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CHICO DOMINGO OGLOBO DOMINGO, 24 DE FEVEREIRO DE 2013 ANO LXXXVIII - Nº 29.056 Irineu Marinho (1876-1925) (1904-2003) Roberto Marinho RIO DE JANEIRO oglobo.com.br O Flamengo venceu ontem o Olaria (2 a 0) e confirmou a melhor campanha do Carioca. Fluminense, Vasco e Botafogo jogam hoje, às 16h, por vaga na semifinal. CADERNO ESPORTES Fla derrota Olaria e aguarda rivais Campeonato Carioca A Polícia deve indiciar pelo incêndio na boate Kiss, que causou a morte de 239 pessoas e completará um mês na quarta-feira, mais três familiares dos donos do local e um funcionário. PÁGINA 9 Polícia vai indiciar outros quatro Tragédia de Santa Maria A epidemia de crack está afetando não apenas a população extremamente pobre, alvo mais co- mum de ações de internação compulsória no Rio e em São Paulo. Dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) mostram que o consu- mo da droga e de cocaína atinge cada vez mais trabalhadores formais. Prova disso é que o volume de auxílios-doença pagos por causa do uso dessas substâncias psicoativas aumentou 216% entre 2006 e 2012, chegando a 31 mil benefícios, revela GUSTAVO URIBE. São pessoas como o advogado Maurício Bitencourte, 40 anos e pós-graduado em direito do trabalho, que perdeu o emprego por uso de cocaína e começou a consumir crack. Para especialistas, o aumento coincide com a expan- são dessa droga no país. No mesmo período, os auxílios concedidos por causa do abuso de álcool ficaram estáveis, em torno de 14 mil. PÁGINAS 3 e 4 Crack e cocaína afastam do trabalho mais que álcool Auxílio-doença para viciados nas duas drogas triplicou em seis anos No ano passado, foram 31 mil benefícios concedidos pelo INSS a quem abandonou o emprego formal por causa do uso dessas substâncias psicoativas, mais que o dobro do registrado devido a problemas com bebida NOVA EPIDEMIA _ Com o aumento da renda do brasileiro, a falta de atualização da tabela do Imposto de Renda em relação à inflação e o aperto da fiscalização, mais da metade dos contribuintes brasileiros pagam IR à Receita Federal, ao fim da declara- ção anual. Levantamento da consultoria Ernst & Young Terco mostra que 50,3% das pessoas já pagavam o tributo em 2011. Ou seja, mais de 12 milhões de brasileiros, que começam a acertar as contas com o Leão na próxima sexta-feira. Uma década atrás, essa relação era só de 36,2%, ou 5,5 milhões de pessoas. PÁGINAS 37 e 38 Metade dos contribuintes já paga IR Mesmo após deduções, cerca de 12 milhões de brasileiros são obrigados a gastar mais com o imposto do governo O Museu de Arte do Rio (MAR), um projeto de R$ 76 milhões, abre as portas no dia 1º de março, no Palacete Dom João VI, na Praça Mauá, com quatro exposições simultâneas e acervo próprio. DANIELA DACORSO O diagnóstico precoce de doenças genéticas desafia a ética. PÁGINA 51 SAÚDE DNA SEM DEFEITOS Escasso no mercado, gestor de projetos é o profissional da vez. BOA CHANCE LEI DA OFERTA E DA PROCURA Histórias de quem mora de frente para belos cenários do Rio. MORAR BEM VISÃO 180 GRAUS Eleita a mais bela do carnaval de rua carioca, a foliã Daniela Bahiense nasceu em Cachoeiro de Itapemirim e há oito anos vive no Rio, onde é fã de Santa Teresa e da Lapa. DANIELA DACORSO CAPIXABA À CARIOCA Musa dos Blocos REVISTA O GLOBO Fantasia. Daniela, de 26 anos, quer ser atriz Vilã REVISTA DA TV Depois de Flora, de “A favorita”, Patricia Pillar vibra com a megera Constância, de “Lado a lado”. SEM MEDO DE SER SEGUNDO CADERNO O RIO QUE CORRE PARA O MAR CAETANO VELOSO Atacado por Fidel em pessoa, juntamente com Yoani Sánchez. A FESTA DO OSCAR “Argo”, que saiu atrás, pode ganhar hoje o prêmio de melhor filme. PAULA GIOLITO ANDRÉ COELHO UMA LUZ DE ESPERANÇA NA ‘TRIBO INVISÍVEL’ O avá-canoeiro Paxeo, de 1 ano, com o pai Kapitomy’i: após 20 anos com apenas seis pessoas, o nascimento do bebê da “tribo invisível” — assim chamada por se esconder nas árvores do cerrado de Goiás — é a esperança da comunidade, que já teve dois mil índios. Removidos por uma hidrelétrica em 1996, eles vivem quase na miséria. Os R$ 6,9 milhões em compensações, relata DANILO F ARIELLLO, foram geridos pela Funai, mas não há sinais de que chegaram à aldeia. PÁGINAS 42 e 43 2ª Edição • Preço deste exemplar no RJ, MG e ES: R$ 4 • Os suplementos Morar Bem e Boa Chance circulam apenas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, na Costa Verde, na Região Serrana e na Região dos Lagos (menos Macaé e Rio das Ostras) O Vaticano desmentiu as denúncias de escândalos e intrigas que teriam motivado a renúncia de Bento XVI. O Papa advertiu cardeais sobre “a corrupção que macula a criação de Deus”. PÁGINA 50 Vaticano nega escândalos A renúncia de Bento XVI Deslizamento de terra causado pela chuva soterrou uma mulher e atingiu 24 veículos na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo. A estrada ficou interditada durante todo o dia de ontem. PÁGINA 9 Deslizamento fecha rodovia em SP Queda de barreira

