325
relatos, reflexões e proposições Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza, Rosângela Ramsdorf Zanetti (orgs.). OLHARES SOBRE a formação de PROFESSORES

OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

  • Upload
    dokhanh

  • View
    241

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

relatos, reflexões e proposições Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza,

Rosângela Ramsdorf Zanetti (orgs.).

OLHARES SOBRE

a fo

rmaç

ão d

e PROFESSORES

Page 2: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

O45 Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições / Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza, Rosângela Ramsdorf Zanetti (orgs.). – Londrina : UEL, 2016.

1 DVD

Vários autores.

Inclui bibliografia.

ISBN - 978-85-7846-396-0

1. Formação de professores. 2. Professores – Educação

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Reitora:

Vice-Reitor

Revisão

Editoração eletrônica

Conselho editorial

Apoio Financeiro

Realização

Profª. Drª. Berenice Quinzani Jordão

Ludoviko Carnasciali dos Santos

Andressa Tatiele Campos

Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES

PARFOR/UELRodovia Celso Garcia Cid, PR 447. KM380. Londrina - PR.CEP 86047970

Pró-Reitora de GraduaçãoProfa. Dra. Angela Maria de Souza Lima

Coordenadora GeralProfa Dra. Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

Page 3: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza, Rosângela Ramsdorf Zanetti

(org.)

Olhares sobre a formação de professores:

relatos, reflexões e proposições

Londrina 2016

Page 4: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

PREFÁCIO

Pensar a formação do professor sempre foi motivo de inquietações, e muitas delas se intensificaram quando começamos a receber os estudantes/professores do PARFOR. O conhecimento do cotidiano escolar e a prática do-cente trazidos por eles puseram em xeque muitas das estratégias metodológi-cas utilizadas em nossos cursos de formação, evidenciando a necessidade de revisá-las, bem como aos conteúdos curriculares, entre outras coisas. Esse encontro tem se revelado muito profícuo! Levou-nos a repensar a rever nossas abordagens e concepções, evidenciando necessidades que já haviam sido apontadas por autores do campo da Educação: a valorização do conhecimento produzido pelo professor na interação com seus alunos; a busca da autonomia no processo de formação docente e o incentivo à postura reflexiva e investigativa; a superação da ênfase nos aspectos racionais em relação aos aspectos subjetivos em sua formação, na constituição de suas identidades, na elaboração de discursos, ideologias e culturas. Isso contribui para que o processo de ensino-aprendizagem seja com-preendido como investigação e discussão conjunta entre professor-aluno para a produção de conhecimentos na escola O aluno é sujeito e não objeto, e dado que se constitui e constrói o conhecimento na interação com o mundo e com os outros, aprende de forma particular e única, conforme os significados que atribui a cada experiência. A prática pedagógica deve então ser entendida como eixo central e mesmo ponto de partida dos currículos de formação de professores e encarada como atividade criativa. A formação do professor se dá também com a prática pedagógica diária, nas situações conflituosas do cotidiano escolar. Da observação e reflexão sobre tais situações cotidianas produz-se um tipo de saber e saber-fazer diverso do conhecimento produzido unicamente no âmbito acadêmico. Nessa perspectiva, os estudantes/professores tornam-se não apenas assimiladores de informações produzidas por especialistas, mas produtores de conhecimento, o que lhes concede maior autonomia para pensar sobre o próprio processo de formação e de construção do conhecimento. É o que evidenciam os trabalhos apresentados no III Encontro Nacional do PARFOR. O livro que aqui se apresenta permite delinear uma panorâmica deste programa pelo país, uma vez que os autores são atuantes em diversos

Page 5: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

contextos de formação nos estados do Amazonas, Bahia Pernambuco, Pará Paraná e Rio Grande do Sul, abrangendo as áreas de Artes Visuais, Filosofia, Física, Formação Pedagógica, Geografia, História, Letras, Matemática, Música, Pedagogia e Química. Conta ainda com a contribuição internacional do profes-sor João Paulo Queiroz, da Faculdade de Belas-Artes da Universidade Lisboa.Os trabalhos apresentam uma diversidade de abordagens e pontos de vista ao debater as antigas e sempre atuais questões pertinentes à formação do profes-sor, como também os novos desafios da segunda formação, em seus aspectos educacionais, econômicos, sociológicos, antropológicos, políticos e culturais. Ao aproximar escola e universidade, os desafios da segunda formação gravitam em torno dessas duas instâncias e têm contribuído com a consolidação da indissociabilidade entre teoria e prática educativa. Assim, as questões dis-cutidas por alguns autores dizem respeito tanto à formação oferecida pelas in-stituições em que atuam, quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na prática pedagógica destes estudantes/professores em exercício e em formação. Que sentidos dão a essa formação? Quais as repercussões em sua vida pessoal e profissional? São interrogantes que motivaram algumas das pesquisas aqui apresentadas. As concepções de homem, sociedade, conhecimento, ciência, educação e trabalho e suas implicações na ação pedagógica; o necessário enfrentam-ento do atual modelo de sociedade em busca da emancipação humana, e sua indissociabilidade da atuação do educador e do papel central da escola e da educação, são as inquietações e contribuições trazidas por outro grupo de pro-fessores/pesquisadores. A problematização das estratégias metodológicas utilizadas na formação, tais como o uso pedagógico de jogos e das Tecnologias de Informação e Comu-nicação (TIC’s), a produção escrita como forma de avaliação, a leitura de ima-gem, a organização da prática de canto coral entre outras, também vêm compor esse debate. São resultado de reflexões surgidas na aproximação com o cotidi-ano escolar e das situações-problema trazidas pelos professores em formação, evidenciando a necessidade de se repensar a organização curricular de modo a articulá-la à realidade escolar, que têm aproximado cada vez mais as instituições de formação do cotidiano escolar. O livro que se apresenta mantém vivo esse diálogo!

Carla Juliana Galvão AlvesProfessora Formadora da 2ª Licenciatura em Artes Visuais do PARFOR/UEL

Page 6: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

SUMÁRIO

A ESCOLHA DE REPERTÓRIO MUSICAL NAS AULAS DE CANTO CORAL DA SEGUNDA LICENCIATURA EM MÚSICA / UEL / PARFOR

Heloiza Branco ............................................................................................................... 9

A FORMAÇÃO COMO DIMENSÃO INSEPARÁVEL DA ATUAÇÃO DO PROFESSOR

Consuelo Alcioni Borba Duarte Schlichta ....................................................................... 20

A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS NA APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA PARA OS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL I

Cileide Teixeira da Silva Polli, Ednéia Consolin Poli ..................................................... 31

A SIGNIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA DO PARFOR-UEM

Regina de Jesus Chicarelle, Leonor Dias Paini ............................................................. 46

A TECNOLOGIA APLICADA NAS METODOLOGIAS DE ENSINO NO CURSO DE SEGUNDA LICENCIATURA EM MÚSICA(PARFOR - UEL)

Luciana Schmidt .............................................................................................................. 57

APONTAMENTOS E REFLEXÕES SOBRE FORMAÇÃOCONTINUADA DE PROFESSORES: CONCEPÇÕES, DESAFIOS E LUGARES FORMATIVOS

Maurício de Aquino ......................................................................................................... 67

APRENDIZAGENS DECORRENTES DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EFETIVADAS NO PARFOR: COM A PALAVRA OS ALUNOS

Mari Clair Moro Nascimento, Edilaine Vagula, Marlizete Cristina Bonafini Steinle ....... 74

AS CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA, CURSADA NO PARFOR, PARA A ATUAÇÃO NA DOCÊNCIA E NA GESTÃO EDUCACIONAL

Mari Clair Moro Nascimento, Crislaine Peixoto Almeida,Patrícia de Fátima Ferreira Gaion .................................................................................. 85

AS PRÁTICAS DOCENTES QUE INSPIRAM AS PESQUISAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Mônica Maria Gadêlha de Souza Gaspar, Adlene Silva Arantes .................................. 98

AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INCLUSIVAKarla Andrea Cândido Rêgo Soares, Larissa Gotti Pissinatti ......................................... 109

ATIVIDADE EXTRACLASSE: VOZES DOS DISCENTES-DOCENTES DO CURSO DE FORMAÇÃO DO PARFOR/CAPES/UFBA

Lina Maria Brandão de Aras ........................................................................................... 121

DIVERSOS OLHARES SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DOS PROFESSORES DO PARFOR DA UEM

Leonor Dias Paini, Sebastião Gazola, Ana Carolina Eugenio ....................................... 132

Page 7: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

EDUCAÇÃO E TRABALHO NO CURSO DE PEDAGOGIAPARFOR: REVENDO O PAPEL DA ESCOLA BÁSICA

Crislaine Peixoto Almeida, Eliane Cleide da Silva Czernisz, Erika Souza Meyer de Lima Marleide Rodrigues da Silva Perrude, Patrícia de Fátima Ferreira ............................................................................................. 142

EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE FILOSOFIA NO CURSO DEFORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA PROFESSORES DAEDUCAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ

Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui ............................................................................... 151

FORMAÇÃO DE ARTE EDUCADORES: DESAFIOS PARA AINOVAÇÃO

João Paulo Queiroz ......................................................................................................... 163

JOGANDO COM AS PALAVRAS LICENCIATURA EM QUÍMICA DO PARFOR / UFBA – BRASIL: SUPERANDO O REFERENCIAL EMPÍRICO-ANALITICO PREDOMINANTE NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS

Edilson Fortuna de Moradillo, Hélio da Silva Messeder Neto, Bárbara Carine Soares Pinheiro ..................................................................................... 184

MUDANÇA DE ESTRATÉGIAS: NOVAS PRÁXISNOVAS CONEXÕES

Katia da Silva Ribeiro Araujo ........................................................................................... 201

O PARFOR NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ (UFOPA): PERSPECTIVAS PARA A MELHORIA NA PRÁXIS PEDAGÓGICA

Eliane Gracy Lemos Barreto, Anselmo Alencar Colares ................................................. 211

O TEMPO DA ESCOLHA: AS VOZES DE ESTUDANTES PROFESSORES QUE CURSAM SEGUNDAS LICENCIATURAS NO PARFOR/UEL

Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza (UEL) ............................................................. 226

OS CAMINHOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO INFANTIL DE QUALIDADE – UMA VIVÊNCIA NA DOCÊNCIA DA REDE MUNICIPAL DE LONDRINA

Aline Moreno Noivo Henriques, Cassiana Magalhães .................................................... 237

PARFOR: REPERCUSSÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA, VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL DE PROFESSORES-ALUNOS

Arnaldo Nogaro, Idanir Ecco, Neusa Pereira Machado .................................................. 246

PRODOCÊNCIA E FOPE: POLÍTICAS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADADOS PROFESSORES NA UEL: DISSEMINAÇÃO DOS SABERES DOCENTES

Ângela Maria de Sousa Lima, Angélica Lyra de Araujo .................................................. 263

PRODUÇÃO TEXTUAL: LEITURAS DE IMAGENS E O EMPREGO DAS TICValéria Mazzer Tortelli ..................................................................................................... 277

REALIDADE E DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA REGIÃO DO ALTO RIO NEGRO-AMAZONAS

Thaís Billalba Carvalho, Ivan de Jesus Ferreira, Sidney Netto,

Francisco Adilson dos Santos Hara. ................................................................................ 290

SABERES E FAZERES DE UM GRUPO DE ALUNOS DE PEDAGOGIA/ PARFOR: RELATOS DE DIFERENTES TRAJETÓRIAS SOBRE A ESCRITA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PEDAGOGO

Cileide Teixeira da Silva Polli, Rejane Christine de Barros Palma .................................. 304

Page 8: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática
Page 9: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A ESCOLHA DE REPERTÓRIO MUSICAL NAS AULAS DE CANTO CORAL DA SEGUNDA LICENCIATURA

EM MÚSICA / UEL / PARFOR

Heloiza Branco1

Resumo

Este artigo apresenta uma reflexão sobre questões que permearam o desen-volvimento da disciplina de Prática de Canto Coral III na Segunda Licenciatura em Música da UEL/PARFOR: escolha de repertório, sequenciamento e ritmo das atividades. A opção do repertório coral trabalhado em sala de aula é uma tarefa crucial para o sucesso da disciplina, bem como o planejamento da sua distribuição no tempo de aula. Um levantamento bibliográfico serve de suporte para discorrer sobre o tema.

Palavras chaves: Repertório coral. Canto coral. Licenciatura em Música.

A disciplina de Prática de Canto Coral III da Segunda Licenciatura em Música da UEL / PARFOR conta com uma ementa aberta: Pesquisa e montagem de repertório coral de estilos e gêneros variados. Na prática, além de funcionar como um ensaio coral, em que se busca o sucesso na execução das peças mu-sicais, também se procura o progressivo aprimoramento das vozes dos partici-pantes, e para tanto incluem-se exercícios vocais e noções de fisiologia vocal. Exercícios de leitura melódica e rítmica e a prática de movimentos de regência básicos também fazem parte do programa. No desenvolvimento das aulas de Prática de Canto Coral III - disciplina do terceiro módulo da citada Licenciatura, o maior desafio foi a escolha do repertório musical. Logo na primeira aula, na apresentação da disciplina, da professora e da turma, delineou-se uma situação didática bastante diferente do usual na Li-cenciatura em Música da UEL: os alunos do PARFOR, como esperado, eram todos professores, com uma faixa etária mais avançada e a composição da sala era quase exclusiva de mulheres (na graduação normal de Música existe uma média de 20% de mulheres contra 80% de homens – tendência de várias univer-

1 Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Música pela UNICAMP. Docente do Departa-mento de Música e Teatro. Coordenadora da Segunda Licenciatura em Música/ PARFOR /UEL. [email protected].

Page 10: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

10

sidades brasileiras). Durante o primeiro encontro várias atividades possibilitaram observar grande heterogeneidade na turma. Essa heterogeneidade se mostra-va em vários aspectos: experiência com o código musical, capacidade de ex-pressão musical e preferência musical. Um dado chamava bastante a atenção. Tendo elencado para a primeira aula canções propositadamente escolhidas para observar o desempenho e o interesse da turma, a análise resultante mostrava dados bem diversos das observações na Licenciatura regular. As canções que obtiveram maior vibração junto aos alunos professores do PARFOR foram as canções que pudessem ser usadas por eles em seu trabalho na escola. Uma grande parte da turma mostrava um olhar pedagógico ao material apresentado. Havia uma preocupação profissional o tempo todo. Esta avaliação causou um alvoroço, pois fazia mudar de direção todo o planejamento geral já realizado. Para criar com este grupo uma ligação que tor-nasse as aulas interessantes, era preciso mergulhar em seus interesses, procu-rar nutri-los em suas necessidades, sem deixar de, ao mesmo tempo, propiciar informações atualizadas, práticas vocais sadias, trabalho corporal sistemático, atividades variadas de canto em grupo. Aprender a cantar em grupo requer que a pessoa

[...] exercite seu próprio julgamento em respostas aos sons que mudam constantemente nas peças musicais. Executar música envolve uma habilidade para ouvir e fazer constantes mudanças e melhorias na qualidade de seu próprio canto. (RAO, 1993, p. 11)

Outras questões surgiram: o módulo acontecia nas férias de janeiro, e a disciplina foi planejada com quatro aulas diárias no período da tarde. Este ar-ranjo propiciava aos alunos um tempo de trabalho e um espaçamento entre os encontros diferentes da pratica semanal e anual que é o comum na Licenciatura regular. Não era possível contar com o amadurecimento e a fixação que acon-tecem entre uma aula e outra naquela prática. Foi necessário planejar exausti-vamente para que as 60 horas intensivas da disciplina somassem informação e formação rápida e profunda, capaz de capacitar estes alunos na apreensão, manejo e desenvolvimento de suas próprias vozes, sua compreensão musical e sua capacidade de trabalho com seus alunos em suas escolas. Esta situação leva à segunda problemática que será objeto de análise: a disposição das ativi-dades nas aulas e o ritmo de sua apresentação. Procura-se com este estudo, suscitar interesse na continuidade de pesqui-sa sobre estes temas, já que a escolha de repertório e a disposição e ritmo das atividades no tempo de aula são fatores que demandam trabalho sistemático

Page 11: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 11

e estão presentes em todo planejamento de aula ensaio de Canto Coral. Es-tes dois tópicos serão discutidos a partir de um levantamento bibliográfico, que serve de apoio para a reflexão que se propõe.

Escolha de repertório

Quando alguém lê o programa de aulas da disciplina de Canto Coral, talvez não imagine a importância do item que é registrado na bibliografia como “Acervo de partituras pessoal da docente”. É neste acervo, que congrega livros, apostilas, e muitas fotocópias, ampliado enormemente pela crescente oferta da internet; que se escolhe, entre milhares de possibilidades, ‘a’ música que se en-caixa com certa turma e que atende a necessidades específicas de aprendizado. Numa sala de aula de canto coral, o conteúdo são as próprias peças musicais, que apresentam desafios que devem ser superados coletiva e individualmente. Achar o trabalho musical adequado para certa turma ocupa o professor o ano inteiro, sendo uma tarefa constante, que num dado momento se equilibra, para logo em seguida seguir mudando. Que turma? Quem são estes alunos? Antes que a tarefa de escolher o repertório comece, é necessário discutir com o grupo questões como: “porque cantar?”, “o que querem cantar”, “como querem cantar?” (KERR, 2006, p. 22). Nada melhor que a conversa inicial, para adequar o planejamento à turma em questão. No primeiro contato com os alunos professores do PARFOR, ficou mui-to claro que havia uma diferença se comparados com os alunos da Licenci-atura regular. Neste contexto último, os alunos têm curiosidades de vivências variadas, que o ajudem a compor sua formação musical ampla, e o programa da disciplina é alinhado com este interesse, providenciando um repertório que abrange vários períodos históricos e vários gêneros, em várias formações. Os alunos professores do PARFOR mostraram no conjunto outros interesses: tin-ham atitudes corporais e brilho nos olhos nas práticas que podiam transpor para sua rotina profissional. Todo o tempo de docência no PARFOR fez pressentir que na segunda feira ressoava nas escolas o trabalho do sábado (falando das aulas normais do PARFOR). Cada canção que era adequada para ‘sua’ turma, quando se tratavam de professores da Educação Infantil, ou para ‘aquela’ turma, quando a afirmação vinha de professores de Séries Finais, fazia multiplicar o interesse de cada aluno. Tratava-se de uma turma de alunos professores com interesse em cantar repertório aplicável a seus alunos. Mesmo esse objetivo central se diversificava em miríades de situações desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.

Page 12: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

12

Para IGAYA (2007, p. 2), a escolha de repertório para um grupo musical “está intrinsecamente ligada à definição de sua identidade”. A música faz com que se revele e se expresse esta identidade. Para esta autora:

[...] a necessidade de pesquisa constante, aliada a uma sensibi-lidade das necessidades do grupo com o qual se trabalha, tanto do ponto de vista musical, educativo, como social, torna-se um objetivo de trabalho na formação de regentes corais, e a questão da identidade incluída na aceitação e rejeição dos repertórios passa a ser um canal de conhecimento do grupo e também de ed-ucação, no sentido mais amplo que possa receber esta palavra.

Numa atividade coral, a identidade do grupo não vem somente dos alunos. O professor regente está incluído na formação desta identidade. Se em ambien-tes informais a identidade do grupo coral nasce da própria figura do regente, ao qual se agregam cantores que são atraídos por afinidade, na sala de aula isso não é a regra – os alunos não têm a escolha de estar ali. Nem sempre o pro-fessor compartilha a identidade geral de seu grupo de trabalho, por diferenças variadas. Mas deve existir um esforço para construir junto com o grupo uma identidade, e ‘o repertório passa a ter um papel decisivo, para o qual é preciso estar atento e bem preparado’ (IGAYA, 2007, p. 2). Cabe ao professor pesquisa constante e um aperfeiçoamento de seu olhar discriminador sobre as músicas, e estar aberto às sugestões do grupo. São muitas as músicas, poucas que cabem a determinada circunstância de um determinado grupo. Ao compreender e apreender as características gerais de um grupo, e refletir de que forma ele próprio se correlaciona com estas características, o professor regente tem mais condições de propor um trabalho que seja, além de educativo, significativo. PAUL SALAMUNOVICH (1991, p. 87) advoga que ‘meu critério mais importante (para escolher repertório) é que eu goste muito da músi-ca; assim eu posso ensinar meus cantores a gostar dela também’. Um diálogo entre o que é de desejo do professor regente (tantas músicas maravilhosas!) e o que é necessário em sua sala de aula ou ensaio para propiciar o desejado crescimento musical, muitas vezes pode ser uma dificuldade a ser superada. JORDAN (2009, p. 348) defende que:

Enquanto é importante para os membros de um coro trazer sua experiência de vida para qualquer texto a que vão dar vida, é ainda mais importante que o regente saiba como aquela música ressoa dentre dele - isto é, como as crenças de experiência de vida do regente encontram um lugar dentro dele do qual a músi-ca pode emergir. È deste local interno que todo impulso musical e fantasia honesta pode brotar [...]

Page 13: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 13

O professor de canto coral, que em cada aula tem um ensaio, deve usar de clareza para verificar quais são os pontos de intersecção entre suas próprias convicções musicais e as do grupo para o qual pensa no repertório, até onde pode ir para criar uma identidade e ampliar ao máximo essa zona de conforto com o grupo. Havendo uma coincidência de interesses, é muito mais fácil que os cantores se interessem e apreciem o repertório musical escolhido, o que fa-cilita a integralização da proposta pedagógica subjacente. O professor regente que aprecia seu repertório transmite esta mensagem por meio de seu comporta-mento verbal e não verbal, o que cria um clima positivo para que os estudantes cantores tenham mais facilidade com esse material. Outro fator que atua facilitando o aprendizado no contexto em estudo é a atenção despendida pelos alunos cantores em relação à figura do professor regente. Em geral, especialmente quando a música começa, os alunos olham todos o professor, que nesse momento centraliza a ação do grupo. Estes mo-mentos de atenção intensa promove uma aproximação com o mundo interno do professor, o que cria atalhos pedagógicos nunca ditos. BRANCO (2010, p.88) afirma que no ensaio coral existe empatia2 dos cantores com o regente:

[...] desde o começo do ensaio a familiaridade, a similaridade e a interdependência entre o cantor e o regente estão agindo, crian-do um campo favorável à empatia. No contexto do ensaio coral, são os cantores que têm empatia com o regente. Ao fazer isso, ajudam o regente a construir a música que paira em sua mente. O regente, através de seus movimentos, revela seu mundo inter-no, e o cantor o compreende porque reproduz seus movimentos em seu cérebro; ao compreender suas intenções, cumpre a tare-fa necessária com maior eficiência.[...]a empatia com o regente parece funcionar como uma ferramenta que os faz compreender com maior rapidez o que fazer e como fazer a tarefa.

Ao compreender as características gerais de um grupo, e sentir-se parte dele, o professor regente terá mais facilidade de escolher um repertório que ao mesmo tempo em que acolhe, instigue. Isso é necessário para que o proces-so educacional caminhe. Como diz GREEN (1981, p. 238), “alguma coisa que querem ouvir, alguma coisa para ‘engolir seco’”, em cada encontro. Não se trata de criar uma identidade e criar limites rígidos. Trata-se de explorar ao máximo peças que atendam aos interesses e ao nível musical e técnico do grupo, e perceber as chances de ampliar conhecimentos e experiências através da ex-

2 Empatia para esta autora significa ‘fenômeno em que os cantores repetem os movimentos que observam no regente’. (BRANCO, 2010, p. 16) Ao fazer essa imitação, sugere-se que o aprendizado é facilitado.

Page 14: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

14

ecução de peças com dificuldades progressivas as mais variadas, que sejam, porém, cabíveis. Conhecer seus cantores, perceber a identidade do grupo, e como essa identidade se relaciona com seu próprio mundo musical. Ainda assim não se chega à escolha do repertório. Existem os critérios técnicos para essa tarefa. Dizem respeito à forma como o compositor ou arranjador pensou a música, sua estrutura, sua textura e as dificuldades envolvidas em seu aprendizado. Deve-se observar o nível de desenvolvimento artístico e pedagógico do conjunto. O regente deve sabe julgar que música pode se encaixar bem ao seu grupo, tanto musicalmente quanto tecnicamente (EHMANN, 1968, p. 145). O mesmo autor também aconselha a “evitar peças muito difíceis, e cantar o que o grupo consegue cantar com a maior perfeição possível. Sempre é melhor executar bem músicas mais simples do que executar peças mais difíceis sem qualidade”. Este é um julgamento que a prática vai aperfeiçoando. Inexistem no Brasil catálogos de música coral brasileira que façam classificação a respeito de sua aplicabilidade em vários níveis de ensino. Fica para o professor de música coral este trabalho de estabelecer pertinência. Quando se fala na estruturação de peças corais, muitos itens devem ser observados. Para quantas vozes a peça foi feita? O grupo tem cantores que conseguem executar cada uma das vozes? A extensão é adequada? A demanda respiratória é apropriada à faixa etária e à experiência dos cantores? Há trechos que persistem em extensões extremas? Existem intervalos ou acordes que pos-sam trazer dificuldades? Se é escrita em outra língua, que dificuldades isso vai trazer ao desenvolvimento da peça? Alguns regentes fazem fichamento de suas partituras no intuito de ajudá-los na escolha de repertório. Dessa forma, poderi-am chegar a um resultado mais rápido nesta tarefa. A escolha de repertório na prática anual da Licenciatura de Música regular começa na divulgação do vestibular. Neste momento se sabe qual será a quan-tidade de mulheres na disciplina de Canto Coral daquele ano. Mas mesmo que uma linha geral tenha sido traçada antes do início o ano letivo, é no contato com a turma nas primeiras aulas, que o repertório vai surgindo, aflorando, a cada ano diferente. No caso do PARFOR surgiu a situação em que havia predomínio de mulheres. São duas situações bastante diversas, no mesmo contexto de aula de canto coral no ensino superior em cursos equivalentes, levando a repertórios também diferentes. No caso da música coral, além dos parâmetros musicais, adicionamos um olhar ao texto. Muitas vezes o texto é o primeiro fator que chama atenção numa

Page 15: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 15

peça musical, e um elemento chave para identificar que determinada música é adequada para um grupo em particular. JOHN HABERLEN (1991, p.82 ) comenta:

Analiso primeiro o texto e sua estimulação poética e intelectual. Depois observo a música e sinto se os elementos do compositor têm a ver com o texto. Mas só depois de reconhecer que meu coral tem o perfil que o trabalho pede é que me disponho a in-cluí-la no repertório.

No caso da disciplina de Canto Coral do PARFOR ficou claro que o repertório deveria conter uma maior parte de peças com texto adequado às faix-as etárias da Educação Básica, em músicas que tivessem possibilidade de uso nas escolas em que os alunos professores atuavam. É necessário repassar o texto com os olhos da atualidade, e perceber se ele se aplica. Outro patamar em que temos que pensar ao elencar um repertório para trabalhar em aulas de educação musical através do canto coral tem a ver com o prazer que esse repertório pode proporcionar. Cantar é uma atividade corpo-ral que pede também participação mental e emocional. Para atingir completude cantando, o cantor precisa dispor de atenção plena. Um repertório adequado, aliado à intensa atenção enquanto se canta, para se conseguir um resultado satisfatório, conspiram para uma sensação de prazer muito festejada pelos can-tores.

Tem que fazer bem para cantores, platéia e regente. A procura do repertório adequado é uma das coisas mais difíceis do tra-balho do regente. O repertório é um ótimo veículo pedagógico para cultivar cada vez mais a atitude de prazer ao cantar. (LAKSCHEVITZ, 2006, p. 83)

Na intersecção de interesses entre professor-regente e alunos-cantores, apoiado pela identidade do grupo, buscar o repertório que seja ao mesmo tempo educativo, progressivo, possível e prazeroso incide em conhecimento e prática.

Ritmo das atividades

A segunda problemática com a qual se lidou para que a disciplina fosse proveitosa foi a questão do planejamento das atividades durante as quatro horas de aula. Segundo RAO (1993, p. 9) “os ensaios são sequências de atividades envolvendo a solução de problemas musicais, de forma a que os estudantes aprendam como pensar em ação, isto é, como demonstrar seu conheci-mento através do canto”. Organizar as atividades musicais no tempo disponível, de forma a conseguir atenção constante da turma, sem provocar tédio ou cansaço, foi um grande desafio.

Page 16: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

16

As peças musicais seguem em geral os exercícios preparatórios. Uma boa regra é evitar a monotonia. Peças mais lentas intercaladas com outras mais rápidas. Textos alegres contrastando com textos mais reflexivos. Alternância de gêneros musicais. Variação de tonalidades. Contrastes de acentuação e de rit-mos. Quebrar a prática vocal com o uso de instrumentos acompanhadores. Uso de música de diferentes épocas, ou temáticas. A dificuldade das músicas é outro parâmetro que ajuda se apresentados em sucessão. GORDON, (1989, p. 29) falando da programação de uma apresentação, comenta que ‘em geral se coloca peças de grande interesse, ou festivas, no início. O meio em geral é preenchido com peças mais sérias e longas. O final pede música leve, popular ou folclórica, de caráter alegre’. O mesmo critério pode servir para pensar a organização de uma unidade de ensino, ou de blocos dentro dela. Este planejamento da organização das atividades da aula ensaio de canto coral acontece previamente ao encontro, mas mesmo a melhor das pro-gramações pode resultar em uma aula de pouca eficácia. A aplicação desta pro-gramação, estando o professor bastante consciente da interação que vai acon-tecendo passo a passo durante a aula, entre ele e os alunos cantores é que gera a boa aula. O professor tem que perceber e avaliar continuamente o trabalho em execução, decidindo em processo de avaliação contínua, quando deve avançar no tempo de certa música, porque o resultado está além do esperado, ou quando é mais interessante mudar de atividade. Na observação de ensaios de bons regentes, um item que vem despertan-do muito interesse é o que os americanos chamam de ‘pace’ do ensaio. Segundo o dicionário PASSWORD, (p. 371) pace pode ser traduzido como passo, ritmo. Segundo ARTHUR (2003, p. 14)

[...] os estudos recentes se ampliaram para considerar, além do ‘que’ ensinar, ou ‘como’ ensinar, para incluir ‘quando’ ensinar. Como os professores estruturam as atividades e que compor-tamentos ocorrem durante a aula são fatores para observação e análise. Professores não podem ser efetivos e o aprendizado dos estudantes não pode ser obtido se as atividades e compor-tamentos da sala de aula não são estruturados para assegurar sucesso.

O ritmo do ensaio é uma característica observável no professor regente, objeto de várias pesquisas que buscam informações sobre as atividades de bons professores regentes. Envolve a dinâmica das atividades. Um bom professor regente muda de atividade na hora certa, prendendo continuamente a atenção dos alunos cantores. Um ritmo fluido e vibrante tem mais condições de manter

Page 17: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 17

os cantores atentos, gerando melhores condições de desenvolvimento do grupo. O ritmo de desenvolvimento das aulas ensaio foi objeto de preocupação por causa da duração das aulas. Só para fins de comparação, na Licenciatura regular da UEL os alunos cursam aulas semanais de Técnica Vocal com car-ga horária de 50 minutos. Canto Coral ocupa 100 minutos semanais na carga horária dos alunos, e as duas disciplinas acontecem em dias diferentes. A es-tratégia usada nesta ocasião foi preparar uma pletora de atividades e, conforme comentado antes, variar ao máximo suas características. Tudo estando prepara-do, poderia dispor delas caso houvesse necessidade. Em geral não foi possível realizar todas as atividades planejadas. O ritmo da aula ensaio decorre de características pessoais do professor regente em interação com o grupo. Professores com ritmo muito lento ou muito rápido geralmente ficam conhecidos por esta característica. O melhor é manter um canal aberto de contato com as características do grupo a cada momento para conseguir uma aula constantemente fluida. Com a prática, o professor con-segue ‘sentir’ quando é tempo de cantar, quando é tempo de explicar, quando é tempo do intervalo, quando interromper as tentativas de uma passagem mais difícil que já se estende, quando mudar de música, qual o momento para dar os avisos, quando chegar às considerações.

Considerações

As duas semanas em que este módulo foi desenvolvido em janeiro foram intensas. A escolha de repertório, a preparação da partitura, o planejamento das atividades e o trabalho em campo tiveram como resultado uma disciplina que na avaliação da docente e na avaliação dos alunos, foi bem sucedida. O conteúdo incluiu os aspectos básicos da aprendizagem do manejo corporal no canto, pri-mordialmente através de canções populares e folclóricas. Várias destas músi-cas foram escolhidas pensando em seu uso nas escolas, considerando diversas faixas etárias, desta forma atendendo o anseio maior dos alunos. As peças musicais escolhidas, incluídas também algumas sugestões dos alunos, foram ensaiadas diariamente em dois blocos principais. Este con-teúdo musical foi emoldurado pelos exercícios vocais no início das atividades, e por outras atividades, como leitura de textos breves, observação de vídeos, execução de exercícios musicais e experiências de regência do grupo. Dúvidas colocadas por alunos foram exaustivamente resolvidas. Os exercícios preparatórios foram feitos com trechos de músicas populares, que isolavam dificuldades específicas, muito semelhantes a vocalizes

Page 18: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

18

tradicionais. Exercícios vocais com movimentos também foram elencados. Fize-mos alguma discussão do movimento como estratégia pedagógica para otimizar a aula ensaio, melhorando dificuldades vocais de forma lúdica. Elucidamos as-pectos da criação de vocalizes. Um momento que agradou particularmente a turma foi a execução de cirandas pernambucanas. Uma vez dominada a parte musical, aprendeu-se o movimento corporal característico, turma posicionada em roda. A execução de cirandas motivou muito o grupo, proporcionando momentos marcantes de prazer com uma experiência que foi replicada nas escolas, segundo relatos informais posteriores. A experiência de atuar no PARFOR como docente propiciou uma ampliação do conhecimento das necessidades dos graduandos em Música em geral. Foi uma novidade agradável perceber a ânsia que eles demonstravam em aprender o máximo para uso imediato em sua prática pedagógica.

Referências

ARTHUR, Judy Russell. Experienced Teachers Use of Time in Choral Re-hearsals of Beginning and Advanced Choirs. Tese de Doutorado. Florida State University, 2003. Disponível em ˂http://diginole.lib.fsu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=4212&context=etd˃ Acesso em 20/05/2015BRANCO, Heloiza de Castello. Empatia no canto Coral: aspectos dessa in-teração não-verbal dos cantores com o regente durante a execução musical. Campinas, 2010. Tese de Doutorado. UNICAMP.EHMANN, Wilhelm. Choral Directing. Minneapolis: Augsburg Puglishing House, 1968. GALLO J. A. et al. El Diretor de Coro – Manual para la Dirección de Coros vo-cacionales. Buenos Aires: Ricordi, 1979. GORDON, Lewis. Choral Director’s Rehearsal and Performance Guide. New York: Parker Publishing Company, 1989.GREEN, Elizabeth. The Modern Conductor. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1981. HABERLEN, John. Entrevista. In: GLENN, Carole. In Quest of Answers: Inter-views with American choral Conductors. Chapel Hill, N.C.: Hinshaw Music, Inc., 1991.JORDAN, James. Evoking Sound. Fundamentals of Choral Conducting. Chica-go: GIA Publications, 2009.

Page 19: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 19

IGAYA, Susana C. Discutindo o Repertório Coral. Anais do Encontro da As-sociação Brasileira de Educação Musical, 2007. Disponível em: ˂http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/anais2007/Data/html/pdf/art_d/Discutin-do%20o%20Repertorio%20Coral.pdf˃ Acesso em 22/05/2015. LAKSCHEVITZ, Elza. Entrevista. In: FIGUEIREDO, Carlos Alberto et al. En-saios: olhares sobre a música coral brasileira. Rio de janeiro: Centro de Estudos de Música Coral, 2006. KERR, Samuel. Entrevista In: FIGUEIREDO Carlos Alberto et al. Ensaios: Olhares sobre a Música Coral Brasileira. Rio de janeiro: Centro de Estudos de Música Coral, 2006. PASSWORD – English Dictionary for Speakers of Portuguese. Tradução de John Parker e Monica Stahel. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.RAO, Doreen. We Will sing! Choral Music Experience for Classroom Choirs. New York: Boosey & Hawkes, Inc., 1993. SALAMUNOVICH, Paul. Entrevista. In: GLENN, Carole. In Quest of Answers: Interviews with American Choral Conductors. Chapel Hill, N.C.: Hinshaw Music, Inc., 1991.

Page 20: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A FORMAÇÃO COMO DIMENSÃO INSEPARÁVEL DA ATUAÇÃO DO PROFESSOR

Consuelo Alcioni Borba Duarte Schlichta 1

Resumo

As reflexões sobre a formação dos educadores em arte têm-se intensificado nas últimas décadas, sobretudoos debatesque buscam situá-la historicamente em interlocução com sua atuação. Tratando-se da formação e da atuação docen-te, enquanto dois aspectos indissociáveis, asprincipais questões a se enfrentar dizem respeito, primeiro, aos inúmeros condicionantes históricos inerentes a es-trutura dos programas de formação, aos espaços escolares e as crenças e ideo-logias próprias dos docentes formadores e dos futuros professores, que perpas-sam suas visões sobre a arte e seu ensino. Ademais, como as problemáticas da formação e da atuação articulam-se sempre às reformas políticas decorrentes do modelo econômico próprio da sociedade capitalista contemporânea, em segun-do lugar, é imprescindível um aprofundamento da reflexão sobre esses condicio-nantes, em especial a divisão social do trabalho, consequentemente, a partilha desigual da atividade material e intelectual, entre diferentes indivíduos. Terceiro, se a pretensão é superar a naturalização da fragmentação indivíduo-sociedade, cabe analisar criticamente as históricas separações entre saber e trabalho, entre o pensar e a prática, entre os conteúdos específicos e os saberes pedagógicos. Enfim, ressaltando-se as condições históricas dominantes, pensar: que profes-sor é este, que está produzindo sua existência real, no processo de alienação crescente da atual sociedade?

Palavras-chave: Subjetividade-objetividade. Alienação-humanização. Ensino de artes visuais.

1 Universidade Federal do Paraná. Doutora em História e Mestre em Educação, pela UFPR. Professora do Departamento de Artes, Setor de Artes, Comunicação e Design, UFPR. Integra os Grupos de Pesquisa Artes Visuais: Teoria, educação e poética (UFPR), Arte, Educação e Inclusão (UDESC) e o Observatório da formação do professor no âmbito do ensino de arte: es-tudos comparados entre Brasil e Argentina (OFPEA/BRARG). Artista visual, autora do livro: Há um lugar para a arte no ensino médio? (São Paulo, Aymará, 2009), aprovado para o Programa Nacional Biblioteca do Professor. [email protected]

Page 21: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

21A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

As reflexões sobre a formação docente têm-se intensificado nas últimas décadas, em especial o debate sobre as relações intrínsecas entre formação e atuação e a construção de um novo perfil de professor e de ensino de artes visuais articulados às exigências da contemporaneidade2. A princípio, situan-do-a em perspectiva histórica, observa-se quea formação do professor se põe como necessária somente a partir do século XIX, pari passu a exigência de se universalizar a instrução elementar. Nesse contexto, de organização dos siste-mas nacionais de ensino, configuraram-se dois modelos contrapostos de for-mação de educadores: o modelo dos conteúdos culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático (SAVIANI, 2009b, p. 148).Nessa linha, é também evidente um embate tanto teórico quanto prático entre dois modelos diferentes de for-mação de professores de arte: no primeiro modelo, uma formação com ênfase no domínio dos conhecimentos artísticos e culturais correspondentes à discipli-na que o professor irá lecionar. Nesse caso, acredita-se que a formação para a atuação no processo ensino-aprendizagem se dará em decorrência do domí-nio de conteúdos próprios do conhecimento artístico logicamente organizado. No segundo modelo, contrapondo-se ao anterior, conforme argumenta Saviani (2009, p. 149), considera-se “que a formação propriamente dita dos professores só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático”. Na perspectiva histórica que conduz esta reflexão é preciso esclarecer que as cisões manifestas nas separações – teoria e prática, forma e conteúdo, conteúdos específicos e conteúdos didáticos, etc. – são decorrentes da divisão social do trabalho, que faz com que “a atividade intelectual e material, o prazer e o trabalho caibam em partilha a indivíduos diferentes’”. Porém, a divisão do trabalho tem outras consequências para a maioria: a “oposição entre riqueza e pobreza, entre saber e trabalho”, leva igualmente a divisão do homem, assim como de todas as suas potencialidades intelectuais e físicas são sacrificadas, cabendo-lhe a realização de uma única atividade: “a venda de sua força de tra-balho” (MARX e ENGELS, 1978, p. 11). Essas contraposições, entre outras, caracterizam o fenômeno histórico da alienação que

[...] é própria de sociedades onde têm vigência a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção fundamentais, sociedades nas quais o produto da atividade do

2 As questões centrais aqui apresentadas resultam das pesquisas de meu pós-doutorado realizado na Universidade do Estado de Santa Catarina, em 2014, assim como a ideia nortea-dora do presente trabalho: a formação como dimensão inseparável da atuação do professor, foi apresentada e debatida no 23º Encontro da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas, também em 2014.

Page 22: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

22A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

trabalhador não lhe pertence, nas quais o trabalhador é expro-priado – quer dizer, sociedades nas quais existem formas de-terminadas de exploração do homem pelo homem (NETTO e BRAZ, 2010, p. 49).

É a partir da alienação – como uma das raízes deste modelo de socie-dade, que se funda na divisão social do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção – que se pode empreender uma análise crítica do processo de formação do professor como processo também de alienação,deformação ou conformação. Entretanto, qual é a relação entre a alienação e o processo de formação do professor enquanto uma dimensão inseparável da sua atuação? Em primeiro lugar, retomando um princípio chave bastante explanado por Marx e Engels (1993, p. 2): “Não é a consciência que determina a vida, mas é a vida que determina a consciência”, é necessário levar em conta as condições de ordem econômica, política e social do país em cujo seio se desenvolve a práxis educativa e a partir das quais o professor de arte realiza sua docência, afinal,

[...] não são os pensamentos e os desejos dos homens que fazem a vida e as circunstâncias materiais, são as condições econômi-cas que formam a base de todas as manifestações intelectu-ais da sociedade humana. Se há educação, são, portanto, as condições materiais que é preciso “educar” ou melhor revolucio-nar, e não as pobres cabeças! (MARX e ENGELS, 1978, p.25)

Nessa linha, em segundo lugar, conforme esclarece Klein (2008, p. 25), certos princípios “são alardeados como se neles residisse a solução para todos os problemas da educação, e, mais ainda, da sociedade”, ao ponto de se afir-mar que o êxito na atuação estaria inextricavelmente vinculado a uma formação adequada e atualizada e que se realizaria por meio da “consciência” do profes-sor. É o que se depreende das palavras de Biasoli (1999, p. 21):

Para um efetivo ensino de arte é preciso que o professor tenha, além de uma formação adequada e atualizada, a consciência de que toda mudança que se faz necessária implica conhecer a essência da expressão das linguagens artísticas e como ela se desenvolve no campo da educação e como se aplica à realidade do aluno. (Grifo nosso).

Ora, esta autora parece esquecer que não há separação entre a práti-ca social, ou seja, entre a base material que a tudo imprime movimento e os modelos de formação do professor, e que o discurso, por mais bem intenciona-do, não é suficiente, o que significa dizer que além da “consciência” é preciso

Page 23: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

23A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

igualmente levar em conta as condições materiais de existência e de atuação do professor, pois, sem uma rigorosa e profunda compreensão dos seus conteúdos, os discursos acabam transformados em meros clichês.E embora alerte que a arte e seu ensino têm sofrido revezes em razão do “descaso” e do “preconceito”, da “desvalorização da arte como área de domínio específico do conhecimento humano por parte da classe dominante”, Biasoli (1999, p.80) ainda acredita que o estado chama para si a responsabilidade pela educação básica, quando diz: “O discurso político atual é veemente na ênfase de sua responsabilidade para com a melhoria da educação básica”. Os discursos são inúmeros. Mas, as palavras precisam se transformar em ações. É preciso, então, dar um segundo passo e considerar “os cerceamentos econômicos e ideológicos que cercam e atacam a educação pública”, pergun-tar-se: que interesses as políticas educacionais atendem e o que as forças pedagógicas e políticas impulsionam? O que “surge” ou se “concretiza” no âmbi-to da educação em arte? O que se valoriza ou desvaloriza? Além disso, pouco se denunciaos princípios que sustentam um modo de vida em que a atividade artísti-ca torna-se exclusividade de alguns privilegiados enquanto o trabalho mecânico degradante destina-se à grande maioria, esquecendo-se que a consciência do professor se constrói no interior dos processos formativos, que são subjetivos e também plenos de objetividades, que sua consciência não é outra coisa senão uma “tomada de posição”, uma direção, uma escolha de valores. Por conse-quência, sempre perpassada de visões, concepções de alguém, de um grupo, de uma classe, ou seja, sempre interessada. Portanto, a posição que aqui se defende, tendo como referência tais pres-supostos, é a seguinte: o exame dos clamores, das reivindicações dos educadores apenas ressalta a urgência histórica do enfrentamento decisivo e real do poder da alienação do modelo de sociedade atual, que impõe limites insuperáveis, primeiro, à formação do professor, ou seja, de sua emancipação ou do amadu-recimento do seu lado subjetivo; segundo, à apropriação das produções material e simbólica por todos. Na verdade, não se tratade acesso a qualquer formação, mas a uma formação com sólidos aportes teóricos e metodológicos. Nesse caso, também não se trata de qualquer conteúdo, mas de um aporte que possibilite ao professor o cuidado necessário para

[...] analisar detidamente as elaborações teóricas, depurando-as de possíveis conteúdos ideológicos adversos, não no sentido de atingir uma teoria pura ou uma verdade absoluta, mas enquanto um conhecimento que possibilite uma leitura ampla e qualifica-da da realidade e que possa ser utilizada em favor do conjunto

Page 24: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

24A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

da humanidade, e não apenas em favor de uma determinada classe hegemônica. (KLEIN, 2000, p. 23)

É nesse processo, de acordo com as condições sociais que lhe são ofere-cidas, que os seres humanos vão se apropriando das objetivações existentes na sua sociedade; mas não só, aí se dá também o processo de construção da sua sub-jetividade. Uma subjetividade, concordando com Netto e Braz (2010, p. 47), que

[...] não se elabora nem a partir do nada, nem num quadro de isolamento: elabora-se a partir das objetivações existentes e no conjunto das interações em que o ser singular se insere. A rique-za subjetiva de cada homem resulta da riqueza das objetivações de que ele pode se apropriar.

Resulta, daí a necessidade de um exame minucioso das condições objeti-vas em que se desenvolve a atividade educativa, pois só assim se compreenderá de onde provêm os clamores da escola e quais são, de fato, as necessidades do educador, enfim, por em questão: quais são os problemas que se impõem obje-tivamente e são assumidos subjetivamente?Nesta linha de raciocínio,embora o cansaço decorrente da repetição, uma de suas principais queixas – a histórica atuação polivalente – é prova cabal dos principais limitadores da práxis educativa, o querequer esclarecimentos sobre os aportes metodológicos do professor. Ou seja, é fundamental “que o professor não se deixe mobilizar por uma metodologia fixa, abstrata, com aparente validade para todasas disciplinas e todos os conteú-dos” (KLEIN, 2000, p.23).Isso significa que cada objeto de conhecimento requer uma abordagem metodológica mais ou menos específica. É preciso lembrar ain-da que a exigência de um perfil de um educador polivalente, entre os inúmeros problemas enfrentados, é o primeiro no rol de cinco críticas destacadas por pro-fessores, de acordo com os resultados da pesquisa de Biasoli (1999, p. 19):

a) atuação polivalente, atuação em sala de aula com diversas linguagens artísticas; b) desconhecimento da concepção de arte como forma de construção do conhecimento; c) concepção do ensino da arte como sendo apenas expressão pessoal por meio do fazer artístico; d) deficiência no domínio do conhecimento e na apreensão das estruturas básicas desse conhecimento para possibilitar o trabalho dos conteúdos da educação básica tan-to com crianças como com adolescentes e adultos, em cursos diurnos e noturnos; e) dissociação entre o conhecimento da arte e o da educação, com sua aplicação na realidade concreta do aluno e da escola.

Page 25: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

25A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

A pesquisa de Biasolifoi realizada quinze anos atrás, o que poderia nos le-var a questioná-la, poisde lá para cá muita água rolou pelas rodas do moinho, no entanto, a velha atuação polivalente em sala de aula ainda permanece uma das principais distorções do atual paradigma de ensino de arte, como bem comprova a realidade que a maioria dos educadores enfrenta diariamente. Esta realidade distorcida põe imediatamente e de modo inconteste a seguinte contradição: de um lado, os projetos de formação dos centros de formação dos cursos de licen-ciatura e da reestruturação dos currículos, na tentativa de romper com a velha matriz curricular da antiga Licenciatura em Educação Artística, enterram no pas-sado a prática polivalente e passam a propor cursos nas linguagens específicas, salvo algumas experiências aqui e acolá, que, grosso modo, são exceções que confirmam a regra; de outro, as Secretarias de Educação, que continuam pro-pondo concursos que exigem dos novos licenciados, se forem aprovados, que trabalhem proporcionalmente os conhecimentos das quatro linguagens. O que nos leva a questionar, como exigir uma abordagem das quatro áreas em igual proporção se a formação do educador é exclusivamente em uma linguagem? Esta problemática evidencia que a questão não se reduz a formação, nem depende exclusivamente do professor, na verdade, ultrapassa os limites da escola e exige ações das Secretarias de Educação dos municípios ou estado. Depois, como exigir que o educador trabalhe com linguagens que desconhece? Está prática não levará consequentemente à superficialidade tanto do conteúdo quanto da forma de abordá-lo? O professor tem que dominar seu objeto de estudo, ter em mente quem é seu aluno, sua realidade e dominar o processo ensino-aprendizagem, pois aí garante sua autonomia em relação à área em que atua. Além disso, todos concordam que os conteúdos e os procedimentos didático-pedagógicos têm de integrar o processo de formação da profissão docente, que é necessário superar quaisquer desvinculações. Aliás, em que pese uma experiência individual rica, ampliando a análise, é necessário clarear outra possível confusão: de que os problemas que os educadores enfrentam são dificuldades unicamente pessoais e fazem parte apenas da experiência individual. Segundo Saviani (2009b, p. 17), tendo em vista o pouco rigor conceitual que perpassa muitos discursos atuais, tal confusão é possível, poisas necessidades do educador, muitas vezes, são tratadas no restrito âmbito da “experiência in-dividual”. Ora, a existência humana, enquanto experiência individual ou social, “apresenta um lado subjetivo e um lado objetivo, intimamente conexionados numa unidade dialética”. Vale dizer: o educador constrói sua existência sim, mas

Page 26: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

26A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

o faz sempre “a partir de circunstâncias dadas, objetivamente determinadas” (SAVIANI, 2009b, p. 18). Esses esclarecimentos operam uma inversão na análise da problemática, pois evidencia que as dificuldades enfrentadas pelo professor são revezes própri-os da realidade em que ele vive. Uma sociedade em que existem formas deter-minadas de exploração do homem pelo homem, na qual os trabalhadores são expropriados ou que os produtos do trabalho não pertencem a todos os homens. Assim, pode-se deduzir que não basta boa vontade ao professor, na ver-dade, sair do desconhecimento para conhecimento das circunstâncias dadas, ob-jetivamente determinadas, é a primeira exigência para quem tem como ambição compreender a problemática educacional concreta e pressupõe: de um lado, uma investigação do contexto histórico do ensino da arte no Brasil; de outro,uma análise econômica, política e social do país em que se realiza o projeto educa-tivo que se quer compreender, “uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a problemática educacional concreta” (SAVIANI, 2009b, p. 40). O conhecimento do lugar histórico ao qual pertence coloca para o profes-sor uma segunda exigência: a elaboraçãode uma concepção de educação em arte em consonância com os interesses da classe trabalhadora, que implica, por sua vez, uma reflexão sobre os pressupostos teóricos e metodológicos implícitos nos processos de formação, sem esquecer que os processos de formação são sempre históricos e contraditórios e que não se esgotam no interior da sala de aula ou na relação interindividual. A terceira exigência é uma compreensão de que a própria formação se dá no interior daformação social, em outras palavras, que pertencemos a uma determinada formação social, no caso, um modelo de sociedade marcado pelo antagonismo de classes. É nesse contexto que se trava uma luta, uma luta de interesses. Em outras palavras, concordando com Saviani (2009b, p.3),

[...] numa formação social como a nossa, marcada pelo antago-nismo de classes, as relações entre o senso comum e a filosofia se travam na forma de luta – a luta hegemônica. Luta hegemôni-ca significa precisamente: processo de desarticulação-rearticu-lação, isto é, trata-se de desarticular dos interesses dominantes aqueles elementos que estão articulados em torno deles, mas não são inerentes à ideologia dominante e rearticulá-los em torno dos interesses populares, dando-lhes a consistência, a coesão e a coerência de uma concepção de mundo elaborada, vale dizer, de uma filosofia.

E a educação, nesta perspectiva, como se insere na luta hegemônica?

Page 27: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

27A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

A forma de inserção da educação na luta hegemônica configura dois momentos simultâneos e organicamente articulados entre si: um momento negativo que consiste na crítica da concepção dominante (a ideologia burguesa); e um momento positivo que significa: trabalhar o senso comum de modo que se extraia o seu núcleo válido (o bom senso) e lhe dê expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo voltada aos interesses populares (SAVIANI, 2009b, p. 4).

Assim, uma última exigênciase coloca ao professor: a necessidade de uma filosofia, sem esquecer que a filosofianão só orienta, também determina a sua formação. Para Saviani (2009b, p.34), o professor assim terá as condições políticas e pedagógicas de se inserir na luta pela “formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares”.Pode-se deduzir que a edu-cação artística, nessa visão, filia-se ao projeto histórico e social socialista de humanização e refinamento dos sentidos, que é, conforme destaca Mészáros (2006, p.185), “a raison d’être do socialismo”. Nesta linha, os processos de for-mação do professor são também processos de formação-educação estética fundamentais, sobretudo na superação da satisfação limitada e unilateral e na realização do ser humano na imensa variedade e riqueza de seus sentidos. Obviamente, numa sociedade como a nossa, que privilegia o ter em detri-mento do ser, organizada sob o princípio do intercâmbio dos produtos do trabalho humano, todos os bens apresentam-se como mercadorias. Mészáros (2006, p.184), fundamentado em Marx, é particularmente esclarecedor a essa respeito:

Os dois fenômenos observados – o empobrecimento dos senti-dos e de sua satisfação, de um lado, e os intermináveis ataques à objetividade dos padrões a valores estéticos, de outro – estão assim intimamente ligados. Tais ataques, em sua negatividade e repetição triviais, tornam-se um substituto para o pensamento es-tético, defendendo ou mesmo glorificando os tipos de experiên-cia estética que caracterizam as condições de privatização, frag-mentação, “solidão bruta e auto-satisfação egoísta. Tudo isso pode ser resumido dizendo-se que o lugar de todos esses sen-tidos físicos e mentais foi ocupado pelo “simples estranhamento de todos os sentidos, pelo sentido do ter”. (Grifos do autor).

Nessa linha, os argumentos de que os significados da arte são revelados, de que a produção artística é resultado de inspiração divina, na verdade, nada mais são do que tentativas de justificar a posição historicamente inferior da arte na hierarquia das disciplinas escolares, afinal, a produção artística destina-se para poucos escolhidos. O mais perverso é que mascara outra desigualdade: o

Page 28: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

28A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

conhecimento e a produção artística não se distribuem por igual. Diante disso, três questionamentos finais se colocam:que concepção de formação de professor tem sido absorvida? Partindo-se do materialismo históri-co-dialético, que formação se coloca como fundamental à emancipação humana, ou seja, que leva o professor auma atitude filosófica, sobretudo no enfrentamen-to dos problemas com os quais se depara na práxis? Se a questão da formação não pode ser dissociada do problema das condições de trabalho relativas à car-reira docente, que exigências colocam-secomo fundamentais ao professor? Conforme ressaltado no Currículo Básico de Curitiba (1988, p. 25),as condições de trabalho relativas à carreira docente envolvem questões salariais, de jornada de trabalho, etc., por conseguinte, de políticas educacionais que de-vem se traduzir em condições materiais: além de salários dignos e aperfeiçoa-mento profissional contínuo e sistemático, com discussões sobre os conteúdos e métodos curriculares que correspondam ao projeto de emancipação das classes populares, escolas e salas de aula em boas condições,assim como bibliotecas bem aparelhadas. Assim, o que se pode concluir é que todos os problemas, sem exceção, só podem ser compreendidos “sem se menosprezar os aspectos políticos que determinam, em última instância, a execução das políticas educa-cionais”. Como alerta Saviani (2009a, p. 153):

Com efeito, as condições precárias de trabalho não apenas neu-tralizam a ação dos professores, mesmo que fossem bem for-mados. Tais condições dificultam também uma boa formação, pois operam como fator de desestímulo à procura pelos cursos de formação docente e à dedicação aos estudos. Ora, tanto para garantir uma formação consistente como para assegu-rar condições adequadas de trabalho,faz-se necessário prover os recursos financeiros correspondentes. Aí está, portanto, o grande desafio a ser enfrentado.

Obviamente, em conformidade com os fundamentos marxistas, é a par-tir das interdependências entre subjetividade-objetividade, da compreensão da formação como atuação em suas múltiplas relações, que se pode superar a falsa dicotomia “do tipo indivíduo-sociedade”, sem se jogar para o indivíduo o problema e sua solução. E, às vezes, embora se possa dirigir o olhar a uma parcela da realidade deve-se examiná-la em função do conjunto, sem perder de vista as razões históricas, econômicas e sociais, que levam as fragmentações: formação versus atuação, arte versus ciência, emoção versus razão, teoria ver-sus prática (MARX, 1978). Em síntese, são imensas as contribuições de uma concepção marxista

Page 29: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

29A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

na fundamentação de um projeto de formação do professor, de uma individuali-dade livre, universal, ou seja, emancipada, para que ele possa atuar também no processo de humanização, como processo de produção da humanidade de si e de seus alunos. Afinal, o processo de formação, de emancipação de todas as qualidades e sentidos humanos, é inseparável da atuação do educador ena con-tramão da alienação, que perpassa a sociedade de classes, no processo de seu enfrentamento, constitui-se em uma das principais tarefas da arte na educação.Por isso, no que se refere especificamente à formação do professor de arte, coloca-se como fundamental o acesso ao conhecimento da arte e uma sólida fundamentação pedagógica articulada à específica. Por fim, não se pode esquecer que a escola, apesar de contribuir para a manutenção do capitalismo, como espaço de contradição, apenas ressalta o necessário enfrentamento do poder da alienação deste modelo de sociedade, que impõe limites insuperáveis, tanto a emancipação humana, quanto ao acesso aos bens materiais e simbólicos, produção que pertence a todos os homens e mulheres.

Referências

BIASOLI, Carmem Lúcia Abadie. A formação do professor de arte: do ensaio... à encenação. Campinas, SP: Papirus, 1999 (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico). KLEIN, L. Cadernos da Escola Guaicuru. Elaboração da Proposta Pedagógica para o Ensino Fundamental Ciclo I e II. Secretaria de estado de Educação de Mato Grosso do Sul. MS. 2000. http//www.educar.ms.gov.br KLEIN, Lígia Regina. Alfabetização: quem tem medo de ensinar? 5.ed. São Paulo: Cortês; Campo Grande: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2008.MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1993._____. Crítica da educação e do ensino. Introdução e notas de Roger Dan-geville. Lisboa, Portugal: Moraes Editora, 1978.MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006.NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução críti-ca. 6.ed. São Paulo: Cortez, v. 1. 2010 (Biblioteca básica de serviço social).SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóri-cos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. v.

Page 30: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

30A formação como dimensão inseparável da atuação do professor - Consuelo A. B. Duarte Schlichta

14. n. 40 jan./abr. 2009a, p. 143-155. Disponível em: www.scielo.br Acesso em: 2/06/14._____. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 18. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009b. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (CURITIBA). Currículo Básico: uma contribuição para a escola pública brasileira. Curitiba: Secretaria Municipal da Educação de Curitiba, 1988.

Page 31: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS NA APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA PARA OS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL I

Cileide Teixeira da Silva Polli1 Ednéia Consolin Poli2

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de trabalho cujo objetivo consistiu em in-vestigar a percepção de um grupo de professores sobre a viabilidade do uso de jogos como um recurso pedagógico no processo ensino aprendizagem de Matemática. A opção por esta temática resultou da inquietação acerca do ensino da Matemática e seus desafios. A metodologia adotada constou de pesquisa bibliográfica em diferentes bases de dados, além da realização de seis oficinas sobre jogos no ensino da Matemática junto a professores da rede municipal de ensino de Londrina, Paraná, realizadas quinzenalmente, no período entre julho a setembro de 2014. Cada oficina, com a duração de três horas, foi finalizada com discussões e reflexões sobre a prática dos jogos. Evidenciou-se que o lúdico atua como um elemento facilitador dos processos de aquisição dos conceitos, tendo sido enfatizado que os jogos favorecem o aluno a formular suas próprias estratégias para buscar soluções para situações-problema dadas. Os resultados confirmam que é importante propor mudanças na forma de trabalhar os conteú-dos matemáticos, com vistas a superar possíveis dificuldades de aprendizagem e até mesmo evitar que elas se instalem, além de diminuir a resistência que mui-tos alunos passam a adotar em relação a esta disciplina.

Palavras-chave: Ensino de Matemática. Jogos. Aprendizagem.

Introdução

Na experiência profissional da autora, têm sido observadas, ao longo de vári-os anos de trabalho docente junto às séries iniciais e finais do Ensino Fundamental,

1 Graduada em Pedagogia/PARFOR e Matemática pela Universidade Estadual de Londrina. Docente da rede municipal de educação de Londrina e da rede estadual de ensino do estado do Paraná. [email protected]

2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, Docente da Universidade Estadual de Londrina e professora do Curso de Pedagogia /PARFOR. Orientadora do TCC que gerou esse artigo. [email protected]

Page 32: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

32A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

as dificuldades que os alunos apresentam em Matemática. Muitos dizem não ser capazes de entender a matemática, alegando ser uma disciplina muito difícil. Dada esta condição, transferem essa aversão para o relacionamento professor/aluno. Da mesma forma, a transição do Ensino Fundamental (EF) I para as séries finais do EF 2 revela-se bastante problemática, na medida em que os alunos passam a conviver com um número maior de disciplinas e com conteúdo se metodologias diferentes das usuais. Ademais, o aumento na quantidade de professores pode ser um fator interferente nos resultados da aprendizagem. Diante destas inquietações, é importante ponderar sobre a necessidade de mudanças nas estratégias diárias da sala de aula, considerando-se as espe-cificidades de cada turma e os diferentes ritmos de aprendizagem de cada aluno. Nesta direção, ao se propor um trabalho pedagógico no ensino de Matemática por meio da realização de oficinas de jogos, o estudo que deu ori-gem a este artigo representa um passo inicial na proposição de mudanças na forma de trabalhar os conteúdos, ao mesmo tempo em que se almejou diminuir a resistência que muitos alunos passam a adotar após as séries iniciais. Aliada a uma série de dificuldades de aprendizagem, esta aversão pela Matemática torna o trabalho com os conteúdos matemáticos ainda mais complexos. A questão que norteou a pesquisa que precedeu a elaboração deste arti-go foi assim apresentada: De que forma os professores podem utilizar jogos em sala de aula como uma ferramenta didática no processo ensino aprendizagem de Matemática? Foram levantadas as seguintes hipóteses a partir das questões aqui le-vantadas:a) O trabalho com jogos pode ser um facilitador para a construção de conceitos matemáticos;b) O jogo representa uma ferramenta que possibilita des-pertar o interesse dos alunos pelos conteúdos matemáticos. O objetivo geral deste artigo consistiuem apresentar os resultados de in-vestigaçãoacerca da viabilidade do uso de jogos como uma ferramenta didática no processo ensino aprendizagem de Matemática. Os objetivos específicos que constaram da pesquisa primeira foram: desenvolver oficinas com jogos matemáticos para a sensibilização de profes-sores que atuam no Ensino Fundamental I em uma escola de rede pública mu-nicipal de Londrina, PR.; identificar as facilidades e as dificuldades enfrentadas pelos professores no trabalho com jogos na disciplina de Matemática; e propor aos professores a aplicabilidade dos jogos junto a alunos do 1º ao 5º ano do En-sino Fundamental I.

Page 33: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

33A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

O uso de jogos pedagógicos no ensino e aprendizagem de Matemática na perspectiva docente A utilização do jogo como recurso pedagógico propicia ao aluno uma for-ma de contato com a realidade lúdica, permitindo trabalhar o conhecimento de uma forma diferenciada, assegurando o domínio sobre suas ações. Trata-se ain-da de um elemento motivador, na medida em que canaliza a energia do aluno, a qual é liberada na atividade lúdica, orientando seu pensamento e proporcionan-do o desenvolvimento cognitivo. Nesta perspectiva, o jogo afigura-se como um componente socializador, pois permite ao sujeito interagir consigo, com os seus colegas e com a realidade que o circunda. Sobretudo no que se refere ao ensino de Matemática, estas questões têm sido tema de muitos debates entre pesquisadores da área, dentre os quais Kamii e Devries (2009); Kishimoto (2005); Macedoecols. (2000, 2005), e Smole e cols. (2007). Na concepção trazida por Piaget (1990), o jogo permite à criança o desen-volvimento de percepções, da inteligência, suas tendências às experimentações e seus instintos sociais. Brincando e jogando, ela aplica seus esquemas mentais à realidade que a cerca. Assim sendo, jogar contribui para a formação intelectual da criança, para a construção do pensamento formal capaz de manipular o raciocínio. A partir da concepção piagetiana, denota-se a importância do uso de jo-gos de regras mostra-se um recurso valioso também para o desenvolvimento da interação necessária ao desenvolvimento dos alunos e sua interação com seus diferentes grupos de vivência. Segundo Macedoecols. (2000, p. 24) “Qualquer jogo pode ser utilizado quando o objetivo é propor atividades que favoreçam a aquisição de conheci-mento. A questão não está no material, mas no modo como ele é explorado”. Cabe neste ponto ponderar que a Matemática é uma das disciplinas em que os alunos demonstram particular dificuldade na escola, geralmente assumindo fama de disciplina difícil. A par desta constatação, deve-se ponderar que a inserção do jogo no contexto de ensino de Matemática apresenta-se como uma atividade lúdica, que envolve diferentes sensações, como o desejo e o in-teresse, mas envolve ainda “[...] a competição e o desafio que motivam o jogador a conhecer seus limites e suas possibilidades de superação de tais limites, na busca da vitória, adquirindo confiança e coragem para se arriscar”. (GRANDO, 2000, p.32). O desenvolvimento de atividades que visem a aquisição de confiança rep-resenta uma perspectiva para minimizar a resistência que muitos alunos ainda

Page 34: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

34A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

apresentam em relação à disciplina de Matemática. Nesta dimensão, o trabalho com jogos reveste-se ainda de maior significado quando se percebe que cumpre o papel de auxiliar não apenas no ensino dos conteúdos e permitir o desenvolvi-mento operatório do sujeito, mas também por propiciar condições de promover as mudanças necessárias para a aquisição dos conceitos matemáticos. Tal tarefa é sinalizada por Macedoecols. (2000, p. 6), quando os jogos são concebidos como recursos úteis para uma aprendizagem diferenciada, “[...] porque atribui à criança e ao professor outras posições na relação com o saber escolar”. Kishimoto (2005, p. 85) justifica a utilização do jogo na educação matemáti-ca pela possibilidade de se introduzir uma linguagem matemática a qual, de for-ma gradativa, poderá ser “[...]incorporada aos conceitos matemáticos formais, ao desenvolver a capacidade de lidar com informações e ao criar significados culturais para os conceitos matemáticos e estudo de novos conceitos”. Desta forma, o trabalho com jogos pedagógicos no ensino de Matemática reveste-se de diferentes intencionalidades. Cabe ao professor determinar o tipo de jogo, o momento em que este deve ser inserido na sala de aula e a maneira de fazer a intervenção. Smole e cols. (2007, p. 11) referem que: “Os jogos, se conveniente-mente planejados, são um recurso pedagógico eficaz para a construção do conhecimento matemático”. As autoras reforçam que o trabalho com jogos fa-vorece ainda o desenvolvimento da linguagem, bem como os diferentes proces-sos de raciocínio e de interação entre os alunos. Como se pode observar, a utilização dos jogos colabora com os valores formativos da Matemática, auxiliando na estruturação do pensamento e do ra-ciocínio dedutivo, ao mesmo tempo em que também auxiliam na aquisição de atitudes, pois, jogando, a aluno aprende, sobretudo, a conhecer e compreender o mundo social que o rodeia. Esta ideia é ratificada por Mukhina (1996) quando pontua que por inter-médio do jogo, as crianças desenvolvem habilidades que lhes possibilitam, além de conhecer a vida social dos adultos, levando-as a compreender melhor as funções sociais e as regras pelas quais os adultos regem suas relações. Na concepção trazida por Kamii e Devries (2009), no trabalho com a Matemática, a criança deve descrever suas ações, discutir opiniões, levantar hipóteses e encontrar uma solução. Para a construção dessas ideias matemáti-cas, cabe ao professor deixar que a criança explore, manipule, experimente diferentes materiais e estabeleça suas relações por meio do diálogo.

Page 35: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

35A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

Formação continuada de professores

As discussões acerca do processo de formação continuada de profes-sores têm sido recorrentes nas últimas décadas. A partir desta constatação, são apresentadas informações acerca desta temática, com suporte teórico em autores como Gatti (2010), Pimenta (2005), Tardif (2002) e Tardif e Raymond (2000), entre outros. No espaço escolar, vários são os momentos que podem ser canaliza-dos para a formação continuada, tais como os processos de planejamentos, as reuniões pedagógicas, os conselhos de classe e as reuniões de pais. No entan-to, a formação contínua do professor na escola apresenta um caráter não formal, pois a equipe pedagógica pode auxiliar os professores a intelectualizar, a com-preender, a explicar os problemas da sala de aula, as dificuldades do dia a dia. Nesta direção, é a partir de sua própria práxis que o professor vai se formando continuamente. Pimenta (2005, p. 39) adverte, porém, que a formação docente “[...] não se constrói apenas por acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técni-cas, mas por meio de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de uma (re)construção permanente de uma identidade pessoal”. É primordial relacionar a formação continuada como um processo per-manente de aperfeiçoamento dos saberes necessários à atividade profissional, como etapa posterior à formação inicial, a qual, por sua vez, mostra-se funda-mental para a formação profissional no magistério. Justifica-se a necessidade de formação continuada tendo em vista o avanço dos conhecimentos, tecnologias e as novas demandas trazidas para a escola nas dimensões social, político e cultural. Gatti (2010, p. 1375) reforça que a formação de professores “[...] tem que partir de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos necessários selecionados como valorosos, em seus fundamentos e com as mediações didáti-cas necessárias [...]”, especialmente quando se vislumbra a formação para o trabalho educacional com crianças. Esta ideia é também disseminada por Tardif (2002, p. 249), quando re-força a ideia de que “Tanto em suas bases teóricas quanto em suas consequên-cias práticas, os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, de uma formação contínua e continuada” Depreende-se, assim, que os saberes docentes encontram-se estreita-mente relacionados às constantes evoluções que perpassam a realidade de sua

Page 36: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

36A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

atuação profissional. Deste modo, a formação continuada atende à necessidade de atualização e redimensionamento da prática docente. Tardif e Raymond (2000) consideram a escola como espaço de socialização que permite ao professor aprender os modos de ser e atuar na profissão. A partir destas premissas, quaisquer propostas de formação continuada devem considerar a identidade pessoal e social de cada um dos atores sociais envolvi-dos no processo educativo escolar.

Metodologia

No âmbito desta pesquisa, o interesse se volta para o jogo pedagógico, mais especificamente, para o jogo no ensino da Matemática. A proposta relatada neste artigo reforça ainda a possibilidade de, por meio do trabalho com jogos, abrir as oportunidades de aprendizagem, uma vez que os conteúdos não são ti-dos como fins em si mesmos, mas como meios essenciais na busca de respostas. Conforme já mencionado, foram ministradas seis oficinas sobre jogos no ensino da Matemáticaa um grupo de oito professores que atuam na rede pública municipal de Londrina, Paraná. Os encontros foram realizados quinzenalmente, no período entre julho a setembro de 2014. Cada oficina, com a duração de três horas, foi finalizada com a apresentação dos objetivos dos jogos trabalhados, bem como as discussões e reflexões sobre a prática dos jogos. Deve-se men-cionar que quatro das seis oficinas foram organizadas em período noturno, com a duração de três horas cada. As duas primeiras foram realizadas no período diurno, durante a prática pedagógica. Quanto à amostra da pesquisa, todos os professores foram convidados para as oficinas, mas apenas 8 professoras aderiram à proposta de realização das oficinas. Houve o apoio da diretora da escola, que também participou das oficinas.

Organização das oficinas

Na primeira oficina, foram trabalhadas as concepções teóricas sobre jogos e sua importância no processo ensino aprendizagem. Foi exibido um vídeo so-bre a Matemática na Educação Infantil. Em seguida os professores participaram de uma dinâmica que reforçou a importância do trabalho coletivo na busca de solução dos problemas enfrentados em seus diferentes espaços de vivência. Na segunda oficina, deu-se início à aplicação dos jogos, momento em que os professores realizaram atividades práticas a partir de atividades com o

Page 37: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

37A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

jogo Tangram3, o qual apresenta uma maneira divertida de trabalhar conceitos geométricos e diversos outros, como simetria e frações. Foi trabalhada a história do jogo, sendo ainda desenvolvidas atividades com montagem de figuras geométricas com peças do Tangram, dobraduras, montagem de painel e produção de texto coletivo. Para finalizar o encontro, houve a exibição do vídeo A lenda do tangram. Observou-se um interesse expressivo por parte dos professores, à ex-ceção da parte final, quando se percebeu uma resistência ocasionada pelo can-saço e dificuldade de se expor na produção textual. Constatou-se que houve interesse nas diferentes etapas das oficinas, mas a sistematização por meio da escrita não se deu de forma satisfatória. Na terceira oficina, trabalhou-se a trilha4 em suas diferentes modalidades (adição, subtração, multiplicação e divisão), em que os professores, organizados em duplas, realizaram um rodízio para participar das diferentes modalidades de jogo. Esta atividade teve como objetivo propiciar aos professores condições de vivenciar os jogos e sua possível exploração no contexto de sala de aula. Vale ressaltar que o jogo da trilha, por ser de fácil confecção, permite uma série de adaptações, adequando diferentes níveis de dificuldades. Assim, nas oficinas, foram trabalhadas as quatro operações, em um tabuleiro contendo três cores, as quais sinalizavam o grau de dificuldade das operações que deveriam ser efetuadas pelos jogadores. Os professores demonstraram interesse em jogar as trilhas e não tiveram dificuldades em assimilar as regras, mas foi possível perceber que os profes-sores gostaram mais das trilhas com menor grau de dificuldade, havendo menos empolgação em relação à trilha com as quatro operações. Na quarta oficina, foi apresentado o jogo Kalah5, o qual representou uma novidade para os professores. Conforme o desempenho e interesse dos pro-fessores, foram trabalhados os diferentes graus de dificuldade deste jogo. No Anexo 3 encontram-se as regras do jogo Kalah.

3 O tangram é um jogo cuja origem remete à dinastia chinesa Tang (618 a 907 d. C). Foi utiliza-do na China antiga como teste para auxiliar na inteligência. Seu objetivo é construir uma figura idêntica a um modelo previamente determinado, utilizando todas as sete peças que o compõem.(MACEDOe cols., 2005, p. 67)

4 A trilha é um jogo de tabuleiro conhecido desde a Antiguidade e suas regras têm origem na Idade Média, quando era utilizado somente pela nobreza e o clero. Dentre os jogos de tabuleiro, como o xadrez, a dama e o gamão, a trilha se popularizou pela simplicidade das regras e pela facilidade de sua confecção. (FABER, 2015, s/p)

5 O Kalah é um dos mais antigos jogos, cuja origem remonta ao Egito, há mais de 7.000 anos. É um jogo de estratégia, com muitas regras e se apresenta em diferentes versões, sendo utiliza-da na oficina a versão da Argélia, com 32 sementes (peças). (MACEDOe cols.,2000, p. 69-71)

Page 38: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

38A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

Na quinta oficina, trabalhou-se o jogo dos Poliminós6, constantes do Anexo 4, sendo apontadas as possibilidades de trabalho também com os Pentaminós7. Por fim, na última oficina foi aplicado novo instrumento de pesquisa, visan-do identificar as condições de aplicação dos jogos trabalhados e os possíveis resultados/dificuldades encontrados pelos professores.

