regressãodo edema. Na retinopatia proliferativa, a fotocoagulaçãopanretiniana é a estratégia: sob anestesia tópica, realiza-se 1.200-2.000 na retina extramacular, criando pontos atró-ficos, visíveis à oftalmoscopia. O objetivo é reduzir a massaretiniana isquêmica e, portanto, a produção dos fatores an-giogênicos. O resultado é a regressão e estabilização dosneovasos. De uma forma geral, a terapia com laser re-duz em 95% o risco de cegueira ou grave déficit visual!!

Outras alterações oculares no diabetes

O diabetes mellitus aumenta o risco de catarata e glauco-ma. Um tipo raro de glaucoma (o glaucoma neovascular)encontra-se associado à retinopatia diabética proliferativa.A neovascularização da íris e do ângulo iridocorneano pro-vocam um glaucoma de ângulo fechado de difícil tratamen-to. A hiposensibilidade da córnea e a neuropatia do III parcraniano são outras alterações encontradas em diabéticos.

11. Retinopatia hipertensiva(FIGURA 13)

Representa uma das mais frequentes lesões de órgão-alvona hipertensão arterial crônica, ocorrendo em 15% doscasos. Embora seja de suma importância para classificar eestabelecer o prognóstico e tratamento dos hipertensos, a

Fig.13: Retinopatia hipertensiva.

RH crônica: estreitamento e aumento do brilhoarteriolar, cruzamentos AV patológicos (setas).

RH maligna: espasmo arteriolar, hemorragias,exsudatos, papiledema.

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diferenciação entre a retinopatia hipertensiva maligna e aretinopatia diabética pode ser difícil e as duas podem in-clusive coexistir. Porém, na retinopatia hipertensiva, asmanchas algodonosas e as hemorragias são em pequenonúmero, há cruzamentos AV patológicos e não se formamexsudatos “duros” (daí o nome “retinopatia seca”), en-quanto que na retinopatia diabética, as lesões são geral-mente múltiplas, não há cruzamentos AV patológicos enota-se um grande número de exsudatos “duros” (“retino-patia úmida”). Outros achados fundoscópicos na retino-patia hipertensiva maligna: papiledema (provocado porisquemia papilar aguda ou pela hipertensão intracranianade uma encefalopatia hipertensiva associada), constricçãoarteriolar difusa, edema macular e manchas de Elschnig(manchas brancas devido à necrose e atrofia do epitéliopigmentar retiniano). Ao contrário da retinopatia hiper-tensiva crônica, a retinopatia hipertensiva maligna podecausar sintomas visuais, como cefaleia, escotomas, fotop-sia, metamorfopsia e borramento visual. A retinopatiahipertensiva pode ser classificada de acordo com a suagravidade. Existem duas classificações utilizadas na prática:

Classificação de Scheie(separa as alterações hipertensivas daquelas da arteri-oloesclerose senil)

HipertensivasGrau I: estreitamento arteriolar discretoGrau II: estreitamento arteriolar importante com tortuosidadeGrau III: Grau II + hemorragias e manchas algodonosasGrau IV: Grau III + papiledema

Arterioloesclerose senilGrau I: aumento discreto do brilho arteriolarGrau II: aumento importante do brilho arteriolarGrau III: “fios de cobre”Grau IV: “fios de prata”

Classificação de Keith-Wagener-Barker(não separa as alterações hipertensivas daquelas daarterioloesclerose senil)

Grau I: estreitamento, tortuosidade ou aumento do brilhoarteriolarGrau II: cruzamento AV patológico ou “fios de cobre” ou“fios de prata”Grau III: Grau II + hemorragias e manchas algodonosasGrau IV: Grau III + edema de papila secundário a hiper-tensão (ou papilopatia hipertensiva).

Não há indicação de tratamento específico para a retino-patia hipertensiva. O médico deve se concentrar no con-trole da hipertensão arterial, com o principal objetivo deevitar o surgimento ou a progressão de outras lesões deórgão-alvo. Os eventuais sintomas visuais da retinopatiahipertensiva maligna costumam reverter com o controlecuidadoso da crise hipertensiva.

12. Oclusão da veia central da retinaou de seus ramos(FIGURA 14)

A obstrução do sistema venoso retiniano é um evento rela-tivamente comum, sendo a terceira causa de retinopatiavascular, perdendo apenas para a retinopatia hipertensivae diabética. É mais comum em indivíduos entre 50-70 anosde idade, sem preferência de sexo. Os fatores de riscoprincipais são: idade avançada, retinopatia hipertensiva,diabetes mellitus, aterosclerose, glaucoma de ângulo aber-to e síndromes trombofílicas (ex.: síndrome do anticorpoantifosfolpídio). Na grande maioria das vezes, a oclusão éunilateral. O mecanismo de oclusão venosa é a trombosena lâmina cribiforme da papila óptica. A associação com adoença arteriolar retiniana é de patogênese desconhecida,

mas postula-se que a doença obstrutiva crônica da artériacentral da retina provoque um fluxo turbulento nesta arté-ria, causando disfunção e proliferação endotelial que atingea veia adjacente. O quadro clínico se apresenta com redu-ção da acuidade visual indolor unilateral, em grau variado.A oftalmoscopia direta ou indireta sela facilmente o diag-nóstico, por apresentar diversos achados clássicos: (1) he-morragias nos quatro quadrantes de distribuição radial,à partir da papila (tanto as hemorragias em chama de velaquanto as puntiformes são encontradas), (2) manchas al-godonosas múltiplas, (3) veias tortuosas e dilatadas,(4) papiledema, e (5) edema macular. Este pode evoluirsob a forma de edema macular cistoide. É fundamental arealização da angiografia com fluoresceína, não para odiagnóstico, mas sim para classificar a oclusão da veia cen-tral da retina em dois grandes grupos: (1) isquêmica e (2)não isquêmica. O primeiro tipo possui prognóstico pior,especialmente pelo fato de evoluir rapidamente para glau-coma neovascular de ângulo fechado, a complicação maistemida da oclusão venosa da retina!!

O tipo não isquêmico (oclusão venosa parcial) respondepor 80% dos casos. O paciente se apresenta com reduçãoda acuidade visual (borramento) indolor unilateral, de evo-lução aguda, algumas vezes com flutuação do déficit visu-al. O reflexo fotomotor está preservado. Comparada aotipo isquêmico, a oftalmoscopia revela hemorragias e man-chas algodonosas em menor número. A angiografia comfluoresceína revela uma área de não-perfusão (hipofluo-rescência) inferior a 10 diâmetros papilares e dema macu-lar discreto. A temida complicação da neovascularizaçãoda íris e ângulo iridocorneano não ocorre, a não ser que asíndrome se converta posteriormente para o tipo isquêmico,o que pode acontecer em 15% dos casos nos próximos 6meses.

O tipo isquêmico (oclusão total) representa 20% doscasos, mas possui prognóstico sombrio. O paciente refere

perda visual abrupta indolor unilateral, muitas vezes en-xergando apenas vultos e luzes com o olho afetado. Oreflexo fotomotor está frequentemente abolido, embora oconsensual esteja preservado. A oftalmoscopia mostra umgrande número de extensas hemorragias e manchas algodo-nosas. A angiografia com fluoresceína confirma o di-agnóstico do tipo isquêmico, ao revelar não-perfusão(hipofluorescência) numa área de mais de 10 diâmetrospapilares e edema macular pronunciado. A isquemia retini-ana difusa, pelo mesmo mecanismo descrito na retinopatiadiabética (fatores angiogênicos), provoca o surgimento deneovascularização retiniana e do segmento anterior do olho,em 60% dos casos. Sem tratamento adequado o glaucomaneovascular de ângulo fechado desenvolve-se rapidamen-te nos primeiros 3 meses, se apresentando com dor ocular,cefaleia e agravamento do déficit visual. Uma outra com-plicação do tipo isquêmico é a hemorragia vítrea (seextensa, indica uma vitrectomia...). O tratamento dependedo tipo, isquêmico versus não isquêmico. Não há nenhumaterapia comprovadamente eficaz para reverter a trombosevenosa retiniana e evitar a isquemia e o déficit visual. Por-tanto, os pacientes com o tipo não isquêmico devem ape-nas ser observados e acompanhados de perto com oftal-moscopia e angiografia fluoresceínica. Por outro lado, osindivíduos com o tipo isquêmico devem ser tratados comfotocoagulação panretiniana (mesmo procedimento daretinopatia diabética proliferativa), para a regressão dosneovasos do segmento anterior ocular e prevenir o glauco-ma. A intervenção pode ser feita profilaticamente ou ape-nas após a detecção dos neovasos na íris, durante o acom-panhamento mensal inicial (primeiros 6 meses). Uma vezinstalado, o glaucoma neovascular é de difícil controle, mui-tas vezes sendo necessária a enucleação ocular...

Oclusão de um ramo venoso da retina: é um evento 3vezes mais comum que a oclusão da veia central!! Emborapossua os mesmos dados epidemiológicos (idade, fatoresde risco) que a oclusão central, o fator mais implicado na

Fig.14: Oclusão vascular da retina e seus tipos.

Oclusão da veia centralOclusão de ramo venoso

Oclusão de ramo arterialOclusão da artéria central

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RETINOPATIAS 89

oclusão de um ramo venoso é a retinopatia hipertensiva,com cruzamento AV patológico. A obstrução parcial veno-sa ao nível do cruzamento e a influência da turbulência dofluxo arteriolar podem desencadear trombose venosa lo-cal. Geralmente, o ramo ocluído é o responsável pela co-bertura de um quadrante da retina, mas também existemcasos de oclusão do ramo venoso logo após a primeirabifurcação da veia central, determinando a chamada oclu-são hemi-central venosa da retina... O paciente pode seapresentar desde assintomático até uma perda visual acen-tuada, dependendo do grau de acometimento macular. Oprognóstico visual é bem melhor que o da oclusão central,mas em 20% dos casos desenvolve-se neovasculariza-ção retiniana, necessitando de terapia intervencionista(fotocoagulação).