OGLOBO - Socioambiental · 2013-02-25 · CHICO DOMINGO OGLOBO DOMINGO,24DEFEVEREIRODE2013 ANOLXXXVIII-Nº29.056 IrineuMarinho(1876-1925) (1904-2003)RobertoMarinho RIODEJANEIRO oglobo.com.br

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CHICO

DOMINGO

OGLOBODOMINGO, 24 DE FEVEREIRO DE 2013 ANO LXXXVIII - Nº 29.056 IrineuMarinho (1876-1925) (1904-2003)RobertoMarinho RIO DE JANEIRO oglobo.com.br

O Flamengo venceu ontem oOlaria (2 a 0) e confirmou amelhor campanha do Carioca.Fluminense, Vasco e Botafogojogam hoje, às 16h, por vagana semifinal. CADERNO ESPORTES

Fla derrota Olariae aguarda rivais

CampeonatoCarioca

A Polícia deve indiciar peloincêndio na boate Kiss,que causou a morte de 239pessoas e completará ummêsna quarta-feira, mais trêsfamiliares dos donos do locale um funcionário. PÁGINA 9

Polícia vai indiciaroutros quatro

Tragédia de SantaMaria

A epidemia de crack está afetando não apenas apopulação extremamente pobre, alvo mais co-mum de ações de internação compulsória no Rioe em São Paulo. Dados do Instituto Nacional deSeguridade Social (INSS) mostram que o consu-mo da droga e de cocaína atinge cada vez mais

trabalhadores formais. Provadissoéqueovolumede auxílios-doença pagos por causa do uso dessassubstâncias psicoativas aumentou 216% entre2006 e 2012, chegando a 31 mil benefícios, revelaGUSTAVO URIBE. São pessoas como o advogadoMaurícioBitencourte, 40 anos epós-graduadoem

direito do trabalho, que perdeu o emprego poruso de cocaína e começou a consumir crack. Paraespecialistas, o aumento coincide com a expan-são dessa droga no país. No mesmo período, osauxílios concedidos por causa do abuso de álcoolficaram estáveis, em torno de 14mil. PÁGINAS 3 e 4