Discussão dos resultados das oficinas

Na aplicação das oficinas, foram trabalhados jogos de regras, cuja característica principal é a inclusão de regras fixas, as quais são importantes para que se possa assimilar a necessidade do cumprimento das mesmas e, pos-sa vivenciar, criar, discutir, aceitar e adotar as normas da sociedade e da vida. Oliveira e Bazon (2009, p. 210) remetem à universalidade do jogo como importante aspecto a ser considerado na utilização do jogo de regras, o qual se pauta em estratégias, “[...] tem essa característica importantíssima, a de permitir que o jogador aplique a ele a estrutura cognitiva que possui e o jogo, enquanto conteúdo, se transforma para adaptar-se à forma que lhe foi aplicada” Da mesma forma, retoma-se o pensamento de Piaget (1973, apud OLIVEIRA BAZON, 2007, p. 208), quando o autor postula que a interação é um dos pontos de destaque na aplicação de jogos de regras, permitindo aos joga-dores desenvolver o respeito unilateral e o respeito mútuo, na medida em que as regras se aplicam a tudo e estruturam os símbolos, os valores e os conceitos e representações coletivas em geral. Inicialmente foi exibido um vídeo sobre a utilização dos jogos na Matemáti-ca e os professores se manifestaram, dando opiniões e trazendo informações sobre a possibilidade de utilização do jogo cama de gato – mostrado no vídeo – em outros contextos educativos. Em relação ao Tangram, foi reforçado que se trata de um jogo de que-bra-cabeça milenar chinês que tem como objetivo estimular o interesse pela Matemática, além de desenvolver o raciocínio e a socialização, na medida em que, ao ser utilizado em grupos, os integrantes devem tomar decisões em con-junto para elaborar melhores estratégias de jogo. Ademais, as atividades desen-

6 Poliminós é o nome que se dá ao conjunto de quadrados justapostos que têm sempre um lado em comum. Consistem na junção de um ou mais quadrados, unidos entre si de forma que ao menos um lado esteja lado a lado com o outro. No jogo são utilizadas todas as peças (ITACA-RAMBI e cols.,2015, p.3)

7 Os pentaminós são poliminós formados por cinco quadrados. A formalização matemática dos pentaminós deve-se a Solomon Wolf Golomb, quando em 1953 apresentou pela primeira vez numa palestra que proferiu no Harvard Mathematics Club. (ITACARAMBI e cols.,2015, p.4)

Page 39: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

39A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

volvidas com o uso do Tangram favorecem o desenvolvimento do raciocínio lógi-co, da autonomia e do espírito investigativo, fatores indispensáveis na resolução de problemas matemáticos. Para Souza e cols. (2003, p. 1), o Tangram ajuda a desenvolver os con-ceitos das figuras geométricas, bem como ajuda a estabelecer regras que não podem ser quebradas, uma vez que, “[...] as regras desse jogo consistem em usar as sete peças em qualquer montagem, colocando-as lado a lado sem so-breposição”. Na exibição do vídeo, os participantes demonstraram interesse pela história do Tangram e suas possibilidades de utilização. Os professores iniciaram a parte prática da oficina com entusiasmo e demonstraram interesse em compor a figura com auxílio de papel dobradura. Esta primeira etapa superou as expectativas, posto que os professores sugeriram e realizaram a montagem de um painel com as figuras formadas. Esta atividade tomou bastante tempo e quando se propôs a composição das figuras geométri-cas, nem todos os participantes se envolveram, sobretudo quando era aumen-tado o número de peças que deveriam ser empregadas. Alguns participantes não conseguiram montar figuras mais complexas, cumprindo a tarefa apenas com a ajuda do modelo mostrado pela pesquisadora ou da observação da tarefa já realizada pelos outros. Foram sugeridas atividades que poderiam ser desen-volvidas com outros conteúdos de diferentes disciplinas. Quando se propôs a produção de texto coletivo como forma de subsidiar a discussão dos resultados da oficina, comprovou-se que esta forma de relato mostra-se incômoda aos professores, fato que foi evidenciado pela resistência de alguns em participar da atividade. Observou-se que alguns participantes re-lutaram em sistematizar os resultados das oficinas, deixando de construir uma importante etapa na construção de seus saberes. A atividade somente foi con-cluída porque uma das participantes tomou a iniciativa de conduzir a elaboração do texto final. É importante salientar que o uso do Tangram, por meio da composição e decomposição de figuras, não apenas permite o trabalho com a geometria, mas desenvolve a capacidade de visualização, a percepção de propriedades e o es-tabelecimento de relações (SAMPAIO, 2005). Na terceira oficina, trabalhou-se a trilha em diferentes modelos. Foi tam-bém apresentada a história do jogo e sugeriu-se que esta estratégia faça parte da aplicação do jogo junto aos alunos do Ensino Fundamental, o que garante a motivação destes para a participação no jogo.

Page 40: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

40A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

As trilhas compostas de operações de adição, subtração, multiplicação e divisão foram realizadas em duplas, sendo feito um rodízio para que todos pu-dessem participar das diferentes modalidades de jogo. Esta atividade teve como objetivo propiciar aos professores condições de vivenciar os jogos e sua possível exploração no contexto de sala de aula. Observou-se que os professores desenvolveram de forma mais intensa as trilhas com operações mais simples. Na trilha das quatro operações, foi sugerida a forma pelas quais poderia ser feita a conferência dos resultados. Foram obtidas sugestões que incluíram o uso de calculadora, a realização das operações por todos os jogadores e até mesmo a utilização de monitores. Obteve-se, assim, a confirmação de que os jogos representam uma ma-neira interessante de favorecer a aprendizagem, estimulando a criatividade e favorecendo a aprendizagem. O jogo Kalah, proposto na quarta oficina, representou uma novidade para os professores. Apenas um participante conhecia este jogo, o qual se mostra oportuno para propiciar o exercício da concentração, da antecipação e do plane-jamento, bom domínio espacial, estímulo à construção do número e à construção do sistema de contagem. Foi também apresentada a origem do jogo e evidenciou-se sua importân-cia no desenvolvimento da linguagem, do raciocínio e da criação de estratégias. Os professores acharam o jogo interessante, mas quando questionados sobre a aplicabilidade deste jogo consideraram-no difícil para os alunos. O professor de Educação Física, participante da oficina, salientou que procura sempre mostrar aos alunos a origem e o contexto histórico em que os jogos se desenvolveram e sua evolução através dos tempos. Trabalhou-se o jogo em sua versão mais simples e em seguida foram introduzidas duas novas regras, para ampliação do grau de dificuldades. Como sugestões de trabalho com os alunos, foi enfatizado que é preciso garantir que os jogadores adquiram domínio sobre o jogo, assimilando as regras mais sim-ples para, somente após, serem incorporadas novas regras, sendo aumentado o grau de dificuldade. Na quinta oficina, apresentou-se o jogo dos Poliminós, desenvolvendoa estratégia de trabalhar em uma sequência de dificuldade, partindo dos mo-nominós, dominós, triminós, tetraminós e pentaminós. Observou-se, na realização da atividade descrita, que os professores não se mostravam muito atentos à leitura das regras, mas procuravam explicações

Page 41: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

41A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

com a oficineira para receber instruções simplificadas de como jogar. Trata-se de uma situação que precisa ser melhor trabalhada, na medida em que a adoção de regras mostra-se essencial para o desenvolvimento das habilidades requeridas.No caso dos poliminós, os participantes devem dominar os conceitos de vértice, justaposição e de congruência e até mesmo de rotação e translação. Foi necessária ainda a apresentação de informações complementares so-bre termos matemáticos, como vértices e os nomes das peças. Foi questionada uma das regras, segundo a qual quando o dado parar no número seis, o jogador poderia tirar uma peça do monte ou do tabuleiro de seu oponente. Os profes-sores discutiram esta regra, por acreditarem que poderia gerar desavenças entre os alunos. Superadas as dificuldades iniciais, os participantes se envolveram na realização do jogo e demonstraram interesse, comentando que se tratava de um, jogo bonito e atraente, devido às cores impressas nas diferentes figuras de EVA. Foi ainda explorada a possibilidade de formação de quebra-cabeças com os pentaminós, ensejando o trabalho com a área e perímetro. São impressas malhas com a medida de 6X5, 8X12 e 6X10. Os jogadores deveriam cobrir to-talmente a malha, utilizando somente os pentaminós. Foi salientado ainda que existem aproximadamente 2 mil possibilidades para resolver este tipo de desa-fio. Por fim, na última oficina foi promovido um debate visando à formulação de reflexões sobre as temáticas trabalhadas e os resultados obtidos pela prática dos professores ao longo da aplicação das atividades junto aos alunos de suas turmas. Os professores, após a realização das oficinas, reconheceram as possibilidades de trabalho com os jogos no ensino de Matemática e a utilização desta ferramenta para otimizar suas aulas, visando despertar o interesse dos alunos e facilitar a construção dos conhecimentos matemáticos por meio da uti-lização desta alternativa metodológica. Os resultados encontrados permitem a promoção de reflexão, à vista dos autores utilizados no embasamento teórico. Desta forma, é possível afirmar que a percepção dos professores converge para os aspectos positivos da utilização dos jogos na concretização das diferentes possibilidades de trabalho com os conteúdos matemáticos. Diante das reflexões evidenciadas nas oficinas, é importante ponderar, com base no que foi mencionado por Silva (2005), que o trabalho educativo en-

Page 42: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

42A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

volvendo jogos pode assumir a condição de um caminho para o desenvolvimento de aulas mais interessantes, descontraídas e dinâmicas, que compitam com os recursos tecnológicos disponíveis atualmente e que trazem maior interesse para crianças e jovens, inseridos em meio a um contexto tecnológico cada dia mais avançado. Trata-se, pois, de tornar o aluno o agente de seu processo de apren-dizagem, especialmente na Matemática, disciplina que demanda uma atenção diferenciada, dada a complexidade dos conteúdos que a compõem.

Considerações finais A proposição da pesquisa que subsidiou a elaboração do presente artigo partiu do objetivo de investigar a viabilidade do uso de jogos como uma ferra-menta didática no processo ensino aprendizagem de Matemática. Retomam-se as razões que levaram à escolha desta temática, na medida em que se percebe, na prática vivenciada ao longo de vários anos de magistério, que esta disciplina apresenta uma série de desafios à efetiva aprendizagem dos conceitos matemáticos, essenciais para todas as dimensões da vida humana. Na pesquisa bibliográfica realizada, ficou comprovada a pertinência da utilização do jogo como recurso pedagógico, na medida em que os diferentes autores que sustentam o referencial teórico analisado corroboram a concepção de que o jogo propicia ao aluno uma forma de contato com a realidade lúdica, permitindo trabalhar o conhecimento de uma forma diferenciada, assegurando o domínio sobre suas ações. Da mesma forma, deve-se ponderar a motivação tra-zida por esta metodologia, uma vez que o trabalho com jogos permite canalizar a energia do aluno, liberada na atividade lúdica, orientando seu pensamento e proporcionando o desenvolvimento cognitivo. Os resultados das oficinas deixaram entrever que esta motivação deve ser despertada também – e principalmente – nos professores, na medida em que a construção dos conceitos matemáticos depende da manipulação de material concreto, independente das dificuldades que esta prática pode trazer. Pode-se presumir que o desempenho dos alunos será melhorado na proporção em que o professor procure entender que o uso de jogos permite a construção dos conceitos matemáticos de forma mais internalizada, facilitando assim sua sistematização. Os diferentes autores pesquisados trouxeram contribuições significativas que vão ao encontro da realidade da instituição escolar, sobretudo no que se refere à importância da formação inicial e continuada como requisito para uma atuação docente eficaz no Ensino Fundamental I.

Page 43: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

43A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

Nesta perspectiva, a formação em serviço mostra-se viável para suprir as lacunas da formação inicial, mas nem sempre a busca por esta modalidade é concretizada em virtude de uma série de empecilhos na carreira docente. Deste modo, sugere-se a utilização de espaços/tempos no próprio horário de serviço dos professores para o aprimoramento da formação continuada. Reitera-se a importância da formação docente, uma vez que o processo ensino aprendizagem deve pautar-se em bases sólidas. Isto foi confirmado ao longo das oficinas realizadas, pois muitos professores conheciam alguns dos jogos e outros disseram conhecer, mas não sabiam utilizar todos os recursos disponíveis. Para reverter as situações em que o professor não se encontra motiva-do para aplicar os jogos, é importante que o pedagogo que atua na gestão pedagógica esteja comprometido com a mudança conceitual que se deve pro-mover no sentido de entender os jogos como importante recurso pedagógico que pode minimizar a ocorrência de dificuldades de aprendizagem em todas as disciplinas, mas especificamente em Matemática. No objetivo de identificar as facilidades e as dificuldades enfrentadas pe-los professores no trabalho com jogos na disciplina de Matemática, foram encon-trados resultados bastante significativos. Conforme já mencionado, observou-se a prevalência de queixas referentes à indisciplina como dificuldade recorrente na aplicação de jogos. Alguns profes-sores mencionaram a demora na concentração e dificuldade de organização da turma, além do excesso de conversas durante a aplicação dos jogos. Deste modo, considera-se recorrente a queixa de muitos professores quanto à indisciplina gerada pela proposição de atividades com jogos, o que também foi discutido pelos autores que compõem o embasamento teórico deste estudo, quando ressaltam que o jogo em sala de aula gera barulho, mas este deve ser trabalhado de uma forma construtiva, com vistas a construir o clima e a motivação para o jogo, que por sua natureza produz movimento e encantamento. Diante das reflexões aqui trazidas, reforça-se a hipótese inicialmente le-vantada, a partir da percepção de que o desenvolvimento de atividades que visem a aquisição de confiança representa uma perspectiva para minimizar a resistência que muitos alunos ainda apresentam em relação à disciplina de Matemática. Nesta direção, o trabalho educativo com jogos na disciplina de Matemáti-ca possibilita ao aluno tornar-se o agente de seu processo de aprendizagem. A partir da abordagem aqui considerada, este tipo de atividade reveste-se ainda

Page 44: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

44A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

de maior significado quando se percebe que os jogos auxiliam não apenas no ensino dos conteúdos e no desenvolvimento operatório do aluno, mas também propicia condições de promover as mudanças necessárias para a aquisição dos conceitos matemáticos. Ao longo de todas as etapas que compuseram esta pesquisa, foram encon-trados resultados que confirmam a ideia de que o trabalho com jogos pedagógi-cos no ensino de Matemática reveste-se de diferentes intencionalidades, para as quais o professor deve estar atento, na medida em que a exploração de tais re-cursos deve estar pautada na formação continuada do professor e em sua com-petência para tornar o jogo um elemento motivador e gerador de aprendizagem. Como sugestões para futuras pesquisas, pretende-se aprofundar a questão dos jogos na formação docente, uma vez que a realização das oficinas permitiu desvelar um reconhecimento da ideia de que o professor muitas vezes não se vale do jogo como recurso pedagógico dada sua dificuldade no reconhe-cimento das potencialidades desta importante ferramenta de aprendizagem.

Referências

FABER, Marcos Emílio Ekman. Jogos de mesa na Idade Média: tabuleiros, da-dos e cartas. Disponível em www.historialivre.com Acesso em setembro, 2015.GATTI, Bernadete Angelina. Formação de professores no Brasil: característi-cas e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, out-dez, 2010, p. 1355-1379.GRANDO, R. C. O conhecimento matemático e o uso de jogos na sala de aula. Tese de Doutorado. Campinas, SP. Faculdade de Educação, UNICAMP, 2000.ITACARAMBI, Ruth Ribas e cols. Jogos como recurso pedagógico para tra-balhar Matemática. LABEM – Laboratório de Educação Matemática, CAEM/IME- USP. Disponível em http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem15dpf/sm15ss07_06.pdf Acesso em set, 2015.KAMII, Constance; DEVRIES, R. Jogos em grupos na Educação Infantil. im-plicações da teoria de Piaget. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2009.KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brincadeira, brinquedo e a educação. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2005.MACEDO, Lino de et. al. Aprender com jogos e situações problemas. Por-toAlegre: Artes Médicas Sul, 2000._____. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. PortoAlegre: Artmed, 2005.

Page 45: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

45A importância dos jogos na aprendizagem da matemática para os alunos do ensino fundamental I - Cleide Teixeira da Silva Polli - Ednéia Consolin Poli.

MUKHINA, Valéria. Psicologia da idade pré-escolar. Martins Fontes, São Pau-lo, 1996.OLIVEIRA, Francismara Neves de; BAZON, Fernanda Vilhena Mafra. (Re) sig-nificando o lúdico: jogar e brincar como espaço de reflexão. Londrina: Eduel, 2009.PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imitação e representação. Rio de Janeiro: LTC, 1990.PIMENTA, Selma Garrido. Professor-pesquisador: mitos e possibilidades. Contrapontos - volume 5 - n. 1 - p. 9-22 - Itajaí, jan./abr. 2005SAMPAIO, Fausto Arnaud. Matemágica: História, aplicações e jogos Matemáti-cos. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2005.SILVA, Mônica Soltau da. Clube de Matemática: jogos educativos. 2.ed. Campi-nas, SP: Papirus, 2005.SMOLE, Kátia Stocco DINIZ, Maria Ignez. CÂNDIDO, Patrícia et. al.Cadernos do Mathema. Jogos de Matemática do 1º ao 5º ano. Porto Alegre: Artmed, 2007.SOUZA, E. R e cols. A Matemática das sete peças do tangram. 3 ed. São Paulo: IME–USP, 2003.TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e formação profissional. São Paulo: Editora Vozes, 2002.TARDIF, Maurice; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem no trabalho no magistério. Educ. Soc.ano XXI, no. 73, dezembro, 2000.

Page 46: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A SIGNIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE: RELATOS DE EX-PERIÊNCIAS DE PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA

DO PARFOR-UEM

Regina de Jesus Chicarelle1 Leonor Dias Paini 2

Resumo

Este estudo tem por objetivo conhecer o posicionamento das alunas-professo-ras formandas do curso pedagogia/PARFOR/UEM para verificar o significado de sua formação com base na pesquisa qualitativa, apoiadas em análise de de-poimento e relato de alunas-professoras do curso pedagogia/PARFOR/UEM. O estudo teve também um caráter teórico, uma vez que buscou as bases nas con-cepções em alguns autores que discutem a formação de professores, tais como: Nóvoa, (1992), Esteve (1995), Demo (1996; 2002), Cachapuz (2003), dentre outros. A articulação da metodologia teórico-prática resulta no estabelecimento de categorias, as quais orientaram a análise e aprofundamento nessa pesqui-sa: a realidade formativa das alunas-professoras na área que atuam quando ingressaram no curso; os cargos/funções que as alunas-professoras exercem na rede municipal de ensino; pontos positivos e negativos do curso pedagogia/PAR-FOR/UEM; conhecimentos e saberes apropriados no decorrer; - atividades ou situações decisivas na formação das alunas-professoras; - possíveis mudanças na prática pedagógica das alunas-professoras. Constatamos que o curso serviu como referencial teórico-prático, apoiado em bases sólidas de conhecimento. A interação entre o ensino básico e a universidade propiciou grande desenvolvi-mento das alunas-professoras ao ponto de ressignificarem o próprio trabalho e implementarem a prática pedagógica.

Palavras chave: Formação de Professores. Pedagogia/PARFOR. Prática Pedagógica

1 Coordenadora do Curso de Pedagogia PARFOR-UEM. Docente do Departamento de Teoria e prática da Educação/UEM e Doutora em Educação pela USP-SP. E-mail: [email protected].

2 Coordenadora Geral do Parfor na UEM. Docente do Departamento de Teoria e Prática da Educação/UEM. Doutora em Psicologia Escolar USP-SP. E-mail: [email protected].

Page 47: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

47A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

Introdução

Esse texto apresenta-se como um desdobramento das reflexões das diferentes atividades realizadas durante o curso de Pedagogia PARFOR/UEM pelas estudantes ora denominadas de “alunas-professoras” que são servidoras púbicas da rede municipal de ensino de Maringá e região. Para esse estudo foram consideradas todas as atividades formativas que compõem o curso, pon-derando sua significação para as alunas-professoras as quais relataram a sua própria opinião sobre a construção de sua formação profissional ao longo de quatro anos do referido curso. Embora existam inúmeros trabalhos, pesquisas e teorias acerca da temática da formação docente, a realidade educacional brasileira se apresenta ainda deficitária quanto a esse assunto. A continuidade de pesquisas que pos-sam colaborar para o avanço nas discussões, bem como no encaminhamento de propostas que visem contribuir na busca coletiva em solucionar ou intervir na complexidade dos problemas em torno desta questão. O delineamento metodológico dessa pesquisa se deu por meio da or-ganização dos relatos e depoimentos da alunas-professoras do curso pedago-gia/PARFOR/UEM, bem como aprofundamento teórico de diferentes autores referenciais para a temática da formação de professores. Alguns autores Nóvoa, (1992), Esteve (1995), Demo (1996; 2002), Cachapuz (2003), dentre outros representantes do tema em questão, os quais puderam contribuir significativa-mente nesse estudo. Para a construção de um diálogo entre o campo teórico e o prático desse estudo, foram elaboradas categorias de análise, tais como: a) a realidade forma-tiva das alunas-professoras na área que atuam quando ingressaram no curso; b) os cargos/funções que as alunas-professoras exercem na rede municipal de ensino; c) pontos positivos e negativos do curso pedagogia/PARFOR/UEM; d) conhecimentos e saberes apropriados no decorrer; e) atividades ou situações decisivas na formação das alunas-professoras; f) possíveis mudanças na prática pedagógica das alunas-professoras. Tais categorias são apresentadas no texto nos subtemas: - Os desafios da formação de professores no Brasil; - A oportunidade estudar no ensino su-perior e seus desdobramentos; - Apontamentos significativos na formação das alunas-professoras no curso de pedagogia do PARFOR-UEM.

Page 48: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

48A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

Os desafios da formação de professores no Brasil

As questões relacionadas à profissão docente sofreram e continuam sofrendo significativas mudanças nos diferentes períodos históricos no Brasil, bem como em cada contexto que ela está inserida. Mudanças que nem sem-pre significaram avanço, mas retrocesso para os professores em sua formação. Desta forma para entendemos melhor a formação desse profissional e os moti-vos pelos quais ainda hoje em nosso país, no séc. XXI temos grande número de professores atuando em sala de aula sem a formação na área da educação em nível superior. Uma grande parcela desses professores já se formou ou encon-tra-se em formação pelas universidades de todo o país, conveniada e subsidiada pelo Plano Emergencial de Formação de Professores/CAPES/MEC - Primeira Licenciatura/Pedagogia/PARFOR. No caso específico da UEM, a qual atende uma pequena e importante parcela desse montante geral mencionado. Retomando acerca da compreensão dos motivos pelos quais ainda hoje, no Brasil, o professor se encontra desprovido de formação ou quando a tem ain-da é precária, resultando em uma prática pedagógica inadequada. Para fazer-mos essa reflexão, no reportamos a Nóvoa (1995), Monlevade (1996) Cachapuz (2003) importantes estudiosos da formação docente, os quais historicizam os conflitos, mudanças, avanços e retrocessos sofridos por ela no decorrer dos sécu-los. A história da educação e formação de professores no Brasil é entrelaçada por interesses políticos, contextos do sistema capitalista industrial, muitas vezes interferiram atrasando o seu processo de desenvolvimento. Resultou em alguns períodos na ausência de sistematização na formação de professores, em razão do descumprimento dos compromissos relacionados à educação provocando a precariedade total da educação, bem como na desqualificação dos professores em todos os sentidos. Importantes conquistas e significativos avanços são pontu-ados pelos autores ao longo dos anos desde a ausência, surgimento até o desen-volvimento da formação e da carreira docente, bem como do curso de pedagogia. Em se tratando da formação de professores, vale pontuar que a lei em vigência na atualidade é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/9394/1996). Os artigos 62 e 63 destacam em âmbito geral, que nos cursos do Ensino Superior tem uma exigência mínima, para formação inicial do pro-fessor que atua na Educação Infantil nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Todavia, esse pré-requisito não é obrigatório, visto que a mesma lei admite a formação em Nível Médio, a qual pode ocorrer no curso de Magistério.

Page 49: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

49A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

Quanto à carreira docente, a mencionada lei, em seu artigo 67 garante aos profissionais docentes ingresso por meio de concurso público: existência de provas de títulos; que haja um plano de carreira para elevação e incentivo da profissão; prevê a formação contínua sem ampliação na jornada de trabalho ou gasto de recursos financeiros próprios; piso salarial; progressão na carreira; avaliação da atuação profissional; estudos planejamento e avaliação, inserido na carga horária de trabalho. A mencionada lei garante também ao docente o direito de formação contínua no intuito de vinculação entre teoria e prática. Mas, será que de fato, na prática esta formação acontece? Será que há incentivos, melhoria plausível de salário, fiscalização de recursos financeiros e organizacio-nais para que esta ocorra nos municípios? De acordo com Arns (2004), o fato de haver formação continuada, muitas vezes empregada por intermédio de cursos rápidos, quando não há direciona-mento de verbas que visam substituir o profissional que se ausenta do trabalho para formação. Contudo, atualmente, há a busca por parte do próprio Ministério da Educação (MEC) em cumprir as exigências da lei, bem como efetivar as me-tas de formação docente aos profissionais atuantes na educação básica, estabe-lecidas no Plano Nacional de Educação (PNE/2014):

Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível su-perior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.Meta 16:formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos(as) os(as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. Meta 17: valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica, de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE. Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os(as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos(as) profissionais da educação básica pública, tomar como referên-cia o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal (BRASIL, 2014, P.12)

Page 50: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

50A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

Essas metas e esforços começam a ser visualizados nas propostas e concretizações de projetos, e programas como o PAR-PDE: PRÓ-LETRAMEN-TO, PRÓ-ENSINO, PIBID, PROFA, PARFOR, PNAIC, PACTO/ENSINO MÉDIO, entre outros. Podemos dizer que esse tipo de formação gratuita e de qualidade beneficia o profissional, bem como a instituição de atuação, por meio da trans-formação da prática pedagógica. Para esse estudo, ressaltamos mais uma vez que nos direcionamos somente à análise da perspectiva das alunas-professoras formandas no curso de Pedagogia/PARFOR. Na sequência do texto procura-mos expor o posicionamento das alunas-professoras ao mesmo tempo em que realizaremos uma reflexão em torno das respostas obtidas embasadas na litera-tura da área.

A oportunidade de estudar no ensino superior e os seus desdobramentos

O acesso, a oportunidade de estudar no ensino superior, em uma oferta de curso de qualidade, foi um ponto, que de forma unânime houve semelhan-ça nos relatos e depoimentos alunas-professoras. Podemos sintetizar as res-postas destacando que constatamos muita satisfação, encantamento, alegria, agradecimento pela realização do curso em questão. Para muitas significou um enfrentar desafio, para outras a realização de um sonho que parecia impossível acontecer, justamente em uma universidade pública conceituada. Relataram que houve mudanças significativas na prática docente, que passaram a ter outro posicionamento diante da criança, ouvindo-a, compreendendo-a e contribuindo de modo intencional com seu desenvolvimento. Para exemplificar, citamos pon-tos de alguns relatos:

Relato 1: - “Estou aplicando em sala de aula desde o primeiro ano do curso os conhecimentos (...); Relato 2: - Aprendi a elaborar projetos, planejamentos (...) me sinto preparada para o trabalho (...) os encaminhamentos metodológicos foram ressignificados, faço o uso de tecnologias em sala de aula (...) melhoraram minhas relações com a equipe pedagógica; Relato 3: - Me sen-tia diminuída diante das profissionais da minha instituição; Rela-to 4: - Aprendi a fazer pesquisa (...) aprofundei sobre problemas que estão presentes na minha prática, com minha turma.

Por outro lado, tiveram inúmeros casos, situações de enfrentamento de dificuldades, de origem pessoal, como terem a família para dar atenção, zelar e sustentar e os serviços domésticos dela decorrentes. Também as dificuldades de origem profissional, em que grande parte das alunas-professoras não obtiveram

Page 51: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

51A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

dispensa do trabalho para a realização dos Estágios Curriculares Supervisio-nados do Curso. Muitas relataram que tiveram que pagar pelas horas que se ausentaram. Houve sugestão de que fossem criados mecanismos políticos do MEC/CAPES/SEDUC que articulassem essas questões. Que fosse possível se afastar do trabalho para estudar, ao menos em um período diário. Ressaltamos que os estágios foram apontados como uma das principais situações em que propiciaram o repensar da prática pedagógica. Os dados evidenciaram que é necessário a implementação e ampliação de medidas políticas de financiamento, de investimento da educação e formação docente. Os projetos mencionados no início desse texto e a proposta específica do PARFOR no país representa um grande avanço formativo. Todavia, ainda geram insegurança em sua continuidade, pelo fato de não existir uma obriga-toriedade legal. Uma vez que ainda necessita de se estabelecer uma parceria efetiva entre essas instâncias governamentais para que haja oferta frequente de formação inicial e contínua ao profissional atuante na educação básica do país. Ainda há uma falta de reconhecimento, de valorização e da efetivação de políticas públicas voltadas ao profissional que atua na Educação Infantil. Nesse nível de ensino reside o maior número de profissionais sem a formação inicial em nível superior, até mesmo em nível médio, que assumem a atividade docente, pedagógica, atuam diretamente com a criança como se “fossem professores”. Estão desprovidos de formação em sua área. Permitindo ainda aquele velho e antigo jargão: quanto menor a criança, menor a exigência de formação. Demo (1996) sugere a formação do professor pesquisador, de forma que construa habilidades relacionadas a propor projetos e ideias renovadoras em diferentes áreas da educação. O professor pesquisador parte dos problemas encontrados por ele e seus pares, das necessidades mais evidentes, enfocando a importância de que ele se aproprie e dos saberes relacionados ao pesquisar e à sistematização científica. Para o autor, a pesquisa, proporciona não somente a produção de conhecimento, ela pode ser uma ferramenta de conquista de au-tonomia profissional e acadêmica, lançando mão das inovações tecnológicas, articulando-os para alavancar o desenvolvimento científico. No entanto não é su-ficiente o professor ensinar o aluno a pesquisar ele precisa, segundo o autor an-teriormente citado, ser professor pesquisador, visto que ensinará pelo exemplo teórico-prático, evidenciando que é possível educar pela pesquisa, não havendo dissociações entre educar e pesquisar. Ao discutir acerca do tipo de formação docente, Cachapuz (2003) valoriza a apropriação de saberes necessários e peculiares elaborados pelos próprios su-

Page 52: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

52A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

jeitos. Nesse sentido Demo (2002) critica as distorções existentes de formação docente, destacando a necessidade de o sujeito professor ser ativo em sua ap-ropriação e elaboração de conhecimento. Perrenoud (1993) afirma que a maioria das críticas atribuídas aos siste-mas de ensino, responsabiliza o professor pelas ineficiências e fracasso deste sistema. A formação desse profissional por sua vez, é marcada como muito cur-ta, desqualificada, incompleta e retrógrada. Para solucionar esses problemas, o autor menciona que se trata das ações transformadoras de um conjunto de setores sociais de forma articulada e inter-relacionada. O referido autor valoriza os saberes pautados na prática pedagógica, ao ensino, os quais necessitam estarem presentes na formação dos futuros professores, visto que na prática o professor encontra-se com circunstâncias adversas, níveis distintos de apren-dizagem, diferentes tipos de comportamentos dos alunos, em que exigem do profissional que defina ações articuladas. Nesse sentido Esteve (1995) acres-centa que os alunos, cuja geração é diferenciada, estão habituados com a rapi-dez da modernidade, evitam esforços, necessitam de provocação a pensar, a estudar. Aprender como agir diante dessas situações e desse perfil de alunos é parte da formação docente. Nóvoa (1992) também acrescenta observando que, a integração de distintos saberes científicos, pedagógicos, teóricos e práti-cos, podem contribuir para que o professor se identifique como agente ativo da própria formação. Enfim, provocar, discutir, argumentar, revisar, avaliar, repensar, pare-cem verbos vazios e soltos, porém inseridos em um devido contexto, como na efetivação da formação docente, podem representar possíveis ações a serem realizadas pelo professor. Ao lançar um olhar diferenciado, de quem está em formação, de quem está estudando, diante de sua realidade vivida, pode ser um ponto de partida do professor rumo à produção de conhecimento, à com-preensão do seu papel na educação e na sociedade.

Apontamentos significativos na formação das alunas-professoras no cur-so de pedagogia do parfor-uem

Nos relatos das alunas-professoras, foi evidenciada a relevância da multi-plicidade dos diferentes componentes curriculares do referido curso. Um desses destaques importantes, como já mencionado, foi a realização dos estágios cur-riculares, de modo muito peculiar, com a presença da professora da universi-dade orientando e acompanhando todo esse processo qualitativamente. Elas sa-

Page 53: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

53A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

lientaram que embora já tivessem muito tempo de prática educativa, não tinham clareza se o que faziam era adequado, não conheciam as teorias que embasam a prática de como ensinar, a didática, como avaliar o aluno, como deve ser o planejamento dentre outros. Outro ponto de grande relevância nos depoimentos foi a realização do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Como o projeto de pesquisa foi iniciado no segundo ano do curso e desenvolvido durante os três anos, até a defesa no quarto ano. Podemos dizer que resultaram em trabalhos muito consistentes e de boa qualidade. O posicionamento das alunas-professoras foi de terem realizado um cur-so de significativa contribuição à sua profissão, porque elas responderam que o mesmo pode subsidiar e redimensionar sua prática pedagógica. Tornaram-se mais colaborativas, capazes de trabalhar de modo coletivo nas instituições, nas quais exercem sua profissão. Relataram que se tornaram pessoas, mães e es-posas melhores. Cresceram como seres humanos, uma vez que educação hu-maniza.

Na educação [...] não existe nada de passivo, de inativo. Até as coisas mortas, quando se incorporam ao círculo da educação, quando se lhes atribui papel educativo, adquirem caráter ativo e se tornam participantes ativos desse processo (VYGOTSKY, 2001, p.70).

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores por meio da ed-ucação, com base nos sólidos fundamentos teóricos propicia o processo de so-cialização. Pelo fato das alunas-professoras estarem atuando em sala de aula as discussões tiveram muito mais aprofundamento, bem como as leituras das diferentes disciplinas faziam parte da realidade educacional vivenciada por elas. Assim, houve melhor compreensão do papel do professor, o quanto cada uma pode intervir e contribuir de maneira intencional na aprendizagem da criança. Esteve (1995) ressalta sobre a seleção dos conteúdos, da formação ini-cial, os quais devem se voltar notoriamente à realidade pedagógica. Ou seja, não basta dominar os conteúdos do campo teórico, é necessário que ele apren-da como ensinar, que ele aprenda o domínio dos conteúdos do campo da práti-ca. Evidencia-se que os cursos formadores de professores, precisam delimitar novos caminhos, como defende Nóvoa (1992), que a escola e a universidade conquistem sua autonomia, para que de fato possam representar uma estrutura, ferramentas disponíveis que permitam ao professor ser um produtor de conheci-mento, que atue na própria. Esse profissional não deve ser um mero receptor de

Page 54: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

54A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

informações e as repete mecanicamente em sua prática pedagógica. É necessário, portanto que o professor pense, questione, levante hipó-teses, a fim de que, como ressalta Zeichner (1998), ele possa refletir sobre o particular e o coletivo da prática pedagógica e sua inserção no contexto social, ação essa que não ocorre de maneira isolada. Esse autor recomenda a prática reflexiva como um paradigma de formação docente. Sua proposta se delineia na compreensão de que, ao refletir sobre suas ações pedagógicas, o professor ini-cia um processo de retomada, de revisão, abrindo possibilidades de mudanças, de participar na produção de uma nova concepção, que repercutem em avanços na qualidade do trabalho. Em termos metodológicos, para concretização da práti-ca reflexiva, o autor anteriormente citado, indica que pode se dar por meio de pesquisa, debates, grupos de estudos, com situações que necessitam compor os fazeres habituais pedagógicos presentes na escola, desses profissionais. E essa forma de proceder em relação à prática reflexiva precisa estabelecer uma parceria entre a universidade e a escola rumo a superar os problemas presentes em sua própria sala de aula. Atua em sua formação e contribui para a produção de novos conhecimentos, de forma coesa, articulada e inserida em um contexto social e histórico, no qual o professor influencia e é influenciado. Encerramos esse estudo nos reportando a Freire (1996), o qual discute que a formação desse profissional precisa ser de boa qualidade, que tenha domí-nio dos conteúdos, que provoque curiosidade, desejo de pesquisar no aluno, de conhecer acerca do assunto em questão. A partir dos estudos e aprofunda-mentos de determinados assuntos ou conteúdos, o professor é capaz de susci-tar nos alunos, a possibilidade em relacionar tais discussões com outras situ-ações da realidade, conquistando portanto, o comprometimento, a autonomia de pensamento e de suas ações diante da realidade educacional e social. Enfim, uma das premissas principais deste autor é que em sua postura pedagógica precisa haver coerência entre o que e como ensina, com a prática educacional apoiada na democracia social.

Considerações finais

O presente estudo evidenciou a necessidade de um olhar diferenciado so-bre a formação docente inicial e a contínua. Percebeu-se que aluna-professora ao exercer a sua profissão, influencia e é influenciada pelo contexto histórico e social, razões estas que trazem um novo olhar para a sala de aula. Constatou-se inclusive, que o curso de Pedagogia/PARFOR/UEM proporcionou reflexões so-bre a reorganização da prática pedagógica, sobre os processos de ensino e

Page 55: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

55A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

aprendizagem nos quais as alunas-professoras estão envolvidas em sua profis-são. Para elas, a realização do curso, articulada às experiências da função do-cente permitiu uma articulação entre a universidade e educação básica. Os depoimentos deixaram claro que é necessário que o professor participe ativamente de sua formação, bem como se aproprie dos diferentes sa-beres que envolvem sua profissão. E que sua participação em grupos de es-tudos, leitura, debates, pesquisa impacta positivamente na transformação da realidade educacional da nossa região. Os relatos mostraram que as alunas-professoras passaram a ter mais criticidade diante da realidade, se tornaram professoras reflexivas diante da sua prática pedagógica, lançaram mão do saber científico, da pesquisa em prol da resolução de problemas. Pode-se concluir que a realização do curso Pedagogia PARFOR/UEM, representou uma rica e interativa oportunidade tanto para as alunas-professo-ras quanto para os Docentes da IES que foram até o chão da escola. Para as alunas-professoras suscitou-se a apropriação de novos saberes, os quais lhes permitiram o entendimento da importância de se reorganizar, de participar da própria formação, bem como redimensionar a sua prática pedagógica.

Referências

ARNS, Flávio. LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: Senado Federal, 2004.BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da União, DF, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação (PNE), Brasília, 2014.CACHAPUZ, Antonio Francisco. Do que temos, do que podemos ter direito na formação de professores: em defesa de uma formação em contexto. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003.DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa Campinas: Autores Associados, 1996. ______. Professor e seu direito de estudar. In: NETO, Alexandre Shigunov; MACIEL, Lizete S. Bomura (Orgs.). Reflexões sobre a formação de profes-sores. Campinas, São Paulo: Papirus, 2002.ESTEVE, José M. mudanças sociais e função docente. In: NÓVOA, António. (Org.). Profissão Professor. Porto, Portugal: Porto Editora, 1995.

Page 56: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

56A significação da formação docente: relatos e experiências de professores do curso de pedagogia do PARFOR-UEM - Regina de Jesus Chicarelle - Leonor Dias Paini

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra 1996.MONLEVADE, João. Pequena geografia, história e economia da profissão docente no Brasil. In: MENEZES, Luiz Carlos de (Org.). Professores: Formação e profissão. Campinas, São Paulo: Autores Associados; São Paulo, SP: Nupes, 1996.NÓVOA, António. (Org.) Os professores e a sua formação. Portugal: Lisboa, Publicação Don Quixote, Instituto de Inovação Educacional, 1992.______. Profissão professor. Porto, Portugal: Porto Editora, 1995.PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas profissão docente e formação -Perspectivas sociológicas. Tradução de Ana Benavente e António Nóvoa. Lis-boa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1993.ZEICHNER, Kenneth . Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, Corinta Maria Grisolia et al. (Org.). Cartografia do trabalho docente: professor (a)-pesquisador (a). Campinas, SP: mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, 1998. VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Page 57: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A TECNOLOGIA APLICADA NAS METODOLOGIAS DE ENSINO NO CURSO DE SEGUNDA LICENCIATURA EM MÚSICA

(PARFOR - UEL)

Luciana Schmidt

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar os diferentes meios de apli-cação da tecnologia no curso de Segunda Licenciatura em Música (PARFOR - UEL). Destacamos as disciplinas de Prática instrumental I e II (Flauta Doce) e Educação Musical II para apresentar algumas vivências adquiridas no decorrer do curso. O artigo conta com reflexões de Gohn (2010), Moran (2013), Souza (2013), Cernev (2013), entre outros autores que pesquisam o uso das tecno-logias na educação e educação musical. Ao longo das aulas foi possível veri-ficar que as metodologias utilizadas favoreceram a criticidade, o interesse e o desempenho dos alunos, contribuindo dessa maneira, com o desenvolvimento do curso. Em alguns momentos foi necessário pesquisar sobre a tecnologias utilizadas, oportunizando a sua utilização tanto por parte das professoras quan-to dos alunos, o que comprova a necessidade de pesquisas sobre o assunto. Verificamos ainda que outros recursos tecnológicos podem ser incorporados nas metodologias trabalhadas, almejando maior rendimento dos alunos, seguida da aplicação imediata de alguns desses recursos em suas práticas pedagógicas e no estudo de um instrumento musical. A utilização de ferramentas como a gravação em áudio e vídeo facilitaram e contribuíram de modo significativo com a prática musical e o estudo diário dos alunos.

Palavras-chave: Tecnologia. Segunda Licenciatura em Música. Educação.

Introdução

Atualmente, a tecnologia está acessível a vários níveis da sociedade. Seja como auxílio na execução de pequenas tarefas,forma de aquisição de conhecimentos ou mesmo em momentos de descontração, as tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e demais tecnologias digitais estão presentes em nosso dia-a-dia. Várias dessas ferramentaspassaram a ser utilizadas em diferentes am-

Page 58: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

58A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

bientes de ensino e gradualmente têm garantido seu espaço na educação. A relação entre música e tecnologia tem sido intensificada nos últimos anos e a educação musical também passou a contar com tais ferramentas na sala de aula. A cada dia, um número maior de professores de música passa a relacionar o ciberespaço com o ensino. O Curso de Segunda Licenciatura em Música (PARFOR-UEL) também possui experiências que relacionam diferentes meios tecnológicos e o ensino. Aliás, até por conta da característica do curso e dos alunos1, essas ferramentas são utilizadas durante asaulas na universidade e na maioria das vezes, aplica-das com os alunos atendidos pelos alunos do curso de Segunda Licenciatura em Música. Entre as práticas realizadas podemos citar gravações em áudio e vídeo, bem como as pesquisas na internet, apreciação de entrevistas e performances musicais no youtube, apresentação de aulas expositivas em slides, utilização de programas musicais, além da comunicação por meio de e-mail e demais mídias sociais. A cada módulo percebemos a necessidade de aprimorar a relação exis-tente entre as metodologias utilizadas durante as aulas e as tecnologias de in-formação e comunicação, para que assim, professores e alunos possam desen-volver-se e alcançar maior êxito em suas atividades.

Contextualização das disciplinas

O curso de Segunda Licenciatura em Música (PARFOR - UEL), conta com oito módulos, em um total de 1160 horas que se referem às áreas de Lingua-gem e Estruturação Musical, Educação Musical, Estágio e Prática Instrumental. Destacamos neste artigo as disciplinas de Educação Musical II e Prática Instru-mental I e II (flauta doce), desenvolvidas entre agosto e dezembro de 2014 com as turmas 4 e 3 respectivamente. A disciplina de Educação Musical II possuía uma carga horária de 60 horas e a ementa contemplava

Abordagens metodológicas para o ensino de música, com ên-fase nas propostas dos educadores musicais da segunda meta-de do século XX e seus desdobramentos: vivência e análise, por meio da prática reflexiva. Noções de psicologia da música e de desenvolvimento musical (UEL, 2009, p.33).

1 Carga horária reduzida, aulas aos sábados, férias e feriados e professores atuantes na rede básica de ensino.

Page 59: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

59A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

A carga horária total da disciplina de prática instrumental foi de 120 horas, contendo como ementa a “Prática de repertório em grupos e execução de instru-mentos diversos” (UEL, 2009, p. 34). Os instrumentos trabalhados nas oficinas foram o violão, a flauta e a percussão. Entre os objetivos das disciplinas de educação musical podemos desta-car: compreender, vivenciar e analisar as diferentes abordagens metodologógi-cas para o ensino de música. São essas disciplinas, aliadas as demais discipli-nas do curso, que irão fundamentar os estágios supervisionadose as práticas pedagógicas desenvolvidas no ambiente de trabalho de cada professor. As práticas instrumentais são fundamentais para que os alunos possam fazer música por meio da performance, para utilizarem o aprendizado obtido como um recurso em suas aulas ou mesmo como meio de ensinar música nas escolas, principalmente em projetos que muitas escolas municipais e estaduais oferecem no contraturno (aulas de flauta doce, violão, percussão, coral, entre outros). Tais práticas instrumentais são oferecidas em uma carga horária pequena se tomarmos como referência o domínio dos instrumentos em questão, porém o objetivo foi ampliar o universo dos alunos e motivá-los a continuarem a prática de um ou mais desses instrumentos mesmo depois do término do curso.

Educação, música e tecnologia

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e demais tecnologias digitais entraram no ambiente educacional e são cada vez mais comuns.Moran (2013) cita vários recursos digitais que podem ser utilizados na educação como as pesquisas online, blogs, google docs e podcasts e destaca a necessidade de se adaptar às novas tecnologias nos contextos de ensino. Essa visão também é confirmada por Souza (2013), ao dizer que "não se pode mais elaborar propostas curriculares, onde essas tecnologias não estão contempladas" (p. 30).Segundo a autora essas ferramentas propiciam um novo olhar frente a sociedade, possibilitando a comunicação e a informação no cotidi-ano das pessoas. Ela destaca ainda o papel das TIC na formação dos profes-sores. No Documento-Referência da CONAE2 de 2010, notamos também o in-centivo de práticas educacionais que promovam o desenvolvimento de tecno-logias educacionais e a utilização de recursos pedagógicos nos processos de

2 Conferência Nacional da Educação.

Page 60: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

60A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

aprendizagem. Essa visão corrobora as pesquisas dos autores apresentados e incentiva novas pesquisas relacionadas ao assunto. O recém aprovado Plano Nacional de Educação (2014 - 2024), apresenta como uma das diretrizes a promoção humanística, científica e tecnológica do país. Dessa maneira, a utilização das novas tecnologias no ensino recebe um respaldo do ministério da educação, além de pesquisas relacionadas ao tema, como as de Souza (2013), Milani (2013), Couto e Coelho (2013) e Almeida e Silva (2011).

Entendemos que as Tecnologias Digitais da Informação e Co-municação (TIC) na educação contribuem para a mudança das práticas educativas com a criação de uma nova ambiência em sala de aula e na escola que repercute em todas as instâncias e relações envolvidas nesse processo, entre as quais as mu-danças na questão de tempos e espaços, nas relações entre ensino e aprendizagem, nos materiais de apoio pedagógico, na organização e representação das informações por meio de múl-tiplas linguagens (ALMEIDA; SILVA, 2011, p. 04).

A música é uma das linguagens que possui estreita ligação com a tecno-logia. Seja na criação de instrumentos eletrônicos, softwares ou mídias sonoras, a cada dia o acesso à música está mais evidente.Essas ferramentas também são de extrema valia na educação musical. "O educador musical que utilizar as alternativas tecnológicas disponíveis na atualidade terá um vasto campo para explorar" (GOHN, 2010, p. 7). De fato, incontáveis são as possibilidades de trabalho com música e tecnologia em sala de aula. De acordo com Cernev (2013), muitos países têm adotado em suas políticias educacionais o uso das tecnologias digitais como re-curso pedagógico para a aula de música nas escolas. A autora destaca o termo "música colaborativa" para abranger a variedade de atividades musicais e as diferentes ferramentas tecnológicas com acessos livres e comerciais. Pesquisas na rede mundial, como o Youtube (youtube.com), MySpace (myspace.com), entre outros, permitem a visualização e compartilhamento de vídeos que dificilmente seriam visualizados sem essas ferramentas. Essas mes-mas ferramentas podem oportunizar inclusive, uma avaliação mais consistente e um acompanhamento individualizado por parte dos professores. Entretanto, Galízia (2009) destaca que pautar o ensino de música em tecnologias implica alguns desafios como os gastos necessários para tais mu-danças e a capacitação dos professores de música para lidar com tais tecnolo-gias.

Page 61: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

61A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

De fato, o ambiente tecnológico requer investimento e familiaridade dos professores com as ferramentas utilizadas, contudo, as tecnologias de informação e comunicação utilizadas durante as aulas no curso de Segunda Licenciatura em Música (PARFOR - UEL), são ferramentas de fácil acesso, baixo custo e não possuem grandes níveis de dificuldade.

A tecnologia no curso de Segunda Licenciatura em Música (PARFOR - UEL)

Na oficina de Flauta Doce optamospelo método Suzuki como ferramenta de trabalho3.O método Suzuki ou Educação do Talento é um método que possi-bita várias contribuições para o trabalho dos alunos enquanto estudantes de um curso superior e como um exemplo de prática a ser realizada diretamente com alunos da Educação Básica, onde atuam como professores do Ensino Regular. A educação do talento, termo utilizado para designar a proposta de educação musical desenvolvida pelo violinista japonês Shinichi Suzuki foi ini-cialmente pensada para o ensino e aprendizagem da música (do violino) para crianças, no contexto japonês. Desde sua criação, na década de 1930, e sua posterior aplicação dentro e fora do Japão, o método Suzuki tem sido adapta-do para diversos instrumentos, culturas e realidades, sendo utilizado em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Katherine Caldwell White, flautista americana que estudou com Suzuki no Japão, adaptou o método suzuki para a flauta doce na década de 1970. Foi ela quem selecionou todo o repertório e, como principal diferença em relação a outros métodos, introduziu as notas graves no início do estudo. O método Suzuki baseia-se nas obervações sobre a aprendizagem da língua materna. Ao observar bebês e crianças, Suzuki percebeu que todas, sem exceção, aprendiam o idioma materno, inclusive os acentos e as particularidades de dialetos específicos, sem fazer grandes esforços. Suzuki também constatou que a aprendizagem do idioma materno acontece por meio dainteração com os membros de sua família, sobretudo com a mãe (Ilari, 2011, p.189). Por se tratar de um curso superior e todos os alunos serem adultos, eles mesmos se responsabilizavam pelo estudo individual e parte da motivação, sendo assim a família não fazia parte do processo. Por outro lado, já que muitos alunos do curso trabalhavam com crianças e adolescentes, eles tiveram sugestões de

3 Tal metodologia já havia sido apresentada no módulo 3, na disciplina de Educação Musical I, o que facilitou e agregou mais significado para os alunos, já que o conhecimento teórico prévio possibilitou o aprofundamento do método.

Page 62: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

62A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

como aproximar a família do estudo do filho, por meio de tarefas e do uso da tecnologia a favor da educação. Entre as metodologias que apresentavam alguma relação com a tecno-logia que foram utilizadas na aproximação da família com o estudos dos alunos atendidos podemos citar a utilização de CD que continha todo o repertório Su-zuki gravado pela flautista Marion Verbruggen, que oferece alta qualidade de performance; vídeos realizados pela professora, onde apenas as mãos apare-ciam tocando as melodias em um andamento mais lento do que as gravações do CD, pequenos desafios de digitação e leitura musical por meio de atividades escritas. Todas essas atividades foram realizadas com os alunos da oficina e al-gumas foram criadas e organizadas por eles mesmo, abrindo assim, o leque de sugestões para a aplicação no Ensino Regular. Uma das atividades para aplicação no Ensino Regular consistia em escolher as notas a serem ensinadas, desenhar as digitações das notas, e co-locá-las em uma ordem desejada a fim de que os alunos praticassem diaria-mente a quantidade de vezes solicitada pelo professor. Para esses exercícios foram utilizadas progressões, escalas, arpejos ou trechos de músicas a serem aprendidas. Os alunos recebiam os exercícios via e-mail ou impressão. Outra atividade consistia em trabalhar a percepção dos alunos: escolhia-se uma música e a partir da sua forma, apresentava a sequência das digitações com a ausência de algumas notas para a percepção dos alunos, como em um exercício de completar. Como exemplo, a música “Brilha, brilha estrelinha” foi apresentada apenas tocada pelo professor, depois os alunos receberam o áudio para levar para casa e, por fim, realizaram o exercício abaixo para aplicação em sala de aula no Ensino fundamental.

Page 63: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

63A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

Os alunos deveriam ter a gravação da música para poderem ouvir e descobrir ou ter alguém para tocar toda a música, o que normalmente se faz em aula: o professor ou líder toca e os alunos descobrem quais são as notas. Para o estudo em casa, as músicas eram enviadas via e-mail.Em escolas de ensino regular, o professor poderia fazer cópias em CDs para o estudo de seus alunos ou passar os links das músicas que poderiam encontrar no Youtube. A tecnologia foi bastante utilizada nas avaliações. Para tanto, vale a pena contextualizar a vivência com a flauta doce por parte da turma do curso. Apenas dois alunos da turma do Parfor tinham vivência musical com a flauta doce fora da Segunda Licenciatura em Música, mas não por meio do método Suzuki, fato este que colaborou em uma vivência diferenciada daquilo que conheciam como aula de flauta. Os demais alunos eram iniciantes no estudo da flauta doce, o que possibilitou a aplicação do método como um todo. As avaliações foram filmadas ou gravadas em aúdio (individualmente, em duos, trios ou toda a turma). Durante o processo das aulas as filmagens foram apreciadase entregues aos alunos para comparações no crescimento e amadurecimento musical de gravação para gravação. Nunca em comparação entre alunos, mas entre as diferentes performances do mesmo aluno. Tal atitude trouxe um ambiente de respeitoentre os alunos, que olhavam mais o cresci-mento e o amadurecimento, do que as falhas que apareciam na medida em que as dificuldades aumentavam. Tais atividades colaboraram com a qualidade da postura, afinação e articulação, pois no momento de escuta eles não tinham que se preocupar com outros afazeres, apenas com o som escutado e a imagem as-sistida.Vale ressaltar que os alunos receberam algumas dicas de filmagem para que pudessem utilizar mais esse recurso em sua prática docente. Nas aulas de Educação Musical II, que contemplava abordagens metodológicas para o ensino de música, com ênfase nas propostasdos educa-dores musicais da segunda metade do século XX e seusdesdobramentos, os alunos também puderam utilizar diferentes recursos de informação e comunicação. O objetivo da disciplina eracompreender os aspectos teóricos e práticos que envolviam o professor no papel de ensinar/aprender e suas relações, dentro do contexto da metodologia de ensino da Música. Como tratava-se de uma disci-plina que continha uma fundamentação teórica grande, muitos conteúdos foram utilizados com o auxílio depower point, pesquisas na internet e a apreciação de documentários disponibilizados pelo youtube. Uma das avaliações da disciplina foi a apresentação de seminários em grupo. De modo coletivo a turma escolheu alguns dos educadores estudados no

Page 64: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

64A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

decorrer do módulo e cada grupo tinha que apresentar a biografia e os princípios adotados por cada educador. Respaldados por essa fundamentação, o grupo precisava também criar atividades relacionadas ao educador em questão, aplicá-las com seus alunos nas escolas de atuação e trazer as gravações para a professora e os demais colegas da turma. Os educadores escolhidos foram Murray Schafer, John Paynter e Violeta Gainza. As filmagens foram assistidas e analisadas coletivamente, destacando os pontos positivos e levantando possibilidades para enriquecer as vivências realizadas. De modo geral a atividade foi muito proveitosa, pois possibilitou à professora da turma a observação de quais conteúdos haviam sido de fato as-similados e quais precisavam ser retomados. A aplicação das atividades criadas pelos alunos do curso em suas frentes de trabalho possibilitou uma articulação entre o curso e a práti-ca de cada profissional. Um dos grupos inclusive repetiu a atividade de-pois das análises realizadas em grupo, alterando um pouco a propos-ta inicial e detectou que as sugestões surtiram efeito em sua prática. Os alunos do curso também gostaram muito de observar as práticas realizadas pelos colegas de sala. Eles se surpreenderam, por exemplo, com o trabalho desenvolvido por um dos professores, que atua na APAE4 e com as dificuldades encontradas para trabalhar com as crianças atendidas e ainda com a participação interessada de um grupo de adolescentes, já que essa faixa etária costuma ser vista normalmente como desinteressada pelo senso comum. O grupo disse ainda que iria aplicar as atividades criadas pelos colegas em suas frentes de trabalho, partilhando posteriormente os resultados obtidos. A atividade incentivou a criação ao invés da mera reprodução de atividades, adotadas ainda por alguns professores. A experiência enriqueceu a disciplina, que embora contasse também com atividades práticas durante o módulo, assumiu um novo vigor após a apresen-tação dos seminários. Os alunos puderam compreender que a teoria estudada tinha um objetivo que caminhava ao encontro das suas necessidades em sala de aula. Atividades como essas precisam ser mais utilizadas tanto em cursos reg-ulares de graduação, quanto em cursos do PARFOR, cursos de pós-graduação e cursos livres. De acordo com a fundamentação apresentada ao longo do texto, a tecnologia pode contribuir muito no acompanhamento dos profissionais que

4 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

Page 65: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

65A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

estarão ou no caso do PARFOR, já estão em sala de aula, contribuindo assim, com a formação inicial e continuada dos professores.

Considerações finais

O uso da tecnologia, especialmente aquelas que envolviam som, trouxe um crescimento bastante satisfatório para as professoras responsáveis e para os alunos. Como as disciplinas envolviam mais a prática do que a teoria, ao rever as avaliações ou mesmo atividades desenvolvidas durante as aulas, tanto os professores como os alunos, podiam realizar uma autoavaliação de sua pro-dução e, dessa forma, traçar caminhos melhores ou diferentes para alcançarem o aprendizado proposto. O benefício foi reafirmado em momentos de partilhas realizadas em salas de aulas no ensino regular, quando os alunos do curso mostravam o que seus alunos estavam fazendo e juntos procurávamos atividades para buscar a ex-celência na performance. Verificamos que o uso dessas ferramentas tecnológicas, por mais simples que seja, estimularam os alunos do curso tanto no PARFOR, quanto em suas práticas docentes. Almejamos, portanto, enriquecer nossas próximas práticas enquanto docente no curso de Segunda Licenciatura em Música (PARFOR-UEL) com novas estratégias como maior uso das redes sociais, criação de blogs, pá-ginas na internet ou portal no curso do parfor ou ainda a utilização de twitter, até por conta da necessidade de expandir o acesso a certas informações a outros profissionais e porque não estimular outros professores a continuarem seus es-tudos. Destacamos ainda que as professoras responsáveis pelas disciplinas não possuem total domínio dos diferentes recursos tecnológicos existentes atual-mente, mas que assim como os alunos do curso, procuram sempre que possível se atualizar para que suas práticas docentes possam contribuir com seu próprio desenvolvimento, assim como o desenvolvimento de seus alunos.

Referências

ALMEIDA, Maria ELizabeth B. de; SILVA, Maria da Graça Moreira da. Currícu-lo, Tecnologia e Cultura Digital: espaços e tempos de web currículo. Revista e-curriculum, São Paulo, v. 7 n. 1 Abril/2011. Disponível em: http://revistas.puc-sp.br/index.php/curriculum>. Acesso em 18 fev. 2015.

Page 66: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

66A tecnologia aplicada nas metodologias de ensino no curso de segunda licenciatura em música (PARFOR-UEL) Luciana Schmidt

BRASIL. Lei no 13.005. Plano Nacional de Educação (2014-2014). Disponível em http://fne.mec.gov.br/images/doc/LeiPNE.pdf. Acesso em 18 fev. 2015.CERNEV, Francine Kemmer. Aprendizagem colaborativa mediada pelas tec-nologias digitais: um estudo realizado nas aulas de música no contexto da educação básica. Hipertextus Revista Digital, v. 10, Julho. 2013.CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CONAE), 2010,Brasília, DF. Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: oPlano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias; Documento Final.Brasília, DF: MEC, 2010. Disponível em: <http://Conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/doc_base_documento_final.pdf>. Acesso em: 18fev. 2015.GALÍLIZA, Fernando Stanzione. Educação musical nas escolas de ensino fundamental e médio: considerando as vivências musicais dos alunos e as tec-nologias digitais. Revista da ABEM, no 21, mar. 2009.ILARI, Beatriz. Shinichi Suzuki - A educação do talento. In: MATEIRO, Teresa; ILARI,Beatriz. Pedagogias em Educação Musical. Curitiba: Ibpex, 2011, p. 189.MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda. Novas tecno-logias e mediação pedagógica. 21a edição. São Paulo: Papirus, 2013.SOUZA, Albano de Goes. Entre a teoria e a prática: a inserção das tecnologias da informação e comunicação (TIC) na formação docente inicial da Universidade Estadual de Feira de Santana. Dissertação (Mestrado em Educação). Universi-dade Tiradentes. Aracaju, 2013.UEL / Departamento de Arte. Prática Instrumental I e II. Programa de discipli-na. UEL, 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/prograd/ docs_prograd/ reso-lucoes/2009/resolucao_244_09.pdf>. Acesso dia 10 mar 2015.UEL / Departamento de Arte. Educação Musical. I, II, III e IV. Programa de dis-ciplina. UEL, 2009. Disponível em: http://www.uel.br/prograd/docs_prograd/resolucoes/2009/resolucao_244_09.pdf. Acesso dia 10 mar 2015.

Page 67: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

APONTAMENTOS E REFLEXÕES SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: CONCEPÇÕES, DESAFIOS

E LUGARES FORMATIVOS

Maurício de Aquino 1

Resumo

Este texto propõe esboçar algumas reflexões sobre a formação continuada de professores com destaque para as concepções, desafios e lugares formativos que despontam atualmente. Inicialmente discute-se o que se consideram como concepção cartorial e concepção de saber profissional docente na formação continuada. Em seguida, abordam-se os desafios e os lugares formativos de formação com ênfase no papel central da escola como espaço de atuação profis-sional e de suas relações com a universidade e com núcleos formadores de secretarias municipais e estaduais de educação.

Palavras-chave: Formação de professores; Educação; Escola.

Pensar a formação de professores é aproximar-se de um dos aspectos centrais da educação. Neste texto, pretende-se fazê-lo recorrendo a obser-vações desse fenômeno na contemporaneidade à luz das ideias, categorias e perspectivas analíticas, sobretudo, de António Nóvoa e Paulo Freire. Objetiva-se delinear em apontamentos e reflexões aquilo que se consideram como elementos essenciais e traços marcantes da formação continuada de professores no Brasil contemporâneo. Propõem-se algumas re-flexões de maneira aberta, em grandes lances de perspectiva, interligadas pelo propósito de discutir, esclarecer e articular conceitos, desafios e instituições cen-trais para a formação docente. Primeiramente, discutem-se duas concepções distintas de formação de professores que aqui serão denominadas como: a cartorial e a de saber profis-sional docente. Ao discuti-las esboça-se o que é e o que não é formação con-tinuada de professores. Depois, abordam-se as relações entre universidade e

1 Professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, Campus Jacarez-inho. Coordenador Geral do PARFOR na UENP. Doutor em “História e Sociedade” pela Univer-sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP. E-mail: [email protected]

Page 68: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

68Apontamentos e reflexões sobre formação continuada de professores: concepções, desafios e lugares formativos - Maurício de Aquino

escola como lugares de formação inicial e continuada defendendo a urgente superação de mútua desconfiança entre essas duas instituições. Por fim, serão tratadas as articulações entre núcleos formadores de secretarias de educação e escolas no desenvolvimento de atividades de formação continuada.

O que é e o que não é a formação continuada de professores

Os bons profissionais de todas as áreas mantêm o interesse pelo aper-feiçoamento de seu trabalho, sobretudo em nosso tempo presente, caracteriza-do por rápidas mudanças e regido pela ideia de inovação. Para o sociólogo po-lonês Zygmunt Bauman (2007), a contemporaneidade pode ser designada como “modernidade líquida” e a sociabilidade que ela enseja como “vida líquida”. Para ele,

A “vida líquida” e a “modernidade líquida” estão intimamente liga-das. A “vida líquida” é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. “Líquido-moderna” é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das for-mas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a socie-dade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo. (Bauman, 2007, p.07)

Nesses tempos, a ideia de educação por toda a vida deixou de ser um ox-ímoro para tornar-se um pleonasmo, em outras palavras, se outrora o graduado já estava pronto, ‘formado’, e seria uma redundância ou paradoxo pensar em continuar os estudos (que, afinal, já realizara), hoje, essa ideia é um pleonas-mo visto que a educação por toda a vida já foi suficientemente assimilada e justifica-se pela imperiosa demanda de aprimoramento do conhecimento e do trabalho. Para Bauman (2007, p.152), “Essa notável transformação ocorreu bem recentemente, nas últimas décadas, sob o impacto do ritmo de mudança drasti-camente acelerado no ambiente social em que os dois principais atores da edu-cação – professores e discípulos – precisavam atuar”. Nesse contexto, a formação continuada de professores passou a rece-ber ainda mais destaque, afinal, trata-se da educação de educadores – os fra-cassos desses projetos podem comprometer a formação de todos os demais profissionais. Após o período de questionamento da importância da qualidade do trabalho docente dos anos 1970 aos anos 1990, na atualidade o saber profes-soral regressa ao interesse das políticas públicas, dos centros de pesquisa e das

Page 69: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

69Apontamentos e reflexões sobre formação continuada de professores: concepções, desafios e lugares formativos - Maurício de Aquino

instituições responsáveis pela gestão de sistemas educativos.(NÓVOA, 2012, p.32-33) Em um primeiro momento, as secretarias municipais e de educação responderam a essa situação com o estabelecimento de normativas de planos de carreira e de processos seletivos que deveriam estimular os docentes a par-ticipar de atividades culturais e de cursos acadêmicos para obterem maior pontu-ação para ascensão na carreira ou para a classificação no processo seletivo. Ele consistiu (consiste) na apresentação de certificados e diplomas como atestados de aprimoramento da formação. Esse tipo de estímulo gerou, desastrosamente, uma concepção cartorial da formação continuada concebida, assim, como o acúmulo de certificados e diplomas. Quanto mais certificados e diplomas cole-cionasse um docente, mais bem continuamente formado ele estaria. Essa concepção foi acompanhada de uma equivocada ideia de continui-dade de formação como “reciclagem”. O aprimoramento profissional foi indevida-mente associado à reciclagem de materiais já utilizados (sem mais nada a ofere-cer) ou obsoletos como se os profissionais tivessem de desconsiderar todos os saberes anteriores, constituídos pela experiência docente, por serem gastos e velhos, para a sua transformação mecânica em algo diverso e diferente dos ma-teriais originais. Posteriormente, vieram a despontar programas de formação questio-nadores dessa concepção cartorial de aprimoramento profissional docente. A formação continuada não pode ocorrer à distância do campo de atuação profis-sional. Toda formação continuada docente deve ter como referência a realidade concreta da escola e deve caracterizar-se pelo propósito de transformação e intervenção pedagógica que favoreçam impactos positivos sobre os processos de ensino e de aprendizagem. A concepção cartorial deve ser superada pela construção de uma concepção de saber profissional docente centrada na análise das práticas desenvolvidas na escola. (TARDIF, 2014, p.16s) Nesse sentido, Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, as-severa: “Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. (FREIRE, 2011, p.40) Enfim, nas palavras de António Nóvoa,

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção

Page 70: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

70Apontamentos e reflexões sobre formação continuada de professores: concepções, desafios e lugares formativos - Maurício de Aquino

permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão impor-tante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiên-cia. (NÓVOA, 1995, p.12)

A formação continuada pressupõe uma atividade reflexiva sobre as práti-cas docentes e sobre os problemas didático-pedagógicos da escola. A formação deve resultar em melhor esclarecimento dessas questões o que ampliará a ca-pacidade de intervenção didático-pedagógica. Isso aprimora a atuação profis-sional e dá qualidade ao trabalho. Assim, formação continuada de profissionais docentes não é colecionismo de certificados e também não é “reciclagem” de pessoas e saberes que estariam ultrapassados e obsoletos, mas, se apresenta como reconfiguração de análise da escola e da vida profissional mediante estu-dos e reflexões, desencadeados pelo propósito de intervir adequada, satisfatória e significativamente na realidade escolar.

Universidade e escola

Um dos desafios dos programas de formação de professores na con-temporaneidade reside na adequada e exitosa articulação entre universidade e escola. A primeira seria responsável pela oferta de uma consistente formação teórico-metodológica das ciências da educação, condizente com os problemas didático-pedagógicos da realidade escolar. A segunda, entendida como campo de atuação profissional docente no qual devem ser formados inicial e continua-mente os docentes. Todo saber profissional é construído e aprimorado no campo específico de atuação, no caso da docência, a escola. A formação desejada para os docentes resulta de uma bem-sucedida articulação, teórico-prática e insti-tucional, entre universidade e escola. Ambas são responsáveis pela formação docente. Urge retomar que ao longo da história da educação brasileira prevaleceu a chamada “fórmula 3 + 1” de formação de professores no ensino superior: três anos de bacharelado e um ano de formação pedagógica. Trata-se da formação docente como apêndice: após o bacharelado, um ano (apêndice) de conteúdos didáticos e pedagógicos, mais o estágio burocrático na escola. Esse modelo estava pau-tado no princípio de racionalidade técnica cujos resultados foram criticados por Jacques Busquet, em texto de 1974, que analisa esse tipo de formação profes-soral, através da irônica apresentação de um curso de preparação de nadadores.

Imagine uma escola de nadadores que se dedica, primeiro, a ensinar fisiologia e psicologia do nadador, química da água e

Page 71: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

71Apontamentos e reflexões sobre formação continuada de professores: concepções, desafios e lugares formativos - Maurício de Aquino

formação dos oceanos, custos da piscina por usuário, sociolo-gia da educação (natação e classes sociais), antropologia da natação (o homem e a água), história da natação (dos egípcios aos nossos dias). Tudo isso com muita leitura, lousa e giz, mas, porém, sem água. Depois, esses aprendizes de nadadores de-veriam observar ao longo dos meses a atuação de nadadores experientes. Após essa sólida formação seriam lançados ao mar, em águas bem profundas, em um dia de temporal. (PEREI-RA, 1999, p.115)

Busquet questiona essa formação de nadadores fora d’água tal como ocor-reria com a formação de docentes fora da prática de sala de aula e da realidade escolar. Questiona ainda a maneira como os sistemas educativos e as escolas lidam com os professores neófitos: eles são lançados nas águas mais revoltas, em outras palavras, cabe aos docentes mais novos, por uma perversa tradição e cultura escolar, as turmas com mais problemas de aprendizagem, em estruturas precárias, uma vez que eles têm menor pontuação curricular e são os últimos a escolher as turmas nos processos de atribuição de aulas. António Nóvoa fez a seguinte observação a respeito dessa situação: se comparássemos a docên-cia à medicina teríamos algo absurdo, afinal, os médicos mais experientes se responsabilizariam por pacientes com menos problemas de saúde, com alguns resfriados e gripes, enquanto aos médicos recém-formados seriam encaminha-dos os pacientes com doenças crônicas e complexas. No início desse Século XXI, novos princípios e normativas de formação docente se consubstanciaram em diretrizes e resoluções que determinaram a especificidade dos cursos de licenciatura, rompendo com a “fórmula 3 +1”. Toda-via, sabe-se que comportamentos individuais e culturas organizacionais nãosão simplesmente alterados por decreto. Novos comportamentos e culturas deman-dam tempo. Não há atalhos para a história. De todo modo, há de se ressaltar as mudanças que vêm ocorrendo estimuladas pelo desenvolvimento de programas estaduais (como o Programa de Desenvolvimento Educacional do estado do Paraná) e federais (como o PAR-FOR – Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – e o PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) de formação inicial e continuada de professores que têm fomentado a articulação entre uni-versidade e escola como ambientes corresponsáveis pela formação docente. Esses programas têm contribuído para superar uma histórica desconfiança entre escola e universidade. A escola, por vezes, não reconhece na universidade a instituição capaz de auxiliá-la na resolução de problemas escolares concretos por considerá-la

Page 72: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

72Apontamentos e reflexões sobre formação continuada de professores: concepções, desafios e lugares formativos - Maurício de Aquino

reduto de cientistas e teóricos. Caberia à universidade tão somente creditar os licenciandos de teorias pedagógicas e conhecimentos científicos para, enfim, dar-lhes a diplomação burocraticamente necessária para iniciarem a carreira docente e aprenderam na prática como é ensinar. A universidade, por sua vez, em muitas ocasiões, desconfia da capacidade da escola em entender e execu-tar as propostas teórico-metodológicas mais complexas e sofisticadas uma vez que ela parece tudo simplificar e vulgarizar, sendo que seus docentes parecem geralmente desmotivados e incapazes de gerar ambientes estimuladores e con-sistentemente críticos. É imprescindível transformar essa mútua desconfiança em uma produtiva aliança para atingir a adequada formação profissional docente e, com efeito, im-pactar positivamente a aprendizagem de alunas e alunos.

Núcleo de formação e escola

Nas últimas décadas a demanda por formação continuada dos profes-sores fez com que organizações e institutos não universitários de educação, principalmente as secretarias de municípios e estados, criassem os seus própri-os núcleos de formação docente. O surgimento desses núcleos oportunizou a realização de projetos for-madores de secretarias intimamente vinculados com a realidade escolar sob a responsabilidade de outros profissionais docentes da mesma rede de ensino. Os professores estão em formação continuada com os seus pares. Isso gera uma rede de novas solidariedades e compromissos. Empreende ações colaborati-vas. As secretarias de educação têm criado esses núcleos por reconhecerem a necessidade de construção de um discurso comum e de uma articulação mais íntima entre as secretarias e as escolas. Ressaltam ainda a centralidade da es-cola na formação profissional docente. Isso vai ao encontro das proposições de António Nóvoa visto que para ele,

[...] o desafio consiste em conceber a escola como um ambi-ente educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas. A formação deve ser encarada como um processo per-manente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais. (NÓVOA, 2012, p.17)

Para Cristiane Pelissari (2007) formadora do Instituto Avisa Lá e do Pro-grama Letra e Vida, são seis os grandes desafios desses núcleos formadores:

Page 73: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

73Apontamentos e reflexões sobre formação continuada de professores: concepções, desafios e lugares formativos - Maurício de Aquino

1. Criar um contexto investigativo de formação; 2. Analisar as necessidades formativas dos professores; 3. Analisar as práticas dos professores em sala de aula; 4. Atuar em trânsito entre o papel de professor e de formador; 5. Compreender os processos de aprendizagem do adulto-professor; 6. Fazer parte de um coletivo de formadores: o trabalho colaborativo.

Essas articulações entre os núcleos formadores e as escolas da rede de ensino favorecem a consolidação da organização da escola como espaço de desenvolvimento profissional para os docentes e de construção de apren-dizagens para alunas e alunos. Avança na superação do desafio de consolidar a formação de professores nos seguintes termos: não se trata de transformar o conhecimento em prática didático-pedagógica, mas, sim, de transformar a prática em conhecimento profissional docente desde estudos de caso (como ações de fracasso e de sucesso), até análise das práticas e projeção de novas modalidades de intervenção pedagógica.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. NÓVOA, António. Diz-me como ensinas e dir-te-ei quem és. E vice-versa. In: FAZENDA, Ivani (org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. 12.ed. Campinas, SP: Papirus, 2012, p. 29-41. NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4758/1/FPPD_A_Novoa.pdf.> Aces-so em 17 de agosto de 2015. PELISSARI, Cristiane. Os seis desafios do forma-dor. Revista Avisa lá, n. 30. Abril 2007. PEREIRA, Júlio Emílio Diniz. As licenciaturas e as novas política educacio-nais para a formação docente. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, p. 109-125, dez. 1999. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Tradução de Francisco Pereira. 17.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

Page 74: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

APRENDIZAGENS DECORRENTES DE PRÁTICAS PEDAGÓGI-CAS EFETIVADAS NO PARFOR: COM A PALAVRA OS ALUNOS

Mari Clair Moro Nascimento 1

Edilaine Vagula 2

Marlizete Cristina Bonafini Steinle 3

Resumo

Refletir sobre as aprendizagens efetivas ocorridas no PARFOR decorrente das práticas pedagógicas utilizadas pelos professores formadores é de extrema importância para o processo formativo dos futuros pedagogos. Desta forma, o presente estudo teve por objetivo compreender como e por que as práticas pedagógicas indicadas por alunos do PARFOR favoreceram suas aprendiza-gens. Participaram da pesquisa sete alunos da turma 7000 do curso de Peda-gogia PARFOR da Universidade Estadual de Londrina.Os dados apresentados foram coletados por meio do questionário elaborado com apenas uma questão, sendo esta: Entre as práticas de ensino vivenciadas no PARFOR, escolha uma que, para você, tenha sido significativa, porque possibilitouaprender e em segui-da relate essa prática, explicando o quê, como e por que ela favoreceu a melho-ria da sua aprendizagem. Após uma leitura detida dos dados obtidos, seguida da análise reflexiva das respostas, concluiu-se ao final deste estudo que os alunos identificaram como práticas significativas àquelas que partiam inicialmente dos conteúdos construídos durante a sua caminhada profissional; que permitiam à reflexão a luz da teoria com vistas a ressignificação, bem como, as que materi-alizavam diferente possibilidade metodológicas a serem desenvolvidas com os alunos da Educação Básica.

Palavras-Chave: PARFOR. Práticas pedagógicas. Ensino e aprendizagem.

1 Doutoranda em Educação – UNESP Marília, Mestre em Educação - UEL. Graduada em Pedagogia- UEL. Professora no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Lon-drina. E-mail: [email protected].