13. Oclusão da artéria central da retina ou de seusramos (FIGURA 14)

Trata-se de um raro evento oftalmológico, registrado em 1a cada 10.000 pessoas. É mais comum em indivíduos entre55-65 anos e com uma relação 2:1 homem/mulher. O me-canismo é a oclusão da artéria central retiniana, ao nível dalâmina cribiforme da papila óptica, determinando isque-mia e, após cerca de 2h, infarto de quase toda a retina.Lembre-se: a irrigação retiniana é feita por dois sistemasvasculares, ambos originários da artéria oftálmica: (1) arté-ria central da retina, responsável pela nutrição dos 2/3mais internos, até a camada plexiforme externa, e (2) cori-ocapilares da coroide, irrigando o 1/3 mais externo da reti-na, especificamente o epitélio pigmentar, a camada dosfotoreceptores e a camada nuclear externa. Estes dois sis-temas não possuem anastomose colateral, portanto, sem ofluxo proveniente da artéria central, a maior parte da retinaneural sofrerá grave isquemia e necrose. O mecanismo daoclusão na maioria das vezes é supostamente a trombose,geralmente em uma artéria doente por aterosclerose ouarterioloesclerose. Daí o fato da idade avançada, a retino-patia hipertensiva e a retinopatia diabética serem impor-tantes fatores de risco. Em 30-40% dos casos, o mecanis-mo parece ser embólico, cuja fonte pode ser a carótida(mais comum), a aorta ou o coração. Uma causa rara é aarterite temporal (arterite de células gigantes); esta entida-de costuma causar oclusão dos ramos ciliares posterioresque irrigam o nervo óptico ou da própria artéria oftálmi-ca... Clinicamente, o paciente apresenta uma perda visualabrupta indolor unilateral. Em 10% dos casos, o doenterelata episódios prévios de amaurose fulgaz. O olho afeta-do enxerga apenas vultos e luzes. O reflexo fotomotorpupilar está abolido, embora o consensual esteja preserva-do. A oftalmoscopia revela, após minutos a horas do iníciodos sintomas, os seguintes achados: palidez difusa daretina, predominando na mácula, atenuação e afinamentoarteriolar, segmentação da coluna sanguínea, e a famosamancha vermelho-cereja na fóvea (lembre-se que a fóvearecebe vascularização exclusiva dos coriocapilares, por-tanto, é poupada nesta desordem). A angiografia com fluo-resceína confirma o diagnóstico ao demonstrar hipofluo-rescência característica. Mesmo com o tratamento, o prog-nóstico visual do olho afetado é péssimo. A perda da visãonão costuma reverter, tornando-se permanente. Cerca de1/3 dos pacientes apresenta discreta melhora da acuidadevisual comparada à da apresentação clínica. Há relatosraríssimos de recuperação visual significativa. Embora nãotenha comprovada eficácia, a terapia é indicada em caráterde urgência, baseada em relatos isolados de sucesso. Asmedidas visam reduzir a pressão intraocular na tentativade facilitar o fluxo arterila retiniano. Massagem ocular se-guida de súbita descompressão, associada a paracentese dacâmara anterior são medidas rotineiras. O uso de trombo-líticos venosos ou injetados na artéria oftálmica porcateterismo tem sido aplicado em alguns estudos, com re-sultados promissores... Uma complicação que pode con-

tribuir para agravar o déficit visual pré-existente e provo-car sintomas é o glaucoma neovascular (de ângulo fecha-do), decorrente da neovascularização da íris e ângulo irido-corneano, que ocorre em até 20% dos casos de oclusão daartéria central da retina.

Oclusão de um ramo arterial da retina: é um eventomais raro ainda do que a oclusão da artéria central da retina.Provocando palidez setorizada na oftalmoscopia e o súbi-to aparecimento de um escotoma em um quadrante docampo visual. A síndrome também costuma ser unilateral eter os mesmos fatores de risco da oclusão da artéria cen-tral, embora a proporção de casos embólicos seja maior (2/3 dos casos). O êmbolo quase sempre é visível à oftalmos-copia. As fontes são as mesmas referidas acima, e episódi-os prévios de amaurose fulgaz são referidos em 30% doscasos. Um tipo especial de embolia de ramo arterial daretina é a placa de Hollenhorst, representando um êmbo-lo de colesterol (ateroêmbolo) proveniente da aorta oucarótida. Isso pode ocorrer como evento isolado ou fazendoparte da síndrome do ateroembolismo por colesterol (insu-ficiência renal aguda, crise hipertensiva, isquemia e gangre-na de dígitos, mialgias, livedo reticularis e eosinofilia).

III - DOENÇAS DO NERVO ÓPTICO

A anatomia do nervo óptico e papila foi descrita com deta-lhes no capítulo de glaucoma... Este nervo penetra na re-gião posterior do globo ocular, sendo visualizado na fun-doscopia como a papila óptica: um disco amarelado decerca de 1,5 mm de diâmetro e 1 mm de elevação, plano, debordos bem definidos e com uma discreta escavação cen-tral (inferior a 1/3 do diâmetro do disco). Todas as fibrasdos neurônios ganglionares da retina (cerca de 1 milhão)desembocam na papila óptica, curvando-se para traz ecaminhando pelo corpo do nervo em direção ao sistemanervoso central. Um suporte fibroso à papila é dado pelalâmina cribiforme, fenestrada para permitir a passagemdos axônios do nervo. O nervo óptico é o II par craniano,entretanto este nervo faz parte do sistema nervoso central,sendo revestido pelas meninges e contendo fibrasmielinizadas dependentes de oligodendrócitos (células gliaisdo SNC). O espaço subaracnoide (liquórico) acompanha onervo até a papila, quando apresenta um recesso anterior.O nervo óptico é dividido em porções: (1) papila, (2)orbitária, (3) intracanalicular (quando passa pelo forameóptico), (4) intracraniana. As três últimas porções consti-

tuem a porção retrobulbar do nervo óptico. A vasculariza-ção do nervo difere entre as suas porções... Papila: artériasciliares posteriores e da pia máter provenientes do círculode Zinn e artérias retinianas; Orbitária: artéria central daretina e ramos da pia máter; Intracanalicular e intracrania-na: artéria oftálmica.

1. Sinais e sintomas

Os sinais e sintomas das doenças do nervo óptico ou dapapila óptica simulam aqueles encontrados nas maculopa-tias, embora existam importantes diferenças. A reduçãoda acuidade visual é o sintoma principal, pelo compro-metimento das fibras provenientes da mácula, sendo a prin-cipal semelhança com as maculopatias. Quando a perdavisual é grave, a diferenciação clínica é difícil, mas quandoa queda da acuidade visual é parcial, algumas característi-cas dos sintomas visuais divergem entre as duas síndro-mes... Como vimos, nas maculopatias, predomina ametamorfopsia (distorção da imagem) e o glare (ofuscamentoda imagem pela alta iluminação ambiental). Já nas lesõesdo nervo óptico, os sintomas predominantes são a perdado contraste, o escurecimento da imagem e uma dis-cromatopsia (FIGURA 15) mais acentuada (perda da sa-turação das cores). Os escotomas (defeitos no campo vi-sual) são distúrbios visuais comuns às maculopatias e do-enças do nervo óptico. Contudo, nas primeiras, o clássicoé o aparecimento de um escotoma central ou paracentral,enquanto que nas últimas, os escotomas são menos pro-nunciados e variáveis, relatados como pequenos escotomasmúltiplos ou defeitos visuais de morfologia indeterminada.Somente com o uso da perimetria computadorizada, osescotomas das doenças do nervo óptico podem ser melhorcaracterizados. O mais típico é o escotoma centrocecal(FIGURA 15), defeito em forma de halteres, que se esten-do do ponto cego (correspondente à projeção da papila)em direção temporal e ultrapassando o centro visual paradepois curvar-se para cima ou par abaixo. Outros tipos deescotoma encontrados são: escotomas altitudinais (tri-angulares limitados a um quadrante), escotomas centrais eparacentrais. Os exames complementares são necessáriospara o diagnóstico: (1) teste da acuidade visual: tabela deSnellen; (2) reflexo fotomotor e consensual: o reflexofotomotor está reduzido ou abolido, enquanto que oconsensual está preservado; pode ocorrer o fenômeno daspupilas de Marcus-Gunn: o examinador ilumina a pupilado olho afetado, que sofre discreta miose (reflexo fotomotordeficiente); em seguida ilumina o olho normal, produzindomiose mais acentuada do olho doente (reflexo consensual

Neurite ópticaaguda:elevação ehiperemia papilar

Fig. 15: Neurite óptica e papiledema.

Discromatopsia grave: visão normal; visão discromática

Papiledema

Atrofia óptica: branqueamentoda borda temporal da papila

Escotoma centrocecal

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preservado); imediatamente depois, ilumina de novo o olhoafetado, que então sofre lenta e parcial dilatação pupilar(ou seja, as pupilas apresentam contração e dilatação alter-nados com o estímulo luminoso; (3) oftalmoscopia dire-ta: observar as características da papila óptica; emborapossa parecer normal em algumas patologias (ex.: neuriteretrobulbar), podemos observar alterações importantes nacoloração (hiperemiada na neurite aguda ou pálida na bor-da temporal na atrofia) e nos bordos (borrados na neuriteóptica aguda e no papiledema); (6) teste da saturação decores: encontra-se bastante alterado nesses pacientes, sen-do o teste de Farnsworth-Munsell o mais utilizado; (3)perimetria computadorizada: avaliar os escotomas típi-cos ou sugestivos; (4) potencial visual evocado: verificara velocidade de condução pelo nervo óptico, reduzida tipi-camente na neurite desmielinizante.

2. Neurite óptica(FIGURA 15)

É uma rara desordem acometendo basicamente mulheres(3:1) entre 20-50 anos e da raça branca. É causada pordesmielinização aguda do nervo óptico, ocorrendo sob aforma idiopática ou associada à esclerose múltipla, umadoença neurológica autoimune desmielinizante das fibrasdo sistema nervoso central. A neurite óptica quase sempreé unilateral, em sua apresentação. O paciente manifesta-se com redução abrupta da acuidade visual, ao longo dehoras ou dias, associada à discromatopsia acentuada, es-curecimento visual e escotomas. O prejuízo à acuidadevisual varia desde discreto borramento até a perda quasecompleta da visão. Cerca de 90% dos casos cursam comdor ocular, geralmente leve, que piora caracteristicamentecom o movimento ocular. Alguns pacientes referemlampejos luminosos quando movimentam os olhos(fosfenos de movimento). O reflexo fotomotor é defici-ente, com o fenômeno da pupila de Marcus-Gunn presen-te. Um dado sugestivo é o fenômeno de Uhthoff: exacer-bação dos sintomas visuais após aumento da temperaturaou exercício físico. Em 2/3 dos casos, a neurite é retro-bulbar, apresentando uma papila totalmente normalna oftalmoscopia. Nos 1/3 restante, a neurite afeta a papila(papilite), que se encontra edemaciada (borrada) e leve-mente hiperemiada. Em casos de dúvida, a confirmação éfeita pelo teste do potencial evocado visual, que revelalentificação da condução, combinado com a a realização daressonância magnética da órbita, demonstrando naneurite retrobulbar um aumento da intensidade do sinal emT2. Todo paciente com diagnóstico oftalmológico de neuriteóptica deve ser avaliado por um neurologista e submetidoa exame de líquor e ressonância magnética com gadolíneodo crânio e medula espinhal. A presença de pelo menosduas lesões desmielinizantes indica uma chance de evoluirpara esclerose múltipla de 50% versus 15% (com nenhu-ma ou menos de duas lesões). A neurite óptica isolada é osintoma inicial em 15% dos casos de esclerose múltipla. Odiagnóstico diferencial da neurite óptica desmielinizantedeve considerar as seguintes entidades: neuropatia ópticaisquêmica (geralmente indolor e em pacientes acima de 50anos), oclusão vascular retiniana (fundoscopia totalmentediferente), síndromes compressivas, neurite pós-viral, sar-coidose, sífilis, LES e neurite por HIV. Uma doença bas-tante rara, a doença de Devic (neuromielite óptica), cursacom neurite óptica bilateral e mielite transversa (comparaplegia). Esta doença possui prognóstico reservado. Atendência da neurite óptica é a evolução para melhora es-pontânea, ao longo de 2-3 semanas, embora a acuidadeainda possa melhorar dentro dos próximos 1-2 meses.Embora a recuperação da acuidade visual seja a regra, pe-quenas sequelas visuais são bastante comuns: discroma-topsia, perda do contraste visual, escotomas, respostapupilar deficiente, alterações da papila da fundoscopia epotencial evocado persistentemente alterado. Nos casos