Crack e cocaína afastamdo trabalho mais que álcool

Auxílio-doença para viciados nas duas drogas triplicou em seis anosNoanopassado, foram31mil benefícios concedidos pelo INSS a quemabandonouo emprego formal por causa

douso dessas substâncias psicoativas,mais que o dobro do registrado devido a problemas combebida

NOVAEPIDEMIA_

Como aumento da renda do brasileiro, a falta deatualização da tabela do Imposto de Renda emrelação à inflação e o aperto da fiscalização,mais da metade dos contribuintes brasileiros

pagam IR à Receita Federal, ao fim da declara-ção anual. Levantamento da consultoria Ernst &Young Terco mostra que 50,3% das pessoas jápagavam o tributo em 2011. Ou seja, mais de 12

milhões de brasileiros, que começam a acertaras contas com o Leão na próxima sexta-feira.Uma década atrás, essa relação era só de 36,2%,ou 5,5 milhões de pessoas. PÁGINAS 37 e 38

Metade dos contribuintes já paga IRMesmoapós deduções, cerca de 12milhões de brasileiros são obrigados a gastarmais como imposto do governo

O Museu de Arte do Rio (MAR), um projeto deR$ 76 milhões, abre as portas no dia 1º de março,no Palacete Dom João VI, na Praça Mauá, comquatro exposições simultâneas e acervo próprio.

DANIELADACORSO

O diagnósticoprecoce de doençasgenéticas desafiaa ética. PÁGINA 51

SAÚDE

DNA SEMDEFEITOS

Escasso no mercado,gestor de projetos éo profissional da vez.

BOACHANCE

LEI DA OFERTAE DA PROCURA

Histórias de quemmora de frente parabelos cenários do Rio.

MORARBEM

VISÃO180 GRAUS

Eleita a mais belado carnaval de rua carioca,a foliã Daniela Bahiensenasceu em Cachoeiro deItapemirim e há oito anosvive no Rio, onde é fã deSanta Teresa e da Lapa. DA

NIELADACORSO

CAPIXABAÀ CARIOCA

Musados Blocos

REVISTAOGLOBO

Fantasia.Daniela,de 26 anos,quer ser atriz

VilãREVISTADATV

Depois de Flora, de “A favorita”,Patricia Pillar vibra com a megeraConstância, de “Lado a lado”.

SEM MEDODE SER MÁ

SEGUNDOCADERNO

O RIO QUE CORREPARA O MAR

CAETANOVELOSO

Atacado por Fidel empessoa, juntamentecom Yoani Sánchez.

A FESTADO OSCAR

“Argo”, que saiu atrás,pode ganhar hoje oprêmio de melhor filme.

PAULAGIOLITO

ANDRÉCOELHO

UMA LUZ DEESPERANÇANA ‘TRIBOINVISÍVEL’O avá-canoeiro Paxeo,de 1 ano, com o paiKapitomy’i: após 20 anoscom apenas seispessoas, o nascimentodo bebê da “triboinvisível” — assimchamada por seesconder nas árvoresdo cerrado de Goiás —é a esperança dacomunidade, que játeve dois mil índios.Removidos por umahidrelétrica em 1996, elesvivem quase na miséria.Os R$ 6,9 milhões emcompensações, relataDANILO FARIELLLO,foram geridos pela Funai,mas não há sinais deque chegaram à aldeia.PÁGINAS 42 e 43

2ª Edição • Preço deste exemplar no RJ, MG e ES: R$ 4 • Os suplementos Morar Bem e Boa Chance circulam apenas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, na Costa Verde, na Região Serrana e na Região dos Lagos (menos Macaé e Rio das Ostras)

OVaticano desmentiu asdenúncias de escândalos eintrigas que teriammotivado arenúncia de Bento XVI. O Papaadvertiu cardeais sobre “acorrupção quemacula acriação de Deus”. PÁGINA 50