2 Doutora em Educação – PUC-PR. Mestre em Educação – UEL. Graduada em Pedagogia – UEL. Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina. E mail: [email protected]

3 Doutoranda em Educação – UNESP Presidente Prudente - Mestre em Educação - UEL. Graduada em Pedagogia- UEL. Professora no Departamento de Educação da Universidade Es-tadual de Londrina. E-mail: [email protected]

Page 75: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

75Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

Introdução

O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR se constitui na oferta de formação em nível superior, exclusivamente, para professores atuantes na rede pública da educação básica, seja para estes frequentarem a primeira e segunda licenciatura ou a formação pedagógica. Por ser um curso voltado para professores em exercício, ressaltamos a importância de os professores formadores concretizarem práticas que possibilite a esses alunos a ampliação de suas aprendizagens, bem como, o contato com uma di-versificação das mesmas, por acreditamos que se essas práticas forem signifi-cativas a eles, poderão valer-se delas no exercício da docência, pois de acordo com Sacristán (1999), a aprendizagem acontece a partir de situações vivencia-das ao longo da trajetória acadêmica, seja na formação na educação básica ou nos cursos de formação. Frente ao exposto, este estudo, com o objetivo de compreender como e por que as práticas pedagógicas indicadas por alunos do PARFOR favoreceram suas aprendizagens, foi estruturado na abordagem da pesquisa qualitativa, ten-do em vista captar o que pensam e sentem os sujeitos pesquisados acerca do objeto de estudo. Os dados apresentados foram coletados por meio do questionário elab-orado com apenas uma questão, sendo esta: Entre as práticas de ensino vi-venciadas no PARFOR, escolha uma que, para você, tenha sido significativa, porque possibilitouaprender.Relate essa prática, explicando o quê, como e por quê ela favoreceu a melhoria da sua aprendizagem.Participaram da pesquisa sete alunos da turma 7000 do PARFOR da Universidade Estadual de Londrina. As falas dos alunos foram utilizadas na íntegra, apenas com correções das nor-mas da língua portuguesa e estão descritas ao longo do texto com a denomi-nação Aluno1, Aluno2, Aluno3, Aluno4, Aluno5, Aluno6 e Aluno7.

Formação de professores para atuação na Educação Básica

A Formação de Professores vem se constituindo no mundo e no Brasil, principalmente a partir da década de 90, uma das temáticas que merece des-taque, desencadeando pesquisas sobre os conhecimentos envolvidos na for-mação do professor, sejam os provenientes do exercício profissional, sejam os de sua formação inicial e ou continuada. Essa produção tem ressaltado a urgência quanto à reformulação da oferta de cursos de formação de professores. De modo geral, há uma convergência

Page 76: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

76Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

quanto a importância de se considerar a prática pedagógica do professor, como fonte de sua formação, porque permite a construção e (re)construção dos sa-beres “conforme a necessidade da utilização dos mesmos, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais” (NUNES, 2001, p. 21). Segundo Alarcão e Tavares (2001, p.18) a formação deve ser considerada como um:

Processo de construção científica pedagógica, pessoal e colectiva, organizacional e institucional, em que é fundamental o desenvolvimento progressivo e equilibrado das dimensões cognitiva, atitudinal e comunicacional.

Consiste em um grande desafio para as instituições de ensino superior, olhar o passado e o presente para projetar o futuro, revendo métodos, conteúdos e concepções.Freitas (2003, p. 1119) salienta que:

Pensar [...] uma política de formação de professores requer a superação das condições atuais de produção da formação do magistério, avançando para formas superiores na formação de educadores, de profissionais da educação básica.

Faz-se urgente e necessário para a formação de professores, a definição de uma política global de formação e valorização do magistério que vise à for-mação inicial de professores. Para Pardal (2001, p. 84) a profissão professor não pode estar voltada para uma visão mecanicista, na qual o docente é apenas um “conhecedor de um avançado receituário didáctico-pedagógico, dos modelos mais modernos de avaliação, das mais eficazes tecnologias de informação, dos sofisticados modelos de gestão pedagógica e escolar”. Muitas reformas são registradas nesse período, frutos das transformações econômicas, políticas, sociais e tecnológicas em um período e globalização, le-varam as universidades a refletir sobre seu papel, em um contexto de mudanças, revendo métodos, conteúdo, currículo e práticas avaliativas. Organismos interna-cionais priorizam a formação de professores para o exercício no ensino fundamental. Coloca-se como prioridade a formação desses profissionais em nível su-perior, as pesquisas denunciam os baixos rendimentos dos nossos alunos em exames nacionais, ao mesmo tempo em que mostram claramente a desvincu-lação teoria e prática no processo de formação de professores, colocando sobre este profissional grande culpa pelo fracasso do aluno. Em relação aos saberes da docência, é importante salientar o domí-nio dos saberes específicos necessários ao exercício profissional, ou seja, as

Page 77: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

77Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

atividades de ensino. É importante que o aluno saiba apropriar-se da informação com eficiência, para que possa contextualizá-la, sabendo que esse processo é sistemático e intencional. Pimenta (2000) esclarece que os alunos em suas pesquisas, ressaltam a importância da Didática para o exercício da docência, essa formação precisa estar articulada à realidade do futuro de atuação do graduando. O discurso da pós-modernidade aponta para a

[...] superação da tradicional fragmentação dos saberes da docência (saberes da experiência, saberes científicos, e sa-beres pedagógicos contribuem com a pratica, é necessário partir da problematizarão, assim a autora defende a pesquisa como principio formativo da docência (PIMENTA, 2000, p.28).

Cabe ao professor, refletir sobre sua atuação em um momento de incer-teza e marcado pela complexidade, por meio de um processo de mediação, proporcionar aos alunos situações colaborativas e cooperativas, conferindo sig-nificado aos conteúdos abordados pela disciplina, momentos em que os alunos se tornam coautores, em um espaço marcado por relações dialógicas e inter-câmbio de conhecimentos, superando a prática sedimentada na reprodução de conhecimentos.

A visão inovadora tem como pilar sustentador o diálogo, a problematização e as ações compartilhadas (o professor) precisa viabilizar um processo educativo que garanta a prática docente dialogada e problematizadora. Para tanto, o professor necessita inovar seu modo de agir e pensar e ter presente que, para gerar mudanças, deve considerar também a utilização das ferramen-tas disponíveis na rede informatizada. (BEHRENS, 2007, p. 57).

É necessário conhecer a individualidade, a realidade de cada aluno, a fim de que se possa renovar seu pensamento e regenerar o ensino. A este respeito, Morin (2011) descreve pontos importantes relacionados à missão de ensinar, como: levar os alunos a contextualizar e distinguir os problemas multidimensionais; prepará-los para compreender a crescente complexidade dos problemas, prepará-los para enfrentar as incertezas, educando-os para a com-preensão humana e ensinando a cidadania. Pensar o processo de formação dos profissionais da educação envolve um conjunto de dimensões que se articulam na perspectiva de desenvolver um ensino de qualidade. Esse compromisso social deve ser pautado em valores hu-manos e no projeto educativo, com vistas a favorecer a formação técnico-cientí-fica para o mundo do trabalho, previsto pelas políticas públicas de cada tempo.

Page 78: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

78Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

Práticas pedagógicas concretizadas no PARFOR: a visão dos alunos

Olhar para as práticas pedagógicas concretizadas no PARFOR tem im-portância porque este grupo de profissionais, que se encontra em formação, é composto por professores da educação básica em exercício, sendo, portanto, sujeitos que já possuem saberes acerca da profissão, os quais são, de acordo com Tardif (2002, p. 228), “[...] mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas”. Sobre como se dá a construção desses saberes, Nóvoa (1995) diz que eles são decorrentes da trajetória deste professor na escola, seja como aluno da educação básica ou em cursos de formação de professores.Nesta perspectiva, recorremos a Sacristán (1999, p. 75), por dizer que “As marcas das ações pas-sadas são bagagem de prática acumulada, uma espécie de capital cultural para as ações seguintes; essa bagagem é possibilidade e condicionamento que não fecha a ação futura.” (SACRINTÁN, 1999, p.75). Ao considerarmos a especificidade deste grupo de professores, por já possuírem experiênciasa respeito da docência, chamamos a atenção para a im-portância de as aulas no PARFOR propiciar-lhes o contato com diferentes práti-cas pedagógicas, tendo em vista ampliar as possibilidades de atuação em sala de aula, no que se refere às formas de ensinar, pois de acordo com Sacristán (1999), a aprendizagem acontece a partir de situações vivenciadas, então, diante do ex-posto, partimos do pressuposto de que se os professores vivenciarem práticas pedagógicas nas aulas do PARFOR que os possibilite ampliar suas aprendiza-gens, poderão valer-se delas para promover as aprendizagens de seus alunos. Em vista disso é que este estudo se voltou para saber a visão dos alunos, acerca de práticas pedagógicas concretizadas no PARFOR, tendo por objetivo compreender como e por que as práticas pedagógicas indicadas por alunos do PARFOR favoreceram suas aprendizagens. A análise da fala dos alunos do PARFOR possibilita-nos destacar algu-mas práticas reconhecidas como promotoras de aprendizagens. Nos dizeres dos alunos 2, 3 e 4, ressaltamos o ensino concretizado por meio dos projetos inter-disciplinares na disciplina de Didática de Ciências, pois segundo eles

Na disciplina de Didática de Ciências, a professora deu um tra-balho sobre projetos interdisciplinares, o qual contribuiu bastante na minha formação, pois para mim foi uma forma inédita de tra-balho, pois nunca tinha trabalhado com projetos. Tive bastante dificuldade, mas aprendi na prática uma forma nova de transmitir conhecimentos. Achei interessante trabalhar com a interdiscipli-

Page 79: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

79Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

naridade, pois possibilita, através de um tema, a realização de diversificadas atividades. (Aluno 2).Na Didática de Ciências, fazer o plano de aula interdisciplinar me fez pensar como seria bom conseguirmos implantar isso na minha escola, pois tenho certeza que os alunos aprenderiam muito mais, ainda estou pensando nesse desafio e gostaria de aprender mais. (Aluno 3).As atividades propostas nas disciplinas de didática trouxeram os aspectos práticos sob uma roupagem mais concreta, mais palpável, para que sua aplicação seja mais afetiva. Exemplo: [...] a elaboração de projetos interdisciplinares, na Didática de Ciências. (Aluno 4).

O que fora anunciado por estes alunos possibilita-nos inferir que os pro-jetos interdisciplinares foram experiências únicas, pois nos parece que tal vivên-cia não aconteceu em outros momentos da formação. Ressaltamos, portanto, a relevância do alunodo PARFOR vivenciar tal prática, tendo em vista a percepção de que os conhecimentos podem ser ampliados quando estão contextualizados em projetosinterdisciplinares, uma vez que como afirma Haas (2002, p. 150), “[...] os projetos interdisciplinares exigem uma intenção comprometida com o fazer consciente e responsável, por isso, ético.” e a interdisciplinaridade.

[...] é o processo que envolve a integração e o engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das discipli-nas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo, e serem ca-pazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade atual. (LÜCK, 2010, p. 47).

Essa prática, nos cursos de formação de professores tem relevância porque,

[...] cultivar o professor num projeto interdisciplinar é, antes de mais nada, ajudá-lo a perceber-se interdisciplinar, pois um edu-car interdisciplinar não se constrói da noite para o dia; ele já se faz anunciar desde seu primeiro dia contato com o conhecimen-to [...]. É, principalmente, um trabalho que poderia ser sintetiza-do num movimento de saída de uma consciência ingênua e in-gresso numa consciência reflexiva – tendo o cultivo da erudição como paradigma. (FAZENDA, 1994, p. 135-136).

Aspecto que pode ser percebido na fala do Aluno 3 quando reconhece que o plano de aula interdisciplinar, se implantado na sua escola, poderia propor-

Page 80: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

80Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

cionar aos alunos mais aprendizagens. Alguns dos alunos pesquisados destacaram uma prática pedagógica con-cretizada na Didática de História, como apresentam os Alunos 1 e 4:

Outra atividade foi da Didática de História, na qual trouxemos um objeto que mais marcou a nossa vida, fizemos uma linha do tempo da nossa vida, relacionando o que aconteceu em um determinado ano com acontecimentos do Brasil e do mundo. Foi uma dinâmica bem legal, porque pudemos saber das histórias de vida dos colegas e o que aconteceu naquele ano no mundo ou no Brasil. (Aluno 1).A Didática de História foi importante porque a partir dos relatos, memória, e pelos objetos pessoais que trouxemos, possibilitou a identificação de um espaço-tempo, na História. (Aluno 4).

O resgate histórico na forma de linha do tempo é sempre importante, prin-cipalmente quando essa linha é construída a partir da própria história de vida dos alunos, ação que poderá favorecer o reconhecimento de que todos somos sujeitos que fazemos história. Proporcionar o reconhecimento das pessoas en-quanto sujeitos históricos favorece incitar

[...] reflexões sobre como o presente mantém relações com outros tempos, inserindo-se em uma extensão temporal, que inclui o passado, o presente e o futuro; ajuda analisar os lim-ites e as possibilidades das ações de pessoas, grupos e classes no sentindo de transformar realidades ou consolidá-las; colab-ora para expor relações entre acontecimentos que ocorrem em diferentes tempos e localidades; auxilia a entender o que há de comum ou de diferente no ponto de vista, nas culturas, nas for-mas de ver o mundo e nos interesses de grupos, classes ou envolvimento político; enfim, são questões mais comprometidas em formar pessoas para analisar, enfrentar e agir no mundo. (TERRA; FREITAS, 2004, p. 7).

Zamboni (1993, p. 7), complementa:

O processo de construção da história de vida do aluno, de suas relações sociais, situado em contextos mais amplos, contribui para situá-lo historicamente, em sua formação intelectual e social, a fim de que seu crescimento social e afetivo desenvol-va-lhe o sentido de pertença.

Notamos nas palavras de Zamboni (1993) que ao conduzir o ensino de História com atividades que possibilite ao aluno saber de acontecimentos históri-cos ao longo da sua história de vida, permite que este sujeito vá, progressiva-

Page 81: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

81Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

mente se percebendo como sujeito que faz parte da história. Os Alunos 1 e 4 citam também a mobilização da memória, uma forma de relacionar acontecimentos passados e atuais para melhor compreensão dos mesmos

Afinal, compreendemos a história como uma construção que, ao resgatar o passado (campo também da memória), aponta para formas de explicação do presente e projeta o futuro. Este operar, próprio do fazer histórico na sociedade, encontraria em cada indivíduo um processo interior semelhante (passado, pre-sente e futuro) através da memória. (MONTENEGRO, 2001, p. 17).

Frente ao exposto acerca do ensino de História, ressaltamos a importância de atividades desta natureza no PARFOR, tendo em vista que esta área do conhe-cimento demanda do professor ter práticas que instrumentalizem o aluno à reflex-ão sobre a sua realidade, aspecto que demanda superar o ensino apenas a partir do livro didático, para a memorização das ações dos vultos históricos, por outras que favoreça aos sujeitos conhecerem a identidade da sociedade em que vivem. Outro ponto importante destacado pelos alunos do PARFOR ao enumerarem estratégias utilizadas pelos professores formadores, considerada por eles como promotoras de aprendizagens é a relevância didática de uma prática docente que contenha significado, a fim de contribuir com a construção de sentidos no processo de aprendizagens. Esta contribuição foi apresentada pelos alunos A4 e A6 conforme segue abaixo.

[...] As práticas utilizadas no decorrer do curso tem apresentado significativa relevância em nosso processo de aprendizagem, principalmente acerca das reflexões de como nossa prática se efetiva (Aluno 4).[...] Na disciplina de prática e saberes na Educação Infantil a aprendizagem foi significativa, pois, não eram apenas teorias e textos, mas, ao explicar uma teoria a professora nos passa-va, através de uma dinâmica, o que a criança sentia em cada situação, fazendo com que refletíssemos sobre nossa postura e prática (Aluno 6).

Neste contexto, acreditamos que o aluno realmente aprende novos sa-beres na medida em que é levado a romper com o que está posto e determi-nado inicialmente no seu capital cultural, para posteriormente ser capaz de cri-ar, produzire ressignificar os conhecimentos iniciais. Portanto, tudo isso é muito diferente das práticas tradicionais de reprodução de conteúdos por memorização

Page 82: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

82Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

desvinculada da compreensão, pois, ao dar sentido aos novos saberes por meio da mediação docente, o aluno será capaz de refletir, problematizar; criar; produ-zir e superar a superficialidade do seu conhecimento inicial. Ainda sobre este aspecto Rego (1995) diz,

[...] Mas para que ele possa intervir e planejar estratégias que permitam avanços, reestruturação e ampliação do conhecimento já estabelecido pelo grupo de alunos, é necessário que conheça o nível efetivo dos alunos, ou melhor, as suas descobertas, hipó-tese, informações, crenças, opiniões, enfim, suas “teorias” acer-ca do mundo circundante. Este deve ser considerado “o ponto de partida” Para tanto, é preciso que, no cotidiano, o professor estabeleça uma relação de diálogo e que crie situações em que os alunos possam expressar aquilo que já sabem (p. 116).

Com base nos apontamentos feitos por Rego (1995) fica evidente a im-portância do professor levantar os conhecimentos prévios dos alunos, a fim de utilizar estratégias metodológicas que tenham sentido para os mesmos, na me-dida em que, partem do que o aluno já sabe e ampliam o seu conhecimento. Percebemos ainda ao analisar a resposta dos sujeitos desta pesquisa que, a escola formadora realmente tem seu papel de promover aprendizagem, quando ao ensinar permite ao aluno saber para que aprende e como pode en-sinar seus alunos. Esta posição se evidencia a seguir quando o Aluno 1 e o Aluno 4 destacam a importância do aluno ser ativo e participativo no processo de aprendizagem, pois, nesta relação ele está envolvido tanto com a teoria como com a prática.

[...] A Elaboração de materiais cartográficos e identificação do espaço geográfico através de fotos, na Geografia. Cabe ressal-tar que a experiência vivenciada, até o presente momento, am-pliou as reflexões acerca de como podemos trabalhar nos diver-sos contextos, mostrando ser possível proporcionar aos alunos uma aprendizagem significativa (Aluno 4).

.[...] Na aula de Didática de Geografia eu gostei da dinâmica da aula, porque andamos pelo campus da UEL, tiramos fotos e de-pois apresentamos as fotos tiradas em sala de aula. Cada aluno também trouxe foto da família, confeccionamos o álbum, cada um trouxe um prato com a comida que mais gostava e interagi-mos na aula (Aluna 1).

Corroborando com a visão de escola ideal apontada pelos alunos que infelizmente ainda é exceção e não regra, Rego (1995) afirma que,

Page 83: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

83Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

[...] a necessidade de criação de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em que as pessoas possam dia-logar, duvidar, discutir, questionar e acompanhar saberes. Onde há espaço para transformações, para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração mútua e para a cria-tividade. Uma escola em que professores e alunos tenham au-tonomia possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo de construção de conhecimento e ter acesso a novas informações. Uma escola em que o conhecimento já sistematizado não é trat-ado de forma dogmática e escravizado de significado (p. 118).

Diante da escola ideal protagonizada por Rego (1995), cabe a todos nós professores compreendermos que esta prática docente que dignifica tanto o pro-fessor como o aluno devem ser exercidos em todas as modalidades de ensino, principalmente na instituição formadora de futuros professores, a fim de que a experiência vivenciada seja fonte a aprendizagem que transforma a prática tradi-cional.

Considerações finais

O desenvolvimento do estudo propiciou uma nova compreensão da ne-cessidade de uma mudança paradigmática com foco no paradigma inovador.As análises qualitativas dos questionários aplicados às alunas participantes do estudo mostraram que os dados resultantes deste trabalho permitiram exaltar a relevância do estudo para o processo de formação, pois as aprendizagens decorrentes das práticas pedagógicas no PARFOR estimularam processos de reflexão relevantes para a produção de sentido na ação docente.

Referências

ALARCÃO, Isabel; TAVARES, José (Org). Escola reflexiva e nova racionali-dade. Porto Alegre: ARTMED, 2001. BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma da complexidade na formação e no desenvolvimento profissional de professores universitários. Educação. Porto Alegre, ano 30, v. 63, n. 3, p. 439-455, set./dez. 2007. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/27. Acesso em 20 Set. 2015. FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campi-nas/SP: Papirus, 1994.FREITAS, H.C.L. Certificação docente e formação do educador: regulação

Page 84: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

84Aprendizagens decorrentes de práticas pedagógicas efetivadas no PARFOR: com a palavra os alunos - Mari Clair Moro Nascimento - Edilaine Vagula - Marlizete Cristina Bonafini Steinle

e desprofissionalização. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 85, p. 1095-1124, dez. 2003.HAAS, Celia Maria. Prática. In: FAZENDA, Ivani. Dicionário em construção: interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2002, p. 146-150.LÜCK, Heloisa. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, 2001.MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformular o pensa-mento. Trad. JACOBINA, Eloá. 19 ed. Rio de Janeiro: Beltrand Brasil, 2011. 128 p. NÓVOA, Antonio (Org). Vidas de professores. 2. ed.Porto: Porto, 1995.NUNES, C.M.F. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação & Sociedade, Campinas, Ano 22, n.74, p.27-42, abr. 2001.PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: saberes e a identidade da docência. In: PIMENTA, S. G. (Org). Saberes pedagógicos e atividade do-cente. São Paulo: Cortez, 2000.PARDAL, Luís António. Que professor para a educação secundária? In: TAVA-RES, José e BRZEZINSKI, Iria. Conhecimento Profissional de Professores: a práxis 16 educacional como paradigma de construção. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001. REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópo-lis, RJ: Vozes, 1995SACRISTÁN, J.G. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: ARTMED Sul, 1999TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Tradução de Francis-co Pereira. Petrópolis: Vozes, 2002.TERRA, Antonia e FREITAS, Denise. Referencial Curricular de História da Fundação Bradesco. Págs. 2-12. São Paulo. Dez/2004. ZAMBONI, E. O ensino de história e a construção da identidade. São Paulo: SEE/Cenp, 1993.

Page 85: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

AS CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA, CURSADA NO PARFOR, PARA A ATUAÇÃO NA DOCÊNCIA E NA

GESTÃO EDUCACIONAL

Mari Clair Moro Nascimento1 Crislaine Peixoto Almeida2

Patrícia de Fátima Ferreira Gaion3

Resumo

Este estudo como objetivo apresentar as contribuições da Pedagogia, cursada no Plano Nacional de Professores - PARFOR, na formação de futuros Peda-gogos. Esteve embasado na pesquisa bibliográfica, entrelaçada com o relato de alunas que cursaram a Licenciatura em Pedagogia no PARFOR. A ideia de concretizar esse estudo surgiu na disciplina de Tópicos Especiais em Didática, ao ser realizada a leitura do livro de Gadotti (2003), Boniteza de um sonho: en-sinar e aprender com sentido, por oportunizar aos professores a reflexão acer-ca do sentido da profissão docente. O estudo apresenta as contribuições da Pedagogia na docência bem como para a atuação deste profissional na gestão educacional. Destacamos a relevância do estudo por contar com o relato de professoras já atuantes, para saber se e como a Licenciatura em Pedagogia do PARFOR tem contribuído para a ressignificação da atuação na docência e na gestão educacional. Saber se houve ou não contribuições da Pedagogia cursa-da no PARFOR não visa apenas a constatação, mas o repensar sobre como as práticas pedagógicas têm sido concretizadas na formação inicial desses profis-sionais ou ainda a respeito de como o curso tem sido estruturado.

Palvras-chave: Docência. Gestão educacional. Formação de professores

1 Doutoranda em Educação – UNESP Marília. Mestre em educação – UEL. Graduada em Pedagogia. Docente no Departamento de Educação – UEL. E-mail: [email protected].

2 Especialista em Língua Portugesa – UEL. Especialista em Educação Especial – UNOPAR. Licenciada em Letras – FACCAR. Graduanda em Pedagogia – PARFOR UEL. Professora da Secretaria Municipal de Londrina. E-mail: [email protected].

3 Especialista em Literatura Brasileira – UEL. Licenciatura em Letras – UEL. Graduanda em Pedagogia – PARFOR UEL. Professora da Secretaria Municipal de Ibiporã. E-mail: [email protected]

Page 86: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

86As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

De acordo com Libâneo (2001) a função do Pedagogo não pode ser re-duzida apenas à ação de ensinar crianças, ainda que essa seja uma delas, por abarcar conhecimentos a respeito da teoria e da prática educativa, “[...] pois in-vestiga teoricamente o fenômeno educativo, formula orientações para a prática, a partir da própria ação prática e propõe princípios e normas relacionados aos fins e meios da educação.” (p. 6). Nota-se, portanto, que o profissional Pedagogo ocupa-se, com as formas com que a prática educativa ocorre nos diversos es-paços educativos, sendo objeto de análise neste texto, aquela que se concretiza no âmbito escolar, local onde se efetiva a educação formal. Frente ao exposto, chamamos a atenção para a importância desse profis-sional, seja no exercício da docência ou da gestão educacional, realizar suas ações a partir da intencionalidade, porque “[...] a Pedagogia lida com o fenômeno educativo enquanto expressão de interesses sociais em conflito na sociedade em que vivemos.” (LIBÂNEO, 2001, p. 8), sendo assim, uma prática social. Nes-ta perspectiva, o exercício de ser Pedagogo tem como decorrência a formação de sujeitos, os quais atenderão aos interesses de uma determinada classe so-cial, ainda que o referido profissional não tenha consciência de tal fato, pois não existe prática social neutra. Conforme anuncia Libâneo (2001, p. 8) “[...] as práti-cas educativas não se dão de forma isolada das relações sociais que caracteri-zam a estrutura econômica e política de uma sociedade, estando subordinadas a interesses sociais, econômicos, políticos e ideológicos de grupos e classes sociais”. Diante disso, ressaltamos a necessidade desses profissionais, que cur-sam a Licenciatura em Pedagogia, neste caso no PARFOR, serem formados com saberes que favoreçam a ampliação do conhecimento do aluno da educação básica, o qual precisa ser reconhecido como sujeito do processo pedagógico e, para a melhoria das situações em que se dá esse processo (LIBÂNEO, 2001), “Resumidamente, o objetivo do pedagógico se configura na relação entre os elementos da prática educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em que ocorrem.” (p. 8). Sobre as finalidades do curso de Pedagogia, consta nas Diretrizes Cur-riculares para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) que “A formação oferecida abrangerá, integradamente a docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral, a elaboração, a execução, o acom-panhamento de programas e as atividades educativas.” (BRASIL, 2006, p. 6). Sobre o perfil deste Licenciado, indica-se, no mesmo documento, que ele preci-sa ter conhecimentos a respeito da docência na educação infantil, nos anos inici-

Page 87: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

87As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

ais do ensino fundamental, nas matérias pedagógicas ofertadas no ensino médio e na educação profissional, entre outras áreas que envolvem os conhecimentos pedagógicos. Além de tais saberes, necessita ter ainda conhecimentos que fa-voreçam a atuação na gestão educacional (BRASIL, 2006). Perante o exposto, afirmamos que é sempre importante saber se e como a Licenciatura em Pedagogia cursada no PARFOR, tem contribuído na formação do futuro Pedagogo, para atuar na docência e na gestão educacional. Sob esta visão, este texto tem como objetivo apresentar as contribuições da Pedagogia, cursada no Plano Nacional de Professores - PARFOR, na formação de futuros Pedagogos. Para atingir o objetivo proposto, o estudo esteve embasado na pesquisa bibliográfica entrelaçada com o relato de duas4 alunas que cursam a Pedagogia no PARFOR. A ideia de concretizar esse estudo surgiu na disciplina de Tópicos Espe-ciais em Didática, ao ser realizada a leitura do livro de Gadotti (2003) intitulado Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido, visto que oportunizou aos professores a reflexão acerca do sentido da profissão docente. As referidas alunas já possuem experiência na docência, por terem a primeira licenciatura em Letras, sendo que uma delas teve também experiência na gestão educacional na educação infantil. Atentar para o que revelam essas duas alunas tem importân-cia porque o PARFOR tem como público professores já atuantes e, portanto, com alguns saberes a respeito da docência e da gestão educacional. Frente ao exposto, este estudo pode subsidiar a análise acerca de como tem sido a contribuição da Licenciatura em Pedagogia, na ampliação dos saberes a res-peito da docência e da gestão educacional, no intuito de serem efetivadas ações contributivas à formação de futuros Pedagogos, caso necessário.

Contribuições da Pedagogia, cursada no PARFOR, para a docência

Este recorte tem por objetivo pontuar a importância do PARFOR em minha formação docente, visto que tenho minha primeira formação em magistério e a se-gunda em Letras, o que me possibilita atuar, nas três primeiras etapas da educação, ou seja, Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais e Anos Finais. Foi a partir da conclusão do Magistério, no ano de 2002, que algumas ind-agações ficaram a respeito de práticas metodológicas que pudessem contribuir, de fato, com o processo de ensino e aprendizagem, pois teoricamente, a partir

4 Esta turma do PARFOR tem apenas duas alunas, as quais apresentam seus relatos de ex-periência acerca das contribuições da Pedagogia na formação para a docência e gestão educa-cional.

Page 88: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

88As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

da aquisição do certificado, eu estava “apta” a desenvolver a docência. No en-tanto, mesmo já formada, não me sentia preparada para resolver questões que fariam parte do meu cotidiano, a partir daquele momento: Como planejar e or-ganizar minhas aulas para cumprir de fato com os objetivos propostos em meus planos? Quais estratégias metodológicas poderiam ser utilizadas para contribuir com a aprendizagem de meus alunos? E foram essas inquietações iniciais que me levaram a buscar na graduação em Letras, outras formas de trabalhar, não somente a aquisição do conhecimen-to sistematizado, mas principalmente conhecer como o sujeito que está para ser ensinado recebe essas informações que a priori para ele pode não ter significado algum. Como afirma Silva (2008 p. 23).

A educação é tomada como trabalho porque é uma realização humana, histórica e que demarca possibilidades de reprodução e de transformação social. O trabalho do professor é pensado no sentido tanto ontológico (inerente ao ser humano) como episte-mológico (práticas de apreensão do conhecimento e da realidade).

Assim, podemos dizer que cabe ao professor, não somente o domínio técnico das diferentes disciplinas que compõem o currículo, mas conhecer, refle-tir, analisar e planejar suas aulas sob uma perspectiva teórica que dê sentido ao fazer pedagógico. Como afirma Gadotti (2003, p. 11).

“Sentido” quer dizer caminho não percorrido, mas que se deseja percorrer, portanto, significa projeto, sonho, utopia. Aprender e ensinar com sentido é aprender e ensinar com um sonho na mente. A pedagogia serve de guia para realizar esse sonho.

Porém mesmo após minha formação, em 2009, continuei com minhas indagações e outras me foram acrescentadas ao longo de meus estudos: O quê e como avaliar meu aluno? Como lidar com a indisciplina tão presente na esco-la? Conhecendo minhas limitações enquanto professora, de que modo posso superá-las, para que não haja frustração em minha carreira profissional? E novamente busquei supri-las, em uma segunda licenciatura, agora em Pedagogia pelo PARFOR, pois ao ler uma breve descrição do programa e as disciplinas que seriam ministradas me atentei ao objetivo principal:

Formar o professor que ainda não possui nenhuma gradu-ação; Possibilitar uma segunda licenciatura aos professores em exercício na educação básica pública que, embora já licencia-dos, atuem em área ou disciplina distinta daquela de sua for-

Page 89: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

89As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

mação inicial; Preparar o professor para o efetivo exercício da docência. (UEL, 2011).

Os termos “efetivo exercício da docência”, me deu a compreensão de algo mais amplo do que somente a mera transmissão de conteúdos e após o início das aulas e apresentações dos blocos de disciplinas do primeiro módulo, senti a possibilidade de encontrar respostas àquelas indagações. A partir de muitas leituras, discussões e reflexões acerca do fazer pedagógico, pude melhor compreender que o ensino e a aprendizagem não são ações que divergem entre si, mas não podemos afirmar que são também decor-rentes, porque cabe ao professor planejar intencionalmente sua aula, tendo em vista alcançar os objetivos estabelecidos.

Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz. Para isso o professor também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dos seus alunos. Ele deixará de ser um “lecio-nador” para ser um organizador do conhecimento e da apren-dizagem. (GADOTTI, 2003, p.16).

Nessa perspectiva, o professor deve ser eterno pesquisador, buscar respostas às suas inquietações, não se conformar, acomodar frente às situações cotidianas que muitas vezes engessam o fazer pedagógico e calcificam os pro-fessores criando uma zona de conforto que justifica o fracasso dos alunos, sem a reflexão crítica de sua prática docente. Como afirma Freire (2001, p. 43) “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”. Assim, após leituras, “ferrenhas” discussões com professores e debruçan-do-me em autores que levantam tais reflexões, passei a compreender que no processo de ensino e aprendizagem há um grande caminho a ser percorrido, tanto pelo professor, quanto pelo aluno. Deste modo, fica claro que ambos são coparticipantes do processo, mas que o professor é aquele que precisa organi-zar o ensino para que o aluno aprenda, pois como afirma Silva e Araújo (2005, p. 02), este profissional deve saber que:

O conhecimento na ação é o conjunto dos saberes interiorizados (conceitos, teorias, crenças, valores, procedimentos), que são adquiridos através da experiência e da atividade intelectual, mo-bilizados de forma inconsciente e mecânica nas ações cotidianas do professor, em situações reais do exercício profissional.

Page 90: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

90As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

Deste modo, concluo que o curso de Pedagogia no PARFOR possibili-tou a visão geral do organismo vivo que é a escola. Percebi também que não há uma receita que ensine a ser professor, que esse é um longo caminho a ser percorrido, se a intenção deste profissional for preparar sujeitos atuantes e conscientes acerca da realidade em que vivem. Sendo assim, sempre haverá novos desafios a serem superados e novas questões a serem respondidas, con-forme pontuado no início deste relato. Mas algumas certezas ficaram, entre elas, destaco que cabe ao professor, além de ser pesquisador dos fenômenos con-temporâneos educacionais, permitir-se a troca de experiências com os demais companheiros de profissão, a fim de encontrar soluções para os entraves que impedem a evolução dos alunos. Para Gadotti (2003, p. 31), “Quando os profes-sores aprendem juntos, cada um pode aprender com o outro”. Partindo desse pressuposto, ser professor que saiba elaborar planos de aula, transmitir conteúdos, preparar provas, não são desafios e sim consequên-cias da profissão, mas ser educador, mediador, organizador do conhecimento que estimule a percepção crítica dos educandos sobre diferentes aspectos so-ciais de modo a provocá-los para uma transformação social, é o grande deste profissional da educação. E esse é o desafio que tenho colocado a mim, a partir dessa nova formação.

Contribuições da Pedagogia, cursada no PARFOR, para a gestão educa-cional

A presente seção aborda algumas das contribuições da literatura espe-cífica do curso de Pedagogia, cursada no PARFOR, para a implementação de uma gestão democrática e apresenta, de forma breve, como organizei o pro-cesso de construção do Projeto Político Pedagógico, quando atuei na gestão de um Centro Municipal de Educação Infantil, por cerca de dois anos e meio. Enquanto estive na gestão, percebi nitidamente dois momentos distintos, um período anterior ao meu contato com as teorias da gestão e outro posterior, e muito mais enriquecido, devido ao início de apropriação de teorias para subsidiar o trabalho. Por gestão, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedago-gia (BRASIL, 2006) apontam como aquela que abrange ações planejadas e in-tencionais respaldadas em teorias da administração e coordenação escolar que sejam orientados por processos democráticos. Sendo assim, em uma visão in-stitucional, as Diretrizes do Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006, p. 8) pontuam:

Page 91: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

91As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

[...] gestão educacional, entendida numa perspectiva democráti-ca, que integre as diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de processos educativos escolares e não-es-colares, especialmente no que se refere ao planejamento, à administração, à coordenação, ao acompanhamento, à avaliação de planos e de projetos pedagógicos, bem como análise, formu-lação, implementação, acompanhamento, à avaliação de planos e de projetos pedagógicos, bem como análise, formulação, im-plementação, acompanhamento e avaliação de políticas públi-cas e institucionais na área de educação.

Faz-se notória o envolvimento do documento norteador do curso de Pedagogia com a gestão democrática, pois em diversos momentos o documen-to orienta quanto ao princípio da gestão democrática, mais especificamente no tópico destinado ao núcleo de estudos básicos, pois esse deverá articular-se com todos os conhecimentos da cultura escolar. A passagem a seguir ilustra ain-da essa afirmação quando pondera que deve haver “aplicação de princípios da gestão democrática em espaços educativos.” (BRASIL, 2006, p. 11). Entretanto, contrariamente a esta tendência descentralizadora e democrática do poder, é de praxe no Brasil, até por recorrência histórica, a cen-tralização na administração, tal qual o modelo da administração agro econômica e mais recentemente industrial. Vieira (2001, p. 142) considera o seguinte acerca dessa informação histórica:

Tivemos, ao longo da história, uma tradição de gestão de cunho fortemente centralizador. Trata-se de uma herança que se instala desde os primórdios da Colônia, passando pelo Império, até as diferentes formas de organização da Repúbli-ca. A centralização está tão entranhada na base da organização do sistema educacional brasileiro, quanto no interior da própria escola. Sua expressão se dá sob diferentes matizes – desde as formas autoritárias de convivência à mecanismos rígidos de controle burocrático dos tempos de trabalho e organização das relações de ensino-aprendizagem.

Ou seja, quando falta a instrução elaborada, adquirida muitas vezes com leituras e discussões acadêmicas, há uma forte tendência em reproduzir o modelo hegemônico de administração. Na escola não é diferente, quando não há formação adequada ou quando essa se dá de forma aligeirada, torna-se recorrente a instituição de gestores autoritários impondo normas que muitas vezes vão contra o interesse da maioria. Trata-se de um processo na qual a consciência do gestor é alienada pelo próprio sistema e ele passa a agir em governo das próprias vontades e interesses da minoria, desrespeitando a vonta-

Page 92: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

92As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

de geral, princípio da democracia. Essa atitude reprodutivista de educação contrapõe-se ao modelo de esco-la humanizada e progressista. Libâneo (2001) denomina de tendências liberais as abordagens que predominaram por volta dos últimos cinquenta anos e que sustentaram a ideia de que os sujeitos individualmente se prepararão e conse-guirão desempenhar diferentes papéis sociais, tomando como regra o respeito e as normas vigentes na sociedade de classes. Ainda nessa perspectiva humanizante, há estudiosos, entre eles desta-co Haydt (1997, p. 26-27) defendendo um projeto maior de ser humano como parte do compromisso da gestão. Nessa moderna concepção, a finalidade é formar um homem sadio tanto em seu físico, quanto psicológico “que seja ci-dadão participante, conhecedor e consciente de seus direitos e deveres, dota-do de senso crítico e capacidade de autoanálise [...]”. Ou seja, com a própria gestão a comunidade é educada a reconhecer seus direitos e deveres políticos: “E pensar em gestão democrática da escola pública remete, obrigatoriamente, pensar a possibilidade de organicamente constituir a escola como espaço de contradição.” (DUARTE et al., 2009, p. 3171), pois na contradição a comunidade como um todo cresce, debate e se educa a pensar possibilidades de soluções conjuntamente, cuja finalidade seja estabelecer uma escola cumpridora do seu papel social de ensinar, mas que para além dos ensinamentos científicos, debata questões políticas. Em minha experiência empírica um dos grandes desafios da adminis-tração pública se deu na quebra de paradigmas, no sentido de informar e colher opinião da comunidade escolar para a tomada de decisões conjuntas. A princípio houve um estranhamento bastante grande, tanto entre professores quanto entre os responsáveis pelas crianças, mas à medida que as razões pelas quais os encaminhamentos eram dados foram expostos, a comunidade escolar ganhava mais confiança para discutir problemas comuns a todos, havendo assim res-peito pelos envolvidos. Tais atitudes foram tomadas porque conceito de gestão democrática é entendido como aquela que descentraliza o poder e que, nos momentos de tensão, dá voz a sua comunidade, pois ajustes nas condutas são necessários. Souza (2009, p. 126) pondera o seguinte, a respeito do assunto:

A gestão democrática é aqui compreendida, então, como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a es-cola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, en-caminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo, sustentado no

Page 93: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

93As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das diversas funções presentes na escola, tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comuni-dade escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola.

Duarte et al. (2009. p. 3171) a respeito da gestão democrática diz que o conceito de gestão “extrapola o âmbito da organização do poder, para ser compreendido como condição de organização do espaço público de ensino, no compromisso coletivo de formação e humanização dos sujeitos”. Ou seja, gestão democrática precisa ser um compromisso assumido pelos gestores públicos, pois no bojo de sua práxis localiza-se o “embrião” de uma sociedade mais justa e igualitária. Ainda nesse sentido, Cunha (1980, p. 47) afirma que “à medida em que a escola passar a produzir pessoas diferentes, estará contribuindo para a mudança da sociedade”. Para este estudioso, se a estrutura interna da escola e o currículo apontarem para um modelo democrático é certo que a sociedade reproduzirá esse modelo, e com isso terá ganhos. Como forma de evidenciar feitos da gestão democrática, trago exemplos de como se deu o processo de construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) do Centro de Educação Infantil do qual fui gestora. Trata-se de um dos exercícios de maior valor em prol da democracia naquela comunidade, pois o trabalho ar-ticulou diferentes vozes e principalmente instruiu e considerou o “outro” naquilo que ele trazia de mais importante e significativo para si. O Centro de Educação Infantil tinha um PPP bastante rudimentar, sem uma linha teórica definida para nortear o trabalho dos professores. E para Vei-ga (1996 apud VEIGA, 1998, p. 12) “ao se constituir como processo, o projeto político-pedagógico reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, enaltecendo a sua função primordial de coordenar a ação educativa da escola para que ela atinja o seu objetivo político-pedagógico”. Acredito, assim como Veiga (1998), que o PPP, ao dar voz a sua comuni-dade, instaura uma forma de organização do trabalho pedagógico e faz emanar contradições e conflitos de opiniões, mas favorece eliminar as relações competiti-vas e autoritárias, superando o abuso de autoritarismo, mando pessoal e emprego da burocracia, o que permite aflorar relações horizontais no interior da escola, mas, sobretudo, marca um posicionamento político e pedagógico dos envolvidos. Dessa maneira, a partir desses pressupostos democráticos e outras lei-turas que fundamentaram a construção do PPP, algumas mobilizações aconte-ceram no bojo do centro de educação infantil, dentre elas, cito algumas etapas

Page 94: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

94As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

significativas que demarcaram a construção do mesmo: 1) avaliação institucional e sondagem do perfil da comunidade, por meio de um instrumento de pesquisa; 2) sondagem entre as professoras sobre a linha pedagógica de interesse e afini-dade; 3) cursos de aperfeiçoamento sobre as linhas teóricas mais indicadas, en-fatizando a abordagem construtivista e a pedagogia histórico cultural; 4) votação de professores, funcionários e representantes da comunidade para decidir sobre a melhor linha teórica a ser implementada e aprofundar estudos; 5) inúmeras formações continuadas; 6) escrita do documento; 7) replanejamento do currículo escolar; 8) replanejamento da organização dos planos de aulas; 9) readequação do texto definitivo e 10) redação final do documento a ser encaminhado ao Nú-cleo Regional de Ensino. Outras mudanças estruturais e significativas não foram efetivadas duran-te minha gestão, tendo em vista que assumi um curso diferente em um município vizinho e tive que abrir mão desse trabalho. Contudo, senti a satisfação de dever cumprido, com relação àquelas primeiras etapas e tive clareza de que:

Para que ocorra a definição do projeto pedagógico com o indis-pensável embasamento teórico-metodológico, há necessidade de pesquisas, estudos, reflexões e discussões com professores, especialistas em educação, alunos, ex-alunos, determinando o caminho desse processo. (VEIGA, 1998, p. 14).

Ou seja, tive consciência de que a legitimação do PPP se dará em um contínuo processo de busca, de participação e soluções conjuntas, assim como há esclarecimento quanto ao processo requerer continuidade de ações. Tanto a equipe pedagógica precisará de “vontade firme para coordenar.” (BUSSMANN 1995, apud VEIGA, 1998, p. 14) o processo, como os professores necessitarão de “fundamentalmente competência.” (RIOS, 1993 apud VEIGA, 1998, p. 15) para tratarem do assunto e prolongarem as discussões. Além disso, alerta-nos Kramer (2003, p. 72):

Um projeto político-pedagógico só está pronto provisoriamente. Diante dele, estamos como diante da porta da verdade; ele é parcial, atende a uma parte das necessidades, a um contexto específico, num certo momento. Se o projeto político pedagógi-co se assenta no trabalho coletivo, ele é um projeto na hora em que o concluí, mas é uma proposta no minuto seguinte.

Logo, entendo que o Projeto Político Pedagógico é o ponto de partida e de chegada, é um constante refazer e replanejar as ações da escola, não para

Page 95: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

95As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

desconsiderar o que havia de trabalho antes, contudo para seguir com clareza pelo melhor caminho em direção aos objetivos estabelecidos. Reitero ainda, que a elaboração do mesmo requer reflexão profunda e abrangência dos envolvidos. Para a sua construção é preciso considerar os limites e as possibilidades da es-cola, definindo os princípios norteadores das ações, ponderando sobre o que se quer atingir, demarcando caminhos e etapas para o trabalho, designando tarefas para cada um dos sujeitos envolvidos e avaliando continuamente o processo e os resultados alcançados (RIOS, 1992). Nesse sentido, Rios (1992, p. 74) diz que “Quando se projeta, tem-se sempre em mente um ideal” que muitas vezes é utópico, mas ela explica o sen-tido de utópico, não no sentido de impossível, todavia, como algo ainda não realizado, mas que é plausível de acontecer. Para finalizar essa seção, retomo que foi de grande valia a apropriação de leituras sistematizadas e discussões coletivas sobre a gestão democrática e Projeto Político Pedagógico, na formação na Pedagogia do PARFOR. Toda a absorção das teorias subsidiou o meu trabalho na gestão e colhi bons resultados com a aplicação das mesmas. Reitero ainda, que de acordo com Veiga (1998) se a coordenação no processo e discussões do PPP é de responsabilidade do corpo diretivo, por outro lado o esforço de diferentes membros da sociedade civil (pais, alunos, pessoal técnico administrativo, assessoria pedagógica, entre out-ros) deve ser para culminar em uma escola mais interessante, real, bem quista, que atenda às expectativas de sua comunidade, que instrua, humanize e trans-forme o homem, suas relações e o mundo. Dessa forma podemos ter um futuro melhor, com pessoas humanizadas e conscientes do seu papel no mundo.

Conclusão

Este texto, ao buscar apresentar as contribuições da Pedagogia, cursada no Plano Nacional de Professores - PARFOR, na formação de futuros Pedago-gos, nos possibilitou perceber, a partir do relato das duas alunas, que a referida licenciatura em questão tem favorecido a reflexão e a ação dos futuros Pedago-gos, pois em ambos os relatos as alunas apresentam questões que evidenciam o repensar sobre a própria atuação e atitudes que possibilitam a ampliação dos saberes dos alunos e, sobretudo, a participação dos mesmos, como sujeitos ati-vos no processo de aprender. No que se refere às contribuições para a atuação na gestão educacional, fica explícito como a gestora, aluna deste curso, imple-mentou sua atuação, a partir da apropriação teórica disponibilizada ao longo do

Page 96: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

96As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

curso de Pedagogia. No entanto, ressaltamos que os fundamentos teóricos são essenciais para a ressignificação do exercício da docência e da gestão educa-cional, mas de nada vale se o profissional não tomar consciência da necessidade de mudança, sendo essencial a reflexão sobre a própria ação e atuação, porque diferente disso teoria e prática poderão estar dissociadas, no contexto escolar. Isso se torna ainda mais preocupante quando nos referimos ao Plano Nacional de Professores – PARFOR, por ter como um de seus sujeitos professores que buscam a segunda licenciatura e que, portanto, já possuem experiências seja na docência ou na gestão educacional. O desafio neste caso é possibilitar a estes futuros Pedagogos o olhar para a própria prática e suas concepções, tendo em vista ressignificá-las, se necessário.

Referências

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp003_06.pdf. Acesso em: 16 dez. 2015.CUNHA, Luís Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.DUARTE et al. O papel do pedagogo na gestão e suas possibilidades de mediação do currículo. 2009. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2378_1407.pdf> Acesso em: 26 dezembro 2015.FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática edu-cativa. São Paulo, Paz e Terra, 2001.GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Rio Grande do Sul: Editora Feevale, 2003.HAYDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 4 ed. São Paulo: Edito-ra Ática, 1997.KRAMER, Sonia. Direitos das crianças e projeto político pedagógico de ed-ucação infantil. In: BAZÍLIO, L.C.; KRAMER, S. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2003. p. 51 – 81.LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia críti-co-social dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 2001.RIOS, Terezinha Azeredo. Significado e pressupostos do projeto pedagógi-co. Série e Idéias. São Paulo, n. 15, p. 73-77, 1992. SILVA, Ileizi Luciana Fiorelli. A Formação de docentes da Educação Infantil e

Page 97: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

97As contribuições da pedagogia, cursada no PARFOR, para a atualidade na docência e na gestão educacional Mari Clair M. Nascimento - Crislaine P. Almeida - Patrícia de Fátima F. Gaion

Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Nível Médio, no estado do Paraná - 2003. In: ______. Fundamentos Teóricos – Metodológicos das disciplinas da proposta pedagógica curricular, do curso de Formação de Docentes – Normal, em Nível Médio (2003). Curitiba: SEED - PR, 2008. p. 23.SILVA E.M.A, ARAÚJO C.M. Reflexão em Paulo Freire: uma contribuição para a formação continuada de professores. In: Anais do V Colóquio Internacional Paulo Freire; 2005 Set. 19-22; Recife: UFPE; 2005.SOUZA, Ângelo Ricardo. Explorando e construindo um conceito de gestão escolar democrática. In: Educação em revista. Belo Horizonte, vol.25, n.03, p. 123-140, dez. 2009.UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UEL, PARFOR - Plano Nacion-al de Formação de Professores. 2011. Disponível em: <http://www.uel.br/pro-gramas/parfor/?content=coordenacao.html> Acesso em: 19 dez. 2015.VEIGA, Ilma Passos. Perspectivas para reflexão em torno do projeto políti-co-pedagógico. In: Escola: Espaço do projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus, 1998. p. 9 - 32.VIEIRA, Sofia Lerche. Escola, função social, gestão e política educacional. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto; AGUIAR, Márcia Ângela da Silva (orgs.). Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2001. p. 129 – 145.

Page 98: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

AS PRÁTICAS DOCENTES QUE INSPIRAM AS PESQUISAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES1

Mônica Maria Gadêlha de Souza Gaspar2 Adlene Silva Arantes3

Resumo

Apresentamos uma pesquisa cujo objeto de estudo são os trabalhos monográfi-cos de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Pedagogia do Plano Nacional de Formação de professores da Educação Básica (PARFOR). A pesqui-sa se insere numa perspectiva qualitativa de Educação, situada nas discussões referentes à formação de professores e suas implicações na prática docente. Objetivamos compreender quais os objetos tomados como reflexão da prática docente que culminaram nas monografias do Curso de Pedagogia de 2014 e 2015, buscando apontar como essas práticas são tomadas como problemáticas de investigação na formação de professores nos municípios da Mata Norte Per-nambucana. A análise revelou uma particularidade singular desenvolvida pela Análise do Discurso de Linha Francesa. Os resultados revelam uma maior cen-tralidade nos estudos voltados para linguagem, lúdico na sala de aula, áreas de conhecimentos específicos e relações interpessoais na escola. Percebemos quase um silenciamento nas demais temáticas, revelando que a leitura e escrita ainda envolvem situações preocupantes e importantes para os professores em formação. Concluímos que os objetos tratados nas monografias são frutos do diálogo entre a teoria apreendida na instituição de ensino superior e a prática vivenciada no ambiente de trabalho, refletindo e agindo sobre si e o outro.

Palavras-chave: Pedagogia. Trabalhos de conclusão de curso. Universidade de Pernambuco -UPE. Leitura e escrita.

1 Texto parcialmente apresentado no II Congresso Nacional de Educação – CONEDU realiza-do 14 a 17 de outubro de 2015. GT - Formação de professores. ISSN 2358-8829. http://www.conedu.com.br/conedu2/index.php

2 Texto parcialmente apresentado no II Congresso Nacional de Educação – CONEDU realiza-do 14 a 17 de outubro de 2015. GT - Formação de professores. ISSN 2358-8829. http://www.conedu.com.br/conedu2/index.php

3 Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco- UPE Campus Mata Norte. [email protected]

Page 99: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

99As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

Introdução O presente texto se originou a partir das reflexões que têm norteado nossa práti-ca profissional como coordenadoras do curso e dos estágios supervisionados do Curso de Pedagogia do Plano Nacional de Formação de Professores da Edu-cação Básica – PARFOR - da Universidade de Pernambuco Campus Mata Norte. Nos debruçamos sobre as relações estabelecidas entre a prática docente viven-ciada pelas professoras em formação e as teorias apreendidas no referido curso. Nosso objetivo é compreender quais os objetos tomados como reflexão da prática docente que culminaram nas monografias como Trabalhos de Con-clusão de Curso (TCC) do Curso de Pedagogia de 2014 e 2015, buscando apon-tar como essas práticas são tomadas como problemáticas de investigação na formação de professores nos municípios da Mata Norte Pernambucana. Assim, faz-se necessário destacar a importância do trabalho desenvolvido no Curso de Pedagogia com estágios supervisionados para desenvolvimento das monografias como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), trazendo um breve percurso das concepções de estágio curricular e o que definimos como proces-so de ação-reflexão-ação (SHÖN, 2000) da prática docente, para compreender como os professores em formação relacionam suas experiências docentes com a teoria em um processo de escrita que denominamos reflexão biográfica (GAS-PAR, 2014; PASSEGGI, 2008).

A formação profissional docente: do estágio supervisionado à escrita dos trabalhos de conclusão de curso

O incentivo à formação de professores surgiu por pressões dos movimen-tos sociais ligados à educação, através da criação de leis, decretos e regulamen-tações que sustentam e apoiam a formação inicial e continuada de professores. Dentre os documentos importantes podemos citar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96, o parágrafo 4º do artigo 87 diz que todos os professores devem ser habilitados em nível superior ou formados em treinamentos em serviço. Com essa lei, houve maior investimento em política de formação para o acesso a níveis superiores e programas de aperfeiçoamento. (BRASIL,1996). No final da década de 1990, surgem diversos programas de formação continuada, criados em instituições de educação superior públicas e privadas, na modalidade presencial e a distância. Nesse contexto, também houve a ex-pansão para programas conveniados entre o governo de estado e os municípios

Page 100: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

100As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

para formar professores da educação básica, como o Programa Especial de Graduação em Pedagogia (PROGRAPE) e, mais tarde, o Programa (PARFOR) que busca atender a formação de professores em exercício no ensino básico. Para compreendermos como as professoras em formação refletem sobre suas práticas, tomamos os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Esses tra-balhos são produtos de um processo continuo do acompanhamento dos profes-sores-formadores iniciado nos estágios supervisionados realizados nos últimos três semestres do referido curso. A prática de entrelaçar os estágios com as ex-periências em sala de sala dos professores em formação é uma especificidade do Curso de Primeira Licenciatura em Pedagogia do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) oferecido pela Universidade de Pernambuco (UPE). Segundo Projeto Político Pedagógico, a intenção do cur-so é vivenciar permanentemente os processos de transformação na Educação Básica, tendo em vista a construção de uma sociedade melhor, cuja abrangên-cia implique em um maior comprometimento da escola e da universidade com a sociedade e, consequentemente, isto requer mudanças nos paradigmas que até agora têm sustentado o fazer pedagógico e a ciência. Dentre os componentes que constam no currículo do Curso de Pedagogia do Programa, destaca-se, pela sua relevância, o Estágio Curricular Supervisiona-do que tem, entre suas atribuições, colocar em evidência a realidade educacional do professor que exerce à docência nos municípios da Mata Norte de Pernambuco, fornecendo subsídios para sua formação, tanto no aspecto teórico quanto prático. Sabemos que “o exercício de qualquer profissão é técnico, no sentido de que é necessária a utilização de técnicas para executar as operações e ações próprias” (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 37), mas entendemos que a técnica sem o processo reflexivo pode trazer a ideia de que a prática pode prescindir a teo-ria, ou vice-versa. No entanto, ambas são imprescindíveis para a formação do profissional. Nesse sentido, o estágio necessita ser compreendido como uma inter-relação entre teoria e prática, pois uma ação necessita da reflexão para que se realize outra ação – esta é uma prática reflexiva na qual creditamos o desen-volvimento do estágio supervisionado (GASPAR; SANTOS, 2015). Tomamos como base a concepção de estagio que valoriza a reflexão. Como nos informam Pimenta e Lima (2012), O estágio, ao contrário do que se propugnava, não é atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora das práxis docentes, entendida esta como atividade de transformação da realidade (p. 47). O Estágio Supervisionado é um dos componentes curriculares do Curso de Primeira Licenciatura em Pedagogia e elemento curricular obrigatório nos cur-

Page 101: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

101As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

sos superiores de graduação. No referido curso, o estágio visa à aplicação dos princípios e conceitos da aprendizagem acadêmica e a consolidação da relação teoria/prática como forma de assegurar ao professor estudante uma prévia dos desempenhos profissionais desejados, segundo as peculiaridades de cada cur-so. Propõe-se que o estágio supervisionado perpasse todo o currículo do curso, sendo vivenciado por meio de uma pesquisa-ação4 por ser um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita as-sociação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo. Nessa pesquisa, os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Na realidade, a perspectiva do desenvolvimento da pesquisa-ação toma como eixo a ação-re-flexão-ação (BARBIER, 2007) dos professores em formação no curso. Essa reflexão toma corpo durante as três fases dos estágios supervisio-nados do curso. Para cada estágio sugere-se a conexão entre o tema integrador, os conhecimentos teórico-práticos construídos a partir dos componentes curricu-lares e a vivência da sala de aula.• Estágio Supervisionado I - Fase Exploratória (90 h): a escola nos seus aspectos filosóficos, políticos e sociais. Formação de uma concepção crítico-re-flexiva em gestão democrática. Elaboração da diagnose escolar. Nessa fase, a atenção deve estar no processo de observação da escola como um todo e destina-se à análise do projeto político-pedagógico, dos planos de ensino e dos projetos desenvolvidos com a comunidade e seu envolvimento na unidade esco-lar (PERNAMBUCO, 2012).• Estágio Supervisionado II - Fase de Planejamento (90h): a sala de aula como espaço de apropriação e produção do conhecimento. Uso dos espaços e tempos; organização do trabalho. Nessa fase ocorre a elaboração de um projeto de intervenção didático-pedagógico para a Educação Infantil e/ou Ensino Funda-mental (1º ao 5º ano), incluindo Educação de Jovens e Adultos (PERNAMBUCO, 2012).• Estágio Supervisionado III - Fase de ação e avaliação (120h): execução e avaliação de projetos de intervenção pedagógica nas salas de aula da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), incluindo Educação de Jovens e Adultos. • O professor em formação, num processo de (re) criação, colocará em

4 Na pesquisa-ação não se trabalha sobre os outros, mas sim com os outros, de forma que nela os participantes se percebem como autores/atores de uma investigação que pensa no pro-cesso de interação, no construir em conjunto, passo a passo em uma participação coletiva.

Page 102: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

102As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

prática suas propostas nas salas de aula, que devem ser apresentadas e discuti-das, também, com a equipe gestora da escola antes de serem desenvolvidas. Este último momento representa a finalização e a sistematização do estágio, con-substanciado pela elaboração do relatório, como instrumento de sistematização das atividades propostas e desenvolvidas (PERNAMBUCO, 2012). Os professores do curso acompanham nos Estágios Supervisiona-dos, a prática dos professores em formação. O acompanhamento desses pro-fessores em suas práticas pedagógicas possibilita estabelecer um vínculo de compartilhamento com o professor-formador para que caminhem juntos no pro-cesso de escrita do Trabalho de Conclusão de Curso. Nesses trabalhos, os professores em formação evidenciam os desafios apresentados em sua experiência docente. Compreendemos experiência como “isso que me passa. Não isso que passa” (LARROSA, 2011, p. 5). Esse sen-tir a experiência no que nos passa e incorpora nosso o ser, transformando-se através dela, coloca-a como formadora tal qual nos fala Josso (2010, p. 49), de que a formação é experiencial, não sendo, não é formação, pois "A experiência constitui um referencial que nos ajuda a avaliar uma situação, uma atividade, um acontecimento novo". É esta experiência do tocar, do sentir, que se passa, como um desafio, levando os professores em formação a buscarem aperfeiçoamento e respostas para seus questionamentos nos cursos de formação de professores.

Os objetos privilegiados pelos professores em formação

Tomamos como embasamento dessa investigação a pesquisa qualitativa, ancorando-nos em Minayo (2004) por destacar as possibilidades que a pesquisa qualitativa nos oferece para compreender o objeto investigado. Ela se preocu-pa, nas ciências sociais, com o nível de realidade que não pode ser quantifi-cado. Ou seja, ela trabalha com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (idem, 2004, p.21-22). Para identificar os objetos investigação das professoras em formação, uti-lizamos a análise do discurso de linha francesa como um caminho metodológico para as produções escritas das professoras em formação durante a realização dos estágios, culminando nas monografias. Essas produções resultaram da ex-periência desenvolvida e emergem de questões teóricas e empíricas vivencia-

Page 103: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

103As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

das por essas professoras em relação à sua prática docente. Para a Análise do Discurso, o sujeito tem importância vital, pois está in-serido em uma conjuntura social, tomado em lugar social, histórico e ideologi-camente, marcado, um sujeito heterogêneo constituído por diferentes discursos, possibilitando, segundo Orlandi (2007) o “sujeito de trabalhar sua contradição constitutiva, a que o situa na relação do ‘um’ com o ‘múltiplo’, a que aceita a re-duplicação e o deslocamento que nos deixam ver que todo discurso sempre se remete a outro discurso que lhe dá realidade significativa” (p.24). Na presente investigação, analisamos o resumo de oitenta e cinco tra-balhos monográficos do Curso de Pedagogia do PARFOR, da Universidade de Pernambuco Campus Mata Norte, elaborados de 2014 e 2015 pelos grupos de professores acompanhados pelas autoras. Apresentamos, primeiramente, as categorias construídas a partir dos ob-jetos de investigação tomados como resultado das reflexões do cotidiano das professoras em formação que expressam as preocupações ou mesmo ques-tionamentos sobre sua prática docente. O quadro contém na coluna esquerda, dados referentes aos eixos temáticos e, na direita, duas colunas com percentual referente a cada eixo dos trabalhos.

Quadro I: Mapeamento Monográfico – categorias temáticas

Fonte: Quadro elaborado a partir dos resumos analisados nos anos 2014 e 2015

Ao mesmo tempo em que essa organização proporciona uma visão par-ticular desses objetos das pesquisas, torna-se fundamental expressar como es-

Page 104: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

104As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

ses eixos temáticos se evidenciaram como reflexões da prática docente dessas professoras. Os oitenta e cinco (85) trabalhos analisados contemplam reflexões e au-torreflexões sobre a prática docente. Neles, identificamos uma maior concen-tração em 2014 na área de linguagem com ênfase na leitura e no uso de gêneros textuais em sala de aula, sejam eles escolares, não-escolares ou literários. Isso demonstra o reflexo das políticas de formação, geralmente centradas no ensino da língua portuguesa, com intenção de propiciar aos professores um olhar mais centrado nas questões de linguagem - a leitura e a escrita -. O termo gêne-ro vem se ampliando e tomando lugar no discurso dos professores que estão no contexto da escola. Essa ampliação tem relação com a formação desses professores que vão adotando termos que fazem parte das atuais discussões acerca da linguagem nos contextos escolar e extraescolar. Vemos que tanto a alfabetização quanto o letramento permeiam as práticas pedagógicas compro-metidas com o papel inclusivo da escola com ensino de língua portuguesa, cujo propósito é formar sujeitos que dominam a sua língua (SOARES, 2004). Outros temas, não relacionados à área da Língua Portuguesa têm se evi-denciado nesses trabalhos. Entre eles, o lúdico tem levantado discursões no uni-verso da sala de aula, com ênfase nos jogos e nas brincadeiras com 23,53 % dos trabalhos. No geral, podemos afirmar que esses trabalhos foram direcionados para o universo da educação infantil sejam voltados para áreas de conhecimento numa perspectiva interdisciplinar sejam relacionados aos temas transversais. Percebemos que a escolha do lúdico tem relação com a motivação para aprendizagem. É preciso evidenciar que motivar é um procedimento externo dos professores que buscam um movimento interno por parte dos alunos que chamamos de mobilização. Este só ocorre se houver “um desejo do próprio alu-no. Mobilizar é fazer uso de si, para si", ou seja, é preciso que haja sentido para o aluno (CHARLOT, 2008, p.55). O lúdico pode trazer leveza à rotina escolar levando o aluno a registrar os ensinamentos de forma significativa. No contexto da educação infantil é essencial ao professor enquanto mediador do processo de aprendizagem, um perfil voltado para uma pedagogia relacional, auxiliando a interação do aluno com o meio. Os objetos relacionados às áreas de conhecimento específico e temas transversais, ocupam a terceira posição no quadro ora analisado cerca de 16,47%. É o caso do ensino da matemática, da história, a educação ambiental e a educação sexual. Acreditamos que essas escolhas têm relação com empatia dos professores com essas áreas de conhecimentos específicos. Como exemplo

Page 105: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

105As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

temos a Matemática, disciplina que ao longo dos anos tem sido tomada como difícil tanto nos discursos de professores em formação quanto por alunos da educação básica (NACARATO, 2011). No que se refere aos temas transversais educação ambiental e sexual. A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), instituídos em 1995 pelo Ministério da Educação, a Orientação Sexual passou a ser um tema transversal idealizado pelo viés da transdisciplinaridade (ALTMANN, 2001). Em 1997, eles foram publicados pelo Ministério da Educação (MEC) e tratam de temas funda-mentais para esta sociedade capitalista, como temas transversais para serem desenvolvidos na educação básica. Esse documento se divide em duas partes. A primeira com a questão ambiental e os modelos de desenvolvimento econômi-co e social, da Educação Ambiental, das organizações governamentais e das lideranças nacionais e internacionais; com destaque para os objetivos gerais do tema Meio Ambiente para o ensino fundamental. A segunda parte faz referência aos conteúdos de Meio Ambiente para o primeiro e segundo ciclos, aos critérios didáticos de avaliação e orientação; além de trazer um anexo sobre conferências internacionais que discutiram a questão ambiental e a Educação Ambiental (LE-MOS; DAVID, 2011). Portanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais nos Temas Transversais (BRASIL, 1998) defendem que o professor deve trabalhar em seu cotidiano pedagógico os conteúdos de ética, onde se prioriza o convívio escolar. Percebemos que ao trabalhar conscientização de si e do meio e questões rela-cionais em sala de aula – educação ambiental e sexual As relações interpessoais aparecem na quarta posição com 12,94 % dos trabalhos voltados para bulling, violência na escola, a indisciplina, a afetividade e a participação da família no contexto escolar. Chamam nossa atenção por serem temáticas que de certa forma sempre estiveram nas escolas, mas evidenciam que esses temas surgem pela própria dificuldade de lidar com essas situações questões, daí refletir e trabalhar sobre elas com seus alunos. Duas questões se evidenciam nesses olhares. Primeiro a situação da sociedade atual que apresen-ta uma alarmante dificuldade/intolerância de lidar com o outro e segundo é que essas questões são tomadas como reflexão e busca de solução nos trabalhos pelo próprio olhar teórico que as professoras em formação vão se apropriando, seja com a psicologia seja com sociologia no curso. Geralmente o bullying ocorre com a atuação de um grupo de alunos que ridiculariza outros com xingamentos, apelidos e insultos que intimidam e constrangem suas vítimas (FANTE, 2005). Outros temas foram identificados com menor incidência no ano de 2014. Trata-se da “Gestão Escolar”, “Inclusão” e a “Formação de professores” que se

Page 106: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

106As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

encontram no universo mais amplo da escola, no entanto só identificamos do primeiro, quatro trabalhos, do segundo dois e do terceiro, um Em 2015 foram trinta (30) trabalhos monográficos apresentados pelos professores. Um olhar mais atento demonstra que algumas temáticas se manti-veram com maior concentração “Linguagem com ênfase em leitura e nos gêneros textuais” e “Lúdico com ênfase nos jogos, brincadeiras, música e dança”, muito embora apresentem menor quantitativo de trabalhos, comparado ao ano anteri-or. Como demonstrado a “Gestão Escolar” foi uma das temáticas pouco eviden-ciada em 2014 com 4,71%, no ano seguinte, não se configurou como alvo de reflexão dos professores. Chamamos a atenção para duas situações apresentadas no ano de 2015. A primeira evidencia um salto quantitativo nos trabalhos com a formação de professores que saiu de 1,18% em 2014 para 10% em 2015, expressando a preocupação dos alunos com a formação docente. A segunda situação revela que outros objetos surgiram nas preocupações dos professores em formação, como no caso da “Pedagogia em espaços não escolares – hospitalar”, temática ainda pouco investigada por se configurar como novo espaço situado para as funções do pedagogo. A “Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, tanto no que se refere ao “Currículo” como para a “Formação de professores” nesta modalidade. Outros objetos se revelaram no círculo das preocupações dos professores tais como a “Avaliação”, o “Currículo na Educação Infantil” e “Educação no campo”. O quase silenciamento de algumas temáticas nos leva a inferir que esses objetos ainda não conquistaram momentos de reflexões dos professores em suas práticas. Talvez por não estarem diretamente ligada ao universo de sala de aula, como é o caso da gestão escolar. Ou por serem temáticas emergen-tes, como a inclusão, os espaços não escolares e a modalidade EJA, deixando os professores inseguros para discutir/refletir sobre esse objeto. Ou ainda, por serem orientados a tomarem a prática de sala de aula como objeto de reflexão (PERNAMMBUCO, 2012). Embora essas temáticas tenham sido pouco refleti-das pelos professores em formação, já propiciam outros olhares, como eviden-ciado o quadro no ano de 2015 com os objetos que emergiram.

Considerações

Os diferentes objetos abordados nos trabalhos analisados descortina-ram-se desde o momento inicial do trabalho com o componente curricular estágio com caráter teórico-prático, busca indicar pistas para uma melhor compreensão

Page 107: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

107As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

dos aspectos que dificultam ou potencializam o trabalho docente, ao mesmo tempo, apresentam pistas e pressupostos teóricos e didático-pedagógicos.Compreendemos que esses diferentes objetos são resultados das experiências sentidas e vividas pelos professores em formação, reflexos das relações sub-jetivas e objetivas construídas no contexto formal – escola e instituição forma-dora. Um processo que se constitui da reflexão-ação proporcionada por essas experiências, com maior ou menor evidência. Esse refletir sobre os objetos em um trabalho monográfico demonstra a importância da formação por evidenciar inquietações e, ao mesmo tempo, busca não de soluções permanentes, mas de possibilidades de um trabalho pedagógico que entrelace o si e o outro. O mais importante neste estudo é destacar que a pesquisa é uma ferramen-ta importantíssima utilizada para iniciar e dar continuidade à formação profis-sional. Situar o componente estágio curricular supervisionado como espaço de discussões que envolvem reflexões teóricas e práticas é pensar que o ato de pesquisar deve ser um exercício contínuo tanto no professor como no aluno.

Referências

ALTMANN, Helena. Orientação sexual nos Parâmetros Curriculares Nacio-nais. In: Estudos Feministas. ANO 9 578 2º SEMESTRE 2001.BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 BARBIER, René. A Pesquisa-Ação. Tradução: Lucie Didio, Liber Livro, Brasília, 2007, série Princípios v. 3. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. FANTE, C. Fenômeno Bullying: Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Editora Verus, 2005, 224 p. GASPAR, Mônica Maria Gadêlha de Souza. Acompanhamento do Memorial de Formação: entre formar e formar-se. Tese doutorado UFRN, 2014. 241 fls. ______; SANTOS, Jacinto. O estágio supervisionado numa prática reflexiva. Texto mímeo, 2015. JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. Coleção Pesquisa (Auto)biográfica e Educação. Clássicos das histórias de vida. PAULUS/UFRN, 2010.LARROSA, Jorge Bondia. Experiência e alteridade em educação. Revista re-flexão e ação. Santa Cruz do Sul, v 19, n 2, p. 4-27, jul/dez. 2011.

Page 108: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

108As práticas docentes que inspiram as pesquisas na formação de professores - Mônica Maria - Gadêlha de Souza Gaspar - Adlene Silva Arantes

LEMOS, Enilda Maria; DAVID, Célia Maria. Reflexões sobre o tema transver-sal meio ambiente no ensino fundamental. In: CAMINE: Caminhos da edu-cação, Franca, SP, Brasil > v. 3, n. 1 (2011)MINAYO, Maria Cecília. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2004. NACARATO, Adair Mendes. As narrativas (auto) biográficas e as narrativas da experiência docente na constituição profissional do professor que en-sina Matemática. Relatório final de pesquisa relativo ao Estágio de Pós-Douto-ramento, Programa de Pós-Graduação em Educação UFRN/Natal, Campinas 2011.ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos senti-dos. 6ª ed. Campinas, S.P. Editora da UNICAMP, 2007.PASSEGGI, Maria da Conceição. Mediação Biográfica: figuras antropológicas do narrador e do formador. In PASSEGGI, Maria da Conceição; BARBOSA, Ta-tiana Mabel Nobre (Orgs). Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal, RN: EDUFRN: São Pulo, Paulus, 2008.(Coleção Pesquisa Autobiográfica e Educação).PERNAMBUCO. UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO- UPE. Projeto político Pedagógico. Plano Nacional de Formação de professores na educação básica, Primeira Licenciatura em Pedagogia. 2012 PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio e Docên-cia. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2004.

Page 109: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS PROFESSORES NA EDU-CAÇÃO INCLUSIVA1

Karla Andrea Cândido Rêgo Soares2 Larissa Gotti Pissinatti 3

Resumo

O artigo aborda as práticas educativas dos professores para com a educação inclusiva, pretendendo fazer uma investigação do processo de inclusão e adaptação dos alunos com necessidades especiais. A pesquisa envolve estu-do bibliográfico e etnográfico, tendo como principal objetivo observar a prática pedagógica dos professores da escola de E.E.E.F.M. Antônio Bianco. Fizemos a pesquisana presente escola, observando os professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental, pois percebemos a importância de práticas inclusivas nesta e em outras etapas. Apresentamos algumas práticas inclusivas dos pro-fessores de Língua Portuguesa e Matemática,pois a escola conta com 17 alunos que apresentam algum tipo de deficiência.Neste artigo foram abordadas as con-tribuições dos seguintes autores: Junkes (2006), Edler (2004), Perrenoud (2002) e Aranha (1993).

Palavras-chave:Formação de professores. Educação especial. Práticas pedagógicas.

Introdução

A história da educação brasileira nos mostra as discrepâncias entre a realidade dos alunos e o saber sistematizado.No século XVI a educação se apre-sentava como uma forma de cumprir o ofício que era repassado de pai pra filho, não havia uma educação sistematizada.A educação não se preocupava com os

1 Artigo apresentado no I Seminário PARFOR-Formação docente: desafios, experiências e no-vos saberes, na Universidade Federal de Rondônia em 29/04/2016, Porto Velho/RO.

2 Graduada em Pedagogia, especialista em Mídias e Coordenação Pedagógica, Mestranda no Mestrado em Estudos Literários e TAE na UNIR/RO. [email protected]

3 Graduada em Filosofia – Centro Universitário Assunção. Mestranda no Mestrado em Estudos Literários e professora Magistério superior na UNIR/[email protected]

Page 110: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

110As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

saberes inerentes para que pessoa pudesse desfrutar de seus direitos sociais e civis, preocupava-se apenas na instrução e na catequização das pessoas. Segundo Aranha (1993), era preciso que a escola unisse o saber profis-sional e intelectual no processo de aprendizagem, buscando uma formação mais politizada e mais integrada àrealidade de cada aluno. A primeira ideia de formação escolar institucionalizada no Brasil foi a edu-cação dos jesuítas, cujosmétodos de ensino adotados tinham como maior inter-esse a colonização dos povos indígenas. Apesar de a educação jesuítica voltar-se apenas para a catequização dos índios, ela abordava aspectos filosóficos, matemáticos, artísticos, usuais e reli-giosos. As aulas eram ministradas de forma integrada e interdisciplinar, sem des-fragmentação dos temas abordados; de forma que os indígenas se constituíam na sua integralidade. No decorrer da educação no Brasil, inúmeros foram os manifestos para uma educação de qualidade para que o aluno se tornasse parte do processo educativo, deixando de lado a figura do professor autoritário e detentor do saber para um professor mediador do processo educativo. Conforme se apresenta no Manifesto dos Pioneiros da Educação (1932, p.4):

Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, arti-ficial e verbalista, montada para uma concepção vencida.