idiopáticos, a doença é monofásica, não ocorrendo geral-mente recidivas... Por outro lado, em pacientes comesclerose múltipla, as recidivas são comuns e, sem o trata-mento adequado, podem deixar déficits visuais sequelaresprogressivos e atrofia óptica, detectada à fundoscopiapela palidez, especialmente na sua porção temporal. Otratamento depende da associação ou não com a esclerosemúltipla definida ou com sinais que indicam um risco mai-or da doença vir a se desenvolver. Aqueles com neuriteóptica idiopática, com nenhuma ou menos de duas lesõesna ressonância magnética central, devem ser tratados ape-nas com pulsoterapia com metilprednisolona venosa 1g/dia por 3 dias, seguido de prednisona oral 1 mg/Kg/diapor 15 dias. Esta terapia acelera a recuperação dos sinto-mas e pode reduzir as sequelas visuais e o risco de evolu-ção para esclerose múltipla. Nos casos associados àesclerose múltipla definida ou com duas ou mais lesões naressonância, a terapia deve ser complementada com imu-nomoduladores, tais como o interferon-beta-1a ou o acetatode glatiramer.

3. Neuropatia óptica anterior isquêmica

Você se lembra da arterite temporal? Pois é... A isquemia einfarto do nervo óptico (na papila) é o acometimento ocu-lar típico desta vasculite e que, se não tratada precocemen-te, pode levar á cegueira bilateral! A neuropatia óptica an-terior isquêmica é a causa mais comum de doença do nervoóptico em indivíduos com mais de 50 anos. (enquanto quea neurite óptica desmielinizante é a causa mais comum emidade inferior a 50 anos...). Na maioria das vezes (90% doscasos), não vem associada à arterite temporal, definindo aforma não arterítica (primária), de melhor prognóstico.Nos 10% restantes, é uma complicação da arterite tempo-ral, sendo a forma arterítica (secundária) da síndrome. Apatogênese é a oclusão aguda dos ramos posteriores dasartérias ciliares, ramos da artéria oftálmica. Na formanão arterítica, o mecanismo é desconhecido, mas é prová-vel que a aterosclerose ou arterioloesclerose sejamincriminados, pois os principais fatores de risco para asíndrome são hipertensão arterial e diabetes mellitus.Na arterite temporal, o mecanismo é a vasculite oclusivadas artérias ciliares. A idade média de apresentação é de 60anos na forma não arterítica e de 70 anos na arterite tem-poral, esta última com predomínio em mulheres. O pacien-te se apresenta com redução ou perda abrupta e indolor daacuidade visual, tipicamente unilateral. A acuidade visualgeralmente é superior a 20/200 na forma não arterítica einferior a este valor na forma arterítica. O reflexo fotomotorgeralmente está deficiente (Marcus-Gunn). Na perimetriacomputadorizada, nota-se um escotoma altitudinal noquadrante superior. A oftalmoscopia direta confirma o di-agnóstico, mostrando uma papila edemaciada, hiperemiadana forma não arterítica e pálida na forma arterítica. Astelangiectasias e hemorragias papilares ou peripapilaressão comuns. O principal diagnóstico diferencial antes daoftalmoscopia é a oclusão vascular retiniana. Na formarelacionada á artrite temporal, os outros sintomas dasíndrome estão comumente presentes: cefaleia, nódulostemporais dolorosos, febre, perda ponderal, mal estar,claudicação de mandíbula e episódios prévios de amaurosefulgaz. Contudo, a desordem papilar isquêmica pode pre-ceder tais sintomas... O exame de sangue na forma arteríticaapresenta VHS acima de 50 mm/h. A história natural daforma arterítica revela um prognóstico visual péssimo, comacometimento bilateral (cegueira) e acentuada atrofia óptica(palidez sem edema). O prognóstico da forma não-arteríticanão é tão dramático assim... O tratamento está sempreindicado na forma arterítica (presença de sintomassistêmicos e/ou um VHS acima de 50 mm/h). É iniciadoem carater de urgência, pois não tratado, o risco deevoluir para o acometimento ocular bilateralirreversível é de quase 100%, evento que geralmente

ocorre em dias a semanas!! O paciente é internado erecebe pulsoterapia com metilprednisolona venosa 1 g/dia por 3 dias, seguido por prednisona oral 60-100 mg/diapor 2 semanas, para depois reduzir a dose paulatinamente,mas mantendo o curso de esteroide por 2 anos. A eficáciada corticoterapia em estabilizar a doença está comprova-da! A forma não arterítica não possui tratamento; feliz-mente possui melhor prognóstico, mas com déficit visualparcial na maioria dos casos. A chance de comprometimen-to bilateral é pequena...

4. Atrofia óptica tóxico-nutricionale Neuropatia óptica herditária de Leber

Estas desordens são discutidas no mesmo item por apre-sentarem características clínico-laboratoriais muito seme-lhantes.

Atrofia óptica tóxico-nutricional: a causa clássica destadesordem é o alcoolismo, associado ao tabagismo e defici-ências nutricionais de vitaminas do complexo B (B12, folato,B1 e B2) e aminoácidos sulfurados (metionina e homocis-teína). Sem dúvida predomina em populações carentes...O quadro inicia-se com progressão insidiosa de umaneuropatia óptica bilateral. O primeiro sintoma é uma acen-tuada discromatopsia, seguida pela progressiva queda daacuidade visual e escotomas centrais. O reflexo pupilargeralmente é preservado. O achado mais característico dadoença é visto na perimetria computadorizada: um típicoescotoma centrocecal. A oftalmoscopia é normal na faseprecoce, mas apresenta atrofia óptica localizada na bordatemporal, pelo acometimento preferencial da banda papilo-macular. O reconhecimento precoce da síndrome é impor-tante, pois a recuperação visual só é possível se as medi-das terapêuticas (cessar o alcoolismo e o tabagismo, repo-sição vitamínica) forem instituídas antes da fase avançadada doença. Uma desordem idêntica, mas de instalação maisaguda acontece pela exposição a venenos, como cianeto,monóxido de carbono, clioquinol, chumbo, metanol eetambutol.

Neuropatia óptica hereditária de Leber: uma rara de-sordem mitocondrial genética, de herança ligada ao X (qua-se exclusiva de homens) que se manifesta em adultos jo-vens, entre 20-30 anos. O paciente se apresenta comdiscromatopsia intensa, seguida de perda subaguda daacuidade visual e escotomas centrocecais. Começa em umolho mas logo passa para o outro, tornando-se bilateral. Afundoscopia revela sinais de atrofia óptica (palidez) etelangiectasias parapapilares. Não há tratamento eficazcomprovado.

5. Papiledema(FIGURA 15)

Aí está uma entidade de especial importância para o clíni-co geral e para o neurologista, por fazer parte da frequentee grave síndrome da hipertensão intracraniana. Tumoresintracranianos com efeito de massa, abscessos cerebrais,meningites e a síndrome do pseudotumor cerebri (hiper-tensão intracraniana benigna) são as causas mais implica-das. O paciente se manifesta com cefaleia progressiva, compiora matinal e na posição de decúbito dorsal, associada anáuseas, vômitos e blackouts (escurecimentos visuais monoou bilaterais repentinos, durando segundos). A oftalmos-copia direta faz o diagnóstico, revelando uma papila eleva-da, borrada (bordos indefinidos), perda da escavação cen-tral e hiperemia. à medida que a síndrome progride, surgemhemorragias, exsudatos “duros” e dilatações venosas napapila ou região peripapilar. Se o papiledema se tornarcrônico, pode ocorrer atrofia óptica progressiva, com pali-dez papilar. Como diferenciar o papiledema da neuriteóptica (papilite)? No papiledema, não há dor ocular e

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raramente ocorre redução da acuidade visual oudiscromatopsia. Ou seja, a visão do paciente costuma es-tar preservada! Entretanto, nas formas crônicas, a atrofiaóptica sobrevém, o que pode acarretar déficit visual pro-gressivo...

6. Oftalmopatia de graves

É sabido por todos que a doença de Graves (hipertireoidis-mo autoimune) pode provocar importantes alterações ocu-lares, sob a forma de uma desordem retro-orbitáriainfiltrativa que se manifesta com proptose (exoftalmia),retração palpebral, edema palpebral, quemose, diplopia(oftalmoplegia) e olho seco e vermelho (ceratoconjuntiviteseca). O acometimento geralmente é bilateral. O diagnósti-co inclui a inspeção clínica e a medida da peoptose peloexoftalmômetro. Os sinais descritos acima não precisamocorrer em conjunto e, na verdade, existem vários estágiosde gravidade da doença. O curso da doença geralmente ébenigno e estável, eventualmente marcado por exacerba-ções inflamatórias autolimitadas. Porém, em 8% dos paci-entes, a oftalmopatia se agrava, evoluindo com graves exa-cerbações, abrasões e úlceras corneanas e eventualmentecom a compressão extrínseca do nervo óptico pela infiltra-ção do tecido retroorbitário. Neste caso, surge o que sedenomina neuropatia óptica distireoideana. Um fatorque pode exacerbar a oftalmopatia é a terapia com radiodo.Os sintomas da neuropatia óptica são discromatopsia eperda progressiva da acuidade visual, que eventualmentese instala de forma aguda, como numa exacerbação. Podemocorrer de forma unilateral ou bilateral, uma vez que aoftalmopatia frequentemente é assimétrica. O tratamentodeve ser em caráter de urgência, utilizando-se altas dosesde corticosteroide (metilprednisolona em pulso ou pred-nisona 80 mg/dia), associada à radioterapia local ou cirur-gia orbitária descompressiva.