Vaticano negaescândalos

A renúncia deBentoXVI

Deslizamento de terra causadopela chuva soterrou umamulher e atingiu 24 veículos naRodovia dos Imigrantes, emSão Paulo. A estrada ficouinterditada durante todo o diade ontem. PÁGINA 9

Deslizamento fecharodovia em SP

Quedadebarreira

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42 l O GLOBO l Economia l Domingo 24 .2 .2013

-MINAÇU (GO)-Os olhos apertados e amendoados dePaxeo, de 1 ano, refletem o resquício de uma et-nia que já foi composta pormais de duasmil al-mas, no cerrado brasileiro, onde era conhecidacomo “a tribo invisível”, por sua capacidade dese esconder nas árvores. Já os olhos de Matxa,de 73 anos, a matriarca da aldeia, não podemmais ver esse sopro de esperança de perpetua-ção da comunidade que salvou do extermínio.Mas, mesmo que não estivesse cega por umglaucoma que resistiu a duas operações, suapercepção da vida permaneceria turva pela si-tuação de miséria e impotência de sua aldeianos últimos 20 anos, cerceada pela burocracia elentidão da máquina pública, que deveria tor-nar viável a expansão daqueles sobreviventes,não só física, mas também cultural.Desde 1992, os avás-canoeiros ficaram redu-

zidos a seis pessoas emuma reserva entreMina-çu e Colinas do Sul (GO)— outros dez avás per-deram sua identidade cultural vivendo com cai-após e javaés na Ilha do Bananal (TO). Os índiosgoianos foram realocados pela construção dausina hidrelétrica de Serra da Mesa, em 1996,quando pareciam fadados ao desaparecimento,até que—comauxílio de programas específicosdos empreendedores da usina, Furnas e CPFL— Niwatima, de 24 anos, conheceu e se casoucomo índio tapirapé Kapitomy’i, de 26 anos, re-lação da qual nasceu Avá-canoeiro Paxeo Tapi-rapé, em 28 de janeiro de 2012.

FUNAI NÃO ENCONTRA RELATÓRIOS DE CONVÊNIOSHá 17 anos, repórteres do GLOBO estiveram naaldeia mostrando a vida e as perspectivas de so-brevivência deNakwatxa, hoje com63 anos, Iawi,de53,Tuia, de43, eThrumak,de26, alémdeMat-xa e Niwatima, que na época se chamava Putd-jawa. Ali começava, de fato, um convênio entreFurnas e CPFL com a Fundação Nacional do Ín-dio (Funai) que previa US$ 2 milhões para a pro-teçãoda reserva e odesenvolvimentoda comuni-dade. Entre 1996 e o nascimento de Paxeo, foraminvestidos no território de 38mil hectares—maisdo que duas vezes a área de Niterói — R$ 6,9 mi-lhões, resultado do convênio, da transferência deroyalties pelo uso da água na hidrelétrica e dacompra de terras para recompor parte da reservaque foi alagada em10%do território. Esses recur-sos tornaram conhecida essa — que é uma dasmenores etnias do Brasil — como a mais rica detodas.Mas tantosmilhõesnão tiraramosavás-ca-noeiros de uma vida que beira a miséria. Pior doque isso. Após o fim do convênio em 2002, os ín-dios passaram a ter uma condição de dependên-cia extremado apoio externo, chegando amendi-gar por cestas básicas junto ao povo vizinho à al-deia e à cidade deMinaçu.Apesar da esperança de perpetuação genética

com o nascimento de Paxeo, elementos da cultu-ra avá-canoeiro permanecem adormecidos na-

quele grupo depois de anos de influência dosbrancos e da ineficiência dos projetos socioambi-entais. Não deu resultado, por exemplo, o projetopara definição de uma ortografia da língua dosavás, uma ramificação do tupi-guarani. Sem isso,a língua tende ao desaparecimento, uma vez queNiwatima e Kapitomy’i já se falam emportuguês.Além disso, de 1992 a 2002, os índios receberamperiodicamente cestas básicas especiais, o que,segundoantropólogos, ajudoua reduzir o seu ím-peto à busca ou cultivo do alimento. Com o fimdo convênio, não faltaramapenas alimentos,mastambém ficaram prejudicados outros tipos de as-sistências, como amédica.