É preciso analisar a prática dos professores para observar como se pro-cessam os métodos utilizados por estes para inclusão dos alunos com necessi-dades especiais, muitos professores recebem orientações advindas de coorde-nadores pedagógicos e da gerência da Representação de Ensino de Ji-Paraná, mas muitas vezes essas orientações são vagas e não estão de acordo com a realidade em suas salas de aula.“Vemos que a formação de professores é, sem dúvida, uma das que menos levam em conta as observações empíricas metódi-cas sobre a prática, sobre o trabalho real dos professores no dia a dia, em sua diversidade e ambiente atuais”. (PERRENOUD, 2002, p.17) Entende-se então, que é necessário que os professores dominem os con-teúdos das matérias que lecionam, que tenham uma visão ampla da sua for-mação e da necessidade de capacitação para trabalharem com os alunos com

Page 111: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

111As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

necessidades especiais; se propondo a assumirem uma proposta interativa e interdisciplinar, para que possam garantir o acesso ao conhecimento.

1. O pensar a educação inclusiva ao longo da história.

A educação inclusiva no Brasil traça uma trajetória de exclusão das pes-soas com necessidades especiais, antes quando uma criança nascia com al-gum tipo de deficiência, seja deformidade física, cegas, surdas ou com alguma doença mental, eram menosprezadas pela sua necessidade, muitas vezes não tinham a oportunidade de estudarem, de trabalharem e nem de conviverem com as outras pessoas. Como destaca Fernandes:

Inicia-se, então, no século XVI, o chamado PERÍODO DA SEGREGAÇÂO das pessoas com deficiências em instituições, que tinham como objetivo de enclausurar aqueles que não se encaixavam nos padrões de normalidade, como os leprosos, os paralíticos, os doentes venéreos, os doentes mentais e toda sorte de desajustados. Nesse momento, a Igreja passa a dividir com a medicina o tratamento dos denominados anormais. (FER-NANDES, 2006, p.22)

Em parte, esses preconceitos devem-se ao fato das pessoas considerarem as pessoas com necessidades especiais, como loucas, doentes ou até como transtornadas, por isso, preferiam excluí-las, abandoná-las ou até afastá-las do meio social. A partir do século XVII, com os avanços dos empreendimentos dos homens e com a ascensão da igreja católica, inicia-seuma preocupação quanto ao tratamento que era relegado a essas pessoas com necessidades especiais, daí surgem às primeiras instituições filantrópicas destinadas a atender pessoas cegas e surdas. Mas, pouco era feito por essas pessoas, viviam na maioria das vezes de esmolas que as pessoas cristãs davam, como forma de caridade. Entre o século XVIII e XIX, as instituições filantrópicas que funcionavam como asilo, começaram a instruir seus internos, como uma forma de ter mão de obra barata, o que vinha a dar suporte no processo inicial de industrialização. No Brasil, as primeiras instituições criadas na época do Império por D. Pedro II,com o intuito de atender a pessoas cegas e surdas foram o Instituto Benjamin Constant (1854) e o Instituto de Educação de Surdos – INES (1857), e estes estão funcionando até os dias atuais. O primeiro médico a realizar pesquisas com uma criança com necessi-dade especial, foi o francês Jean Itard, em 1800. O objetivo dele era tentar res-

Page 112: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

112As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

gatar o potencial cognitivo de uma criança selvagem, que apresentava uma defi-ciência mental profunda. Como afirma Junkes:

Considerou-se o deficiente como “diferente”, respeitando a sua condição de cidadão dotado de direitos. Priorizou-se como modelo padrão social rumo a uma formação ideológica inclusiva que consiste em pensar em uma sociedade sem “referenciais determinados”. (JUNKES, 2006, p.28)

Historicamente, o processo de inclusão dos alunos com necessidades especiais, teve uma ênfase maior com a Declaração Universal dos Direitos Hu-manos, em 1948, que defendia os direitos fundamentais dos cidadãos, poste-riormente com a Declaração de Salamanca em 1994, a educação especial se consolida, sendo que esta previa uma escola única para todas as crianças.

2. Aspectos históricos e bases legais da educação inclusiva

Em 1996, A Lei de Diretrizes e Bases da Educação garante em seu arti-go 59, currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender os alunos com necessidades especiais. A partir das contribuições da LDB, perce-be-se que o trabalho com alunos que têm necessidades especiais requer um novo olhar, uma nova postura, como uma forma de garantir o direito do aluno ao acesso à educação, a sua acessibilidade e permanência na escola. Para tanto, é necessário toda uma logística quanto à infraestrutura e formação de professores para adotarem práticas inclusivas. A educação inclusiva no Brasil teve a influência histórica de diversos movimentos internacionais que se voltaram para a pessoa com necessidades educativas especiais. Estes movimentos (Conferências, Declarações, Asso-ciações, Federações) estão atrelados à construção de uma sociedade mais democrática onde os direitos humanos são respeitados e haja um respeito maior às diferenças e onde todos possam conquistar sua cidadania reconhecendo po-liticamente suas diferenças (MENDES, 2002, p.61). Nesta perspectiva a escola inclusiva precisa assumir seu papel organizan-do-se de forma a construir um espaço facilitador e estimulador de aprendizagem nas relações sociais a fim de transformar a sociedade. Mas, será que a escola tem desempenhado este papel? Será que a equipe gestora tem esta concepção do espaço escolar inclusivo? ConformeGiroux e Simon:

Page 113: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

113As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

As escolas são formas sociais que ampliam a capacidade hu-mana a fim de habilitar pessoas a intervir na formação de suas próprias subjetividades e serem capazes de exercer poder em vistas a transformar as condições ideológicas e materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento do poder social e demonstrem a possibilidade da democracia.(GIROUX & SIMON, 1995, p.95)

No processo de gestão da escola o foco da equipe gestora precisa estar em trabalhar em sintonia a fim de estimular e orientar professores e demais fun-cionários da escola para o desenvolvimento de práticas inclusivas. A inclusão na escola se tornará, por meio dos professores, um instrumento para dar espaço para uma nova visão de escola, onde as diferenças devem ser respeitadas e valorizadas nas suas potencialidades. Daí a importância de políticas públicas que favoreçam estas práticas e instrumentalize o professor, seja por meio de capacitação em serviço ou acompanhamento por parte da equipe gestora. Conforme Sander (2009), a qualidade de ensino está referenciada numa sólida política de Estado, que requer práticas de gestores capazes de materi-alizar as políticas e legislação vigente no cotidiano das instituições escolares e sistemas educacionais. Esta concepção traz a baila as ideias de gestão de Aní-sio Teixeira, para quem o planejamento, a organização e a gestão do sistema de ensino, devem estar em consonância com a legislação e políticas, de forma que legislação e ação administrativa devem estar sempre em relação (TEIXEIRA, 1961). Porém, cada vez mais é possível constatar que não basta haver leis é pre-ciso efetivá-las nos sistemas de ensino. Vieira vai além, afirmandoque, tratan-do-se de política educacional “é necessário ir além da legislação, identificando outras fontes e formas de manifestação e ações do governo” (VIEIRA, 2008, p.145). Portanto, dois desafios se colocam diante da educação inclusiva, primei-ramente a formulação de políticas públicas e a outra, as práticas de gestão que as efetivem nas instituições escolares. Freitas (2009) destaca que falar de gestão escolar é investigar se há monitoramento e acompanhamento das políticas e das ações realizadas nos espaços escolares e nas Secretarias de Educação, é avaliar, é discutir qualidade de ensino, trabalhar intenções e realizar ações concretas. Toda gestão é tam-bém política, pois trabalham em conjunto com as Secretarias de Educação dos Estados e Municípios e com a comunidade escolar. Freitas(2009)inspirado na teoria freireana considera que deve existir na prática da gestão uma “mediação dialógica” onde os critérios administrativos, eficiência econômica e pedagógica,

Page 114: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

114As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

efetividade política caminhem em consonância à luz da ética e da igualdade na educação e na sociedade. Daí a importância de um Projeto Nacional de educação que indique caminhos para uma prática pedagógica que minimize as disparidades econômi-cas, sociais e culturais e outras manifestações que excluem mais que incluem. Tal projeto requer a participação de todas as esferas governamentais e também participação da comunidade educativa para que suas políticas se efetivem no cotidiano escolar. Em nosso país este modelo de gestão que requer o envolvimento da comunidade educativa e das esferas governamentais é chamada de gestão democrática. O referido modelo é na verdade, uma conquista coletiva, uma construção histórica de nossa educação brasileira que no decorrer dos tempos foi sofrendo rupturas e avanços. Este sistema de gestão democrática nas escolas foi consolidado pelo ar-tigo 206 da Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Nestes documentos reforçam-se a autonomia das escolas e a participação em regime de colaboração entre União, estados, mu-nicípios, assim como a participação da comunidade na elaboração do Projeto Político Pedagógico que orientará os fundamentos, as diretrizes e ações da es-cola. Em nosso sistema educacional o grande desafio é o exercício da democracia a fim de construir e efetivar uma política e prática educacional. A democracia não se reduz em ter acesso, mas em ter qualidade no acesso edu-cação. Conforme Sander:

Teremos democracia política e social na medida em que todos os brasileiros e todas as brasileiras independentemente de sua ori-gem social, características pessoais e necessidades especiais, escolha profissional e opção de vida, souberem ler, escrever, souberem fazer cálculos matemáticos e as operações técnicas indispensáveis para viver e conviver com dignidade no seio da família, no mundo do trabalho e na sociedade do conhecimento. (SANDER, 2009, p.94)

Pensar a educação inclusiva é antes de tudo rever as práticas e políticas públicas de assistência e permanência desses alunos na escola, incluindo sem excluir e não apenas fazer de conta que a criança desfruta de todos os seus direitos e está sendo acolhida na escola, é principalmente adotar medidas adap-tação do currículo, do espaço físico e das metodologias usadas na aprendiza-gem desses alunos.

Page 115: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

115As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

3. A escola inclusiva e seus desafios.

O grande desafio da escola inclusiva é saber abordar os conhecimentos inerentes a cada ser humano, sejam eles conhecimentos repassados de geração em geração, seja o conhecimento concebido pelos relacionamentos com outros meios de conhecimento sistematizado, de forma que estes venham atender as necessidades de cada aluno, de acordo com sua limitação. A ser humano tem a necessidade de se humanizar através da educação, isso faz com que nos perguntemos se existe a necessidade de adquirimos ape-nas o conhecimento que nos é apresentado no sistema escolar; por outro lado percebemos que a cada nova relação de conhecimento que nos é propiciada através da sociedade, da família, da igreja, etc., nos é dada a oportunidade de usarmos esses conhecimentos em situações práticas, que envolverão a com-preensão dos processos de aprendizagem pelos alunos com necessidades es-peciais.Como destaca Fernandes:

Esse conjunto de ideias e práticas que vem, nas últimas déca-das, revolucionando a forma de compreender e praticar a edu-cação das pessoas com necessidades educacionais especiais precisa ser debatido e analisado criticamente pelos educadores, pois, em última análise, é na escola que esses fundamentos serão colocados em prática ou não.(FERNANDES, 2006, p.46)

A escola não pode ser um lugar fechado ao aprendizado, esse deve ul-trapassar os espaços escolares, pois quando os alunos com necessidades es-peciais passam a frequentar a escola, esses passam a ter o domíniode diversos conhecimentos, que ao longo de sua trajetória escolar poderão ser aprofunda-dos. Sabemos que conhecimento sistematizado nos permite termos novas abordagens para aquilo que de alguma forma já nos foi apresentado, mas que de alguma maneira usamos incondicionalmente sem nem nos darmos conta que estamos produzindo conhecimento, mas é necessário que haja um direciona-mento mais detalhado desses conhecimentos, para que o aluno com necessi-dades especiais venha a desenvolver ou dominar a habilidade que será trabalha-da. Com isso, sabemos que a escola é a mediadora desse processo, que faz com que conhecimentos inerentes ao ser humano sejam explorados com uma nova abordagem, propiciando outras fontes de conhecimentos tais como: a pedagogia, a sociologia, a psicologia e a filosofia para humanizar mais esses

Page 116: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

116As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

processos de aprendizagem. Para Klein&Hattge (2010):“A inclusão não pode ser vista apenas sob o aspecto de um imperativo legal que recentemente tem se instituído, e, muito menos, centrada numa única dimensão, referente à educação do sujeito com deficiência no espaço da escola comum”. (KLEIN & HATTGE, 2010, p.13) Essa nova abordagem do processo educacional, permitirá que nossa cul-tura possa ser produto de pessoas que pensaram essa sociedade, que real-mente se preocupam com todos os problemas que essa sociedade passa e que buscam soluções que atinjam uma grande maioria da sociedade e não somente os alunos tidos como “normais”.

4. O trabalho com alunos com necessidades especiais e suas possibili-dades.

O trabalho com a educação inclusiva na Escola Antônio Bianco apresenta um avanço por parte do Governo em investimentos direcionados para sala de recursos e para dar suporte aos professores no processo de aprendizagem dos alunos com necessidades especiais.De acordo com Carvalho:

Para garantir o sucesso na concretização desta intencionalidade educativa, há que superar as barreiras existentes em suas múl-tiplas origens e intensidades, para o que se faz necessário: (a) libertar o aluno da condição de solitário responsável pelo seu insucesso na escola, (b) identificar todos os obstáculos que lhe impedem ou dificultam seu sucesso no processo de aprendiza-gem, (c) analisar o contexto em que a aprendizagem se realiza, e (d) abandonar definitivamente, os rótulos, quaisquer que se-jam.(CARVALHO, 2008,p.51)

Os professores da referida escola tentam cotidianamente desenvolver um trabalho de inclusão, destacamos aqui três experiências, sendo duas na área de língua portuguesa e matemáticas com alunos que têm deficiências múltiplas e uma na área de matemática com alunos com deficiência intelectual leve. Na experiência com a Língua Portuguesa, há uma preocupação com o desenvolvimento da produção escrita de textos de diversos gêneros, bem como a interpretação dos mesmos, sempre levando em consideração as característi-cas próprias e peculiares do desenvolvimento cognitivo dos alunos com deficiên-cias múltiplas, porém na correção da produção dos textos destes alunos pode-se perceber que havia sempre uma tensão por parte do professor em definir até que ponto deveria corrigi-lo, quais os níveis de cobrança, bem como termos conecti-

Page 117: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

117As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

vos na frase, assim ficou claro que não há uma orientação clara para o professor quanto a como avaliar e que aspectos devem ser avaliados na produção textual, deixando uma lacuna na aprendizagem deste. Na área de Matemática destaca-se uma preocupação por utilizar mate-riais lúdico-manipulativos, recursos tecnológicos(software), percebe-se que, ao realizar exercícios complementares na sala de recurso, o aluno conseg-uem resolver situações problema a partir de um modelo, no entanto também percebemos a grande dificuldade do aluno por entender conectivos como "e", "ou","se","então",etc; também há grande dificuldade por interpretar problemas,só conseguindo resolvê-los a partir de exemplos alterando-se apenas os números. Ainda na área de Matemática destaca-se um trabalho desenvolvido com dois alunos com deficiência mental leve, indica-se aqui um empenho da sala de recurso em promover atividades que façam uma relação entre a informação es-crita e a sua resolução com recursos lúdico-manipulativos, no acaso destes na avaliação só desenvolvem se for explicitado o que fazer (comando com exem-plo),mesmo assim não conseguem desenvolver todas as atividades,têm grande dificuldade de interpretação, destaca-se aqui que o problema não são os conec-tivos, mas a própria interpretação da informação em si. Percebem-se grandes conflitos quanto a como avaliare o que avaliar, fatos que poderiam ser atenuados se houvesse uma orientação mais precisa do desenvolvimento cognitivo idade - série a que estes alunos pertencem.

Considerações finais

O trabalho com alunos com necessidades especiais busca compreender as limitações e as potencialidades destes alunos, diante dos questionamentos e das abordagens apresentadas neste artigo, percebe-se que a educação inclu-siva já é uma realidade em poucas escolas, muito ainda falta para atingirmos a excelência quanto há uma abordagem inclusiva. Alguns educadores ainda sentem dificuldade em desmistificar o conceito de aluno com necessidade especial, com isso, acabam por adotarem práticas segregadoras frente a estes. Pensam que eles não poderão desenvolver outras competências, de acordo com as suas limitações. Vários são os desafios dos professores que atuam com alunos com ne-cessidades especiais nas salas do ensino regular não só no estado de Rondônia, mas em todo país, faltam professores verdadeiramente capacitados para atender com qualidade, cuidadores, gestores preparados, políticas que valorizem estes

Page 118: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

118As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

profissionais, recursos para formação de novos profissionais na área, projetos de inserção no mercado de trabalho, apoio às famílias, trabalho com equipe mul-tidisciplinar, entre outros, são necessidades que se colocam como desafios e ao mesmo tempo como parte fundamental que deve ser considerada quando se fala em gestão e políticas para inclusão desta clientela. As ações desenvolvidas que tem contribuído para a inclusão dos alunos com necessidades especiais são capacitações aos profissionais da educação tanto para professores como para cuidadores, intérpretes e professoras das salas de recurso porém não foi verificado nenhuma ação voltada para a melhoria do currículo, elaboração de material específico, avaliação destes alunos e asses-soria e/ou acompanhamento nas escolas dos trabalhos desenvolvidos com este alunado específico. Por meio dos dados coletados foi possível confirmar que a gestão da educação inclusiva apresenta vários desafios, sem dúvida um dos maiores é a formação de profissionais habilitados para atuarem junto a esses alunos com ne-cessidades especiais e um outro desafio ainda maior é o que diz Sander (2009) quando afirma que na prática da gestão deve existir uma relação dialógica onde os critérios administrativos, eficiência econômica e pedagógica, efetividade política caminhem em consonância à luz da ética e da igualdade na educação e na sociedade. Para tanto, é necessário que professores, gestores e comunidade escolar estejam engajados no processo de adaptação e acolhimento dos alunos com necessidades especiais, buscam renovar as práticas pedagógicas excludentes e ultrapassadas pois, o professor que apresenta uma abordagem inclusiva busca coordenar situações didáticas adequadas às diferentes necessidades do aluno, de maneira concreta e de forma habitual, já que os alunos só conseguirão in-ternalizar esses conhecimentos se forem construídos a partir do concreto e de forma prática, envolvendo diversos meios e recursos para se atingir determinado objetivo. Durante o processo de investigação percebeu-se a necessidade da for-mação dos professores para atender os alunos com necessidades especiais, essa formação permiti que os professores conheçam as leis que regulamentam a educação inclusiva, os tipos de necessidades especiais e quais as atividades eles poderão desenvolver com estes alunos. Esta formação vai permitir que os professores reavaliem suas práticas, re-organizem as ações a serem desenvolvidas com os alunos e busquem registrar suas práticas, através do portfólio das atividades dos alunos com necessidades

Page 119: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

119As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

especiais. As reflexões feitas no decorrer do artigo nos permitem perceber que serão inúmeras as dificuldades apresentadas nas práticas inclusivas no ambi-ente escolar, mas é preciso que haja um novo repensar a educação inclusiva, buscando capacitar professores e envolver a comunidade no processo de in-clusão dos alunos com necessidades especiais.

Referências bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1993.BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 2008.BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: UNESCO,1994.BRASIL. Declaração Mundial de Educação para Todos: plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. UNESCO, Jomtiem/Tailândia,1990.CARVALHO, R. E. Removendo barreiras para aprendizagem: educação in-clusiva. São Paulo, 2008.FERNANDES, Sueli. Fundamentos para educação especial. Curitiba: Ibpex, 2006.FRANÇA, Magna; BEZERRA Maura Costa. Política educacional gestão e qualidade de ensino. ANAPAE, Brasília, 2009.FREITAS, Kátia Siqueira. Gestão escolar, qualidade do ensino e políticas públicas. In: FRANÇA, Magna; BEZERRA Maura Costa. Política Educacional Gestão e qualidade de ensino, ANAPAE, Brasília, 2009, p.67-81.GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. Ed. Atlas.São Paulo. 1991. GIROUX, Henry; SIMON, Roger. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In: MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA,Tomas Tadeu da (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995. p. 93-124.JUNKES, A. O. Formação de professores e condições de atuação em edu-cação especial. Florianópolis: Insular, 2006.KLEIN, R.R. & Hattge, M. D. (org.). Inclusão escolar: implicações para o cur-rículo. São Paulo: Paulinas, 2010.MENDES, E. G. M. Perspectivas para a construção da escola inclusiva no Brasil.

Page 120: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

120As práticas educativas dos professores na educação inclusiva - Karla Andrea Cândido Rêgo Soares - Larissa Gotti Pissinatti

In: MARINS, C.; PALHARES, M. S. (Orgs). Educação inclusiva. São Carlos: Edufscar, 2002, p. 61 - 85.PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2002.SANDER, Beno. Política, Gestão e qualidade do ensino. In FRANÇA, Magna; BEZERRA Maura Costa. Política Educacional Gestão e qualidade de ensino, ANAPAE, Brasília, 2009, p.83-97.TEIXEIRA, Anísio S. Valores proclamados e reais nas instituições escolares brasileiras. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v.36, n.84, out/dez. 1961.VIEIRA, Sofia Lerche. Desejos de Reforma: Legislação educacional no Bra-sil Império e República. Brasília: Liber Livro:2008.WARDE, Mirian Jorge (Org.). Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. São Paulo: PUC/SP, Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: história e filosofia da educação, 1998. p. 173-191.

Page 121: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

ATIVIDADE EXTRACLASSE: VOZES DOS DISCENTES-DO-CENTES DO CURSO DE FORMAÇÃO DO PARFOR/CAPES/

UFBA

Lina Maria Brandão de Aras1

Resumo

A realização de atividade extraclasse é importante metodologia de ensino para possibilitar a dinamização e aprendizagem dos conteúdos. Ao optar por esse tipo de atividade o/a docente possibilita a ampliação de novos olhares sobre um tema e com perspectiva diferenciada. Tal atividade foi realizada no conjunto de atividades realizadas no PARFOR/CAPES/UFBA na licenciatura em História e tomou temáticas que foram trabalhadas de forma a exercitar a própria es-colha da atividade, inclusão no projeto pedagógico do curso, os procedimentos necessários a sua execução até a sua avaliação e finalização da atividade. Foram apresentadas atividades que estabeleceram relação entre música e história, através da visita técnica a museu e exposições específicas, bem como uma re-visitação ao tema de Canudos e Guerra de Canudos, realizada com uma visita técnica ao Parque Estadual de Canudos, na Bahia. Utilizamos dos registros dos cadernos de campo como forma de analisar o desenvolvimento das atividades a partir dos registros e análises dos discentes-docentes e que passaram a fazer parte deste trabalho. Por fim, inferimos que a atividade extraclasse contribui para a formação cidadã e a aprendizagem dos conteúdos específicos da História.

Palavras Chave – Metodologia de ensino. História. PARFOR.

A atividade extraclasse chama a atenção no momento em que se verifica uma preocupação com as diferentes metodologias de ensino e com a crescente necessidade de dinamizar as atividades numa sociedade que se utiliza, cada vez mais, da tecnologia para sua comunicação e produção do conhecimento. A proposta de realização de atividade extraclasse e a reflexão sobre os resultados obtidos, indica o momento de transformar a experiência vivida em conhecimen-

1 Professora do Departamento e Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Univer-sidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected].

Page 122: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

122Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

to produzido coletivamente com os/as discentes-docentes do PARFOR/CAPES/UFBA2. Coletivamente porque foi a partir dos registros dos cadernos de campo produzidos por cada um/a dos envolvidos/as nas atividades que realizamos o estudo aquiapresentado. Os cadernos de campo foram elaborados durante três semestres, a partir dos registros e reflexões individuais das ocorrências de diversas naturezas, mas que possuíam relação com a prática docente cotidiana na rede pública de ensi-no ao qual estavam vinculados/as, bem como sobre as atividades realizadas no âmbito das disciplinas do PARFOR - História. Esse caderno de campo possui um diferencial: para cada fato registrado ou para cada registro foi elaborada uma análise específica. Ao final temos uma série de registros que nos estimulam à reflexão sobre as escolhas realizadas e a proposta pedagógica desenvolvida ao longo do curso. A escola, ao longo do tempo, passou de uma instituição fechada e com suas atividades concentradas intramuros, para, em tempos mais recentes, abrir a possibilidade de diálogo com o mundo exterior através da realização de ativi-dades de aprendizagem em outros espaços como instituições culturais, a exem-plo de museus.3 Conforme Lopes; Galvão:

[...] a educação nunca se restringiu a escola. Práticas educati-vas têm ocorrido, ao longo do tempo, fora dessa instituição e, às vezes, com maior força do que se considera, principalmente em determinados grupos sociais e em determinadas épocas. A cidade, o trabalho, o lazer, os movimentos sociais, a família, a igreja (etc) foram, e continuam sendo, poderosas forças nos pro-cessos de inserção de homens e mulheres em mundos culturais específicos (LOPES; GALVÃO, 2001: 24).

A ida dos discentes às atividades fora da instituição de ensino foi acom-panhada por uma série de questionamentos de cunho pedagógico como o próprio planejamento e execução das atividades, conjugado com questões como segu-rança e responsabilidade institucional pelos discentes sob sua responsabilidade. Como o próprio nome diz “extraclasse” porque não acontece na sala de aula, longe desse ambiente escolar. Entretanto, não podemos negar que a produção do conhecimento se dá também em outros espaços de aprendizagem, mesmo

2 http://www.licenciaturasespeciais.ufba.br/parfor.html, acesso em 22 de fevereiro de 2015.

3 ARAS, Lina Maria Brandão de; ANDRADE, Celeste Maria Pacheco; TEIXEIRA, Maria das Graças de Souza. História e Museologia: o ensino de História e os museus. In: NASCIMENTO, Jairo; OLIVEIRA, Josivaldo; GUERRA FILHO, Sergio. (Org.). Bahia: Ensaios de História Social e Ensino de História. Salvador: EDUNEB, 2014, v. 1, p. 263-290.

Page 123: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

123Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

que eles se constituam em desafio para os docentes quando se propõem a re-alizar uma ação fora do seu cotidiano. A inclusão da atividade extraclasse no planejamento pedagógico exige do docente e, posteriormente, do discente uma reflexão sobre espaços de apren-dizagem, tempo destinado a atividade, bem como os meios de aprender e de apreender a realidade social. A harmonia entre o contexto de realização da ativ-idade e o planejamento estimula o envolvimento dos grupos discente e docente e abre novas perspectivas para a relação entre essas personagens, na medida em que viabiliza novos espaços de discussão e onde os saberes perdem um pouco da sua hierarquia, pois todos têm algo a acrescentar a partir das suas impressões e vivências4. No caso das instituições públicas esse tipo de atividade ganha outras conotações como a própria falta de recursos a serem alocados em atividades extraclasses. A disponibilidade de recursos financeiros para a realização desse tipo de atividade constitui-se em elemento desestimulador de apresentação de propostas dessa natureza. Entretanto,no caso em estudo, dois fatores con-tribuíram para a execução da proposta. O primeiro diz respeito ao fato do coor-denador do Curso5 ser um adepto das atividades extraclasse; segundo, a coor-denação geral apoiou a proposta6. Aquilo que poderia ser um ato administrativo se tornou proposta de curso, o que contribuiu para o sucesso de sua execução. Um desafio apresentado ao discente do ensino superior é a possibilidade de uma formação que inclua um diálogo mais amplo entre os discentes e a sua realidade. Isto motiva-os a conhecer novas e outras possibilidades de produção do conhecimento além daquele desenvolvido em sala de aula. O currículo en-contra-se eivado de uma intencionalidade e evidencia uma posição político-ped-agógica daqueles que o elaboraram. O currículo tem papel importante para uma formação mais aberta, especialmente na linha da interdisciplinaridade7. Desta forma, os diálogos se tornam mais efetivos e aquilo que já vem sendo realizado no ambiente de trabalho docente através dos projetos pode ser experiência tam-bém, no ambiente universitário.

4 Ver: PERRENOUD, P. Os ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o fracasso escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004.

5 Dilton Oliveira de Araújo é doutor em História e professor do Departamento e Programa de Pós-Graduação em História.

6 Denise Santana Janzen é mestre em Química e coordenadora geral do PARFOR-UFBA

7 PÁTARO, Ricardo F.; BOVO, Marcos C. A interdisciplinaridade como possibilidade de diálogo e trabalho coletivo no campo da pesquisa e da educação. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 4, n. 6, p. 45-63, jan./jul. 2012.

Page 124: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

124Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

A disciplina História, por si só, permite a realização de atividades acadêmi-cas extramuros e, em especial, em cidades com perfil de sítio histórico e cuja rede de instituições culturais oferece um leque diversificado e opções para atividades extraclasses. Entretanto, ainda há resistências à realização das atividades extra-classe da mesma forma que tudo que foge ao cotidiano escolar motiva críticas, mas a consolidação dessa estratégia para a aprendizagem encontra adeptos nas diversas áreas de conhecimento, com pessoas formadas para vencer os obstáculos acadêmicos e administrativos e levar a produção do conhecimento para outros espaços além dos muros escolares. Quando da realização do Programa das Licenciaturas Especiais – PROLE/UFBA e, mais recentemente, com o PARFOR, temos nos preocupado em lançar mão desse tipo de atividade, com objetivos que caminham em duas direções: a primeira diz respeito à própria formação do discente-docente, pois o mesmo, além da aprendizagem, motiva-o a pensar numa formação mais ampla e que possa estender essa motivação para a sua posterior formação e disseminar o hábito da visita a instituições culturais, inclusive entre seus familiares. A segunda, já na perspectiva da docência, visa motivar a inclusão da atividade extraclasse junto a seus grupos de discentes. Os dois sentidos con-tribuem para a formação da pessoa humana, com a valorização de sua cultura e a ampliação da sua cidadania na ocupação dos espaços públicos, pensados justamente para serem utilizados pela sociedade em geral. Nesse sentido é que vamos ao encontro da viabilização da teoria na práti-ca de ensino na medida em torna-se realidade e a formação complementar toma corpo. Entretanto, é importante destacar algumas diferenças entre a realização dessa atividade para os discentes do curso regular e para os discentes do cur-so de formação em serviço. Para os primeiros a atividade já está incluída no planejamento pedagógico semestral e os discentes participam da execução da atividade. No caso dos discentes-docentes participam desde a escolha do tema a ser aprofundado, constroem coletivamente o planejamento, realizando e organi-zando todos os itens da atividade, bem como sua execução, com participação na identificação e elaboração do material a ser utilizado durante a realização da atividadee, por fim, da avaliação, através da escolha do tipo de avaliação, de-mocratizando a relação entre os grupos envolvidos e enriquecendo a atividade com a experiência e formação de cada um deles. A diferença entre os dois grupos pode ser vencida na medida em que os discentes do curso de licenciatura se torne parte atuante nas propos-

Page 125: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

125Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

tas pedagógicas de cada disciplina, atuando na elaboração do planejamento semestral de cada uma delas. Para tanto é preciso mudar, também, a forma como o docente entende a sua relação com o conteúdo programático e o in-teresse discente na forma como esse conteúdo será trabalhado. No caso dos discentes-docentes o reconhecimento de uma experiência anterior o credencia a realizar o papel de partícipe na construção da atividade. É importante levar em consideração que esse outro perfil discente também possa contribuir nos limites da sua formação para a realização do mesmo processo de construção da ativi-dade. No caso da UFBA, a existência de museus universitários constitui-se em oportunidade para ocupação de espaços e desenvolvimento de estudos e pesqui-sas que foram ocupados, pouco a pouco, com as atividades discente-docentes do PARFOR, sendo escolhido cada um deles a depender dos conteúdos que seriam discutidos em sala de aula, por isso que muitos docentes já realizam atividades no interior dessas instituições, como forma de articular o ensino e a pesquisa no cotidiano acadêmico. É importante lembrar que a atividade extraclasse está incluída no plane-jamento pedagógico e que a mesma está vinculada a um conteúdo específico dentro desse planejamento. A opção pela utilização de estratégias diversifica-das foi uma atitude político-pedagógica, como forma de enfrentar a necessidade de ampliar o número de opções metodológicas e disseminar a ideia de que é necessária a formação de um professor–pesquisador e para tal é necessário exercitar as diversas e diferentes metodologias disponíveis, identificadas pelos discentes:

Assistimos filmes, fomos a museus, visitamos exposições, viaja-mos, assistimos palestras, fizemos oficinas, etc, todas as estraté-gias e abordagens metodológicas contribuíram para ampliarmos o conhecimento, aprofundarmos a relação com os colegas e vi-venciarmos experiências diversificadas (TRSSC, 2014.1).

Para ilustrar esse ponto tomamos como exemplo o uso da música como fonte e recurso didático na História. Como atividade extraclasse preparamos uma visita às seguintes exposições: Luiz Gonzaga8 e Gil 709. Nas duas exposições

8 A exposição “O imaginário do rei” homenageou o centenário de nascimento de Luiz Gonza-ga. Instalada no Palacete das Artes, em Salvador, no período 24 de abril a 10 de junho de 2013. Atividade realizada com os ingressos em 2009.

9 Exposição Gil70 em homenagem aos 70 anos de Gilberto Gil foi instalada no Palacete das Artes, em Salvador, no período de 27 de agosto a 27 de outubro de 2013. Atividade realizada com os ingressos em 2011.

Page 126: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

126Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

trabalhamos com o contexto de produção da música, as trajetórias individuais de seus autores e, mesmo, com as exposições em si. Sobre a exposição de Luiz Gonzaga a turma registrou:

A exposição foi muito rica em detalhes da vida de Luiz Gonzaga. Tiramos fotos e conhecemos a história de Rodin.A importância de uma aula no museu é que além de ser um local ilustrativo, é um local de grande valor educativo, pois lá é possível ter contato com obras de arte originais e valorizar “objetos históricos” como patrimônio cultural. (ISSAO, 2013.2)

Observamos a presença de uma escola de séries iniciais a qual trazia seus alunos. Imagino que deveriam ser alunos do 2º e 3º ano. Eram conduzi-dos pela professora, os mesmos pareciam alheios ao que lhe era apresentado. Fica evidente, neste caso, a necessidade de se trabalhar primeiro a temática e como culminância, por meio da visita ao museu, visualizar o tema trabalhado, possibilitando análise e síntese. (LBS, 2013.2) A exposição de Gilberto Gil também mereceu registro no caderno de cam-po,

O evento contou com uma verdadeira aula de tecnologia, onde os visitantes puderam ouvir suas músicas com detalhes sobre as mesmas, ano, tema e outros detalhes. Além disso, foi mon-tada uma linha do tempo com detalhes imagético de Gil e de seus musicais e shows. Muitas imagens de Gil desde sua ju-ventude até os dias atuais.Uma exposição desse porte traz sua importância não só para o entretenimento, mas também para a composição do conhecimento histórico da música, da história, da ditadura Civil Militar do Brasil, pois o artista em questão foi um dos que também sofreu com as atrocidades da repressão e da censura. (JAC, 2014.1)De todas as coisas vistas, a coisa mais interessante, na minha opinião, foi o painel com a trajetória de vida do cantor, desde quando era menino. O painel conta a história do artista com fo-tos e fatos e, ao mesmo tempo, a história do mundo, ou seja, o que acontecia de importante na trajetória do cantor e no mundo (JJC, 2014.1)

Para efetivar a atividade, além do planejamento pedagógico, buscamos os meios para a execução da atividade bem como a avaliação, esta última realizada ainda no espaço museal como forma de motivar as análises diante da proximi-dade com o cenário expositivo.

Aprendemos que o planejamento cogita possibilidades de mu-

Page 127: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

127Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

danças no nosso curso e na nossa prática também. O professor precisa fazer a seleção dos textos e trazer propostas que con-templem os alunos (CB, 2014.1).[...] nos preparamos durante quase dois meses para a realização da referida aula e para os ajustamentos financeiros e outros que, evidentemente, iam nos (sic) durante todo o processo pro-gramático (JAC, 2014.1).Mais uma vez Canudos esteve em pauta, planejamento é muito sério e todo o projeto tem que haver planejamento, então mais uma vez o Projeto Canudos esteve em pauta, definimos perío-do, horário de encontro e onde, valores, hospedagem. (RLC, 2014.1)

A aproximação do conteúdo histórico e sua referencia com a realidade encontrada e vivida, possibilita apreender mais das pessoas que vivenciaram aquele processo histórico, bem como de que forma esse acontecimento inse-riu-se na sociedade regional e deu-lhe identidade como é o caso de Canudos, como veremos a seguir.

Canudos: olhares sobre o sertão

Respirando a história pessoalmente naquele lugar,É reviver momentos marcantes de um povo aguerrido a lutar

História de resistência e bravura de uma população consciente,Revolta brutal e injusta que destruiu muita gente

(TRSSC, 2014.1).

Dentre os temas mais complexos e que motivou longas discussões no curso de História está Canudos e a Guerra de Canudos ocorrida no sertão da Bahia entre 1896/1897. Essa temática, tratada já no final do curso é emblemáti-ca para as discussões de questões polêmicas de História e Historiografia bem como as formas que o patrimônio material e imaterial pode ser utilizado para a aprendizagem. O Parque Estadual de Canudos10 oferece as condições materiais necessárias ao deslocamento de grupos de estudantes, com uma recepção, sinalização, projeto expositivo e infraestrutura necessária para a realização

10 Pelos decretos nº 33.193, de 27 de maio e decreto nº 33.333, de 30 de junho de 1986 foram criadas as condições legais para a criação do Parque Estadual de Canudos, com a cessão de terras devolutas para criação do Parque e a entrega da gestão à Universidade do Estado da Bahia.

Page 128: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

128Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

de visitas. O cenário natural contribui para a construção de representações de sertão registrada na experiência discente a seguir apresentada.

O que mais me impressionou nessa experiência, foi a vege-tação, o chão rachado de tão seco, nunca visto anteriormente e a perseverança de um povo que resistiu até o fim ao maior mas-sacre contra a população civil já vista no Brasil. O pior é saber que até hoje cidadãos sertanejos enfrentam outra batalha con-tra a seca, contra a pobreza fruto do descaso dos governantes que não olham com responsabilidade a situação das pessoas daquele lugar (TRSSC, 2014,2).

A cidade de Canudos, apesar de pequeno porte, possui uma rede de hotéis que comportam esses estudantes. A cidade já está acostumada a rece-ber interessados na temática, além de possuir um calendário religioso e festivo convidativo a novos visitantes, com atrações locais que servem de referência para o tema a exemplo da coleção arqueológica organizada a partir dos achados no lago do Cocorobó, expostas no Memorial Antonio Conselheiro (UNEB). “O açude de Cocorobó, construído em 1969, represa as águas do rio Vaza Barris e representa um oásis na terra seca e árida da maior parte da região” (ACSS, 2014.1) No Memorial Antonio Conselheiro as fotografias ganharam destaque nos registros discentes:

Adentramos no mundo da fotografia com os murais dos sobrevi-ventes de Canudos no Memorial da cidade. Essas lindas fotogra-fias e o próprio cenário da cidade elevou o nosso conhecimento tornando-se mediadores culturais na construção do nosso con-hecimento histórico (RC, 2013.2).

Diante desse contexto local acreditamos que a atividade comporta dois dias na cidade e visitas direcionadas à discussão da temática proposta, o que foi efetivado no projeto de atividade extraclasse. A ida ao cenário da Guerra despertou certa empatia entre os discentes e o tema, possibilitando outros olhares sobre a História e a Historiografia. “Visitar Canudos foi uma oportunidade de desmistificar uma história contada pela elite, a Guerra de Canudos foi um acontecimento gerado pela insatisfação social e um povo, calado pela penalidade máxima, a morte legitimada por um Estado autoritário e elitista” (RLC, 2014.1). A experiência constituiu-se e se constitui em um marco na formação dos discentes, visto que as suas percepções se tornaram mais aguçadas quando realizamos esse tipo de atividade. O impacto da paisagem ficou registrada:

Page 129: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

129Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

Ao chegarmos ao Parque, quanta História se apresentava diante de nós. Eu comecei a trazer na visão as imagens de fatos e cenas que iam sendo relatadas pelo nosso guia-poeta. (NCCM, 2014.1)Fui cheia de expectativas imaginando como seria fácil colocar naquele espaço a história que eu havia construído como conse-quência dos estudos realizados anteriormente.(...)A partir desse momento compreendi que era preciso deixar de lado aquela história que já estava totalmente construída e consumada na minha memória (USCM, 2014.1).Foi uma experiência fantástica, principalmente quando fomos até o “Parque Estadual de Canudos”, parecia que estávamos dentro da historia, do sertão de Canudos (...).(...) ao olhar a cidade submersa, seus vestígios permitiram nos reportarmos a organização em sociedade, assim como o massa-cre vivido por aquele povo. (LBS, 2013.2)

A cada passo que dávamos no Parque vivenciávamos a luta pela sobre-vivência daquele povo, principalmente quando a poesia na linguagem oral de José Américo Amorim, o poeta, ecoava naquele lugar. O poeta foi convidado como guia para acompanhar o grupo pelo Parque. A aproximação física do sertão com os discentes provocou algumas situações que ilustram bem as representações11 dos sertões e dos sertanejos na mentalidade dos envolvidos na atividade. Um fato merece ser relatado. Coinci-dentemente nas duas idas a Canudos os sertões vivenciavam uma das maiores secas dos últimos tempos e a mídia, cotidianamente, registrava as condições em que os sertanejos estavam vivendo, com as imagens causadas pela falta de chuva. O tema da seca havia sido discutido nas aulas anteriores à viagem a partir da obra “Os sertões” de Euclides da Cunha e sua relação com o imaginário construído sobre o arraial do Belo Monte. No dia do embarque, quando nos reunimos no portal de Ondina/UFBA, verificamos a grande quantidade de gar-rafões de água que os discentes-docentes estavam levando. Parecia mais uma expedição pelo sertão euclidiano no século XIX. Com esse fato ficava patente que a versão euclidiana ainda se encontrava no imaginário daqueles/as que se dirigem aos sertões de Canudos. Os diversos sentidos são direcionados a vivenciar a história e eles se tornam protagonistas nas duas pontas da meada. Na primeira, na condição do-cente, pois trabalham como planejador, executor e avaliador; na segunda, na condição discente, foco privilegiado da aprendizagem. Essa condição é tão en-volvente que a atividade toma uma nova e, talvez, maior dimensão ao possibili-

11 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, vol.5 n.11, São Paulo, jan./abr. 1991.

Page 130: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

130Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

tar, dentro de uma mesma ação, o desenvolvimento de habilidades e produção de conhecimento diferenciado em relação a outros tipos de atividades também realizadas por nós durante a realização do curso. Na última turma do PARFOR a atividade de visita a Canudos e ao Parque Estadual de Canudos contou como atividade em quatro disciplinas que dialoga-vam com o tema. São elas: História do Brasil III, História da Bahia III, Didática e Práxis Pedagógica de História e Estágio II. A interface de Canudos nas referi-das disciplinas foi fundamental para dar sustentação às discussões propostas e, mais, ampliou o escopo da proposta ao possibilitar o uso do patrimônio enquanto objeto da pesquisa histórica. Mesmo sendo Canudos um dos temas mais desenvolvidos na História do Brasil, ainda assim, estimulou a formulação de questões que foram discutidas pelo grupo, especialmente a possibilidade de construir um conhecimento, rever a história já consolidada na Historiografia e apresenta a possibilidade de recontar essa história a partir do seu conhecimento e vivência construídos a partir do seu próprio olhar.

Considerações Finais

As atividades extraclasse têm ocorrido com mais frequência nos úl-timos anos, o que demonstra uma preocupação em ampliar os espaços de aprendizagem nas redes de ensino. É patente a aceitação pelos discentes e discentes-docentes em participar da realização desse tipo de atividade. No caso do curso de História onde há uma preocupação implícita em formar professores-pesquisadores, essa atividade ganha outro significado para além de representar uma estratégia metodológica de aprendizagem, pois ao realizar esse tipo de atividade há uma indicação de acervos e fontes que podem vir a ser trabalhados posteriormente no desenvolvimento de projeto de pesquisa. O uso do caderno de campo possibilitou a realização de reflexões cotidianas sobre o Curso e as atividades desenvolvidas, bem como serviu de documento para posteriores avaliações das atividades realizadas durante o cur-so, algumas delas apresentadas nesse artigo. Além disso, como já foi registrado, estimular a ida a instituições culturais de diversa natureza, bem como conhecer sítios históricos estimula a pessoa a ampliar seu universo social e a buscar sua inserção no espaço público a ela des-tinado no exercício pleno de sua cidadania.

Page 131: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

131Atividade extraclasse: vozes dos discentes-docentes do curso de formação do PARFOR/CAPES/UFBA - Lina Maria Brandão de Aras

Referências

ARAS, Lina Maria Brandão de; ANDRADE, Celeste Maria Pacheco de; TEIXEI-RA, Maria das Graças de Souza. História e Museologia: o ensino de História e os museus. In: NASCIMENTO, Jairo; OLIVEIRA, Josivaldo; GUERRA FILHO, Sergio. (Org.). Bahia: Ensaios de História Social e Ensino de História. Salva-dor: EDUNEB, 2014, v. 1, p. 263-290.BUENO, A. de P. La construcción del conocimiento científico y los conteni-dos de ciencias. In: ALEIXANDRE, M. P. J. (Coord.) Enseñar Ciencias. Barce-lona: Graó, 2003, p.33-54, 2003.CANDAU, Vera Maria (org.) Didática, currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.CARBONELL, J. A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto Alegre: Artmed, 2002.CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, vol.5 n.11, São Paulo, jan./abr. 1991.GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 2002. LOPES, Eliane Marta Teixeira & GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.PÁTARO, Ricardo F.; BOVO, Marcos C. A interdisciplinaridade como possibi-lidade de diálogo e trabalho coletivo no campo da pesquisa e da educação. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 4, n. 6, p. 45-63, jan./jul. 2012.PERRENOUD, P. Os ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o fracasso escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004.RANGEL, M. Métodos de Ensino para a Aprendizagem e a Dinamização das Aulas. Campinas: Papirus, 2005.

Page 132: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

DIVERSOS OLHARES SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DOS PROFESSORES DO PARFOR DA UEM

Leonor Dias Paini 1

Sebastião Gazola 2

Ana Carolina Eugenio 3

Resumo

Este trabalho objetivou investigar e analisar a concepção sobre indisciplina escolar na perspectiva dos alunos-professores que estudam nos cursos do PARFOR/UEM (Pedagogia, Música, Letras, Formação Pedagógica, Física, Fi-losofia e Artes Visuais). Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter teóri-co-prático que se utilizou de investigação bibliográfica e aplicação de instrumentos de pesquisa. Em um primeiro momento enfatizou-se a importância de aceitação da indisciplina escolar como um problema escolar ou de escolarização. Bus-cou-se compreender as transformações históricas e sociais que, de certa forma, corroboraram para que se entenda como a indisciplina escolar é vista atualmente observando-se sua definição e formas de identificação. Em um segundo mo-mento, analisou-se os possíveis resultados buscando considerar a variedade de comportamentos de indisciplina adotados por um ou mais indivíduos em relação a outro no contexto escolar. Este estudo procurou entender e compreender as formas de manifestação de indisciplina utilizando procedimentos educativos visando a prevenção e mediação - intervenção possíveis no ambiente escolar.

Palavras-Chave: Indisciplina escolar. Violência Escolar. Problemas Escolares.

1 Coordenadora Geral do PARFOR na UEM. Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvi-mento Humano pela Universidade de São Paulo (USP). Docente na área de educação na Uni-versidade Estadual de Maringá (UEM). Atuante na área de Psicologia Escola, Psicopedagogia. E-maIL: [email protected]

2 Coordenador Local do PARFOR na UEM. Doutor em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Docente do Departamento de Estatística, com experiência nas áreas de Probabilidade e Estatística, com ênfase em: Regressão Linear Múltipla, Controle de Qualidade, Regressão Não-linear. E-mail: [email protected]

3 Pesquisadora Educacional no PARFOR. Especialista em Psicopedagogia, Pedagoga no Pro-jeto de extensão na UEM e aluna da Pós Graduação pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]

Page 133: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

133Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

Introdução

Esta pesquisa teve o intuito de realizar uma análise acerca dos problemas enfrentados pelos professores relacionados à indisciplina escolar. Participaram da pesquisa 147 professores, os quais lecionam em instituições públicas e privadas, sendo em sua maioria, instituições estaduais e municipais de ensino e em educação infantil de Maringá e região. Percebemos que na última década, a indisciplina pode ser considerada como um dos maiores indicadores do fracasso na socialização escolar. É um assunto relevante e preocupante que vem incentivando estudos, principalmente no que diz respeito ao âmbito escolar. O que antes era tratado como indisci-plina relacionados a alunos bagunceiros, agressivos e desinteressados, hoje, tornou-se um dos maiores problemas enfrentados pelas instituições de ensino, nos fazendo refletir sobre possíveis ações necessárias, a fim de combater mani-festações de atos violentos, cujas significações foram analisadas dentro do con-texto social e histórico em que ocorrem. Aquino (1998) questiona o fator que explicaria a indisciplina escolar como sendo: "o aluno de hoje em dia é menos respeitador do que o aluno de antes, e que, na verdade, a escola atual teria se tornado muito permissiva, em compara-ção ao rigor e à qualidade daquela educação de antigamente", porém, precisa se pensar no contexto sociopolítico da época. O autor afirma que antigamente as escolas eram militares ou religiosas e por serem elitistas não eram acessíveis a todas as camadas sociais. Hoje podemos observar que a abertura de novas vagas e os oito anos mínimos de ensino, ainda não foram suficientes para a democratização do ensino brasileiro, se analisarmos a qualidade e estrutura de ensino ofertado (AQUINO, 1998, p.183).

O conceito de indisciplina na educação

Conforme La Taille (2010), entende-se por indisciplina toda ação moral ex-ecutada pelo sujeito que se encontra em conflito com as leis construídas de ma-neira coletiva, independente se o autor possui consciência ou não de tal proces-so. Segundo o autor, a indisciplina está vinculada com a moralidade e sentimento de vergonha, valores estes que não são significados pelo indivíduo que comete atitudes inadequadas (LA TAILLE, 1996). A conduta não aceitável prejudica o rendimento e a aprendizagem, considerando que a escola é um espaço het-erogêneo e democrático. Acreditamos que a principal lacuna a ser discutida é o fato de que os profissionais da educação encontram-se despreparados para lidar

Page 134: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

134Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

com os problemas que permeiam a indisciplina escolar, evidenciando falhas nas ações executadas para amenizar a indisciplina em sala de aula. Garcia (2011) define indisciplina como sendo a desarmonia entre os “critérios e expectativas assumidos pela escola” ao que se refere em atitudes, relacionamentos e desen-volvimento cognitivo.

[...] para fins de desenvolvimento conceitual, a noção de indis-ciplina será considerada através de três de seus principais pla-nos de expressão na escola. De um lado, é possível situá-la no contexto das condutas dos alunos nas diversas atividades pedagógicas, seja dentro ou fora da sala de aula. Em comple-mento, deve-se considerar a indisciplina sob a dimensão dos processos de socialização e relacionamentos que os alunos exercem na escola, na relação com seus pares e com os profis-sionais da educação, no contexto do espaço escolar - com suas atividades pedagógicas, patrimônio, ambiente, etc. Finalmente, é preciso pensar a indisciplina no contexto do desenvolvimento cognitivo dos estudantes (GARCIA, 2011, p.102).

Seguindo essa análise, a relação de autoridade entre professor e aluno na sala de aula e os efeitos de violência no cenário escolar, podem ser destacados como fatores determinantes que ocasionam a indisciplina escolar, relacionada a ética e a moral, na qual o professor esta sendo o mediador de definições entre certo e errado. Neste sentido, vale ressaltar que a violência presente no cotidia-no escolar é um novo desafio para os que dela fazem parte. Faz-se necessário a busca por novas perspectivas, objetivando proporcionar aos jovens uma melhor visão de mundo, para que estes criem responsabilidade com o presente e senso crítico no futuro. Ao consideramos a escola como um reflexo da sociedade na qual estamos inseridos, a indisciplina no âmbito escolar faz parte de uma estrutura social em decorrência de fatores culturais, políticos e econômicos, não sendo, conforme Aquino (1996), “uma espécie de desprivilégio da escola pública”, assim como Leme (2009) que mostra que a desigualdade social é insuficiente como expli-cação para a violência escolar. Existe tanto na escola pública como na privada, diferenciando apenas em suas manifestações. Nas escolas privadas a violência se manifesta por meio de brincadeiras e apelidos, na maioria dos casos, enquan-to que na escola pública ela é mais explícita. (LEME, 2009, p.4). Conforme pesquisa realizada com os alunos do PARFOR da Universidade Estadual de Maringá, a causa mais apontada como responsável pelo aumento da violência e indisciplina escolar refere-se a problemas familiares (não acom-panhamento na vida escolar dos filhos) , aliada ao desinteresse nos estudos e a

Page 135: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

135Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

falta de estímulo. As sensações de impunidade, a inversão ou ausência de valores morais e éticos, desinteresse, más companhias, desrespeito, a falta de diálogo, drogas e a falta de perspectiva de futuro dos alunos que frequentam as instituições são consequências da falta de medidas eficazes para amenizar os casos de indis-ciplina que prejudicam e atrapalham o rendimento escolar dos alunos, tanto os que praticam quanto os que presenciam tais ações. Além disso, a escola está sobrecarregada de função, reflexo da falta de compromisso e comprometimento dos pais com a educação dos filhos, assim os pais esperam que a escola os eduque, forme valores, discipline e coloque limites aos jovens. A escola possui também uma função social, a qual não está apenas vin-culada a formação científica dos alunos. Esta função contempla a formação pes-soal, intelectual e moral do indivíduo, visando proporcionar aos jovens o en-volvimento em projetos de cooperação e de participação em atividades sociais, criando um espaço público em seu interior, que seja capaz de sinalizar para as crianças e jovens que a escola possui valores positivos, diretamente ligada a um ato político e construtivo.

O processo de ensino e aprendizagem e a relação entre professor e aluno

Segundo a pesquisa realizada no PARFOR, 67,3% das escolas relataram que a Gestão - Direção Escolar demonstra comprometimento com a abordagem do tema indisciplina, sendo que as atividades mais realizadas a fim de amenizar o problema, destinam-se a orientações educativas com os alunos, seguida de acompanhamento do aluno e repressão verbal (Figura 1).

Figura 1. Existência de comprometimento da Direção escolar com a indisciplina.

Page 136: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

136Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

Quando questionados sobre a representatividade da efetividade na resolução dos problemas apresentados, 87,1% dos participantes relataram que as medidas não surtem o efeito esperado (Figura 2).

Figura 2. As medidas adotadas pela Escola resolvem os problemas de indisciplina ocorridos em sala de aula.

Diante de tal estatística, indagou-se quais são as atividades que poderi-am ser realizadas, objetivando um resultado satisfatório na resolução dos prob-lemas relacionados à indisciplina. Segundo os participantes, a medida mais efi-caz para a resolução dos casos de indisciplina escolar foi o envolvimento de alunos em projetos e o acompanhamento individualizado do aluno que apresenta problemas de comportamento. Ao analisarmos o texto “A indisciplina e a escola atual” de Aquino (1998), é perceptível o fato de que novas e prazerosas práticas pedagógicas que sejam significativas para o aluno, podem ser eficazes no pro-cesso de ensino e aprendizagem e na relação entre professor e aluno. Dentre as observações, Aquino (1998) afirma que o professor não está preparado e não é da competência do educador exercer tarefas parentais (de pai ou mãe), sendo deste, o compromisso de transmitir “o conhecimento sistematizado, por meio da recriação de um campo lógico-conceitual particular”. O autor ainda estabelece quatro premissas pedagógicas fundamentais para a efetivação do trabalho do-cente, as quais acreditamos ser importantes para auxiliar o professor na dinâmi-ca com os alunos, sendo elas: 1º) o conhecimento como sendo o objetivo princi-pal da função do professor; 2º) a distinção entre o papel do aluno e do professor,

Page 137: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

137Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

sendo “dever do professor ensinar, assim como é direito do aluno aprender”; 3º) a sala de aula é o local onde a educação acontece, “portanto, mandar aluno para fora de sala (e, no limite, para fora da escola) é um tipo de prática abominável, que precisa ser abolida urgentemente das práticas escolares brasileiras”; e, 4º) a necessidade de existir regras de convivência explícitas dentro da sala de aula para todos os envolvidos (Figura 3).

Figura 3. A medida de “suspensão” adotada pela Escola resolve os problemas de indisciplina

em sala de aula.

Conforme Tuleski (2005), a desvalorização do conhecimento do aluno, ou seja, a sua capacidade de “correlacionarem os conteúdos aprendidos com a sua realidade social“ contribui para o problema de indisciplina em sala de aula. Em uma pesquisa realizada no ano de 2000, por uma Equipe de Estágio do 5º ano de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em uma escola pública durante trabalho realizado com as quintas séries, o interesse pelos con-teúdos apresentados aumentou quando tornou-se significativo para os alunos, pois eram instigados a criar, opinar e refletir com os colegas de classe, auxilia-dos pela mediação dos professores. Observou-se que “os alunos apresentavam um “discurso pronto” acerca da necessidade de estudar para “ser alguém no futuro”, percebendo-se a incapacidade de adquirir a construção desse conhe-cimento por meio de uma atividade prazerosa. Segundo relato da pesquisa, os professores “enfatizavam a importância de as crianças ouvirem as explicações sobre o conteúdo, quietas em suas cadeiras escolares, sem brincar ou conver-

Page 138: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

138Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

sar” (TULESKI, 2005, p.133). Essa situação mostra-se evidente na pesquisa do PARFOR quando os participantes são questionados quanto aos casos mais co-muns de indisciplina dentro da sala de aula. Entre exemplos como alunos que não cooperam com o professor, alunos distraídos, que trocam mensagens ou papeizinhos e alunos violentos, 68,7% dos entrevistados consideram que a for-ma mais frequente de indisciplina indica os alunos inquietos. Dessa maneira, sustenta-se a ideia de que alunos disciplinados são alunos quietos. Diante dos argumentos já discutidos, a indisciplina escolar é um grande de-safio aos educadores de nossa época, uma vez que, a falta de disciplina torna-se obstáculo no ensino e aprendizagem, na relação aluno e professor e no trabalho escolar. Aquino (1996) deixa explícita essa relação quando afirma que “Muitos têm medo de enfrentar a sala de aula, não apenas por temerem não ter êxito na tarefa de ensinar, mas sobretudo por não saberem se receberão tratamento digno por parte de seus alunos” (AQUINO, 1996, p.20). Quando encararmos a sala de aula como um “laboratório pedagógico”, conforme Aquino (1998), o pro-fessor possibilita a reflexão sobre novas práticas educativas, a fim de enriquecer o processo de ensino e aprendizagem. Como todo laboratório, precisamos nos permitir a experiência, e, assim, como toda experiência, estamos vulneráveis ao erro. Porém, quando o professor relaciona seu trabalho com “a competência e o prazer”, aumentam as chances de obter uma resposta semelhante do aluno. Outra ressalva importante refere-se ao aluno intitulado “inquieto”, mui-tas vezes conceituado como a figura polêmica do “aluno-problema”. Suas características são sempre relacionadas a alunos que supostamente demonstram distúrbios de natureza cognitiva e de natureza comportamental, apresentan-do, assim, um conjunto de atos indisciplinares na relação escolar (Tabela 1).

Page 139: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

139Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

Afirmar o conceito de “aluno-problema” apenas serve para justificar o fra-casso escolar e a má relação entre professor e alunos estabelecida em sala de aula. O “aluno-problema” não porta necessariamente um distúrbio psicológico ou pedagógico, mas, reflete os problemas em sala de aula, exercendo a função de porta-voz dos problemas educacionais. Um grande avanço no trabalho docen-te seria o abandono da imagem ideal de aluno, conceituado por Aquino (1998) como a “des-idealização do perfil de aluno”. Ao abandonar a imagem de como o aluno deveria se comportar, o professor buscaria soluções e novas metodolo-gias de trabalho com a turma real que se apresenta em uma sala de aula. Esta metodologia funcionaria como uma ferramenta para combater a indisciplina es-colar fazendo parte da regra ética do trabalho docente.

O papel da escola no enfrentamento da indisciplina

Para que tenhamos uma escola que atenda as exigências dessa socie-dade que se reforma existe a necessidade de melhorias no seu desempenho. Estas mudanças estão provocando revisão dos valores, tanto públicos como pessoais e culminam na diversificação de princípios que permeiam a questão da indisciplina escolar e seus diversos olhares. As instituições de ensino se deparam com discussões e debates que permeiam as metas que se deseja alcançar. Sendo assim, almeja-se uma for-mação para o profissional da área da educação, visando uma dinâmica signif-icativa para atuar em diferentes espaços educativos; articulando-se na difícil e complexa tarefa de construir uma identidade pedagógica inovadora e reflexiva, priorizando a capacidade de analisar, compreender e lidar com as mudanças sociais que, consequentemente, implicam no sistema educacional. Ao pensar na escola como uma instituição social que detém como uma de suas funções a democratização dos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade, podemos supor que o envolvimento dos alunos em projetos pode ser analisado como uma medida satisfatória, ao considerar a escola como um espaço de mediação entre sujeito e sociedade. Sendo assim, essa mediação nos possibilita a entender o conhecimento como um processo de emancipação humana e transformação social. Implica em encarar o papel político e pedagógi-co da escola com intencionalidade e coerência. A indisciplina escolar precisa ser analisada sob o ponto da organização coletiva da escola em função dos seus sujeitos. Isso implica em entender o papel do pedagogo como mediador da intencionalidade educativa da escola levando em consideração os diferentes segmentos que a compõem. Segundo Libâneo (2008),

Page 140: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

140Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

A escola é um lugar de compartilhamento de valores e de apren-der conhecimentos, desenvolver capacidades intelectuais, so-ciais, afetivas, éticas, estéticas. Mas é também um lugar de formação de competências para a participação na vida social, econômica e cultural (LIBÂNEO, 2008, p.142).

A organização do ensino e a organização do trabalho escolar consistem em uma formulação de objetivos sociopolíticos e educativos, viabilizando uma metodologia educacional. Sendo assim, o processo educativo inclui o conceito de direção que almeja a adequação estrutural para atingir com eficácia os objeti-vos da formação, partindo do pressuposto de que cada instituição escolar possui um perfil e identidade, e os trabalhos precisam estar adequados a estes para que a funcionalidade e eficácia do processo seja completa.

Conclusão

Os resultados apresentados nessa pesquisa indicam as concepções dos professores do PARFOR da Universidade Estadual de Maringá que atuam na Educação Infantil até o Ensino Fundamental. Conforme os estudos de Aquino (1996), Leme (2009) e dos dados estatísticos informados pelos participantes da pesquisa, ponderamos que a indisciplina escolar não é apenas uma deficiência apresentada pela escola pública e do fator da desigualdade social, mas, sim, um problema maior de esfera educacional e política. A leitura dos dados coletados na pesquisa permitiu compreender que o comportamento disciplinar dos alunos, seja positivo ou negativo, procede de situações extraescolares, de problemas familiares e também no âmbito pedagógico que leva o aluno ao desinteresse pelos estudos e pela falta de estímulo. Nesta perspectiva, a escola precisa ser entendida como parte integrante de uma sociedade que é orientada por suas políticas, culturas, economias que marcam um período histórico. Com o movimento da escola e com a democra-tização do ensino brasileiro, a comunidade escolar torna-se outra, a qual neces-sita ser pensada de maneira diferenciada devido às novas características que apresenta (AQUINO, 1998). A educação deve ser um processo de formação integral que concebe o aluno como ser que atua em sociedade de maneira digna e que possuem direitos e deveres onde convivem. Sobre este aspecto Saviani (1997) explica que o trabalho educativo gerencia o conhecimento da humanidade que é produz-ida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens e também os elementos

Page 141: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

141Diversos olhares sobre a indisciplina escolar na perspectiva dos professores do PARFOR da UEM - Leonor Dias Paini - Sebastião Gazola - Ana Carolina Eugenio

culturais que precisam ser assimilados para tornar-se humano. É de tamanha complexidade discorrer sobre educação moral, devido às atribuições de valores, razões, fatores psicológicos, regras de ordem ideológica e podem ser mal inter-pretadas conforme a metodologia empregada. Portanto, vimos que os profissionais da educação aqui representados pelos alunos-professores do PARFOR, compreenderam que os fatores indisci-plinares e as medidas adotadas para amenizar os problemas representam me-didas preventivas e de apoio ao educando. O segundo passo foi refletir sobre as práticas já aplicadas aos comportamentos indisciplinares como a realização de palestras; campanhas de sensibilização; orientações educativas com os alunos e formação continuada aos professores e adaptar novas medidas no trabalho docente para intervir de forma ativa e eficaz na ordem do trabalho educacional e na relação professor e aluno.

Referências

AQUINO, Júlio Groppa. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cad. CEDES, Dez 1998, vol.19, n.47, p.07-19. AQUINO, Júlio Groppa. Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práti-cas. São Paulo: Summus, 1996.AQUINO, Julio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Rev. Fac. Educ., Jul 1998, vol.24, no.2, p.181-204.GARCIA, Joe. Indisciplina na escola: uma reflexão sobre a dimensão pre-ventiva. Revista Paranaense de Desenvolvimento-RPD, n. 95, p.101-108, 2011.LA TAILLE, Yves de. Moral e Ética: uma leitura psicológica. Psicologia.: Teoria e Pesquisa., 2010, vol.26, n.esp., p.105-114LA TAILLE, Yves de. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina na Escola. São Paulo: Ed Summus. 1996. p.9 -23.LEME, Maria J. da Silva. A Gestão da violência escolar. v. 9, n. 28, Curitiba: Ver. Diálogo Educ., set/dez. 2009, p.541-555.LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5.ed. Revista e Ampliada. Goiânia: MF Livros, 2008.SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 6ª. ed . São Paulo, Autores Associados, 1997.TULESKI, Silvana C. et al. Voltando o olhar para o professor: a psicologia e a pedagogia caminhando juntas. Rev Dep Psicol, v. 17, n. 1, p.129-37, 2005.

Page 142: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

EDUCAÇÃO E TRABALHO NO CURSO DE PEDAGOGIA PARFOR: REVENDO O PAPEL DA ESCOLA BÁSICA

Crislaine Peixoto Almeida1 Eliane Cleide da Silva Czernisz2

Erika Souza Meyer de Lima3 Marleide Rodrigues da Silva Perrude4

Patrícia de Fátima Ferreira5

Resumo

Este texto apresenta reflexões desenvolvidas na disciplina Educação e Tra-balho no Curso de Pedagogia Parfor. Apresenta a análise do trabalho como pressuposto para refletir sobre o currículo da escola básica e o trabalho do pedagogo. Desenvolvido mediante estudo bibliográfico, tem como ponto de par-tida a análise do significado atual do trabalho na sociedade capitalista e propõe repensar o objetivo da formação do aluno na escola básica.Consideramos que, é urgente repensar os rumos que têm sido adotados pela política educacional, rever os currículos escolares, a fim de melhor planejar e organizar a educação, pensando no homem, cidadão e trabalhador que será formado. Defendemos, as-sim, o conteúdo trabalho como princípio educativo na formação de professores, porque estes formam pessoas que ocupam ou ocuparão postos de trabalhos e que, sobretudo, agem e, interferem no hoje e no amanhã de nossa sociedade. Pensar a história do trabalho é pensar a história da humanidade

Palavras-chave: Políticas Educacionais; Trabalho; Formação de Professores.

1 Aluna do Curso de Pedagogia Parfor - UEL. Professora da Educação Básica.

2 Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPEdu – UEL. E-mail: [email protected]

3 Aluna do Curso de Pedagogia Parfor - UEL. Professora da Educação Básica.

4 Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]

5 Aluna do Curso de Pedagogia Parfor - UEL. Professora da Educação Básica.

Page 143: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

143Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima -Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

Introdução

Fruto da pesquisa realizada na disciplina Educação e Trabalho no Curso de Pedagogia Parfor, este texto apresenta reflexões sobre a análise do trabalho como pressuposto para refletir sobre o currículo da escola básica e o trabalho do pedagogo. Desenvolvido mediante estudo bibliográfico, tem como ponto de par-tida a análise do significado atual do trabalho na sociedade capitalista e propõe repensar o objetivo da formação do aluno na escola básica. Afinal, que aluno pretendemos, como professores estudantes do Parfor, formar na escola básica? Quais as contribuições desta reflexão para a formação de pedagogos no Curso de Pedagogia do Parfor? Visando a responder a tais questionamentos,o texto traz, num primeiro momento, a apresentação da disciplina, seus objetivos e o foco da discussão teórica realizada. Num segundo momento, problematiza a formação do aluno da educação básica, considerando o contexto atual marcado pelo desenvolvimen-to científico e tecnológico, mas também pela exclusão social como resultado e expressão do sistema de acumulação capitalista. Finaliza com apontamentos sobre a contribuição das reflexões desenvolvidas pelos alunos professores do Curso de Pedagogia Parfor.

A disciplina Educação e Trabalho

No Curso de Pedagogia Parfor, a disciplina Educação e Trabalho tem como objetivo discutir o desenvolvimento histórico da relação trabalho e edu-cação. O ponto de partida é o estudo do conceito trabalho como ação humana que permite modificar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar o homem em ser social. Para Netto;Braz (2007, p. 43), “O desenvolvimento do ser social impli-ca o surgimento de uma racionalidade, de uma sensibilidade e de uma atividade que, sobre a base necessária do trabalho, criam objetivações próprias. No ser social desenvolvido, o trabalho é uma das suas objetivações [...]”. Este conceito é importante como norteador dos projetos e ações que serão realizados na escola por meio da política educacional.Isso porque, é do entendimento que o pedagogo e professores possuem do trabalho, que ocorrerá o direcionamento das ações pedagógicas. Se, como afirmou Saviani (1996), na Antiguidade, os homens aprendiam com e no trabalho, passando os conhecimentos pelas gerações, no capitalismo, para que os homens pudessem trabalhar, passaram a ter que aprender sobre o trabalho. O desenvolvimento de manufaturas, como comentado por Ferretti (1997), é o exemplo da fragmentação

Page 144: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

144Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima - Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

do trabalho em partes, cujo conhecimento passou a ser posse do capitalista. Percebe-se, assim, que o conhecimento sobre o processo do trabalho, que, na antiguidade, era comum ao homem, no capitalismo, torna-se propriedade do capitalista. Verifica-se, neste processo histórico,segundo Ferretti (1997), o desenvolvimento de classes sociais distintas: uma que vende sua mão de obra e outra que vive da exploração desta mão de obra.. É nesse momento que ocor-rem tanto a apropriação do conhecimento quantoo direcionamento da formação do trabalhador apenas para o que o capitalista pretende: formar um trabalhador que corresponda aos objetivos do desenvolvimento capitalista, o lucro. A educação, conforme análises de Lombardi (2012), passa a ser difer-enciada a partir dos objetivos dos proprietários dos bens de produção. Pode-se inferir, com base em Lombardi (2012, p. 108), que, na proposta de educação capitalista,o trabalho é entendido com o objetivo de “[...] obtenção do lucro, sen-do sua lógica a da acumulação desse lucro, o trabalho é tomado como uma mercadoria que é capaz de produzir um valor muito maior do que lhe é pago [...]”. O que se busca para formar o homem, cidadão e trabalhador, em outra perspec-tiva, é a contraposição a esta lógica, ou seja, o que se pretende como projeto socialistaé a “[...] união entre educação e trabalho na perspectiva de superação da exploração capitalista e, portanto, como um meio para formação desalienada revolucionária dos filhos da classe trabalhadora” (LOMBARDI, 2012, p. 108). Em que pesem as defesas que divergem da formação adaptada ao tra-balho capitalista, no encaminhamento das políticas educacionais brasileiras, principalmente no contexto em que é disseminado o neoliberalismo e são desen-volvidas novas formas de organização e gestão do trabalho baseadas em tec-nologia flexível, temos verificado o desenvolvimento de uma política educacional que prima pela formação do homem, cidadão e trabalhador autônomo, crítico e consciente. Esta definição de que a formação é necessária traz consigo, como discutiu Kuenzer (2005), concepções da pedagogia socialista que são atualmente ressignficadas no discurso capitalista. Conforme reflexões de Kuenzer (2005), se, no momento de organização taylorista e fordista do trabalho, a fragmentação era uma característica definidora, buscou-se, para superação deste aspecto, uma formação que possibilitasse novas características a este trabalhador.É o que se pode verificar na descrição de Kuenzer (2005, p. 80):

No âmbito da pedagogia toyotista, as capacidades mudam e são chamadas de ‘competências’. Ao invés de habilidades psicofísi-cas, fala-se em desenvolvimento de competências cognitivas complexas, mas sempre com o objetivo de atender às exigên-cias do processo de valorização do capital. Neste sentido, as

Page 145: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

145Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima -Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

ferramentas que buscam superar os obstáculos decorrentes da fragmentação do trabalho, em particular no que diz respeito a todas as formas de desperdício, tais como o multitarefa ou o controle de qualidade feito pelo trabalhador, não têm como obje-tivo reconstituir a unidade rompida, mas evitar todas as formas de perda e assim ampliar as possibilidades de valorização do capital.

Percebe-se pelo excerto a valorização de uma formação conformada ao desenvolvimento produtivo e que, como comentou Kuenzer (2005, p. 82), pro-move um “disciplinamento para a vida social e produtiva’. Verifica-se, também, o aprofundamento de processos de fragmentação e divisão do trabalho, que resultam na exclusão de trabalhadores estáveis do mercado de trabalho. Tra-ta-se, como foi denominado por Kuenzer, da exclusão includente, um processo que ocorre no momento em que se substitui um trabalhador, que tinha direitos trabalhistas formalmente assegurados, por um trabalhador com vínculo frágil e com condições de precárias de trabalho, como salário menor e jornada intensa. Kuenzer esclarece (2005, p. 92):

Da mesma forma, as cadeias produtivas se alimentam, na ponta precarizada, do trabalho quase escravo, do trabalho infantil, do trabalho domiciliar ou terceirizado, que têm se constituído em es-tratégias de superexploração do trabalho. É importante destacar que esta é a lógica das novas relações entre capital e trabalho em tempos de mundialização do capital e de reestruturação pro-dutiva, viabilizadas por Estados de tipo neoliberal. Não se trata, portanto, de mera disfunção com efeitos passageiros, mas da própria possibilidade de acumulação o capital, posto que a re-estruturação produtiva se alimenta e se dinamiza mais quanto mais produz o seu contrário: o trabalho precarizado.

Para superar os efeitos deste direcionamento, vem ocorrendo o processo, denominado por Kuenzer de “inclusão excludente”. Como exemplos, a autora comenta as estratégias de “minimizar os efeitos da precarização cultural decor-rente da precarização econômica” e destaca as políticas que objetivam ‘melhorar as estatísticas educacionais”, a ‘substituição da escolarização básica por cur-sos aligeirados de formação profissional’, os processos de ‘certificação vazia’ (KUENZER, 2005, p. 93). Tal alerta é importante para evitar que os educadores incorram no equívo-co de interpretar tais alternativas como uma pedagogia emancipadora. É justa-mente aqui neste trecho que estão a atualidade e o cerne da importância desta discussão para o Curso de Pedagogia Parfor, que se destina à formação de

Page 146: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

146Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima - Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

Pedagogos que já são professores na educação básica. O caráter inovador, neste caso, não se traduz numa inovação metodológica considerada como nova prática de ensino, mas na perspectiva de repensar o método que fundamenta o saber docente como eixo para analisar as políticas educacionais e o projeto pedagógico que será desenvolvido na escola.