7. Glioma do nervo ópticoe meningioma do nervo óptico

Glioma do nervo óptico: é um tumor quase sempre benig-no originários das células gliais do nervo. O seu comporta-mento é de um astrocitoma pilocítico de baixo grau, evolu-indo de forma indolente e tendo geralmente um bom prog-nóstico. A maioria dos casos ocorre em crianças, sendo75% com apresentação antes dos 10 anos de idade. Emgeral, localiza-se na porção intraorbitária do nervo, emboraexistem os gliomas intracnaliculares e do quiasma óptico.Possui uma importante associação com uma doença here-ditária chamada neurofibromatose tipo 1 (doença de vonRecklinghausen), de herança autossômica dominante e ca-racterizada pela presença de manchas café-com-leite napele e neurofibromas cutâneos. Cerca de 15% dos pacien-tes com neurofibromatose tipo 1 desenvolvem gliomas donervo óptico e, entre os gliomas, 25% estão associados àdesordem hereditária. A associação de seis ou mais man-chas café-com-leite > 5 mm com o glioma do nervo ópticojá é suficiente para definir a diagnóstico da neurofibromatosetipo 1... Os sintomas se apresentam como proptose(exoftalmia) unilateral, leve estrabismo e nistagmo. Acompressão intrínseca do nervo óptico pode ocorrer emalguns casos, provocando edema da papila, seguido de umaprogressiva atrofia óptica, acompanhada de discromatopsia,déficit visual e reflexo pupilar deficiente. O diagnósticorequer a realização de uma ressonância magnéticaorbitária, que mostrará um espessamento tubular do ner-vo. A presença da neurofibromatose, a localizaçãointraorbitária e a apresentação na infância são sinais debom prognóstico, com crescimento indolente, estabiliza-ção ou até mesmo regressão. Estes casos não indicam in-tervenção cirúrgica, mas apenas um acompanhamento comressonância a cada 6-12 meses. A terapia intervencionista(ressecção cirúrgica) só é indicada em casos de sintomas

visuais, redução da acuidade visual ou exoftalmia acentua-da. Os gliomas posteriores, que afetam o quiasma devemser diferenciados de outras lesões expansivas hipotalâmicas(craniofaringioma, sarcoidose, histiocitose X, etc.). Em ge-ral indicam tratamento cirúrgico, radioterapia ouquimioterapia. A intervenção também costuma ser indicadanos gliomas dos adultos.

Meningioma do nervo óptico: é o segundo tumor primá-rio mais frequente desta região, ocorrendo mais em adultosvelhos. Tem como característica principal o crescimentoextremamente indolente, embora possa causardiscromatopsia e redução progressiva da acuidade visualpor edema e atrofia óptica. Na maioria dos casos a condu-ta é apenas a observação. Em casos de comprometimentoimportante da visão, o tumor pode ser ressecado, emboraos resultados da cirurgia não sejam ideais e exista umachance razoável de recidiva...

IV- UVEÍTE POSTERIOR (CORIORRETINITE) PANUVEÍTE E PARS PLANITE

Como vimos no capítulo de “olho vermelho”, uveíte é ainflamação (infecciosa ou não infecciosa) de uma ou maisporções do trato uveal ou úvea. O trato uveal correspon-de à túnica vascular ou média do olho, formada pela íris,corpo ciliar e coroide. O corpo ciliar, por sua vez, comodestacado no capítulo 1, é dividido em duas porções: (1)pars plicata ou corona ciliaris: porção anterior, adjacenteà iris, que possui uma superfície interna pregueada e con-tendo o epitélio secretor do humor aquoso, e (2) parsplana: porção posterior, não pregueada, em continuidadecom a coroide e ora serrata da retina. De uma forma geral,as uveítes são classificadas em: (1) uveíte anterior (iritesou iridociclites), responsável por 90-95% dos casos, des-crita no capítulo sobre “olho vermelho”; (2) uveíte in-termediária ou pars planite, responsável por 1% doscasos; (3) uveíte posterior ou coroidite, respondendopor 5% dos casos; e (4) panuveíte ou inflamação de todoo trato uveal, com menos de 1% dos casos. Em hospitaisterciários, a frequência relativa dos tipos de uveíte mu-dam, com um grande aumento do percentual das uveítesposteriores e panuveites, que podem representar até 50-60% dos casos...

Patologia

Uveíte posterior = Coriorretinite: A inflamação dacoroide (coroidite), que define a uveíte posterior, dificil-mente está sozinha... O processo inflamatório acometeconjuntamente a coroide e a retina. Por isso, as uveítesposteriores, na verdade, se apresentam como coroidorreti-nites (coriorretinites). A coriorretinite se caracteriza pelapresença de infiltrado inflamatório mononuclear, frequen-temente do tipo granulomatoso. (células gigantes). Osgranulomas costumam se estabelecer na coroide, enquantoque a retina contém inflamação mononuclear e necrose. Aslesões podem ser isoladas (coriorretinite focal) ou múlti-plas ou difusas, sendo constituídas por exsudatos com ousem hemorragias e áreas de cicatriz. Quando atingem amácula, causam grave déficit visual. Diversas lesões se-cundárias podem se desenvolver: edema macular cistoide,descolamento exsudativo da retina, papilite (neuroretinite),vasculite retiniana, periflebite (bainha inflamatória ao re-dor de veias da retina), membrana epiretiniana e neovascu-larização coroideana ou peripapilar. Uveíte posterior evitreíte: o corpo vítreo quase sempre é acometido na uveíteposterior, por contiguidade. A vitreíte se caracteriza pelapresença de grumos leucocitários e proteínas, provocandoturvação vítrea. Pars planite: a inflamação da pars planado corpo ciliar vem sempre acompanhada de intensa

vitreíte, a sua principal característica. Vasculite e periflebiteperiférica da retina são achados comuns. A principal lesãosecundária é o edema macular cistoide, provavelmente de-corrente da vitrite posterior. Panuveíte: forma grave deuveíte, na qual a reação inflamatória (geralmentegranulomatosa) afeta a corioretina (coriorretinite), o vítreo(vitreíte) e o segmento anterior (iridociclite).

Etiologia

A uveíte posterior (coriorretinite) possui diversas cau-sas, cuja frequência relativa varia na literatura internacio-nal. As infecções são responsáveis por 50-90% dos casos.Tanto nas estatísticas mundiais como nas brasileiras, atoxoplasmose ocular se configura como a causa mais co-mum de uveíte posterior. Outras causas infecciosas relata-das de uveíte posterior são: tuberculose, sífilis, citomega-lovirose (na AIDS), histoplasmose, toxocaríase, bartonelose(febre da arranhadura do gato), borreliose, etc. Causas nãoinfecciosas de uveíte posterior são: sarcoidose, doença deBehçet, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada. A uveíte pos-terior também pode ser idiopática. A pars planite na mai-oria das vezes é idiopática (70% dos casos), embora tam-bém possa ser associada à esclerose múltipla, sarcoidoseou borreliose. A panuveíte é uma forma comum de uveíteem hospitais terciários, possuindo diversas causas, embo-ra a forma idiopática seja relativamente frequente, como asíndrome de coriorretinite multifocal com panuveíte. Ascausas secundárias clássicas de panuveíte podem ser in-fecciosas ou não infecciosas, destacando-se: sarcoidose,doença de Behçet, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada,oftalmia simpática, tuberculose, toxoplasmose, toxocaríase.A endoftalmite é diferenciada da panuveíte pela presençade pus (abscesso) no corpo vítreo e câmara anterior, sendocausada por bactérias ou fungos (ver capítulo de “olhovermelho”). É importante ressaltar que existem doençasoculares (“síndromes mascaradas”) que simulam asuveítes posteriores ou panuveítes, destacando-se as neo-plasias oculares, como os linfomas, as leucemias, omelanoma e o retinoblastoma.

1. Sinais e sintomas

Uveíte posterior (Coriorretinite)

A uveíte posterior pode ser unilateral ou bilateral. Ocurso pode ser agudo, subagudo ou crônico (insidioso).As uveítes granulomatosas (toxoplasmose, tuberculo-se, sífilis, histoplasmose, sarcoidose, oftalmia simpática,síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada) são as causas maiscomuns e apresentam via de regra um curso crônico. Clas-sicamente, o paciente se apresenta com uma sensação demoscas volantes ou corpos flutuantes e fotopsia(vitreíte) associada à redução indolor progressiva daacuidade visual (aguda, subaguda ou insidiosa), quepode ter características de uma maculopatia, de uma papilitee/ou de uma vitrite. O comprometimento macular pode seapresentar com metamorfopsia, fotopsia (glare) e escoto-mas centrais ou paracentrais. A papilite manifesta-se comdiscromatopsia, escurecimento visual e escotomas varia-dos. A vitreíte se manifesta com turvação em todo o campovisual. O quadro ainda pode ser complicado com glauco-ma e catarata secundários. Pela ausência de inflamaçãosignificativa no segmento anterior do olho, o paciente ge-ralmente não refere dor ocular, fotofobia ou olho verme-lho. O fator de pior prognóstico numa uveíte posterioré o acometimento macular, pela possibilidade de per-da visual permanente... O exame da lâmpada de fendae a oftalmoscopia indireta formam a base do diagnóstico.O achado clássico durante a atividade da doença é o encon-tro de manchas branco-amareladas (lesõesexsudativas) na fundoscopia, algo obscurecidas pelaturvação vítrea. Dependendo da causa, hemorragias po-

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dem ser observadas entremeadas aoexsudato (ex.: retinite por CMV).Outro achado comum é presençade “células” (grumos leucocitári-os) no vítreo anterior, cuja conta-gem estabelece o grau de atividadeda vitreíte. Se a turvação vítrea nãofor muito acentuada, é possível vi-sualizar maiores detalhes das lesõescorioretinianas. Os exsudatos co-meçam a sofrer cicatrização, for-mando áreas de hiperpigmenta-ção nos bordos das lesões. Outrosachados fundoscópicos encontra-dos: descolamento exsudativo de re-tina, manchas algodonosas (vascu-lites), bainhas perivasculares (pe-riflebite), membranas epiretinianas,edema macular cistoide, hemorra-gia vítrea, papila hiperemiada eedemaciada (papilite, neuroretini-te), neovascularização peripapilarou coroideana. A angiografia comfluoresceína pode fornecer algunsdados importantes, confirmando apresença do edema macularcistoide, das vasculites, periflebi-tes e neovascularização retinianaperipapilar. Estes achados são im-portantes para orientação prognós-tica e terapêutica. A ultrassono-grafia tipo-B é reservada para es-tudar o segmento posterior ocularquando a oftalmoscopia é impos-sibilitada pela opacidade das estru-turas anteriores (ex.: catarata, le-são de córnea).