Indagada, a Funai não conseguiu encontrar osrelatórios de balanço do convênio assinado em1992, sem o qual a avaliação sobre os investi-mentos ou mesmo a confirmação de que eleschegaram de fato à aldeia fica impossível. A Fu-nai explica que a busca não foi bem-sucedidapor causa da recente alteração de seu comando,que ocorreu há quase um ano, e da transferên-cia de documentos da atual sede emBrasília pa-ra outra onde os servidores ainda vão se insta-lar. A olhos nus, porém, fica clara a precariedadena aplicação de diversos programas previstosem 1992, sob responsabilidade da Funai.— Eles passaram fome comdinheiro em caixa

— reconhece Egipson Correia, técnico indige-nista da Funai responsável pela aldeia.As cestas básicas e a perda de tradições inibi-

ram os índios de matar a fome com hábitos ali-mentares antes tradicionais. Niwatima e Iawi, porexemplo, comematualmentemorcegos e tatus—pratos comunsna comunidade até o contato como branco— com amesma frequência que um ci-dadão de classemédia come lagosta noBrasil, ouseja, raramente. E, neste caso, não é por falta deoferta, uma vez que morcegos enfileiram-se noteto da cabana de alvenaria de umcômodo, ondeos moradores espalham-se por suas redes.Maria AugustaAssirati, diretora dePromoção ao

Desenvolvimento Sustentável da Funai, diz quenos últimos anos, sobretudo após a Constituiçãode 1988, há uma tentativa de aperfeiçoamento doEstado para promover a reprodução não só física,mas cultural de etnias indígenas.—O Estado vem em um esforço de aperfeiço-

ar processos, com umdiálogomais aberto entreos atores envolvidos, mas ainda há necessidadede avanços — reconhece.

APESAR DE CONVÊNIO, EDUCAÇÃO NÃO OCORREUNa ocasião do primeiro convênio, diz o indige-nista Correia, os índios não foram ouvidos, porexemplo, sobre o local onde foi instalada a bar-raca de alvenaria com água encanada, mas comesgoto precário e sem luz, onde vivem hoje. En-tre os 38mil hectares de reserva disponível, a al-deia foi instalada pela Funai em um vale cerca-do de montanhas por todos os lados. Conside-rado o histórico de massacre dos avás-canoei-ros, que quase desapareceramemconflitos combandeirantes e garimpeiros no passado, a faltade um horizonte acaba levando os moradores aum estado de alerta constante e a uma necessi-dade de superar colinas para explorar a reserva.— Aqui só dá milho pequenininho — disse

Iawi, reclamando do local da casa.Entre os milhões de reais reservados para os

índios, mas que parecem não ter atravessado aporteira da reserva, estão recursos para educa-ção. Hoje, só Niwatima sabe ler. Seu irmão,Thrumak, aprendeu matemática no convíviocom brancos. Segundo Furnas, em 2001, foi fei-to um convênio com a Universidade Federal deGoiás com professoras que ensinavam os índi-os. “No período de um ano não foi constatadoqualquer resultadopara os índios, Funai ouFur-nas. Por essa razão, a Funai solicitou a não reno-vação do convênio, bem como ainda não apre-sentou nova proposta para educação dos índi-os”, informa Furnas.— Fazer das quatro pessoas que restaram de

uma tribo objeto de uma proteção indigenistacom verbas milionárias é uma forma bizarra depreservação e até uma forma de violência, por-que desconsidera aspectos importantes da vidadeles. Essa sociedade, quevive emsituaçãodeca-tiveiro, passou a ser dirigida por tutores — disseCristhian Teófilo da Silva, professor de Antropo-logia da Universidade de Brasília (UnB), que de-fendeu tese de doutorado sobre o grupo. l

Paxeo é o 7º integrante de grupo que já teve 2mil índios, foi removido por hidrelétrica e hoje vive quase namiséria