Pedagogia Parfor:desafios para a formação do aluno professor

Considerando os objetivos da Política Nacional de Formação de Profis-sionais do Magistério da Educação Básica que sustentam as ações do Parfor, destacamos, no conjunto de princípios apresentados pelo Art. 2º,o inciso séti-mo que aponta para uma sólida base teórica e interdisciplinar do professor . De acordo como Decreto 6755 de 2009,

VII - a importância do projeto formativo nas instituições de en-sino superior que reflita a especificidade da formação docente, assegurando organicidade ao trabalho das diferentes unidades que concorrem para essa formação e garantindo sólida base teórica e interdisciplinar ( BRASIL, 2O09, p. 02)

Tal princípio sustenta o trabalho no curso de Pedagogia de maneira geral e, em especial, na disciplina de Educação e Trabalho, pois possibilita a sustentação das ações que proporcionem um conjunto de conteúdos que, além de garantir uma sólida formação teórica, permite o desenvolvimento da capaci-dade de refletir sobre a formação do futuro pedagogo e sua atuação na edu-cação pública básica O trabalho como categoria fundante da formaçãodo Pedagogo permite-lhe a construção de instrumentos que ampliam sua capacidade de refletir, fazer ar-ticulações, pensar criticamente de maneira autônoma, de compreender o con-texto politico e econômico em que está inserido eos processo de trabalho em suas diferentes dimensões e terminações, superando, desta forma,o pensamen-to imediatista e fragmentário. Possibilita, ainda, a construção de aportes teóri-co-metodológicos que lhe permitem resistir à sedução dos modelos educacionais pragmáticos que sustentam os discurso de “práticas reflexivas”, imediatistas, pautadas em modelos,receituários, destituídas de um pensamento crítico do fazer pedagógico. Baseiam-se, também, as referidas práticas em uma politica que insere o professor numa lógica de trabalho alienado, cujas orientações e interesses políticos visam apenas ao alcance dos indicadores avaliativos, pelos quais, o trabalho pedagógico, em sala de aula, encontra-se, frequentemente,

Page 147: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

147Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima -Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

desvinculado de práticas sociais mais amplas. No curso de Pedagogia do Parfor UEL, a formação do Pedagogo também encontra, nas Diretrizes do Curso, a base de sustentação para esta sólida for-mação, apontada como um dos princípios do Decreto 6755 2009. Segundo as diretrizes do curso de Primeira Licenciatura em Pedagogia, contemplado pela resolução CEPE/CA nº 112/2011, que estabelece o Projeto Pedagógico do referi-do curso, destacam-se seus objetivos:

a) Formar o Pedagogo numa perspectiva de totalidade do trabalho pedagógico para atuar em: Magistério para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental; Magistério para a Educação In-fantil; Gestão Pedagógica na Educação formal e não formal e Magistério das Matérias pedagógicas.II – específicosa) Inter-relacionar conhecimento, concepção de mundo, de ser humano e de organização social;b) Vivenciar a interdisciplinariedade resultante da elaboração coletiva dos princípios teóricos-metodológicos norteadores dos conteúdos e atividades do curso;c) Compreender Educação como prática social de caráter in-trinsecamente humano;d) Compreender a Educação Escolar como um processo in-tencional, formalmente sistematizado a partir das contribuições da Filosofia e das Ciências Humanas;e) Compreender as representações e atuações educativas construídas ao longo do tempo;f) Compreender a escola intimamente relacionada com seu entorno social, polo aglutinador, articulador, mantenedor e recriador de valores e práticas sociais características dos diver-sos grupos que a consitui;g) Reconhecer o movimento da cultura escolar existente nas esferas da organização administrativa, do racionalismo buro-crático, da informalidade e da diversidade;h) Compreender o currículo como processo através do qual os grupos sociais transmitem e reelaboram continuamente seus conhecimentos na prática de conservação e transformação da realidade;i) Conceituar o currículo escolar como processo de seleção dos conhecimentos historicamente construídos, de transfor-mação destes saberes em conteúdos escolares e de definição de metodologia e formas de avaliação;j) Analisar a configuração educacional da atualidade; ek) Entender a formação docente como processo de profis-sionalização baseado em conhecimentos filosóficos e científi-cos. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, 2011, p. 1-2)

Tendo em vista estes objetivos, o curso de Pedagogia busca contribuir para legitimar uma sólida formação dos professores, de tal forma que os mes-

Page 148: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

148Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima - Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

mos possam enfretar os desafios concretos de sua realidade. Sustentar esta formação no Curso de Pedagogia do Parfor não é uma tarefa facil, pois, con-siderando sua estrutura curricular,frequentar o curso é um desafio parao aluno professor, pois este precisaenfrentar a pesada jornada de trabalho semanal de 40 horas na escola básica,conciliando-a com a frequência no curso de peda-gogia Parfor oferecido nos finais de semana, feriados e/ou no período noturno. O que se observa é que, em vista disso, este aluno acaba tendo que lidar com aescassez de tempo para as leituras e elaboração de trabalhos, por exemplo. Entretanto, a presença destes professores no Parfor é, sem dúvida, rica oportunidade para a construção de uma ampla formação, que pode melhorar sua capacidade de análise, na medida em que lhe pemite cotididano, refletir sobre ele, questionando-o e revelando suas contradições relacionar os estudos realizados em sala de aula na Universidade com o seu trabalho. A compreensão da categoria trabalho possiblita a este aluno professor o entendimento de seu trabalho pedagógico no contexto da sociedade capitalista e suas grandes transformações e requer uma compreensão de sua condição de trabalhador Exige, ainda, que ele entenda que não pode e não deve ficar reduzido à mera expressão exterior ou a ser apenas um executor da ação práti-ca,muitas vezes requerida pelos órgãos governamentais em diferentes instân-cias. Ele precisa perceber, portanto, que deve posicionar-se como sujeito que age, pensa, reflete, controi e reconstroi. Assim, o espaço de formação torna-se rico para a práxis refletida. Corroborando tal reflexão, Netto;Braz (2007, p. 46) expõem:

A categoria de práxis permite apreender a riqueza do ser social desenvolvido: verifca-se, na e pela praxis, como, para além das suas objetivaçôes primárias , constituídas pelo trabalho, o ser social se projeta e se realizanas objetivações materiais e ideais da ciência , da filosofia, da arte, cosntruindo um mundo de pro-duto , obras, valores - um mundo social homano enfim, em que a espécie humana se converte inteiramente em genero huma-no. Na sua amplitude , a categoria de práxis revela o homem como ser criativo e autoprodutivo: ser da praxis , o homem é produto e criação da sua auto-atividade, ele é o que ( se) fez e (se) faz.( Grifos no original)

Desta forma, o trabalho desenvolvido na disciplina de Educação e Tra-balho torna-se, para os alunos, um espaço de compreensão, de reconhecimento de sua condição de ser social,de suas possibilidades que transcedem o universo do trabalho.

Page 149: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

149Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima -Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

Considerações finais

Segundo as discussões desenvolvidas,é urgente repensar os rumos que têm sido adotados pela política educacional, rever os currículos escolares, a fim de melhor planejar e organizar a educação,pensando no homem, cidadão e tra-balhador que será formado. Para que tais reflexões acerca da educação possam ser efetivamente desenvolvidas, cabe pensar na formação do professor que está na escola. Entende-se aqui que este seja personagem central na organização e encaminhamento deste processo educativo. É ele quem deve repensar seu fazer educativo com o intuito de conceber outra proposta e outro fazer pedagógico. Para tanto, é importante pensar a formação do professor com vistas a uma educação que considere a questão do trabalho, pois, sem estaimprescindível discussão sobre a história do sujeito e de como a sociedade se desenvolve, corre-se o risco de se formar docentes reprodutivistas do atual modelo econômi-co, os quais, certamente,irão naturalizar processos excludentes que levam a perpetuar a desigualdade social, perdendo-se a dimensão das possibilidades de reconstruir a educação, a escola e a formação do aluno.. Por isso concordamos com Kuenzer (2005, p. 93-94) quando diz:

E, em decorrência, que se aprofunde o diálogo com a pedagogia socialista para que se dirimam os equívocos de interpretação que têm levado muitos professores, pedagogos e pesquisadores a confundirem esta nova expressão da pedagogia capitalista com a pedagogia emancipatória. Esta vem sendo produzida ao longo da história nos espaços de contradições, mas que só ex-iste como possibilidade, a se objetivar em outro modo de pro-dução, em que se estabeleçam as condições de igualdade, uni-tariedade e justiça social.

Defendemos, assim, o conteúdo trabalho como princípio educativo na for-mação de professores, porque estes formam pessoas que ocupam ou ocuparão postos de trabalhos e que, sobretudo, agem e, interferem no hoje e no amanhã de nossa sociedade. Pensar a história do trabalho é pensar a história da humani-dade

Referências

BRASIL, Decreto 6.755 de 19 de janeiro de 2009. Institui a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério e regulamenta a ação da CAPES. Lex: Brasília, 2009.

Page 150: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

150Educação e trabalho no curso de pedagogia PARFOR: Revendo o papel da escola básica - Crislaine P. Almeida Eliane Cleide da S. Czernisz - Erika S. M. de Lima - Marleide R. da S. Perrude Patrícia de F. Ferreira.

FERRETTI, João Celso. Uma nova proposta de Orientação Profissional. São Paulo: Cortez, 1997. KUENZER, Acácia Z. Exclusão Includente e Inclusão Excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre edu-cação e trabalho. IN: LOMBARDI, J. C. SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José L. (Orgs.) Capitalismo, Trabalho e Educação. São Paulo: Cortez, 2005. p. 77-95.LOMBARDI, José C. Educação e Ensino em Marx e Engels. In: LUCENA, Car-los; SILVA JÚNIOR, João dos Reis (Orgs.). Trabalho e Educação no Século XXI: experiências internacionais. São Paulo: Xamã, 2012.SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETTI, Celso João; ZIBAS, Dagmar M. L.; MADEIRA, Felí-cia; FRANCO, Maria Laura P. B. (Orgs.) Novas Tecnologias, Trabalho e Edu-cação: um debate multidisciplinar. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. (p. 151-168).NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução críti-ca. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2007. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA.Resolução CEPE CA 112/2011. Disponível http://www.uel.br/prograd/docs_prograd/resolucoes/2011/resolu-cao_112_11.pdf. Acesso em 04 de outubro de 2015

Page 151: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE FILOSOFIA NO CURSO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA PROFESSORES DA

EDUCAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ

Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui1

Resumo

O trabalho observa a experiência de ensino de Filosofia no curso de “Formação Pedagógica para Professores da Educação Pública do Estado do Paraná”. O objetivo principal do trabalho é ressaltar a importância do ensino de Filosofia como eixo integrador entre as disciplinas do curso de formação de professores. Acreditamos que a importância do ensino de Filosofia como disciplina integra-dora de conhecimentos deve ser aprimorada tanto na reflexão acadêmica tanto como na práxis docente, porque ela não é uma proposta fechada, senão um constante desafio que deve ser sempre desenvolvido. A pergunta que norteia nosso estudo é vislumbrar como a filosofia pode harmonizar os conhecimentos na procura da formação de professores. Ante esta situação, a Filosofia como integradora de saberes pode colaborar no equilíbrio do indivíduo e da socieda-de. Com este estudo não pretendemos indicar uma nova prática metodológica, senão ressaltar a importância do ensino de Filosofia como uma prática reflexiva e crítica que ajude na formação de professores desde uma visão epistemológica, estética e ética. Pretendemos colaborar na formação de professores conscientes na sua prática científica, na sua contemplação e deleite estético, assim como na sua responsabilidade ética.

Palavras-chaves: Filosofia integradora; Formação humana; Formação ética e estética.

Introdução

Neste trabalho ressaltamos uma experiência do ensino de Filosofia no curso de “Formação Pedagógica para Professores da Educação Pública do Es-tado do Paraná”. A relevância do tema radica na proposta da reflexão filosófica

1 Doutor em Filosofia da Educação, mestre em Filosofia e formada em Filosofia. Professor Adjunto do Departamento de Educação da área de Filosofia do departamento de Educação e do Mestrado em Educa-ção da Universidade Estadual de Londrina – UEL. E-mail: [email protected].

Page 152: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

152Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

com caráter interdisciplinar e equilibrador, que nos permite buscar em nossas práticas educativas tanto os fatores de ordem epistemológicos, assim como os estéticos e os éticos. De tal maneira que, uma proposta interdisciplinar, a partir da estética, permitirá restaurar a harmonia entre os conhecimentos e observar que o papel da estética dentro do estabelecimento dos conhecimentos e para-digmas é importante:

[...] desde Euler e Lagrange no século XVIII ate Hamilton, Jacobi e Hertz no século XIX, muitos dos mais brilhantes físico-mate-máticos da Europa esforçaram-se repetidamente para reformu-lar a teoria mecânica sob uma forma equivalente, mas lógica e esteticamente mais satisfatória. (KUHN, 1998, p.53)

Assim como

As primeiras versões da maioria dos paradigmas são gros-seiras. Até que sua atração estética possa ser plenamente desenvolvida, a maior parte da comunidade cientifica já terá sido persuadida por outros meios. Não obstante, a importância das considerações estéticas pode algumas vezes ser decisiva. (KUHN, 1998, p.195)

A ligação existente entre estética e epistemologia, nos faz observar que a ciência e a estética são disciplinas fundamentais para a formação do que de-nominamos “gosto”, alicerce que permite a formação ética do indivíduo. Visto desta maneira, nossa proposta não pretende unicamente aprimorar e ampliar a visão do mundo dos pesquisadores, senão desenvolver uma prática docente preocupada com o científico, a sensibilidade estética e o compromisso ético. Consideramos como nosso principal referencial teórico as Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano (1791-1793) de Friedrich Schiller, apre-sentando algumas reflexões e comentários sob esta pesquisa bibliográfica. Procurando atingir nossos objetivos, dividimos o trabalho da seguinte ma-neira: primeiro, apresentamos a importância da experiência estética na formação humana, especificamente na formação docente e, em segundo lugar, tratamos a relação entre estética e ética para o equilíbrio na formação humana, o que será proposto como um desafio para a formação de professores.

Page 153: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

153Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

A Estética e a Educação

Friedrich Schiller, autor das Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano (1791-1793) ressalta a importância da educação estética para a formação do indivíduo. Este autor é de influência platônica e considera que a realidade está formada pelas condições materiais do artista (tinta, papel, sons, técnicas, idioma, exercícios, regras, etc.) e a forma que é o espírito do artista, a intenção e experiências. O artista tem estes dois meios com os quais ele expres-sa sua arte, sua mensagem. Schiller concebe a beleza como o ideal superior platônico, que é eterno e indivisível, que está num ponto de equilíbrio estático e “não se pode encontrar na realidade um efeito estético puro”, mas, esta beleza platônica tem um re-flexo na obra de arte, nela se plasma e consegue uma realidade concreta. Para este autor, a beleza ideal é o único referencial que guia ao artista, mas Schiller considera que a obra do artista a pesar de não ser “ideal”, senão material, ela é arte porque “a beleza no plano da experiência será pelo contrário, eternamente dupla, porque numa oscilação pode ser perturbado o equilíbrio de duas ma-neiras” (SCHILLER, 1993, p. 65). A experiência estética é única e criativa e faz confluir emoção e razão. Estes ambitos da experiência humana varia de acordo à cultura, época, indivíduo etc. Os dois princípios opostos que se equilibram na experiência estética são, de um lado, a forma que expressa o sentimento, o subjetivo, e se manifesta de maneira espontânea e, de outro, a matéria que representa o racional, o objetivo, que se manifesta através da técnica. A experiência estética é produto do processo dialético que supera os opostos: matéria e forma, razão e sentimentos, técnica e subjetividade. Ao equilibrar e superar estes opostos o produto é novo e único, é uma expressão estética. Ela surge de um equilíbrio proposto pelo senso estético, e consiste numa superação dos dois elementos que mobilizam o indivíduo: o sentimento e o entendimento. Levando em conta a proposta de Schiller, o desafio na disciplina de Filoso-fia do curso de formação de professores foi trazer uma reflexão sobre a experiên-cia estética, que deve estar ligada à aquisição de conhecimentos científicos. A beleza se alcança graças a um equilíbrio entre o sentimento e o entendimento, entre a liberdade criatividade e a razão reguladora. O exercício estético proposto nas aulas tinha como objetivo aproximar da construção dos conhecimentos o ideal de beleza. Nas reflexões propostas, o ideal de beleza estava próximo à cul-tura, às vivencias e à subjetividade dos participantes. De tal maneira chegamos

Page 154: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

154Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

a observar que cada um deve encontrar o ponto ideal de estética, o equilíbrio e, assim como a ciência pretende aproximar-se da verdade, assim a estética procu-ra a beleza e nesta busca todos colaboramos com todos, mas cada um tem sua própria experiência. E o desafio que a reflexão filosófica de Schiller foi posto em prática em cada aula de Filosofia, procurar a verdade sem rupturas entre razão e sentimento. Seguir a proposta de Schiller não é fácil, mas a tentativa é gratifi-cante, porque,

Através da disposição estética do ânimo abre-se assim, a ativi-dade própria da razão já no campo da sensibilidade, quebra-se o poder da sensação já dentro cede seus próprios limites, ven-do-se o homem físico enobrecido a tal ponto que o homem espiritual apenas necessita de desenvolver-se a partir dele, de acordo com as leis da liberdade. (1993, p.70, grifo nosso).

A estética graças ao auxílio da razão permite que o homem físico, aquele dominado pela experiência sensível, reflita enriquecendo suas sensações e sain-do dos limites que elas lhe colocam. Este homem consegue atingir o espiritual, integrando os sentimentos na sua experiência, mas, sem deixar-se dominar por eles, encontrando um equilíbrio (COLI, 1988). A experiência estética praticada em sala de aula fez observar beleza ao ler um artigo, ao apresentar uma reflexão, ao construir uma resposta. E assim, fomos quebrando mitos como acreditar que a experiência estética é privilégio unicamente do artista criador. Experimentar o equilíbrio é parte da experiência estética e pode e deve ser atingida por todos. A educação deve orientar nossa experiência para poder equilibrar os impulsos, tanto o formal e como o sensível, de tal maneira que,

Quando domina o impulso formal, reina o princípio universal da espécie, impõem-se os juízos universais da ciência, as normas universais da humanidade. Já onde domina o impulso sensível (material), reina a inclinação subjetiva e variável, o sentimento particular e passageiro (SCHILLER, 1963, p.22).

Nenhum dos dois impulsos deve ultrapassar os limites, pelo contrário, o ideal é manter os dois equilibrados para convertê-los em um terceiro impulso, o lúdico. A Estética estabelece o elo entre a razão e a sensibilidade, de tal maneira que: “a beleza deve libertar o homem de dois erros e desvios – da brutalidade física do selvagem e da decadência requintada do bárbaro culto” (SCHILLER,

Page 155: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

155Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

1963, p.22). Daí, a importância da educação estética para a formação de in-divíduos equilibrados. O espectador não deve ficar num plano de observador superficial, tem que valorizar a técnica e a sensibilidade do artista. Numa experiência estética estas características não se separam. Porque do contrário acontece que

Escritores que tem mais espírito do que entendimento, e mais gosto do que ciência, tornam-se culpados deste engano com de-masiada freqüência, e leitores mais habituados a sentir do que a pensar mostram-se demasiado prontos a perdoar-lhes. Em geral, é problemático dar ao gosto a sua formação plena antes de ser exercitado o entendimento, enquanto faculdade pura de pensar, e de se ter enriquecido a mente com conceitos. (SCHIL-LER, 1993, p. 115-116).

Seguindo a Schiller, o denominado de “espírito de superficialidade e frivolidade” devia ser deixado, de tal maneira que a tentativa era o equilíbrio pes-soal, porque “matéria sem forma é deserto [...]. Forma sem matéria, em contra-partida, é apenas a sombra de uma posse” (SCHILLER, 1993, p.116). O belo já produz o seu efeito na mera contemplação, o verdadeiro requer estudo e ambos devem estar juntos.

A Relação entre a Estética e a Ética

Na educação estética de Schiller, a ética e a estética convergem porque a estética mantém o equilíbrio do indivíduo de tal maneira que, graças ao domínio “racional” das pulsões, além de aspirar a um estado estético o ser humano pode chegar ao estado político, que é a garantia da autonomia (SCHILLER, 1993). Este filósofo pretende ligar os três estados, o da razão, o da estética e o da ética. A formação integradora permite o maior desenvolvimento das capaci-dades intelectuais, de tal maneira que fique protegida a dignidade do indivíduo. E através desta preocupação tanto a família, como a sociedade e o Estado pos-sam cumprir seu dever constitucional.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-dade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988)

Page 156: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

156Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

Em nossa proposta de ensino de Filosofia que integre estética, ciência e ética, a Filosofia cumpre uma tarefa interdisciplinar. O homem de gosto estético educado “submete à razão o seu impulso de prazer e consente em deixar de-terminar os objetos de seus apetites pelo espírito pensante” (SCHILLER, 1993, p.118). Esta sublimação dos instintos ajuda a lapidar o homem, a equilibrá-lo, mas esta formação do humano não se realiza imediatamente, é um processo contínuo, porque

Quanto mais vezes se renova portanto o caso em que o juízo moral e estético, o sentimento ético e o sentimento de beleza convergem no mesmo objeto e se encontram na mesma sen-tença, tanto mais se vê a razão inclinada a tomar por seu um impulso tão espiritualizado e a ceder-lhe enfim o leme da vonta-de com plenos e ilimitados poderes. (SCHILLER, 1993, p.119).

A estética tem a função que poderíamos chamar de formação complexa, que nos ajuda a desejar uma formação integral. Seu domínio é do racional e do emotivo: domínio sem fronteiras nítidas, domínio fecundo, pois a experiência estética nos transforma, estimula os sentimentos e exige da razão, podendo condicionar a moral dos indivíduos (COLI, 1988).

A moralidade pode ser favorecida de duas maneiras, e impedida igualmente de duas maneiras. Ou se deve reforçar o partido da razão e a força da boa vontade, de forma a que nenhuma ten-tação a possa superar, ou se deve quebrar o poder da tentação, para que mesmo a razão mais fraca e a boa vontade mais débil lhe sejam superiores. (SCHILLER, 1993, p.126).

Acreditamos que apesar de sermos indivíduos morais, nossa moral viu-se debilitada nesta sociedade como consequência do individualismo que as formas de produção, da divisão do trabalho produziram. Por esta razão, é necessário reeducarmos, para recuperar essa ligação com a sociedade e a nossa responsabilidade social (RÖHR, 2007). Para fortalecer a moral podemos, de um lado, melhorar as regras e a benevolência ou, de outro lado, afastar toda tentação ou oportunidade de obrar mal. Neste sentido, afastar ao homem de toda tentação não é uma solução para que ele não erre, porque além de ser impossível na prática, esta solução aten-ta contra a liberdade. Mas, a maneira mais adequada de fortalecer a moral é através da educação (ARISTÓTELES, 1997). Cabe agora perguntar, que tipo de educação deve-se prestar para conseguir uma conduta moral. Porque como diz Perissé,

Page 157: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

157Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

Esteticamente falando, o ser humano precisa esculpir-se, pro-duzindo uma harmonia entre o que é, entre o que está chamado a ser, e o real dentro do qual se encontra imerso [...]. Estou pen-sando na vida como um jogo criativo, na vida como uma tare-fa artística, como um exercício artístico, jogo, tarefa e exercício que se concretiza muitas vezes na luta por adquirir virtudes, sim, mas não com a rigidez de um falso ascetismo, ou pela obe-diência infracriadora de normas externas, obediência cujas mo-tivações nem sempre são as mais racionais e pode, até mesmo se apoiar no calculismo, na covardia ou mesmo em interesses inconfessáveis (2004, p.175).

Seres humanos são criadores de valores como a verdade, a beleza, a justiça e, acreditamos que os valores éticos e estéticos estão vinculados, pois são vertentes da mesma realidade. A procura do equilíbrio pode tornar-se numa procura estética assim como ética. Partindo dos pressupostos de Schiller, acreditamos que a educação moral tem que partir de uma educação estética. Porque a estética tem a capacidade de levar à ética, podendo, através da procura pela beleza, atingir a procura pelo bem. Schiller explica isto quando comenta que, o artista, em um primeiro mo-mento, pinta para ele, como uma necessidade de exteriorizar a beleza que ele sente, em um segundo momento, pinta para os outros como uma necessidade de comunicar aos demais a sua expressão de beleza. O ser humano se realiza nos outros, em sociedade, ele precisa da aceitação, de tal maneira que, o artista fica na expectativa de ver a reação que sua arte produz (RÖHR, 2007). Estas reflexões levaram a ter como pressuposto que, na sala de aula de Filosofia, ninguém estudava só para si, senão que cada um estuda para o próximo, seja o colega de sala, seja o professor, seja o filho, o irmão ou o aluno. Na aprendizagem de Filosofia o primeiro desafio é encontrar beleza, tentando vencer as dificuldades próprias da nova linguagem, do novo conhecimento, e o segundo passo, é observar que, com esse conhecimento novo, podemos fazer que outros encontrem beleza e conhecimento. O desafio da formação de profes-sores é chegar a ver o professor como o elo entre o conhecimento científico, a beleza e o compromisso ético. Schiller observa que o inimigo secular de toda a moralidade é o egoísmo e, se queremos combatê-lo, é necessário desenvolver um sentimento totalmente oposto, o amor. O amor do professor está ligado tanto à estética como a ética, isto porque,

Por entre todas as inclinações que derivam do sentimento da beleza e são propriedades da alma como o afeto nobilitado do

Page 158: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

158Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

amor, e nenhuma é mais fecunda em produzir mentalidades que correspondem à verdadeira dignidade do ser humano. (SCHIL-LER, 1993, p.120).

O professor é aquele capaz de valorizar o conhecimento e o sentimento do outro, e é um ser capaz não só de gostar da obra de arte, senão também de agra-decer por ela, permitindo que outros tenham acesso ao conhecimento e a beleza. O professor é uma pessoa que está acostumada a esforçar-se para desfrutar da beleza, porque aprendeu a ser metódico, pesquisador e bom leitor. Estas carac-terísticas o levam a ter mais facilidade em aceitar e esforçar-se por cumprir as re-gras de convívio, que lhe permitem desfrutar da vida social (DUARTE Jr., 2004). Schiller acredita que a educação estética é um elemento formador e integrador na sociedade. Esta educação pode ajudar na formação dos seres humanos apontando em direção de uma formação integral. Pensando nestes pressupostos, na sala de aula tentamos ver as dificuldades da filosofia como o prelúdio do gozo da compreensão do texto, de tal maneira que, a forma de agra-decer pelo gozo do conhecimento deve ser colaborar para que outros possam ter esse gozo estético que a cultura brinda. Como Schiller, acreditamos de maneira positiva na natureza humana. Neste sentido, o ser humano por natureza procura o bem, de tal maneira que,

Em honra da natureza humana, é possível supor que ninguém pode cair num nível tão baixo a ponto de preferir o mal apenas porque é mau; mas sim que cada indivíduo, sem distinção, es-colheria o bem porque se trata do bem, se casualmente não excluísse o que é agradável ou não comportasse o que é desa-gradável. (SCHILLER, 1993, p.126).

Se o ser humano naturalmente procura a bondade, isto significa que é um ser moral por natureza, mas, então, cabe perguntarmos como surgem os vícios. A esta questão Schiller responde

Toda a imoralidade real parece portanto brotar da colisão do bem com o agradável ou, o que conduz ao mesmo, dos apetites com a razão, e ter como fonte por um lado à potência dos impulsos sensíveis, por outro lado à fraqueza da faculdade da vontade moral. (1993, p.126).

A nossa moralidade é maior, ou mais evidente, quando obedecemos dire-tamente a razão, porque a moralidade implica seguir conscientemente as regras. Mas, o cumprimento às regras cessa se existir um forte estímulo em direção con-trária, que enfraquece a vontade, neste caso, surge a escolha do mal na procura

Page 159: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

159Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

do prazer. Apesar que, o indivíduo sabe pela razão as regras morais, ele as quebra e escolhe o mal, não pelo mal mesmo, senão porque este está unido ao prazer. Neste caso, o indivíduo está deixando que o dominem seus sentidos e apetites. Seguindo esta visão otimista de Schiller em relação à natureza humana acreditamos na importância que da educação, sobretudo a educação do gosto, porque “o gosto requer moderação e decoro, tendo horror a tudo o que é angu-loso, duro, violento, e inclinando-se para tudo o que se conjuga em leveza e har-monia” (SCHILLER, 1993, p.127). Isto permite que um indivíduo educado, isto é, com um gosto aprimorado, procura a beleza e o equilíbrio porque esse gosto sensibiliza, aguça os sentidos e a razão para

Que ouçamos a voz da razão, mesmo no meio da tempestade das sensações e que tracemos um limite às rudes erupções da natureza, isso é já exigido de cada ser humano civilizado, como se sabe, pelo bom tom, que outra coisa não é senão uma lei estética (SCHILLER, 1993, p.127).

Nas reflexões na sala de aula observamos que a educação é importantís-sima, para nos tornar sensíveis e capazes de equilibrar nossa humanidade nesse jogo estético, que não é espontâneo, nem inato. Do contrário, só alguns nascem com esse equilíbrio estético e outros não, ou o que é pior, os que se comportam mal é porque nascem maus. Todos temos que educar nosso gosto e, este gosto vai influenciar também nossa conduta moral, nossa atitude social, assim:

O gosto também rege o ânimo meramente através da atração do prazer – um prazer nobre, é certo, uma vez que a razão é a sua fonte – mas aí onde o prazer determina a vontade, não existe ainda a moralidade. (SCHILLER, 1993, p.128).

O gosto se educa para poder perceber a beleza e o bem. Mas, esta edu-cação estética tem degraus, o primeiro e mais difícil é unir a ciência com a estéti-ca e, logo a estética com a ética. Neste processo, observamos que

O passo do estado estético ao lógico e moral (da beleza à ver-dade e ao dever) é por isso infinitamente mais fácil do que o passo do estado físico ao estético (da mera vida cega à forma). Aquele passo pode ser realizado pelo ser humano através da sua simples liberdade, uma vez que necessita apenas de tomar, não de dar, de isolar a sua natureza, não de alargá-la. (SCHIL-LER, 1993, p.82).

A educação não pode preocupar-se unicamente do virtuosismo que oferece a técnica e chamar de gosto ao treinamento de habilidades porque senão

Page 160: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

160Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

o “homem de gosto estético requintado” é capaz de uma corrupção moral da qual o “rude filho da natureza” está preservado. A moralidade pode correr semelhante risco quando os “requintados discípulos do artifício” não admitem suas faltas e preferem mentir à consciência (SCHILLER, 1993, p.121). Educar a consciência é fundamental para que, assim como o artista procura a beleza porque nela encon-tra prazer, assim, também, o ético deve procurar o bem para sentir a satisfação nas suas obras. Acreditamos que a educação não procura ajudar a formar seres treinados e artífices de técnicas e destrezas unicamente, eles têm que ser equilibrados. Daí a dificuldade da educação, posto que, ela tem que contribuir para que os indivíduos se realizem de maneira integral, tenham os meios para serem felizes, como diz Schiller,

Chamo feliz aquele que para fruir não necessita cometer uma injustiça e que para atuar de forma correta, não necessita de renunciar. O ser humano que é ininterruptamente feliz nunca encara portanto o dever, uma vez que as suas inclinações, con-formes às leis e ordenadas, sempre antecipam o comando da razão e nenhuma tentação de violar a lei lhe lembra a existência da lei. Governado apenas pelo sentido de beleza, representante da razão no mundo dos sentidos, ele irá para o túmulo sem ha-ver experimentado a dignidade da sua determinação. (SCHIL-LER, 1993, p.122, grifo nosso).

De fato esse “ser ininterruptamente feliz” é um ser “ideal”. Mas, o homem equilibrado sempre procura o ideal, assim como no caso do cientista que busca “a verdade ideal”, sabendo que unicamente pode aproximar-se cada vez mais, sem nunca possuí-la. Através da educação, o homem sensível se transforma no homem es-tético e este pode continuar evoluindo em direção ao ser ético. Neste caso, o homem já não é unicamente direcionado na procura da beleza, senão, também da virtude. Assim,

O ser humano ao refletir pensa na virtude, na verdade, na fe-licidade; mas o ser humano ao agir apenas exercerá virtudes, apenas apreenderá verdades, apenas desfrutará dias felizes. (SCHILLER, 1993, p.66).

A proposta de Schiller sobre a educação serviu para refletir e tentar por na prática as reflexões sobre estética e ética. Mas, com a consciência que a educação é para a vida toda, e é um processo constante que não pode ser interrompido, é

Page 161: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

161Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

que a procura pelo equilíbrio e o desenvolvimento deve ser constante, porque o ser humano, que é capaz de refletir sobre a virtude e atuar segundo esta, ele une a teoria com a prática para conseguir ser um indivíduo equilibrado e coerente, do contrário, aquele que pensa na virtude e atua em função do prazer se desequilibra. A Filosofia reflexiva e crítica nos permite descobrir a beleza, nos orienta a procurar o equilíbrio a ser mais conscientes desta necessidade estética ligada à liberdade e ao gosto. E esta mesma Filosofia que nos ajuda a encontrar a ex-periência estética e lapidar nosso gosto, nos ajuda a procurar a virtude, a ética e a aprimorar nossa moral.

Considerações Finais

A Filosofia pode ajudar a unificar epistemologia, estética e ética, que são fatores fundamentais para o equilíbrio humano, podendo atuar também como um eixo integrador entre conhecimentos. Acreditamos que a formação do indivíduo implica uma atividade profundamente interdisciplinar. Esta reflexão recoloca a questão das interações entre as esferas estética, científica e ética. Pelo anterior-mente exposto, esperamos incentivar trabalhos interdisciplinares que consider-em a estética como fator unificador, porque ela integra a razão e os sentimentos e, pode orientar nossa formação em direção da ética. A Filosofia nos permitirá ver a epistemologia e o papel da ciência, e, além disso, neste trabalho abordamos a importância da integração estética e ética na formação humana. A estética é um caso privilegiado de razão e sensibilidade, tanto para o artista que cria obras concretas e singulares quanto para o apre-ciador que se entrega a elas para encontrar-lhes o sentido. Assim, a estética não está unicamente relacionada à arte, mas, à atitude estética que é valorizar a arte e a beleza em geral. O belo está ligado à harmonia que pode estar na ciência ou na arte. A ex-periência estética faz confluir emoção e razão. Nossa proposta segue a Schiller e nos preocupamos por estabelecer uma harmonia entre o conhecimento técni-co, científico e o estético e, para cumprir este objetivo, propomos a educação do gosto. A educação do gosto estético equilibra ao individuo consigo mesmo e o harmoniza com a sociedade. É requisito educar a estética para poder educar a moral. A estética se torna o pivô para sustentar de maneira harmônica a ciência, a estética e a moral. Torna-se necessária que, a formação de professores tenha uma disciplina de Filosofia interdisciplinar, que seja reflexiva e crítica. Isto pode ajudar a supe-

Page 162: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

162Experiência de ensino de Filosofia no curso de formação pedagógica para professores da educação pública do estado do Paraná - Rosa de Lourdes Aguilar Varástegui.

ração da condição de mera individualidade humana, alcançando a condição de ser científico, estético e ético.

Referências

ARISTÓTELES. A Política, tradução: Mario de Gama Kury, Brasília: UnB, 1997.BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Acesso em: 20 maio 2012.COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Brasiliense, 1988.DUARTE Jr. João-Francisco. Por que arte-educação? São Paulo: Papirus, 2004.KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1998.PERISSÉ, Gabriel. Filosofia, ética e literatura: uma proposta pedagógica. São Paulo: Manole, 2004.SCHILLER, Friedrich. Sobre a Educação Estética do ser Humano numa serie de cartas e outros textos. Lisboa: Imprensa Nacional casa da Moeda, 1993._______. Sobre a Educação Estética da Humanidade. São Paulo: Her-der, 1963.RÖHR, Ferdinand. Reflexões em torno de um possível objeto epistêmico próprio da Educação. In: Pro-Posições, v. 18, n. 1 (52) - jan./abr. 2007.

Page 163: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

FORMAÇÃO DE ARTE EDUCADORES: DESAFIOS PARA A INOVAÇÃO

João Paulo Queiroz1

Resumo

Qual a educação artística para o século XXI? Neste texto coloca-se em perspec-tiva as alterações de que a educação artística necessita para se manter actuante e actualizada no contexto da pós modernidade. Para isto faz-se uma revisão dos principais pontos de viragem da educação na passagem do paradigma iluminista, ou da modernidade, para a pós modernidade. Revisitam-se alguns autores e momentos charneira no sentido de contextualizar as mudanças sociais que de-terminaram a emergência da arte-educação no contexto global do século XX, enfatizando-se algumas contradições latentes. Os contextos são de mudança constante, e assim são acompanhados: faz-se uma síntese da mudança radical que neste momento ocorre, motivada pelas inovações tecnológicas, alterações sociais e económicas num mundo global e digital. Depois de observar o roteiro da UNESCO, de 2006, aponta-se a necessidade da sua atualização. Termina-se com propostas concretas de intervenção junto dos programas de educação e dos educadores. É preciso reconstruir esta modernidade.

Palavras-Chave:Arte-Educação. Pós-modernidade. Paradigma.

Introdução

Se a modernidade é a matriz da educação, a pós modernidade é em grande medida a matriz da arte-educação. Aprendemos há pouco tempo a aproveitar os recursos formativos da arte durante a infância. Podem apontar-se aqui as charneiras que separam o antigo paradigma nomotético e o seu modelo classificativo, assente na perspectiva iluminista da correção da natureza, ao paradigma seguinte, integrador da diferença e menos competitivo que caracteri-zarão progressivamente a escola na pós modernidade. Ao primeiro modelo poderemos chamar “modelo ortopédico” da educação:

1 Universidade Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). Contactar o autor: [email protected]

Page 164: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

164Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

aí educar é corrigir de forma normativa em direção a um modelo de aprendiza-gem único, baseando o sucesso na exclusão dos casos de insucesso e reforçan-do a elitização do ensino. Aqueles que obtêm sucesso são uma percentagem mínima do universo da população; a grande maioria não acede sequer à esco-la; aqueles que acedem são filtradosrepetidamente através da reprovação, ou dos instrumentos normativos e ritualistas da prova escrita, da prova oral, que são trâmites obrigatórios junto de crianças com 6, 7, 8, 9 ou 10 anos de idade. Esta era a realidade em Portugal até meados dos anos 70 do séc. XX, país que vive a transição para o modelo de educação pós-moderno a partir sobretudo da revolução de 1974. Neste modelo de raiz iluminista o contexto é, claro, de uma baixíssima es-colarização, de uma recorrente reprovação, fazendo da exclusão escolar uma das traves estruturantes do modelo de ensino na modernidade. A transição dos par-adigmas torna-se evidente na apreciação comparada das taxas de alfabetização entre alguns países (QUEIROZ, 2015). A exclusão, a iliteracia e o analfabetismo eram até há bem pouco tempo características tidas como naturais e uma das bases do sucesso em que a minoria que conseguia concluir os estudos assenta-va. Em suma, o sucesso de poucos assentava no insucesso estrutural de muitos, e tendia a reproduzir os abismos sociais.

Modernidade e Pós-Modernidade

A transição da modernidade para a pós-modernidade pode observar-se na transformação dos princípios Iluministas e nas diferentes formas dos estados se organizarem, onde emergem as finanças públicas, a eficácia administrativa, a disciplina, a sistematização, a engenharia social, a classificação, a par com a proclamação do novo indivíduo,sans culottes, o cidadão(FOUCAULT, 1987; 2014). A transição será alongada no método e nos efeitos. Das escolas mútuas e industriais de tipo socializante às academias assentes numa perspetiva elitista das Belas-Artes, tem-se uma perspectiva pedagógica que encontra sempre um lugar ambivalente para as artes, embora em grande medida lhe reconheça uma centralidade no que respeita à importância do património, atravésda abertura ao público dos grandes museus, do celebrar dos músicos, poetas e pintores detidos de gênio. Entre as escolas de artes aplicadas (técnicas, politécnicas ou industriais) e as Academias há todo um abismo de concepção do que é a educação artísti-

Page 165: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

165Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

ca, qual o seu objectivo, qual a sua pertinência na educação generalizada. É um período de procura de identidade educativa, onde os paradigmas elitistas chocam de frente com as novas necessidades industriais. É preciso educar, são necessárias mais qualificações, mas qual o lugar para a as artes que não as ar-tes aplicadas? Neste ponto são de anotar as primeiras perspetivas críticas do modelo iluminista, ou moderno, nomeadamente o movimento Escola Nova, assente nos princípios do pedagogo suíço Adolphe Ferrière (1928; 1929; 1965) e publica-dos na obra de Faria Vasconcelos, português então radicado na Bélgicae ex-perimentando a inovação de Ferrière na escola de Bierges, (VASCONCELOS, 2015) e que virá depois a estabelecer ligações ao movimento Seara Nova, já em Portugal, nos anos 20 e 30 (VASCONCELOS, 1986-2011) e a disseminar o seu contributo em diversas publicações em Portugal e na América Latina. Também se assinala o contributo e exemplo de Maria Montessori e as numerosas Case dei Bambini que o seu método de “pedagogia científica,” em conjunto com a sua ação, o consegue fazer disseminar primeiro por toda a Itália e depois por numerosos países (SILVA, 1991). Edouard Claparède(1931; 1959) concebe neste período uma pedagogia onde o ensino se centra no aluno e nas diferenças individuais, procurando novos processos adaptados de ensino-aprendizagem, enquanto investiga os contribu-tos da psicologia para a educação. De todos estes contributos começará a emergira crescente preocupação quanto à importância de uma mais exigente e humanista formação do professor, que era até aí quase inexistente. Mas nos exemplos de renovação educativa que referimos estamos,é cla-ro, perante os pioneiros de uma renovação do ensino. Há que não tomar o pio-neirismo pelo que então se praticava em larga escala e que não era então infor-mado segundo estas inovadoras perspetivas pedagógicas: as coisas mudavam muito mais devagar, por vezes com retrocessos, ao sabor da orientação política dos diferentes regimes, dos diferentes nacionalismos, dos diferentes posiciona-mentos ideológicos em relação à inovação pedagógica, ora recusando-a, ora hesitando no seu resgate. Era um tempo de ditaduras ideológicas, cada uma com o seu programa de educação política pró-militarizante, muito propagandísti-co, com efeitos a lançar desde a tenra idade. Mas mesmo no refluxo das ditaduras a pós modernidade estava em curso e, com as guerras de 14-18 e 39-45 acaba por confrontarduramente a humani-dade com os resultados da sua educação. A organização moderna e a divisão

Page 166: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

166Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

do trabalho, o racionalismo e o positivismo, a industrialização e mecanização colocaram aos olhos do mundo, primeiro a morte em série – gerada pelos ninhos das metralhadoras e pelos obuses de gás de nervos, de 14-18 – depois a morte em massa – nos campos de extermínio e nas armas nucleares então utilizadas.O positivismo, as utopias, a mecanização, a Revolução Industrial, irão condu-zir estas guerras mundiais onde a multidão e as massas descobrem primeiro a “anomia” e depois a morte (DURKHEIM, 1990, GIDDENS, 1997; LYOTARD, 1993; 2000). Herbert Read (1943) virá anotar uma relação entre a massificação da guerra e a ausência de uma educação pela arte, que defende desde aí nos fóruns internacionais, a par com a visão enquadradora da “Educação progres-siva” assente na actividade e na cidadania, proposta por John Dewey (1963; 1966). Olha-se para a geração que produziu guerras e procura-se, na sua ed-ucação, as falhas que possam responder pela barbárie. Descobre-se uma educação normativa e de matriz iluminista. É o ponto de apoio para se exigir uma reforma global dos paradigmas educativos.Descobre-se a importância da educação artística, como uma salvaguarda e defesa da paz e da cidadania mais avançada. Trata-se de educar através da arte (READ, 1943; 1948) adicionando às práticas educativas as descobertas estruturalistas da psicologia da perceção e da psicologia do desenvolvimento (VYGOTSKY, 2008; ARNHEIM, 2005; PIAG-ET, 1971). A estes adicionam-se os contributos da escola de Frankfurt, como a teoria do agir comunicativo (HABERMAS, 1986a; 1986b). São assim actuais as críticas à “Indústria Cultural” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985), pelocírculo de Frankfurt,que anteciparam algumas das características da sociedade alienada do homem-massa, do homem especializa-do, do homem que procura substituir a identidade pelas novas formas apelativas da “Indústria-Cultural,” com os seus estereótipos, a sua eficácia produtiva, a sua fraqueza de conteúdos, a substituição do ser pela representação cinematográfi-ca. O fascismo é amigo dos mass media, prefere a rádio (das massas passivas) ao telefone (do indivíduo activo). Massas que se constituem como protagonistas do tempo, aptas a apreciarcom satisfação gratuita o seu próprio espectáculo, a sua própria massificação: a moda, a cultura popular, as estrelas de cinema, os grandes estádios, as paradas eos desfiles, o desporto e os espectáculos, a sua representação no filme, a felicidade no consumo (MARCUSE, 1966), os ideais transformados em imagens icónicas, assentes na suaigualização, massificação,

Page 167: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

167Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

em benefício de um ser genérico, meio mecanizado, meio idealizado, de eficácia futurista e dinâmica (BENJAMIN, 1992).

Dados para uma actualização

A nova arte-educação dirige-se ao projeto, questiona a linearidade dos conteúdos, a normatividade do modelo inocular do ensino. Do anterior paradig-ma da exclusão e do não reconhecimento da diferença, passa agora a defender a educação como um direito, como um bem comum, centrado nos alunos. As escalas de avaliação são menos normativas, menos competitivas, e assiste-se a uma interiorização da diferença, a par com uma valorização da expressividade, da criatividade. O sucesso passa cada vez mais a ser procurado, em detrimento da lógica da exclusão antes vigente. A nova ordem mundial do pós-guerra facilita os fóruns de cidadania mun-dial que passam a promover novos padrões de comparabilidade e de desen-volvimento. São alterações assumidas e promovidas globalmente, no âmbito das novas organizações, como a ONU (e a UNESCO), através da Convenção de Di-reitos do Homem e da Convenção dos Direitos da Criança (UNITED NATIONS, 1948; 1959), ou ainda a OEA e a OECD. Os padrões de cidadania tornam-se mais exigentes, sendo exemplo as políticas globais de saúde (OMS), o combate à fome (FAO), e combate ao tra-balho infantil (OIT, UNICEF). No meio desta actividade em torno dos conceitos e dos padrões de desen-volvimento, anotam-se contextos adversos, ditados pela industrialização global-izada. A massificação industrial coloca pressões inéditas sobre o clima, sobre a biodiversidade. As pressões ambientais lançam novos conteúdos: a educação para a cidadania ganha uma vertente ambiental que ficará para sempre. A educação pela arte deverá, a partir do final do século XX, incluir temas e problemas que interligam a identidade cultural, a expressividade artística com a consciência am-biental colectiva, ou mesmo a intervenção comunitária. A sustentabilidade, a implicação pessoal, torna-se um tema que passa a poder integrar-se no campo alargado e humanista da arte-educação: a nova cidadania exige alternativas. Por outro lado, na vertente sociopolítica, observaram-se os efeitos reali-dade de um mundo unipolar, globalizado e neo-liberal, em consolidação após a queda do bloco leste. Dão-lhe suporte os acordos globais de comércio agora tor-nados possíveis (ex. Uruguay Round, o General Agreement on Tariffs and Trade,

Page 168: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

168Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

ou GATT).Países há pouco de economia fechada ou de um desenvolvimento embrionário passam a assumir-se como líderes económicos globais. É o caso da primeira economia do mundo, a China, com uma importância global crescente, e sendo uma entre outras economias emergentes. Os problemas tornam-se massivos. A revolução industrial global alimen-ta-se muito do desequilíbrio entre mercados de trabalho, ou seja, dodumping social, da deslocalização, da baixa dos preços dos produtos manufaturados, do aumento das matérias-primas e da energia. Alimenta-se de uma competitividade que não parece conhecer muitas barreiras ou impedimentos. Entre os movimentos migratórios globais e os faccionismos regionais, a solidariedade parece cada vez uma palavra esquecida do pós guerra. Os parti-dos intolerantes e fundamentalistas ganham terreno, ao mesmo tempo que já ex-istem grupos neonazisradicais com assento no parlamento europeu. Em paralelo o novo terrorismo joga-se nas redes sociais, o You-tube é o novo suporte quer para o jornalismo quer para a propaganda.Os actos de terrorismo macabro são mediatizados em streaming. Este contexto é coexistente com a alteração de estilos de vida, através do uso dos novos média, articulados em redes relacionais virtuais e com uma crescente dependência dos avatares. A juventude fecha-se em casa, ligada à rede. Em paraleloa imprensa em papel parece estar a extinguir-se, na concretização da terceira vaga (TOFFLER, 1999): o ambiente comunicativo ba-seia-se na internet, nos telemóveis, nos smartphones, em redes wi-fi. O quotidia-no é feito de subscrições, a vida de hoje exige a assinatura, uma monetarização intermitente. É cada vez mais necessário um salário de classe média para con-tratar as dívidas mensais que representama subscrição os meios de comuni-cação e acesso ao mundo digital. Cada vez mais percentagem do rendimento per capita está adstrito à virtualidadeaos pacotes de televisão e de telecomuni-cações, a que se adicionam os novos hábitos de fast fashion, fast food, e outros modos fast. Se antes a multidão se tomava a si mesma como o seu próprio espectá-culo, agora consome-se o próprio estilo de vida, e copia-se cuidadosamente as identidades. A substituição parece completa, quer-se ser como o seu avatar, e em alta definição.

Quer-se ser um outro, mas sem se ter lido Rimbaud:

Je veux être poète, et je travaille à me rendre voyant : vous ne comprendrez pas du tout, et je ne saurais presque vous expli-

Page 169: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

169Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

quer. Il s’agit d’arriver à l’inconnu par le dérèglement de tous les sens. Les souffrances sont énormes, mais il faut être fort, être né poète, et je me suis reconnu poète. Ce n’est pas du tout ma faute. C’est faux de dire : je pense : on devrait dire: On me pense. — Pardon du jeu de mots. —Je est un autre.[…] — RIMBAUD, Lettre de à Georges Izambard - 13 mai 1871

Existe-se através da rede social, a primeira relação parece ser através da rede, e por ela obtém-se gratificação constante. O número de “gostos” e de “amigos” torna-se marca de estatuto e de sucesso. O estilo de vida do século XXI é de consumo generalizado: as “marcas” registadas são globais e assumem um poder simbólico nunca visto, os jovens fazem-se “amigos” delas, e “seguem-nas.” Neste contexto complexo, qual o papel da educação? Qual o nosso posi-cionamento na arte-educação? O contexto é o do capitalismo avançado onde o rendimento do capital es-peculativo ultrapassa o do capital produtivo. A crise financeira de 2008, que ain-da continua a lavrar em 2015, e não parece ficar por aqui, institui uma ditadura global de austeridade e de cortes nos serviços públicos, entre eles a educação. O estado social reduz o seu tamanho, o envelhecimento populacional inverte as pirâmides etárias, a segurança social parece ficar ano após ano mais incerta. É claro que algumas destas mudanças significam cortes, supressões na despesa, eliminação de valor, aumento da exclusão e da pobreza. A educação artística está,como sabemos, na linha da frente das supressões. As horas dedicadas à educação artística tendem a tornar-se opcionais, pagas enquanto extras, ou agregadas em conjunto com outras disciplinas, ou a sua carga horária é reduzida. O deficitde 0,5% a que todos os países da zona euro se comprometeram a curto prazo (CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2012), irão obrigar ao es-magamentoda política em torno da gestão financeira. Neste tropel, na educação definem-se prioridades, os horários reduzem-se para sempre, as turmas desa-parecem, as disciplinas até aí diferentes fundem-se, e adivinham-se mais su-pressões totais de disciplinas artísticas em alguns níveis educativos. O dinheiro, a sua gestão e a sua soberania parece ganhar autoridade e uma espécie de auto-deliberação. O espectáculo, que Debord definira como dinheiro coagulado (DEBORD, 1997), torna-se agora mais do que uma imagem: ele substitui as pessoas, os decisores, a política. A estetização do dinheiro é a sua acumulação em assimetrias, onde a educação artística é um dos elos mais fracos. A nova “anomia” (DURKHEIM, 2007) é sofisticada, baseada na codifi-cação do capitalismo avançado.

Page 170: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

170Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

Poderemos responder a Rimbaud, com desencanto: o dinheiro pensa.

Conclusão

Os arte-educadores, como os agentes artísticos, estão na guarda avança-da da cidadania, da criação de sentido, da geração e discussão de ideias. Procura-se o que FOUCAULT (2014) adivinha frágil e prestes a perder-se: o humano. O road map for arts education, da UNESCO, previa três dimensões para a arte-educação (UNESCO, 2006):

• Study of artistic works.

• Direct contact with artistic works (such as concerts, exhibitions, books, and films).

• Engaging in arts practices.

O contexto atual exige dos arte-educadores a inclusão muito clara da cidada-nia dentro da arte-educação. Pedem-se novas propostas para a educação artística. O educador não pode ser só um facilitador de manualidades, mais ou menos embrulhadas em metodologias de projecto ou itinerâncias aos museus, que são, também, circuitos legitimadores do capital simbólico (BOURDIEU, 1989; SCHUBERT, 2009): o museu não é inocente, é sempre também parte do ideológico. A arte-educação está no centro da mudança dos paradigmas educati-vos e também dos mais generalizados: criatividade, humanismo, cidadania, inclusividade, paz, democracia, desenvolvimento, tolerância.

• É preciso uma “educação para os média,” e para o consumo dentro das disciplinas artísticas. • É necessária mais exigência crítica aos discursos artísticos

contemporâneos, retendo os mais criativos e críticos. • É preciso que os artistas sejam implicados em articulação com os

educadores. Mais ações e intervenções, muito além do “trabalho” da aula. • É preciso voltar a pensar a arte, o artista, o arte-educador. Criar

um novo pensamento artístico, onde a arte incorpora a responsabilidade social.

Pede-se uma mudança, do lado da resistência, na arte-educação.

Page 171: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

171Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

Referências

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.1985.ARNHEIM, Rudolf.Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo : Pioneira Thomson Learning. ISBN 85-221-0148-5 1. 2005.BENJAMIN, Walter “A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica,” in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água, pp. 71-113. 1992.BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. CLAPARÈDE, Edouard. L’éducationfonctionnelle. Neuchatel, Paris. 1931.CLAPARÈDE, Édouard. A escola sob medida. Rio de Janeiro: Fundo de Cultu-ra, 1959 [orig. 1921].CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Tratado sobre a Estabilidade, Coorde-nação e Governação, na União Económica e Monetária. Em linha. 2012. [Consult. 2015-10-01] Disponível em http://www.consilium.europa.eu/pt/europe-an-council/pdf/Treaty-on-Stability-Coordination-and-Governance-TSCG/DEBORD, Guy.A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.1997.DEWEY, John.Experience and education. New York: Macmillan Publishing Company. 1963.DEWEY, John Democracy and education. New York: Macmillan Publishing Company. 1966.DURKHEIM, Émile As regras do método sociológico. São Paulo : Martins Fon-tes.2007.FERRIÈRE, Adolphe. Transformemos a Escola:Apelo aos pais e às autori-dades. Paris: Livraria Francesa e Estrangeira. 1928. ________. A Escola Activa. Lisboa: Ed. Aster, 1965.________. A escola por medida pelo molde do professor. Porto: Editora Ed-ucação Nacional, 1934. ________. A lei biogenética e a escola ativa. São Paulo: Editora Companhia Melhoramentos, 1929. FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes. 1987.FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Lisboa: Edições 70. ISBN 9789724418100. 2014.GIDDENS, Anthony Modernidade e Identidade Pessoal. Oeiras: Celta. 1997.HABERMAS, Jurgen.The Theory of Communicative Action: Reason and the Ratio-nalization of Society, vol. 1, Cambridge, Polity Press.1986a.

Page 172: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

172Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

HABERMAS, Jurgen.The Theory of Communicative Action: The Critique of Functionalist Reason, vol. 2, Cambridge, Polity Press.1986b.LYOTARD, Jean François.O pós-moderno explicado às crianças: correspondência 1982-1985. Lisboa: Dom Quixote.1993.LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio. 2000.MARCUSE, Ernst. A Ideologia da Sociedade Industrial: o Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar.1966.PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança. Imitação, jogo e sonho, ima-gem e representação. Rio de Janeiro: Zahar. 1971.QUEIROZ, João Paulo (2015) “Portugal, arte e educação: entre o centro e a periferia” Trama Interdisciplinar, ISSN: 21775672. São Paulo: Univ. Mack-enzie, v. 6, n. 2, p. 145-167, maio/ago. 2015 http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/article/view/8346/5403READ, Herbert. Education through Art. London: Faber.1943.READ, Herbert.Culture and education in a world order. New York, Museum of Modern Art. 1948.READ, Herbert. Educação pela Arte. Coleção: Arte & Comunicação. Lisboa: Edições 70. 2013. ISBN 9789724413525RIMBAUD, Arthur. Correspondance. Éditée par Jean-Jacques Lefrère. Paris: Fayard. 2007.SCHUBERT, Karsten.The Curator’s Egg The Evolution of the Museum Concept from the French Revolution to the Present Day. London: Ridinghouse. ISBN: 978 1 905464 20 3. 2009.SILVA, Agostinho. O Método Montessori, Lisboa: Inquérito, 1991.TOFFLER, Alvin. A Terceira Vaga. Lisboa: Livros do Brasil. ISBN: 9789723809916.1999UNESCO, United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (2006) Road Map for Arts Education : The World Conference on Arts Educa-tion: Building Creative Capacities for the 21st Century. Lisbon, 6-9 March 2006. Em linha. [Consult. 01-09-2014] Disponível em http://www.unesco.org/new/file-admin/MULTIMEDIA/HQ/CLT/CLT/pdf/Arts_Edu_RoadMap_en.pdf UNITED NATIONS. Universal Declaration of Human Rights. Adopted by UN General Assembly Resolution 217A (III) of 10 December 1948. Em linha. [Con-sult. 01-09-2014] Disponível em http://www.un.org/cyberschoolbus/humanrights/resources/universal.asp1948.UNITED NATIONS. Declaration of The Rights of the Child: Adopted by UN

Page 173: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

173Formação de arte educadores: Desafio para a inovação - João Paulo Queiroz

General Assembly Resolution 1386 (XIV) of 10 December 1959. Em linha. [Consult. 01-09-2014] Disponível em http://www.un.org/cyberschoolbus/human-rights/resources/child.asp.1959.VASCONCELOS, Faria de Uma escola nova na Bélgica. Prefácio de Adolphe Ferrière (1915). Aveiro: UA Editora, 2015. 320 p. ISBN: 978-972-789-454-3.2015 [1915].VASCONCELOS, Faria de.Obras Completas, Volumes. I-VII. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1986-2011.VYGOTSKY, Lev (2008) Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Editora.WORLD TRADE ORGANIZATION (1994) The text of General Agreement on Tariffs and Trade: GATT. Geneva. Em linha. [Consult. 01-09-2014] Disponível em http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/06-gatt_e.htm

Page 174: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

JOGANDO COM AS PALAVRAS

Ana Paula Miqueletti1

Resumo

O presente relato faz uma descrição do processo de composição musical utili-zando parlendas e trava-línguas, proposto como avaliação, na disciplina Práti-ca de Canto e Coral III - Pesquisa e montagem de repertório coral de estilos e gêneros variados, na turma 3do PARFOR/UEL 2014.O objetivo era que, a partir de um modelo de composição proposto em sala de aula para performance do grupo, cada aluno compusesse uma canção similar com regras pré-definidas.A composição em questão, composta para voz e percussão corporal, com acom-panhamento de piano, intitulada ‘Meteorologista’, utiliza uma poesia do poeta mi-neiro Leo Cunha. Inicialmente definiu-se um ritmo para o texto e posteriormente percussões corporais para cada figura rítmica utilizada na composição, fazendo assim, uma referências direta à proposta de educação musical sugerida por Carl Orff, onde a tríade música/movimento e fala estão presentes. A turma era com-posta por 12 alunos cuja maioria ainda não possuíaconhecimentos técnicos em música (leitura e escrita), sendo necessária a orientação efetiva da professora, tanto no processo quanto na finalizaçãodas composições, para que o trabalho final, em forma de livro, fosse finalizado.

Palavras-chave: Carl Orff. Composição. Percussão corporal.

Como a proposta se originou

A ideia de propor a atividade em questãooriginou-se a partir da perfor-mance da canção “Meteorologista”, de nossa autoria,realizada em sala de aula e utilizada também como parte de uma das avaliações aplicadas à turma. Nesta avaliação, os alunos gravaram a performance da canção em vídeo. Segue a partitura da canção, para facilitar a compreensão dos relatos que serão feitos no texto:

1 UEL. Educadora Musical, Pianista e Regente de Coro Infantil. Especialista em Performance musical (piano); [email protected]

Page 175: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

175Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

Page 176: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

176Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

Page 177: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

177Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

A partir dessa vivência, a professora determinou alguns passos para que cada aluno pudesse ter a experiência de compor uma música baseada na canção “Meteorologista”.

Uma proposta metodológica para o processo de composição musical

Para viabilizar o início de uma composição a partir da canção dada, foi proposta uma metodologia que consistia em:

1.Escolher um trava-línguas e memorizá-lo; para isto foram oferecidas quatro sugestões de trava-línguas e/ou parlendas, que mencionamos a seguir:

O sapo dentro do saco O saco com o sapo dentro

O sapo batendo papo

Page 178: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

178Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

E o papo do sapo soltando vento

Alô? O tatu ta aí? Não, o tatu não tá.

Mas a mulher do tatu tando,é o mesmo que o tatu tá!

O tempo perguntou pro tempo, quanto tempo o tempo tem.O tempo respondeu pro tempo, que o tempo tem tanto tempo

quanto o tempo o tempo tem.

Zé é ducatibiré salamacuté fifirifilé Cadê a Aninha (inha) ducatibirinha salamacutinha

FifirifilinhaSaiu com a Rute (ute) ducatibute salamacute fifirifi-

fute Visitar o João (ão) ducatibirão salamacutão fifirifi-ão

1.1. Ainda que os alunos escolhessem o mesmo material para trabalhar, cada aluno teria que eleger um, dentre eles, para desenvolver seu trabalho. Na proposta de Orff, ‘os nomes próprios, as rimas, as canções infantis e os poemas encontram-se na base de padrões rítmicos, improvisações melódicas e atividades corporais, constituindo o ponto de partida para pequenas células rítmicas. (BONA, 2011, p. 140) 2. Verificar a tonicidade e a atonicidade das sílabas, identificando a posição das sílabas tônicas dos vocábulos (das palavras), uma vez que este é um aspecto muito relevante quando a proposta é ‘musicar’ um texto, pois podem resultarem problemas de prosódia. A professora chamou a atenção dos alunos quanto a esse aspecto, pois os passos seguintes dependeriam deste item; 3. Definir um ritmo para o texto escolhido utilizando os compassos: binário, ternário ou quaternário (ou outro, se necessário) e escrevê-lo;

Page 179: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

179Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

Ex.1 “O sapo”:

Ex.2 “ O tempo”

Ex.3 “O tatu”

Page 180: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

180Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

Ex.4 “Zé é”

4. Definir uma percussão corporal ou sons vocais, por exemplo: diferentes tipos de palma, diferentes batidas de coxa, pés, estalos de dedo, sons onoma-topaicos, glissandos vocais, etc) para cada figura rítmica utilizada (semibreve, mínima, semínima, colcheia, semicolcheia, semínima pontuada, colcheia pontu-ada e assim por diante). Como referência, a orientação era consultar a canção “Meteorologista”, que utilizavaesses parâmetros. Carl Orff, propõe em como base da vivência musical, a tríade: música/ movimento/fala, sendo a percussão corporal um aspecto relevante, pois leva o aluno a vivenciar diversos elementos musicais, num só gesto.

A percussão corporal – realização consciente de práticas rít-micas sem o emprego de instrumentos é um meio privilegiado para a capacitação rítmica, pois produz som, imagens corporais e espaciais, além de forte sensação tátil.(PENNA, 2008, p. 211-212)

Page 181: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

181Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

Ex.1 “O sapo”

Ex.2 “ O tempo”:

Ex.3 “O tatu”:

Page 182: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

182Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

Ex.4 “Zé é”

5. Confeccionar um livro com o registro das composições de todos os alunos.

Assim que foi apresentada a propostado trabalho, os alunos teriam uma semana para definir seu trava-língua ou parlenda e realizar as fases 1 a 4, ou seja, escolher o material para trabalhar, definir um ritmo para o texto (anterior-mente observar as sílabas tônicas e prosódia, em relação ao compasso e ritmo criados para o texto) e escrever a partitura. Esta etapase estendeu por praticamente um mês, pois os alunos tiveram muita dificuldadepara escrever a partitura conforme o ritmo que haviam cria-do para o texto. A grande maioria dos estudantes do Parfor não tem nenhuma formação específica na área de música, o que dificultou a concretização desta etapa. Conhecimentos básicos de notação musical e uma prática mínima de treinamento auditivo eram fundamentais para que fosse possível registrar as ideias rítmicas de percussão corporal e vocal da composição. Asorientações da professora foram fundamentais para que as ideias dos alunos pudessem ser efetivamente grafada sem notação musical. Na fase 4, que consistia em definir uma percussão corporal ou sons vo-cais para o ritmo criado para o trava-língua ou parlenda, também foi necessária a intervenção da professora em diversas composições, no sentido de tornarclaras as ideias musicais criadas pelos alunos, definindo uma notação musical mais pre-cisa. Esta última fase durou cerca de duas semanas. Era evidente a dificuldade dos alunos tanto na definição das percussões corporais quanto na performance das mesmas. Muitas ideias eram interessantes, mas inviáveis quando executa-das, pois o ritmo proposto em determinado trecho, em relação à percussão cor-poral desejada, não era de fácil execução para o compositor, o que nos mostrava que a utilização desta composição posteriormente, numa atividade de educação

Page 183: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

183Jogando com as palavras - Ana Paula Miqueletti

musical, não seria possível por falta de prática de leitura musical do professor. A fase 5 seria a confecção de um livro contendo todas as composições cri-adas pelos alunos, além de uma apresentação individual (performance) de cada trabalho para a turma. Foi acordado entre o grupo que a edição das partituras seria realizada pela professora, pois nenhum aluno tinha experiência ou prática com programas de notação musical utilizados em computador.

Considerações finais

Houve grande envolvimento e comprometimento da maioria da turma em relação à atividade proposta resultando num trabalho com composições interes-santes. Conforme relatos dos próprios alunos, o processo de composição deu-lhes uma clara noção de como é fundamental para o educador musical ter as ferra-mentas necessáriaspara planejar aulas interessantes. Na proposta em questão, que consistia em compor uma canção, ficou evidente que, com a ferramenta da notação musical, muitos conseguiriam registrar com maior precisão suas ideias musicais e isto,com certeza, na prática diária como professores de música, seria algo relevante. Outro aspecto destacado foi a importância de ter uma metodolo-gia adequada e bem elaborada quando se propõe uma atividade de composição; istofacilita, para o aluno, o entendimento da proposta no processo de criação. Além dos aspectos técnicos e musicais trabalhados, algo que ficou bem evidente nos alunos foi a alegria de ver a finalização do trabalho em forma de liv-ro, intitulado “Jogando com as palavras”. Todos os alunos, sem exceção, ficaram com a autoestima elevada e com a certeza de que,com estudo, com a utilização de uma boa metodologia e com o empenho pessoal em concretizar projetos, é possível realizar feitos que muitas vezes parecem tão distantes e difíceis, como o de “compor música”.

Referências

CUNHA. Leo, Profissonhos: um guia poético. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005.

MATERO, Teresa, ILARI, Beatriz, (Org). - Pedagogia em educação mu-sical – Curitiba: Ibpex, 2011. – (Série Educação Musical)

PENNA, Maura. Música (s) e seu ensino. 2 ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Sulina, 2010.

Page 184: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

LICENCIATURA EM QUÍMICA DO PARFOR / UFBA – BRASIL: SUPERANDO O REFERENCIAL EMPÍRICO-ANALITICO PRE-

DOMINANTE NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFES-SORES DE CIÊNCIAS1

Edilson Fortuna de Moradillo2, Hélio da Silva Messeder Neto,

Bárbara Carine Soares Pinheiro

Resumo

O Parfor — Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica — é um programa do Governo Federal que tem como objetivo principal a formação de professores — 1ª ou 2ª licenciatura — da rede pública de educação básica, para que estes profissionais possam obter a formação exigida pela Lei de Dire-trizes e Bases da Educação de 1996. O Parfor do Instituto de Química da Uni-versidade Federal da Bahia inovou ao propor uma nova matriz curricular para su-perar o referencial empírico-analítico que tem dominado os cursos de formação de professores de ciências. Para isso fizemos uso do materialismo histórico e dialético para nortear as nossas concepções de homem, sociedade, conheci-mento, ciência e educação, com implicações nas concepções de processos de ensino e de aprendizagem.Assim, entendemos que essa nova forma de estrutu-rar o currículo, com seus pressupostos ontológicos e epistemológicos calcados no materialismo histórico e dialético, radicalizou na análise da realidade social, trazendo uma outra concepção dehomem, sociedade, conhecimento, ciência e prática educativo, com desdobramentos na ação pedagógica dos futuros profes-sores de química do Parfor, superando assim o referencial empírico-analítico.

Palavras-chave:Formação de professores de química; Currículo; Abordagem sócio-histórica.

1 Algumas partes desse texto foram apresentados em eventos relacionados à Formação de Professores, principalmente nos anos 2014 e 2015. Trechos também foram extraídos da tese de Moradillo (2010).

2 Professor do Instituto de Química (IQ) da Ufba, da Faculdade de Educação (Faced) da Ufba e do Pro-grama de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Ufba/Uefs; doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências; professor pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Química (Nu-pequi) do IQ/Ufba e do Grupo de Pesquisa em Educação do Campo (Gepec) da Faced/Ufba; Coordenador do Parfor/Química/Ufba. [email protected].

Page 185: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

185Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

Introdução

O curso especial de Licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia/Ufba – Brasil, fez parte do Programa Especial de Formação de Profes-sores (Parfor) para o ensino básico das redes Federal, Estadual e Municipal do Ensino Público. O curso foi realizadono Instituto de Química (IQ) da Ufba, localizado no bairro de Ondina, Salvador-Bahia e contou com duas turmas, uma que ingressou em 2010.2 e a outra em 2012.2. O curso foi organizado na modalidade presen-cial e semi-intensivo, tendo as suas aulas concentradas em uma semana por mês, de segunda a sábado, das 7h/12h e de 14h/19h, em todos os dozes meses do ano e por três anos consecutivos, com o intuito de dar oportunidade aos alunos-professores cursistas de fazerem o curso sem se afastar completamente das suas atividades de sala de aula, além de oportunizar aqueles que residiam nas cidades fora da sede do curso de poderem cursar. Neste curso buscou-se superar o referencial empírico-analítico que tem dominado os cursos de formação de professores de ciências, através dos referenciais de uma teoria crítica do ser social, sociedade, conhecimento, ciên-cia e educação. Para isso fizemos uso do materialismo histórico e dialético para nortear as nossas concepções de homem (de ser social) e sociedade, com re-flexos nas concepções de conhecimento e ciência. Diante dessa concepção materialista e histórica, que radicaliza na análise da realidade social, procura-mos desenvolver instrumentos de pensamento que rompesse com a perspectiva empírico-analítica e trouxesse a unidade dialética entre o lógico/histórico, pen-sar/fazer, prática/teoria, absoluto/relativo, identidade/diferença, imediato/media-to, parte/todo, sujeito/objeto, eu/nós, dentre outros. Assim, como consequência, no campo educativo, enveredamos pelos referencias da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico-Cultural por estarem de acordo com os referenciais mais gerais que mencionamos acima e, com isso, procurando superar também a visão hegemônica de uma educação idealista/inatista. O novo currículo procurou buscar uma outra lógica na sua organização, tanto para os aspectos dos conteúdos/forma concebidos dentro de uma teoria crítica, como no aspecto do controle e avaliação das atividades realizadas nos componentes curriculares, com destaque para a dimensão prática do currículo. Dessa forma, propiciamos uma nova forma de pensar e agir aos alunos-profes-sores do Parfor.

Page 186: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

186Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

Diante do exposto, neste artigo, iremos relatar de forma breve a constituição do grupo de ensino de química que deu sustentação ao curso do Parfor/Química/Ufba; a breve história do curso; a forma como organizamos o currículo do Par-for/Química/Ufba, com ênfase nos pressupostos ontológicos e epistemológicos adotados e nos eixos norteadores da dimensão prática; e, por último, apresenta-remos os resultados obtidos. Por falta absoluta de espaço não abordaremos todos os referenciais tra-balhados no curso, principalmente nos componentes curriculares de Metodolo-gia e Prática Pedagógica de Química I e II da Faculdade de Educação (Faced) da Ufba, relacionados a Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórico-Cul-tural, assim como não discutiremos outros aspectos relacionados a organização dos componentes curriculares de Química, Física, Matemática, Letras e Facul-dade de Educação e também sobre a forma como a avaliação no curso foi con-duzida.

Breve Histórico da Constituição do Grupo de Ensino de Química

Neste relato vale a pena trazer, mesmo de forma breve, a constituição do grupo de ensino de química do IQ da Ufba, para deixar demarcado que a refor-ma curricular que realizamos foi sustentada por um grupo de pesquisa que tinha claro os referenciais que dariam suporteao novo currículo. Não há processos educacionais e consequentemente currículo sem uma clara intencionalidade de onde se quer chegar, todo processo educacional é perpassado por concepções de sociedade e do projeto histórica de sociedade que deve nortear os atos edu-cativos, tenham consciência ou não os autores e atores sociais envolvidos, por isso, quanto mais consciente for esse processo melhor deverá ser a qualidade das intervenções das pessoas envolvidas. No IQ da Ufba, durante a segunda metade da década de 1990, foi se constituindo um grupo de professores interessados nas questões relacionadas a educação química e a educação ambiental. Na educação química as questões principais estavam relacionadas a formação de professores, a história e filosofia das ciências, aos processos de ensino e de aprendizagem, e a formação de con-ceitos. Na educação ambiental as questões formuladas estavam relacionadas ao enfrentamento da visão reducionista da abordagem predominante na química que tratava o problema ambiental a partir do tripé: química, poluição e ambiente.Em 1995, com a participação de alguns desses professores do IQ, fundamos o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências e Educação Ambiental (Necea) da

Page 187: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

187Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

Faculdade de Educação (Faced) da Ufba, onde formamos três turmas de Espe-cialização em Educação Ambiental. Este núcleo foi de fundamental importância para avançarmos nas discussões sobre o ser social, conhecimento, ciência e ambiente a partir do materialismo histórico e dialético. No IQ da Ufba fundamos, no início do ano 2000, o grupo de ensino, pesquisa e extensão denominado de Núcleo de Pesquisa em Ensino de Quími-ca - Nupequi, que tem produzido trabalhos na área de educação, principalmente relacionados a formação de professores, ao currículo da licenciatura em ciên-cias/química, aos processos de ensino e aprendizagem e ao ensino de con-ceitos científicos.Nesse período o Nupequi vem fazendo várias intervenções e reformas nos currículos dos cursos de química da Ufba: Licenciatura, Bachare-lado e Industrial, com especial atenção ao curso de Licenciatura em Química diurno, noturno e Especial, além de atuar em outros cursos de formação de pro-fessores na graduação e pós-graduação, principalmente de ciências/química, e atividades de extensão e pesquisa.O Nupequi tem mantido estreita colaboração com a Faculdade de Educação (Faced) da Ufba e em decorrência, desde 1999, professores do IQ identificados com a educação química e ambiental têm assu-mido a responsabilidade pelos componentes curriculares de Metodologia e Práti-ca de Ensino de Química e pelo Estágio Curricular da Licenciatura em Química. Hoje, doze membros do Nupequi são professores do IQ/Ufba. Esse grupo de professores tem tido o reconhecimento da sua atuação e campo de pesquisa pela comunidade do IQ. Tanto é assim que atualmente pleiteia se transforma em Departamento de Fundamentos e Ensino de Química no IQ/Ufba. É bom que se diga que esse grupo não é homogêneo nos seus referenciais teóricos, nem todos adotam os referenciais do materialismo histórico dialético, entretanto, podemos afirmar que todos assumem a perspectiva de superação do referencial empírico-analítico dominante nos cursos de formação de professores. Tudo isso credenciou e possibilitou ao grupo de ensino de química se articular, assumir e coordenar o curso de Licenciatura em Química do Parfor/Ufba em 2010.

Breve Histórico do Curso do Parfor/IQ/Ufba

Com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal (LDB), em 1996, o Estado brasileiro passou a exigir que todos os professores da rede Federal, Estadual e Municipal da educação básica fossem formados em Licenciatura, para exercer a carreira do magistério. Assim, a legislação determi-nou um prazo para que todos os professores leigos tivessem pelo menos uma

Page 188: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

188Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

Licenciatura, de preferência na área que estava lecionando nas escolas. Desta forma, os Estados e Municípios passaram a incentivar, através de programas especiais, a formação em licenciatura dos seus professores leigos. No estado da Bahia o primeiro programa que a Universidade Federal da Bahia (Ufba) assumiu foi em 2005, onde em março de 2008 formamos 39 professores em química. A partir de 2009 o Governo Federal assume a tarefa de promover a for-mação de professores a partir de um programa federal, beneficiando assim todos os Estados e Municípios brasileiros. Esse programa, denominado de Par-for — Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, é um programa coordenado pelo Ministério de Educação (MEC) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em parceria com os Estados, Municípios e as Instituições de Educação Superior (IES). Tem como objetivo principal a formação de professores — 1ª ou 2ª licenciatura — da rede pública de educação básica, para que estes profissionais possam obter a for-mação exigida pela LDB de 1996, proporcionando assim, a melhoria da quali-dade da educação básica no País. A Ufba iniciou esse novo programa em agosto de 2010, com oito cursos, e dentre eles o de Licenciatura em Química. A experiência acumulada pelo Núcleo de Pesquisa em Ensino de Quími-ca – Nupequi,no primeiro curso de Licenciatura Especial em Química, executado de março de 2005 a março de 2008, na reforma curricular do curso de Licen-ciatura em Química diurno (2007.2) e na criação do curso de Licenciatura em Química noturno (2009), nos levou, em 2010, a consolidar uma matriz curricu-lar para o Projeto Político Pedagógico do Parfor/Química que radicalizasse na perspectiva crítica de formação de professores, com o objetivo de superar a formação clássica, baseada na perspectiva empírico-analítica.

