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Paulo Hideshi Ogata AVALIAÇÃO DO PERIGO DE COLISÃO ENTRE AERONAVES EM OPERAÇÃO DE APROXIMAÇÃO EM PISTAS DE ATERRISSAGEM PARALELAS Dissertação apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Engenharia Área de Concentração: Sistemas Digitais Orientador: Prof. Livre-Docente João Batista Camargo Júnior São Paulo 2003

Ogata

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Dissertação Aeronaves

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  • Paulo Hideshi Ogata

    AVALIAO DO PERIGO DE COLISO ENTRE

    AERONAVES EM OPERAO DE

    APROXIMAO EM PISTAS DE

    ATERRISSAGEM PARALELAS

    Dissertao apresentada Escola

    Politcnica da Universidade de

    So Paulo para obteno do

    Ttulo de Mestre em Engenharia

    rea de Concentrao:

    Sistemas Digitais

    Orientador:

    Prof. Livre-Docente Joo Batista Camargo Jnior

    So Paulo 2003

  • i

    Dedico este trabalho aos meus pais Elvira e Seitti,

    a minha esposa Elaine e aos meus filhos Juliana e Thiago.

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    Ao amigo e orientador Prof. Dr. Joo Batista Camargo Jnior pela orientao

    desde o incio desta dissertao, pelas diretrizes seguras e permanente

    incentivo na elaborao deste trabalho.

    A minha me e ao meu pai pelo total apoio a minha formao e incentivo pela

    busca do conhecimento e da verdade.

    A minha esposa e aos meus filhos pela compreenso, apoio e incentivo na

    realizao deste trabalho.

    Ao Major Eno Siewerdt Atech, Tecnologias Crticas, pela colaborao e

    suporte nas atividades relacionadas ao setor do transporte areo desenvolvidas

    no grupo de Anlise de Segurana (GAS).

    Ao estagirio Andr Ricardo Koeppl pela colaborao nas simulaes.

  • iii

    RESUMO

    Esta pesquisa apresenta uma contribuio para a avaliao dos nveis de perigo em

    sistemas crticos de segurana. Neste trabalho proposta a modelagem de uma

    ferramenta de auxlio tomada de deciso com base na avaliao do nvel perigo de

    coliso entre duas aeronaves em operao de aproximao em pistas de aterrissagem

    paralelas (UCSPA Ultra Closely Spaced Parallel Approaches). Esta ferramenta

    apresenta resultados promissores, em termos da anlise na minimizao do

    espaamento entre as pistas paralelas, de acordo com o nvel mximo de perigo

    regulamentado pelo setor. Esta ferramenta tem como base um modelo dinmico de

    duas aeronaves em operao de aproximao no cenrio UCSPA, sob condies

    meteorolgicas adversas. A predio da posio da aeronave intrusa modelada por

    meio de incertezas traduzidas em termos de distribuies de probabilidades, cujas

    distribuies representam as incertezas na proa, posio lateral, posio longitudinal

    e velocidade. A ferramenta computacional utilizada na simulao e na obteno dos

    dados numricos est fundamentada no Mtodo de Monte Carlo.

  • iv

    ABSTRACT

    This research presents a contribution to hazard level assessment of safety critical

    systems. In this work is proposed an aid tool modeling for decision-making process

    based on collision hazard evaluation between two aircrafts on UCSPA (Ultra Closely

    Spaced Parallel Approaches) scenario. This tool presents promising results, in terms

    of parallel runways spacing minimization analysis, according to the maximum hazard

    level regulated by the sector. This tool is based on a dynamic model of two aircrafts

    on UCSPA scenario under Instrument Meteorological Conditions (IMC). The

    predicted intruder aircraft position is modeled taking into account some uncertainties

    translated in terms of probability distributions. These probability distributions

    represent uncertainties associated with heading, lateral position, longitudinal position

    and speed. The computation tool used in the simulation to obtain the numerical data

    is based on Monte Carlo Method.

  • v

    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS

    LISTA DE TABELAS

    LISTA DE ABREVIATURAS

    LISTA DE SMBOLOS

    1. INTRODUO ....................................................................................... 1

    1.1. Objetivo ........................................................................................ 3

    1.2. Apresentao da Dissertao ........................................................ 5

    2. ANLISE DE RISCO EM SISTEMAS CRTICOS ............................... 6

    2.1. Introduo ..................................................................................... 6

    2.2. O Fator Humano e a Automao .................................................. 8

    2.3. Anlise de Risco e de Perigo ........................................................ 10

    2.3.1. Risco e Perigo ..................................................................... 10

    2.3.2. Anlise de Risco e Anlise de Perigo ................................. 11

    2.3.3. Diviso Funcional da Anlise de Risco .............................. 13

    2.3.4. Fontes de Risco .................................................................. 21

    3. RISCOS NO CONTEXTO DA NAVEGAO AREA ....................... 23

    3.1. O Sistema de Controle de Trfego Areo .................................... 23

    3.1.1. Introduo ......................................................................... 23

    3.1.2. Futuros Sistemas de Navegao Area ............................. 28

    3.2. Operao de Aproximao em Pistas

    de Aterrissagem Paralelas ............................................................. 30

    3.2.1. Conceituao ..................................................................... 30

    3.2.2. Elementos de Anlise das Pistas de

    Aterrissagens Paralelas ...................................................... 35

  • vi

    3.3. Anlise de Perigo em Pistas de Aterrissagem Paralelas ............... 38

    3.4. Modelos de Anlise de Coliso entre Aeronaves ......................... 41

    4. MTODO DE MONTE CARLO ............................................................. 47

    4.1. Introduo ..................................................................................... 47

    4.2. Princpios do Mtodo de Monte Carlo .......................................... 49

    4.2.1. Conceitos Bsicos ............................................................. 49

    4.2.2. Exemplos de Aplicaes do Mtodo de Monte Carlo ....... 51

    4.3. Nmeros Aleatrios e Pseudoaleatrios ....................................... 59

    4.4. Tcnicas de Gerao de Nmeros Pseudoaleatrios .................... 61

    4.4.1. Nmeros Pseudoaleatrios Uniformemente

    Distribudos ....................................................................... 61

    4.4.2. Mtodo da Transformada Inversa ..................................... 66

    5. PROPOSTA DE AVALIAO DE PERIGO EM PISTAS

    DE ATERRISSAGEM PARALELAS ........................................................ 69

    5.1. Mtricas de Risco .......................................................................... 69

    5.2. Modelo de Avaliao de Perigo .................................................... 71

    5.2.1. Descrio do Modelo de Avaliao de Perigo ................... 71

    5.2.2. Influncia no Espaamento entre as Pistas Paralelas ........ 74

    5.2.3. Modelo Dinmico das Aeronaves ..................................... 78

    5.3. Passos na Implementao do Algoritmo ....................................... 82

    5.4. Posicionamento da Aeronave Intrusa ............................................ 84

    6. RESULTADOS DA SIMULAO ......................................................... 87

    6.1. Resultados Alcanados .................................................................. 87

    6.2. Anlise dos Resultados .................................................................. 90

    6.3. Anlise dos Principais Parmetros ................................................ 95

    6.3.1. Influncia do Parmetro Perda de Separao Lateral .......... 95

    6.3.2. Influncia de Outros Parmetros ......................................... 97

  • vii

    7. CONCLUSES E CONSIDERAES FINAIS ..................................... 99

    7.1. Concluses .................................................................................... 99

    7.2. Consideraes Finais .................................................................... 100

    7.3. Aplicaes Prticas Relacionadas Dissertao .......................... 103

    7.4. Futuras Linhas de Pesquisa ........................................................... 104

    7.4.1. Estudo da Influncia das Turbulncias nas Operaes de

    Aproximao em Pistas de Aterrissagem Paralelas .......... 104

    7.4.2. Estudo da Minimizao do Parmetro NOZ (Zona de

    Operao Normal) ............................................................. 104

    7.4.3. Estudo do Modelo de Crescimento de Clulas Aplicado

    ao Controle de Trfego Areo ........................................... 105

    ANEXO Glossrio ........................................................................... 106

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 116

  • viii

    LISTA DE FIGURAS

    Fig. 2.1 Causas dos Acidentes e Incidentes Areos 7

    Fig. 2.2 Componentes do Risco 11

    Fig. 2.3 Classificao da Anlise de Risco 14

    Fig. 2.4 Risco Tolervel e ALARP 20

    Fig. 3.1 Fases de Operao no Espao Areo 24

    Fig. 3.2 Padres de Separao (VFR x IFR) 33

    Fig. 3.3 Geometria de Pistas Convergentes 34

    Fig. 3.4 Aproximao Paralela com Zona de No Transgresso (NTZ) 35

    Fig. 3.5 Atrasos na Operao de Aproximao em Pistas Paralelas 36

    Fig. 3.6 rvore de Falha: Aproximao em Pistas Paralelas 40

    Fig. 3.7 Zona Protegida e de Alerta 43

    Fig. 3.8 Encontro Geomtrico em 2D 44

    Fig. 4.1 Simulao de um Sistema Arbitrrio pelo Mtodo de Monte Carlo 50

    Fig. 4.2 Grfico da Funo f(x) 51

    Fig. 4.3 Sistema de Linhas Paralelas 53

    Fig. 4.4 rea D entre as Curvas 54

    Fig. 4.5 Processo de Transio Cronolgica do Estado dos Componentes 57

    Fig. 4.6 Processo de Transio Cronolgica do Estado do Sistema 58

    Fig. 4.7 Gerador de Nmeros Aleatrios Mecnico 59

    Fig. 5.1 Nvel de Perigo x Nmero de Simulaes 73

    Fig. 5.2 Determinao de ALARP pela Curva de Risco 74

    Fig. 5.3 Operao de Aproximao em Pistas de Aterrissagem Paralelas 78

    Fig. 5.4 Modelo de Deteco de Conflito 79

    Fig. 5.5 Determinao do Posicionamento das Aeronaves 85

    Fig. 6.1 Probabilidade de Perigo de Coliso x Espaamento

    entre as Pistas Paralelas 90

  • ix

    LISTA DE TABELAS

    Tab. 2.1 Lista de Cenrios 12

    Tab. 2.2 Principais Mtodos de Anlise de Perigo 15

    Tab. 2.3 Aceitabilidade dos Nveis de Riscos Fatais Anuais 18

    Tab. 3.1 Principais Aeroportos nos EUA 34

    Tab. 3.2 Pistas de Aproximao Paralelas no Brasil 35

    Tab. 3.3 Tipos de Domnios e Cenrios 38

    Tab. 5.1 Mtricas Aplicveis no Setor Areo 70

    Tab. 6.1 Resultados obtidos pelo Modelo de Anlise de Perigo Proposto 88

    Tab. 6.2 Nvel de Perigo nas Operaes UCSPA para 500.000 simulaes 89

    Tab. 6.3 Nmero de Intruses no Recuperveis Livres versus L 95

    Tab. 6.4 Influncia do Parmetro Perda de Separao Lateral 96

    Tab. 6.5 Exemplos de Incertezas FTE e NSE 97

    Tab. 6.6 Influncia do Parmetro TSE/NSE 98

    Tab. 7.1 Probabilidade de Conflito x Espaamento

    (Modelo de Comparao) 101

    Tab. 7.2 Probabilidade de Conflito x Espaamento (Modelo Proposto) 101

    Tab. 7.3 Viabilidade de Uso das Pistas: Modelo Proposto x

    Modelo de Comparao 102

    Tab. A.1 Categorias de Aproximao por ILS 111

  • x

    LISTA DE SMBOLOS

    R Risco

    si Cenrios

    pi Probabilidade de ocorrncia do cenrio em considerao

    ci Conseqncia ou medida de avaliao do cenrio considerado

    i Freqncia de ocorrncia do cenrio si pi(i) Funo densidade de probabilidade de i do i-simo cenrio i(ci) Funo densidade de probabilidade da conseqncia r, k Proa (heading) n Vetor unitrio paralelo trajetria da aeronave intrusa