DANILOFARIELLOEnviado [email protected]

FOTOS DE ANDRÉ COELHO

Matriarca.Matxa, líder do clã e cega, guarda o que resta da tradição cultural da aldeia. Apesar de recursos milionários, Funai não conseguiu melhorar as condições de vida dos últimos representantes dos avás-canoeiros

Esperança volta com bebê avá-canoeiro‘TRIBO INVISÍVEL’_

Resistência. Avá-canoeiro Paxeo Tapirapé, o bebê índio filho de Niwatima e o Tapirapé Kapitomy’iROBERTO STUCKERT FILHO/12-4-1996

Passado. Putdjawa (à direita) mudou o nome para Niwatima, mãe de Paxeo

“Fazer das pessoasque restaram umaproteçãoindigenista comverbas milionáriasé um meio bizarrode preservação”Cristhian Teófilo da SilvaProfessor de Antropologia da UnB

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Domingo 24 .2 .2013 l Economia l O GLOBO l 43

-MINAÇU (GO)- A espingarda deIawi, companheira de cami-nhadas pela selva, não tembalas. Tampouco elas são ne-cessárias, porque já não exis-tem animais selvagens a se-rem perseguidos na reservados avás-canoeiros em Goiás.A área é cercada por pasto egado. O homem que era res-ponsável pelo provimento datribo também já não tem ca-pacidade física para grandesperseguições cerrado aden-tro. Durante uma curta cami-nhada de 20 minutos até ocórrego Pirapítinga, nas pro-ximidades da aldeia, Iawi, de53 anos, parou para recobraro fôlego sete vezes.Não há mais tempo para o

índio ver os resultados deuma nova fase das políticasindigenistas no Brasil, que re-sultaram em um novo convê-nio firmado entre Funai e em-preendedores no ano passa-do, visando à recuperação deaspectos culturais adormeci-dos entre os avás. Com ane-mia severa e ba-ço aumentado, oresultado de umexame previstopara o dia 10 po-derá comprovaras suspeitas deque tem leuce-mia.Os avás-cano-

eiros estão entreas primeiras et-nias beneficia-das pela Consti-tuição de 1988,que obrigou quegrandes projetosde infraestrutu-ra com impactoem terras indí-genas fossemsubmetidos aoCongresso antesda sua aprova-ção. Naquelemomento, o focoprincipal era ademarcação dasterras e a sobre-vivência dos ín-dios. De lá paracá, os debatesquanto à interfe-rência do ho-mem branconessas comuni-dades se acirra-ram com umaoposição cadavez mais forte aos riscos soci-oambientais dos projetos.Com isso, o governo tem ado-tado posição mais defensiva.O novo convênio assinado

entre Furnas e CPFL (em-preendedores da usina hidre-létrica de Serra daMesa) comaFunai já foi concebido de for-ma diferente do primeiro acor-do, de 1992. As ações e metasprevistas no convênio estãoagora calcadas em uma preo-cupação maior com a preser-vação física e cultural das etni-as. Casos como o dos avás-ca-noeiros são prioritários para aFunai por conta do número ex-tremamente reduzido de inte-grantes dessa tribo.Episódios recentes, como o

debate internacional sobre aconstrução de Belo Monte, noPará, e seu impacto sobre ospovos do Xingu, têm levado ogoverno a reavaliar comoaproveitar o potencial hidrelé-trico brasileiro. Segundo o Mi-nistério de Minas e Energia, opotencial de construção de no-

vas hidrelétricas no Brasil aca-bará entre 2025 e 2030 porque,diante de pressões internas eexternas, há um entendimentode que o país não deve avançarmais pela Amazônia para gerarenergia.O caso de Belo Monte ga-

nhou notoriedade internacio-nal e fez o diretor James Came-ron, de “Avatar”, vir ao Brasil em2009. Diante das críticas, o go-verno teve de montar uma for-ça-tarefa na área de comunica-ção para defender o empreen-dimento, que nos últimos diasvoltou a ter sua sustentabilida-de contestada. Faltam contra-partidas para os empreendedo-res responsáveis.