Organização do Currículo do Parfor/Química/Ufba: Pressupostos On-tológicos e Epistemológicos

A realidade hoje, de forma hegemônica, está constituída por uma socie-dade de classes que teima em ter na mercadoria o seu centro de gravidade, onde a reprodução do capital condiciona, de forma reflexiva e não mecânica, o movimento da totalidade social. A reprodução do capital é o momento predomi-nante dentro das relações sociais vigentes (LUKÁCS, 2012; MARX, 2006; 2007). Esse pano de fundo das relações sociais que hoje estamos envolvidos, que é o da sociabilidade reprodutora do capital — que constitui o que denominamos

Page 189: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

189Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

de totalidade social ou realidade social —, não pode e nem deve ser desconhe-cido em qualquer processo educativo, já que, do ponto de vista de uma teoria de conhecimento crítica e consequentemente de uma postura educativa crítica, não há como ir no particular/singular — nas partes — sem levar em consideração o movimento da totalidade social — o geral — que, numa abordagem ontológica, tem a predominância sobre as partes. Assim, defendemos que qualquer processo educativo já carrega em si variáveis que são objetivas e que estão dadas no modo de produzir e reproduzir a nossa existência. Dessa forma, defendemos que todo processo educativo é perpassado por duas dimensões que estão intimamente interligadas, a dimensão geral, de onde se pode extrair os aspectos sociais mais amplos que estão a in-fluenciar e determinar as condições onde irão ocorrer a prática educativa — aqui aparece a sua dimensão sócio-histórica — e a sua dimensão particular/singular, relacionada com as especificidades daquela prática educativa situada em deter-minado espaço geopolítico-social e tempo histórico. Agregado a essa dupla dimensão da realidade sociale, consequente-mente, da educação, em determinado momento histórico, está o ser social. As-sim, precisamos explicitar a nossa concepção do ser social, que está, como não poderia deixar de ser, em consonância com essa perspectiva estrutural da realidade social. Do ponto de vista da ontogênese e da filogênese do ser social, e na estei-ra de Marx(2006), de Marx e Engels (2007)e de outros autores (LESSA; TONET, 2008; LUKÁCS, 2010; 2012;NETO, 2013), inclusive da educação (LEONTIEV, 2006; SAVIANE, 2006), o sujeito social é um ser que tem no trabalho o seu ato fundante, a sua proto-forma, e a partir dele, sempre procurando dar conta da sua reprodução, novas necessidades aparecem dentro de um campo de pos-sibilidades, remetendo para novas mediações que vão para além do trabalho. O trabalho sempre remete para além dele mesmo, propiciando novas esferas de objetivações: ciência, filosofia, arte, religião, etc.; que passam a ter uma au-tonomia própria (autonomia relativa). O trabalho é o modelo das objetivações humanas, pois todas elas supõem as características constitutivas do trabalho: teleologia, universalização e linguagem. Por isso o trabalho é fundante do ser social (NETTO; BRAZ, 2009). O ser social transforma a natureza e a si mesmo/coletivo a cada momento do tempo histórico (o recuo das barreiras naturais). A espécie humana se con-verte no gênero humano (a nossa genericidade): “ele é o que (se) fez e (se) faz” (NETTO; BRAZ, 2009, p. 44). O ser social passa a condensar a totalidade das

Page 190: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

190Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

objetivações humanas em que todos podem participar. É daqui que brota a nos-sa subjetividade, que configura a nossa personalidade. Assim, podemos afirmar que o ser social se caracteriza pela práxis: ação e pensamento carregados de valores sociais, que têm como objetivo maior ga-rantir a reprodução social (do eu e do nós, que formam uma unidade indissolúvel do ponto de vista social e ético), e que dessa forma vão plasmando o ser social do ponto de vista mais geral. A economia política é ponto chave para se entender os moldes que o ser social vai sendo objetivado/subjetivado, passando a ser o centro de gravidade das relações sociais,onde de forma reflexiva e não mecânica — de modo sempre mediado — as outras partes determinantes da nossa existência são influencia-das, de forma intensa ou menos intensa, muitas vezes de forma imperceptível, pela mesma. Dito de uma outra maneira: a forma material — objetiva — que estamos produzindo e reproduzindo a nossa existência tende a propiciar uma subjetividade circunscrita a essas condições objetivas ali estabelecidas, sem-pre passível de serem modificadas e superadas (para além do circunscrito), no movimento da totalidade, principalmente por processos revolucionários, onde o momento predominante sai dessa base material e penetra na ação política.Para que não fique nenhuma dúvida: estamos afirmando que a economia política é necessária para entendermos a realidade social, ela é a base, mas ela não é suficiente, em cada momento histórico temos que trazer essa tensão do mais geral, dado prioritariamente na economia política, e suas particularidades/sin-gularidades, dadas nas partes, que precisam ser analisadas e interpretadas nas suas especificidades, para serem compreendidas (MARX, 1980; NETO, 2013). Por isso mesmo, do ponto de vista epistemológico, o conhecimento se inicia pelas partes, que na sua relação lógica/categorial (o corte sincrônico) e no seu movimento histórico (o corte diacrônico), compõem uma totalidade articula-da, sempre aberta, pois em movimento. Assim, a está dupla dimensão da realidade social em determinado momen-to histórico – a sua análise sincrônica – deve-se conjugar a análise da gênese e desenvolvimento do ser social — a análise diacrônica (NETO, 2013). Para nós, que adotamos os referenciais do materialismo histórico e dialético, a realidade social é uma totalidade aberta onde a natureza, a sociedade e o pensamento estão em movimento constante, com dinâmicas diferentes. Portanto, a realidade social é histórica, contingente e transitória e deve ser abordada do ponto de vista material ou da luta dos seres humanos pela existência, isto é, tendo o trabalho como fundante do ser social (MARX, 2006;

Page 191: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

191Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

DUARTE, 2007; LESSA, 2007; LUKÁCS, 2012). Por isso, a ação pedagógica que leva em consideração o tempo histórico como inerente à realidade social e a vida e o trabalho como sendo faces de uma mesma materialidade, tem muito a contribuir para uma concepção de educação que aponta para a apropriação e superação da realidade atual através de um projeto histórico de sociedade.

A Dimensão Prática do Curso

Partindo desses pressupostos filosóficos,nas nossas análises da matriz curricular do curso de Licenciatura em Química da Ufba, até meados da década de 2010, constatamos as fragmentações entre as disciplinas específicas e as disciplinas pedagógicas e um distanciamento entre os conteúdos dessas duas modalidades de disciplinas e as questões relativas ao ensino de química. Além disso, apresentava uma concepção de processo educativo de caráter idealista, onde a educação é tomada como um complexo social com autonomia absoluta, vale dizer, sem levar em consideração a relação reflexiva com a historicidade do processo social do homem se fazer homem a partir de si mesmo, da práxis social(MARX, 2006; LESSA, 2007; LUKÁCS, 2012). A perspectiva empírico-analítica predominava no curso e reforçava uma concepção de ciência que valorizava a neutralidade axiológica do método científico e a imparcialidade do pesquisador, convertendo a pesquisa e o en-sino em técnicas de descrição e explicação de fenômenos, descolando-os dos seus contextos sócio-históricos. Assim, os conceitos eram trabalhados sem sua relação reflexiva com o contexto de produção, purificando-os de suas determi-nações sociais e materiais, proporcionando, dessa forma, uma concepção de ciência linear, acumulativa e asséptica, isto é, sem rupturas e desencarnada (LÔBO, 2004; OKI, 2006; MORADILLO, 2010).Por isso, para nós, a história da ciência deveria aparecer como conhecimento fundamental na formação inicial dos professores, cabendo-lhe um lugar de destaque no currículo e abrindo es-paço para a crítica e a superação da concepção ingênua de conhecimento/ciên-cia/química. A superação do modelo empírico-analítico de formação de professores exigiu outras reflexões para além das questões relativas ao processo de pro-dução do conhecimento científico na sua relação reflexiva com a história do ser social para dar conta da sua existência. Outras questões filosóficas passaram a ser destaque também, como por exemplo, dos fundamentos do ser social: como o homem se torna homem ao longo da sua trajetória?A ontologia do ser social e a economia política passaram a fazer parte também das discussões e do currículo.

Page 192: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

192Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

Assim, a partir dessas discussões, iniciamos o primeiro curso Especial de Licenciatura em Química da Ufba em 2005.1, onde colocamos em execução a nova concepção de formação de professores e, consequentemente, de currícu-lo. Em 2010.2 fizemos novos ajustes no novo programa de formação de profes-sores denominado Parfor, que se encontram em vigor até o momento. Nesse novo currículo a ênfase foi dada a sua Dimensão Prática3(MORA-DILLO, 2010) que foi estruturada em quatro eixos norteadores, subsidiados pelos referenciais do materialismo histórico e dialético, da pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 1995; 2006; 2007; SAVIANI; DUARTE, 2012; ANUNCIAÇÃO, 2012; 2014; MARTINS, 2013) e da psicologia histórico-cultural (VIGOTSKI, 1196; 2007; 2010; 2012; VIGOTSKI; LUIRIA; LEONTIEV, 2012; MESSEDER NETO, 2012; 2015).

Eixos Norteadores do Currículo

São quatro os eixos norteadores trabalhados no curso: contextualização no ensino de ciências; ensino de ciências como práxis; abordagem contextual das ciências na perspectiva sócio-histórica: aspectos históricos e epistemológi-cos; e Experimentação no ensino de ciências. Ao primeiro eixo temos vinculado um componente curricular denominado Ensino de Química no Contexto – QUI A47, ao segundo eixo temos vinculado um componente curricular denominado de O Professor e o Ensino de Química – QUI A43, ao terceiro eixo temos vincu-lado dois componentes curriculares denominados de História da Química – QUI B07 e História e Epistemologia no Ensino de Química – QUI A45, e ao último eixo temos vinculado um componente curricular denominado de Experimento no Ensino de Química – QUI A50. Passaremos a descrever de forma extremamente sucintaos princípios norteadores de cada eixo. A questão da contextualização no ensino de ciências:A questão da contextualização do ensino de ciências tem sido discutida em ter-mos do compromisso da Educação Básica com a cidadania (SANTOS; SCHNET-

3 A LDB de 1996 e as Diretrizes Curriculares estabeleceram, para o currículo dos cursos de Licenciatura, o mínimo de: 1800h para os conteúdos científicos e culturais, 400h de estágio, 400h de dimensão prática e 200h de atividades complementares. Portanto, vamos chamar de Dimensão Prática ao conjunto de componentes curriculares que foram articulados com o objetivo de produzir uma determinada concepção de homem, natureza e sua relação histórica, incluindo aí a educação, a ciência e mais especificamente a química. Concepções essas que determinam à concepção de professor, ensino e aprendizagem dos alunos, influenciando na sua prática. Desse modo, “a prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo no âmbito do ensino” (Brasil, 2001, p. 9).

Page 193: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

193Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

ZLER, 1997) e da alfabetização científica (CHASSOT, 2000; FOUREZ, 2005). Assim, a formação do professor para trabalhar a contextualização das ciências implica na aquisição de domínio dos conteúdos das ciências e da sua inserção nas atividades humanas e processos naturais. Entendemos, que a transposição (mediação) didática resultante da con-textualização deve possibilitar um ensino como uma leitura científica do mundo de modo não-reducionista, e sim vinculada às implicações econômicas, políti-cas, éticas e ambientais. Uma vez que o mundo não é redutível ao mundo das ciências da natureza, o contexto não deve ser utilizado, apenas, como um pre-texto para ensinar ciências. Defendemos também uma contextualização no ensino de ciências que vá além da formação para a cidadania, por duas razões. A primeira se refere ao próprio conceito de cidadania, e a segunda ao papel que o contexto joga na produção do conhecimento. O conceito de cidadania tem seu limite posto socialmente na emanci-pação política, enquanto defendemos a emancipação humana (TONET, 2007a). Esse é um ponto fundamental no nosso currículo, já que, a educação como ação intencional, não pode abrir mão de um projeto histórico de sociedade. Isto tem forte consequências no projeto político-pedagógico do curso. A segunda questão diz respeito à produção de conhecimento. O conhe-cimento novo sempre aparece dentro de relações sociais, dentro de uma totali-dade histórica. Ele só é novo porque não é nada daquilo que conhecemos. Ele aparece pela diferença e não pela identidade. A identidade é sempre colocada a posteriori, na relação dialética da parte com o todo. A implicação disso? É a importância que a contextualização das ciências assume para fins de ensino: um conceito só pode ser compreendido nas suas relações com outros conceitos, relações essas, que são de natureza sócio-histórica. O contexto aqui defendido é o sócio-histórico com suas três dimensões filosóficas fundamentais, presentes em qualquer agrupamento humano histori-camente existente: o modo de produzir conhecimento, o modo de produzir bens materiais e o modo de produzir valores sociais, que compõem o reino da neces-sidade e da liberdade do ser social.

Ensino de ciências como práxis:

O elemento norteador das discussões do ensino das ciências como práxis é a categoria trabalho. A análise do conceito de trabalho — trabalho concreto e abstrato, trabalho excedente e necessário, mais valia absoluta e relativa (MARX,

Page 194: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

194Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

1980; NETTO; BRAZ, 2009) — leva à discussão dos conceitos de mercadoria, dinheiro e capital. Uma reflexão acerca desses pontos possibilita esclarecer a origem da riqueza, como resultante da mediação do homem com a natureza — o intercâmbio orgânico necessário para o homem se manter vivo —, condição “eterna” da nossa existência segundo Marx (1980). A natureza passa a ser nosso “corpo inorgânico”. Dentro de relações de classes sociais, a questão passa a ser quem se apropria dos excedentes produzidos e de que forma é distribuído. Fundamental nessa discussão é trazer a categoria trabalho como princípio educativo, introduzindo também o dilema: educação para o trabalho ou edu-cação pelo trabalho.A discussão da educação para o trabalho ou pelo trabalho está também relacionada à dualidade entre ensino profissional e propedêutico, que tem marcado o Ensino Médio no Brasil. Acreditamos que o entendimento dessa questão só é possível através de uma análise que busque a raiz das causas verdadeiras, isto é, a contradição entre capital e trabalho. Esta con-tradição tem implicações na forma e conteúdo de organização da sociedade, o que acaba repercutindo na forma e organização da escola. Entender as atuais propostas de reformulação da educação, tendo como pano de fundo as novas demandas da base produtiva na sociedade atual — organização do trabalho e globalização dos mercados — tem como consequência o rompimento com a ideia, ingênua, de atribuir a solução dos problemas sociais à escola através de uma nova concepção de educação. O ato pedagógico é carregado de intencionalidade, presume interesses, valores, caminhos a percorrer, enfim, é um ato político. Em sua ação pedagógica o professor pode e deve ter claro para que tipo de prática social está formando os indivíduos, qual o projeto histórico de sociedade que almeja. Abordagem contextual das ciências na perspectiva sócio-histórica: aspec-tos históricos e epistemológicos: A superação de um modelo tecnicista na formação de futuros educadores exige a proposição de ações que extrapolem a simples construção de novas metodologias de ensino e aprendizagem. O debate epistemológico relativo à na-tureza do conhecimento científico e a sua construção histórica, o levantamento das concepções epistemológicas e pedagógicas dos futuros professores, devem passar a ser uma realidade no currículo, subsidiando permanentemente a formação docente, de modo a permitir o seu redirecionamento e intervenções curriculares. Entendemos também que as tentativas de reaproximação entre ciência, História e Filosofia; entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (trazendo

Page 195: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

195Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

as questões econômicas, éticas e políticas) não são suficientes para dar conta do mar de falta de significado que tem inundado as salas de aula de ciências (MATHEWS, 1995), achamos de extrema importância a base de sustentação, do ponto de vista da ontologia e da epistemologia, que essas questões vão ser abordadas em sala de aula para dar sentido às ciências. Assim, entendemos não ser suficiente fazer a “aproximação”, precisamos explicitar as bases da filosofia, história e ciências que estamos adotando, pois isso terá implicações na concepção de homem, natureza e sua relação — con-cepção de sociedade —, assim como, na seleção, organização e nas formas de abordagens dos conteúdos científicos que deverão ser didatizados. Aqui vale um posicionamento nosso quanto ao fazer história, para nós a história não é a substituição da razão pela intuição; o conhecimento, inclusive o histórico, tem que se fundamentar na realidade objetiva, isto é, no concreto-pen-sado, para isso a busca de regularidades se faz necessária. Nesse caso, o da história, a busca da regularidade é a busca do invariante na variância; da regu-laridade da dinâmica, e não da estática (DEMO, 2000). Trata-se de uma postura histórico-dialética. Negar a objetividade da história e pôr no lugar a subjetividade histórica torna-a um processo caótico e ininteligível (FREITAS, 2005; TONET, 2007b; DELLA FONTE, 2010). Para nós a história faz sentido, não como determinismo ou como va-lores abstratos, mas como possibilidades. Como bem diz Agnes Heller (1985, p.15): “Não podemos conhecer a meta da história nem sua necessidade... Mas podemos estabelecer a possibilidade de um subsequente desenvolvimento dos valores, apoiar tal possibilidade e desse modo emprestar um sentido a nossa história”. Esses princípios servem para qualquer tipo de história feita pelos hu-manos, inclusive a das ciências da natureza. Um currículo que inclua história das ciências e epistemologia na formação inicial do professor nos parece ser o caminho possível para que essa abordagem seja ampliada e consolidada, sem perder de vista as implicações éticas, políticas e econômicas do fazer ciências e sua base social, que tem na práxis, o solo fértil para a sua compreensão.

Experimentação no ensino de ciências:

O trabalho experimental constitui um poderoso recurso para a educação científica, pois possibilita aos estudantes aprender ciências, aprender sobre as ciências e fazer ciências (HODSON, 1992). Um ponto de discussão relevante nessa temática é o papel que o

Page 196: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

196Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

experimento passou a ter na produção do conhecimento científico, a partir do século XVII, com o surgimento de uma outra imagem de natureza (associada a uma ontologia) –– a concepção mecanicista — e uma outra imagem de ciência (associada a uma outra epistemologia). Importante, também, são as consequên-cias dessa imagem de natureza, dentro das controvérsias existentes naquele momento sócio-histórico (ABRANTES, 1998). A discussão acerca da relação entre o conhecimento científico e a realidade que ele descreve, a origem do conhecimento científico e como ocorre a sua validação é imprescindível (MEDEIROS; BEZERRA FILHO, 2000), já que se pretende ressaltar o caráter histórico da razão/observação e do método. Em vista disso, uma postura crítica em relação a algumas concepções predomi-nantes entre professores e alunos de ciências, como a empirista-indutivista, merece destaque. A crítica ao indutivismo como método seguro de produção de conhecimento deve ser feita, tanto do ponto de vista lógico, quanto prático. Um outro aspecto a ser discutido nestas aulas é o status que observação científica tem na produção do conhecimento, uma vez que o fenômeno não fala por si, faz-se necessária uma teoria que o informe. A observação não é uma atividade neutra, desinteressada, como querem crer os empiristas-indutivistas. Toda observação é realizada com um determinado propósito, definido a partir dos interesses e opções do observador. Os dados da observação é uma ex-pressão da teoria que orienta, já que os dados achados requereram antes o de-cidir o que procurar. Ou seja: toda observação requer uma teoria que a oriente, caso contrário, não se sabe o que, para que, nem onde observar (CHALMERS, 1993). Assim, com base nesses quatro eixos, a dimensão prática do currículo foi edificada procurando enfrentar o recuo da teoria na formação de professores (MORAES, 2003), elevando a consciência filosófica e prática dos alunos-profes-sores.

Conclusão

Podemos afirmar que esse novo currículo teve como principal finali-dade enfrentar as questões ontológicas e epistemológicas que obstaculizam a superação da visão empírico-analítica de mundo que domina o senso comum educativo, principalmente nos cursos de formação de professores de ciências. Assim, procuramosdidatizar aspectos fundamentais na formação de professores que geralmente não são abordados nos cursos que conhecemos, a exemplo da

Page 197: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

197Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

ontologia do ser social: sua gênese e desenvolvimento a partir de uma perspec-tiva marxista, da economia-política ao longo do desenvolvimento humano, do trabalho como fundante do ser social e como princípio educativo, das questões históricas e filosóficas da ciência/química e da educação, da pedagogia históri-co-crítica e da psicologia histórico-cultural como referências para os processos de ensino e de aprendizagem, dentre outros. Devemos registrar também a dificuldade encontrada por muitos alunos-pro-fessores na superação dessa visão de mundo, principalmente por uma herança social de não apropriação e desenvolvimento de conhecimentos básicos que lhes foram negados ao longo da sua trajetória de vida. Na verdade, muito desses conhecimentos foram esvaziados da sua estrutura relacional e histórica e/ou da sua função social, inclusive os conhecimentos específicos da química. Essas dificuldades não têm sido utilizadas para excluí-los do processo formativo, ao contrário, têm sido um grande desafio para nós professores, têm sido um campo profícuo de pesquisa no campo da didática e de outras áreas correlatas. Nem todos alunos-professores conseguem chegar ao final desse processo no ápice que imaginamos e projetamos como objetivo maior do curso, entretan-to, uma coisa podemos afirmar: a visão ingênua de sociedade, de conhecimento, de ciência, de educação, geralmente tomadas nos seus fragmentos, se não são superadas na sua totalidade são pelo menos perturbadas, abrindo caminho para na formação continuada após o curso se ampliar e sedimentar. Já temos relato de ex-alunos que reforçam isso. Assim, entendemos que essa nova forma de estruturar o currículo, com seus pressupostos ontológicos e epistemológicos calcados no materialismo histórico e dialético,radicalizou na análise da realidade social, trazendo uma outra concepção de homem, sociedade, conhecimento, ciência e prática educativo, com desdobramentos na ação pedagógica dos futuros professores de química do Parfor, superando assim o referencial empírico-analítico que tem dominados os cursos de formação de professores de ciências.

Referências

ABRANTES, Paulo César Coelho. Imagens de natureza e imagens de ciência. Campinas: Papirus, 1998.ANUNCIAÇÃO, B. C. P. Ensino de química na perspectiva histórico-crítica: análise de uma proposta de mediação didática contextual na educação do cam-po. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências), Univer-

Page 198: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

198Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

sidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.ANUNCIAÇÃO, B. C. P. A pedagogia histórico-crítica na formação inicial de professores de química na Ufba: limites e possibilidades no estágio curricular. Tese de Doutorado (doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 28/2001, de 2 de outubro de 2001. Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de For-mação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licencia-tura, de graduação plena. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf> Acesso em: 16 jan.2007CHALMERS, Alan F. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993CHASSOT, Attico I. Alfabetização científica: questões e desafios para a edu-cação. Ijuí: UNIJUÍ, 2000.DELLA FONTE, Sandra. Agenda pós-moderna e neopositivismo: antípodas solidários. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 110, p. 35-56, jan. Mar. 2010.DEMO, P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. FOUREZ, Gérard. Alfabetización científica y tecnológica. Buenos Aires: Co-lihue, 2005. FREITAS, L. C. Uma pós-modernidade de libertação: reconstruindo as esperanças. Campinas: Autores Associados, 2005.HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. HODSON, Derek. Redefining and reorienting practical work in school science. School Science Review, London, v.73, n.264, p.65-78, 1992.DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2007.LEONTIEV, A. O Desenvolvimento do psiquismo. 2.ed. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2004. LESSA, S.; TONET, I. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008.LESSA, S. Para compreender a ontologia de Lukács. 3. ed. rev. e ampl. Ijuí: Unijuí, 2007. LÔBO, Soraia Freaza. A licenciatura em química da Ufba: epistemologia, currícu-lo e prática docente. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.LUKÁCS, G. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. Disponível em:<http://www.moviments.net/espaimarx/docs/818f4654ed39a1c-

Page 199: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

199Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

147d1e51a00ffb4cb.pdf>. Acesso em: 16 jan.2007.LUKÁCS, G. Prolegômeros para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. Tradução de Lya Luft e Rodnei Nascimento; supervisão editorial de Ester Vaisman. São Paulo: Boitem-po, 2010.LUKÁKS, G. Para uma ontologia do ser social I. Tradução Carlos Nelson Coutinho, Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012. 2v.MARTINS, L.M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-críti-ca. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2013.MARX, K. O capital: o processo de produção do capital. Rio de Janeiro: Civili-zação Brasileira, Livro 1, v.1. 1980.MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. 1. ed. reimpressa. São Paulo: Boitempo, 2006. MARX, Karl; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.MATTHEWS, M. R. História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de reaproximação. Caderno Catarinense de Ensino de Física, local, v. 12, n. 3, p. 164-214, 1995.MEDEIROS, Alexandre; BEZERRA FILHO, Severino. Ciência & Educação, Bauru, v.6, n.2 p.107-117, 2000.MESSEDER NETO, H. da S. Abordagem contextual lúdica e o ensino e a aprendizagem do conceito de equilíbrio químico: o que há atrás dessa corti-na? Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências), Univer-sidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.MESSEDER NETO, H. da S. Contribuições da psicologia histórico-cultural para ludicidade e a experimentação no ensino de química: além do espetá-culo, além da aparência. Tese de Doutorado (doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.MORADILLO, E. F. A dimensão prática na licenciatura em química da UFBA: possibilidades para além da formação empírico-analítica. Tese(Doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia, Sal-vador, 2010.MORAES, Maria Célia Marcondes de (Org.). Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução críti-ca. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2009.NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método em Marx. Expressão

Page 200: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

200Licenciatura em Química do Parfor/UFBA - Brasil: superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de formação de professores de ciências - Edilson F. de Moradillo - Hélio da S. Messeder Neto - Barbara Carine Soares Pinheiro

Popular, 2013OKI, M. C. M. A história da química possibilitando o conhecimento da natureza da ciência e uma abordagem contextualizada de conceitos químicos: um estu-do de caso numa disciplina do curso de química da Ufba. 2006. Tese (Douto-rado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.SANTOS, Wildson L. P.; SCHNETZLER, Roseli P. Educação em química: com-promisso com a cidadania. Ijuí: Unijuí, 1997.SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 1995. SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 38. ed. Campinas: Autores Associados, 2006.SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007. SAVIANI, Demerval; DUARTE, Newton (orgs). Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2012.TONET, Ivo. Educação, cidadania e emancipação humana. Disponível em: <http://www.geocities.com/ivotonet/arquivos/Educação, cidadania e emanci-pação humana.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2007a.TONET, Ivo. Modernidade, pós-modernidade e razão. Disponível em: <http://www.geocities.com/ivotonet/arquivos/>. Acesso em: 16 jan. 2007b.VYGOTSKI, L. S. Teoria e método em Psicologia. São Paulo, SP: Martins Fon-tes, 1996.VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2009.VIGOTSKI, L.S. Psicologia Pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Pau-lo: Martins Fontes, 2010.VYGOTSKI, L.S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Machado Nuevo aprendiza-je, 2012.VIGOTSKI, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2012

Page 201: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

MUDANÇA DE ESTRATÉGIAS: NOVAS PRÁXIS, NOVAS CONEXÕES

Katia da Silva Ribeiro Araujo

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar um relato de experiência como professora do PARFOR na disciplina Projeto de Ensino de Música II,à medida que adota estratégias diferenciadas para atenderàs necessidades e interess-es de uma turma de alunos,com vistas a um melhor aproveitamento na disci-plina. Para atingir tais necessidades, a professora, na efetivação de suas au-las,tem se pautadono conteúdo da disciplina,em estudos e pesquisasa respeito dos processos psicológicos que estão envolvidos no ensino e nas necessidades pedagógicas dos alunos. Para tanto, fundamenta-se na Teoria Histórico-Cultural, sobretudo nos estudos de Vigotski(1998; 2009), Fontana e Cruz (1997) e em pesquisadores voltados à educação musical como Willems (1966) e Koell-reutter (1990).A metodologia utilizadadescreveo encadeamento das aulas, os seminários realizados, a organização dos planejamentos, que, por desejo dos alunos, tornou-se um projeto de ensino, além da visita em uma escola particu-lar de música, onde os alunos vivenciaram várias atividades diferenciadas, que envolviam diretamente os conteúdos que estavam sendo estudados em sala de aula. Neste processo, constatou-se queo uso de metodologia diferenciada contribui para um salto qualitativo na compreensão e aprofundamento do conhe-cimento pedagógico musicalpelos alunos, e colaborou paraampliar as perspecti-vas educacionaisque a formação inicial e continuada propõe ao futuro professor de música do Programa PARFOR.

Palavras-chave: Processos psicológicos.Metodologia diferenciada.Necessi-dades pedagógicas no ensino de música.

Introdução

A escolha de estratégias diferenciadas para desenvolver o ensino é o caminho que alguns professores utilizam para atingir seus objetivos educacio-

Page 202: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

202Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

nais e para desenvolver sua metodologia com maior êxito. Além disso, tratar de conteúdos que já foram estudados ou que estão em processo de significação, oumesmo a falta de material e espaço físico inadequado, os quais impossibilitam um melhorentendimento a respeito do que está sendo ensinado, necessitam de incentivos e pressupõem que sejam procurados pelo professor para mudar a for-ma de ensinar, utilizando meios diferenciados para desenvolver sua metodologia para trabalhar com os conteúdos pretendidos. A intenção da mudança é para que o aluno compreenda o conteúdo, faça relações e conceitue, ressignificando seu conhecimento sobre o estudo em questão. Pressupõe-se que isto deva ocor-rer em todas as áreas de ensino, em qualquer idade e de várias formas. No que se refereao ensino voltado ao adulto,Brito et al. (2012) afir-mam que a utilização de materiais e recursos didáticos diferenciados, como jogos didáticos em atividades lúdicas,podem ajudar o professor a atingir os conteúdos que lhe são propostos no ensino médio. Bergamo (2010) vai além desta afirma-tiva, acrescentando que a utilização de metodologias diferenciadas no ensino superior possibilita a reflexão dos alunos e professores a respeito da questão de como está sendo desenvolvido o ensino. Essa possibilidade, segundo a autora, melhora o relacionamento entre professor, aluno e a disciplina. Neste processo, é necessário que se faça uma emenda sobre a organi-zação de uma metodologia diferenciada, já que ela está vinculada a outros fins. A metodologia diferenciada surtirá resultados benéficos aos anseios do professor se ele conhecer e considerar os processos de desenvolvimentopsicológico do aluno, quer dizer, identificar como ocorre o avanço cognitivo das futuras relações conceituais que o aluno fará sob a metodologia utilizada.O significado desta ar-gumentação, é que o professor, aopriorizar uma metodologia diferenciada,não deve perder de vistaos conceitos que serão evidenciados,paraorientar o aluno a estabelecer uma relaçãoentre os conceitos que conhece comos novos conceitos que estão sendo trabalhados, reconhecendo as atividades intelectuais contidas nessa elaboração para poder mediar tais relações. Esta observação se fundamenta na Teoria Histórico-Cultural de Vigotski, e uma das perspectivas que sua obra oferece é promover um olhar dialético no desenvolvimento do conhecimento. A dialética do conhecimento nunca alca-nça uma etapa definida e acabada, mas está sempre em processo de ressig-nificação e isto se encaixa na busca do professor em rever a sua metodologia e diferenciá-la, para que o aluno ressignifique seu conhecimento ou se apro-prie de algo que ainda não sabe. Neste caso, se o professor induzir, direcio-nar, possibilitar ou problematizar o conhecimento do aluno como um aspecto

Page 203: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

203Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

de desenvolvimento psicológico, fatalmente, ele estará promovendo a dialética do conhecimento por intermédio de sua mediação devido ao estímulo dado.Isto ocorre quando a atividade, em sua totalidade, é transformada pelo indivíduo por uma situação estimuladora,que, neste caso é oferecida pelo professor. Segun-do Vigotski (1998), a “mediação” é quando o indivíduo transforma a situação estimuladora como parte do processo em resposta a ela (p.18). À medida que o professor domina este conhecimento ele passa a reconhecer qual a importânciados processos psicológicos para o desenvolvi-mento intelectual.A intencionalidade da ação pedagógica em relaçãoà dialética do conhecimento faz da escola, neste caso, o ensino superior, um lugar que or-ganiza a aprendizagem, e cabe ao professor estabelecer atividades que promo-vam o desenvolvimento das funções psicológicas de seus alunos. Estas devem ser organizadas levando-se em consideração a complexidade das relações das funções psicológicas e as possíveis conexões que podem ser estabelecidas en-tre elas (FONTANA; CRUZ ,1997).

Mudanças de estratégias e novas conexões

A disciplinaProjeto de Ensino de Música II está inserida no Programa PARFOR em Música, no módulo VIII, composta por 60h, distribuídas em um semestre com quatro horas-aula semanais. Seu objetivo é propor ao aluno o desenvolvimento de seminários que abordem práticas de ensino de música. A turma queparticipou desta disciplina era composta por doze alunos, e todos interessados em ampliar seu conhecimento sobre música e como desen-volvê-lo em sala de aula. Cada qual com seus objetivos específicos, mostravam interesse em aprender e adequar a sua aprendizagem musical à sua realidade escolar, apropriando-se do ensino de música de forma consciente, ressignifican-do seu conhecimento musical. Com estas perspectivas, propusaos alunos, no início das aulas, que apre-sentassem um planejamento e o expusessem por meio de formas práticas emum seminário, assim poderia me aproximar mais dos seus conhecimentos pedagógi-cos. As apresentações dos seminários ocorreriam da seguinte forma: os alunos dividir-se-iam em quatro grupos,e cada um deles organizaria um planejamento de aula. Na aula seguinte, dois grupos apresentariam os planejamentos elabora-dos por meio de seminário, e os outros dois gruposo fariam no próximo encontro e sob a mesma sistemática. Na sequência, após a apresentação dos dois pri-meiros seminários, discutiríamos no grande grupo o desenvolvimento das aulas

Page 204: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

204Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

apresentadas, trazendo em pauta a organização do planejamento, os critérios utilizados para a escolha dos conteúdos musicais, a coerência entre as ativi-dades e a postura do (a) professor (a). Neste processo, procuraria inserir-me como mediadora nas relações entre a teoria e a prática, verificando como es-tava se sedimentado o conhecimento musical dos alunos na organização de um planejamento de aula e, consequentemente, como seria sua execução. Embora os alunos tivessem gostado da proposta para o desenvolvimen-to da disciplina, ao conversarcom o grupo, entendi que havia necessidade de elaborarmos as aulas com certa perspectiva de tempo de trabalho para a efe-tivação das atividades. Foi neste momento que um dos alunos manifestou o desejo de aprender a organizar um projeto de ensino, de como se organizaria a sua estrutura. Inferi que esta seria uma oportunidade para os alunos reverem a organização de um planejamento realizarem as amarrações necessárias para ser estruturado com consistência para a sua realidade. Segundo o aluno, atuante no 1º ano do ensino fundamental da rede públi-ca, ele não sabiacomo organizar um projeto, acrescentando que esta dúvida não era só dele, mas dos demais colegas de sala.Ressaltou que, na oportuni-dade, poderíamos rever algumas questões pedagógicas implicadas neste estu-do, como: Quais os critérios usados para escolher os conteúdos que comporiam este projeto? Como ir aprimorando a aprendizagemdos conteúdos ao longo do processo?Como seria feita a amarração entre conteúdos, objetivos e metodolo-gia num processo de planejamento para um ano de desenvolvimento? Como o projeto poderia ter continuidade para os outros anos do ensino fundamental caso quisesse ampliar o projeto? A discussão sobre o que foi proposto estava em pauta, tomou conta da sala com várias opiniões:Como seria o projeto? O que implicaria? Como poderia atender a todos na sala, uma vez que tínhamos realidades diferentes?Observei que a empolgação foi geral, todos falavam juntos, davam opiniões e sugeri-am como as aulas deveriam ser desenvolvidas. Foi então que outra aluna se manifestou, informando que ela trabalhava com crianças especiais, mas que, para ela, seria muito bom aprender a fazer um projeto, porquepoderia adaptar para suas aulas, mensurando o objetivo e o grau de dificuldade proposto para o seu desenvolvimento. Aproveitando o que a aluna havia mencionado, coloquei aos alunos que, na sala, tínhamos professores que lecionavam para alunos não só do 1º ano do ensino fundamental, masaté ao 9º ano, então, teríamos que fazer relações de adaptações para os outros anos também, como a colega havia ressaltado. Neste

Page 205: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

205Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

momento,a discussão foi retomada, os alunos concordaram com as abordagens e outros alunos se colocaram, falando que o projeto de ensino seria um apoio pedagógico a que eles poderiam recorrer quando houvesse possibilidade ou in-teresse em sua prática de ensino. Ante as manifestações dos alunos, entendi que poderia traçar uma es-tratégia de ensino diferente para atender às pretensões ali apresentadas e, ao mesmo tempo, conjugar com o que era proposto pela disciplina.Paracompor uma nova forma de trabalhar, propusa organização do projeto de ensino no decorrer das aulas, juntamente com o seminário. Desenvolveríamos a estrutura do proje-to em sala de aula, discutindo ponto a ponto sobre sua organização. Ressaltei, na questão do projeto, que era necessário fundamentar as propostas que fos-sem apresentadas, no entanto, não iríamos fazê-lo porque não havia tempo hábil para a elaboração textual fundamentada. Embora a estrutura do projeto fosse apresentada, a maior preocupação deveria ser a relação entreos conteúdos no projeto e nos deter na organização dos planejamentos. Desta forma, na sequência da aula, apresentariam em forma de seminário o que havíamos planejado e, por fim, discutiríamos os seminários apresentados.Ficou estabelecido que os encontros ocorreriam da seguinte forma: 1º momento – seminário, 2º momento – debate e 3º momento – planejamento do projeto. No decorrer das aulas, pude observar que a maior dificuldade dos alunos não era tanto organizar um projeto, mas estabelecer a vinculação entre objetivos e conteúdos e, sobretudo, como estender um projeto por mais tempo sem per-der de vista seus objetivos. Para atender às necessidades dos alunos, propus, após iniciado o projeto, que os planejamentos fossem organizados num formato diferente para estimular as relações dos conteúdos ali presentes. Desta forma, a estrutura do planejamento ficou assim definida: cada objetivo específico seria numerado de acordo com quantos objetivos fossem escolhidos pelo grupo. O conteúdo seria especificado por letras de forma maiúsculas segundo a quanti-dade e quais conteúdos o grupo definisse. Por fim, acrescentamos um aspecto a esta estrutura: os eixos de ensino (percepção, execução e linguagem musical).Os eixos se apresentariam como aspectos básicos que representam a formação completa no ensino de música, e estão intimamente ligadosà formação global do indivíduo,os quais seriam apresentados no planejamentopor números romanos.A necessidade de inserir esses eixos no planejamento justifica-se em virtudede os professores mostrarem uma necessidade em firmar o seu conhecimento mu-sical, justamente por estarem iniciando um processo de autossuficiência deste conhecimento.Neste caso, os eixos ofereceriam uma sustentação na elaboração

Page 206: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

206Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

dos seus planejamentos. Os três eixos empregados estão baseados nos estudos dos pedagogos musicais que pontuam sobre as necessidades do ensino de música fundamen-tar-se nesses aspectos, além de estarem relacionados com o desenvolvimento psicológico do ser humano. Willems (1966, p.5), em sua obra, estabelece alguns princípios básicos para o método ativo de educação musical, dentre os quais destacam-se suas considerações com relação às“[...] relações psicológicas es-tabelecidas entre a música e o ser humano”. Para ele, as relações psicológicas são caracterizadas como um conjunto de conexões entre a música e o desen-volvimento global do indivíduo – implicando aqui várias facetas de seu proces-so de desenvolvimento. Por exemplo, a aprendizagem do ritmo pode ter um desdobramento na vida fisiológica dos indivíduos, ligada à execução; o contato com a melodia envolve a vida afetiva, uma vez que, por intermédio dela, há o desenvolvimento da sensibilidade, intimamente ligada à percepção; e o apren-dizado da harmonia tem desdobramentos nos processos cognitivos, por implicar na apropriação de um conhecimento específico –a linguagem. Koellreutter (1990) vai além das relações psicológicas que Willems (1966) pontua, ele registra a linguagem musical como signos.Elucida que a leitura e a es-crita musical se utilizam de signos para representá-las, estabelecidas convencio-nalmente pelos signos com a intenção de comunicar e transmitir uma mensagem. Expliquei que o motivo de dar relevância a estes eixos se deve ao fato de promoverema conscientizaçãodo professor, ajudando-o a não perder o “foco” do seu ensino, mantendo-o voltado para um ou dois desses aspectos musicais ou to-dos, trazendo em sua consciência o que ele quer atingir ao usar determinado eixo. Levantados os pontos principais e nomeados diferentemente, o aluno, ao elaborar uma atividade, deveráespecificar,àfrente de sua metodologia, o objetivo específico a que a atividade se relaciona, bem como oconteúdo proposto e em qual eixo ela se encaixa. Como neste exemplo:

Estrutura de planejamento

• Objetivo Geral: .....• Objetivo específico: 1- ................. 2- ................. etc.• Conteúdo: A - .......B - ........ C - ....... etc.• Eixos: I – Percepção II – Execução III – Linguagem

Page 207: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

207Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

Este formato de planejamento contribuiu em muito para que o aluno, neste caso, professores atuantes no ensino público, relacionasseentre si os eixos e com os outros aspectos nomeados, dando significação às atividades e facilitan-do a verificação doque foi planejadoatravésdas siglas antes do encaminhamento das atividades. Sobre os eixos,uma alunado curso pondera:

Leciono há 14 anos e sempre fiz o planejamento de minhas au-las seguindo o padrão proposto nos livros de didática, que se baseiam nos objetivos, conteúdos, procedimentos didáticos, re-cursos e avaliação. No momento de aplicar as aulas, através desses planejamentos, observava que o risco de desviar dos ob-jetivos era muito grande, mas no ano de 2014, pude vivenciar at-ravés das aulas de Prática de Ensino do Curso de Música, ofere-cido pelo PARFOR, uma nova forma de elaborar o planejamento que me manteria dentro do foco dos objetivos propostos. Além de conter os objetivos, conteúdos, procedimentos didáticos, re-cursos e avaliações, ele apresentava três eixos norteadores do planejamento: percepção, execução e linguagem. Esses três eixos fazem toda a diferença no momento da aplicação das au-las, pois eles mostram o real objetivo da atividade aplicada.

Este depoimento ratifica os benefícios que a mudança de estratégia po-dem trazer no conhecimento do aluno ena reorganização conceitual que tem a respeito de um conteúdo. É nesta reorganização que aparecem os processos de relações entre os conteúdos que estão imbricados com os processos psicológi-cos de desenvolvimento, e é desta forma que a dialética entre conteúdo pré-es-tabelecido e uma nova forma de articular o mesmo conhecimento promove o salto qualitativo no desenvolvimento intelectual do aluno. Neste caso, aprender a organizar um planejamento e, com isto, fazer uma perspectiva de significação de conteúdos a longo prazo, isto é, no projeto de ensino.

• Metodologia: Atividade 1– (1,A,I) Elaboração de uma atividade que en-volveria, como exemplo, o objetivo específico 1, o conteúdo A e o eixo I, quer dizer, o foco desta atividade é desenvolver a percepção (eixo I) vinculada aos outros aspectos. Atividade 2 – (2,A/B,I) ..... Atividade 3 – (1,A,II) .....etc.• Avaliação: ......

Page 208: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

208Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

Atividades práticas diferenciadas

No decorrer das aulas, os alunos constataram que nem sempre o que fora planejado acontecia na prática, precisando fazer adaptações, mais que isto, discutindo o porquê que não deu certo. Na motivação em reavaliar os planeja-mentos, foram abordadas pelos alunos,atividades que, a princípio, pertencem a áreas diferentes, mas que poderiam ser utilizadas como meio para musicalizar, dando suporte para uma aula diferente. A dança seria um desses meios, a qual colaboraria para que o aluno vivenciasse os elementos musicais em estudo através do corpo. Outra atividade seria a construção de instrumentos diferen-ciados, em que os alunos verificariam que não são somente os instrumentos convencionais que podem fazer música, mas os instrumentos não convencionais também, destacando que a pesquisa sonora seria um ponto alto nesta atividade. Jogos pedagógicos musicais diferenciados seria outro recurso, para que, por meio da brincadeira, os alunos pudessem vivenciar os elementos musicais de uma forma lúdica. E, por fim, sugestões de como organizar uma sala de aula na rede pública, já que o ensino público, na maioria das vezes, passa por escas-sez de materiais e/ou espaço físico,sendo conveniente, portanto, o professor se preparara respeito de como organizaruma sala de aula sem ter muitos recursos. Diante das novas argumentações, e porque estávamos há algum tem-po trabalhando no formato apresentado, sugeri aos alunos, que fôssemos em uma escola particular de música de Londrina fazer um dia de aula diferente, envolvendo todos os pontos abordados e, no encontro posterior a essa aula, retomaríamos as nossas atividades, incorporando, se possível, o que foi visto na aula diferente. A aceitação da proposta foi geral, todos gostaram da mudança e ansiavam pelas novas atividades. Neste caso, mudei novamente a estratégia da aula, para atender aos aspectos pedagógicos que buscavam. Entrei em contato com a escola, acertamos o dia da visita e marcamos um dia inteiro de atividades.No período da manhã, visitamos a escola, vimos a organizaçãodas salas e a distribuição de materiais. Ainda no período da manhã, trabalhamos com algumas danças que tinham como enfoque os conteúdos de música que estávamos estudando em sala de aula, e que poderiam, se quises-sem, inserir no planejamento do projeto. No período da tarde, iniciamos a construção de instrumentos musicais, observando os modelos de instrumentos diferentes que a escola nos ofereceu para conhecer. Foram feitos vários instrumentos, dentre eles, tambor de bexiga, carrilhão de prego, bongo, pau de chuva de 1,5m mais ou menos e som do mar.

Page 209: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

209Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

Todos esses instrumentos poderiam ser inseridos nos planejamentos do projeto, ou como atividade que complementaria a continuidade do projeto para os próxi-mos anos do ensino fundamental. Para finalizar a aula diferente, fomos ver os jogos pedagógicos que a escola utilizava na realização das suas aulas. Vimos jogos para iniciação à musicalização, que trabalha com as propriedades do som (altura, intensidade, duração e timbre), jogos para a leitura relativa musical e jogos para a leitura formal musical. Alguns alunos tiraram fotografias para ter o modelo do material e construir em outro momento. Embora o dia tenha sido proveitoso e intenso de atividades, não conseguimos ver todos os materiais e a aula já estava terminan-do, por isto, a escola deixou todo o material à disposição para uma nova visita. No encontro seguinte, conversamos sobre como foi o aproveitamento desta aula diferente e, no geral, os alunos que foram gostaram, dizendo que tudo o que foi realizado seria aproveitado para as futuras aulas e o quanto era importante fazer as atividades para sentir a sua realização e, assim, propor a atividade com mais conhecimento para seus alunos. No encontro seguinte, retomamos as atividades da organização do pro-jeto, contudo faltavam poucas aulas para cumprirmos o que nós havíamos nos proposto a fazer, quer dizer, elaborar o planejamento e, depois, executá-lo como seminário. Sendo assim, nas aulas seguintes, foram feitos os planejamentos que deveriam compor o projeto, sem a práxis dos seminários de todas as aulas, para conseguirmos terminaro projeto, emboracada grupo realizasse quatro seminári-os, fechando com apresentações o 1º trimestre do projeto de ensino. Desta forma, as atividades foram finalizadas em dezembro com o pro-jeto de ensino completo e a realização práticado 1º trimestre deste projeto. Vi-mos que, ao elaborarmos os planejamentos, eles não são estruturas de aulas cristalizadas, mas um fio condutor que orienta o caminho do professor e que pode modificar-se conforme o desenvolvimento dos alunos e suas necessidades pedagógicas.

Considerações finais

De acordo com as articulações aqui apresentadas, observou-se que as metodologias diferenciadas não implicam somente no seu dizer literal, mas num processo psicológico de relações imbricadas na atividade. Essas relações se sustentam pelo conhecimento sistematizado que o professor mediará, para que o aluno desenvolva suas organizações conceituais, ressignificando seu conheci-

Page 210: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

210Mudança de estratégias: novas práxis, novas conexões - Katia da Silva Ribeiro Araújo

mento.Neste caso, o papel do professor é de mediador, devido ao conhecimento que ele tem sobre as ações, conduzindo o aluno a reorganizar seus conceitos. Constatou-se que a mudança de estratégia para a vivência de atividades na prática contribuiu para que os alunos sentissem a ação da atividade e verifi-cassem os elementos nela contida, podendo ensinar com maior atribuição seus alunos. No decorrer da disciplina, foi observado que as necessidades pedagógi-cas ocorrem a todo o momento, e que o professor mudando sua estratégia de ensino podeatendê-las. Ficou evidente queo professor e o alunotrabalham jun-tos para ressignificar conceitos pré-estabelecidos, e que ambos,por intermédio da dialéticapromovida pelo estímulo do professor e o retorno do aluno, podem transformar a educação.

Referências

BERGAMO, M. O uso de metodologias diferenciadas em sala de aula: Uma experiência no ensino superior. Revista Eletrônica Interdisciplinar, v. 2, n.4, UNIVAR, 2010. Disponível em: <http://revista.univar.edu.br/downloads/metod-ologiasdiferenciadas.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2015.BRITO, L. C. da C.; BORGES, A.P. A.; BORGES, C. de O.; SANTOS, D. G dos S. MARCIANO, E. da P.; NUNES, A. M. T. Avaliação de um minicurso sobre o uso de jogos no ensino. RBPG– PIBID: experiências e reflexões, Brasília, DF supl. 2, v. 8, p. 589-615, mar. de 2012. Disponível em: <http://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/viewFile/257/246>.Acesso em: 14 jan.2015.FONTANA, R. A. C.; CRUZ, M. N. da Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.KOELLREUTTER, Hans J.Terminologia de uma nova estética musical. Porto Alegre: Movimento, 1990. VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.______.A construção do pensamento e da linguagem. 2.ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2009.WILLEMS, Edgar.Educación musical i guía didáctica para el maestro. Bue-nos Aires: Ricordi Americana,1966.

Page 211: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

O PARFOR NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ (UFOPA): PERSPECTIVAS PARA A MELHORIA NA PRÁXIS

PEDAGÓGICA

Eliane Gracy Lemos Barreto1

Anselmo Alencar Colares2

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar o processo de imple-mentação e os resultados do PARFOR na UFOPA (Campus Monte Alegre/PA), no período de 2010-2014. Parte do princípio de que as políticas de formação do-cente, implementadas no Brasil nas últimas décadas, têm conseguido atender os aspectos quantitativos diante da demanda por capacitação profissional. No en-tanto, faz-se necessário atender aos aspectos qualitativos dessa formação, pois o conhecimento teórico docente é importante, mas, este não deve se sobrepor à capacitação didático-pedagógica necessária à práxis docente. A metodologia utilizada baseou-se na abordagem qualitativa, a partir de pesquisas bibliográ-fica, documental e de campo, com a utilização de entrevistas e questionários semiestruturados, alicerçados em três categorias de análises: 1) Gestão; 2) Im-plementação e; 3) Resultados. As interpretações/inferências apontam que, para que haja significativa mudança na ação didático-pedagógica docente, tornam-se imprescindíveis adequações nos processos de implementação e de gestão des-sa política. Os resultados indicam que houve problemas no processo de imple-mentação do PARFOR na UFOPA, mas, há também, enormes possibilidades, para que esses resultados não sejam apenas em termos quantitativos, e reflitam, efetivamente, na melhoria da práxis pedagógica docente.

Palavras-chave: Políticas públicas. Formação de professores. Capacitação didático-pedagógica.

1 Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Formada em Pedagogia e Filosofia. Espe-cialista em Psicopedagogia Institucional e Gestão Escolar. Mestra em Educação. Professora da Educação Básica Pública. E-mail: [email protected].

2 Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Graduado em Pedagogia. Especialista em Ensino Superior. Mestre em Educação e Doutor em Educação. Pós Doutor em Educação. Professor efetivo da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). E-mail: [email protected].

Page 212: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

212O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

Introdução

Após a redemocratização do ensino e a promulgação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – Lei n.º 9.394/1996 (LDB), o professor tem sido alvo de debates com vistas à sua qualificação profissional, entendida pelos for-muladores de políticas públicas como importante e necessária para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Diante da implementação de políticas públicas referentes à formação de professores que atuam na educação básica pública no Brasil, um número significativo de profissionais tem sido contemplado. No entanto, seus resultados não têm causado mudanças significativas ante os problemas relacionados à falta de qualidade no ensino. A literatura revela um consenso entre vários estudiosos3 sobre a temática “Políticas Educacionais e Formação Docente” de que as políti-cas públicas voltadas para formação/qualificação de professores – concebidas nas últimas décadas do século XX, e ainda em desenvolvimento no século XXI – não têm sido suficientes para responder positivamente diante dos problemas relacionados ao ensino público brasileiro. Pois esses problemas não estão condi-cionados apenas à falta de formação e/ou à formação adequada dos docentes em exercício. Diversos fatores, como por exemplo a forma de implementação e gestão no processo de implantação dessas políticas, podem interferir nos resul-tados alcançados. Desta forma, este trabalho teve como objetivo analisar o processo de im-plementação e os resultados do PARFOR na UFOPA (Campus Monte Alegre/PA), no período de 2010-2014. Os sujeitos delimitados para este estudo foram: 1) a Coordenadora Geral do PARFOR na UFOPA; 2) o Coordenador Local do PARFOR no município de Monte Alegre e; 3) o Secretário de Educação deste Município, que por determinação legal deste Plano deverá participar efetiva-mente do processo de implementação do PARFOR, em parceria com o gestor municipal. Todos os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por meio do qual informamos que o uso das informações estaria submetido à ética e ao rigor acadêmico-profissional. Por intermédio da UFOPA, o PARFOR possui 07 (sete) polos de funcio-namento na Região Oeste Paraense em diferentes municípios4. Porém, delimi-tamos o município de Monte Alegre para a realização desta pesquisa, devido

3 Podemos destacar: Diniz-Pereira (2011), Freitas (2007), Gatti, Barreto (2009), Gatti, Barreto e André (2011), Mainardes (2011), Saviani (2008) entre outros.

4 Os sete municípios onde funcionam os polos do PARFOR através da UFOPA são: Santarém, Alenquer, Juruti, Oriximiná, Óbidos, Itaituba e Monte Alegre.

Page 213: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

213O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

ter sido o polo que atendeu e formou o maior número de professores-alunos no período de 2010-2014, recorte histórico desta pesquisa. A metodologia utilizada baseou-se na abordagem qualitativa a partir de pesquisas bibliográfica, documental e de campo, com a utilização de entrevistas e questionários semiestruturados, alicerçados em três categorias de análises: 1) Gestão; 2) Implementação e; 3) Resultados. A análise nos revelou particularidades no processo de implementação deste Plano na UFOPA, limites e possibilidades, sucessos e fragilidades, as-sim como a área de abrangência e o percentual elevado de docentes formados/capacitados por este plano. Compreendemos que o quantitativo de professores contemplados não representa garantia de qualidade no ensino público, uma vez que o mesmo apresenta algumas fragilidades no que diz respeito ao seu pro-cesso de gestão e implementação. No entanto, percebemos enormes possi-bilidades, para que os resultados do PARFOR não sejam apenas em termos quantitativos, e reflitam efetivamente na melhoria da práxis pedagógica docente.

O PARFOR na Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA.

Percebemos, que esta política educacional voltada para a formação de professores em exercício na educação básica, apresenta mecanismos de im-plementação, objetivos e metas em sua regulamentação. Dessa forma, objetiva-mos compreender como se deu o processo de implementação do PARFOR na UFOPA? Qual o modelo de gestão adotado para sua implementação? e quais os resultados alcançados? Diante da área de abrangência deste Plano, até o mês de outubro do ano de 2014, a UFOPA através do PARFOR, contemplou um número significativo de professores/alunos, conforme demonstra a Tabela 01.

Page 214: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

214O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

Tabela 01: Quantitativo de alunos ativos do PARFOR/UFOPA, por turma, por curso e por município.

Fonte: Secretaria da Coordenação Geral Institucional do PARFOR na UFOPA. Atualizado em outubro de 2014.

A partir da Tabela 01, percebemos que até este período o PARFOR, at-ravés da UFOPA, esteve presente em 08 (oito) municípios no Oeste do Pará: Alenquer, Almeirim, Itaituba, Juruti, Monte Alegre, Oriximiná, Óbidos e Santarém. Com a implantação de 26turmas, 3.261professores-alunos ativos até outubro deste ano. Ofertando cursos em 05 (cinco) áreas distintas: Licenciaturas inte-gradas: 1. Biologia e Química; 2. História e Geografia; 3. Português e Inglês; 4. Matemática e Física e 5. Pedagogia.

O PARFOR/UFOPA no município de Monte Alegre: Gestão, implementação e resultados.

A análise objetivou compreender os processos de gestão e implemen-tação do PARFOR, assim como os resultados alcançados através da UFOPA nesse município. As interpretações/inferências se concentraram na regula-mentação deste Plano a partir dos documentos que o legalizam, em estudos realizados anteriormente sobre esta política e nas concepções e percepções dos coordenadores do PARFOR nos municípios de Santarém e Monte Alegre e do Secretário Municipal de Educação do município de Monte Alegre, atuantes no período da pesquisa.

Práticas de Gestão do PARFOR na UFOPA

As entrevistas realizadas com os coordenadores e com o secretário mu-nicipal de educação foram relevantes para compararmos a gestão desenvolvida

Page 215: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

215O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

por esta Universidade com a gestão regulamentada pelo Manual Operativo do Plano, assim como as particularidades, singularidades e dificuldades, enfrenta-das por cada um no processo de gerenciamento e implementação do PARFOR, nessa Universidade. Constatamos que, desde sua implantação na UFOPA, o PARFOR já con-tou com 06 (seis) coordenações, sendo uma delas atuantes em dois períodos dis-tintos. No entanto, este fato, segundo relatos da coordenação atual, não se deve à falta de competência dos coordenadores, o mesmo tem a ver com questões relacionadas à mudança de reitoria e ao fato de alguns coordenadores terem que sair do município em busca de qualificação profissional em outros estados e/ou municípios, ou precisarem assumir outros cargos dentro da Universidade, algumas mudanças estavam relacionadas às precárias condições do quadro de funcionários desta Universidade. Diante do processo de gestão deste Plano, o qual foi planejado para fun-cionar a partir de um Regime de Colaboração, entre os entes federados, o Coor-denador Local relatou que a gestão municipal tem contribuído significativamente com a gestão do PARFOR no município de Monte Alegre.

No município de Monte Alegre, a questão da implantação do PARFOR foi bem sucedida, até porque nós sempre encontramos parceria na Secretaria de Educação e na Prefeitura. A UFOPA sempre teve essas portas abertas para conduzir o PARFOR... E na medida do possível com a colaboração, tanto do espaço físico como de pessoal. A gestão municipal sempre nos auxiliou na questão de aula de campo, também sempre tivemos apoio, de uma forma geral, a parceria e a colaboração, sempre funcio-naram bem em Monte Alegre.

Diante do processo de implantação do PARFOR nesse município, a partir do relato do Coordenador Local, percebemos a colaboração efetiva do governo municipal, através da Secretaria de Educação e da Prefeitura. Entendemos que esse modelo de gestão, baseado em princípios democráticos e em constantes interações, facilita sua execução, em que a colaboração e participação, apresen-tam-se como critérios para o sucesso deste processo, cujo objetivo principal é a construção (coletiva) dos objetivos que a Instituição pretende alcançar. Cury (2007, p.12) afirma que a gestão democrática é“por injunção da nossa Constituição (BRASIL, 1988, art. 37): transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho coletivo, representatividade e competência”. Em relação à Coordenação Geral do PARFOR, o Coordenador Local re-afirmou a problemática relativa ao alto índice de rotatividade de coordenadores

Page 216: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

216O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

gerais e fez uma avaliação do trabalho desenvolvido por cada gestão.

Em apenas um pouco mais de cinco anos, contamos com seis coordenadores institucionais do PARFOR, a avaliação que faço de todos eles, é que nós observamos que há uma dinâmica muito boa, a vontade de que a região avance na questão educacional. Todos os coordenadores demonstraram lutar por melhorias na educação, não só em Santarém, mas em todos os municípios, tanto em Monte Alegre, como nos demais, sempre tivemos o apoio necessário.

Da mesma forma, o Secretário Municipal de Educação do Município de Monte Alegre demonstrou satisfação com as gestões anteriores e com a atual gestão do PARFOR na UFOPA, tanto referente ao Coordenador Geral quanto ao Coordenador Local.

Nossa relação com a Coordenação do PARFOR sempre foi muito boa, sempre nos receberam quando solicitamos alguma reinvindicação e sempre nos apoiaram nas decisões que visa-vam atender aos pedidos dos professores que estudam aqui no PARFOR.

A fala do Secretário Municipal de Educação deixa transparecer a satisfação com a gestão do PARFOR neste município, pois o mesmo explicita que sempre manteve uma relação de cordialidade com os coordenadores e que os mesmos sempre se apresentavam disponíveis para diálogos e resolução de problemas. Em suma, diante dos relatos dos entrevistados, percebemos que a gestão, no que diz respeito à participação/interação entre os sujeitos envolvidos na execução do PARFOR/UFOPA, sempre ocorreu de forma harmoniosa e efetiva.

Características do processo de implementação.

Em relação à execução/implementação deste Plano e a participação da UFOPA neste processo, a Coordenadora Geral do PARFOR/UFOPA relatou que

Nós temos o fórum estadual do PARFOR, que é o fórum mais atuante no Brasil, ele tem uma periodicidade de reuniões, todo mês tem a reunião. Tem a reunião do Comitê interinstitucional em que todos os coordenadores das IES que fazem parte par-ticipam, no caso a UFOPA, UFPA, UEPA, IFPA e a UFRA e mais o diretor do Centro de Informação do Estado do Pará, que é o presidente do Fórum.

Page 217: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

217O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

A entrevistada deixa explícita em sua fala que conhece a realidade do Fórum do Estado do Pará e que a realização dos mesmos é imprescindível para que questões de caráter prático/operacional, de gestão e execução, sejam pon-deradas e solucionadas. Ao ser questionado sobre os possíveis problemas existentes diante de sua implementação nesse município, o Coordenador Local afirmou que:

...A internet sempre deixou a desejar, apesar de desde o início a gente ter internet, mas às vezes o sinal aqui em Monte Alegre é um pouco precário. Outro problema refere-se ao material didáti-co, apesar de todos os alunos receberem uma apostila por disci-plina, a falta de uma biblioteca para pesquisa é considerado um problema grave.

Assim, fica evidente que nem todos os acordos estabelecidos são cum-pridos pelos entes federados, apesar de em fala anterior o Coordenador Local, defender que a implantação do PARFOR/UFOPA no município de Monte Alegre foibem sucedida com a disponibilização do espaço físico e diálogo constante, as questões referentes à falta de biblioteca e à precariedade quanto ao acesso à internet não foram correspondidas. No entanto, os coordenadores advogaram que este problema independe de ações desenvolvidas apenas pelo Município. De forma geral, diante do processo de implantação do PARFOR/UFOPA no município de Monte Alegre e a participação e apoio da gestão municipal neste processo, a Coordenadora Geral expressou que:

O município de Monte Alegre, foi um campus, um polo, que des-de o início esteve sempre pronto a receber a universidade, todo momento que houve a configuração de implantação de Universi-dade em Monte Alegre, houve um diálogo com o poder decisivo local. Então, nós sempre estivemos acesso a todas as questões, para disponibilizarem as melhores escolas da época...Existe uma articulação política muito forte com o município, secretário de educação e com o prefeito e eles mantém essa articulação até hoje.

Da mesma forma, o Secretário Municipal de Educação ao ser questiona-do sobre o processo de implementação do PARFOR/UFOPA no município de Monte Alegre afirmou que:

A prefeitura através da SEMED deu total apoio e total liberdade para os docentes participarem, inclusive dando o tempo, en-curtando inclusive o calendário letivo para que eles pudessem estudar nos meses de janeiro e fevereiro, só voltando às ativi-dades, só iniciando o ano letivo, após o término de cada módulo

Page 218: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

218O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

e isso já é um apoio muito grande, e também disponibilizando a estrutura física para que pudessem funcionar as turmas.

A partir da fala do Secretário Municipal de Educação, entendemos que, se por um lado o Estado oferece condições para que o professor tenha for-mação adequada, por outro lado, a forma como esta política é conduzida, prej-udica o processo ensino-aprendizagem dos alunos, uma vez que os mesmos são penalizados com o encurtamento do calendário letivo e, consequentemente, com a supressão de algumas atividades planejadas para esses dias em que as aulas não ocorrem. Levando em consideração o atual modelo de configuração em que essa política de formação docente foi planejada, uma vez que os profissionais con-templados por este Programa estão em pleno exercício de sua profissão e sua formação acontece nos períodos de recesso e férias, Mészáros (2008, p.12), posiciona-se contrário a este modelo de formação e defende que devem existir

práticas educacionais que permitam aos educadores e alunos trabalharem as mudanças necessárias para a construção de uma sociedade na qual o capital não explore mais o tempo de lazer, pois as classes dominantes impõem uma educação para o trabalho alienante, com o objetivo de manter o homem dominado.

O determinismo neoliberal é evidentemente criticado por Mészáros (2008), pois o fato dos professores terem que estudar em seu período de férias e reces-so, estendendo-se ainda ao período letivo gera problemas/prejuízos à educação básica local e ainda um desgaste físico e emocional nos próprios professores que, após este período exaustivo, já tem que voltar às atividades pedagógicas sem seu merecido descanso.

Percepções e impressões sobre os resultados alcançados.

Os resultados alcançados por meio desta política e analisados neste es-tudo referem-se às informações expressas a partir dos documentos e do site oficial do PARFOR, dos relatórios da CAPES e das percepções dos sujeitos pesquisados em relação ao quantitativo de professores-alunos formados/capac-itados através do PARFOR/UFOPA no município de Monte Alegre, assim como sua área de abrangência. A análise foi realizada com as turmas que ingressaram a partir do 2º se-mestre do ano de 2010 e que concluíram sua graduação até o ano de 2015 no

Page 219: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

219O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

município de Monte Alegre/Pará. Para esta análise levamos em consideração o número de vagas ofertadas por curso, o número de inscrições solicitadas, núme-ro de inscrições validadas pela Secretaria de Educação, número de matrículas efetivadas, número de desistentes/desvinculados e o número de concluintes. Para o funcionamento do PARFOR/UFOPA no município de Monte Alegre-PA, foram ofertadas 05 (cinco) turmas com os cursos de: 1) Licenciatura em Pedagogia e as Licenciaturas Integradas em: 2) Biologia/Química, 3) Letras-Por-tuguês/Inglês; 4) Matemática/Física; e 5) História/Geografia. Para cada turma foram ofertadas 50 (cinquenta) vagas, somando um total de 250 (duzentos e cinquenta) vagas. É importante ressaltarmos que apenas a Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA implantou turmas nessa modalidade de Licenciaturas Integradas, nos demais estados do país as IES implantaram apenas cursos específicos em uma única área de formação, ou seja, cursos sem integração de áreas distintas ou afins5. Quanto às vagas ofertadas, número de pré-inscrições, inscrições valida-das, matrículas efetivadas, alunos em processo de conclusão e o número de concluintes por curso e por turma na UFOPA, podemos observar esses dados na Tabela 02:

Fonte: Elaborada pela autora, a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Educa-ção (Técnico do PARFOR) e pela Coordenação Local do PARFOR/UFOPA, Campus de Monte Alegre/Pará – 2015.

A Tabela 02 demonstra que houve 284 professores/alunos pré-inscritos, 249 dessas pré-inscrições foram validadas pela Secretaria Municipal de Edu-cação, 199 professores/alunos realizaram suas inscrições junto à Universidade e

5 As informações a respeito de todos os cursos ofertados e em andamento encontram-se disponíveis em: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/parfor. Acesso em: Julho de 2014.

Page 220: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

220O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

desse quantitativo, 170 professores-alunos conseguiram concluir sua formação com êxito, o que representa em média 85,4% de concluintes. Diante desses resultados, ressaltamos as concepções expressas por Barbalho (2007, p.80) a respeito da expansão do ensino superior, a partir da implementação de políticas públicas, como é o caso do PARFOR. “As políticas de expansão do ensino superior, traduzidas na criação de vagas, por meio de programas e projetos, na criação de diferentes tipos de instituições e de cursos, têm promovido a ampliação do setor”. Dessa forma, podemos inferir que o percentual de concluintes podem ser avaliados de forma positiva no município de Monte Alegre. No entanto, entendemos que esta política de formação docente se insere no contexto em que o governo tenta corrigir os erros do passado, a partir de políti-cas compensatórias, pois apenas parte da população sem formação acadêmica (no caso os professores) será contemplada. Se por um lado o governo não pode melhorar o salário dos professores, por outro lado, promove políticas que propor-cionem formação acadêmica, para que assim, possam melhorar seus proventos.Pois a mesma oferece uma formação aligeirada, de qualidade duvidosa, tendo em vista a situação de sobrecarga de trabalho do professor/aluno. É o que Frig-otto (2010) chama de “pensamento econômico neoclássico”, em que o ideário de igualdade econômica e social torna-se possível a partir de investimentos no capital humano, ou seja, quanto mais professores formados/capacitados exist-irem no Brasil, maiores serão os investimentos em educação por parte dos or-ganismos internacionais e maiores serão os lucros advindos deste setor. Em termos gerais, tendo em vista a área de abrangência do PARFOR em toda a região oeste paraense, a Coordenadora Geral relatou que:

Nós tivemos mais de 900 alunos se formando agora, e isso, consequentemente, vai refletir na sala de aula, é claro que nós trabalhamos em prol da educação, de uma educação de boa qualidade, acreditamos que os resultados vem em longo prazo.

Ao analisar a atuação da gestão municipal, o Coordenador Local conclu-iu que a colaboração/participação da Secretaria Municipal de Educação e do gestor municipal foi de suma importância para o sucesso desse processo.

O município sempre atendeu os professores do PARFOR, aos nossos pedidos... sempre contávamos com a liberação dos pro-fessores, isso evitava motivos para que houvesse evasões.

Page 221: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

221O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

A partir do relato do Coordenador Local, o Regime de Colaboração regula-mentado na legislação do PARFOR é evidenciado como efetivo e imprescindível para que os objetivos desse Plano pudessem se efetivar na prática. No entanto, os dados apresentadosna Tabela 03 revelam algumas fragilidades deste Plano, neste município.

Tabela 03: Resultados Licenciaturas do PARFOR/UFOPA – Monte Alegre/2010-2015.

Fonte: Elaborada pela autora, a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Educação (Técni-co do PARFOR) e pela Coordenação Local do PARFOR/UFOPA, Campus de Monte Alegre/Pará – 2015.

Diante desses dados, percebemos, que em média: 52% dos professores que se formaram através do PARFOR/UFOPA, nesse município, já possuíam uma 1ª Licenciatura e 48% não eram licenciados. No entanto, somente 35% se licenciaram em sua área de atuação, pois a maioria optou por fazer outra licen-ciatura, novamente distinta de seu campo de atuação. Apenas 15% atuavam em sua área de formação de acordo com sua 1ª licenciatura, 28% atuavam em áreas diferentes de sua 1ª licenciatura, 35% es-tavam atuando na área de acordo com a 2ª licenciatura, a qual foi efetivada através do PARFOR, e 32,5% ainda continuavam atuando em áreas diferentes de sua 2ª licenciatura, apesar da 2ª licenciatura objetivar corrigir essa problemáti-ca. Assim, todos os professores que se formaram através desse Plano no período pesquisado, foram inscritos e inseridos na Plataforma Freire, por meio da Secretaria Municipal de Educação, na categoria “Primeira Licenciatura”. Porém, como pudemos observar muitos não possuíam formação em nível superior e um número expressivo dos que já possuíam a 1ª licenciatura, diferente de sua área de atuação, optou por realizar a 2ª licenciaturanovamente em área diferente de sua atuação profissional. Isso significa que esses professores permanecem no

Page 222: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

222O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

contingente de professores que não possuem formação adequada à sua área de atuação profissional. Tendo em vista essas fragilidades, a partir de abril do ano de 2012, a Plataforma Freire passou por algumas mudanças. Novos módulos foram intro-duzidos e foram realizadas integrações com outros sistemas do MEC com o objetivo de torná-la mais eficiente nos processos de gestão e acompanhamento do Programa. Outras ocorreram nas Universidades, em que a forma de ingres-so/matrícula dos professores-alunos se deu a partir da apresentação de uma Declaração expedida pela Secretaria Municipal de Educação, comprovando a área de atuação desses profissionais. De acordo com o Relatório de Gestão da Diretoria de Educação Básica Presencial/Capes – DEB, Vol. 1 (2009-2014, p.35) uma das mudanças ocorridas, e que podem evitar o problema de pré-inscrições e matrículas de forma irregular/inadequada, refere-se à Integração da Plataforma Freire com outros sistemas, como a “Integração com a base de dados do Educacenso – essa ação permitiu verificar se os solicitantes de pré-inscrições estão cadastrados nessa base de dados como docentes da rede pública de educação básica”.

Considerações Finais

A pesquisa permitiu verificar que a gestão do PARFOR na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) foi caracterizada pelo alto índice de rotativi-dade na Coordenação Geral, que ao longo de cinco anos, contou com seis coor-denações distintas, as quais se mantiveram em exercício por períodos inferiores a um anoininterrupto. Entendemos que este fator gerou problemasàgestão geral do Programa, uma vez que tais mudanças “quebram” o ritmo de trabalho, sendo necessárias constantes adaptações, inserções e conhecimento do trabalho já iniciado por outra gestão.Todavia, a gestão foi realizada de acordo com a regu-lamentação constante no Manual Operativo do PARFOR. O processo de implantação do PARFOR na UFOPA foi alicerçado em princípios da legalidade e obedeceu todos os trâmites legais para sua efetivação, desde a assinatura do Termo de Adesão ao Acordo de Cooperação Técnica à as-sinatura dos Termos de Cooperação Simplificado e Aditivo. A partir das entrevistas, evidenciamos que a Coordenação Local ea Coordenação Geral compreendem que a gestão municipal cumpriu com suas atribuições de forma satisfatória. No entanto, em sua efetivação, houve problemas relacionados às dificuldades quanto ao acesso à internet e à falta de

Page 223: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

223O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

livros (biblioteca) para a realização de consultas e/ou pesquisas, pois esses fa-tores fragilizam e afetam a qualidade da formação dos professores, pois a maio-ria é oriunda da zona rural do Município, onde também não há disponibilidade desses serviços. Outra fragilidade evidenciada refere-seao fato de os professores terem que estudar em períodos além do que é previsto, comprometendo além das férias e recesso, outras fases do período letivo. Esse fato gera problemas à educação básica local e desgaste físico e emocional nos professores-alunos que após este período exaustivo têm que voltar às atividades pedagógicas sem o necessário descanso. Apesar dos problemas evidenciados, notamos que os Coordenadores (Geral e Local) desta Universidade conheciam e respeitavam os princípios definidos nos documentos que regulamentam o PARFOR diante do seu proces-so de implementação e que mantinham uma relação de cordialidade, respeito e reconhecimento diante de suas atribuições/funções entre si e com a gestão municipal.Os resultados demonstram que no município de Monte Alegre/PA, dos 284 pro-fessores/alunos pré-inscritos, 249 inscrições foram validadas pela Secretaria Municipal de Educação, 199 realizaram suas matrículas junto à Universidade e desse quantitativo, 10 desistiram e/ou foram desvinculados dos cursos, o que representa em média 5% do total que efetivaram matrícula. 170 conseguiram con-cluir sua formação com êxito, o que representa em média 85,4% de concluintes. Esta pesquisa nos possibilitou o conhecimento de que em média 74% dos professores contemplados/formados faziam parte do quadro de funcionários efetivos, menos de 5% eram funcionários temporários, menos de 2% já havia se aposentado e mais de 58% atuavam na zona rural, em escolas do campo e regiões ribeirinhase 20% dos professores formados estavam desempregados. Percebemos que tanto a nível nacional, como local, ocorreram mudanças no processo de implementação do PARFOR, na intenção de minimizar e/ou solucionar os problemas e as dificuldades evidenciadas. Algumas dessas mu-danças ocorreram no sistema eletrônico do próprio Plano (Plataforma Freire), através de sua vinculação com o sistema eletrônico do MEC (Educacenso). Outras ocorreram nas Universidades, em que a forma de ingresso/matrícula dos professores-alunos se deu a partir da apresentação de uma Declaração expedi-da pela Secretaria Municipal de Educação, comprovando a área de atuação do profissional, na intenção de evitar problemas como os evidenciados no município pesquisado.

Page 224: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

224O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

É inegável a contribuição do PARFOR na formação de professores. Os números confirmam tratar-se da mais arrojada ação do MEC visando melhorar a qualidade do ensino público no país por meio da formação inicial e/ou continuada de professores. No entanto, para que haja significativa mudança na ação didáti-co-pedagógica torna-se imprescindível que haja adequações nos processos de implementação e de gestão dessa política, para que os resultados não sejam apenas em termos quantitativos, mas, principalmente, em termos qualitativos e reflitam efetivamente na práxis pedagógica docente.

Referências

BARBALHO, Maria Goretti Cabral. A educação Superior: tendências e estraté-gias de expansão na América Latina e no Brasil. In:Antonio Cabral Neto et al. (Orgs.). Pontos e contrapontos da política educacional: Uma leitura contex-tualizada de iniciativas. Brasília: Liber Livro Editora, 2007._______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>. Acesso em novembro de 2013._______. CAPES. Manual Operativo do Parfor. Disponível em: <http://www.capes.gov.br.> Acesso em 20 de março de 2014.______. CAPES/DEB. Relatório de Gestão 2009-2014 / Volume I. Disponível em: L<http://www.capes.gov.br/images/stories/download/bolsas/20150818_DEB-relatorio-de-gestao-vol-1-com-anexos.pdf> Acesso em 04 de julho de 2015.CURY, Carlos Roberto Jamil. A gestão democrática na escola e o direito à edu-cação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. v.23, n.º 3, p. 483-495, set/dez. 2007.DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. A pesquisa dos educadores como estratégia para a construção de modelos críticos de formação docente. In: Júlio Emílio Diniz-Pereira e Kenneth M. Zeichner (Org.). A pesquisa na formação e no tra-balho docente. 2. ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.FREITAS, H. C. L. A (nova) política de formação de professores: a prioridade postergada. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n.º 100, Especial, p. 1203-1230, out. 2007. FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das relações entre educação e estrutura econômico-social capi-talista. 9.ed. – São Paulo: Cortez, 2010.GATTI, Bernadete Angelina e BARRETO, Elba Siqueira de Sá(Coord.). Profes-

Page 225: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

225O Parfor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA): perspectivas para a melhora na práxis pedagógi-ca - Elaine Gracy Lemos Barreto - Anselmo Alencar Colares

sores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.GATTI, B. A.; BARRETO, E. de Sá; ANDRÉ, M. E. D. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.MAINARDES, J.; FERREIRA, M. S.; TELLO, C. Análise de políticas: fundamen-tos e principais debates teórico-metodológicos. In.: BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Org.) Políticas educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011.MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. [Tradução Isa Tavares]. – 2.ed. –São Paulo: Boitempo, 2008.SAVIANI. Dermeval. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. 6. ed.; I reimpressão – Campinas, SP: Au-tores Associados, 2008.