    jei Vetores unitrios dos eixos das coordenadas x e y

    rP Vetor posio da aeronave intrusa relativa aeronave de referncia

    smin Separao mnima entre a aeronave de referncia e intrusa

    { }itS Processo estocstico da posio de uma aeronave i no tempo t { }itV Processo estocstico da velocidade de uma aeronave i no tempo t

    its Elementos de { }itS itv Elementos de { }itV

    Dc Complemento de D

    (t) Taxa de cruzamento (in-crossing rate) Pic(t1, t2) Probabilidade de ocorrncia do evento cruzamento (in-crossing)

    i Valores de uma varivel aleatria E[], Mdia ou esperana da varivel aleatria V[X] Varincia da varivel aleatria X

    Mn(X) Mdia amostral da varivel aleatria X

    Nmero irracional pi

    FX(x) Funo densidade de probabilidade marginal da varivel aleatria X

    FA() Funo densidade de probabilidade marginal da varivel aleatria A

    FX,A (x,) Funo distribuio de probabilidade cumulativa conjunta das

    variveis aleatrias X (distncia) e A (ngulo)

  • xi

    i e i Taxa de falhas e taxa de reparos do componente i RS Confiabilidade do sistema

    Ri Confiabilidade do subsistema i

    QS No confiabilidade do sistema

    Ti Durao do estado do componente i

    mod m Operao mdulo m

    Coeficiente de correlao Pj, Qj Pontos da trajetria (aeronave intrusa e referncia)

    u, v Velocidade (aeronave de referncia e intrusa)

    Tj Tempo de chegada nominal em cada ponto Pj ou Qj

    p(t), q(t) Posio nominal (aeronave intrusa e referncia)

    , Mdia e desvio padro da distribuio de probabilidade gaussiana L Espaamento entre as pistas de aterrissagem paralelas

    Px, Py Posio da aeronave intrusa em relao aos eixos x e y

    PHL Valor do nvel de perigo obtido na simulao em funo do

    espaamento entre as pistas de aterrissagem paralelas

    sr, qr Distncia e posio nominal da aeronave de referncia

    si, pi Distncia e posio nominal da aeronave intrusa

  • xii

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACAS Airborne Collision Avoidance System

    ACC Centro de Controle de rea

    ADS-B Automatic Dependent Surveillance Broadcast

    AILS Airborne Information for Lateral Spacing

    ALARP As Low As Reasonably Practicable

    APP Centro de Controle de Aproximao

    ARTCC Air Route Traffic Control Center

    AS Alert Services

    ASR Airport Surveillance Radar

    ATC Air Traffic Control

    ATCT Airport Traffic Control Towers

    ATM Air Traffic Management

    ATS Air Traffic Services

    CD&R Conflict Detection and Resolution

    CENIPA Centro de Investigao e Preveno de Acidentes Aeronuticos

    CINDACTA Centro Integrado de Defesa Area e Controle do Trfego Areo

    CNS/ATM Communications, Navigation, Surveillance/Air Traffic Management

    CSPA Closely Spaced Parallel Approaches

    DCIA Dependent Converging Instrument Approaches

    DEPV Diretoria de Eletrnica e Proteo ao Vo

    DGPS Differential Global Positioning System

    ETA Event Trees Analysis

    EUROCONTROL European Organization for the safety of Air Navigation

    exp exponencial (e)

    FAA Federal Aviation Administration

    FANS Future Air Navigation System

    FIR Flight Information Region

    FIS Flight Information Services

    FMEA Failure Mode and Effects Analysis

    FTA Fault Tree Analysis

    FTE Flight Technical Error

    GNSS Global Navigation Satellite System

    GPS Global Positioning System

  • xiii

    HAZOP Hazard and Operability Analysis

    ICAO International Civil Aviation Organization

    IEC International Electrotechnical Commission

    IFR Instrument Flight Rules

    ILS Instrument Landing System

    IMC Instrument Meteorological Conditions

    LAAS Local Area Augmentation System

    MD Perda de separao (miss distance) NASA National Aeronautics and Space Administration

    NOZ Normal Operating Zone

    NPBlivre Nmero Permitido de Intruses No Recuperveis (blunders) que

    podem ocorrer livremente

    NSE Navigation Sensor Error

    NTSB National Transportation Safety Board

    NTZ No Transgression Zone

    PHA Preliminary Hazard Analysis

    PRM Precision Runway Monitor

    RA Resolution Advisories

    SCIA Simultaneous Converging Instrument Approaches

    SRPV Servios Regionais de Proteo ao Vo

    TA Traffic Advisories

    TCAS Traffic Alert and Collision Avoidance System

    TSE Total System Error

    TRACON Terminal Radar Approach Control

    TWR Centro de Controle de Aerdromo

    UCSPA Ultra Closely Spaced Parallel Approaches

    VFR Visual Flight Rules

    VMC Visual Meteorological Conditions

    VOR VHF Omni directional Range

    WAAS Wide Area Augmentation System

  • Cap. 1 Introduo 1

    1. INTRODUO

    Atualmente, os servios ou aplicaes disponibilizados comunidade tm como

    mola propulsora, a descoberta de novas tecnologias ou evoluo nos sistemas

    existentes. O fato relevante nesse processo a clara indicao de que estes avanos

    so realizados por meio do uso de tecnologias que, de alguma forma, utilizam-se de

    sistemas computacionais embarcados.

    Porm, em alguns casos, os servios ou aplicaes a serem disponibilizados

    dependem de certos requisitos de operao do sistema, requisitos estes considerados

    crticos, desde que um mau funcionamento no sistema pode resultar em srias

    conseqncias a seus usurios. Genericamente, tais sistemas so denominados de

    sistemas crticos de segurana. Requisitos tpicos no projeto desses sistemas incluem

    a proteo vida humana, ao meio ambiente ou dos recursos materiais. Em sistemas

    crticos, a denominao segurana refere-se sempre expresso safety em

    contraposio ao termo security.

    No projeto, desenvolvimento e explorao comercial de servios ou aplicaes

    baseados em sistemas crticos (aviao, plantas nucleares ou qumicas, por exemplo),

    alguns fatores so abordados pelo grupo interessado na anlise de risco do negcio,

    auxiliando-o no processo de tomada de deciso. Sob o ponto de vista econmico do

    empreendedor, estes fatores incluem o montante do investimento, a anlise da

    lucratividade, o mercado potencial, a concorrncia, o risco de perdas monetrias, o

    retorno financeiro, entre outros. Contudo, sob a tica da respectiva agncia

    reguladora responsvel e a sociedade em geral, a preocupao bsica sempre

    referenciada em termos da proteo vida e propriedade.

    Portanto, independente do tipo de sistema crtico considerado, o sucesso do

    empreendimento deve estar relacionado com o cumprimento dos critrios de

    segurana (safety) e da confiabilidade do sistema, sem os quais os benefcios dos

    mais sofisticados sistemas e tecnologias sero em vo.

    Em outras palavras, a segurana deve representar para a comunidade envolvida

    (rgo regulador, fabricantes e operadoras), a principal prioridade em garantir nveis

    mnimos de risco aos usurios finais. Exemplo ilustrativo dessa preocupao

    encontrado no setor da aviao. Segundo a National Aeronautics and Space

  • Cap. 1 Introduo 2

    Administration (NASA) 1996, a histria da aviao foi caracterizada por perodos de

    rpidos avanos tecnolgicos que diminuram drasticamente o nmero de acidentes

    areos, seguida de perodos com taxas comparativamente estveis, como reflexo

    direto dos avanos industriais no setor e das mudanas nos regulamentos. Ressalta-

    se, porm, que as mudanas relacionadas segurana foram identificadas por meio

    de investigaes realizadas somente aps os acidentes ou incidentes areos. Os

    primeiros programas com respeito segurana nesse setor tm suas origens nos

    primrdios da aviao comercial, aps a Primeira Guerra Mundial.

    Segundo Johnson (1989), a segurana uma caracterstica de um sistema crtico

    definida como a probabilidade, em um determinado perodo de tempo, de que o

    sistema executar corretamente suas funes. Em caso de descontinuidade, o sistema

    deve buscar um estado final de forma a no interromper a operao de outros

    sistemas ou comprometer a segurana de quaisquer pessoas associadas ao sistema.

    Portanto, a segurana indica a capacidade do sistema em buscar um estado final

    seguro em caso de falha (fail-safe).

    A confiabilidade atribuda a um sistema implica que o mesmo ir executar

    corretamente suas funes e de forma consistente ao longo de um determinado

    perodo de tempo. A confiabilidade de um sistema como uma funo do tempo,

    indica a probabilidade condicional de que o sistema estar funcionando no intervalo

    de tempo [0, t], dado que estava operacional no instante t = 0. O termo confiabilidade

    tambm utilizado na qualificao de sistemas cujo reparo no possa ocorrer de

    imediato. Inclui-se nesta categoria, os mdulos de controle de sistemas de satlites e

    situaes onde aplicaes crticas, executadas ou controladas por computadores, no

    possam apresentar falhas como nas funes relacionadas ao controle de aeronaves

    em vo (Siewiorek; Swarz, 1982).

    De modo geral, os sistemas crticos de segurana podem estar sujeitos ocorrncia

    de algum tipo de problema ou anormalidade durante a sua operao. Segundo

    Camargo (2002), existe no Brasil muita discusso e pouca padronizao no que se

    refere terminologia que caracteriza a ocorrncia de problemas ou anormalidades em

    sistemas relacionados com a segurana. As expresses indicativas de problemas

    incluem fault, error e failure, termos estes imprescindveis para o perfeito

  • Cap. 1 Introduo 3

    entendimento das idias nesta rea. De acordo com o autor, a melhor terminologia

    corresponde s seguintes tradues: fault como falha, error como erro e failure

    como disfuno.