TELES PIRES TAMBÉM PREOCUPANa quinta-feira, índios e omi-nistro Gilberto Carvalho, daSecretaria-Geral da Presidên-cia, travaram um diálogo ten-so, na entrada do Palácio doPlanalto, por conta da cons-trução da usina de Teles Pires,no Mato Grosso, e seus im-pactos nas comunidades. Poresses motivos, os últimos pro-jetos que envolvem hidrelé-tricas na Amazônia, como as

usinas do Tapa-jós, também noPará, já exigemmais cuidadosambientais.Por outro lado,

no ano passado,a exploraçãoeconômica dasreservas indíge-nas já demarca-das no Brasil-quase tornou-seuma realidadecom a edição daportaria 303 pe-la Advocacia-Geral da União(AGU). A normareplicava paratodo o país defi-nições adotadaspelo SupremoTribunal Fede-ral (STF) parapacificar a dis-puta da reservaRaposa-Serrado Sol, em Ro-raima, abrindoespaço na práti-ca para constru-ção de estradase atividades demineração nes-sas áreas.Diante da imi-

nência do riscode uma inter-

venção desenfreada nas reser-vas sem grande debate social eapós uma grita de represen-tantes indígenas, o governo te-ve de recuar. A portaria foi sus-pensa depois que o Supremoindicou que a decisão não po-de ser aplicada automatica-mente e lembrou que há espe-cificidades e recursos relacio-nados a Raposa-Serra do Sol aserem julgados em definitivo.A portaria 303 da AGU estásuspensa até a decisão do Su-premo.O governo, no entanto, já se

articula para tratar dos efeitosde estradas que cortam reser-vas ou de mineração em terri-tórios indígenas. As dis-cussões, que envolvem diver-sos ministérios, preveemroyalties a serem pagos aosíndios como compensação fi-nanceira pelo impacto ambi-ental. Atualmente eles só têmdireito a essas compensaçõesno caso de exploração hídri-ca, ou seja da construção dehidrelétricas. l

Impacto socioambiental agorapõe a construção de usinashidrelétricas em xequeDANILOFARIELLOEnviado [email protected]

FOTOS DE ANDRÉ COELHO

Sobrevivência. Iawi Avá-Canoeiro, de 53 anos, é o índio mais velho da tribo e durante muito tempo foi o responsável pela sobrevivência do grupo

Índios não têmmais animaispara a caça

‘TRIBO INVISÍVEL’_

Delimitada Declarada Regularizada

Brasília

GOIÁS

SP

MG

TOMT

Avá-Canoeiro

Fontes: Funai, Sesai, ISA

100km

Colinasdo Sul

Minaçu

Detalhe

O POVO AVÁ-CANOEIROÁrea da reserva em Goiás38 mil hectares

Ano da declaração da reserva1996

Outros nomesCanoeiro, Cara-Preta, Carijó

Onde estãomunicípios de Minaçu eColinas do Sul (GO) e Ilha doBananal (TO)

Quantos sãosete

Divindadesfumaça do cachimbo e o Sol

LínguaAvá-Canoeiro, da famíliaTupi-GuaraniREGULARIZAÇÃO

Funai administra recursos milionáriosDinheiro da criação degado daria oportunidadede autonomia à aldeia

-MINAÇU (GO)- Assim como paramuitos moradores do Centro-Oeste brasileiro, criar gado é aesperança de sobrevivência eprosperidadeparaosavás-cano-eiros. O termo de convênio assi-nadoentreFurnas,CPFLeFunaiprevê a possibilidade de capaci-tação para criação de gado. Me-lhor do que isso, o novo acordoassegura que os índios sejamouvidos sobre a destinação dosrecursos, diferentemente doacordo firmado em 1992.É Kapitomy’i, o tapirapé que