Pars planite (Vitreíte)

A inflamação da pars plana do cor-po ciliar se apresenta geralmentede forma bilateral, com os sinto-mas clássicos de uma vitrite: mos-cas volantes ou corpos flutuantes,fotopsia e borramento visualdifuso, reduzindo a acuidade visu-al. Turvação e “células” são acha-dos típicos. A técnica da depressãoescleral (identação mecânica) faci-lita o exame da porção retiniana maisperiférica durante a oftalmoscopiaindireta (FIGURA 16). O encon-tro de opacificações brancas em“bola de neve” (snowballs) naretina periférica, aderidas à parsplana ou à ora serrata sela o di-agnóstico. Algumas vezes, estasopacidades soltam-se no vítreo, de-positando-se em sua porção inferi-or, formando a imagem de um “ban-co-de-neve” (snowbank). Umacomplicação da vitreíte grave é oedema macular cistoide, que podedeixar sequela visual... Sinais deuveíte posterior ou anterior(iridociclite) podem ser encontra-dos em alguns casos.

Panuveíte (Coriorretinite,vitreíte e iridociclite)

Esta é a forma mais grave de uveíte.O paciente apresenta os achados

Fig. 16: Principais uveítes posteriores (coriorretinites) e a uveíte intermediária (pars planite).

Coriorretinite portoxoplasma ematividade: observea turvação vítrea

Síndrome deVogt-Koyanagi-Harada, fasecrônica: fundoem “sunset glow”,nódulos deDalen-Fuchs-símiles

Retinite por CMVna AIDS: manchabranco-amareladacom hemorragias(“queijo-com-ketchup”)

Coriorretinitepor toxoplasmaem cicatrização:observe oexsudato comhiperpigmentação

Uveítetuberculosa:granulomacoroideano (lesãoglobular branco-amarelada)

Uveíte sifilítica:vasculites e exsuda-tos retinianos comhiperpigmentação

Necrose aguda daretina (uveíteherpética): manchabranco-amareladaextensa

Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada,fase aguda:descolamento deretina exsudativo(súpero-temporal)

Pars planite:turvação vítreaimportante,“snowballs”,“snowbank”

Uveíte de Behçet:segmento anterior(olho vermelho +hipópio; segmentoposterior (exsudatos +vasculite)

Coriorretinite porToxocara: granulomacoroideano ao nível donervo óptico, causandolesões pregueadas naretina periférica.

Síndrome dahistoplasmoseocular presumida:múltiplos exsudatosbrancaçentos comáreas dehiperpigmentação

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RETINOPATIAS 93

típicos de uma uveíte posterior, com vitreíte acentuada,bem como sinais de uveíte anterior (dor ocular, fotofobia,olho vermelho, hipópio, reação inflamatória na câmaraanterior, precipitados ceráticos em “gordura de carneiro”,nódulos irianos de Koeppe e Busaca). A avaliação etiológi-ca é semelhante à das uveítes posteriores, pois as causassão semelhantes...

Diagnóstico etiológico

O diagnóstico etiológico da uveíte posterior pode ser me-ramente clínico, baseado em achados sistêmicos e a morfo-logia das lesões na fundoscopia. Exemas complementares,como RX de tórax, PPD, FTA-ABS, sorologia para diver-sos agentes, anti-HIV, dosagem da ECA e exame do líquordevem ser solicitados de acordo com cada caso. Avitrectomia diagnóstica é indicada nos casos de uveíteposterior sem etiologia definida. Estudos recentes têm de-monstrado que o método pode fornecer o diagnósticoetiológico em 25-50% dos casos. Raramente é necessáriauma biópsia retinocoroidal, por via transvítrea, para oesclarecimento diagnóstico. Este procedimento geralmen-te é reservado na suspeita das “síndromes mascaradas”(neoplasias).

2. Toxoplasmose ocular

É causa mais comum de uveíte posterior e também umaimportante causa de panuveíte. O agente etiológico é oToxoplasma gondii, um protozoário que se reproduz deforma sexuada e assexuada e possui três formas evolutivas:taquizoíta, oocisto (contendo esporozoítas) e cisto (con-tendo bradizoítas). O hospedeiro definitivo é o felino (gato),que libera oocistos em suas fezes. O homem, bem comodiversos mamíferos, são hospedeiros acidentais do parasi-ta... A infestação humana adquirida ocorre pelos seguin-tes modos: (1) ingestão ou inalação de oocistos presentesno solo, água, leite ou vegetais contaminados; (2) consumode carne malcozida (principalmente suína e ovina) conta-minada com cistos. Uma vez no hospedeiro, os oocistosou cistos infectantes se convertem em taquizoítas (formasativas) que penetram e se proliferam no interior de macró-fagos e monócitos, sendo carreados pela corrente sanguí-nea até os tecidos corporais, parasitando qualquer tipo decélula. O sistema imunológico logo contém a proliferação edestrói grande parte dos taquizoítas, embora alguns se trans-formem em cistos teciduais, contendo uma forma parasitá-ria latente, o bradizoíta. Os principais tecidos que contêmos cistos são o cérebro, músculo esquelético, miocárdio etecido ocular. Na imensa maioria das vezes, a infecção to-xoplásmica adquirida é assintomática e o indivíduo só sa-berá que foi infectado se tiver uma sorologia IgG positivapara o T. gondii. No Brasil, cerca de 70% das pessoas têmsorologia positiva... Numa minoria, a primoinfecção podecausar sintomas, geralmente sob a forma de uma síndromede mononucleose (febre, faringite, adenopatia) de cursoautolimitado. Uma outra forma de transmissão é a congê-nita, através da placenta, a partir de mães portadoras deuma infecção toxoplásmica aguda (IgM positivo). A trans-missão se dá mais frequentemente no terceiro trimestre degestação, com uma taxa de 60%, mas pode ocorrer tambémno primeiro ou no segundo trimestres. A toxoplasmosecongênita pode tomar duas formas: (1) forma neonatal ounos primeiros meses de vida (50% dos casos): síndromedo grupo TORCH, apresentando-se com coriorretinine,estrabismo, microcefalia, calcificações cerebrais, retardopsicomotor, hepatoesplenomegalia, etc.), (2) sequela oureativação tardia (coriorretinite), na infância ou adolescên-cia (50% dos casos). Quanto mais cede na gestação ocorrera transmissão, maior a chance de a toxoplasmose congênitaassumir a forma neonatal grave ou mesmo provocar umaborto espontâneo... Existem duas formas de toxoplasmo-se ocular: (1) congênita, (3) adquirida. A forma congênita

costuma ser bilateral e pode ocorrer ao nascimento ou pri-meiros meses de vida (juntamente a outros comemorativosda síndrome TORCH) ou se manifestar como sequela oureativação na infância ou adolescência, geralmente entre10-30 anos de idade. A forma adquirida ocorre após aprimoinfecção em um adulto, na fase aguda ou na fasecrônica (por reativação), sendo geralmente unilateral e pre-dominando em indivíduos entre 30-50 anos. Estima-seque após adquirir a infecção a chance de toxoplasmoseocular esteja em torno de 9% ao longo dos próximos 7anos. A coriorretinite toxoplásmica pode ser um achadocasual na fundoscopia em um indivíduo assintomático ouse apresentar com sintomas... O acometimento ocular maiscomum é a uveíte posterior (coriorretinite necrosante fo-cal) com vitreíte. O paciente se manifesta com a sensaçãode moscas volantes ou corpos flutuantes, fotopsia e redu-ção indolor subaguda ou insidiosa da acuidade visual. Ossintomas podem ser unilaterais (forma adquirida) ou bila-terais assimétricos (forma congênita). Na fase inicial, oachado clássico na oftalmoscopia é a presença de manchasbranco-amareladas na retina obscurecidas por turvação ví-trea. As lesões secundárias clássicas de uma uveíte poste-rior podem ser encontradas: papilite, edema macularcistoide, descolamento exsudativo de retina, neovasculari-zação coroideana, vasculite e periflebite. Em alguns casos,a toxoplasmose ocular apresenta-se como uma panuveíte,com sinais e sintomas de uveíte posterior, vitreíte e uveíteanterior (dor ocular, fotofobia, olho vermelho, etc.). Oencontro de uma única lesão branco-amarelada combordos irregulares, com áreas periféricas de hiper-pigmentação (cicatriciais) praticamente confirma odiagnóstico! A sorologia é solicitada para complementara investigação, sendo fundamental nos casos duvidosos.Se o IgG for negativo, o diagnóstico está descartado; se forpositivo, um IgM deve ser solicitado para confirmá-lo nocontexto de uma primoinfecção aguda. Raramente um mé-todo invasivo é necessário, como o aspirado do humoraquoso ou vítreo para a pesquisa do PCR. A tendêncianatural da coriorretinite toxoplásmica é a resolução espon-tânea ao longo de 1-2 meses, embora deixando áreascicatriciais hiperpigmentadas na retina. Se houver com-prometimento da mácula, o paciente terá um dano visual(geralmente parcial) permanente. Este desfecho é mais co-mum na forma congênita (maior acometimento macular)do que na forma adquirida. As recidivas são comuns (80%),geralmente dentro dos próximos 5 anos e com lesões adja-centes à lesão anterior. Neste caso, a fundoscopia mostraráuma lesão ativa (branco-amarelada) ao lado de uma lesãocicatricial (hiperpigmentada). O tratamento é indicado nasseguintes situações: (1) primoinfecção comprovadamenterecente (IgM positivo), (2) lesões em atividade por maisde 1 mês, (3) redução da acuidade visual, (4) lesão macularou peripapilar, (5) lesões maiores do que um diâmetropapilar, (6) múltiplas lesões em atividade, (7) sinais deinflamação vítrea moderada a grave. Ou seja, quase todosos casos sintomáticos da toxoplasmose ocular devem sertratados. O esquema terapêutico de escolha é a combina-ção sulfadiazina 1 g a cada 6h + pirimetamina 100 mgde ataque e 25-50 mg/dia de manutenção, durante 4-6 se-manas. Uma alternativa seria a clindamicina 300 mg acada 6h durante 3 semanas. A associação de corticoidesistêmico (prednisona 40 mg/dia) é recomendada pormuitos especialistas para o controle da inflamação. Algunsautores também recomendam a profilaxia secundária comsulfametoxazol-trimetoprim 160/800 mg 1 vez a cada 3dias por período indeterminado para a prevenção de reci-divas. A prevenção da toxoplasmose congênita é funda-mental. Toda gestante deve ser acompanhada no pré-natalcom sorologia para T. gondii. Se for constatada infecçãoaguda (IgM positivo), deve receber tratamento com espi-ramicina 3 g/dia por 3-4 semanas ou até o parto. As dro-gas convencionais possuem potencial teratogênico... A to-xoplasmose ocular em pacientes imunodeprimidos (AIDS,

transplantados), geralmente por reativação, costuma teruma forma mais agressiva de coriorretinite, com lesõesmais extensas, comprometimento ocular bilateral e recidi-vas frequentes. Frequentemente vem associada à toxoplas-mose sistêmica e cerebral e exige terapia prolongada.