    Ao longo deste trabalho sero utilizadas as seguintes definies com base em

    (Camargo, 2002) e (Camargo, 1996):

    Fault falha: indicativo de uma imperfeio, defeito ou deficincia de um

    componente ou circuito, em termos de hardware. Em se tratando de software,

    indica o resultado de uma implementao incorreta ou omisso de dados em

    um programa de computador, usualmente conhecido como bug.

    Error erro: corresponde manifestao de uma falha, de modo que sua

    ocorrncia pode contaminar outros processos internos ao sistema, alterando o

    resultado ou a sada esperada.

    Failure disfuno: corresponde a um procedimento, uma rotina ou funo

    executada de maneira incorreta e, portanto, representativo da exteriorizao do

    erro para o meio externo. Outras denominaes para o termo disfuno incluem

    avaria ou mau funcionamento.

    A seguir so apresentados o objetivo desta dissertao e uma breve descrio dos

    captulos que compem este trabalho de pesquisa.

    1.1. Objetivo

    O trabalho desenvolvido nesta dissertao est inserido no mbito da Anlise de

    Perigo com aplicao no setor areo de transporte. Nesta pesquisa considerado um

    ambiente ditado pela necessidade de otimizao do uso do espao areo, em

    particular nas operaes de aproximao de aeronaves em pistas de aterrissagem

    paralelas sob condies meteorolgicas adversas. Na literatura tcnica, este conceito

    denominado CSPA (Closely Spaced Parallel Approaches) sob condies IMC

    (Instrument Meteorological Conditions).

  • Cap. 1 Introduo 4

    Especificamente, neste trabalho, so considerados aeroportos com pistas de

    aterrissagem paralelas, cujo espaamento entre as linhas centrais das pistas estejam

    entre 750 e 1500 ps (228,6 ~ 457,2m). Este cenrio denominado de UCSPA (Ultra

    Closely Spaced Parallel Approaches) (Houck; Powell, 2001).

    No contexto UCSPA, o fundamento bsico para a otimizao do espao areo nas

    vizinhanas de aeroportos dotados de pistas de aterrissagem paralelas, advm da

    necessidade de suportar o crescimento do trfego areo previsto para as prximas

    dcadas. A concretizao desta otimizao, sob todos os aspectos, tem como suporte

    o conceito dos futuros sistemas de navegao area, CNS/ATM (Communications,

    Navigation, Surveillance/Air Traffic Management), recomendado pelo frum da

    aviao civil internacional ICAO (International Civil Aviation Organization).

    Os futuros sistemas de navegao area abrem novas possibilidades para o transporte

    areo atravs da introduo de procedimentos mais flexveis aos controladores de

    trfego areo e pilotos. Estes novos procedimentos possibilitaro aos pilotos a

    escolha de rotas otimizadas, em tempo real, entre um ponto de origem e destino,

    sendo suportados por meio do uso de novos dispositivos e novas tecnologias

    embarcadas nas aeronaves, permitindo, de forma segura, o atendimento demanda

    do trfego areo (Tomlin; Pappas; Sastry, 1998) e (Wells, 2001).

    O objetivo deste trabalho a proposio de um modelo de avaliao de perigo de

    coliso entre duas aeronaves em operao de aproximao simultnea em pistas de

    aterrissagem paralelas sob condies meteorolgicas adversas (UCSPA). O modelo

    proposto pode ser utilizado, quando necessrio, como ferramenta de auxlio tomada

    de deciso em termos da anlise dos nveis de perigo presentes nessas operaes em

    funo do espaamento entre as linhas centrais das pistas de aterrissagem paralelas.

    Sob outra tica, a partir dos resultados obtidos, pode-se executar anlises posteriores

    com respeito minimizao do espaamento entre as pistas paralelas com base em

    um dado nvel de perigo correntemente aceito como referncia. Para a obteno dos

    resultados numricos na simulao (nvel de perigo associado ao espaamento entre

    as pistas de aterrissagem paralelas) utilizado o mtodo de Monte Carlo.

  • Cap. 1 Introduo 5

    1.2. Apresentao da Dissertao

    A organizao deste trabalho feita em 7 (sete) captulos e 1 (um) anexo,

    brevemente descrito a seguir:

    No captulo 2, Anlise de Risco em Sistemas Crticos, so apresentados os

    fundamentos da disciplina Anlise de Risco. So abordados os principais conceitos,

    definies e abrangncia da rea.

    O captulo 3, Riscos no Contexto da Navegao Area, introduz os principais

    conceitos relacionados ao controle de trfego areo e sua evoluo. Em seguida,

    apresentado o cenrio geral da pesquisa correspondente s operaes de aproximao

    em pistas de aterrissagens paralelas (CSPA - Closely Spaced Parallel Approaches).

    No captulo 4, Mtodo de Monte Carlo, apresentada a tcnica de Monte Carlo

    como ferramenta utilizada na modelagem de problemas e na obteno de resultados

    numricos. Mtodos de gerao de nmeros pseudoaleatrios utilizados na tcnica de

    Monte Carlo so tambm discutidos.

    No captulo 5, Proposta de Avaliao de Perigo em Pistas de Aterrissagem Paralelas,

    so abordadas inicialmente as mtricas adequadas no mbito do setor areo. Em

    seguida, apresentada a proposta de modelagem da ferramenta de avaliao de

    perigo aplicvel nas operaes de aproximao UCSPA (Ultra Closely Spaced

    Parallel Approaches).

    No captulo 6, Resultado da Simulao, so apresentados os resultados das

    simulaes e as anlises pertinentes.

    No captulo 7, Concluses e Consideraes Finais, reservado para as discusses

    dos resultados obtidos e as concluses finais. So apresentadas tambm algumas

    contribuies de cunho prtico relacionado dissertao, alm de apontar outros

    aspectos que meream continuidade de pesquisa.

    O anexo, Glossrio, contm as definies dos principais termos utilizados neste

    trabalho e relacionados ao setor da aviao.

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 6

    2. ANLISE DE RISCO EM SISTEMAS CRTICOS

    Neste captulo apresentada a conceituao envolvida na Anlise de Risco, cujos

    fundamentos so utilizados neste trabalho. Em seguida, uma breve discusso com

    respeito aos temas fator humano e automao so tambm abordados.

    2.1. Introduo

    Acidentes infelizmente acontecem. Genericamente, o termo acidente pode ser

    definido como uma seqncia de eventos (acontecimentos casuais, fortuitos,

    imprevisveis ou infelizes), cujos resultados (conseqncias), so traduzidos em

    danos s pessoas (morte ou ferimentos graves) e prejuzos propriedade como

    tambm ao meio ambiente.

    Na aviao, segundo o Centro de Investigao e Preveno de Acidentes

    Aeronuticos (CENIPA) 2002 e Wells 2001, acidente areo representa toda

    ocorrncia relacionada com a operao de uma aeronave e que tenha se sucedido

    entre o perodo que uma pessoa nela embarca com a inteno de realizar um vo, at

    o momento em que todas as pessoas tenham dela desembarcado. Como

    conseqncias dessa ocorrncia esto inclusos os seguintes danos:

    Qualquer pessoa que sofra leso grave ou venha a falecer em virtude de

    estar na aeronave ou que tenha estado em contato direto com qualquer

    parte da aeronave (exposio hlice, ao jato, etc.);

    A aeronave sofra dano estrutural ou que seja considerada desaparecida ou

    que se tenha substitudo grande parte de seus componentes.

    O termo incidente areo considerado como um evento em um sentido bem prximo

    de quase-acidente, desde que suas conseqncias no resultam em seqelas ou danos

    graves s pessoas ou propriedade (Wells, 2001).

    Diversas so as origens dos acidentes ou incidentes areos. As fontes mais

    conhecidas so as falhas mecnicas nos componentes das aeronaves. Porm, em

    alguns casos, as causas reais so de difcil localizao, uma vez que dependem de

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 7

    outros fatores que no esto relacionados diretamente s aeronaves. O grau de

    importncia (valores) assumido pela poltica do governo, por exemplo, em termos de

    uma regulamentao adequada e dos oramentos provisionados ao setor, pode afetar

    indiretamente as atividades que estejam sob sua responsabilidade. Essas atividades

    incluem a previso do tempo e comunicao, o sistema de controle de trfego areo e

    a seleo e treinamento dos controladores de trfego areo. Estas decises tm um

    efeito amplo com reflexo na gerncia do trfego areo e na capacidade dos

    controladores e, conseqentemente, nas causas dos acidentes e incidentes areos.

    A Figura 2.1 ilustra essa abordagem, onde apresentado o inter-relacionamento dos

    diversos fatores que podem influenciar na origem dos acidentes e incidentes areos,

    segundo o National Transportation Safety Board (NTSB) apud Wells (2001).

    Fig. 2.1 - Causas dos Acidentes e Incidentes Areos

    poltica do governo(regulamentos e oramento)

    poltica da indstria daaviao comercial

    (produo e custos)

    mbito federal

    mbito privado fabricantes

    atosimprevisveis(sabotagem)

    acidentes

    incidentes

    fatalidades

    fatores/causas de acidentes e incidentes (*)

    previso dotempo e

    comunicao

    seleo etreinamento

    capacidadedos controladoresde trfego areo

    e pilotos

    manuteno

    capacidadedas aeronaves

    valores rentabilidade

    condiesatmosfricas

    sistema decontrole de

    trfego areo

    ambiente dotrfego areo(comercial,

    civil, militar)

    efeito amplo

    efeito direto

    informao

    influenciam um no outro(*)

    seleo etreinamento doscontroladores de

    trfego areo

    operadoras projeto eproduo

    poltica do governo(regulamentos e oramento)

    poltica da indstria daaviao comercial

    (produo e custos)

    mbito federal

    mbito privado fabricantes

    atosimprevisveis(sabotagem)

    acidentes

    incidentes

    fatalidades

    fatores/causas de acidentes e incidentes (*)

    previso dotempo e

    comunicao

    seleo etreinamento

    capacidadedos controladoresde trfego areo

    e pilotos

    manuteno

    capacidadedas aeronaves

    valores rentabilidade

    condiesatmosfricas

    sistema decontrole de

    trfego areo

    ambiente dotrfego areo(comercial,

    civil, militar)

    efeito amplo

    efeito direto

    informao

    influenciam um no outro(*)

    efeito amplo

    efeito direto

    informao

    influenciam um no outro(*)

    seleo etreinamento doscontroladores de

    trfego areo

    operadoras projeto eproduo

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 8

    2.2. O Fator Humano e a Automao

    Outro aspecto relacionado aos acidentes em geral refere-se automao, dado os

    avanos nas tcnicas e processos da engenharia. Estes avanos tecnolgicos,

    principalmente pelo uso de computadores, tm permitido a automao de muitos

    processos e trabalhos antes manuais. A automao abrange vrios aspectos e, como

    regra geral, relaciona-se com os seguintes objetivos: aumento da produtividade,

    reduo de custos, reduo de fadiga e de tempo em processos repetitivos, preciso

    no manuseio de informaes e atendimento a certos critrios de segurana.