Page 226: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

O TEMPO DA ESCOLHA: AS VOZES DE ESTUDANTES PRO-FESSORES QUE CURSAM SEGUNDAS LICENCIATURAS NO

PARFOR/UEL1

Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza (UEL)2

Resumo

Este relato que agora apresento é o resultado de uma pesquisa assistemática que desenvolvi com professores-estudantes da 2ª Licenciatura em Artes Visuais do PARFOR/UEL. Considerando que o significado do tempo na vida destes era o ponto central dessa breve pesquisa adotei como referencial teórico Maffesoli eTardif, entre outros. Conclui que o tempo, apesar de significados diferentes para cada professor-estudante, é fator primordial na formação de professores e que o PARFOR é de grande relevância para a educação básica pública.

Palavras-chave: Parfor; Tempo; Formação docente.

[...] é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de

experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada

ocorre. Jorge Larossa Bondía

O relato que faço agora é fruto de uma pesquisa assistemática que realizei com alunos do curso de 2ª Licenciatura em Artes Visuais do PARFOR/UEL, ofer-tado pelo departamento de Arte Visual. Adoto como postura de pesquisa o que propõe Maffesoli (1984) com a so-ciologia do cotidiano, aprendendo a “ouvir o mato crescer”, me atento às coisas simples; procurando equilibrar o que está dito e o que está por se dizer. O so-

1 Este trabalho foi apresentado no VIII Seminário de Estudos sobre Linguagem e Significação (SELISIGNO) e IX Simpósio de Leitura da UEL

2 Professora Associada do Departamento de Arte Visual/UEL e Coordenadora Geral do PAR-FOR/UEL. [email protected]

Page 227: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

227O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

ciólogo diz que compreender o cotidiano significa perceber os mil nadas, seu colorido, seus cheiros, seus gostos, seus sons. Todos esses nadas do concreto e do vivido são importantes numa abordagem fenomenológica. Não quero dizer com isso que estamos fazendo uma apologia ao irracio-nalismo, mas como as relações estão num constante presente, num constante fazer-se, é preciso uma teoria do conhecimento que também seja inacabada, aberta e libertária. Nesse sentido, Maffesoli (1984) propõe um patchwork reflex-ivo capaz de explicar o fluxo de vida que se busca compreender. Por isso, ele fala de uma ética estética, aquela que se constrói junto, que tem forma, e essa proposta pretende uma ciência “generosa”, que não deixa alijados da pesquisa padrões importantes, mas, esquecidos. A forma, para Maffesoli, é a fonte onde tudo germina, todas as polaridades aí se encontram. Falar em formação permanente de professores significa pensar na pos-sibilidade de reformulação de conceitos, de mudanças de paradigmas e, conse-quentemente, de ação docente reformulada. Quando a formação permanente se transforma em Política Pública as ações de formação vão além da sua certificação oficial, pois incluem os outros profissionais da educação básica. Assim, diretores, orientadores educacionais, supervisores pedagógicos e administradores escolares também passam por um processo de ressignificação da educação, à medida que os professores em for-mação contínua reformulam suas práticas. Um dos objetivos da referida formação é colocar o professor em contato com as discussões atuais sobre as teorias educacionais mais recentes visando a melhoria das ações pedagógicas na escola, pensar a práxis e dialogar com seus pares. Principalmente, porque o conhecimento se organiza no cotidiano docente, mas, sem diálogo a reflexão fica prejudicada. Refletindo com Pimenta (1996) é preciso repensar a formação deste profis-sional que tem sido tão desvalorizado, principalmente devido às concepções que consideram o professor como simples técnico reprodutor de conhecimentos e/ou monitor de programas. Entretanto, na sociedade contemporânea, cada vez mais se torna necessário o seu trabalho, enquanto mediação nos processos constitu-tivos da cidadania dos alunos, para o que concorre a superação do fracasso e das desigualdades escolares. Hoje se exige cada vez mais uma escola comprometida com mudanças e transformações sociais. Na sociedade atual precisamos de uma educação que requer como essência para o seu desenvolvimento uma linguagem múltipla, efi-ciente, capaz de abarcar a diversidade e compreender os desafios que fazem

Page 228: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

228O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

parte do universo da formação profissional do professor. Implantado a partir do Decreto nº 6.755, de 29/01/2009, que instituiu a Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica - o PARFOR é um programa nacional, implantado pela CAPES, em regime de co-laboração com as Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e com as Instituições de Ensino Superior (IES). É importante salientar que o PARFOR é um programa que contempla diversas modalidades: formação inicial (1ª e 2ª Licenciaturas), formação pedagógica (para bacharéis que atuam na Educação Básica); formação con-tinuada (cursos de curta duração) e pós-graduação (Especialização, Mestrado e Doutorado), exclusivamente para professores em exercício na Educação Bási-ca Pública. A 2ª Licenciatura em Artes Visuais do PARFOR UEL teve seu início em dezembro de 2009 e, até este momento,seis turmas já concluíram o curso. Destaque-se que a primeira turma de 2ª Licenciatura em Artes Visuais a se for-mar no Brasil foi a nossa. Temos observado grande impacto nos professores estudantes quando cursam as disciplinas voltadas para as linguagens da arte, principal-mente, porque os equívocos relativos à ausência de formação na área se fazem notar. Além disso, o fato de trabalharem em laboratórios específicos e receberem orientação individual dos docentes, uma vez que estas pressupõem um fazer criativo, leva ao desenvolvimento de habilidades que não acontece sem reflexão e reformulação de conceitos. Inúmeras vezes ouvimos depoimentos como este:

[...] Um dia, lá pelo meio do ano, ligaram dizendo que tinham aula a me oferecer. Fiquei tão feliz! O número de aulas era mais ou menos o seguinte: 10 aulas de língua portuguesa, 10 aulas de artes e 10 de língua inglesa. Opa! Eu estudei Letras Portu-guês-Inglês, mas e a arte? [...] Olharam-me com tranquilidade e disseram “fica calma é a mesma coisa de quando você estu-dou”[...] E lá fui eu para sala de aula, sabe fazer o que? Arte! Era uma arte o que estava fazendo com os alunos. Pensava eu, se largar as aulas de artes (porque achava que estava sem conteúdo) o professor de educação física ia ficar com elas, ou o de biologia, matemática, ou de qualquer outra disciplina, então, ficaram comigo mesmo. E durante cinco anos lecionando foi a mesma coisa, sempre me sobravam aulas de arte. [...] Já estava na hora de procurar estudar mais [...]. Há muitos professores despreparados lecionando arte nas escolas e junto com eles es-tava eu. Quando comecei a participar das primeiras aulas sobre Arte vi que tinha prejudicado muito a educação dos meus alunos e que não podia mais voltar atrás, mas sei que daqui pra frente posso fazer toda a diferença. [...] O curso está me fazendo ver

Page 229: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

229O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

a arte como nem eu mesma via e entendia. Estou no início e muitos dos meus paradigmas já estão sendo quebrados (I. M. M., 2010).

Dentre os objetivos da 2ª Licenciatura em Artes Visuais destacamos: a) habilitar o profissional para o exercício pedagógico no ensino de artes visuais, em nível fundamental e médio, mediante a formação pedagógica específica para esse campo de ensino; b) habilitar o profissional para o exercício das poéticas plástico-visuais por meio da experimentação e da criação em projetos coletivos e individuais; c) habilitar o profissional para a investigação metodológica dos fenômenos artístico-culturais, segundo as diferentes vertentes teóricas que con-templam o pensamento artístico em sua história e, d) habilitar o profissional para atuar na educação como realidade inserida no contexto histórico-social, apreen-dendo-a e recriando-a no contexto do ensino de arte. No Estado do Paraná, percebemos certa concentração de esforços no sentido de melhorar a qualidade do ensino das escolas públicas promovendo grupos de estudos com os professores, que também participam de programas de formação continuada e, além disso, pelo menos nos documentos, a con-cepção pedagógica permite um trabalho integrado. A Secretaria de Educação do Estado do Paraná apresenta os seguintes princípios de sua política educacional: a) educação como direito do cidadão; b) universalização do ensino; c) escola pública, gratuita e de qualidade; d) combate ao analfabetismo; e) apoio à diversi-dade cultural; f) organização coletiva do trabalho; g) gestão democrática. Assim, pautada nesses princípios, propõe que o espaço e o tempo da escola sejam otimizados, que os profissionais da educação sejam valorizados, que se desen-volvam pesquisas a fim de apoiar as ações educacionais, bem como a inovação tecnológica e o apoio pedagógico à prática educativa. Então, como se vê, há uma preocupação em mudar esse estado de coisas que são apontadas como negativas diariamente nos jornais, nas entrevistas, as-sim como nos resultados das avaliações nacionais, aplicadas pelo MEC. Mas a questão é que não é possível mudar a escola radicalmente da noite para o dia, é preciso um tempo de maturação e apesar de ser necessária uma mudança de concepção – que escola se quer e se precisa –

[...] é na luta cotidiana, no dia-a-dia, mudando passo a passo, que a quantidade de pequenas mudanças numa certa direção oferece a possibilidade de operar a grande mudança. Ela poderá acontecer como resultado de um esforço contínuo, solidário, pa-ciente. (GADOTTI, 1995, p.26-27)

Page 230: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

230O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

Os professores estudantes que participam do grupo pesquisado são das mais diversas áreas, a saber: Língua Portuguesa, Educação Física, Educação Especial, Licenciatura curta em Artes e Bacharelado em Artes Cênicas. Tal fato pode nos dar uma ideia sobre as necessidades que o grupo apresenta em relação à formação específica em Arte. Nos cursos temos assegurado que sempre são consideradas as experiên-cias desses professores estudantes, procurando adotar metodologias adequa-das às necessidades contemporâneas presentes na escola de modo a contribuir de maneira significativa com essa formação. Os cursos ofertados pelo PARFOR UEL procuram garantir sua função social contribuindo com a Educação Básica e aprimorando a formação docente dentro de suas licenciaturas regulares. O contato com a Universidade e o retorno aos bancos acadêmicos in-variavelmente levam a mudanças. Desse modo, à medida que procuramos con-tribuir com a melhoria da Educação Básica, melhoramos nosso fazer docente na formação inicial de professores, pois os problemas encontrados no cotidiano escolar, trazidos para o campo da reflexão-ação, refletem-se automaticamente nessa ação. Diversos professores estudantes revelam não mais conseguir ficar sem estudar, principalmente, quando pensam em elaborar uma nova proposta, sen-tem a necessidade de buscar apoio teórico. Este é um sinal de que por mais difí-cil que possa ser a reformulação de conceitos, ela é possível quando a propos-ta de formação permanente dá oportunidade e espaço para o professor refletir acerca de sua prática docente, o que poderia se dizer, é o próprio processo da pesquisa-ação. Pelas lentes de Kincheloe (1997), a pesquisa-ação é um importante com-ponente transformador da educação, pois, a partir dos princípios desse método, é possível desenvolver a consciência e uma visão crítica com os alunos. Quanto aos professores, estes podem tornar-se pesquisadores, o que daria mais senti-do ao fazer em sala de aula. Este autor vê o entusiasmo oriundo dessa postura como algo que impulsiona a efervescência na escola e pode envolver os alunos de modo que o combustível do professor não acabe e, com isso, seja possível atrair os pais e os membros da comunidade ao mundo da educação. Para Maffesoli (1984), a existência social só é possível porque existe uma “aura específica”, da qual nós participamos. Há um ambiente favorável, ou ainda, um solo fértil, a fim de que o território cristalize essa aura. Essa sedimentação é a constante que faz rastros ou territórios e que constitui a socialidade. Acredito

Page 231: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

231O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

que a sala de aula engloba uma diversidade de subgrupos, que lá estão reunidos por terem interesses comuns, um solo fértil, uma aura. O território e o tempo têm função importante para compreender os gru-pos e as relações, pois eles fertilizam a socialidade. Essa bipolaridade explica o antagonismo da vida. O cotidiano que a socialidade expressa se dá sempre no presente. Maffesoli afirma que “a espacialidade é o tempo em retardo, é o tempo que tentamos frear, daí a importância da ritualização na vida do dia-a-dia que, pela repetição, representa e mimetiza o imutável” (MAFFESOLI, 1984, p.57). Estou falando desse cotidiano comum, por acreditar que a construção do conhecimento ocorre nos espaços comuns, mas nem por isso, menos significa-tivos para esse processo. Todos sabemos que o trabalho do professor constrói-se dia-a-dia e nesse processo a reflexão é inevitável, ou melhor, é componente obrigatório, porque os professores cumprem não só a função de contribuir na mudança de seus alunos, como também na própria mudança; é um constante mudar e ser mudado, ser analisado e analisar. Pode-se dizer que esse compromisso do professor produz um pensar sobre a própria consciência, desse modo, o professor encontra novos caminhos em locais inesperados, já que a escola é uma verdadeira mina, pois ela é repleta de códigos. Tardif e Raymond (2000, p.210) asseguram que “o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade”, e, certamente, seu trabalho também se modifica. Nesta situação e praticamente em todas as outras em que houver ações hu-manas, há um componente fundamental – o tempo. Desde a mais tenra idade a criança ouve de seus pais, na escola, em suas decepções, nas situações de impasse, que é preciso aprender a lidar com o tempo; que só o tempo cura as dores da alma; que é preciso dar tempo ao tempo. É assim que no trabalho o tempo se confunde com a vida, com o vivido. Tardif quando trata do processo de formação do professor entende que

[...] a aprendizagem do trabalho passa por uma escolarização mais ou menos longa cuja função é fornecer aos futuros tra-balhadores conhecimentos teóricos e técnicos preparatórios para o trabalho. Mas, mesmo assim, raramente acontece que essa formação teórica não tenha de ser completada com uma formação prática, isto é, com uma experiência direta do tra-balho, experiência essa de duração variável e graças à qual o trabalhador se familiariza com seu ambiente e assimila progres-sivamente os saberes necessários à realização de suas tarefas. (TARDIF, 2000, p.210)

Page 232: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

232O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

Desse modo, no processo de formação do professor interferem todas as vivências pelas quais ele passa, não há uma transformação cartesiana do conhecimento, uma vez que suas histórias de vida são portadoras de sentido e, por isso, sua ação docente se confunde com a própria vida. A construção da identidade pessoal está estreitamente ligada ao fazer docente, principalmente quando o professor se permite autoanálises, refletindo sobre suas ações em sala de aula, com seus alunos, com a escola. O tríplice aspecto da cognição do professor – existencial, pragmático e social – demonstra a instância temporal de seus saberes que “são eles mesmos temporais, pois são abertos, porosos, permeáveis, e incorporam, ao longo do processo de socialização e da carreira, experiências novas, conhecimentos ad-quiridos em pleno processo” (TARDIF, 2000, p.239), isto é, o fazer docente vai se adequando às experiências sociais e de trabalho. Pode-se afirmar que o tempo modela a identidade do professor, porque ele não é apenas objetivo, marcado fisicamente, mas, é também, subjetivo, pois contribui para o aprimoramento da pessoa professor. O depoimento a seguir mostra bem essa ideia do tempo objetivo e subjetivo. O professor J.A.A.atua há 18 anos na educação básica, já atuou em todos os níveis e hoje trabalha na Educação Especial e também no ensino regular. É graduado em Educação Física, masjá fez diversos cursos complementares e algumas especializações como: Especialização em Psicopedagogia institucio-nal, Orientação e supervisão, em Educação Especial. Diz ele que tudo isso contribuiu para que se preparasse para trabalhar com educação, pois é profes-sor das séries iniciais da Educação Especial.

Perguntado sobre o tempo no PARFOR UEL ele me disse:

A construção do conhecimento acontece, mas falta tempo para tudo: leitura, disciplinas, mas não dá para dizer que não está havendo conhecimento. Tem uma interferência grande na sala de aula, pois você começa a ver seu trabalho com arte com outro olhar – muitas coisas que você achava que era ensino de arte, na verdade não eram, alguns conteúdos que estão rela-cionados às técnicas a gente viu que não era arte propriamente dita. Agora você já sabe o que é arte e de onde se deve partir para ensinar o aluno. Mas eu, na minha vida escolar, tive ótimos professores de arte, muitos trabalhos que estou fazendo aqui, já fiz com esses bons professores.O tempo contribuiu para administrar melhor esse tempo escasso do dia a dia do professor, em especial fazendo o PARFOR. E por mais que eu já conhecesse muitas coisas de arte [...] o tempo transcorrido até agora contribuiu me levando a lidar melhor com o tempo e percebendo que é preciso organizar os meus pensa-

Page 233: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

233O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

mentos para obter bons resultados.(J.A.A., 2012)

O próprio saber da experiência dá ao indivíduo e ao professor essa clare-za sobre a ação do tempo no processo de auto conhecimento e do aprimoramen-to do trabalho, ou seja, o tempo auxilia o professor a dominar o próprio trabalho. M.A.C.é professora das séries iniciais há 26 anos. Só com artes trabalha há 16 anos. Já havia feito artes, mas não concluiu o curso, entretanto, ficou trabalhando com arte nas séries iniciais. Diz ela: “Fiz letras, mas sempre fiquei trabalhando com artes porque eu já possuía o magistério. Sempre tive vontade de terminar artes e isso foi algo que incomodou muito e assim que pude fiz a inscrição no PARFOR”. Perguntei a ela sobre como era o tempo do ser professor estudante? Como se dava o tempo do uso do conhecimento? E sua resposta foi reveladora:

O tempo do uso do conhecimento, tudo o que estudei da outra vez parece que estava guardado numa caixinha, porque con-forme os professores iam ministrando as aulas, parece que tudo ia ficando claro na minha cabeça e aí, conforme fui estudando, fui relembrando e para mim foi muito fácil. Os professores só foram acrescentando. O que eu aprendo aqui é como um plane-jamento. O PARFOR é isso, são as minhas horas atividade, quando eu faço o planejamento para os meus alunos no ensino fundamental. Então os assuntos que os professores trabalha-ram com a gente eu adaptei para os meus alunos. Por exemplo, as imagens que vi com uma das professoras de história da arte, foram as primeiras imagens que levei para a sala de aula. (M.A.C., 2012)

Tardif (2000) nos leva a refletir sobre a individualidade do professor uma vez que ela está na essência de seu trabalho. É fácil visualizar isso quando pensamos na sala de aula, pois os alunos são indivíduos e por isso não é pos-sível padronizar o trabalho. Assim, tanto a individualidade do professor como a do aluno contribuem para o aprimoramento do fazer docente, pois, caso con-trário, as ações não se efetivam, ou, então, geram a sensação de inadequação de ambas as partes. Diversos autores afirmam que os professores ao falarem de suas ações docentes necessitam contar suas experiências pessoais para justificarem a im-portância de certas ações. Eles dizem que por metáforas e figuras pontuais é possível descrever as relações presentes no cotidiano escolar. A professora S.O. é enfermeira e atuou na área por muitos anos, entre-tanto, algo sempre a inquietava, porque acreditava que se estivesse na escola

Page 234: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

234O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

poderia ajudar mais as crianças do que no hospital ou no posto de saúde.Assim, foi fazer pedagogia, prestou concurso para a educação especial porque a ex-periência anterior deu a ela condições de compreender melhor os deficientes. É a história de vida levando a buscas profissionais. Há alguns anos a professora atua na educação especial e seus alunos têm deficiências intelectuais significativas, pois alguns não falam e outros pouco falam, além de outras limitações que não permitem ao professor ter a certeza de que seu aluno compreende o que ele fala.Quando perguntei à professora o significado do tempo na sua formação ele disse:

A impressão que se tem é que não temos um objetivo de pesqui-sa, mas quando você busca a fundamentação da disciplina, você trabalha com outro olhar. A viagem que fizemos nos mos-trou como aprendemos, pois quando tivemos as aulas parecia que tudo estava tumultuado em nossa cabeça, que era tanta in-formação que não conseguíamos organizar esse conhecimento. Porque tivemos na vida adulta alguma leitura, mas nada tão fun-damentado. Mas foi engraçado, hoje pensando no que apren-demos, ficou claro que as vivências pessoais no decorrer desse tempo se organizaram. O tempo pra mim nos madurece, mas não sei se é igual para todo mundo. Porque quando eu cheguei aqui na graduação eu não tinha a dimensão de que isso mudaria minha prática pedagógica, hoje eu trabalho de fato com ensino de arte na aula. E música agora, pensei o que vou fazer? Mas o professor falou da disciplina de música, abriu as nossas cabeças em relação a esse trabalho. Porque todos nós trouxemos os nos-sos problemas da sala de aula e o professor nos mostrou possi-bilidades, nos fez pensar a música em nosso dia a dia e parece incrível, mas a turma toda começou a trabalhar com música em sala de aula. Até mesmo os trabalhos artesanais, eles tem um porquê e hoje eu sei disso. Então, meu Deus, eu aprendi foi muito! Eu consegui até mudar a direção da minha escola, de eles compreenderem que o trabalho com arte não é aquilo que a gente fazia, que a arte pode contribuir na formação do nosso aluno, ainda que no meu caso, meus alunos tenham deficiên-cias severas. O tempo é o de parar, pensar, elaborar o que os professores trabalham com a gente no curso e eu pensar como vou trabalhar com meus alunos (que não falam), é um exercício relativamente longo. Assim, o tempo para mim não é aquele de estudar no sábado e usar na 2ª feira(S.O., 2012).

As palavras da professora mostram que a transformação pessoal pela re-formulação de conceitos é possível sim e tudo isso contribui para que o cotidiano escolar tenha mais sentido para todos os envolvidos. E a ação dotempo na vivência da professora permitiu a ela apropriar-se de sua própria vida, dado que a experiência é algo singular.

Page 235: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

235O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

Se é trabalhando que o trabalhador e seu trabalho se modificam e o tem-po é o grande responsável por isso, como separar o tempo de vida do tempo de trabalho?Certamente esta é uma ação impossível e as palavras de Bondía nos esclarecem a esse respeito:

[...] o saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de con-duzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria (BONDÍA, 2002, p.4).

Considerando os depoimentos aqui expostos podemos concluir que o significado do PARFOR na vida desses professores-estudantes ocupa posição de destaque, pois muitos revelaram que apesar de atuarem na área de Artes Visuais, neste caso, não compreendiam o real objetivo do ensino nessa área e suas ações estavam longe de ser o ensino de arte propriamente dito. O tempo se mostrou como fator fundamental para esses professores-es-tudantes e, conforme o que propõe Tardif (2000), o tempo de vida e o tempo profissional se completaram, já que a maturidade deles foi o que lhes permitiu despirem-se das defesas e encarar as próprias limitações a fim de organizarem melhor as ideias para a melhoria da ação docente. Para encerrar é preciso afirmar que o PARFOR cumpre seus objetivos, entre eles, dar formação de qualidade para aqueles que atuam na educação básica, pois ainda que indiretamente contribui com uma formação melhor de nossas crianças e adolescentes que estão na educação básica pública.

Referências

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação.Campinas, n.19, Jan/Fev/Mar/Abr 2002. Disponível em<http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf> Acesso em: 6 jan. 2007.GADOTTI, M.. Perspectivas atuais da educação. São Paulo em Perspectiva. v.14 n.2 São Paulo abr./jun. 2000. Disponível em <http://www.scie-

Page 236: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

236O tempo da escolha: as vozes de estudantes professores que cursam segundas licenciaturas no Parfor/UEL - Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza

lo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000200002&lng=es&n-rm=iso&tlng=es>. Acesso em: dez. 2006.KINCHELOE, J. L. A formação do professor como compromisso político: mapeando o pós-moderno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.MAFFESOLI, M. A conquista do presente. Trad. Márcia C. de Sá Cavalcante, Rio de Janeiro: Rocco, 1984.SOUZA, M. I. P. O. A corporeidade convivial de alunos e professores de artes nas relações de avaliação.2000. 149 p. Dissertação (Mestrado em Edu-cação) UEL. Londrina.TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Revista Brasileira de Educação. n. 13. Jan/Fev/Mar/Abr, 2000. TARDIF, M. e RAYMOND, D.Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 73, Dezembro/00.

Page 237: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

OS CAMINHOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO INFANTIL DE QUALIDADE – UMA VIVÊNCIA NA DOCÊNCIA DA

REDE MUNICIPAL DE LONDRINA

Aline Moreno Noivo Henriques1

Cassiana Magalhães2

Resumo

Com a presente pesquisa pretendemos destacartoda a movimentação que vem ocorrendo no campo da Educação Infantil, que estápassando por grandes trans-formações, sendo promulgadas várias legislações para regulamentar o trabalho comesta etapaeducacional. No entanto, ainda existe no discurso da população em geral certo preconceito, considerando esta etapa assistencialista. Deste modo, questionamos as ações dos entes estatais para romper com o quadro as-sistencialista e impulsionar uma Educação Infantil efetivamente de qualidade. No intuito de sanar tal inquietação foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, traçan-do inicialmente um panorama das legislações que tratam desta etapa educacio-nal, partindo da Constituição Federal de 1988, para entendermos o contexto no qual está inserida. Posteriormente, discutimos os esforços do Município de Lon-drina para a implantação da Educação Infantil de qualidade, a partir da formação de seus docentes, com base na experiência pessoal de uma das pesquisadoras que nela atua como professora desde o seu início.Os resultados evidenciaram que tais iniciativas e a necessidade de melhorar as práticas na Educação In-fantil estão acontecendo no país como um todo, emergindo a necessidade da formação superior de seus professores, havendo um grande incentivo por parte dos entes estatais para tanto.

Palavras-chave: Educação Infantil.Formação de Professores.Parfor.

1 Licenciada em Pedagogia pelo PARFOR UEL em 2014. Bacharel em Direito pela PUCPR Campus Londrina em 2009. Docente de Educação Infantil da rede municipal de Londrina desde 2004. Professora Supervisora do PIBID de Pedagogia Subprojeto Educação Infantil 2014/2015. Contato: [email protected]

2 Doutora em Educação (UNESP - 2014); Mestre em Educação (UEL - 2007); Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina; Docente do Parfor (PEDAGOGIA UEL 2012-2013). Supervisora do PIBID Pedagogia. Coordenadora do Feipar Pé Vermelho. Contato: [email protected]

Page 238: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

238Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

Introdução

O movimento da Educação Infantil é muito grande. Ela vem garantindo seu espaço, inicialmente com a inclusão de creches e pré-escolas no sistema de ensino, formando, com o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, a Escola Bási-ca, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996. Apesar disso, ainda existe no discurso da população em geral certo pre-conceito com relação ao trabalho realizado nos Centros de Educação Infantil Mu-nicipais, que entendem ser a educação nas “creches” para a população de classe econômica inferior e que também professores não passam de meros cuidadores. Enfim, os CMEIs3 ainda são vistos como lugares onde os pais deixam seus filhos para serem supervisionados e cuidados enquanto trabalham. Essa visão assistencialista ainda é predominante porque a mudança no tocante à sua elevação para etapa educacional na legislação é muito recente. Porém, existe outro fator que também contribui para a mantença de tal pensa-mento: a concepção do trabalho pedagógico realizado com crianças pequenas. Deste modo, questionamos: “O que está sendo feito para romper de fato com este quadro assistencialista e impulsionar uma Educação Infantil de qualidade?”.Com o intuito de responder tal questionamento foi escolhido o Município de Lon-drina porque uma das pesquisadoras acompanhou pessoalmente as mudanças ocorridas no campo da Educação Infantil pelo fato de ser professora desta etapa desde 2004. O objetivo maior da presente pesquisa é identificar quais ações dos en-tes estatais estão sendo desenvolvidas para romper com o assistencialismo na Educação Infantil. Para tanto, delimitamos como objetivos específicos: traçar um panorama das legislações que tratam desta etapa educacional, partindo da Constituição Federal de 1988; e elencar os esforços do Município de Londrina para a implantação da Educação Infantil de qualidade a partir da formação dos docentes nela atuantes. Para atingir tais objetivos elegemos a abordagem qualitativa que com-preende o “estudo de caso”, que visa o exame detalhado de um ambiente ou de uma situação em particular, sendo utilizado para a análise de fenômenos dentro de um contexto específico (NEVES, 1996). Por isso, antes de se discutir a situação específica do Município enten-deu-se necessário descrever o contexto da Educação Infantil no país, através

3 Sigla para designar “Centro Municipal de Educação Infantil”.

Page 239: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

239Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

das legislações e mudanças que foram ocorrendo no trabalho pedagógico. Na visão de Neves (1996, p.5), “compreender e interpretar fenômenos, a partir de seus significantes e contexto são tarefas sempre presentes na produção do conhecimento [...]”. Desta forma, no decorrer do histórico da Educação Infantil em Londrina foi traçado um paralelo entre os documentos e a experiência de uma das pesquisa-doras, enquanto professora da rede municipal de ensino.

Histórico das legislações que contemplam a Educação Infantil no Brasil

Desde que a Educação Infantil foi compreendidacomo parte integrante da Educação Básica, em conjunto com o Ensino Fundamental e Ensino Médio, com as alterações ocorridas nas legislações, profundas mudanças ocorreram em seu campo. Ela vem sendo assegurada em importantes normas nacionais: a Consti-tuição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/1990) e o Plano Nacional de Educação (Lei n° 10.172/2001). Sendo classificada como primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil resulta em garantia à criança de zero a cinco anos. Observa-se, então, que houve significativa mudança na forma de se compreender a função social e política desse nível de ensino, indo além do assistencialismo para se caracteri-zar como direito público e subjetivo das crianças – art. 208, § 1º4, Constituição Federal(BRASIL, 1988). Observamos que toda a legislação é muito recente, até mesmo na própria Constituição, que apenas no ano de 2006, através da Emenda Constitucional nº 53, incluiu a Educação Infantil em seu rol de garantias à Educação, mas, desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, houve significativas mudanças no campo. Encontrando-se na qualidade de Educação Básica, obvia-mente que emergiu a necessidade de instrumentos que articulassem o trabalho pedagógico realizado pelos professores. O primeiro documento elaborado no intuito de auxiliar o trabalho educativo junto às crianças pequenas foi o Referen-cial Curricular Nacional para a Educação Infantil, publicado em 1998 (BRASIL, 1998). Este documento trouxe conceitos importantes para a área, enfatizando: a criança, o educar, o cuidar, o brincar, as relações creche-família, o professor de educação infantil, a educação de crianças com necessidades especiais, a insti-

4 § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

Page 240: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

240Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

tuição e o projeto educativo (CERISARA, 1999). Em 1999, foram publicadas as primeiras Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil, a Resolução CNE/CEB nº 01/99, com a intenção de orientar as Propostas Pedagógicas das instituições da Educação Infantil. As contribuições que estas diretrizes trouxeram foram importantes, orientando quanto ao processo de elaboração das Propostas Pedagógicas deste nível, porém, não esclareciam aspectos a respeito do trabalho pedagógico. Pelo fato de estar mais completo, mesmos após a criação destas DCNEI5, o RCNEI6 ainda continuava como sendo o documento norteador dosprofessores da Edu-cação Infantil. Apesar das importantes contribuições que trouxe para o universo in-fantil, identificamos no textodo referido documento quea concepção de Edu-cação Infantilainda não estava madura(CERISARA, 1999).E ainda, concepções equivocadas como se coubesse ao professor apenas manter os meios para o desenvolvimento da criança, acreditando que a mesma podia aprender esponta-neamente. Como resultado de pesquisas, discussões, mobilizações de diferentes setores, de modificações na legislação (como a mudança da idade de ingresso no Ensino Fundamental, por exemplo), dez anos após sua publicação o Ministério da Educação decidiu estabelecer um processo de revisão das Diretrizes Curricu-lares de todos os níveis de ensino. Em 2010 foram publicadas as DCNEI vigentes atualmente, que estabele-cem um direcionamento para os profissionais desta modalidade de educação e possuem caráter mandatório. A preocupação com a elaboração deste documento foi justamente iniciar um processo de revisão das concepções sobre a educação de crianças pequenas, e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e desenvolvimento, que articulassem o trabalho pedagógico ao longo das etapas da educação, que previsse formas de garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças sem, entretanto, antecipar os conteúdos a serem trabalhados no Ensino Funda-mental (BRASIL, 2010). Obviamente que, a nível Federal, estão sendo criadas legislações com o intuito de efetivamente implantar a Educação Infantil enquanto educação, culmi-nando na elaboração das DCNEI, que têm por escopo o bom trabalho junto às

5 Sigla para “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil”.

6 Sigla para “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil”.

Page 241: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

241Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

crianças pequenas.Entretanto, em conformidade com oart. 30, inciso VI7 e art. 211, caput8 e § 2°9, todos da Constituição, a competência para sua oferta é dos Municípios. Em razão disso, analisaremos a realidade de sua implantação no Mu-nicípio de Londrina, pelo fato de que uma das pesquisadoras atua enquanto professora da Educação Infantil desde seu início e acompanhou as mudanças que ocorreram no decorrer destes anos.

Os esforços do Município de Londrina para a implantação da Edu-cação Infantil de qualidade

O Município de Londrina passou para a Secretaria de Educação a responsabilidade para com o atendimento de crianças de 0 a 6 anos no ano de 2004, quando nomeou professores concursados para atuarem na educação de crianças desta faixa etária, através do Decreto nº 00343, de 02 de julho de 2004, exigindo como requisito mínimo de atuação o curso de Magistério, conforme também exigia a LBDEN10. Foi neste momento que a pesquisadora assumiu,enquanto docente na rede municipal, sendo que sua formação era apenas o curso de Magistério que tinha acabado de concluir e nunca tinha trabalhado na área. Observa-se que, desde a LDBEN, Londrina apenas concretizou a Edu-cação Infantil anos depois. Isso, porque o PNE11, em 2001, normatizou objetivos e metas para a concretização da Educação Infantil, propriamente dita, determi-nando inclusive prazos, obrigando os Municípios a se programarem e iniciarem a oferta nas formas da legislação (BRASIL, 2001). Porém, tal mudança não foi automática. Os professores que assumiram entraram no lugar de profissionais que estavam denominados como “atendentes de creche”, contratados através de testes seletivos para atuar nos CMEIs. Àque-la época, ainda eram reproduzidos muitos dos comportamentos dos tais aten-dentes e o trabalho com as crianças pequenas ainda era puramente assistencial-ista.

7 Art. 30. Compete aos Municípios: VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental.

8 Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

9 § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

10 Sigla de “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.

11 Sigla para denominar “Plano Nacional de Educação”.

Page 242: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

242Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

Existiam no ano de 2004 apenas11 Centros Municipais de Educação no total e, em todos, gradativamente, foram sendo substituídos os antigos profis-sionais pelos professores e, como o número de profissionais sem experiência na área era grande, a Secretaria Municiapalde Educação ofertou vários cursos de capacitação nos anos que se seguiram, tendo como base o RCNEI e as antigas Diretrizes. A demanda por vagas aumentou muito no decorrer dos anos e foram au-mentando também o número de CMEI na cidade. Então, em 2011, com o intuito de ampliar o atendimento nas creches e pré-escolas para suprir a nova demanda e também pelo fato de que se tornaria obrigatório a partir dos quatro anos de idade, segundo a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, que alterou a LDBEN, o Município divulgou o novo Edital (nº 0067/2011) para o concurso público que contrataria mais profissionais para atuarem na Educação Infantil. Desta vez, porém, o Edital exigiu como escolaridade mínima o curso su-perior em Pedagogia ou demais Licenciaturas, antecipando-se à alteração da LDBEN que se deu em 2013, estabelecendo o Ensino Superior como requisito mínimo para o docente de Educação Infantil. Além dos esforços para contratação de bons profissionais e em sua for-mação, a rede municipal também passou por modificações em seu Plano de Car-gos, Carreiras e Salários (PCCS) do Magistério, que diferenciou a remuneração dos servidores que possuíam uma Licenciatura dos demais, sendo uma forma de incentivo para que os professores buscassem o Ensino Superior. Na realidade, essa foi a forma de solucionar um problema que surgiu, visto que os professores, anteriormente contratados, apesar de terem apenas o Mag-istério, preenchiam o requisito do antigo edital e não poderiam ser dispensados ou afastados da função docente, ao passo que também não havia como deter-minar que tais profissionais fossem em busca do aperfeiçoamento profissional. Em meio à necessidade imposta pela legislação, pelo PCCS12 e também pela própria prática docente, muitos professores foram buscar os cursos supe-riores. Uma possibilidade de formação foi o programa implantado em regime de colaboração entre o Ministério da Educação, os Estados, Municípios o Distrito Federal e as Instituições de Educação Superior: o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR). A pesquisadora, que também não tinha formação superior na área da Educação Infantil, inscreveu-se para cursar Pedagogia através do PAR-

12 Sigla para “Plano de Cargos, Carreiras e Salários”.

Page 243: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

243Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

FOR, pela Universidade Estadual de Londrina no ano de 2010, como primeira Licenciatura. As disciplinas constantes na matriz curricular eram as mesmas do curso regular de Pedagogia da Instituição com a diferença de que funcionaria aos finais de semana, férias e feriados, respeitando e seguindo o calendário do Município, para que os professores já atuantes pudessem frequentar as aulas sem prejuízo ao trabalho. Com tal Programa, nota-se que esta iniciativa e a necessidade de melhorar a qualidade da prática docente na Educação Infantil estava acontecendo no país como um todo, não só como obediência aos ditames legais, mas, também, como uma forma de romper efetivamente com o assistencialismo e implantar uma Educação Infantil de qualidade, sendo a formação de seus professores um pas-so importante.

Considerações

A Educação Infantil apresenta avanços na atualidade, tanto nas políticas públicas como no trabalho educativo com as crianças de zero a cinco anos de idade. Entendemos que os avanços legais são condição, porém, não suficientes para garantir a qualidade das instituições. Uma coisa é a garantia da vaga (que ainda não atende a maioria das crianças) e outra discussão é a questão da qualidade. Acreditamos que um dos caminhos possíveis é a formação, não apenas inicial, mas continuada dos professores, no sentido de promover a máxima apropriação teórica acerca das especificidades sobre o desenvolvimento infantil, e a partir disso, organizar intencionalmente o ensino para promover o desenvolvi-mento das crianças. Algumas pesquisas (GAMBA, 2009), (RIBEIRO,2009), (RA-MOS, 2011) (ALMADA, 2011) e (MAGALHÃES, 2014) buscaram compreender a importância da formação dos professores da Educação Infantil para a promoção do desenvolvimento humano e, ainda, para a organização intencional do tra-balho com qualidade para as crianças pequenas. No município de Londrina tal importância da formação continuada apa-rece nos momentos de estudos nos próprios CMEIs,as práticas pedagógicas previstas em calendário proporcionadas dentro do horário de trabalho, e em en-contros como a “escola de gestores”, e ainda a participação do município no Feipar – Fórum de Educação Infantil do Paraná, entre outros.

Page 244: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

244Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

O PARFOR ofertado na Universidade Estadual de Londrina também pode ser considerado uma grande oportunidade de aperfeiçoamento e continuidade dos estudos para muitos professores da rede municipal, contribuindo genuina-mente para a melhoria do trabalho docente. Entendemos que o caminho é longo, mas acreditamos que os pequenos avanços já sinalizam o desejo de uma Educação Infantil voltada para o máximo desenvolvimento humano. E como diz o poeta, “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa” (Guimarães Rosa). Desconfiamos que ao estudarmos e nos dedicarmos no sentido de validarmos as políticas públicas conseguiremos avançar em di-reção ao ensino de qualidade para as crianças pequenas.

Referências

ALMADA, Francisco de Assis Carvalho. A formação do professor de educação infantil no curso de Pedagogia de um centro universitário: uma análise a partir da teoria histórico-cultural. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2011.BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:1988.BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996.BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fun-damental. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/ SEF, 1998.BRASIL. Lei n° 10.172/2001. Plano Nacional de Educação. Brasília: 2001.BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília : MEC, SEB, 2010.CERISARA, Ana Beatriz. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil no contexto das Reformas. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, se-tembro/2002, p. 326-345. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Aces-sado em: dez/2013.GAMBA, Lane Mary Faulin. Formação continuada de professores na per-spectiva histórico-cultural: reflexões a partir de uma experiência na educação infantil.Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciên-cias, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2009.

Page 245: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

245Os caminhos para a implantação de uma educação infantil de qualidade - uma vivência na docência da rede municipal de Londrina - Aline Moreno Noivo Henriques - Cassiana Magalhães

MAGALHÃES, Cassiana. Implicações da Teoria Histórico-Cultural no pro-cesso de formação de professores da Educação Infantil. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Pau-lista, Marília, 2014.NEVES, José Luis. Pesquisa Qualitativa – Características, Usos e Possibili-dades. Publicado em: 1996. Disponível em: http://www.regeusp.com.br/arquivos/C03-art06.pdf. Acessado em: dez/2013.RAMOS, Conceição de Maria Moura Nascimento. O papel da professora no desenvolvimento humano da criança pré-escolar sob o enfoque da teoria histórico-cultural. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2011.RIBEIRO, Aline Escobar Magalhães. As relações na escola da infância sob o olhar do enfoque histórico-cultural. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2009.

Page 246: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

PARFOR: REPERCUSSÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA, VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL DE PROFESSORES-ALUNOS

Arnaldo Nogaro1

Idanir Ecco2

Neusa Pereira Machado3

Resumo

O artigo em pauta resulta de pesquisa de campo realizada junto a gestores e Professores-alunos (Pa4) do Plano Nacional de Formação de Professores - Parfor de uma universidade comunitária-filantrópica do Norte do Rio Grande do Sul, que ingressou no Parfor no ano de 2011. A pesquisa utilizou enfoque teórico histórico-crítico, possui natureza qualitativo e a coleta de dados ocorreu por meio de entrevista com vinte e cinco gestores das escolas de onde são provenientes os acadêmicos e vinte e cinco estudantes que frequentam o Parfor presencial dos cursos de Química, Pedagogia, Matemática e Letras, totalizando cinquen-ta sujeitos. O objetivo da pesquisa centrou-se em investigar as repercussões que a formação recebida provocou na prática pedagógica, na vida pessoal e profissional dos cursistas. Os resultados apontam na direção de grandes trans-formações e impactos positivos que o Parfor propiciou aos professores-alunos que frequentaram o curso. Os ganhos são percebidos em termos de crescimento pessoal e profissional, além de se constituir em uma oportunidade ímpar para estudar para muitos alunos que ingressam na universidade depois de muitos anos como professores e só o fizeram pelas características do Programa, dentre as quais ser um curso gratuito.

Palavras-chave: Docência.Políticas públicas. Acadêmicos.Parfor.

1 Doutor em Educação – UFRGS. Professor da URI Erechim e PPGEDU Frederico Westpha-len. E-mail: [email protected].

2 Mestre em Educação – UPF. Professor da URI Erechim. E-mail: [email protected]

3 Acadêmica do Curso de Psicologia da URI – Erechim. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC. E-mail: [email protected].

4 Utilizamos esta denominação para nomear os professores que atuam na rede pública de ensino e são alunos que frequentam os cursos do Parfor. Parte deste texto consta nos anais do XII EDUCERE 2015- Curitiba/PR, cujo título foi “Mudanças e impactos do Parfor na prática peda-gógica e na vida pessoal e profissional de professores-alunos”.

Page 247: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

247Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

Introdução Significativos recursos públicos são investidos pelo governo brasileiro em Programas para fomentar a formação inicial e continuada de professores, es-pecialmente durante a última década. O Parfor é um destes programas sob a responsabilidade direta da Capes. Torna-se fundamental verificar qual o retorno efetivo destes investimentos. O que se espera da formação oferecida é que ela produza impactos ou provoque mudanças na vida pessoal, profissional de quem frequenta os cursos do Parfor, na prática educativa e na qualidade de ensino da escola pública, além de representar melhoria nos indicadores educacionais, nos números relativos à certificação e formação de professores no Brasil, que em algumas regiões são precários no que tange à formação superior. Como saber se isto está ocorrendo? Com o intuito de buscar resposta ao questionamento realizamos uma pesquisa de campo, de natureza qualitativa, envolvendo vinte e cinco gestores de escolas públicas onde os acadêmicos atuam e vinte e cinco Pa que frequen-tam cursos do Parforem uma universidade comunitária filantrópica do Norte do Estado do Rio Grande do Sul. A investigação oportunizou saber mais sobre a importância dos programas de formação de professores decorrentes de políticas públicas, permanentes e com financiamento específico. O Parfor iniciou no ano de 2009, porém, a universidade pesquisada in-gressou somente no ano de 2011. No ano de 2012 formaram-se mais cinco novas turmas com oferta em mais um campus: duas de Pedagogia, uma de Matemática, uma de Química e uma de Letras, embora a universidade tenha disponibilizado vagas para outros cursos que não preencheram o mínimo de candidatos necessários para a abertura de turma. No ano de 2013 iniciaram mais três turmas (Pedagogia, Letras e Matemática). Somado ao interesse público, do ponto de vista institucional, há necessidade de termos dados e indicadores que permitam saber no que resultou a oferta destes cursos e turmas. O que rep-resentou em termos de qualidade para a educação da Região a oferta destes cursos? Que benefício agregou à universidade? As escolas onde estes educa-dores estão lotados tiveram alguma contribuição? Os educadores-alunos desen-volveram-se pessoal, profissionalmente e melhoraram sua prática pedagógica? Em busca das respostas a estes questionamentos procedemos à interpretação dos dados da pesquisa. Acreditamos trazer boas contribuições para o debate sobre a formação de professores e para fomentar novas iniciativas de formação inicial e continuada.

Page 248: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

248Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

Metodologia

A coleta de dados realizou-se com dois grupos de sujeitos: gestores e Pa. Para coletar os dados junto aos gestores utilizou-se questionário (diretores ou co-ordenadores) das escolas onde os Pa atuam, para averiguar o impacto do processo formativo. A coleta de dados junto aos acadêmicos ocorreu por meio de entrevista. Como os estudantes frequentam semestres avançados pode-se ter um diagnóstico bem preciso e fidedigno do impacto da formação recebida, especial-mente porque um dos requisitos para cursar o Parfor é estar em sala de aula, o que permite acompanhar sua trajetória de atuação concomitante com a for-mação recebida. O que ficou confirmado pelos dados, pois, o tempo de atuação como docentes dos Pa varia de cinco a vinte e seis anos. Transcreveremos as falas e organizamos as mesmas em categorias para sua interpretação: Parfor: frequência e oportunidade; O olhar dos acadêmicos so-bre a formação recebida; Repercussões na vida pessoal e profissional; Transfor-mação na prática pedagógica; Reavaliação dasconcepções teóricas; Concepções de educação, aprendizagem, avaliação e de currículo;Conclusão. Trataremos cada uma das categorias em sua especificidade e com a devida profundidade.

Parfor: frequência e oportunidade

gênese desta categoria está na pergunta feita aos sujeitos5: O que te levou a escolher e frequentar um curso do Parfor? Como você vê esta opor-tunidade de frequentar um curso subsidiado pelo governo federal? Os respon-dentes, quase que de forma unânime, afirmaram que só conseguiram estar na universidade frequentando o curso superior pelo fato de ser gratuito. Reforçam que não ingressaram antes por não possuírem condições financeiras para pagar o curso, além dos custos, com deslocamento e material.“Na verdade, eu sempre desejei fazer uma faculdade, tanto é que eu iniciei há anos atrás e não conse-gui porque na verdade não tinha condições de pagar” (Pa4).“O que me levou a cursar foi a gratuidade, por eu não ter condições financeiras de fazer uma facul-dade.”(Pa12). Segundo Gatti, Barreto e André (2011), os professores que atuam na rede pública de ensino, principalmente na educação infantil e nos primeiros anos do

5 Para preservar a identidade dos participantes da pesquisa identificaremos os mesmos com números de acordo com a sequência em que foram feitas as entrevistas. Professor-aluno 1 = Pa1; Gestor 1= G1.

Page 249: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

249Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

ensino fundamental, são provenientes de camadas menos favorecidas, com menor favorecimento educacional, fator este que tem influência direta no desen-volvimento desses professores, comprometendo seu repertório educacional e limitando as alternativas para trabalhar com os fatores de diversidade cultural. A realidade da Região pesquisada apresenta características peculiares e que são também de outros lugares do Brasil que se constituem em obstáculos para que os professores possam sair e fazer suas capacitações: distância do espaço onde os cursos são oferecidos, dificuldades de deslocamento, profes-sores que trabalham em pequenas escolas rurais plurisseriadas. Exemplo disto é a fala doPa3: “Sempre queria fazer um curso superior, mas, muitas vezes, a distância se tornava muito difícil para a gente, porque além dos custos de pagar essa faculdade a gente tinha que custear também o transporte e aí não ganhava o suficiente”. A baixa remuneração dos professores é um fator que repercute concre-tamente sobre sua vida profissional, pois a pauperização social atrelada à baixa remuneração prejudica o acesso aos bens culturais, imprescindíveis no trabalho docente, e a falta desses bens culturais pode significar comprometimento do trabalho desenvolvido em sala de aula. (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011). Além da questão financeira, há acadêmicos que fizeram a tentativa de iniciar o curso superior presencial ou experimentaram ensino a distância e não conseguiram adaptar-se à sua metodologia. Para Gatti (1997), a questão da formação de professores tem sido um grande desafio para as políticas educacio-nais. Com a grande expansão das redes de ensino em curto espaço de tempo e a ampliação consequente da necessidade de docentes, a formação destes não logrou, pelos estudos a avaliações disponíveis, prover o ensino com profissionais com qualificação adequada. A qualificação dos professores que atuam na rede pública de ensino, é vista pelos gestores como fundamental, já que são estes docentes que respon-dem pela formação de muitos cidadãos pelo País afora.A qualidade da edu-cação da rede pública de ensino está diretamentevinculada à qualidade da for-mação dos professores, daí a importância de políticas públicas que visem à sua capacitação. “A qualificação profissional, bem como os momentos de formação continuada, são excelentes oportunidades de construção de conhecimentos, tro-ca de ideias e experiências” (G6). A necessidade de qualificação é ressaltada por diversos Pa, que recon-hecem a importância de aprimorar suas capacidades e conhecimentos para um boa relação aluno-professor. O sucesso na formação acadêmica destes profes-

Page 250: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

250Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

sores reflete diretamente em sala de aula, onde os mesmos reproduzem seu aprendizado para os alunos das séries iniciais. Como exemplo, podemos ressal-tar a fala do Pa 25: “Pois o aperfeiçoamento é indispensável neste caminho tão fascinante que é o de educar.” Dentre os cursistas,há vários que já possuem uma formação superior, porém,fora da área que atuam. A oportunidade de fazer o segundo curso com financiamento público foi louvada e reforçada em diversas falas. Citamos uma para ilustrar.“Venho duma graduação na área de administração, porém, eu tinha magistério, assumi um concurso público e senti em mim que existia a necessi-dade de ter uma graduação na área, porém, por questões financeiras, eu protelei por mais um ano e daí houve a possibilidade do Parfor.” (Pa5). HáPa que se sentem privilegiados ao poder fazer parte de um projeto desta dimensão, que visa beneficiar não somente professores que se dispõem a fazer uma licenciatura, mas, também, a educação do País no geral, por sua capacidade de alcance.“Eu recebi esse curso com muito orgulho. Licenciatura gratuita, um sonho, pois, nem todos os profissionais tinham o curso superior para atuar em sala de aula” (Pa19). A Lei nº 9.394/96 afirma que a formação de professores para a atuação em campos específicos do conhecimento far-se-á em cursos de licenciaturas, podendo os habilitados atuar, no ensino da sua especialidade, em qualquer etapa da Educação Básica, desde que tenha capacitação adequada. Segundo Dalberio e Bertoldi (2012), de acordo com as disciplinas estudadas durante a formação do professor, o mesmo tem a permissão para atuar em sala de aula, em áreas distintas da sua. Ocorrência essa justificada pela falta de profissional formado na referida área, ou mesmo pela própria ausência deste. Os entrevistados consideram o Parforum Programa que oportuniza uma situação diferenciada de qualificação, especialmente aqueles que fazem a pri-meira licenciatura, realizando o sonho de ter um curso superior. “Eu acho uma política pública interessante de estar subsidiando a primeira formação, ela está intrinsicamente ligada à qualidade do ensino, eu posso estar constantemente com novos conhecimentos e estar refletindo sobre a minha atuação” (Pa6). Os sujeitos externam que sentiam a necessidade de continuar seus estu-dos, mas, obstáculos de diferentes naturezas impediam. “Só com magistério era bem pouco e hoje a tecnologia está tão avançada e o meu estudo foi fraquinho sempre estudei em escola pública, e minhas dificuldades eram muitas.”(Pa1).Se-gundo Gatti, Barreto e André (2011, p.25), os estudantes, como seres em desen-volvimento, podem ser muito afetados por modismos ou simbolismos que sur-

Page 251: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

251Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

gem nos meios de comunicação ao longo do seu desenvolvimento. “O professor então é instado a compreender esses alunos, motivá-los, formá-los e ensiná-los.” Os entrevistados destacam também que das escolas de onde vieram outros professores não têm formação superior, mas não se interessam e por isso estão muito gratificados com a oportunidade.De acordo com Lourencetti (2014,p.13-32), “[...] não há muito interesse pela carreira docente porque os baixos salários, as condições de trabalho não são adequadas e pela pouca atenção que tem sido dada ao magistério.” Os respondentes veem no Parfor uma proposta que permite socializar e refletir seus saberes, valorizando sua prática. Sentir que seu trabalho é reconhecido e bem visto gera satisfação e, consequentemente, motiva os pro-fessores a trabalhar com mais dedicação e afinco, fatores estes que contribuem para o sucesso e bom desempenho de alunos e professores envolvidos nesse processo. “Tem uma metodologia diferente, valoriza nosso trabalho, tem aquele espaço para estudo. A metodologia que os professores usam também é bem adequada à nossa profissão” (Pa9). Os dados revelam o significado profundo que a formação do Parfor tem para a vida dos docentes que o frequentam. As razões de frequentar o curso e a oportunidade aproveitada são valorizadas pelos Pa que reconhecem a importân-cia deste programa do governo federal.

O olhar dos acadêmicos sobre aformação recebida

O levantamento sobre a qualidade do ensino recebida no curso do Parfor foi feito através de questionamento nesta direção, onde os Pa deram suas con-tribuições. A graduação é tida como umaformade alcançar satisfação pessoal e profissional. É plena a satisfação dos acadêmicos com a formação recebida, sendo esta a oportunidade de crescimento que muitos aguardavam.O Parfor é visto pelos Pa como uma política pública eficaz.Justificandoa qualificação, os entrevistadosvêm a sociedade em constante desenvolvimento que exige profis-sionais cada vez maispreparados, que consigam dar conta da demanda edu-cacional que as novas gerações passam a exigir. “É um dos melhores projetos governamentais que está sendo desenvolvido, pois contempla professores que ainda não têm formação acadêmica. Isso vem ao encontro de uma sociedade que exige cada vez mais dos educadores.” (Pa18). A consciência da aquisição de maior conhecimento está presente na maior parte dos depoimentos, ela vem ao encontro das vivências dos Pa, agre-

Page 252: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

252Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

gando maior entendimento do que realmente ocorre dentro das salas de aula no processo de ensino-aprendizagem.“Uma bagagem um pouco extensa a gente já tinha na prática, mas não na teoria, veio clarear muitas dúvidas, muitos métodos, as normas, a parte legal” (Pa2). O Pa12 é enfático, identifica a qualificação de seu fazer pedagógico. “O que mudou? Melhorou muito as minhas aulas, mais conhecimentos. Tinha coisas que eu não sabia e sempre quis dar por conta, para poder trabalhar.Sentia essa necessidade até para melhorar a maneira de dar aula, mais prática.” Tornar-se professor enquanto exerce a profissão, segundo Fontana (2000), ocorre tanto pela apropriação e reprodução de concepções já estabele-cidas no social e inscritas no saber dominante da escola, quanto pela elaboração de formas de entendimento da atividade docente nascidas de suas vivências com o ensino, nas interações com os alunos e no processo de organização políti-ca, com seus pares, em movimentos reivindicatórios. Em relação à escola, os gestores destacam mudanças significativas nos Pa no que tange ao comprometimento e ao bom desempenho profissional, co-laborando com o crescimento da instituição onde é docente.“Sim. É mais atuante e comprometido com a educação e com a escola. Sendo protagonista e incenti-vando o protagonismo dos demais” (G2). Destaca-se também o aprimoramentoda linguagem, leitura e interpre-tação, fatores que proporcionam aos Pa, maior segurança no desenvolvimento de suas aulas, como pode-se perceber no depoimento abaixo.“A questão da linguagem eu acho que eu melhorei muito, a forma de interpretar textos, de com-preender. A leitura foi muito usada, a gente leu, debateu, compreendeu e isso, eu acho que faz, a gente se sentir mais preparada” (Pa5). A formação recebida contribui com aquilo que Severino (2006, p.621) de-nomina formação do ser, corrobora com o desenvolvimento pessoal e humano. Para ele a formação é processo do devir humano como devir humanizador, me-diante o qual o indivíduo natural devém um ser cultural, “[...] uma pessoa – é bom lembrar que o sentido dessa categoria envolve um complexo conjunto de di-mensões que o verbo formar tentaexpressar: constituir, compor, ordenar, fundar, criar, instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser”. Os Pa reconhecem a necessidade de empenhar-se na construção de uma nova realidade educacional. O sucesso depende diretamente do empenho com que elesse dedicam às aulas, que trarão subsídiospara o trabalho como educadores.“É um projeto muito bom, devemos levá-lo a sério, estudar, pesquisar, nos empenhar ao máximo para mudarmos a realidade onde nos encontramos.” (Pa15).

Page 253: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

253Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

A vivência proporcionada pela troca de experiências que ocorre no ambiente acadêmico é tida como fator diferenciado, favorece o crescimento pessoal e profissional dos cursistas, dado que existem graduandos com mais de vinte e cinco anos de atuação em sala de aula. Há grande destaque tam-bém para o embasamento teórico, que é denso e de muita profundidade.“Na minha formação no meu crescimento profissional eu acho muito bom, bem vá-lido, porque na verdade embasa a gente. Tenho conhecimento prático, mas, às vezes, falta uma teoria para ter oembasamento.”(Pa8). Os gestores destacam a maior disponibilidade dos acadêmicos, enquanto profissionais da educação, bem como um aumento deautonomia e responsabi-lidade na tomada de decisões que dizem respeito ao cotidiano da escola.“Sim, pois passaram a tomar decisões maduras, realizar atividades criativas, estão mais disponíveis” (G1).“Percebe-se mais disponibilidade por parte da professo-ra, intensificando a interdisciplinaridade” (G8). Torna-se visível a riqueza do ambiente acadêmico, bem como a tarefa mediadora dos formadores para situar os aprendentes e encorajá-los na busca do conhecimento, o que na visão de Tébar (2011) constitui-se numa forma de construir significados. O mediador leva a pessoa a descobrir o significado de sua atividade, indo além das necessidades imediatas, excedendo o que nossas experiências têm de episódicas. Os relatos sintonizam com o que Severino (2006, p.261) concebe a respeito da educação não apenas como um processo institucional e instrucional, seu lado visível, mas fundamentalmente um investimento formativo do huma-no, seja na particularidade da relação pedagógica pessoal, seja no âmbito da relação social coletiva. “Por isso, a interação docente é considerada mediação universal e insubstituível dessa formação, tendo-se em vista a condição da edu-cabilidade do homem”.

Repercussões na vida pessoal e profissional

Para obtenção destas informações, a seguinte pergunta foi feita: Identi-fique mudanças que ocorreram em sua vida durante ou após o ingresso no cur-so do Parfor? Na vida pessoal? E profissional? Em resposta, obtivemos muitos dados, em geral de melhoria e ganhos na vida dos Pa. A segurança está pre-sente em grande parte dos relatos. A mudança é decorrente do acréscimo dos conhecimentos e se expressa na forma de passar conteúdos, de explicar teorias com as quais os acadêmicos não eram íntimos, assim como tomar as rédeas da própria vida. “O português veio também a melhorar, nesse decorrer do curso, no

Page 254: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

254Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

profissional como frisei antes, a gente já tinha uma experiência, mas veio tornar o processo educativo mais seguro do que antes” (Pa2). Segundo Tardiff (2013) a profissionalização do ensino induz a uma visão reflexiva do ato de ensinar: o ensino não é mais uma atividade que se executa, mas uma prática na qual de-vemos pensar, que devem problematizar, objetivar, criticar, melhorar. Os cursistasdestacamgratidão e satisfação quando se referem ao Pro-grama, os mesmos enfatizam os ganhos positivos resultantes do Parfor. A for-mação continuada é necessária, pois acompanhar o ritmo de evolução dos educandos é indispensável para o bom resultado no combate às disparidades educacionais. “É uma formação continuada diária, muito rica em novos saberes, visto que somente com o magistério e a graduação em Matemática, ainda tenho muito a aprender sobre a Educação Infantil e Anos Iniciais e gestão escolar.”(-Pa16). Dentre os fatores que mais se destacam, encontramos a mudança na for-ma de atuar em sala de aula, a revisão de conceitos pedagógicos e a forma mais aberta de comunicação com os demais. A troca de informações sobre a própria cultura, sobre os métodos de trabalho, bem como relatar experiências de vivên-cias dentro da sala de aula, são fatores que permitem um maior desenvolvimento desses Pa.“Houve muita contribuição. As aulas são enriquecedoras. Saímos das aulas satisfeitos com os docentes que preparam as aulas para sanar nossas dúvidas e inquietudes profissionais.” (Pa24). A análise da práxis pedagógica ocorre em várias situações, onde os Pa-procuram rever seus conceitos. Tem destaque também, a evolução da sua com-petência linguística, bem como do relacionamento dos mesmos com os demais, incluindo suas relações pessoais e profissionais. “Na minha vida pessoal eu cresci muito, vejo quanta coisa errada eu cometi, até na convivência familiar, que hoje eu vejo que não era esse o caminho, é outro”(Pa1).“Eu já estudava bastante, passei a ler mais, passei a estudar muito mais do que estudava. Pas-sei a escrever mais, escrever melhor, passei a olhar diferente para minha práxis pedagógica, para o meu fazer docente na escola.”(Pa6). Segundo Azevedo (2007), os atuais cursos de formação de professores, buscam oferecer uma formação mais adequada às necessidades educaciona-is das crianças do mundo atual, os professores precisam pautar-se numa con-cepção de formação docente como práxis-reflexiva. Nesta proposta, o professor é concebido como profissional crítico-reflexivo, o qual é capaz de problematizar a sua prática e a da escola de forma coletiva e contextualizada. Um fator negativoapontado está relacionado à falta de tempo com a qual

Page 255: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

255Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

os Pa, de modo geral, tiveram de adaptar-se. Seus novos horários acabaram repercutindo em muitos aspectos de suas vidas, tiveram que estar em atividade por mais tempo para que conseguissem dar conta das novas demandas que a vida lhes impunha naquele momento. O que agravou o problema do tempo foi que em muitas escolas os gestores não entenderam que estes docentes estavam em formação e não flexibilizaram horários de planejamento e outras atividades extracurriculares, acirrando mais ainda a premência do tempo.“Para começar na vida pessoal eu preciseireorganizar, porque sou casada, moro no interior, então é uma jornada de ônibus para chegar até a escola onde trabalho, mais uma para chegar até aqui. Aí encontrar tempo para as leituras, para os trabalhos” (Pa7). Segundo Gatti, Barreto e André (2011),cabe questionarmos, à luz das políticas postas em ação pelas instâncias governamentais do Brasil, sendo este um País federativo, se estas traduzem uma posição governamental articulada com clareza de direção, com metas compreensivas e integradas, onde se pre-tende chegar ou que processos educacionais pretende-se desencadear.Sacris-tán (1997) alerta que a base principal da qualidade de todo sistema educacional consiste em dispor de um professorado bem formado, socialmente considerado, que possa trabalhar em condições adequadas para dedicar-se a seu trabalho e seu aperfeiçoamento. Os Pasentem-se mais confiantes, pois estão amparados por conheci-mentos que antes não possuíam. Percebem que o campo de trabalho tem ex-pandido e consideram-se mais valorizados como profissionais da educação.“Na minha vida pessoal é que eu percebo mais confiança no trabalho, na escola, no dia-a-dia. Na minha vida profissional, o campo de trabalho que está se abrindo, existe uma deficiência, principalmente de professores de química” (Pa9). Os gestores expõem suas percepções frente às mudanças dos acadêmi-cos em termos de profissionalismo. O conhecimento traz consigo a segurança na hora de transmitir os conteúdos, facilitando o empoderamento dos cursistas sobre sua função que é a de ensinar. O maior comprometimento dos mesmos, bem como aumento do sentimento de pertencimento ao espaço onde estão in-seridos, são fatores fortemente destacados.“Maior comprometimento, aumentou o sentimento de pertencimento ao espaço que atua, maior empatia pelos cole-gas de trabalho e estudantes, maior diálogo e flexibilidade e implementação de novas metodologias na resolução de problemas e conflitos” (G2). Ao questionar os gestores sobre possíveis mudanças na vida pessoal dos Pa, procuramos enfatizar a relação dos mesmos com os demais profissionais da escola onde atuam. Após o ingresso no Parfor, os cursistas aprimoraram suas

Page 256: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

256Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

relações pessoais, apresentam maior entrosamento com os colegas, seguros em suas tarefas. “Estão mais animadas e seguras. Percebo que obtiveram outra visão no que se refere ao trabalho do professor em sala de aula, bem como da gestão escolar” (G1). Para Gatti, Barreto e André (2011), existe a necessidade de um novo per-fil profissional para enfrentar os desafios da docência. Este fato requer que o professorado adquira maior competência pedagógica, capacidade de trabalhar com os colegas e que seja dada às escolas maior responsabilidade com maior descentralização da gestão de seu pessoal. Os depoimentos parecem se sobrepor em relação aos ganhos que sua formação lhe oportuniza e novas perspectivas profissionais que se abrem. Isto contabiliza sobremaneira em favor deste Programa cuja iniciativa é do governo federal. Os relatos fazem por merecer os recursos investidos, pois repercutirão em práticas pedagógicas renovadas e educadores mobilizados e sentindo-se valorizados.

Transformação na prática pedagógica

Para obtenção dos resultados, partimos da questão: Você mudou algo em sua prática? O que? Pode dar exemplos?A possibilidade de conhecer novos métodos de ensino propicia aos educadores o desenvolvimento de novas técni-cas de trabalho, as quais passam a ser mais produtivas e dinâmicas, aumentando o interesse dos alunos, bem como proporciona maioraquisição de conhecimen-to. Os acadêmicos destacaram vários aspectos positivos, dando maior ênfase para as atividades que foram desenvolvidas dentro da universidade, as quais foram levadas para as escolas onde atuam, como é o caso doPa2.“Olha em termos de atividade a gente teve uma bagagem imensa, atividadesdiferentes, novas, a gente com certeza levou para dentro da sala de aula, e compartilhou com nossos alunos”.Segundo Pimenta e Ghedin(2002), conhecer é mais que obter informações. Conhecer é trabalhar com as informações disponíveis, ou seja, analisar, identificar suas fontes, contextualizar, relacioná-las com a forma de organização da sociedade. A mudança como profissional da educação é destacada pelos gestores das escolas onde os cursistas estão lotados, percebe-se uma significativa evolução dos mesmos enquanto educadores. Os gestores destacam que alteraram suas práticas após o ingresso no Parfor, estão permeadas de mudanças significativas para o contexto educacional. “Na escola esse professor possui muito compro-

Page 257: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

257Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

metimento profissional, destacando-se dos demais ao implementar estratégias metodológicas e formas inovadoras de compreender e agir” (G2).Para Pimenta e Ghedin (2002), o saber docente não se forma somente da prática, mas, também, através das teorias da educação. A teoria então tem fundamental participação na formação dos professores, pois permite que os indivíduos desenvolvam pon-tos de vista diferenciados, o que lhes propicia um olhar crítico sobre o contexto histórico, social, cultural e organizacional, bem como, sobre si mesmos como profissionais da educação. “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1997. p.25). O ato de ensinar con-siste em proporcionar aos educandos, espaço e ferramentas que possibilitem o desenvolvimento de novas construções a partir da elaboração de conhecimen-tos anteriores, incrementando-os e aprimorando-os. Neste sentido, a evolução na maneira como os cursistas dirigem suas aulas, após o ingresso no Parfor, é unânime. Os Pa destacam sua mudança em relação às crianças e à forma de transmitir o conteúdo que os mesmos vêm aprendendo na universidade. “Muito, desde a relação com as crianças, o olhar para elas, a atividade pedagógica e outras visões de não dar a aula pronta, mas construir a aula com as crianças” (Pa7).Para Nogaro e Silva (2015), é preciso ressignificar a prática pedagógica, tomando a reflexão como a ferramenta que norteia o trabalho do professor, buscando a mudança de postura frente aos acontecimentos. Os acadêmicos ressaltam o aumento das aulas práticas, as quais ante-riormente eram negligenciadas. Percebem nessa atitude, uma forma de fazer com que os estudantes se interessem mais e passem a ter um melhor desem-penho. O Pa12 consegue aproximar os conteúdos ao cotidiano dos estudantes com a formação recebida.“Consegui fazer mais aulas práticas, relacionar mais conteúdos de química com o dia-a-dia, que antes tinha mais a parte teórica, mas não tinha muita relação com fatos do dia-a-dia” (Pa12). Não é difícil para identificarmos que a formação do Parfor provoca re-flexos na atuação docente na sua prática do cotidiano. De acordo com Mace-do (2009), assim como desenvolvemos conhecimentos e crenças gerais acerca do ensino, dos alunos, da escolaou do professor, a matéria que ensinamos ou pretendemos ensinar não fica à margem de nossasconcepções. A forma como conhecemos uma determinada disciplina ou área curricular afeta a forma como a ensinamos. Portanto, uma formação que propicia mudança de concepções em torno do conhecimento e da prática pedagógica interfere diretamente no fazer do professor e é isto que identificamos em relação ao Parfor.

Page 258: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

258Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

Reavaliação das concepções teóricas

Os dados desta categoria foram obtidos através de pergunta feita aos cursistas sobre mudanças em suas concepções teóricas. De modo geral, constatou-se mudança em todos os participantes, o que mais se destaca, porém é o acréscimo de conhecimentos. A ampliação é significativa e evidente, em todas as falas dos entrevistados.“Quanto mais conhecimento a gente vai adquirindo, mais formas diferentes de ver as coisas. Isso faz com que se consiga mudar concepções, jeito de atuar perante uma situação ou outra”(Pa3). Um processo de formação diferenciado pode redirecionar o olhar do professor em relação às situações com que se depara no cotidiano e oportuni-zar uma visão esclarecida pode auxiliar na resolução de problemas que, sem a luz formativa, parecia intransponível. Como afirma Nóvoa (2015) trata-se da importância de um conhecimento que vai para além da teoria e da prática e que reflete sobre o processo histórico da sua constituição, as explicações que prevaleceram e as que foram abandonadas, o papel de certos indivíduos e de certos contextos, as dúvidas que persistem, as hipóteses alternativas. É o que aponta o Pa7.“Não que tenham mudado para pontos opostos ou contraditórios, mas, sim, eu acho que elas evoluíram. Elas se aperfeiçoaram com o Parfor”. Os gestores afirmam que a mudança dos cursistas está também na bus-ca por qualificação, o que acarreta em uma fazer pedagógico cada vez mais satisfatório. A preocupação com o desenvolvimento pessoal e profissional acaba por incentivar também os colegas de trabalho, melhorando assim a qualidade do ensino oferecido na escola onde eles atuam.“Incentiva os colegas e auxilia em suas ideias. Aumentou o nível de compreensão intelectual e se destaca dos demais por qualificar-se cada vez mais, oferecendo serviços educacionais satisfatórios e qualificados” (G2).“A qualificação profissional certamente gera mudanças pessoais, na forma de pensar e agir” (G6). Os Pa reconhecem que sua evolução enquanto profissionais da edu-cação influencia diretamente no desempenho dos alunos aos quais eles trans-mitem o que aprendem diariamente. O professor que domina os conhecimentos que transmite sinaliza para o estudante a importância dos mesmos e provo-ca a curiosidade do saber, pois abre as avenidas fundamentais por meio de suas provocações e indagações indicando que o estudante pode adquirir este conhecimento do mesmo modo que ele o fez. “A gente conseguiu perceber que a criança aprende também como nós, estudando, então a gente muda também a maneira de trabalhar com eles”(Pa4).

Page 259: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

259Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

O excerto da fala do Pa incide naquilo que cada um de nós imagina que deveria ocorrer com os processos de formação docentes: melhorar a aprendiza-gem dos estudantes. O professor se considera parte da conquista obtida pelos alunos, inserido no processo que deflagrou o bom desempenho e identifica a aquisição de conhecimento e diferentes estratégias, frutos no processo forma-tivo como responsáveis pelo seu êxito. Nóvoa (2015, p.7) reforça a importância do componente pessoal do professor estar em evidência para que os resultados de seu trabalho possam surtir maior efeito. “A formação deve contribuir para criar nos futuros professores hábitos de reflexão e de autorreflexão que são es-senciais numa profissão que não se esgota em matrizes científicas ou mesmo pedagógicas, e que se define, inevitavelmente, a partir de referências pessoais”.

Concepções de educação, aprendizagem, avaliação e de currículo

Os dados aqui expostos foram obtidos através da questão: houve algu-ma mudança na sua concepção de educação, de aprendizagem, de avaliação e de currículo? As respostassinalizam de que todos os cursistas mudaram suas concepções. É muito evidente a mudança na forma dosPa atuar, na forma de interagir seus alunos.“Mudei muito meu jeito de dar aula. As questões não só teóricas e práticas assim do dia-a-dia, mas até as questões psicológicas de como agir perante certas situações” (Pa3). Os Pa destacam a importância de repensar o currículo avaliando o todo e não somente as partes, o que faz com que o aluno consiga explorar suas habili-dades dando maior ênfase naquelas onde o mesmo se sobressai e deixando de lado o modelo antigo, onde as fragilidades eram mais exaltadas.A experiência de intercâmbio epistemológico vivenciado pelos cursistas, dentro da sala de aula, vem acrescentar a importância da troca de experiências para o desenvolvimento e evolução dos mesmos.“Antes era mais centrado nas notas, hoje vejo que um dos detalhes são as notas, mas não somente este. Tem que se observar o todo, porque os alunos, às vezes, têm dificuldade em alguma coisa como eles são muito bons em outras” (Pa9). “Levou-me a repensar o currículo de uma forma diferente, esse currículo e o currículo oculto, porque queira ou não, na escola, o processo educativo é tecido por várias outras relações que influenciam” (Pa6). Os sujeitos da pesquisa destacam que a educação é um processo, uma construção que depende da interação e disposição de alunos e professores. O curso do Parfor auxiliou-os a compreender melhor algumas situações do dia-a-dia e também a desenvolver a empatia, processo este, que se faz necessário para o

Page 260: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

260Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

bom andamento do ensino dentro das salas de aula. “Muitas vezes você tem que parar, pensar, refletir e durante as aulas, no curso parei, refleti, usei a empatia para ver o que estava fazendo, o que aquilo tinha a ver comigo, o que precisava melhorar” (Pa8). A consciência do papel e do protagonismo do professor são uma tônica no discurso dos Pa. O sentimento de responsabilidade profissional ecoa em suas vozes. Mas não basta ecoar enquanto indivíduos há que se ouvir o coletivo para que a escola se constitua como projeto perante a sociedade. No entendimento de Nóvoa (2015), a competência coletiva é mais do que o somatório das com-petências individuais. Estamos a falar da necessidade de um tecido profissional enriquecido, da necessidade de integrar na cultura docente um conjunto de mo-dos coletivos de produção e de regulação do trabalho.

Conclusão

A oportunidade de cursar o ensino superior de forma gratuita é vista pe-los Pa, de forma unânime, como uma excelente forma de melhorar o ensino no Brasil. Oportunizar a qualificação daqueles que ensinam novas gerações é de extrema importância, para que possa existir uma melhora significativa na edu-cação básica em todo o território brasileiro. Destacamos suaevolução como profissionais da educação, assim como, para o seu crescimento pessoal, que se dá pela troca de experiências decorrente da convivência com outros profissionais da área e também pela oportunidade de conhecer mais a fundo as teorias sobre as quais estes professores-alunos se embasam para a construção das aulas. Os cursistas ressaltam que o Parfor é uma ótima oportunidade para aper-feiçoar seus conhecimentos e abrir novas portas para seu crescimento. Afirmam que somente não está se especializando quem não quer, enquanto o curso é gratuito, o Governo Estadual ajuda os acadêmicoscom vínculo empregatício no estado com uma bolsa de duzentos reais mensais.O curso foi bem recebido por todos os graduandos, percebe-se nassuas falas o anseio pela continuação do Programa, no formato de Pós-Graduação. Visto como um programa de oportuni-dades veio a acrescentar na vida pessoal e profissional de quem frequenta o curso. A oportunidade do Parfor é reforçada por todos os entrevistados desta pesquisa. Destaque é dado para a oportunidade gratuita oferecida pelo Gover-no Federal, a qual traz como resultados a evolução pessoal e profissional dos

Page 261: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

261Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

Pa que frequentam os cursos oferecidos. Muitos desses sujeitos, não tinham condições financeiras de pagar pelo ensino superior e conseguiram entrar na uni-versidade graças à gratuidade do ensino. Também pode-se salientar a melhora gradual na educação básica, já que a qualificação dos profissionais da educação vem diretamente ao encontro do desenvolvimento intelectual dos cidadãos que ingressam no ensino público.