3. Retinite por citomegalovírus (CMV)

O citomegalovírus (CMV) é um vírus DNA da famíliaherpesviridae de alta prevalência na população humanamundial. Estima-se que cerca de 40-90% dos adultos se-jam portadores assintomáticos do vírus (IgG positivo). Atransmissão pode ocorrer através do contato direto entrecrianças ou por transmissão sexual entre adultos. A preva-lência da infecção aumenta com a idade, sendo maior noshomossexuais. O CMV também pode ser transmitido pe-las vias perinatal, transfusão sanguínea e transplante deórgãos. Tal como todo vírus da família herpesviridae, oCMV possui a propriedade de permanecer latente nas cé-lulas humanas (monócitos, granulócitos, endotélio), po-dendo reativar em caso de imunodepressão linfocitária. Viade regra, a infecção pelo CMV é assintomática em indiví-duos imunocompetentes, embora em alguns casos, umasíndrome de mononucleose autolimitada possa se apre-sentar. O grande problema do CMV é nos pacientes imu-nodeprimidos, como os transplantados e os indivíduoscom AIDS. Somente na AIDS, o este vírus pode provocara manifestação ocular denominada retinite por CMV (oucoriorretinite por CMV). O vírus se prolifera em qualquerregião do tecido retiniano, produzindo uma retinite necro-sante focal progressiva. A retinite por CMV é uma compli-cação da fase avançada de imunodeficiência na infecçãopelo HIV, associada a níveis de CD4 < 50/mm3 e eventu-almente < 100/mm3. O uso rotineiro da terapia antiretro-viral combinada, trazendo o CD4 para acima de 200/mm3,tornou esta retinite um evento bastante incomum na eraatual, embora seja uma frequente complicação em indiví-duos com AIDS sem terapia adequada. A doença geralmen-te começa unilateral, mas costuma evoluir para o acome-timento bilateral após alguns meses (50% dos casos em 6meses). Em 30% dos casos, a retinite se associa a manifes-tações sistêmicas da citomegalovirose (esofagite, colite,pneumonite). Aliás, o encontro da retinite ajuda a confir-mar o diagnóstico de citomegalovirose em outros órgãos...Algumas vezes, a retinite por CMV é diagnosticada numafase assintomática, por uma fundoscopia casual. Os casossintomáticos se apresentam com redução insidiosa e indo-lor da acuidade visual, com sintomas de maculopatia, comofotopsia e metamorfopsia, ou de neurite óptica (papilite),como discromatopsia e escurecimento visual. A sensaçãode moscas volantes ou corpos flutuantes e de fotopsia énotada por alguns, embora a vitreíte, quando existente,seja leve. A oftalmoscopia indireta revela uma lesão bas-tante característica (e diagnóstica) da doença: manchabranco-amarelada contendo hemorragias focais (fa-mosa imagem do“queijo-com-ketchup”). A lesão começatipicamente na retina periférica, apresentando tamanhovariado e bordos irregulares, e acompanha a topografia dosvasos retinianos, eventualmente formando bainhas de bran-queamento. A vitreíte está ausente ou é branda, não associ-ada geralmente à turvação vítrea. Os bordos da retiniteavançam lentamente ao longo de meses, quando então alesão pode atingir a mácula ou o nervo óptico, reduzindo aacuidade visual de uma forma irreversível. A lesão da retinitepor CMV pode surgir no próprio nervo óptico, se apre-sentando como uma papilite exsudativa-hemorrágica,com extensão peripapilar. A progressão da retinite, semo tratamento, é a regra, ocorrendo ao longo de sema-nas ou meses. Uma temida complicação, registrada em25-50% na era pré-terapia tríplice anti-retroviral, é o des-colamento de retina regmatogênico, produzindo perdaabrupta da visão por um escotoma cortinado. Há duasdiferenças importantes em relação à coriorretinite por to-

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xoplasmose: (1) presença de hemorragia na mancha exsu-dativa, e (2) ausência de vitreíte significativa. O diagnós-tico é clínico, confirmado pelo aspecto típico da lesão numpaciente com AIDS e CD4 < 100/mm3. O tratamentovisa conter a progressão da retinite, melhorando o prog-nóstico visual e reduzindo a incidência do descolamento deretina. O déficit visual que já ocorreu não reverte coma terapia, por se tratar de necrose retiniana!! Daí a asugestão para se realizar a triagem com fundoscopia regu-lar em todo paciente com CD4 < 100/mm3, de forma adetectar a doença antes da invasão macular e papilar. To-das as drogas existentes com atividade anti-CMV sãovirostáticas, e não virocidas; portanto, contêm a progres-são da retinite por um período de apenas 2-4 meses. Porisso, a necessidade de acompanhamento com fundoscopias(fotografadas) seriadas. Veja as opções de primeira linhapara a terapia de indução: (1) Valganciclovir oral 900 mga cada 12h por 21 dias; (2) Ganciclovir venoso 5 mg/Kg acada 12h por 14-21 dias; (3) Foscarnet venoso 90 mg/Kga cada 12h por 14-21 dias. Todo cuidado é pouco durantea terapia de indução, pelo risco de mielotoxicidade(neutropenia) e insuficiência renal. O cidofovir venoso (5mg/Kg 1x/semana por 2 doses + probenecida oral 2 g 1hantes e 1g 2h e 8h depois) é uma opção alternativa, porémapresenta um alto risco de insuficiência renal e pode tercomplicações oculares (uveíte por cidofovir, hipotoniaocular). A terapia de manutenção é fundamental (profilaxiasecundária), sendo feita com a mesma droga da indução,mas numa dose mais baixa: (1) Valganciclovir oral 900mg 1x/dia; (2) Ganciclovir venoso 5-6 mg/Kg 1x/dia 5x/semana; (3) Foscarnet venoso 90-120 mg/Kg 1x/dia. Paramelhorar a qualidade de vida do paciente e evitar a necessi-dade do implante de um catéter venoso profundo perma-nente, pode-se optar pela manutenção com droga oral(ganciclovir oral 1g a cada 8h ou valganciclovir oral),mesmo quando a indução foi feita com medicação venosa...A terapia antiretroviral tríplice contra o HIV é um com-ponente de suma importância no controle da doença peloCMV!! Aliada a drogas anti-CMV, está associada à con-tenção da retinite por um período muito mais prolongado,com a doença totalmente estabilizada uma vez o CD4 semantendo acima de 200/mm3. Inclusive, a suspensão daterapia de manutenção anti-CMV é permitida após pelomenos 3 meses de CD4 > 200/mm3 com a terapia tríplice!Após a melhora imunológica, raramente pode ocorrer umauveíte de recuperação imune, manifestando-se comointensa vitreíte e edema macular cistoide. Implante ocu-lar de ganciclovir: dispositivo colocado no corpo vítreo(sob anestesia local), capaz de liberar local e continuamen-te o ganciclovir durante 6-8 meses, atingindo concentra-ções oculares maiores do que aquelas alcançadas pela tera-pia sistêmica. A lesão estabiliza completamente duranteeste período, tornando este um método mais eficaz do queos anteriores. Contudo, tem a desvantagem de não contro-lar a progressão da citomegalovirose para o outro olho e assuas manifestações sistêmicas, além de estar associada aeventuais complicações oculares. O implante ocular de gan-ciclovir é indicado principalmente para os casos de recidi-va durante a terapia de manutenção ou na ocorrência deinvasão macular ou papilar, mas sem perda visual impor-tante. O paciente deve sempre usar uma droga oral demanutenção sistêmica, como o ganciclovir oral ou ovalganciclovir oral. O tratamento da recidiva (volta daprogressão da retinite) pode ocorrer pelos baixos níveis deantivirais no olho ou pelo desenvolvimento de resistênciaao antiviral em uso. As opções são: (1) reindução com amesma ou uma outra droga venosa, (2) implante ocular deganciclovir, (3) reindução com terapia combinada venosa(ganciclovir + foscarnet), (4) reindução com fomivirsenintravítreo (330 mg a cada 2 semanas, por duas doses) +valganciclovir ou ganciclovir oral. O fomivirsen é uma dro-ga anti-CMV nova, com atividade contra algumas cepasresistentes do vírus às drogas convencionais.

4. Outras coriorretinites infecciosas

Sífilis ocular (FIGURA 16): a sífilis é uma doença in-fecciosa crônica sistêmica causada pela espiroquetaTreponema pallidum. É um exemplo clássico de doençasexualmente transmissível. Como sabemos, a doença evo-lui em três estágios: sífilis primária (cancro de inoculação),sífilis secundária (após 4-8 semanas do aparecimento docancro) e sífilis terciária (forma tardia, manifestando-se de1 ano a 30 anos depois da primoinfecção). A sífilis latenteé definida pela sorologia positiva em pacientes sem sinaisou sintomas de sífilis. A sífilis precoce refere o períodoinfeccioso de até 1 ano (primária, secundária ou latente),enquanto a sífilis tardia é referente ao período infecciosoacima de 1 ano. Existe ainda a sífilis congênita, fazendoparte do grupo TORCH. A sífilis ocular pode se apresen-tar de diversas maneiras: (1) lesão ulcerada na conjuntiva,representando um cancro primário; (2) conjuntivite crôni-ca, uveíte anterior granulomatosa ou não granulomatosa,episclerite ou esclerite anterior no contexto da sífilis se-cundária; (3) ceratite intersticial na sífilis congênita, quepode se manifestar ao nascimento ou tardiamente; (4) uveíteintermediária (vitreíte isolada); (5) uveíte posterior(coriorretinite); (6) panuveíte, (7) neurite óptica, (8) pupi-las de Argyll-Robertson (perda do reflexo fotomotor emanutenção do reflexo de convergência). A coriorretinitesifilítica costuma ocorrer na sífilis tardia e pode se mani-festar por: (1) vasculite retiniana (manchas algodono-sas), (2) lesões exsudativas branco-amareladas míltiplas,com bordos hiperpigmentados cicatriciais, (3) síndromeretinite pigmentosa-símile, (4) papilite (neuroretinite),(5)doença macular, com exsudatos, edema disciforme ou des-colamento exsudativo, (4) (6) neovascularização retinia-na, (7) oclusão da artéria central da retina. Em pacientesHIV positivos, a sífilis toma um curso mais grave e podecausar acentuada vitreíte sem coriorretinite, ou umacoriorretinite extensa com manchas placoides justapapila-res e angiografia fluoresceínica demonstrando um padrãotipo “manchas de leopardo”. O diagnóstico da sífilis éaventado por uma sorologia não-treponêmica positiva(VDRL positivo) e confirmado pela sorologia anti-treponêmica (FTA-ABS positivo). O exame do liquor éindicado em todos os casos de coriorretinite ou vitreítesifilítica, para avaliar a presença de neurossífilis (VDRLpositivo no líquor), dada a associação entre uveíte posteri-or e neurossífilis. O exame também é indicado em pacien-tes HIV positivos, naqueles sem resposta sorológica aotratamento da sífilis não ocular não neurológica e na pre-sença de qualquer sinal ou sintoma neurológico. O trata-mento depende da forma clínica e do tempo de ocorrência(precoce ou tardia). As opções são a penicilina G benza-tina 2,4 milhões U ou a penicilina G cristalina 3-4 mi-lhões U a cada 4h. Recomendações: sífilis primária e sífilislatente precoce: pen G benzatina em dose única; sífilissecundária: pen G benzatina, 2 doses com intervalo de 1semana; sífilis terciária ou latente tardia: pen G benzatina,3 doses com intervalo de 1 semana; neurossífilis (latenteou sintomática): pen G cristalina por 10-14 dias; sífiliscongênita: pen G cristalina 50.000 U/Kg a cada 8h por 10-14 dias. A resposta ao tratamento é acompanhada com otítulo do VDRL nos meses 3, 6, 12 e 24, esperando-se umaredução em pelo menos 2 títulos no sexto mês e anegativação após 1 ano.