    Nos sistemas crticos, a automao fundamentada principalmente com relao ao

    controle de alguns sistemas mais complexos, cujos requisitos de segurana excedem

    a capacidade e as habilidades humanas (Leveson, 1995).

    Porm, no setor areo, Scardigli (2002) assinala que, a vulnerabilidade do sistema

    do setor areo frente a problemas, poder originar-se de algumas aplicaes devido

    complexidade das informaes contidas nas centenas de computadores embarcados

    em um avio de carreira. Apesar da tecnicidade da aviao comercial estar

    particularmente avanada em termos de automao dos vos e, portanto,

    proporcionando eficincia econmica, crescimento do desempenho e regularidade

    nos vos, deve-se levar em conta que, os idealizadores do totalmente digital

    tambm so seres humanos e podem cometer erros que conduzem a acidentes.

    No transporte areo, a presso para aumentar o nmero de vos de forma segura e

    eficiente, tem levado comunidade do setor a desenvolverem novas propostas com

    respeito a equipamentos mais poderosos e confiveis e, paralelamente, aumentando-

    se o nvel de automao das facilidades pertinentes ao controle de trfego areo.

    Segundo Wickens et al (1998), tais propostas tm levantado algumas preocupaes

    no sentido de que a automao possa comprometer a segurana do sistema pela

    marginalizao das habilidades do controlador de trfego areo em prover as aes

    necessrias quando da interrupo do sistema automatizado. Vrios estudos tm

    mostrado que uma automao bem projetada pode ajudar o operador humano e,

    conseqentemente, melhorar o desempenho do sistema. Como exemplo, pode-se

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 9

    citar no gerenciamento do trfego areo, o processo de handoff (*) automtico

    (passagem da aeronave de um setor areo para outro) e o uso de displays como

    ferramenta de auxlio no seqnciamento de aeronaves.

    Com respeito ao fator humano, uma suposio bastante difundida na literatura refere-

    se atribuio generalizada do elemento humano como o maior agente responsvel

    pelos acidentes no setor areo (NASA, 1996). Nas plantas nucleares, o percentual

    atribudo a erros humanos est situado na faixa de 50% a 70% (LaSala, 1998).

    Naturalmente, o resultado destas estatsticas no deve surpreender, desde que o

    elemento humano est de fato, direta ou indiretamente envolvido na maioria dos

    acidentes que ocorrem nas plantas industriais de qualquer natureza. No transporte

    areo, o fator humano representado pela figura dos pilotos, controladores de trfego

    areo, equipes de manuteno e operadoras.

    Contudo, segundo Johnson (1980) apud Leveson (1995), por meio de uma

    investigao mais detalhada sobre um determinado acidente, invariavelmente foram

    encontrados como causas dos acidentes, condies no seguras dos equipamentos ou

    sistemas. Dessa forma, apesar dos percentuais de 60 a 80% dos acidentes, em vrias

    indstrias pesquisadas, serem atribudos indistintamente ao fator humano,

    determinou-se que em 75% destes casos, diversas funcionalidades do sistema de

    segurana no operavam corretamente e precediam da ao do operador.

    Em sistemas crticos de segurana, o erro humano definido como qualquer desvio

    no desempenho de uma seqncia de aes especificadas ou prescritas. Contudo,

    instrues e procedimentos escritos quase nunca so seguidos. Estudos realizados

    com operadores em ambientes de alto risco, como nas plantas nucleares,

    modificaes nas instrues so repetidamente encontradas e a violao das regras

    parece ser bastante compreensvel, em face da carga de trabalho que os operadores

    so submetidos (Leveson, 2002).

    (*): Transferncia da identificao radar de uma aeronave sob controle de um controlador de trfego areo para outro quando a aeronave entrar no espao areo de outro controlador de trfego areo. Neste caso, a comunicao rdio tambm transferida.

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 10

    Nestas situaes, existe um conflito bsico entre o erro visto como um desvio dos

    procedimentos normativos e, o erro visto como um desvio dos procedimentos

    efetivamente utilizados racionalmente e usualmente. Como implicao, aps a anlise

    minuciosa de um acidente, ser fcil encontrar alguma pessoa envolvida no fluxo

    dinmico dos eventos e que tenha violado as regras formais, seguindo-se a prtica

    estabelecida em vez da prtica especificada. Portanto, devido aos desvios freqentes

    da prtica estabelecida, a partir de instrues e regras normativas de trabalho, no

    deixa de ser surpresa que erros de operadores sejam encontrados como causa em 70 a

    80% dos acidentes analisados (Leveson, 2002).

    2.3. Anlise de Risco e de Perigo

    A seguir so introduzidos os conceitos bsicos relacionados com a rea de pesquisa

    denominada de Anlise de Risco e de Perigo. A anlise de risco e de perigo

    aplicada em diversos campos como na sade (medicamentos), na alimentao, no

    transporte de passageiros em geral, na anlise de investimentos, entre outras.

    2.3.1. Risco e Perigo

    A expresso risco freqentemente utilizada no mbito popular como tambm pela

    mdia nos mais variados sentidos, tais como: risco de negcio, risco social, risco

    econmico, risco de investimentos, risco militar, risco pas, etc.

    O conceito inerente da expresso risco (risk) envolve sempre incertezas e algum tipo

    de perda ou dano. Nessas condies, pode-se escrever a relao risco = incertezas +

    dano, enquanto que o perigo (hazard) subtendido como uma fonte em potencial,

    sempre existente, que pode induzir a ocorrncia de algum acidente. Portanto, risco

    indica a severidade de perda ou leso e o grau de probabilidade dessas perdas, ou

    seja, a probabilidade da converso de sua fonte em potencial, representada pelo

    perigo, em um acidente. Simbolicamente, este conceito pode ser expresso por

    asalvaguard

    perigorisco = , onde a expresso salvaguarda deve ser entendido como o

    resguardo ou proteo a uma fonte potencial que possa causar um dano. Dessa

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 11

    expresso, pode-se concluir que o risco pode ser to pequeno quanto se deseja, mas

    nunca zero (Kaplan; Garrick, 1981).

    O inter-relacionamento entre os conceitos de risco e perigo apresentado na Figura

    2.2 (Leveson, 1995). No desenvolvimento deste trabalho adotada esta abordagem.

    Fig. 2.2 - Componentes do Risco

    Neste caso, o risco definido como sendo o nvel de perigo combinado com:

    A probabilidade de o perigo levar a um acidente e,

    A exposio ou durao do perigo (latncia).

    O perigo tem duas importantes caractersticas: a gravidade (algumas vezes

    denominada de severidade) e a probabilidade de sua ocorrncia; a combinao de

    ambas denominada nvel do perigo. Portanto, quanto maior o nvel do perigo,

    maior a chance de ocorrncia do acidente.

    A exposio ou durao do perigo uma componente do risco que afeta o clculo do

    nvel de risco total do sistema sob anlise, ou seja, a coincidncia de determinados

    eventos e necessrios para a ocorrncia de um acidente (probabilidade de o perigo

    conduzir a um acidente) pode ter, estatisticamente uma baixa probabilidade, mas a

    probabilidade de coincidncia desses eventos pode ser aumentada, caso o perigo

    esteja presente por longos perodos de tempo.

    2.3.2. Anlise de Risco e Anlise de Perigo

    freqente a confuso principalmente entre as expresses Anlise de Risco e

    Anlise de Perigo, onde considervel a ocorrncia da sobreposio entre ambos os

    termos. Muitos autores utilizam indistintamente a expresso anlise de risco como

    sinnimo de anlise de perigo (Henley; Kukamoto, 1981).

    gravidadedo perigo

    probabilidade deocorrncia do perigo

    exposioao perigo

    probabilidade do perigoconduzir a um acidente

    nvel do perigo RISCO

    gravidadedo perigo

    probabilidade deocorrncia do perigo

    exposioao perigo

    probabilidade do perigoconduzir a um acidente

    nvel do perigo RISCO

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 12

    Conceitualmente, a anlise de risco pode ser definida como um processo sistemtico

    de avaliao em nvel de sistema, cujo objetivo responder as seguintes questes

    quanto aos perigos em potencial (Kaplan; Garrick, 1981):

    O que pode acontecer? (o que pode dar errado?);

    Quo provvel o evento acontecer?; (1)

    Se o evento acontecer, quais as conseqncias?

    Nessas condies, criada uma lista de resultados (possveis cenrios) como

    apresentada na Tabela 2.1.

    Tab. 2.1 - Lista de Cenrios

    cenrio probabilidade conseqncia s1 p1 c1 s2 p2 c2 ... ... ... sN pN cN

    onde:

    si: identificao ou descrio do cenrio (acidente). pi: probabilidade de ocorrncia do cenrio em considerao. ci: conseqncia ou medida de avaliao do cenrio considerado (medida do dano).

    Segundo Kaplan; Garrick (1981), se a Tabela 2.1 contm todos os possveis cenrios

    de um acidente em especfico, pode-se dizer que esta tabela representa a resposta s

    questes formuladas em (1) e conseqentemente, o risco. Formalmente, pode-se

    escrever que o risco (R) o conjunto das triplas definido por:

    R = {(si, pi, ci)}, i = 1, 2, ..., N (2)

    Caso incertezas sejam associadas aos cenrios e as conseqncias (danos) em termos

    de uma distribuio de probabilidade, ento:

    R = {(si, pi(i), i(ci))}, i = 1, 2,..., N onde (3)

    i - freqncia de ocorrncia do cenrio si. pi(i) - funo densidade de probabilidade da freqncia i do i-simo cenrio. i(ci) - funo densidade de probabilidade da conseqncia (dano). Um fato relevante da anlise de risco refere-se quantificao sistemtica das fontes

    e dos efeitos das incertezas no sistema sob anlise, permitindo que seja revelado o

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 13

    grau de confiana de uma predio em particular, e que sob certas condies, permita

    suportar a tomada de alguma deciso (Brand; Small, 1995).

    A anlise de perigo, por outro lado, parte integrante da anlise de risco. A anlise

    de perigo corresponde s atividades onde so identificadas e/ou quantificadas, por

    um processo adequado, os nveis de perigo (gravidade e a probabilidade de

    ocorrncia do perigo) decorrentes do uso de sistemas ou equipamentos.

    O perigo no uma propriedade inerente de um sistema, mas um conjunto de

    condies (estados) associados ao sistema que tem o potencial para causar algum mal

    ou que possa conduzir a um acidente. Portanto, o perigo dependente da forma como

    os limites do sistema foram desenhados, isto , da definio clara de quais condies

    so consideradas partes do perigo e quais so pertinentes ao ambiente do sistema

    analisado (Leveson, 1995).