gerou o indiozinho Paxeo edesponta como sucessor deIawi na liderança dos avás,quem traz da sua tribo de ori-gem a experiência no tratocom o gado para corte, umaatividade polêmica, uma vezque aldeias já foram acusadasde arrendar trechos de suas re-servas para produtores de ga-do no Brasil. É o dinheiro vivoresultante dessa atividade queindica aos índios uma possibi-lidade de autonomia, nuncaexperimentada, já que os mi-lhões destinados à aldeia sem-pre foram administrados poralgum organismo externo —Funai ou as empresas.Outra forma de independên-

cia financeira procurada pelosíndios é a aposentadoria pleite-ada para Matxa e Nakwatxa, as

mais idosas. Elas já têm visitaagendada em uma agência doINSS para dar entrada nos pa-péis. Demorou um ano, masKapitomy’i conseguiu tambémmaisdeR$2mil emauxílio-ma-ternidade para Niwatima pelonascimento de Paxeo, o quelhespermite encomendarna ci-dade de Minaçu frangos abati-dos para alimentação da tribo.

SÓ R$ 1,2 MILHÃO LIBERADOMaria Augusta Assirati, chefeda diretoria de Promoção aoDesenvolvimento Sustentávelda Funai, disse que a autono-mia e autodeterminação dopovo indígena, que podem serobtidas pela criação de gado,passaram a ser metas com

Constituição de 1988.— Deixou-se de lado a visão

de que os índios deveriam sertutelados pelos brancos. A gen-te faz as contas emonta o proje-to, mas são eles que decidem.No entanto,mesmonessa no-

va fase, as iniciativas ainda nãosaíram do papel. Do novo con-vênio firmado em maio do anopassado, no valor de R$ 6,8 mi-lhões, as empresas liberaramem junho para a Funai R$ 1,2milhão, valor que até hoje aindanão aportou na aldeia. Só na se-mana passada chegou ao localo primeiro grupo da Funai parafazer um levantamento dascondições do grupo e discutircom eles a aplicação dos recur-sos. (Danilo Fariello) l

Ajuda financeira. Nakwatxa em sua rede: pedido de aposentadoria no INSS

U“CANOA,CANOA”

Em 1978, a “tribo invisível” foicaptada pelos radares da músicapopular brasileira. Lançadonaquele ano, o disco “Clube daEsquina 2”, de Milton Nascimento,trazia a canção “Canoa, canoa”,cujos versos faziam referência aosavás-canoeiros: “Avá-canoeiroprefere as águas/ Avá-canoeiroprefere o rio/ Avá-canoeiro prefereos peixes/ Avá-canoeiro prefereremar”. A composição nasceunum igarapé amazônico, comolembra Nelson Angelo, parceiro deFernando Brant na canção:— Eu tinha começado a fazer

duas músicas, que acabaramvirando a primeira e a segundaparte de “Canoa, canoa”. Estavaem Manaus, onde tinha ido tocar.Descemos um igarapé numacanoazinha até chegar ao RioAmazonas. Estava com o violão, (opercussionista) Robertinho Silvabatucava com o remo na canoa.Ali juntei as duas melodias e elasse tornaram uma só.Nelson pediu então que o

letrista Brant escrevesse versosque tivessem a ideia de canoacomo tema. A canção começa:“Canoa, canoa desce/ No meio doRio Araguaia desce/ No meio danoite alta da floresta/ Levando asolidão e a coragem/ Dos homensque são”.— Nosso amigo Tavinho Moura

lembrou que havia uma tribo, osavá-canoeiros, que viviam emcanoas — conta o compositor. —Fernando então fez a letrapensando nesses índios.Nelson também assina o arranjo

da gravação de “Canoa, canoa” em“Clube da Esquina 2”. Ali, ao ladode cellos, piano, flauta, bateria,baixo e violão, são usados timbresque remetem ao universoindígena, como bambu e pios.(Leonardo Lichote)

EM 1978, MILTONCANTOU A TRIBO

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Clube da Esquina. Capa do disco

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No rio. Iawi nas águas

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