Tuberculose ocular (FIGURA 16): a tuberculose podeacometer os olhos sob a forma de: (1) ceratoconjuntiviteflictenular na TB primária em crianças (raro), (2) uveíteanterior granulomatosa, (3) coroidite ou coriorretinite, (4)pauveíte. A coroidite tuberculosa se apresenta na fundos-copia pela presença de tubérculos ou tuberculomascoroideanos. Os tubérculos são múltiplas lesões arredon-dadas branco-amareladas e o tuberculoma é uma lesão gran-de branco-amarelada que pode ocupar grandes extensões.

A vitreíte é revelada pela turvação vítrea. O descolamentode retina exsudativo é uma complicação comum. O diag-nóstico pode ser claro em um paciente que possui outrosítio de TB no organismo e PPD positivo. Na dúvida, omelhora método é a biópsia retinocoroidal (granilomacaseoso).Tratamento: esquema RIP por 6 meses + predni-sona 60-80 mg/dia por 2-3 meses.

Histoplasmose ocular (FIGURA 16): pode se mani-festar com endoftalmite, granuloma coroideano solitárioou com a famosa síndrome da histoplasmose ocularpresumida. Esta é um a coriorretinite presumivelmentedecorrente de uma reação imunológica aos antígenos dofungo, caracterizando-se na fundoscopia pela presença demúltiplos nódulos branco-amarelados com cicatrizes hi-perpigmentadas, sem vitreíte associada. Duas complica-ções tardias pode acarretar a perda visual: hemorragia ma-cular e neovascularização coroideana.

Coriorretinite herpética (FIGURA 16): uma grave sín-drome de coriorretinite ou retinite é atribuída ao vírus her-pes simplex (HSV) e ao vírus varicela-zóster (VZV). Estasíndrome recebe o nome de necrose retiniana aguda e semanifesta pela rápida e indolor perda da visão em 7-10dias após o início dos sintomas. Por sorte, a entidade ébastante rara, mas tem incidência aumentada em gestantese em indivíduos HIV positivos. A fundoscopia revela tur-vação vítrea (vitreíte) na fase inicial, evoluindo com clare-amento vítreo e aparecimento de uma grande área de necroseretiniana (branqueamento), iniciando-se na retina periféri-ca e depois tomando a mácula e o nervo óptico. Inicialmen-te, a visão é tunelizada e depois a acuidade visual é perdidaou quase perdida. O descolamento de retina regmatogênicoé uma complicação frequente. Na AIDS, a doença se mani-festa sem vitreíte. O diagnóstico é clínico e a terapia deveser instalada em caráter de urgência, com intuito de preve-nir a expansão da necrose e o envolvimento do outro olho,descrito em 1/3 dos casos. O esquema de escolha é oaciclovir venoso na dose de 1.500 mg/m2 a cada 8h por 7dias, seguido por aciclovir oral 2-4 g/dia por 4-6 semanas.

Uveíte por Toxocara canis (FIGURA 16): os ovosdeste verme (“lumbriga do cão”) podem ser ingeridos aci-dentalmente por uma criança (geralmente entre 2-5 anos)brincando no solo contaminado com fezes de filhotes decães. No intestino, a lavra eclode e penetra na mucosa ecorrente circulatória, se disseminando pelos órgãos e teci-dos. A criança pode se infestar de forma assintomática oudesenvolver uma síndrome febril com eosinofilia extrema,denominada larva migrans visceral, que geralmente tomaum curso auto limitado, pois a larva não consegue chegar àfase adulta no hospedeiro acidental. O acometimento ocu-lar é raro. Quando ocorre, manifesta-se com uveíte poste-rior + vitreíte, com o aparecimento de um granulomacoroideano, localizado na retina ou no nervo óptico. Alesão repuxa a retina ao redor, formando lesões pregueadase pode prejudicar a função macular e da papila, determi-nando déficit visual. O diagnóstico é sorológico (ELISA).Como a toxocaríase é basicamente um processo inflamató-rio de hipersensibilidade, o tratamento é baseado no uso decorticoide tópico e sistêmico.

5. Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada

Trata-se de uma síndrome inflamatória granulomatosa ocularidiopática, caracterizada por uma panuveíte crônicarecidivante associada a meningite, disacusia e alteraçõescutâneas. Predomina em indivíduos entre 10-50 anos, deorigem asiática (japoneses, indianos), latino-americanosmiscigenados ou negros, tendo uma preferência para o sexofeminino. A síndrome se desenvolve em fases, instalando-se com uma fase prodrômica (síndrome gripal), passandopela fase de uveíte aguda e evoluindo com a fase da uveíte

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RETINOPATIAS 95

crônica recidivante. Cerca de 1-2 dias após o pródromo, opaciente se apresenta com sintomas de uma panuveítebilateral: dor ocular, fotofobia, olho vermelho, borramen-to visual e metamorfopsia. Após uma resolução inicial dossintomas, o curso da doença toma um caráter recidivante,com surtos de uveíte anterior. Os achados clássicos são osde uma uveíte anterior granulomatosa (“células” e flare nacâmara anterior, nódulos de Koeppe na íris e precipitadosceráticos em “gordura de carneiro”), intermediária ou vitreíte(“células” e turvação vítrea) e posterior (coroidite oucoriorretinite). A uveíte posterior apresenta uma fase agudae uma fase crônica. Na fase aguda, a oftalmoscopia de-monstra uma área de descolamento de retina exsudati-vo bilateral, o grande responsável pela redução da acuidadevisual nestes pacientes, quando afeta a mácula. O achado éconfirmado na angiografia com fluoresceína, que mos-tra múltiplos pontos hiperfluorescentes de distribuiçãodifusa, revelando a exsudação coriorretiniana. Na fase crô-nica, a oftalmoscopia revela despigmentação coroideanadifusa, quando se observa um aumento da vermelhidão evasculatura do fundo ocular, imagem comparada ao verme-lho do por-do sol (“fundo em sunset glow”), associado amúltiplos nódulos branco-amarelados representando a de-generação do epitélio pigmentar ou nódulos de Dalen-Fuchs(acúmulos focais de células epiteliais sob a membrana deBruch). Os achados extraoculares da síndrome: meningi-te asséptica (cefaleia, náuseas e vômitos, sinais menínge-os, pleocitose liquórica), hipoacusia neurossensorial, sín-drome vestibular periférica (zumbido, vertigens) e alte-rações da pele, como vitiligo, alopécia e poliose (pêlos ecílios brancos). O liquor deve ser sempre colhido, poisapresenta pleocitose em 80% dos casos, mesmo sem si-nais e sintomas de meningite. Este dado é importante parao diagnóstico... O diagnóstico se baseia nos achados clíni-cos, oftalmoscópicos, angiografia fluoresceínica e punçãolombar. O tratamento é feito com corticosteroides sistê-micos em altas doses, observando-se uma resposta dramáti-ca e um ótimo prognóstico visual. O esquema inicial é pred-nisona 60-100 mg/dia por 2-3 meses, com desmame gra-dual assim que angiografia fluoresceínica demonstrar a re-solução do descolamento exsudativo. Colírios de corticoi-de e cicloplégicos-midriáticos são associados para a uveíteanterior. Alguns autores recomendam começar o tratamen-to com um pulso de metilprednisolona. Em casos refratá-rios, drogas imunossupressoras podem ser acrescentadas.

6. Outras coriorretinites não infecciosas

Sarcoidose: a sarcoidose é uma doença granulomatosasistêmica autoimune idiopática, que predomina em mulhe-res jovens e indivíduos da raça negra. Pode trazer manifes-tações oculares em até 80% dos casos: (1) uveíte anteriorgranulomatosa, (2) panuveíte, (3) episclerite, esclerite ouconjuntivite, (4) ceratite intersticial. A pauveíte está pre-sente em 30% dos casos de sarcoidose ocular. Manifesta-se com sinais e sintomas de uveíte anterior crônica, intensavitreíte, focos de periflebite e/ou granulomas coroideanos.O tratamento é feito com corticoide sistêmico (predniso-na), com boa resposta.

Doença de Behçet (FIGURA 16): trata-se de uma vas-culite HLA-B51-associada, caracterizada por úlceras oraise genitais recorrentes, pseudofoliculite cutânea e uma gra-ve panuveíte. A manifestação ocular é observada em 70%dos pacientes e geralmente sucede o aparecimento das úl-ceras oro-genitais. Começa unilateral, mas atinge o outroolho, se tornando bilateral, em 1/3 dos casos. Uma dasprincipais características da panuveíte é o forte compo-nente de uveíte anterior, manifestando-se com dor ocular,fotofobia, olho vermelho e intensa reação da câmara ante-rior, com hipópio. A uveíte posterior manifesta-se comvitreíte (turvação vítrea) e uma coriorretinite apresentan-do manchas algodonosas e hemorragias. O curso da uveíte

de Behçet tende a ser recidivante e, sem tratamento, fre-quentemente provoca grave e irreversível dano à visão.Complicações da uveíte anterior, como neovascularizaçãoda íris e ângulo iridocorneano, glaucoma e catarata, contri-buem importantemente para o mau prognóstico. O trata-mento deve ser feito com uso regular de colírio de corticoi-de e cicloplégico-midriático, para o controle da uveíte an-terior, combinado a corticosteroide sistêmico (prednisona30-80 mg/dia) + ciclosporina oral 3-5 mg/Kg/dia + azatio-prina 2,5 mg/Kg/dia).