    Neste contexto, uma aeronave que esteja em rota de vo pode atingir um estado

    perigoso. Se um acidente areo definido como a coliso entre duas aeronaves, ento

    o estado de perigo apropriado a ser considerado neste caso a falta de separao

    (lateral, vertical e/ou longitudinal) mnima entre as aeronaves. Nessas condies, a

    anlise de perigo est relacionada com a identificao/avaliao do nvel do perigo

    de coliso entre as aeronaves. Na anlise de risco so levados em considerao

    outros parmetros como a durao do estado de perigo e as conseqncias resultantes

    em termos das probabilidades de danos s pessoas, aeronaves e propriedade.

    2.3.3. Diviso Funcional da Anlise de Risco

    Funcionalmente, a Anlise de Risco compreende as reas denominadas de Avaliao

    de Risco, Gerenciamento de Risco e Comunicao de Risco, segundo Ayyub; Bender

    (1999). Porm, outras reas correlatas e referentes Aceitabilidade do Risco e

    Percepo do Risco tambm podem compor, em um escopo mais geral, o processo da

    anlise de risco como ilustra a Figura 2.3. Uma breve descrio dessas reas

    apresentada a seguir.

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 14

    Fig. 2.3 - Classificao da Anlise de Risco

    A) Avaliao de Risco (Risk Assessment) - processo tcnico e cientfico pelo

    qual o risco previsto em um sistema modelado e quantificado. A avaliao de risco

    permite fornecer dados qualitativos e quantitativos para posterior tomada de deciso

    na fase de gerenciamento de risco. Na execuo da avaliao de risco e, portanto,

    incluindo as atividades de avaliao de perigo, vrias tcnicas de anlise de perigo

    podem ser utilizadas para a identificao/quantificao das causas de uma dada

    situao de perigo em particular. A tcnicas de anlise de perigo so divididas em

    mtodos qualitativos e quantitativos.

    Os mtodos qualitativos mais conhecidos so: Auditoria, Anlise Preliminar de

    Perigos (PHA - Preliminary Hazard Analysis), Anlise de Operao e Perigo

    (HAZOP - Hazard and Operability Analysis) e a Lista de Verificao (Checklist). Os

    mtodos quantitativos incluem a Anlise Crtica dos Efeitos dos Modos de Falha

    (FMECA - Failure Mode, Effects and Criticality Analysis), a Anlise de rvore de

    Eventos (ETA - Event Trees Analysis) e a Anlise de rvore de Falhas (FTA - Fault

    Tree Analysis). Detalhes destas tcnicas podem ser encontrados em (Henley;

    Kumamoto, 1981); (Montague, 1990); (Leveson, 1995); (Storey, 1996); (Ayyub;

    Bender, 1999); (Roderick, 2000) e (Belford; Cooke, 2001). A Tabela 2.2 apresenta o

    resumo das principais tcnicas mencionadas.

    Avaliaode Risco

    Anlise de Risco

    Gerenciamentode Risco

    Comunicaode Risco

    Aceitabilidadedo Risco

    Percepodo Risco

    Avaliaode Risco

    Anlise de Risco

    Gerenciamentode Risco

    Comunicaode Risco

    Aceitabilidadedo Risco

    Percepodo Risco

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 15

    Tab. 2.2 - Principais Mtodos de Anlise de Perigo Auditoria de Reviso da Segurana Identificar as condies ou procedimentos de operao dos equipamentos que possam conduzir a uma causalidade ou resultar em danos propriedade ou impactos ambientais. Verificao (Checklist) Garantir que a organizao atende as prticas normativas. Anlise de Operao e Perigo (HAZOP) Identificar desvios do sistema e suas causas que possam conduzir a conseqncias indesejveis e recomendar aes para reduzir a freqncia e/ou conseqncias dos desvios.

    QUALITATIVOS

    Anlise Preliminar de Perigos (PHA) Identificar e priorizar perigos no desenvolvimento inicial do sistema que conduzem a conseqncias indesejveis. Recomendar aes para reduzir a freqncia e/ou conseqncias dos perigos priorizados. Anlise Crtica dos Efeitos dos Modos de Falha (FMECA) Identificar os modos de falha de componentes (equipamentos) e os impactos sobre os componentes vizinhos e no sistema. A anlise crtica geralmente expressa em termos de probabilidades ou freqncias, tais como nmero esperado de avarias de um tipo especfico durante um milho de operaes executadas em um modo crtico. Anlise de rvore de Falha (FTA) Identificar e analisar os perigos e a combinao de falhas dos equipamentos que resultam em acidentes a partir do evento de topo pr-definido. Este mtodo no identifica os perigos.

    QUANTITATIVOS

    Anlise de rvore de Eventos (ETA) Identificar as seqncias de eventos e os resultados em termos de falhas ou sucessos que possam conduzir a acidentes a partir da anlise de um dado evento inicial.

    A pesquisa deste trabalho na rea de Anlise de Risco est inserida no mbito da

    Avaliao de Risco, especificamente na avaliao do perigo de coliso entre duas

    aeronaves em operao de aproximao em pistas paralelas. A anlise de perigo

    desta operao apresentada no captulo 3 (item 3.3) e a proposta de um modelo de

    avaliao de perigo apresentada no captulo 5 deste trabalho. Deve ser observado

    que, o conceito adotado neste trabalho com respeito anlise de perigo, est inclusa

    a avaliao da probabilidade de ocorrncia do perigo.

    B) Gerenciamento de Risco (Risk Management) - processo onde operadores,

    gerentes, proprietrios e rgo regulador responsvel tomam decises com respeito

    segurana, mudanas nos regulamentos e o modo de operao do sistema. A base

    para a tomada de deciso so os dados gerados na avaliao de risco em termos da

    configurao e dos parmetros operacionais do sistema. Adicionalmente, podem ser

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 16

    levados em considerao outros fatores como econmico, poltico, meio ambiente,

    regulamentao e produtividade.

    Com respeito ao aspecto da regulamentao, Fischhoff et al (1999) assinala que, a

    sociedade, pela representao das presses pblicas, tenta prevenir a ocorrncia de

    acidentes, mas infelizmente, as agncias governamentais so normalmente reativas

    no desenvolvimento dos regulamentos adequados. Dessa forma, extremamente

    difcil uma resposta questo a segurana segura o suficiente?, desde que est

    diretamente relacionada com as diferentes percepes e compreenso do risco pela

    sociedade. Infelizmente, freqentemente necessria a ocorrncia de um desastre

    para estimular a ao em direo s questes de segurana.

    C) Comunicao de Risco (Risk Communication) - processo iterativo de troca

    de informaes e opinies entre indivduos, grupos ou instituies de modo a

    permitir a transmisso das mensagens de risco dos especialistas para os no

    especialistas (pblico em geral). Neste processo so apresentadas preocupaes,

    opinies e reaes s mensagens de risco ou aos acordos institucionais e legais.

    Segundo Bier (2001-1), so identificados cinco tipos de metas a serem alcanados

    em um processo de comunicao de risco:

    Construo de um canal de comunicao confivel;

    Aumento da conscincia (por exemplo, de um perigo em potencial);

    Educao;

    Busca de acordos (por exemplo, limpeza de um local que indique perigo) e,

    Motivao nas aes (por exemplo, encorajando as pessoas prtica de

    procedimentos de segurana).

    Com relao aos procedimentos a serem executadas pelos tomadores de deciso, as

    seguintes diretrizes foram identificadas, de modo a permitir uma melhor

    comunicao das mensagens de risco (Bier, 2001 - 2):

    A apresentao da avaliao de risco deve ser compreensvel;

    A aplicabilidade da avaliao de risco com relao poltica pblica de

    tomada de deciso deve estar claramente definida;

    A apresentao deve ter credibilidade;

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 17

    O relatrio de avaliao de risco deve conter sumrio claro e breve que inclua

    tratamento balanceado de todas as questes controvrsias e relevantes;

    As bases para a escolha das suposies cientficas crticas devem ser descritas

    e discutidas, assim como das solues apresentadas, quando possvel;

    Estas diretrizes so geralmente desejveis em qualquer tipo de comunicao, mas so

    particularmente importantes na comunicao de risco, desde que o processo de

    avaliao de risco geralmente de difcil compreenso, carregados de suposies e

    muito controversos. Adicionalmente, as seguintes questes so tambm consideradas

    na execuo da tomada de deciso (Bier, 2001 - 2):

    Requisitos legais;

    Possveis efeitos adversos de um perigo em particular sendo regulado;

    Opes disponveis para a reduo do risco;

    Confiabilidade da informao sobre a qual a deciso tomada.

    D) Aceitabilidade do Risco (Risk Acceptability) a partir do momento em que o

    risco previsto em um sistema quantificado, pode-se iniciar o julgamento se o risco

    em questo pode ser tolerado ou no, de acordo com o grau de dano que poder

    causar. Segundo Profit (1995), em sistemas crticos, so inaceitveis riscos que sejam

    caracterizados por conseqncias indesejveis e com alta probabilidade de

    ocorrncia. Contudo, pode-se tolerar e assumir riscos nos seguintes casos:

    Aqueles com conseqncias graves, desde que a probabilidade de ocorrncia

    do risco seja muito baixa, embora o fato em si seja indesejvel;

    Aquelas onde as conseqncias possam ser negligenciadas, desde que a

    relao custo-benefcio do programa em anlise seja adequada para a

    eliminao ou, na melhor das hipteses, minimizao dos perigos no processo

    ou no desenvolvimento do sistema.

    Um exemplo ilustrativo da aceitabilidade do risco apresentado em Otway; Erdmann

    (1970) apud McCormick (1981) com respeito aceitabilidade dos nveis de risco

    individuais cobrindo uma ampla faixa de valores e reproduzido na Tabela 2.3.

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 18

    Tab. 2.3 - Aceitabilidade dos Nveis de Risco Individuais Fatais Anuais

    Nvel de Risco Fatal Anual (ano-1)

    Concluses

    10-3 Nvel inaceitvel. Acidentes devido a perigos neste nvel so difceis de localizar, sendo necessrias aes imediatas para sua reduo ou eliminao.

    10-4

    As pessoas esto prontas a gastar dinheiro pblico para controlar o perigo (controle de sinais de trnsito e sistemas contra incndios). Palavras de ordem de segurana contra acidentes e popularizadas nesta categoria indicam o elemento medo, como a vida que voc pode salvar pode ser a sua.

    10-5

    As pessoas ainda reconhecem o perigo. Avisam ou educam as crianas sobre estes perigos (afogamentos, armas de fogo, envenenamento). As pessoas evitam, mas aceitam, por exemplo, o uso do avio como meio de transporte (*). Palavras de ordem de segurana tm um tom de precauo como em nunca nade sozinho, nunca aponte uma arma, nunca deixe medicamento ao alcance das crianas.

    10-6

    Na mdia, pouca preocupao por parte das pessoas. As pessoas esto cientes dos acidentes, mas sentem que nunca acontecero com eles. As fraseologias associadas com este nvel de perigo possuem um elemento de resignao como um raio nunca cai duas vezes no mesmo local, um ato de Deus.