Oftalmia simpática: uma desordem dramática, mas demecanismo curioso... Após um trauma perfurante monoo-cular, o paciente desenvolve, num período que varia de 10dias a muitos anos, uma panuveíte granulomatosa bila-teral, começando no olho traumatizado (“olho simpatizan-te”) e se estendendo ao outro olho (“olho simpatizado”).O mecanismo parece ser a liberação de antígenos ocultosda úvea e epitélio pigmentar da retina no interior do globoocular, que então passam a ser reconhecidos por célulasdendríticas apresentadoras locais, que iniciam uma potanteresposta imunoinflamatória contra o trato uveal de ambosos olhos. Clinicamente, o paciente apresenta dor ocular,fotofobia, olho vermelho e borramento da visão. Os acha-dos são de uveíte anterior granulomatosa clássica, vitreítee coriorretinite, esta última carcterizada pelo aparecimen-to de nódulos de Dalen-Fuchs, papilite (neurite óptica) edescolamento de retina exsudativo, levando à formação decicatriz macular. O diagnóstico é clínico e o tratamento re-alizado com colírio de corticoide + cicloplégico-midriático,em associação com corticosteroides sistêmicos em dosesimunossupressoras (porednisona 1-1,5 mg/kg), seguido dedesmame até uma dose de 10-20 mg em dias alternados. Aduração total da terapia é de 3-6 meses. Em casos refratá-rios, associam-se drogas citotóxicas-imunossupressoras. Aprevenção da oftalmia simpática é feita pelaenucleação em até 2 semanas após o traumaperfurante. Esta é indicada em caráter de urgência em todotrauma perfurante com grave dano ocular. Uma vez insta-lada a oftalmia simpática, a enucleação não é mais indicada...

Retinocoroidopatia birdshot: uma rara coriorretiniteidiopática bilateral, mais comum em mulheres entre 30-60anos, extremamente associada ao HLA-A29. A fundosco-pia demonstra múltiplos pequenos nódulos em todo o póloposterior, estendendo-se para a retina periférica, que lem-bram a poeira de chumbo que se forma após um tiro deespingarda (daí o nome “birdshot”). Há também sinais devitreíte (turvação vítrea). O paciente se manifesta comborramento visual, moscas flutuantes no campo visual efotopsia. A doença evolui para a formação de edema macu-lar cistoide, com redução progressiva da acuidade visual. Aresposta ao corticoide sistêmcio é variável. Um imunossu-pressor associado pode ser necessário.

7. Pars planite (uveíte intermediária)

É uma forma rara de uveíte (1-5% dos casos), geralmentebilateral, que se manifesta por sinais e sintomas de inten-sa vitreíte (moscas volantes ou corpos flutuantes, fotopsia,borramento de todo o campo visual, “células” e intensaturvação vítrea na fundoscopia, “snowballs” e“snowbank”). É quase sempre idiopática e predomina emindivíduos entre 5-40 anos, sem preferência de sexo. Podeser secundária raramente à esclerose múltipla ou à infec-ção pelo vírus HTLV-1. Foi descrita com detalhes anteri-ormente neste capítulo... A complicação mais temida dapars planite, pela intensa vitreíte, é o edema macularcistoide, o grande responsável pelo déficit visual residual.O tratamento inclui corticosteroide sistêmico (predniso-na 1mg/Kg/dia) + corticoide subcapsular (cápsula deTenon) + vitrectomia. Nos casos, graves, as drogas imu-nossupressoras devem ser acrescentadas.

V - ESCLERITE POSTERIOR

Trata-se de uma rara síndrome ocular que afeta a porçãoposterior da esclera por uma lesão inflamatória difusaimuno-mediada. Corresponde a apenas 10-15% dos casosde esclerite, podendo ou não vir associada à esclerite ante-rior (ver capítulo de “olho vermelho”). Na maioria dasvezes, é idiopática e predomina em indivíduos entre 30-60anos, com predomínio em mulheres. É unilateral em 2/3dos casos e bilateral no 1/3 restante.O grande marco dasíndrome é a intensa dor ocular!! Esta dor costuma serconstante e piora durante a noite e as primeiras horas damanhã, bem como pelo movimento ocular. É referida aonível da órbita e pode irradiar para a face e regiãoperiorbitária. Além da dor, o paciente apresenta reduçãoprogressiva da acuidade visual, devido à compressão donervo óptico e alterações coroidorretinianas associadas,como o descolamento de retina exsudativo macular (com-plicação mais temida) e o pregueamento corioretiniano. Afundoscopia revela intenso papiledema com hemorragiaspapilares ou peripapilares e manchas algodonosas múlti-plas (lembrando a oclusão da veia central da retina...). Oaumento da pressão intraocular pode provocar glaucomasecundário. O tratamento deve ser agressivo e inclui a com-binação de corticosteroides sistêmicos (prednisona 1-1,5mg/kg/dia) com agentes imunossupressores (azatioprina,ciclofosfamida, ciclosporina).

VI - RETINOBLASTOMA (e outros tumores intraoculares)

1. Retinoblastoma

O retinoblastoma é o tumor intraocular mais comum dainfância, ocorrendo em 1 a cada 18.000 nascidos vivos. Éderivado das células germinativas da retina. Existem duasformas: (1) não hereditário (60% dos casos), que se ma-nifesta com tumor unilateral unifocal; (2) hereditário (40%dos casos), manifestando-se geralmente como tumor bila-

Fig.17: Retinoblastoma. Acima: leucocoria (“olhode gato”); Abaixo: fundoscopia mostrando o aspectodo tumor.

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MEDGRUPO - 201496

teral (25% do total de casos de retinoblastoma) e menosfrequentemente unilateral multifocal (15% do total de ca-sos). A desordem é causada por uma inativação mutagênicade ambos os alelos do gene RB1 (cromossoma 13), quecodifica uma proteína supressora tumoral. Na forma nãohereditária, a mutação está presente apenas nas célulasretinianas, enquanto que na forma hereditária, todas ascélulas do indivíduo possuem esta alteração genética. Porconta disso, o retinoblastoma hereditário está associado aum alto risco (até 50%) de surgimento de outros tumoresao longo da vida, sendo os sarcomas os tipos predominan-tes (especialmente o osteossarcoma). A maioria dos casosde retinoblastoma se apresenta ou é diagnosticado em cri-anças com menos de 2 anos de vida, sendo quase todos oscasos restantes diagnosticados até 5 anos de idade. A apre-sentação mais comum é a leucocoria, presente em 60%dos casos!! Este é um termo definido pelo reflexo pupilarbranco (“aspecto em olho de gato”) e pode ser causado pordiversas doenças oculares, que formam a lista de diagnós-ticos diferenciais do retinoblastoma. Causas importantesde leucocoria em crianças de até 2-5 anos de idade são: (1)catarata congênita, (2) toxocaríase ocular, (3) doença deCoats, (4) persistência hiperplásica primária do vítreo(vasculatura fetal persistente). O estrabismo é o segundosinal mais comum de apresentação (20% dos casos). Ou-tras manifestações menos comuns deste tumor são: redu-ção da acuidade visual, inflamação ocular (olho vermelho),hifema não traumático (hifema = sangue na câmara anteri-or), hemorragia vítrea, proptose, celulite orbitária, aniso-coria e heterocromia devido à rubeosis iridis (neovasculari-zação da íris) e glaucoma. O rastreamento diagnóstico deveser realizado de rotina por um oftalmologista em toda cri-ança até 5 anos com história familiar positiva ou qualquersinal sugestivo da doença (ex.: leucocoria, estrabismo). Orastreamento começa ao nascimento e é repetido a cada 3-4 meses até os 5-6 anos de vida... O diagnóstico é realizadopela oftalmoscopia indireta sob anestesia geral. Obser-va-se uma massa branco-acinzentada de aspecto friável nofundo de olho. O complemento é feito com exames deimagem, como a tomografia computadorizada ou a resso-nância magnética. A característica principal é de uma mas-sa intraocular com calcificações. Tratamento: Existem vá-rias opções de tratamento para o retinoblastoma, como aenucleação e as terapias “preservadoras de visão (braqui-terapia, fotocoagulação a laser, crioterapia e quimioterapiasistêmica). A enucleação é indicada apenas nos casos comprognóstico visual proibitivo (amaurose, acometimento donervo óptico, dor ocular, glaucoma secundário) ou nos tu-mores refratários às demais opções terapêuticas. Um im-plante orbitário de hidroxiapatita é colocado em substitui-ção por razões estéticas. Nos casos de tumores pequenos(< 6 mm de diâmetro e < 3 mm de espessura) unilaterais esem metástases, a terapia local ablativa é a melhor opção,realizada com fotocoagulação a laser ou crioterapia.Em tumores bilaterais, está indicada a quimioterapia sis-têmica (carboplatina + vincristina + etoposídio), seguidada terapia local ablativa (estratégia quimioredutora).Tumores unilaterais de bom prognóstico visual, mas degrandes dimensões ou com implantes intraoculares, po-dem ser tratados ou com a estratégia quimioredutora oucom a braquiterapia (para lesões < 15 mm de diâmetro e< 10 mm de espessura). Neste último método, é inseridoum dispositivo intraocular que libera radiação. A radiotera-pia convencional não é método de primeira linha para oretinoblastoma, pelo risco de complicações locais e au-mento do risco de novos tumores malignos no futuro. Sema terapia, a tendência do retinoblastoma é para metástase,geralmente após 6 meses do diagnóstico. Sem controle, iráinvadir todas as estruturas do globo ocular, a órbita, onervo óptico e o sistema nervoso central, determinando amorte da criança em poucos anos. Com a terapia, o prog-nóstico melhora muito, com sobrevida em 5 anos acima de90% e recuperação visual em muitos casos.

2. Outros tumores intraoculares

Outros tumores oculares importantes são o melanomauveal, o carcinoma metastático, o linfoma ocular e a infil-tração leucêmica. O melanoma uveal posterior predomi-na em indivíduos de pele clara, acima de 30 anos, comhistória de exposição solar prolongada. Manifesta-se comomassas marrom-douradas na coroide, detectadas àfundoscopia. Pode ser um achado assintomático num exa-me causal ou se apresentar com borramento visual, escoto-mas, flashes luminosos ou moscas volantes. Se não tratadoprecocemente (fotocoagulação a laser, crioterapia, radiote-rapia ou enucleação/exenteração), pode invadir os tecidoscircunjacentes ou provocar metástases sistêmicas, para ofígado, cérebro, entre outras... Os carcinomas metastáti-cos da coroide estão associados geralmente ao câncer demama ou pulmão e determinam a formação de lesõesamelanóticas (branco-amareladas), achatadas ou arredon-dadas, na coroide, uni ou multifocais. Os linfomas e asleucemias oculares podem simular uma uveíte posteriorou uma panuveíte (“síndromes mascaradas”). Geralmentea manifestação ocular dessas neoplasias está associada àinvasão das meninges ou do SNC. A fundoscopia revelaplacas infiltrativas branco-amareladas distribuídas difusa-mente pela corioretina.

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