    (*) Vale notar que a pesquisa foi realizada em 1970.

    A aceitabilidade do risco afetada por diversas variveis. Uma delas diz respeito s

    atividades voluntrias e involuntrias. Nas atividades voluntrias, as pessoas se

    expem ao risco por conta prpria. Exemplos de atividades voluntrias incluem o

    transporte de passageiros (areo, terrestre, fluvial), alimentao, medicamentos, etc.

    As involuntrias, por outro lado, esto associadas aos danos causados por eventos

    naturais (raios, terremotos, inundaes, etc.). Nas plantas nucleares, embora o risco

    possa ser voluntariamente assumido por alguns, muitos consideram a proximidade do

    reator como um risco involuntrio. Nesse sentido, a induo de cncer devido

    exposio, mesmo a um baixo nvel de radiao, pode ter como resultado, um efeito

    retardado com possibilidade de danos genticos s futuras geraes. Outra varivel

    diz respeito s tecnologias avanadas, desde que os riscos no so totalmente

    conhecidos ou compreendidos. (McCormick, 1981).

    Uma vez que algumas pessoas so cautelosas a exporem-se aos riscos, outras no se

    preocupam. Neste contexto, importante que os critrios de aceitabilidade tambm

    sejam diferenciados em relao aos riscos particulares (private risks) e aos riscos

    pblicos (public risks). No mbito dos riscos particulares, as pessoas se expem e so

    conhecidas pelos tomadores de deciso. Geralmente, representam indivduos que

    vem algum benefcio na aceitao de riscos maiores por conta prpria, enquanto que

    nos riscos pblicos, a sociedade que exposta (Lind, 2002).

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 19

    Portanto, a aceitabilidade do risco uma conseqncia de tomada de deciso, isto ,

    requer que uma escolha seja feita entre vrias alternativas apresentadas, sendo esta

    escolha dependente de valores, crenas e outros fatores. Nesse sentido, no poder

    haver um nico nmero que sirva para todos os propsitos e que expressem a

    aceitabilidade do risco pela sociedade. No melhor dos casos, pode-se encontrar uma

    representao que atenda a melhor alternativa para um problema em especfico.

    Dessa forma, a escolha por uma opo dependente de um conjunto de alternativas

    inerentes a uma situao especfica, das conseqncias, dos valores e fatos

    examinados durante o processo de tomada de deciso (Fischhoff et al, 1999).

    No Reino Unido, a expresso aceitabilidade foi substituda por tolerabilidade. Nesta

    administrao, o conceito de tolerabilidade definido como disposio em viver

    com um perigo potencial emanado de processos e produtos de alta tecnologia. A

    tolerabilidade ao risco implica na condio dos julgamentos que so feitos acerca dos

    riscos involuntrios que afetam tanto a sociedade como o indivduo, apesar de se

    reconhecer que os riscos nunca so completamente aceitos. A aceitabilidade pela

    sociedade das propostas de desenvolvimento pelas indstrias, incluindo aquelas de

    alta tecnologia (usinas nucleares e biotecnologia), depende de uma combinao de

    fatores que incluem acordos, confiana, consultas e negociaes (Kemp, 1991).

    Um modelo de determinao da aceitabilidade do risco denominado ALARP (As

    Low As Reasonably Practicable), cujo princpio se resume em reduzir o nvel de

    risco de um sistema a um valor pequeno, desde que a relao entre o ganho e o

    investimento seja aceitvel. Segundo a International Electrotechnical Commission

    (IEC 1508-5) 1997, o modelo ALARP pode ser utilizado para regular riscos

    emanados de processos industriais e indicam:

    (a) O risco to grande que no deve ser tolerado, ou

    (b) O risco ou tornou-se to pequeno, tornando-se insignificante, ou

    (c) O risco est entre os dois estados especificados nos itens (a) e (b), tendo sido

    reduzido ao mais baixo nvel praticvel, tendo em vista os benefcios

    resultantes de sua aceitao, alm dos custos de qualquer reduo adicional.

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 20

    No item (c), o princpio ALARP requer que qualquer risco deve ser reduzido a um

    nvel que seja to baixo quanto razoavelmente praticvel. Se o risco estiver entre os

    dois extremos (regio inaceitvel e regio amplamente aceitvel) e caso o princpio

    ALARP tenha sido aplicado, o risco resultante um risco tolervel para aquela

    aplicao em especfico.

    Figura 2.4 ilustra as regies de risco do modelo ALARP.

    Fig. 2.4 Risco Tolervel e ALARP

    E) Percepo do Risco (Risk Perception) define o processo como as pessoas

    percebem e assimilam as mensagens de risco, como a mdia a traduz e como

    governos, indstrias e outras organizaes correlatas possam melhor transmitir essas

    mensagens sociedade, desde que podem conter informaes de natureza

    relacionada a perigos potenciais (Powel, 1996). Esta rea de estudo tem origem nas

    primeiras discusses para a instalao de plantas nucleares na dcada de 60.

    A maioria dos debates sobre a percepo do risco nasceu da dicotomia entre as

    medies do risco objetivo e subjetivo. A medida objetiva do risco tem dimenses

    fsicas e mensurveis, por exemplo, quantidades estatsticas como nmero de

    mortes por milho e expectativa de perda de vida.

    o risco no pode serjustificado, exceto em

    circunstncias extraordinriasregio intolervel

    regio ALARP ouregio de tolerabilidade

    tolervel somente se a reduo dorisco impraticvel ou seus custos

    so desproporcionais ao ganho

    medida que o risco reduzido,ao menos, proporcionalmente, necessrio mais gasto para umareduo adicional do risco. O

    conceito da diminuio proporcionaldo risco ilustrado pelo tringulo.

    (o risco assumido somentese um benefcio almejado)

    regio amplamente aceitvel

    (no necessria nenhumaatividade para demonstrar ALARP)

    risco insignificante

    o risco no pode serjustificado, exceto em

    circunstncias extraordinriasregio intolervel

    regio ALARP ouregio de tolerabilidade

    tolervel somente se a reduo dorisco impraticvel ou seus custos

    so desproporcionais ao ganho

    medida que o risco reduzido,ao menos, proporcionalmente, necessrio mais gasto para umareduo adicional do risco. O

    conceito da diminuio proporcionaldo risco ilustrado pelo tringulo.

    (o risco assumido somentese um benefcio almejado)

    regio amplamente aceitvel

    (no necessria nenhumaatividade para demonstrar ALARP)

    risco insignificante

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 21

    A medida subjetiva, por outro lado, envolve tipicamente preferncias expressas ou

    reveladas. A preferncia revelada baseada na aceitao do risco real ou no

    comportamento de como o risco aceito. A preferncia expressa baseada em

    declaraes do tipo, aquilo que algum gostaria de aceitar, em oposio aquilo

    que algum de fato aceita. Neste contexto, vrios estudos tm sido realizados

    objetivando identificar a dimenso de como as pessoas percebem os riscos. Uma das

    formas utilizar-se de uma lista de perigos (acidentes nucleares, incndios, andar de

    carro/bicicleta, etc.) e uma lista de qualidades (natural/feita pelo homem,

    especfico/no especfico, local especfico/no especfico, mais/menos perigoso, etc.)

    e realizar uma pesquisa junto ao pblico. Com os resultados tabulados, determinar a

    dimensionalidade do problema (Bedford; Cooke, 2001).

    Uma variedade de fatores pode influenciar a percepo do risco pelas pessoas ou

    sociedade. Nesse sentido, diversas abordagens e metodologias tm sido

    desenvolvidas para a compreenso de como as pessoas percebem os riscos. Algumas

    dessas metodologias podem ser vistas em (McCormick, 1981); (Johnson, 1992) e

    (Sjoberg, 2000). A compreenso desse processo permitir que a agncia ou rgo

    regulador responsvel tenha as ferramentas necessrias para antecipar e a modelar as

    informaes de risco a serem transmitidas de forma adequada, objetivando melhorar

    a aceitabilidade do risco pelo pblico.

    2.3.4. Fontes de Risco

    As fontes de risco de sistemas computadorizados podem originar-se nos vrios

    estgios do desenvolvimento do sistema, durante a operao comercial e pela prpria

    utilizao do sistema.

    Vale ressaltar que, segundo a International Electrotechnical Commission (IEC)

    2002, os atuais sistemas eltricos, eletrnicos ou eletrnicos programveis esto

    mais complexos, tornando impossvel na prtica, a completa determinao de todos

    os modos de falhas ou no teste de todos os possveis comportamentos do sistema.

    Como conseqncia, so imensas as dificuldades na predio do desempenho do

    sistema com respeito segurana.

  • Cap. 2 Anlise de Risco em Sistemas Crticos 22

    Durante o desenvolvimento de sistemas computadorizados, as seguintes fontes de

    risco devem ser observadas (Neumann, 1995):

    Concepo do sistema: aplicao inapropriada da tecnologia.

    Definio dos requisitos de forma errnea, incompletos ou inconsistentes;

    Projeto do sistema: imperfeio ou conceitos errados relativo ao projeto ou

    na especificao, em termos de hardware ou software;

    Implementao de hardware e software: falhas na fabricao de chips,

    erros de cabeamento ou bugs em programas;

    Ferramentas de sistema que possam conduzir a erros, como linguagens de

    programao pobres, compiladores ou depuradores defeituosos;

    Anlise de sistema: anlises com base em falsas suposies com respeito

    ao ambiente de operao do equipamento como tambm sob o aspecto do

    operador humano;

    Anlise do projeto: utilizao de modelos no apropriados ou imperfeitos;

    Anlise da implementao: testes realizados de forma incompleta ou

    errnea. Inclui erros de depurao no software.

    Durante a operao e utilizao do sistema, as fontes de risco originam-se de

    diversas formas. Nesta fase so adicionados os fatores humanos e externos. Os

    fatores externos incluem o meio ambiente, a infra-estrutura, o mau funcionamento do

    hardware e software, as limitaes do fator humano, entre outros.

  • Cap. 3 Riscos no Contexto da Navegao Area 23

    3. RISCOS NO CONTEXTO DA NAVEGAO AREA

    Neste captulo so introduzidos os fundamentos bsicos do sistema de controle de

    trfego areo, cujo contexto motivao desta pesquisa. Uma breve conceituao

    dos futuros sistemas de navegao area tambm discutida. Em seguida,

    apresentado o cenrio geral onde aplicado este trabalho; na literatura tcnica

    conhecido como operao de aproximao em pistas de aterrissagem paralelas ou

    Closely Spaced Parallel Approaches (CSPA).

    3.1. O Sistema de Controle de Trfego Areo

    Nos tpicos a seguir, so apresentados os conceitos bsicos do sistema de controle de

    trfego areo e sua evoluo. Os conceitos, as restries e alguns modelos de anlise

    de coliso entre aeronaves envolvidas na operao de aproximao em pistas de

    aterrissagem paralelas (CSPA) so tambm abordados.

    3.1.1. Introduo

    Antes da dcada de 30, pouco se considerava quanto necessidade do

    estabelecimento de um sistema organizado para gerenciar o trfego areo, desde que

    as aeronaves eram relativamente lentas e os vos se restringiam navegao durante

    o dia e em timas condies de visibilidade. Vos que se utilizam desse

    procedimento so denominados de VFR (Visual Flight Rules). Esta prtica

    conhecida pelos pilotos como see and be seen como principal mtodo para evitar

    colises entre aeronaves. Porm, com o desenvolvimento do setor, o trfego areo

    noturno tambm se estabelece rotineiramente. Neste caso, como auxlios

    navegao, novos instrumentos foram incorporados s aeronaves (cockpit), alm de

    outros implementados em solo para referncia aos pilotos. Estes instrumentos

    permitiram aos pilotos a executarem todas as fases de um vo em condies

    meteorolgicas adversas daquelas previstas nas regras VFR (Visual Flight Rules),

    sendo conhecidas como IFR (Instrument Flight Rules) (Nolan, 1998).

    Nos horrios noturnos e em condies de alto trfego nas vizinhanas dos aeroportos,

    a necessidade da funo de um controlador de trfego areo tornou-se inevitvel,

  • Cap. 3 Riscos no Contexto da Navegao Area 24

    sendo de sua responsabilidade, a separao entre as aeronaves, a conduo das

    aproximaes/aterrissagens, alm do taxiamento e decolagens. Estas funes esto

    inseridas no mbito do Controle de Trfego Areo ou ATC (Air Traffic Control).

    O Gerenciamento do Trfego Areo, ATM (Air Traffic Management), compreende

    todo o processo de gesto, de organizao, de utilizao e de controle de recursos

    para viabilizar o melhor desempenho do trfego areo do espao controlado, sujeito

    s caractersticas das instalaes aeroporturias, dos auxlios navegao, das

    aeronaves, das condies de vos, da previso dos movimentos, da evoluo do

    trfego, entre outras. Em linhas gerais, tem como objetivo permitir s operadoras

    cumprirem seus tempos de vo, pousos e decolagens planejados e aderirem a perfis

    de vos com um mnimo de constrangimento, sem o comprometimento dos nveis de

    segurana acordados (Machado, 2000).

    Deve ser ressaltado que, em termos de responsabilidade, o piloto em comando tem a

    autoridade decisria em todos os aspectos relacionados operao da aeronave,

    sendo de sua responsabilidade que as operaes sejam realizadas de acordo com as

    regras predefinidas, podendo delas se desviar em situaes absolutamente

    necessrias no atendimento s exigncias de segurana (Sales, 2002).

    Genericamente, o sistema de controle de trfego areo abrange seis fases de operao

    como ilustra a Figura 3.1. A fase 1 indica o espao areo e o plano de vo,

    abrangendo tambm as outras cinco fases; a fase 2 subtendida pela pista do

    aeroporto, a fase 3 o processo de aterrissagem e decolagem e assim sucessivamente

    at a fase de cruzeiro (en route) caracterizado pela fase 6 (Boeing, 1997).

    Fig. 3.1 - Fases de Operao no Espao Areo

    2 23 3

    4 4

    5 56

    1

    1 espao areo e planos de vo2 superfcie do aeroporto3 pouso final e decolagem inicial4 transio de pouso/decolagem5 rea de manobra para pouso/decolagem6 rota de cruzeiro (em rota)

    2 23 3

    4 4

    5 56

    1

    1 espao areo e planos de vo2 superfcie do aeroporto3 pouso final e decolagem inicial4 transio de pouso/decolagem5 rea de manobra para pouso/decolagem6 rota de cruzeiro (em rota)

  • Cap. 3 Riscos no Contexto da Navegao Area 25

    O sistema de controle de trfego areo organizado de forma a disponibilizar

    diversos servios e facilidades que incluem (Perry, 1997):

    Monitorao das aeronaves no solo e autorizao de pousos/decolagens

    pela torre de controle;

    Controle de ascenso e aproximao das aeronaves de/para aeroportos

    pelos radares terminais de controle de aproximao;

    Controle das aeronaves em espaos setorizados e em altas altitudes entre

    aeroportos pelos diversos centros de controle ao longo das aerovias. Cada

    controlador de trfego areo responsvel por um setor do espao areo

    da ordem de vrios milhares de ps de altitude e desde 20 a 200 milhas

    nuticas de extenso (1milha nutica = 6.080 ps = 1.853 metros).

    O espao areo de um pas dividido em classes com requisitos especficos e regras

    de operao distintas para cada classe do espao areo, sendo definidas pela

    Organizao da Aviao Civil Internacional, ICAO (International Civil Aviation

    Organization). A ICAO representa o rgo regulador da aviao civil internacional,

    cuja competncia inclui a promoo, o incentivo e o estabelecimento de padres para

    a aviao civil internacional. Idealizado na conveno de Chicago em 1944 e

    institudo em outubro de 1947, tem como sede, a cidade de Montreal no Canad.

    Esta classificao tem por objetivo prover uma melhor flexibilidade ao piloto e, de

    forma apropriada, para cada tipo de operao e densidade de trfego. Em outras

    palavras, permite prover a separao mnima entre aeronaves e um controle ativo em

    reas densas ou em operaes envolvendo aeronaves em alta velocidade. Em reas de

    baixo trfego e condies meteorolgicas aceitveis, o prprio piloto pode prover a

    separao necessria entre as aeronaves (Nolan, 1998).

    No Brasil, seis anos aps a criao da aviao militar em 1933, o aumento das

    atividades nos servios do correio areo exigiu a instalao das primeiras estaes

    meteorolgicas no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba para apoio a essas

    operaes, sendo considerado como marco inicial do servio de proteo ao vo no

    Brasil. A evoluo dessas instalaes de suporte hoje conhecida como CINDACTA

    (Centro Integrado de Defesa Area e Controle do Trfego Areo) localizado em

  • Cap. 3 Riscos no Contexto da Navegao Area 26

    Braslia, Recife e Curitiba. Criado em 1977, o CINDACTA funciona como rgo

    regional da DEPV (Diretoria de Eletrnica e Proteo ao Vo) dividindo-se em dois

    centros denominados de Centro de Controle de rea e Centro de Operaes

    Militares. O servio de navegao area no Brasil de responsabilidade do

    Ministrio da Aeronutica, sendo representado pela Diretoria de Eletrnica e

    Proteo ao Vo (DEPV), cuja misso compreende, entre outras, a gerncia dos

    requisitos de controle do trfego areo brasileiro, defesa do espao areo, pesquisa e

    desenvolvimento de produtos de interesse na proteo ao vo (Siewerdt, 2000).

    Segundo Weigang (1994) e Sales (2002), o espao areo brasileiro dividido em:

    Espao areo no controlado: nestes espaos, os prprios pilotos so

    responsveis pela separao entre as aeronaves. Portanto, o servio de

    separao entre aeronaves no de responsabilidade do ATC (Air Traffic

    Control), independente das condies meteorolgicas.

    Espao areo controlado: corresponde aos espaos areos onde se prestam

    os servios de controle de trfego areo ATC (Air Traffic Control). So

    divididos em cinco regies e administrados pelo DEPV por meio de centros

    denominados de SRPV (Servios Regionais de Proteo ao Vo) e pelo

    CINDACTA (Centro Integrado de Defesa Area e Controle do Trfego

    Areo). O SRPV corresponde aos rgos regionais da DEPV, cuja finalidade

    facilitar as tramitaes referentes proteo ao vo.

    Espao areo condicionado: aquele restrito circulao area geral e de

    dimenses definidas, constituindo-se de reas proibidas (vo no permitido

    em reas prximas a refinarias, fbricas de explosivos, usinas hidroeltricas e

    reas de segurana nacional), restritas (situaes de exerccio de tiro,

    lanamento de foguetes e pra-quedismo) e perigosas (reas onde existam

    riscos em potencial como no treinamento de aeronaves civis). Os limites so

    indicados nas cartas aeronuticas e manuais da DEPV, sendo estabelecido em

    carter temporrio ou permanente.

  • Cap. 3 Riscos no Contexto da Navegao Area 27

    O servio de trfego areo, ATS (Air Traffic Services), prestado em todo espao

    areo brasileiro, sendo divididos em ATC (Servio de Controle de Trfego Areo),

    FIS (Servio de Informao ao Vo) e AS (Servio de Alerta).

    O servio de controle de trfego areo (ATC) a atividade mais importante para

    manter ordenada e contnua o fluxo de trfego areo nos espaos areos controlados,

    onde so emitidas autorizaes de controle. So trs os tipos de servios de controle

    de trfego areo: Centro de Controle de Aerdromo (TWR) (*), Centro de Controle de

    Aproximao (APP) (**) e Centro de Controle de rea (ACC) (***).

    O servio FIS (Servio de Informao ao Vo) tem a finalidade de prover

    informaes teis, objetivando a execuo segura e eficiente de vos a todas as

    aeronaves que tenham dado conhecimento de seu vo a um rgo ATS (Air Traffic

    Services). Estas informaes dizem respeito s condies meteorolgicas

    significativas da rota e aerdromos, alteraes em aerdromos, auxlios navegao

    e servios de informao do trfego areo, sendo prestado por todos os rgos ATS.

    O servio AS (Servio de Alerta) prestado a toda aeronave que tenha dado

    conhecimento de seu vo a um rgo ATS, sendo realizado pelo rgo ATS do

    aerdromo de destino; em rota, a responsabilidade pelo servio cabe ao ACC (Centro

    de Controle de rea).

    (*): Tambm denominado ATCT (Airport Traffic Control Towers), responsvel pelo controle de movimentos de aeronaves no solo e nas vizinhanas do aeroporto. (**): Disponibilizam servios de controle de trfego areo em termos de aterrissagens e decolagens de aeronaves sob regras VFR/IFR (Visual Flight Rules/Instrumental Flight Rules) e, ocasionalmente, para trfegos em rota. Em alguns aeroportos no servidos pela facilidade de controle de aproximao APP, o ARTCC (Air Route Traffic Control Center) pode prover o servio de forma limitada de controle de aproximao. (***): Na definio pela ICAO (International Civil Aviation Organization), ACC (Area Control Center) uma facilidade do controle de trfego areo ATC (Air Traffic Control) que prov servios s aeronaves sobre regras IFR (Instrument Flight Rules) durante a fase de vo de cruzeiro (en route). O equivalente americano o ARTCC (Air Route Traffic Control Center).

  • Cap. 3 - Riscos no Contexto da Navegao Area 28

    3.1.2. Futuros Sistemas de Navegao Area

    A partir do incio da dcada de 80, nos principais pases desenvolvidos, uma carga

    progressiva de trabalho foi imposta aos centros de controle de trfego areo como

    conseqncia do aumento no volume do trfego areo de passageiros. Nesse perodo,

    no Brasil, o aumento anual no fluxo de passageiros no Aeroporto Internacional de

    Guarulhos cresceu a uma taxa mdia de 7% a.a. (Weigang, 1994).

    Considerando o perodo de 1992-2010, as previses para o mercado mundial,

    incluindo a Amrica do Norte, Europa, sia-Pacfico, Amrica Latina e frica,

    indicavam um crescimento mdio em torno de 5% no trfego anual de passageiros

    (Galotti, 1998). Neste contexto, Perry (1997) assinala que, em meados do ano de

    2015, caso o sistema de transporte areo americano no acuse nenhuma modificao

    relevante com respeito aos processos e tecnologias atuais utilizados na aviao, a

    ocorrncia de desastres areos e de grandes propores poder se tornar uma rotina

    com freqncia de ocorrncia a cada sete ou dez dias.

    Portanto, a capacidade da atual plataforma utilizada no controle de trfego areo

    poder exaurir-se em alguns anos, caso a taxa mdia de crescimento no transporte de

    passageiros mantenha-se nesse patamar. Atualmente, a tendncia de crescimento

    observada no setor foi, de certa forma, interrompida em funo do atentado terrorista

    11 de setembro nos EUA e, em grande parte, pela situao econmica recessiva em

    que se encontram os principais pases desenvolvidos.

    Vrios fatores limitantes na atual plataforma podem acelerar a saturao do sistema.

    Esses fatores incluem a utilizao ineficiente do espao areo (rotas pr-

    determinadas), uso de equipamentos obsoletos em operao nos centros de controle

    de trfego areo, comunicao restrita e congestionada (voz) entre aeronaves e o

    centro de controle (ATC) e pouca flexibilidade na navegao atravs do uso de

    estaes transmissoras fixas, VOR (*), em terra (Tomlin; Pappas; Sastry, 1998).

    (*) VOR (VHF Omni directional Range): sistema de navegao em terra para a transmisso de cursos de navegao. Cada VOR designado com uma freqncia entre 108,10 e 117,90 MHz.

  • Cap. 3 - Riscos no Contexto da Navegao Area 29

    Dessa forma, com a saturao da atual plataforma, possvel que os requisitos

    mnimos de segurana, em situaes onde o trfego areo seja demasiadamente alto,

    sejam comprometidos. Outrossim, o aumento de gastos extras com combustveis nos

    circuitos de espera e de tempo para pousos e decolagens pode se tornar rotina,

    gerando como conseqncias, atrasos e insatisfao por parte dos usurios finais.

    Nesse contexto, objetivando o atendimento da demanda prevista no futuro prximo,

    torna-se imperativo o desenvolvimento e implementao de uma nova plataforma

    para o setor areo de transporte de passageiros.

    Como resposta a este desafio, em 5 de setembro de 1991, 450 representantes de 85

    administraes e 13 organizaes internacionais aprovaram no mbito da ICAO

    (International Civil Aviation Organization), o conceito dos Futuros Sistemas de

    Navegao Area (FANS - Future Air Navigation System), cuja premissa bsica o

    atendimento s necessidades da comunidade da aviao civil para o prximo sculo,

    conhecido como CNS/ATM (Communications, Navigation, Surveillance/Air Traffic

    Management), envolvendo um conjunto complexo de tecnologias e inter-

    relacionadas e dependentes principalmente do uso de satlites (Galloti, 1998).

    Portanto, o sistema CNS/ATM dever ser implementado para superar as limitaes

    do sistema atual e satisfazer a evoluo da demanda do trfego areo e dos requisitos

    dos usurios em termos de eficincia e economia, mantendo ou melhorando os nveis

    de segurana existentes (ICAO, 1994).

    Como principais objetivos, a introduo do sistema CNS/ATM inclui diminuir riscos

    de conflito e coliso mesmo nas situaes onde sejam acomodados uma grande

    variedade e tipos de aeronaves no mesmo espao areo, melhorar a proviso de

    informaes aos usurios (condies meteorolgicas, trfego situacional e outras

    facilidades), permitir uma gerncia flexvel do espao areo, utilizar eficientemente

    as aerovias, aumentar o envolvimento do dilogo ar-terra para melhorar e auxiliar a

    tomada de deciso por meio do uso de enlace de dados digitais (data-links) e criar,

    dentro do possvel, um espao areo contnuo onde as fronteiras sejam transparentes

    aos seus usurios (Galloti, 1998).

  • Cap. 3 - Riscos no Contexto da Navegao Area 30

    3.2. Operao de Aproximao em Pistas de Aterrissagem Paralelas

    Neste tpico apresentado o cenrio geral onde aplicado este trabalho de pesquisa.

    Na literatura tcnica, este cenrio conhecido como operao de aproximao em

    pistas de aterrissagem paralelas (CSPA - Closely Spaced Parallel Approaches).

    3.2.1 Conceituao

    Excluindo-se eventos como o terrorismo no setor areo de transporte e alguns

    percalos na economia mundial, pesquisas recentes de mercado indicavam,

    invariavelmente, um aumento no trfego areo para as prximas dcadas.

    Neste contexto, segundo Houck; Powell (2000), os principais aeroportos em todo o

    mundo necessitaro de meios adequados para o tratamento do trfego areo

    excedente, que poder duplicar-se nas prximas duas dcadas. Atualmente, diversos

    aeroportos operam no limite de sua capacidade em algumas horas do dia, de forma

    que, um aumento na sua capacidade, ser de suma importncia para suportar o

    crescimento esperado do trfego areo.

    Esta demanda excedente pode ser atendida pela construo de novos aeroportos,

    adio de novas pistas ou aumentando-se a capacidade das pistas existentes em

    termos do fluxo de decolagens e aterrissagens. Contudo, a construo de novos

    aeroportos como tambm a adio de pistas adicionais as existentes so onerosas e de

    difcil alterao uma vez construdas. Essas solues podem incorrer em fortes

    impactos ao meio ambiente e nas comunidades vizinhas. Portanto, a maximizao da

    taxa de aterrissagem/decolagem das pistas existentes e que seja independente das

    condies meteorolgicas, uma alternativa para o atendimento do trfego areo

    excedente, desde que satisfaam critrios mnimos de segurana.

    Diversos aeroportos possuem pistas de aterrissagens paralelas, cujo espaamento

    entre as linhas centrais das pistas variam de um aeroporto a outro. Nesses aeroportos,

    existem duas ou mais taxas de uso das pistas: uma taxa tima baseada em timas

    condies meteorolgicas, e uma taxa reduzida, em condies de tempo adversas

    (baixa visibilidade, ventos no favorveis ou elevadas precipitaes). Os fatores

  • Cap. 3 - Riscos no Contexto da Navegao Area 31

    subjacentes que afetam a operao de aproximao nos aeroportos em perodos de

    baixa visibilidade so (FAA, 2001):

    Falta de procedimento(s) na operao de aproximao por instrumentos

    disponveis nos aeroportos e,

    Inabilidade em maximizar o uso das pistas de aterrissagem paralelas

    quando a separao visual no possa mais ser aplicada. Portanto, nesses aeroportos, interessante que a taxa de utilizao das pistas de

    aterrissagem paralelas seja prxima taxa tima e, alm disso, seja independente das

    condies meteorolgicas. Vale observar que, a taxa de uso das pistas a que se refere

    o texto a taxa de aterrissagens e no a taxa de decolagens. Nas operaes de

    aproximao, os eventos e os controles associados que podem induzir a ocorrncia de

    estados perigosos (coliso entre aeronaves e obstculos) so mais significativos

    quando comparados s operaes de decolagens.

    Segundo Haines, Swedish (1981); Houck et al (1999) e Bone et al (2001), a operao

    de aproximao em pistas de aterrissagem paralelas (Closely Spaced Parallel

    Approaches - CSPA) corresponde ao processo onde duas aeronaves realizam

    conjuntamente e, muito prximas umas das outras, a fase de aproximao em pistas

    de aterrissagens paralelas que estejam separadas de 4.300 ps (1310,6m) ou menos.

    Como regra geral, aterrissagens durante boas condies meteorolgicas ou VMC

    (Visual Meteorological Conditions), a aproximao pode ser conduzida por meio do

    critrio see and be seen, isto , sob regras VFR (Visual Flight Rules).

    Nas aproximaes durante boas condies meteorolgicas, VMC (Visual

    Meteorological Conditions), a responsabilidade de separao entre aeronaves em

    uma aterrissagem padro transferida do controlador de trfego areo para o piloto,

    devendo o piloto reportar ao controle do aeroporto ou a aeronave precedente, a

    conduo da aproximao visual. Nestas condies, aps a aceitao da aproximao

    visual, o piloto ser responsvel pela manuteno de um intervalo de tempo de

    aproximao seguro como tambm de uma separao adequada, entre as aeronaves,

    devido ao efeito de turbulncias geradas pela aeronave. Aproximaes visuais

  • Cap. 3 - Riscos no Contexto da Navegao Area 32

    simultneas em pistas de aterrissagem paralelas podem ser conduzidas se o

    espaamento entre as linhas centrais das pistas seja de pelo menos 700 ps (213,4m).

    Sob condies meteorolgicas por instrumento, IMC (Instrument Meteorological

    Conditions) e regras IFR (Instrument Flight Rules), o controlador de trfego areo

    responsvel pela separao segura entre as aeronaves. Atualmente, as pistas devem

    estar separadas de pelo menos 4.300 ps (1310,6m) nas operaes de aproximao

    paralelas e independentes (aterrissagem simultnea de duas aeronaves).

    Caso a separao das pistas paralelas esteja entre 4.300 ps (1310,6m) e 2.500 ps

    (762m), a operao de aproximao denominada de aproximao dependente,

    com restries na separao diagonal entre as aeronaves que estejam aterrissando nas

    diferentes pistas (3 milhas nuticas, caso a separao entre as pistas esteja entre

    2.500 a 3.000 ps e 2 milhas nuticas para 3.000 a 4.300 ps de espaamento).

    Aeroportos com pistas paralelas separadas de menos de 2.500 ps (762m) esto

    sujeitas ao perigo de turbulncias devido aos vrtices (wake vortex) (*). Neste caso, as

    pistas de aterrissagem paralelas so limitadas essencialmente s operaes em pista

    simples durante condies IMC (Instrument Meteorological Conditions).

    A Figura 3.2 ilustra os conceitos bsicos da operao de aproximao em pistas de

    aterrissagem paralelas apresentados anteriormente (Buley; Corwin, 1998).

    (*): Vrtices ou wake vortex so turbulncias produzidas pelas pontas das asas, cuja intensidade depende das caractersticas da aeronave em termos do peso, envergadura e forma da asa, ngulo de ataque e certas condies atmosfricas (direo e velocidade do vento). O vrtice (cada asa gera o seu prprio vrtice) o resultado da presso diferencial entre a parte inferior (alta presso) e superior (baixa presso) da sup