Referências

AZEVEDO,H.H.O. A construção da profissionalidade docente: O papel dos for-madores. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UN-IMEP.S.L., ano 14, n.2, p.45-62, jul./dez., 2007.BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciv-il_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 29 mar. 2015._________. Ministério da Educação. CAPES; Diretoria de Formação de Profes-sores da Educação Básica; Coordenação Geral de Docentes da Educação Bási-ca. Plano nacional de formação de professores da educação básica – Parfor presencial: manual operativo. Distrito Federal, 2009.DALBÉRIO, O; BERTOLDI, A.B. O desafio da formação e da atuação do profes-sor. Ensino em Re-vista.Uberlância/MG, v.19, n.1, p.51-62, ago./dez.,2011.FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários para à prática ed-ucativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.FONTANA, R.C. Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte: Autêntica, 2000.GATTI,B.A. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação. Campinas/SP: Autores Associados, 1997.GATTI,B.A; BARRETO, E.S.S; ANDRÉ,M.E.D.A. Políticas Docentes no Brasil: um estado da arte. Ministério da Educação. Brasília. Set. 2011.LOURENCETTI, G.C. A baixa remuneração dos professores: algumas reper-cussões no cotidiano da sala de aula. Revista Educação Pública.Cuiabá, v. 23, n. 52, p. 13-32, jan./abr. 2014.MACEDO, C. A identidade docente: constantes e desafios. Formação Docente. Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 1-8,ago./dez., 2009.NOGARO, A.; SILVA, H. C. Professor Reflexivo: Prática Emancipatória? Curiti-ba: CRV, 2015.NÓVOA, A. Para uma formação de professores construída dentro da profis-

Page 262: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

262Parfor: Repercussões na prática pedagógica, vida pessoal e profissional de professores alunosArnaldo Nogaro - Idanir Ecco - Neusa Pereira Machado

são. Disponível em: www.revistaeducacion.educacion.es/re350/re350_09por.pdfAcessado em 2015.PIMENTA, Selma Garrido. Professor Reflexivo: Construindo uma Crítica. In: PI-MENTA, S. G.; GHEDIN, E. Professor Reflexivo no Brasil: Gênese e Crítica de um Conceito. São Paulo: Cortez, 2002.SACRISTÁN, J. G. Entrevista: Mudanças curriculares na Espanha, Brasil e Ar-gentina. PÁTIO: Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, ano 01, nº 0, fevereiro/abril 1997.SEVERINO, A.J. A busca do sentido da formação humana: tarefa da Filosofia da Educação. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.32, n.3, p. 619-634, set./dez., 2006.TARDIFF,M. A profissionalização do ensino passados trinta anos:dois passos para a frente, três para trás. Educação e Sociedade. Campinas,v.34, n.123, abr./jun. 2013.TÉBAR, L. O perfil do professor mediador: pedagogia da mediação. São Pau-lo: Senac, 2011.

Page 263: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

PRODOCÊNCIA E FOPE: POLÍTICAS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DOS PROFESSORES NA UEL: DISSEMINAÇÃO

DOS SABERES DOCENTES1

Ângela Maria de Sousa Lima2 Angélica Lyra de Araujo3

Resumo

O artigo problematiza as experiências coletivas do FOPE (Fórum Permanente das Licenciaturas) e do PRODOCÊNCIA (Programa de Consolidação das Licenciaturas), na formação inicial e continuada de professores da UEL e da comunidade externa. Este debate é desenvolvido por meio do resumo de obras que disseminaram saberes e fazeres dos professores acerca de metodologias, recursos didáticos, estágios, avaliação, inclusão, entre outras temáticas que envolvem o ensino e a formação. Na tentativa de consolidar a indissociabilidade entre teoria e prática educativa, objetiva-se demonstrar a relevância da articulação entre as atividades promovidas pelas licenciaturas da UEL e as expectativas dos profissionais da Educação Básica. Palavras-chave: formação continuada; FOPE; Licenciaturas; saberes e fazeres docentes.

Introdução

A intenção desse trabalho é partilhar alguns resultados das experiências desenvolvidas na Universidade Estadual de Londrina, nos últimos três anos, por meio das atividades coletivas do FOPE (Fórum Permanente das Licenciaturas) e do PRODOCÊNCIA (Programa de Consolidação das Licenciaturas), na for-

1 Parte desse trabalho foi apresentado no 2º Congresso Internacional sobre a Teoria Histórico-Cultural e 13ª Jornada do Núcleo de Ensino de Marília, entre os dias 12 e 15 de agosto de 2014, na sessão Política Educacional II.

2 Professora Doutora da Universidade Estadual de Londrina, Professora de Sociologia/Estágio do De-partamento de Ciências Sociais. Coordenadora do LENPES (Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia). Pró-reitora de Graduação da UEL. Contato: [email protected]

3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação na UNESP/FLCAR; Colaboradora do LENPES (Labo-ratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia/UEL). Bolsista do CNPq. Contato: [email protected]

Page 264: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

264Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

mação inicial e continuada de professores da UEL e da comunidade externa. De maneira interdisciplinar, as produções desenvolvidas resultam de debates e discussões de problemas pertinentes às diferentes licenciaturas nos aspectos sociológicos, educacionais, econômicos, antropológicos, políticos e culturais, demonstrandoo desenvolvimento processual de uma prática pedagógica que buscou ser transformadora e bastante integradaentre vários agentes educacio-nais da mesma universidade. Neste artigo trazemos brevemente a síntese de obras que disseminaram alguns saberes dos professores em exercício e em formação. São coletâneas que materializam o compromisso desses profissionais com a qualidade da for-mação dos seus alunos e professores, visando uma proposta de escola e de universidade pública mais integradas. Os livros resumem reflexões acerca de metodologias, recursos didáticos, estágios, avaliação, inclusão, entre outras temáticas que envolvem o ensino e a formação de professores. O Prodocência (Programa de Consolidação das Licenciaturas) nasceu dos debates entre os integrantes do FOPE. Este fórum constitui-se em um es-paço institucionalizado de reflexões educacionais importantes desde 1995 pela Res. CEPE n.2786/95 e preserva o objetivo principal de discutir, promover e articular atividades universitárias relacionadas às licenciaturas da UEL. Nos úl-timos anos, este fórum permanente de discussões tomou para si a incumbência de centralizar a organização de propostas institucionais para concorrer aos edi-tais de apoio/incentivo à formação docente. Na edição do Prodocência de 2010, o grupo de professores das quinze licenciaturas se propôs a organizar cursos de formação continuada, jornadas de estágio, ciclo de debates, uma revista eletrônica, mostras de estágio e de in-clusão, livros temáticos, cadernos de metodologias, entre outras ações, a fim de potencializar a formação inicial e continuada de professores no âmbito do FOPE.Neste trabalho, especificamente, trazemos alguns resultados dessa política ed-ucacional que se materializaram em coletâneas impressas, organizadas por pro-fessores/pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, colaboradores do programa em diferentes cursos de licenciatura da UEL. Um dos focos principais destes livros foi registrar o debate de questões teórico-metodológicas circunscri-to nos diferentes campos de estágio, de práticas de ensino e dos cursos anuais de formação continuada, no contato direto com licenciados e professores da Educação Básica, o que contribuiu para aproximar o diálogo entre a universi-dade e a realidade da educação básica da região de Londrina. Os principais temas educacionais tratados nas obras advém das preocu-

Page 265: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

265Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

paçõesdos formadores de professores,atualizados nas reuniões mensais do FOPE e do Prodocênciae refletem as inquietações epistemológicas/didáticas sobre o ensino público e sobre a lógica contextual que o estrutura, buscando jun-tos consolidara indissociabilidadeentre teoria e prática no contexto da formação docente. Os títulos dos livros são:

• Práticas e Reflexões de Metodologias de Ensino e Pesquisa do Projeto Prodocência da UEL, de 2012;

• Experiências e Reflexões na Formação de Professores, de 2012;

• Os Estágios nas Licenciaturas da UEL, de 2013;• Diálogos entre as Licenciaturas e a Educação Básica: aproxi-

mações e desafios, de 2013;• Prodocência/UEL: Ensino e Pesquisa na Formação de Profes-

sores, de 2013;• Inclusão: Debates em Diferentes Contextos, de 2013;• Estágio, Formação e Trabalho Docente: Experiências das Jor-

nadas/Cursos do FOPE/Prodocência, de 2014.

Veremos, na sequência,apenas alguns apontamentos de cada uma des-sas obras que pretendem contribuir para o fomento das reflexões metodológicas e das pesquisas sobre a política de formação inicial e continuada de professores, sobre as atividades de extensão da universidade estendidas aos profission-ais da educação da região, sobre o fortalecimento do estágio e dos cursos de licenciaturas. E como nos diz Tardif, trata-se, finalmente, de repensar os funda-mentos da formação do magistério, vinculando-os à prática da própria profissão. Trata-se também de ver os “professores como produtores de saberes específi-cos ao seu trabalho e de integrá-los tanto nas atividades de formação quanto de pesquisa [...]” (2011, p. 294).

Práticas e Reflexões de Metodologias de Ensino e Pesquisa do Projeto Prodocência da UEL

A obra “Práticas e Reflexões de Metodologias de Ensino e Pesquisa do Projeto Prodocência da UEL”, de 2012, é resultado de propostas e ações concre-tas dos professores colaboradores do Prodocência e do FOPE. Constitui-se fruto de oficinas, palestras, aulas diferenciadas, dinâmicas, análises de filmes, rodas de debates, entre outras atividades pedagógicas desenvolvidas na III Jornada de Humanidades do Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão – Colégio de Aplicação da UEL, nos dias 02 e 03 de maio de 2011 e que teve como tema

Page 266: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

266Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

geral “In/exclusão e Juventudes”. Os assuntos tratados discutiram, direta e indiretamente, os processos de inclusão e de exclusão de variados grupos, em todos os campos sociais, políticos, econômicos e culturais, principalmente relacionando-os às juventudes, pois “[...] é impossível mudar a prática de sala de aula sem vinculá-la a uma proposta conjunta da escola, a uma leitura da realidade, à filosofia educacional, às concepções de pessoa, sociedade, currículo, planejamento, disciplina [...]”. (VASCONCELLOS, 2002, p. 15). Assim, a obra conseguiu evidenciar a ressig-nificação dos conhecimentos de diversas áreas, sob diferenciadas abordagens, na intenção de contribuir com uma visão mais ampla e mais crítica sobre a par-ticipação das juventudes em diversos contextos sociais. A obra traz também textos advindos das produções dos professores co-laboradores do Projeto Prodocência. São artigos, relatos de práticas de ensino e de estágio colhidos pelo referido projeto de novembro a dezembro de 2011, desenvolvidos nos espaços da UEL, dos museus e de outras escolas públicas de Educação Infantil, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da Educação Profissional, da Educação Especial e da EJA (Educação de Jovens e Adultos) na região de Londrina. O livro assinala a diversidade e a riqueza de conteúdos, resultado tam-bém de reflexões dos grupos de estudos, de pesquisa e de extensão que com-puseram o Projeto Prodocência ao longo de três anos consecutivos. Os debates teóricos e o repensar coletivo das ações pedagógicas integradas buscaram responder às inquietações metodológicas quando se dialoga com os fenômenos emergentes da sociedade no que diz respeito aos processos de inclusão e de exclusão socioeducacionais.

Experiências e Reflexões na Formação de Professores

O livro “Experiências e Reflexões na Formação de Professores” traz uma coletânea de textos, problematizando e contextualizando os diversos temas da educação escolar,sob a ótica dos colaboradores do Prodocência, dos estudantes das licenciaturas da UEL, de professores da Educação Básica e, sobretudo, de profissionais da educação de diferentes estados envolvidos diretamente com a organização do “I Congresso Nacional dos Colégios de Aplicação”, ocorrido na UEL entre os dias 06 e 08 de fevereiro de 2011. As palavras de Libâneo alertam pontualmente para o contexto em que a obra foi gerada:

[...] necessidade da reflexão sobre a prática a partir da apro-

Page 267: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

267Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

priação de teorias como marco para as melhorias das práticas de ensino, em que o professor é ajudado a compreender o seu próprio pensamento, a refletir de modo crítico sobre sua prática e, também, a aprimorar seu modo de agir, seu saber-fazer, à me-dida que internaliza novos instrumentos de ação (2004, p. 137).

Os textos trazem resultados de experiências inovadoras desenvolvidas em diversos colégios de aplicação brasileiros, assim como relatos de práticas de ensino de projetos como o Prodocência que procuramressignificar o cotidi-ano escolar, num diálogo mais atraente entre teoria e prática.Ao disseminarem seus saberes/fazeres docentes na obra, os professores da Educação Básica, participantes desses projetos/programas,comprometidos com a democratização do ensino e com a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem de seus alunos, instigam os formadores a reavaliarem suas práticas pedagógicas nas licenciaturas e a redefinirem suas pesquisas em educação.

Os Estágios nas Licenciaturas da UEL

A obra “OsEstágios nas Licenciaturas da UEL”retrata os trabalhos dos docentesdiretamente envolvidos na formação de futuros professores nes-ta universidade. A coletânea se tornou possívelpela integração das ativi-dades direcionadas por uma Comissão de Docentes organizada no FOPE com representantes de diferentes licenciaturas e que tomaram o estágio curricu-lar obrigatório como eixo articulador dos cursos de formação de professores. Os cursos de Ciências Sociais, Artes, Letras Estrangeiras Modernas, Espanhol, Educação Física, Letras Estrangeiras Modernas, Inglês, Química, Geografia, Música, Ciências Biológicas, Pedagogia, Filosofia, História, Matemáti-ca, Letras Vernáculas, Física apresentam como o estágio vem sendo desenvolvi-do nestas áreas e expressam a luta pela melhoria das condições de trabalho destes supervisores na universidade, possibilitando novas agendas de lutas, ao mesmo tempo em que cristaliza o apoderamento de propostas conjuntas de pesquisa-ação desenvolvidas em parceria com as escolas públicas da região. São, portanto, reflexões acerca das ações/pressupostos pedagógicos que orientam as práticas de estágio curricular obrigatório nos diversos cursos de licenciatura na Universidade Estadual de Londrina, enfrentando coletivamente o desafio de repensar novas metodologias nareformulação de estratégias didáti-cas mais adequadas às necessidades/expectativasdos estudantes, das escolas e das comunidades parceiras.

Page 268: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

268Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

Em suma, como bem mostra Tardif (2011) na citação posterior, o livro reúne saberes advindos de experiências do trabalho cotidiano e consegue ilustrar es-tratégias variadas na arte de ensinar e mobilizar estes conhecimentos no campo do estágio curricular.

Nessa ótica, os saberes oriundos da experiência do trabalho cotidiana parecem construir o alicerce da prática e da com-petência profissional, pois essa experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e produção de seus próprios sa-beres profissionais. Ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e trans-formá-los pelo e para o trabalho. A experiência de trabalho, por-tanto, é apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela mesma saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada, reprodução, reiteração sobre aquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de sua própria prática profissional (TARDIF, 2011, p.21).

A obra que também reúne as experiências de estágio do Programa Parfor na UEL, intenta ser um espaço que contribua não só para a memória dessas ações, mas em material de pesquisa para atualização e aprimoramento das práti-cas de ensino realmente integradas com as escolas públicas da região. Como ponto alto, destacamos o texto que trata do FOPE como espaço de consolidação das licenciaturas e o artigo, escrito a muitas mãos, que expressa a concepção de estágio desses agentes, sintetizado depois de dois anos de reflexões aprofunda-das sobre políticas de formação docente no âmbito deste fórum.

Diálogos entre as Licenciaturas e a Educação Básica: aproximações e desafios

A obra “Diálogos entre as Licenciaturas e a Educação Básica: aproxi-mações e desafios”, organizada por representantes de diferentes licenciaturas da Universidade Estadual de Londrina, com artigos e relatos de práticas de ensi-no acerca de problemas pertinentes às diferentes licenciaturas, pretende instigar a reflexão sobre a necessidade de repensarcoletivamente uma concepção de prática docente mais transformadora e mais envolvida com as reais situações/expectativas das escolas públicas, dos estudantes da Educação Básica e dos professores que nela atuam. O livro sintetiza parte das reflexões de estágio e de outras diferentes práti-cas de ensino desenvolvidas por licenciandos e supervisores da UEL na relação direta comm as escolas. As intervenções diretas ensinam, acima de tudo, quem

Page 269: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

269Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

são os sujeitos socioculturais concretos, portadores e produtores de conheci-mentos, que osfuturos professores devem aprender a conhecer e a valorizar nas ações pedagógicas.

O que cada um deles é, ao chegar à escola, é fruto de um conjunto de experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais. [...] Em outras palavras, os alunos já chegam à escola com um acúmulo de expe-riências vivenciadas em múltiplos espaços, através das quais podem elaborar uma cultura própria, uns “óculos” pelo qual vêem, sentem e atribuem sentido e significado ao mundo, à realidade onde se inserem [...] Assim, apesar da aparência de homogeneidade, expressam a diversidade cultural: uma mesma linguagem pode expressar múltiplas falas (DAYRELL, 2001, p. 140 e 141).

Na construção coletiva desse diálogo das escolas com as licenciaturas e vice versa, os textos revelam-nos novas formas de articular os processos de formação inicial e continuada de professores.

Prodocência/UEL: Ensino e Pesquisa na Formação de Professores

Na obra “Prodocência/UEL: Ensino e Pesquisa na Formação de Profes-sores”encontramos textos científicos que estimulam ações coletivasde ensino e de pesquisa, do ponto de vista interdisciplinar, no debate dos problemas perti-nentes às diferentes licenciaturas. O livro mostra a articulação entre teoria e prática pedagógica na universi-dade e na escola, compreendendo esta última como um campo de pesquisa e de produção de conhecimentos, e, sobretudo, dotada de possibilidades de reflexão crítica. Afinal, sabe-se que na escola e na universidade, esta última entendida também como uma escola, se reproduz desigualdades sociais e culturais. No entanto, nestes mesmos espaços educativos produzem-senovas visões sobre o mundo e sobre a educação. Por isso, a relevância de se conceber os saberes/fazeres dos docentes como incrementos significativos nas transformações sociais. Estas reflexões, por mais simples que pareçam à primeira vista, questio-nam o persistente fosso entre a universidade e as escolas de Educação Básica, o que exige de nós encontrar estratégias coletivas, capaz de,

Page 270: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

270Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

[...] eliminar a separação que atualmente existe entre o mundo dos professores-pesquisadores e o mundo dos pesquisadores acadêmicos. Hoje muitos professores sentem que a pesquisa educacional conduzida pelos acadêmicos é irrelevante para suas vidas nas escolas [...] Muitos acadêmicos nas universidades re-jeitam a pesquisa dos professores das escolas por considerá-la trivial, ateórica e irrelevante para seus trabalhos. A maioria dos acadêmicos reduz o processo de investigação realizado pelos próprios professores a uma forma de desenvolvimento profis-sional e não o considera como uma forma de produção de conhecimentos [...] Há claras evidências de que somente em poucos casos a pesquisa acadêmica tem estimulado reformas em escolas (ZEICHNER, 1998, p.1).

Desse modo, a riqueza da obra está em expor a compreensão dos au-tores, perpassada pela concepção de que os professores da Educação Básica são sujeitos históricos, políticos, culturais, sociaiscapazes de repensar/recriar/reinventarsuas próprias vivências profissionais no ambiente escolar. Nesse con-texto, a universidade precisa se colocar também como aprendiz desses saberes para revitalizar suas políticas de formação docente.

Inclusão: Debates em Diferentes Contextos

O livro “Inclusão: Debates em Diferentes Contextos”, através de reflexões sobre as práticas de formação inicial/continuada dos profissionais da educação em diferentes contextos, trata das implicações educacionais, políticas e soci-ais da educação inclusiva, buscando ampliar os debates acerca dos desafios da produção/disseminação de inovações teórico-metodológicas que tornem os ambientes educativos mais acessíveis e democráticos em todos os níveis de ensino.

Isso significa compreender a educação realmente como direito social, que inclui o aperfeiçoamento pessoal, a inclusão social e a participação política. Uma educação para a cidadania, que só poderá ser alcançada com mu-danças na estrutura vertebral da escola, naquilo que lhe é central, nas formas como o aparelho escolar funciona na distribuição de conhecimentos de várias ordens [...] (SAN-TOS, 2003, p. 23).

Os textos mostram que o papel do professor é compreender a escola hoje sob a ótica da cultura e da diversidade, como espaço sociocultural significativo

Page 271: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

271Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

na produção dinâmica de diferentes conhecimentos. E esta escola carece de políticas de inclusão que tornem os conhecimentos realmente acessíveis para todos os estudantes e profissionais, independente de sua condição mental, física ou emocional. Eis um dos grandes desafios para a escola enfrentar em parceria com a universidade e o fórum permanente das licenciaturas. Compreendendo o contexto das múltiplas desigualdades, os artigos e os relatos trazem a problematização dos aspectos teóricos, metodológicos e legais das vivências de inclusão e de exclusão nos espaços escolares. Um dos aspec-tos relevantes, apontados por diferentes textos dessa obra,mostra-se na busca por inovar cotidianamente os processos de ensino-aprendizagem nos diversos contextos educacionais na universidade e nas escolas de Educação Básica. Em suma, a obra visa sintetiza e subsidia a luta por políticas públicas mais perma-nentes e decisivas de inclusão no âmbito da formação de professores.

Estágio, Formação e Trabalho Docente: Experiências das Jornadas/Cur-sos do FOPE/Prodocência

Esta obra “Estágio, Formação e Trabalho Docente: Experiências das Jor-nadas/Cursos do FOPE/Prodocência”,de acordo com Campos, “reúne registros relevantes que nos permitem refletir sobre o sentido da escola pública, do tra-balho pedagógico e do estágio [...] propondo formas de intervenção/atuação nas escolas, com vista a um trabalho mais interdisciplinar [...]” (apud LIMA, 2014, p.14). A grande maioria dos autores são professores na Educação Básica par-ticipantes dos cursos anuais de formação continuada promovidos pelo Prodo-cência nos municípios de Londrina e de Rolândia. Estes docentes da Educação Básica escolheram um dos temas dos cursos de formação, transformaram em uma prática de ensino inovadora, desenvolveram-na nas escolas e depois re-lataram os resultados dessa experiência no livro. O que os professores do Programa Prodocência fizeram foi possibilitar um espaço para disseminação desses resultados de trabalho e socializar es-tes livros nas escolas públicas da região,valorizando a sistematização desses conhecimentos docentes. Assim o fizemos, porque como nos dizZeichner (1998), é preciso modificar a relação da universidade com a escola;

[...] comprometendo-nos com o corpo docente em realizar ampla discussão sobre o significado e a relevância da pesquisa que conduzimos; [...] empenhando-nos, nos processos de pesquisa,

Page 272: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

272Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

em desenvolver uma colaboração genuína com os professores, rompendo com os velhos padrões de dominação; [...] dando suporte às investigações feitas por professores ou aos proje-tos de pesquisa-ação, e acolhendo seriamente os resultados desses trabalhos como conhecimentos produzidos (1998, p. 7).

Deste modo, ao compartilhar reflexões e experiências de ensino/pesqui-sa/extensão sobre o trabalho docente, produzidas por professores da Educação Básica e por formadores de professores em cada licenciatura, acreditamos con-tribuir para produção de materiais didáticos inovadores, que aprofundam as discussões sobre os desafios enfrentados por todos na efetivação de políticas de formação inicial e continuada de professores.Todos estes textosnos fazem repensar olhares, posturas e concepções sobre os processos de ensino/apren-dizagem nas escolas e nas licenciaturas.

Resultados e Considerações Finais

A elaboração e impressão das obras mencionadas neste artigo tor-naram-se possíveis pelo apoio da Capes, através do Programa Prodocência, cuja finalidade é fomentar a inovação e a elevação da qualidade dos cursos de formação para o magistério da Educação Básica, na perspectiva de valorização da carreira docente. Uma quantidade significativa de duzentos e noventa e seis textos foram produzidos ao longo desses 03 anos sob a coordenação dos professores do Prodocência4, somando 2.769 páginas de saberes/fazeres docentes, em formato de artigos científicos e de relatos de experiências pedagógicas. Parte importante desses textos sãooriundos de resultados de estágio, de práticas de ensino, de oficinas desenvolvidas nas Jornadas de Humanidades nas escolas públicas da região, dos cursos anuais de formação continuada, dos ciclos de debates sobre desigualdades sociais, do Congresso Nacional dos Colégios de Aplicação ou dos debates coletivos que ocorreram nas reuniões de trabalho do programa, no âmbito do FOPE.

4 A obra “Estágio, Formação e Trabalho Docente Experiências das Jornadas/Cursos do FOPE/Prodocência” foi datada em janeiro 2014, mas sua concretização se deu no segundo semestre de 2013.

Page 273: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

273Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

PRODOCÊNCIA GESTÃO 2010-2013

OBRA ISBN ANO TEXTOS TOTAL DE PÁGINAS

Práticas e Reflexões de Metodologias de Ensino e

Pesquisa do Projeto Prodo-cência da UEL

978-85-7846-167-6 2012 43 596p.

Experiências e Reflexões na Formação de Professores

978-85-7846-155-3 2012 25 320p.

Os Estágios nas Licenciatu-ras da UEL

978-85-7846-234-5 2013 19 270p.

Diálogos entre as Licencia-turas e a Educação Básica: aproximações e desafios

978-85-7846-237-6 2013 46 457p.

Prodocência/UEL: Ensino e Pesquisa na Formação de

Professores

978-85-7846-235-2 2013 52 399p.

Inclusão: Debates em Dife-rentes Contextos

978-85-7846-204-8 2013 41 521p.

Estágio, Formação e Traba-lho Docente Experiências das Jornadas/Cursos do

FOPE/Prodocência

978-85-7846-236-9 2014 70 566 p.

TOTAL = 7 LIVROS 2012-2014

296 textos 2.769 páginas

Fonte: Elaborado pelas próprias autoras, 2015.

As experiências práticas dos docentes e licenciandos autores, registra-das em coletâneas, com certeza contribuíram para integrarmais a Educação Superior com a Educação Básica, ampliar o diálogo interdisciplinar entre es-tas instâncias, valorizar as licenciaturas, qualificar os debates sobre políticas curriculares e inovar as estratégias metodológicas no ensino dos diferentes con-teúdos. O que mais chama a atenção é a quantidade de professores do Ensi-no Superior (em geral dos Cursos de Licenciaturas), da Educação Básica e de graduandos (em sua maioria licenciandos) envolvidos diretamente como produ-tores/disseminadores de conhecimentos nestas coletâneas, isto é, seiscentos e cinquenta e cinco autores5, sejam de artigos ou de relatos de experiências de ensino. A quantidade de professores participantes do Projeto Prodocência como organizadores das obras também é expressiva. Foram cinquenta e quatro do-centes envolvidos. Poucos nomes se repetem nas diferentes coletâneas. E isso

5 Entendendo que alguns professores e graduandos são autores em mais de uma obra. Temos casos de autores que participaram das sete coletâneas, por exemplo.

Page 274: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

274Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

mostra a capacidade de agregação gerada por este programa, que no contexto do FOPE, fortaleceu a integração entre cursos e os profissionais da educação. Ao todo, temos oitocentos e setenta e nove pessoas diretamente envolvidas na escrita/leitura desses materiais didáticos.

PRODOCÊNCIA GESTÃO 2010-2013

OBRA Nº DE ORGs

Nº COMISSÃO CIENTÍFICA

Nº DEAUTORES

TOTAL:ORGS; COMISSÃO;

AUTORESPráticas e Reflexões de Metodologias de

Ensino e Pesquisa do Projeto Prodocência da

UEL

12 12 92 116

Experiências e Refle-xões na Formação de

Professores

5 9 52 66

Os Estágios Nas Licen-ciaturas da UEL

4 29 40 73

Diálogos entre as Li-cenciaturas e a Educa-ção Básica: aproxima-ções e desafios

11 22 93 126

Prodocência/UEL: Ensino e Pesquisa na Formação de Profes-

sores

4 36 95 135

Inclusão: Debates em Diferentes Contextos

4 21 74 99

Estágio, Formação e Trabalho Docente Ex-periências das Jorna-das/Cursos do FOPE/

Prodocência

14 41 209 264

TOTAL =54 orgs 170 pessoas 655 autores 879

Fonte: Elaborado pelas próprias autoras, 2015.

Acrescente-se a isso a valorização dos estágios curriculares obrigatórios desenvolvidos nas escolas, o incremento das práticas de ensino e dos processos de inclusão educacional. Não menos significativo, foi o impacto dessas experiên-cias na produção de novos materiais didáticos confeccionados pelos professores/pesquisadores. Em síntese, as obras expressam uma mediação mais democráti-ca entre os saberes produzidos cotidianamente pela universidade e pelas esco-las de Educação Básica.

Page 275: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

275Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

Enfim, é neste caminho de parcerias entre as licenciaturas e as escolas de Educação Básica que devemos percorrer, partilhando conquistas comuns e vislumbrando alternativas coletivas na busca por políticas públicas de formação de professores cada vez mais comprometidos social e culturalmente em todas as áreas do conhecimento.

Referências

ARROYO, Miguel. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e me-stres. 3ª. edição. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2004.CARVALHO. Ana Márcia F. Tucci de. [et al]. Os Estágios nas Licenciaturas da UEL. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2013. DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: ____ (org). Múlti-plos olhares sobre educação e cultura. 2ª. reimpressão. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 136 a 161. [primeira edição: 1996]JESUS, Adriana R. Santos dos. [et al]. Práticas e Reflexões de Metodologias de Ensino e Pesquisa do Projeto Prodocência/UEL. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2012. ______. [et al]. Experiências e Reflexões na Formação de Professores. Lon-drina: Universidade Estadual de Londrina, 2012.LIBÂNEO, José Carlos. A aprendizagem escolar e a formação de professores na perspectiva da psicologia histórico-cultural e da teoria da atividade. Ed-ucar,Curitiba, nº 24, 2004. LIMA, Angela M. Sousa. [et al]. Inclusão: debate em diferentes contextos. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2013.______. [et al]. Prodocência/UEL: Ensino e Pesquisa na Formação de Profes-sores. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2013.______.[et al]. Diálogos entre as Licenciaturas e a Educação Básica: aproximações e desafios. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2013.______.[et al]. Estágio, formação e trabalho docente”: experiências das jor-nadas/cursos do FOPE/Prodocência.Londrina: Universidade Estadual de Lon-drina, 2014.SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.SANTOS, Lucíola Licínio De C. P. Bernstein e o campo educacional: relevân-cia, influências e incompreensões”. Cadernos de Pesquisa, n. 120, p. 15-49. novembro/2003. Leremos trechos da pág. 18 à 22. Disponível em: http://www.

Page 276: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

276Procedência e fope: políticas de formação inicial e continuada dos professores na UEL: disseminação dos saberes docentes - Ângela Maria de Souza Lima - Angéliza Lyra de Araújo

scielo.br/pdf/%0D/cp/n120/a04n120.pdf. Acesso em 12-03-2013.TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 12ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do Trabalho Pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. SP: Libertad, 2002.ZEICHNER, Kenneth M. Para além da divisão entre professor-pesquisa-dor e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, Corinta M.; FIORENTINI, Dario & PEREIRA, Elisabete M. (orgs.). Cartografia do trabalho docente: profes-sor(a)-pesquisador(a). Campinas, Mercado de Letras. ABL, 1998. p. 207-236.

Page 277: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

PRODUÇÃO TEXTUAL: LEITURAS DE IMAGENS E O EMPREGO DAS TIC

Valéria Mazzer Tortelli1

Resumo

O objetivo deste artigo é relatar e compartilhar uma metodologia de ensino trans-formadora, considerando a formação de professores no PARFOR/UEL. Para tanto, o trabalho desenvolvido contou com três turmas de 8ºs anos, do Colé-gio Estadual Carlos de Almeida. Cerca de cem estudantes participaram de um grupo fechado no Facebook, no qual puderam ser avaliados, trocar experiên-cias, refletir sobre a maneira de participaram ativamente de um grupo na in-ternet e suas implicações, e sobretudo, desenvolver produções de texto, com estímulo, partindo de leituras de imagens, através da semiótica greimasiana, para alcançar o aprendizado de como fazer produções textuais. Portanto, o uso pedagógico das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC – no processo de ensino-aprendizagem foi imprescindível. A metodologia utilizada contou com os livros Pedagogia da Autonomia ePedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Quanto à semiótica, esta proporcionou aos educandos alcançarem uma per-cepção além do trivial, que tanto um texto verbal como não-verbal, em princípio, possam levar ao leitor. Quanto a Freire, este aporte auxilia o educador a não ser um hábil acumulador de conhecimentos para o educando, e sim levá-lo, efetiva-mente, a uma prática educativo-crítica fazendo a relação entre a práxis com a criticidade.

Palavras-chave: Leitura de imagens. Produção textual. Tecnologia de Infor-mação e Comunicação.

1 Universidade Estadual de Londrina. Graduada com Licenciatura em Letras – Habilitações Português e Literaturas de Língua Portuguesa e Francês e Literatura Francesa – Universidade Estadual de Londrina – UEL (1998); Graduada com Bacharelado em Artes Cênicas – Universidade Estadual de Londrina – UEL (2002); Especialista em Arte-Educação – Habilitação em Artes Cênicas – Universidade Estadual de Londri-na – UEL (2001); Especialista em Educação Especial – Universidade Norte do Paraná – UNOPAR (2010). Concluiu o PARFOR – Formação Pedagógica. Membro do Grupo de Pesquisa EduFildih – Filosofia, Educa-ção e Direitos Humanos, cadastrado na PROPPG o projeto de pesquisa 08083. Desde 2003, docente, pelo Processo Seletivo Simplificado – PSS, da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná - SEED/[email protected]

Page 278: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

278Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

Introdução

Há alguns anos, fiquei sabendo sobre oPARFOR, e como já havia cur-sado a Licenciatura em Letras e também o Bacharelado em Artes Cênicas, me interessei em Artes Visuais. Tentei uns quatro anos, mas como faço parte da rede estadual de ensino através do Processo Seletivo Simplificado – PSS – não pude ingressar. Contudo, no final de 2012, como foi ofertada a professores PSS o curso de Formação Pedagógica me inscrevi. O curso permitiria que obtivesse o título de licenciada, atendendo a qualificação que a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) - LDB exige, e assim, poderia fazer parte do Quadro Próprio do Magistério em Arte e não somente em Língua Portuguesa, caso eu fizesse con-curso para professora do Estado. Portanto, durante o segundo semestre de 2013 e o ano de 2014 cursei o PARFOR em Formação Pedagógica. Com o estágio, pude aplicar de maneira muito positiva o que estava aprendendo no curso. Como já mencionei, minha formação é tanto em Letras quanto em Artes Cênicas. E não consigo desasso-ciar estas duas formações quando ministro aulas. Normalmente leciono Língua Portuguesa e sinto-me à vontade em me apropriar dos conteúdos relacionados a Arte.

Síntese do desenvolvimento do trabalho

No ano de 2014, trabalhei dissertação argumentativa nos 8ºs anos. No 1º semestre lhes ensinei a fazer paráfrase, resenha, resumo, análise de temas e iniciar a introdução de uma dissertação argumentativa. Contudo, a falta de leitura e prática em produção textual, ainda se tornava uma dificuldade e enfrentar.

O professor atua como mediador, facilitador, incentivador, de-safiador, investigador do conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e grupal. Ao mesmo tempo em que ex-erce sua autoria, o professor coloca-se como parceiro dos alunos, respeita-lhes o estilo de trabalho, a coautoria e os caminhos adotados em seu processo evolutivo. Os alunos constroem o conhecimento por meio da exploração, da navegação, da co-municação, da troca, da representação, da criação/recriação, organização/ reorganização, ligação/religação, transformação e elaboração/reelaboração. (ALMEIDA, 2000, p.73)

No 2º semestre foram utilizadas as Tecnologia de Informação e Comuni-cação - TIC, a partir de um grupo fechado no Facebook, para que, através de

Page 279: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

279Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

leituras de imagens (textos não-verbais) e de textos verbais, os alunos pudes-sem construir dissertações (introdução, desenvolvimento, conclusão), glossários e mapasconceituais. Inclusive, para a Semana Cultural, fizeram leituras de fotos de trabalhos em cerâmica relacionado à Arte Africana (vasos e máscaras). Em seguida, construíram textos sobre o assunto e, com argila, produziram máscaras e vasos para a exposição. Tudo isto foi fotografado e também compartilhado no Facebook. Com isso, a partir de leituras de imagens, puderam iniciar sua dissertação no 3º bimestre. Se faz necessário salientar que, os educandos precisam ser estimulados de maneira criativa e as TIC, a cada dia precisam ser mais utiliza-das. Os estudantes não se satisfazem mais com àquelas aulas que somente utilizam lousa e livros didáticos. Claro que não dispenso os livros, todavia estes funcionam mais como aporte teórico, do que propriamente instrumento que pos-sa efetivar o aprendizado. Quero alunos(as) curiosos, que pensem, questionem e busquem soluções.

Contribuições de freire para a produção textual

De acordo com Freire (2014, p.24)“ensinar não é transferir conhecimento mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.” Portan-to, o professor-educador deve ser um sujeito instigante, que traz ao aprendiz a curiosidade em aprender mais e mais e assim, ser um cidadão também criador, que possibilitará a aquisição do conhecimento e o crescimento. Com isso, verifi-ca-se que a aprendizagem não cessa, ou seja, o conhecimento do ser humano será sempre inacabado.

É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e educandos criadores, instigadores e inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes.(FREIRE, 2014, p.28)

São os discentes que irão se transformar em verdadeiros sujeitos da construção e reconstrução. Para tanto, os professores após adquirir conheci-mentos científicos, são mediadores e permitem assim, a aquisição de conhec-imentos aos seus discentes, mas é preciso e deve se considerar e valorizar os conhecimentos prévios destes.De acordo com Freire (1984, p.67), “O educador,

Page 280: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

280Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca.”. Com isso, na perspectiva de Paulo Freire tem-se a defesa por uma edu-cação baseada na relação dialógica ou progressista, ou seja, aquela que provo-ca discussão e traz o diálogo entre o estudante e o professor.

Não há docência sem discência, as duas se explicam em seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se con-duzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. (FREIRE, 2014, p.25)

Destarte, é o educador democrático que poderá propiciar isso, não negando de buscar mais conhecimento e instigar seu aluno a querer saber mui-to mais. Para isso, é preciso que o professor vá além do simples ensinar, en-sine ao educando a pensar. Um professor que tenha criticidade conseguirá ter estudantes críticos, não meros assimiladores do que foi colocado no quadro e repassado de maneira irresponsável. Assim, irá proporcionar ao estudante que adquirirá a habilidade crítica e o discernimento.

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não de transferir conhecimen-to.(FREIRE, 2014, p.47)

4. as tic como estímulos para a produção textual

Esta parceria entre educação e tecnologia é muito difícil de ser efetivada. No que se refere às tecnologias digitais, princi-palmente, os professores têm dificuldades de interação. Eles já até admitem utilizar o computador e a internet para preparar as suas aulas, mas não conseguem ainda utilizar as mesmas nas suas atividades em sala de aula, como instrumento pedagógico. (ALVES, 2003, p. 35)

É preciso esclarecer que, muitos educadores salientam que a inserção, no contexto educacional, das TIC ainda é encarada como uma articulação problemática. Emboratenha sido um desafio tanto para mim como para os edu-candos, houve progresso como será observado nos relatos a seguir.

Page 281: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

281Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

A partir da utilização das TIC, criei um grupo fechado no Facebook denominado Oitavão do Carlão, sei que o nome não foi muito original, mas dos 109 alunos, 98 entraram para o grupo. Os que não participaram foi devido à falta de computador em suas residências ou alguns pais que não deixaram que se inscrevessem no Facebook. Mas isso não foi empecilho, já que participaram de forma indireta e pediam aos colegas que postassem os textos em seus nomes. No início de agosto, escolhemos Trabalho Infantil como tema que se-ria desenvolvido no terceiro bimestre. Primeiro os alunos foram em revistas e na internet para pesquisar sobre o assunto. Trouxeram cartazes com imagens referentes ao tema. Fizemos debate em sala, leitura das imagens e direciona-mos o estudo via rede social. É preciso ressaltar que, embora tenha utilizado a semiótica para desen-volver a produção de textos a partir da leitura de imagens, o conceito de semióti-ca não foi esclarecido aos educandos, mas sim, foi o procedimento utilizado por mim, como forma de estudos, para levar o estudante à reflexão. Segundo Barros (1999, p.07),“a semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”. Com isso, procurei levar meus alunos a lerem as imagens além do que esta mostra em sua superfí-cie, ou seja, lerem o intertexto. Nas três salas de aula combinei que eles poderiam se dividir em grupo de quatro pessoas. Não havia a necessidade de serem da mesma sala. O que im-portava é que não poderiam escrever de forma abreviada e nem utilizar palavras ou termos ofensivos. E tudo seria aprovado ou não por mim. Paralelo a isso, tudo que fosse colocado no Facebook teria que estar também em seus cadernos de texto, para possíveis correções, modificações e ampliações, já que no colégio não haveria tempo hábil para estarmos utilizando os computadores. Pois era preciso dar sequência ao planejamento anual. Dessa forma, tudo que era publicado, eu corrigia e pedia que refizessem. E claro,eu observava se era erro de digitação ou dificuldade com a gramática e até mesmo em escrever o que realmente tinham em mente. Mas o propósito maior era a produção textual e a preocupação com a organização das ideias. Eassim, alguns erros ortográficos, de acentuação e de pontuação não foram alvo da minha preocupação. Esta correção era feita mais detalhada nos cadernos de texto, não no Facebook. Quero com isso observar que, coloquei nas próximas páginas, partes de texto que os estudantes produziram e reescrevi neste artigo da maneira que eles fizeram no Facebook, ou seja, sem a preocupação em corrigir e sim, salientar o

Page 282: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

282Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

progresso de aprendizagem quanto à produção textual. Como já mencionei, as equipes eram formadas por quatro ou cinco alunos. E a cada semana, um aluno de cada equipe iria escolher uma imagem para postar e fazer a leitura da mesma. Os outros alunos, que naquela semana não escolhiam a imagem, na qual iria ser postada, faziam a leitura da imagem de acordo com o que era pedido e discutido em sala de aula. Como exemplo, incluí três fotos de escolha dos próprios alunos. Em um primeiro momento, pedindo que os alunos escrevessem o que a mesma estava mostrando, ou seja, uma leitura superficial. Como mediadora, ia lhes mostrando através do meu celular, em sala de aula, e assim, após observação, reescreviam melhorando o entendimento do texto. Em um primeiro momento no caderno e depois editando suas publicações, com a preocupação de escreverem o que realmente queriam dizer. Na sequência, escolhi algumas imagens que mostram o trabalho realiza-do pelos alunos no 3º bimestre de 2014. Infelizmente não haveria espaço sufi-ciente para incluir todas as fotos com seus respectivos textos, neste artigo. Por isso retirei apenas alguns exemplostanto de fotos quanto de comentários para cada semana de trabalho.

Na primeira semana, após a pesquisa e leitura de textos sobre trabalho infantil, os alunos (equipe de 4 a 5 pessoas) montaram cartazes, com fotos e frases sobre o assunto que fora debatido. Com meu auxílio, fizeram correções pertinentes e das frases construíram um texto que ilustrasse o pensamento que a imagem lhes transmitia. Escolheram uma das fotos que haviam colocado em seu cartaz e, finalmente, publicaram-na mais juntamente com o texto. “O trabalho infantil, é um problema social que oprime muitas crianças e

Page 283: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

283Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

adolescentes a exercer um trabalho rígido e forçado que, futuramente, prejudica o indivíduo, e isto chega a ser um absurdo.No Brasil, existem muitos casos de crianças que, desde os 5 anos, são obrigadas a trabalharem por dificuldades financeiras e sociais e, por consequência disto, atrapalha na educação deste cidadão, logo, esta pessoa terá problemas psicológicos e sociais, forçando-o a repetir o mesmo processo aos filhos que, posteriormente, irá ter. O trabalho in-fantil é crime! Denuncie.”(José Augusto, Eloá e Robert – 8º B)

“No Brasil, têm muitas crianças que trabalham e isso não pode aconte-cer, porque lugar de criança é na ESCOLA. A dignidade de milhões de crianças brasileiras está sendo roubada diante do desrespeito dos direitos humanos fun-damentais que não lhes são reconhecidos, por culpa do poder político. Isso tem que acabar.” (Ana Carla, Zaine, Giovana e Adriano – 8º A) Na segunda semana, os alunos fizeram a introdução da produção de tex-to. Nesta etapa, um dos membros da equipe publicava uma foto e os outros faziam comentários.

Letícia Oliveira: “O trabalho infantil no Brasil ainda é um grande proble-ma social. Milhares de crianças ainda deixam de ir à escola e ter seus direitos preservados, e trabalham desde a mais tenra idade na lavoura, campo, fábrica ou casas de família, em regime de exploração, quase de escravidão, já que mui-tos deles não chegam a receber remuneração alguma. [...].” Comentários: Luiz Kenpachi:“Em pleno século XXI, o trabalho infantil ainda existe, mes-

Page 284: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

284Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

mo com desenvolvimento de nossa tecnologia crianças ainda estão perdendo suas infâncias e seus direitos de irem a escola, assim sendo levadas para tra-balharem em lugares inadequados com riscos de pegarem doenças e até levá-las a morte.” Jhonathan M.:“Sim os culpados por isso são os exploradores que usam essas CRIANÇAS para um serviço desse. E como eles não pagam um salário descente eles estão ficando cada vez mais ricos nas custas dessas crianças que devia estar na escola brincando e não trabalhando ...” Ana Carolina: “Concordo com vocês. Essas crianças deveriam estar na escola para ter um futuro melhor e quem colocou eles para trabalhar deveriam ter consciência, pois esses trabalhos que eles fazeremsão bem difícil.” Kawany: “isso no mundo todo infelizmente não é novidade, muitas cri-anças ao invés de estudar, brincar, se divertir estão trabalhando por obrigação... Não devia ser assim mas é. Muitas pessoas estão nem ai para o futuro das crianças e dos jovens de hoje só querem saber de ganhar dinheiro através de menores de idade.” Na terceira e quarta semana fizeram o desenvolvimento (causa e conse-quência respectivamente):

Maria Eduarda: “O futuro de muitas crianças torna-se sem prosperidade, quando são obrigadas a abandonar os estudos e trabalhar para aumentar a ren-da da família. Tanto no campo, tanto na cidade, milhares de crianças trabalham, muitas vezes por salários ridículos e em situações precárias. Crianças perdem suas Infâncias tendo que trabalhar como catadores de papel, engraxates, vende-dores ambulantes entre outros. Entretanto deveriam brincar com outras crianças e participar de atividades esportivas. DIGA NÃO AO TRABALHO INFANTIL.” Comentários: Heloisa Cristina:“Com isso, essas crianças podem ter problemas de saúde, não ter conhecimento do mundo e nem um trabalho melhor no futuro. A maioria dessas crianças fazem trabalhos forçados e muitas delas escravos.”

Page 285: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

285Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

Nathan Henrique:“Existem muitas causas do trabalho infantil, uma delas é o despreparo para o mercado de trabalho. E com essa causa pode atrapalhar no futuro dessas crianças como um trabalho digno.” Eloá S.:“Essa exploração pode ser induzida pelo abandono dos pais, pela mão de obra barata, mas principalmente pela pobreza excessiva,onde as crianças não têm condições de estudo e são colocadas para trabalhar cada vez mais cedo.” Maria Eduarda M.:“A entrada de uma criança no mercado de trabalho é motivada por diferentes fatores. Alguns se relacionam diretamente com a situação da família e outros são motivos exteriores a ela. A pobreza, a falta de perspectivas dadas pela escola e a demanda por mão de obra infantil são fatores que estimulam a entrada da criança ou adolescente no mercado de trabalho.” Na quinta semana, os alunos fizeram a conclusão. Da mesma manei-ra que as semanas anteriores. Aquele membro da equipe que ainda não havia publicado uma imagem, publicava e escrevia sobre a foto, e os colegas comen-tavam. Depois da minha correção, em equipe iam discutindo e em seus respec-tivos cadernos, com base em seus comentários e de outras equipes, a produção textual começava a ganhar corpo. (introdução – causa – consequência – con-clusão)

Bianca G.: “Para evitar que crianças ingressem de modo precoce no mundo do trabalho, não basta somente contar com ações que encontrem, verifiquem e af-astem meninos e meninas vítimas desse tipo de exploração. Em geral, fiscalizações trabalhistas, com a ajuda do governo, poderiam ajudar à erradicar todas as for-mas de trabalho infantil. Desta forma este tipo de serviço não seria mais visto.” Comentários: Nayara Ellen:“O trabalho infantil pode diminuir bastante com mais fiscalizações do governo, dar trabalhos dignos para os pais dessas crianças para eles conseguirem sustentar a casa e não precisarem colocarem seus filhos para ajudar nas despesas, com isso o trabalho infantil pode diminuir ou até mesmo acabar.”

Page 286: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

286Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

Higor R.:“O trabalho infantil ainda é um grande problema no mundo onde crianças e adolescentes ainda são explorados por isso ainda sofrem com o tra-balho infantil muitas vezes escravos onde pessoas adultas os colocam para tra-balhar e o dinheiro arrecadado é pego no final do dia.” José Augusto:“Ao invés de várias crianças estarem aproveitando sua in-fância, pois nunca irá voltar novamente, são obrigadas a trabalharem, ou seja, é um absurdo! Um exemplo disso é essa imagem, um adolescente sendo obriga-do, e sem alternativa, a quebrar um objeto rígido e pesado e isso, futuramente, o trará problemas de saúde. [...]” No quarto bimestre iniciamos outro trabalho, mas os alunos já estavam escrevendo textos individuais e mais completos, embora não chegasse a ser uma dissertação. Passei a frase de Victor Hugo na lousa: Quem abre uma es-cola fecha uma prisão. Depois mostrei uma imagem referente ao tema no da-ta-show. E a partir disto é que eles desenvolveram a produção de texto. Abaixo dois exemplos: Luan Victor: “Até os dias de hoje, os políticos estão se preocupando mais com construções de presídios do que escolas. Com isso, as crianças deixam de estudar, ficam viciados em internet, só vendo coisas que não vão trazer sabe-doria. [...] Por isso é melhor construir mais escolas, assim, o país se desenvolve também.” Renata O.:“Nos dias de hoje, pessoas que valorizam seus estudos, terão capacidades de liberdade para escolherem o melhor para terem um futuro ga-rantido. Porém dentro das prisões há pessoas que não se teve a importância alguma de terem seus empregos, porque não houveram um aprendizado digno.[...]Pois hoje em dia, existe menos escolas e mais prisões, sem espaços, por terem mais pessoas do que se pode.” Na segunda quinzena de Outubro, após a Semana Cultural, os alunos aprenderam a fazer Glossário. O texto escolhido foi:Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Escolhi este texto, pois trabalhei-o no PARFOR,quando apresentei um trabalho em equipe. Então, percebi como seria pertinente esta escolha para levar os estudantes à reflexão.

“Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer:

Page 287: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

287Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dra-mas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo em que habita.” (BOFF, 1998)

Individualmente, os alunos escolheram quatro palavras importantes do texto. Divididos em equipes de quatro alunos, chegaram a um consenso e das dezesseis palavras somente quatro poderiam ser as principais. Claro que alguns alunos escolheram a mesma palavra. Depois, cada equipe colocava suas quatro palavras na lousa e as quatro que se repetiam mais foram as escolhidas para fazerem o glossário, que depois de pronto no caderno de texto, foram publicados no grupo do Facebook. Assim, todas as equipes, dos três oitavos anos, poderiam comparar as variadas respostas. O interessante que nas três turmas as palavras escolhidas foram as mesmas: ler – reler – compreender – interpretar.Abaixo, estão alguns exemplos de publicação no Facebook: Glossário de Nathan e equipe.

Ler: É saber unir as letras para formar frases, também interagir com o

conteúdo aplicado e com isso adquirir mais conhecimentos.

Reler: É quando relemos algo para qualificar melhor o que não foi concre-

tizado na leitura anterior.

Compreender: É quando conseguimos decifrar ou entender algo e chega-

mos ao ponto de vista compreendido.

Interpretar: É uma ação de explicar o que é obscuro, ou dar a algo seu

significado, seu propósito ou até sua lógica.

Glossário de Ana Caroline e equipe: Ler: Reconhecer as letras e palavras do texto, e desvendar o sentido ocul-to do mesmo ao passar os olhos sobre ele. Reler: É rever o texto várias vezes, identificar as letras e palavras e tentar concluir o que está querendo dizer o texto. Compreender: Alcançar o que o texto está tentando passar pra você, e

Page 288: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

288Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

adquirir o conhecimento do mesmo, simplesmente estar de acordo sua leitura com o mesmo.Interpretar: Deixar bem claro o sentido do texto, apreender algo de certa manei-ra, é ler e entender o mesmo. E para encerrar o trabalho no Facebook, como precisava revisar com os alunos as classes gramaticais, ensinei-lhes como fazer mapa conceitual, foto abaixo. Fizeram, apresentaram em sala e depois fotografaram para postar no grupo do Facebook.

Considerações finais

Este trabalho, que teve a contribuição dos três 8ºs anos, fez com que os educandos desenvolvessem maior criticidade. E quanto a mim, no momento de ser uma professora-educadora mediando conhecimentos científicos, fez com que observasse que, no momento que pensava estar ensinando, estava mesmo é aprendendo a olhar a maneira no qual os meus alunos observavam, identifi-cavam e aprendiam o que era ensinado. Com isso, a maneira de alcançarem compreensão e entendimento, sem que sua autonomia fosse tolhida. Portanto, a troca de conhecimentos, mesmo eu sendo a professora, foi partilhada todo o tempo. Sei que isto é só o princípio de uma longa caminhada. Mas sendo mediadora e levando os estudantes à reflexão, também reflito dia a dia como estou ministrando as minhas aulas. Sem dúvida alguma, isto foi e é valiosíssimo. Todo este trabalho teve o acompanhamento da professora Ms. Dirce Mo-raes, quem quero agradecer e na qualministrou duas disciplinas no PARFOR para mim. Isto possibilitou que sete dentre meus alunos(José Augusto, Renata, Eloá, Nathan, Rhyan Vitor, Zaine e Lucas Francisco), fossem à UEL apresentar

Page 289: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, refl exões e proposições

289Produção textual: leituras de imagens e o emprego das TIC - Valéria Mazzer Tortelli

o que fora postado, aos estudantes de graduação em Pedagogia, foto abaixo 13/11/2014.

Referências

ALMEIDA, M E de. Informática e formação de professores. Brasília: Ministério da Educação, 2000.ALVES, L. R. G., NOVA, C. C. Educação e os desafi os da revolução digital. Revista de Educação - CEAP. Salvador: v.40, p.29 - 42, 2003.BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1999.BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 16 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.GREIMAS, Algirdas Julien, COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, s/d. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1984.FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educa-tiva. 48. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

Page 290: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

REALIDADE E DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DE PROFES-SORES NA REGIÃO DO ALTO RIO NEGRO-AMAZONAS

Thaís Billalba Carvalho1, Ivan de Jesus Ferreira2,

Sidney Netto3,

Francisco Adilson dos Santos Hara4.

Resumo

O sistema educacional no Estado do Amazonas não se distancia da realidade da educação no Brasil, com o agravante de que o aspecto geográfico obriga o acesso na região ser feito, predominantemente, por via fluvial, o que dificulta o ingresso e permanência dos alunos nas escolas e a formação dos professores em relação ao cenário nacional. Foi feita a caracterizaçãodas comunidades e análisedo perfil dos professores-cursistas do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) da Universidade Federal do Am-azonas (UFAM)em São Gabriel da Cachoeira-AM. A UFAM atende um total de 862 discentes nesse município distribuídos em 20 turmas e 15 cursos pelo PAR-FOR. Um grande número dos acadêmicos reside em comunidades ribeirinhas, sendo que a peculiaridade das condições de deslocamento na região envolve custos para a manutenção e hospedagem, emergindo várias dificuldades no processo escolar que geralmente desconsidera o contexto amazônico. Assim, consideramos necessário reavaliar as estratégias metodológicas utilizadas na formação docente, em especial no PARFOR, tendo como foco a reformulação de conceitos pautados na comunidade escolar. É fundamental considerar as ex-periências dos professores-cursistas do PARFOR e adotar metodologias que contribuam para a redução da desigualdade social e para o aprimoramento da educação básica.

Palavras-chave: PARFOR. São Gabriel da Cachoeira. multisseriado.

1 [email protected]

2 [email protected]

3 [email protected]

4 [email protected]

Page 291: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

291Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

Os dados preliminares do Censo Escolar de 2015 mostram, aproxima-damente, 35,1 milhões de matrículas distribuídas pelas diferentes etapas e mo-dalidades da educação básica no Brasil. No que se refere ao contexto regional amazônico, o Estado do Pará se destaca com 1,9 milhão de matrículas na edu-cação básica, representando 46,8% da matrícula na Região Norte; em seguida, o Estado do Amazonas com 950 mil alunos matriculados, indicando o índice de 23,5% (INEP, 2015; Tabela 1).

Tabela 1. Número de matrículas na educação básica por modalidades em cada Unidade da Federação na Região Norte.

Unidade da

FederaçãoEducação Infantil Ensino Fundamental Ensino Médio

Acre 31.248 149.543 39.959Amapá 18.771 123.261 35.346

Amazonas 117.434 655.742 172.936Pará 252.553 1.324.091 309.720

Rondônia 40.586 250.758 56.359Roraima 14.908 82.731 19.930Tocantins 50.328 223.172 61.111

Fonte:Resultados preliminares do Censo Escolar (redes estaduais e municipais), 2015.

Referenciando-se pelo total de matrículas do Estado do Pará, percebe-se uma carência quanto ao acesso à matrícula no Estado do Amazonas. Este re-sultado é, principalmente, reflexo das dificuldades de acesso e permanência dos alunos nas escolas rurais, que é agravado pela localização das escolas nas mais longínquas extremidades dos rios no Estado do Amazonas. Muitas vezes a distância determina as condições de funcionamento do ensino, isto é, quan-to mais distante maior o grau de precariedade da estrutura física das escolas, seguido da falta de material didático e carência na formação do professor (AN-DRADE;ANDRADE, 2011; SOUZA, 2013). Diante deste contexto, para compreender a realidade amazônica é necessário considerar além das estatísticas apontadas comumente pelas pesqui-sas educacionais.Para isso, este estudo tem por objetivo a caracterização das comunidades e a análise do perfil dos professores-cursistas do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica- PARFOR da Universidade Federal do Amazonas no município de São Gabriel da Cachoeira-AM.

Page 292: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

292Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

Caracterização da região de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas

Em 03 de setembro de 1891, pela Lei Estadual nº 10, é criado o município de São Gabriel da Cachoeira; em 1935 é definitivamente estabelecido o mu-nicípio e em 1968, pela Lei Federal no 5.449, o município é enquadrado como Área de Segurança Nacional.Pela Emenda Constitucional nº 12, de 10 de fe-vereiro de 1981 (Art. 2º- Disposições Gerais Transitórias), delimitada pelo Decre-to Estadual nº 6158, de 25 de fevereiro de 1982, criam-se os distritos de Cucuí e São Felipe, anexando-os ao município de São Gabriel da Cachoeira. Em nova divisão territorial datada de 1988, o município passa a ser constituído de quatro distritos: São Gabriel da Cachoeira, Cucuí, Içana e São Felipe (SECRETARIA DO ESTADO DE CULTURA, 2016). Atualmente, São Gabriel da Cachoeira é um dos municípios brasileiros que possui uma das maiores extensões territorial do país, com 109.185 km². Sua área é maior do que vários estados brasileiros (Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe) e 71 vezes maior do que São Paulo, a capital paulista (SOUZA, 2013). Sua área representa 6,95% do território estadual, 2,83% do território da Região Norte do Brasil e 1,28% do território brasileiro. É o principal acesso para o Parque Nacional do Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, com 3.014 metros de altitude, repleto de gigantescas elevações e do pico 31 de Março, com 2.992 metros de altura (IBGE, 2004). Situado no extremo noroeste do Brasil, São Gabriel da Cachoeira lim-ita-se ao norte com a Colômbia e a Venezuela, ao sul e ao leste com o município de Santa Isabel do Rio Negro e ao sul com o município de Japurá, ambos no es-tado do Amazonas. Distante 852 quilômetros em linha reta e a 1.064 quilômetros por via fluvial de Manaus, capital do estado, está situado às margens da Bacia do Rio Negro (IBGE, 2015; Figura 1).

Figura 1. Localização do município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas.

Page 293: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

293Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

Nessa região da Amazônia, o solo é extremamente rico em minérios e São Gabriel da Cachoeira é considerado um ponto estratégico em razão de 82,7% das reservas brasileiras de nióbio,um mineral ultrarresistente, estarem situadas em suas terras. A maior reserva mundial de nióbio encontra-se dentro do parque Reserva Biológica Estadual Morro dos Seis Lagos (MME, 2010). É considerado como a porta de entrada da região conhecida como “Cabeça do Cachorro”, por seu território ter forma semelhante à da cabeça desse animal. Declarada como área de Segurança Nacional, São Gabriel da Cachoeira conta com o patrulhamento constante das suas fronteiras para combater o nar-cotráfico e proteção da própria floresta (ex. PINTO, 2002). Em razão disso, várias unidades militares foram criadas na região. Atualmente, além dos distritos de Cucuí, Içana e São Felipe, que foram transformados em unidades do exército (Pelotões Especiais de Fronteiras-PEF), compreende ainda os distritos de Vista Alegre, São Marcelino, Pari-Cachoeira, Maturacá, Yauaretê,Taraguá, São Joa-quim e Querari que foram criados, posteriormente, e que também são unidades do exército nacional (NASCIMENTO;SÁ, 2008; CFRN/50 BIS, 2015;Figura 2).

Figura 2. Distritos que constituem a região de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas.PEF- Pelotão Especial de Fronteira; CFRN/50 BIS- Comando de Fronteira Rio Negro e 5º Batalhão

de Infantaria de Selva.

A grande extensão territorial, a precariedade da malha rodoviária (pratica-mente inexistente), o clima, as dificuldades de ligações e comunicações, o desa-fio da selva, os parcos recursos locais existentes,a fraca densidade demográfica e econômica do município que possui grande parte de suas ligações através da

30 PEF São Joaquim

20 PEF Querari

10 PEF Yauaretê

70 PEF Tunuí

40 PEF Cucuí

50 PEF Maturacá

60 PEF Pari-Cachoeira

CFRN/50BIS São Gabriel da Cachoeira

Page 294: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

294Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

navegação fluviale as dificuldades governamentais em integrar a área ao restan-te do País obriga a utilização quase que exclusiva do transporte de suprimento e pessoas por meio de embarcações, além de concorreram decisivamente para o isolamento da região, de modo geral.Grandes distâncias separam os núcleos urbanos que, dispersos ao longo dos rios, têm seu isolamento agravado pela floresta (PINHONI, 2014). A distância entre os distritos, entre os pelotões espe-ciais de fronteiras do exércitoe a sede do município é a grande dificuldade de comunicação entre a população de São Gabriel da Cachoeira (BRASIL, 2012). O distrito de Yauaretê, que também é sede de um pelotão do exército, por exemplo, povoado multiétnico localizado no médio Rio Waupés, fica distante a um dia de viagem de São Gabriel da Cachoeira- por via fluvial - isso em um motor 40 Hp e voadeira, meio de transporte comumente utilizado para viagens pelo Alto Rio Negro. Para os que moram mais longe, em comunidades no alto Rio Waupés ou alto do RioPapuri, são necessários alguns dias de viagem para chegarem até a sede do município.Existem casos de pessoas que percorrem longa distância em motor de rabeta(espécie de embarcação) e passa até cinco dias para chegar a São Gabriel. Em outro distrito,Cucuí, que também é sede de um pelotão de fronteira do exército, o isolamento é enorme e existe somente uma maneira de acesso: partindo de São Gabriel da Cachoeira, são mais de 30 minutos de voo. Em uma clareira no meio da selva, existe uma pista de asfalto ruim, esburacada, não sinalizada e curta - cerca de 800 metros - onde somente aviões da Aeronáutica conseguem pousar. De lá, mais um quilômetro de caminhada na mata fechada para, enfim, chegar à beira do rio e embarcar em uma voadeira- um pequeno barco de madeira movido a motor a diesel. São mais 50 minutos de voadeira até chegar ao monte Cucuí, que abriga o pelotão. Do outro lado do rio Negro- a Venezuela eà frente, a Colômbia. A única rodovia que permitiria o acesso ao distrito deCucuí, a BR-307, que foi planejada durante o regime militar ficou pela metade, por incluir áreas indígenas e de conservação ambiental. Já no distrito e sede de pelotão do exércitoTunuí, no extremo norte da Cabeça do Cachorro, nem avião tem acesso; todo suprimento para a comuni-dade vai através de helicópteros ou de embarcações. Vivem no local cerca de três mil índios das etnias baniwa e curipaco que praticam agricultura de sub-sistência e pesca. A umidade relativa do ar é elevada, quase sempre superior a 80%. As chu-vas são abundantes durante quase todo o ano, o que torna a região densa e com extensa rede hidrográfica. Por tudo isso, a fisiografia influenciou, desde os primór-

Page 295: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

295Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

dios, a circulação, o povoamento e a ocupação da área, dificultando o desen-volvimento da Amazônia Ocidental.Sua principal característica geográfica, assim como dos demais municípios da região, consiste em estar localizado na maior bacia fluvial do mundo, além de possuir parte da maior floresta contínua da Terra (CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO, 2015). As terras indígenas abrangem cerca de 80% do município de São Gabriel da Cachoeira. São mais de quatrocentas pequenas comunidades que vivem em suas terras, distribuídas nos bairros da sede municipal, nos distritos, e ao longo dos rios que cortam o município, sendo, por isso, considerado o município com maior concentração de diferentes etnias indígenas do país. Nove entre dez habi-tantes são indígenas. Praticamente todos,95,5%, são residentes na área rural. De acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sua pop-ulação é de 43.094 habitantes em 2015, fazendo deste o 13ºmunicípio mais pop-uloso do estado com sua população assim constituída: cor/raça: branca (5,5%), negra (2,0%), parda (14,5%), amarela (0,5%) e indígena (74%) (IBGE, 2015). Em um caso inédito, o município foi à primeira localidade brasileira a reconhecer outros idiomas como oficiais, além do português. São reconhecidos, como línguas oficiais, três idiomas indígenas: o nheengatu, o tucano e o bani-wa, línguas tradicionais faladas pela maioria dos seus habitantes (Lei nº 145- Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira). Atualmente, além de São Ga-briel da Cachoeira, Pomerodeem Santa Catarina, reconheceu o idioma alemão e Tacuruno Mato Grosso do Sul reconheceu a língua guarani como co-oficial (MARTIN; MORENO, 2009).

Perfil dos professores-cursistas do PARFOR/UFAM

A Universidade Federal do Amazonas atende um total de 862 profes-sores-cursistas no município de São Gabriel da Cachoeira distribuídos em 20 turmas e 15 cursos de licenciatura pelo PARFOR. Desse total, 09 turmas estão em andamento, 276professores-cursistas foram formadose 260 alunos estão cursando disciplinas (Tabela 1).

Page 296: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

296Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

Tabela 1. Turmas/cursos ofertados pelo PARFOR/UFAM no município de São Gabriel da Cachoeira com os respectivos números de discentes matriculados, desvinculados, formados e cursando até dezembro de 2015.

TUR-MAS CURSO SITUAÇÃO

DISCENTESMATRICU-

LADODESVINCU-

LADOFORMA-

DOCURSAN-

DO

1 ARTES MÚSICA em anda-mento 37 19 18

2 ARTES VISUAIS concluída 40 15 253 CIÊNCIAS BIOLÓGICAS concluída 58 31 274 CIENCIAS NATURAIS concluída 30 09 21

5 EDUCAÇÃO FÍSICAem

andamento53 15 38

6 FÍSICA concluída 54 29 257 GEOGRAFIA concluída 39 08 318 HISTÓRIA concluída 33 13 20

9 LICENCIATURA INDÍGE-NA-BANIWA concluída 34 13 21

10 LICENCIATURA INDÍGE-NA-NHEENGATU concluída 41 20 21

11 LICENCIATURA INDÍGE-NA-TUKANO concluída 40 11 29

12 LÍNGUA ESPANHOLAem

andamento37 12 25

13 LÍNGUA ESPANHOLAem

andamento37 24 13

14 LÍNGUA ESPANHOLAem

andamento56 26 30

15 LÍNGUA PORTUGUESAem

andamento58 18 40

16 MATEMÁTICA concluída 59 18 41

17 PEDAGOGIAem

andamento55 14 41

18 QUÍMICA concluída 32 17 15

19 SOCIOLOGIAem

andamento35 07 28

20 SOCIOLOGIAem

andamento34 07 27

TOTAL 862 326 276 260

Para a análise do perfil dos acadêmicos foram considerados os dados referentes às turmas em andamento, conforme descrito na Tabela 1. A faixa etária dos acadêmicos encontrada varia de 18 a 66 anos de idade, sendo a média de 39 anos para os homens e 40 anos para as mulheres. Observamos que as mulheres são maioria nas turmas do PARFOR em

Page 297: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

297Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

São Gabriel da Cachoeira. Do total de alunos matriculados no ano de 2015, 53,84% são mulheres e 46,15% homens. A maior procura dos alunos foi para os cursos de Licenciatura em Letras- Língua e Literatura Espanhola (26,15%), Sociologia (21,15%), e Pedagogia (15,76%)(Tabela 2).Diante do exposto, vale ressaltar as distâncias e dificuldades enfrentadas pelos acadêmicos, principal-mente as mulheres, em viagens longas, perigosas e cansativas para chegar até a sede do município de São Gabriel da Cachoeira.

Tabela 2. Cursos ofertados pelo PARFOR/UFAM no município de São Gabriel da Ca-choeira com os respectivos números de discentes/sexo matriculados até dezembro de 2015.

CURSO SEXO N0DISCENTES TOTAL

ARTES MÚSICAfeminino

masculino

11

0718 (6,92%)

EDUCAÇÃO FÍSICAfeminino

masculino

19

1838(14,61%)

LETRAS- LINGUA E LITERATURA ESPANHOLA

feminino

masculino

12

1368 (26,15%)

LETRAS- LINGUA E LITERATURA PORTUGUESA

feminino

masculino

24

1640 (15,38%)

PEDAGOGIAfeminino

masculino

21

1741 (15,76%)

SOCIOLOGIAfeminino

masculino

30

2455 (21,15%)

TOTAL feminino (53,84%); masculino (46,15%)

260

Em relação ao Estado Civil dos acadêmicos, foi identificado que 38,84% são casados, 52,69% solteiros, 6,53%união estável e 1,92% divorciado (Tabela 3). Em nossa opinião, essa condição para ambos os sexos, deve gerar além de um grande custo financeiro para as famílias um elevado transtorno afetivo e emocional. Nesse particular, destacamos que os acadêmicos que não residem na cidade de São Gabriel da Cachoeira ficam mais de 70 dias afastados da con-vivência de seus familiares. As condições de moradia e alimentação são peno-sas e em alguns casos os acadêmicos dependem da ajuda de seus colegas.

Page 298: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

298Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

Tabela 3. Número de discentes matriculados no PARFOR/UFAM no município de São Gabriel da Cachoeira, conforme o Estado Civil: Casado(a), Solteiro(a), União Estável e Divorciado(a).

ESTADO CIVIL SEXO N0DISCENTES

Casado(a) feminino 53

38,84%masculino 48

Solteiro(a) feminino 80

52,69%masculino 57

União Estávelfeminino 06

6,53%masculino 11

Divorciado(a) feminino 041,92%masculino 01

Total 260

É importante ressaltar o grande número dos acadêmicos que residem em comunidades ribeirinhas(Tabela 4), sendo que a peculiaridade das condições de deslocamento na região do Alto Rio Negro-AMenvolve custos e/ou dependência de apoio de familiares ou conhecidos para a manutenção e hospedagem em São Gabriel da Cachoeira. De fato, como o custo do combustível é muito alto (média de R$4,86/litro), os professores utilizam o transporte de canoas movidas por um motor rabeta de 3 a 5 hp, o que torna a viagem mais demorada, entre 7 a 15 dias, dependendo da comunidade onde reside. Além disso, os professores oriundos de outros municípios - Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro - utilizam o transporte fluvial- barco regional (recreio)- que passa uma vez por semana nesses municípios com destino a São Gabriel da Cachoeira, com duração de aproximadamente 35 horas de viagem (Figura 4). A maioria dos acadêmicos não possui residência na sede do município e, por isso, acampam sobre as pedras no meio do rio Negro ou moram nos alojamentos coletivos, onde não possuem a mínima estrutura de higiene e segurança (Figura 5).

Tabela 4. Localização da residência com os respectivos números de localidades e números (%) de discentes matriculados no PARFOR/UFAM no município de São Gabriel da Cachoeira.

LOCALIZAÇÃO DA RESIDÊNCIA N0 LOCALIDADE N0 DISCENTESComunidades 85 101 (38,84%)

Distritos 04 20 (7,79%)

Sede do município 01 139 (53,00%)

TOTAL 90 260

Nesta realidade, a via fluvial é para a maioria dos discentes a única opção de chegar até a sede do município. A logística em geral é difícil, pois o custo

Page 299: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

299Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

para compra de combustível, moradia e alimentação na maioria das vezes é feito pelo próprio aluno. Apesar de reconhecer que os acadêmicos estão adaptados ao ambiente hostil da Amazônia as condições são precárias e duras. Tanto as comunidades quanto os distritos são localidades extremamente distantes do mu-nicípio sede, o que requer muito esforço físico e financeiro por parte dos profes-sores-cursistas para frequentar as aulas, como já demonstrado anteriormente.

Figura 4. Deslocamento dos professores-cursistas do PARFOR/UFAM por transporte fluvial (rabeta e recreio) das comunidades para o município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas.

Fonte: Terezinha de Jesus Fernandes.

Figura 5. Alojamento coletivo dos professores-cursistas do PARFOR/UFAM no municí-pio de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Fonte: Terezinha de Jesus Fernandes.

Realidade e desafios na educação básica

Segundo os dados da Coordenadoria Regional da Secretaria de Estado de Educação e da Secretaria Municipal de Educação, são 251 escolas que com-põem a rede pública de ensino do município de São Gabriel da Cachoeira-AM. Na sede do município estão 10 escolas e na zona rural concentram-se as 241 distribuídas nascomunidades, sendo que 231 dessas escolas apresentam a mo-

Page 300: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

300Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

dalidade de ensino multisseriada, em que um professor trabalha com alunos de várias séries escolares ao mesmo tempo e em um mesmo ambiente (CARDO-SO;JACOMELI, 2010). De acordo com CardosoeJacomeli (2010), as escolas com turmas multis-seriadas ocorrem, sobretudo, no meio rural brasileiro, predominantemente nas regiões Norte e Nordeste. De fato, as relações que se estabelecem no interior das escolas com esta modalidade de ensino revelam fatores limitadores, tais como, a precariedade da estrutura física, as dificuldades de transporte e as lon-gas distâncias percorridas pelos escolares (DE OLIVEIRA;LUCENA, 2014). Além disso, os professores parecem enfrentar uma sobrecarga de trabalho, pois as-sumem outras funções, como cuidador ou secretário, o que dificulta a produção de diferenciados planos de ensino e avaliação para a turma e desencadeia situ-ações potencialmente estressoras (HAGE, 2006; SILVEIRAet al., 2014). O sistema educacional no Estado do Amazonas não se distancia da reali-dade da educação no Brasil, com o agravante de que o aspecto geográfico obriga o acesso na região ser feito, predominantemente, por via fluvial, o que dificulta o acesso e permanência dos alunos nas escolas. Emergindo várias dificuldades no processo escolar que vão desde os extensos caminhos percorridos em bus-ca do direito à educação, ao transporte escolare ao currículo que geralmente é desconectado da realidade das comunidades ribeirinhas, sem considerar o con-texto amazônico (ANDRADE; ANDRADE, 2011). Além disso, a formação inicial e continuada dos professores ainda é limitada, sendo que o estado do Amazonas apresenta maior média de professores não licenciados que ministram disciplinas no ensino fundamental e médio em relação ao cenário nacional (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2008). Dentro deste contexto, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica- PARFOR, implementado a partir do Decreto 6.755 de 29 de janeiro de 2009 (Portaria Normativa n0 09, de 30 de junho de 2009; MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009),é uma ação emergencial de política pública educacional da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES que visa à formação de docentes em serviço para melhoria da qualidade da edu-cação no Brasil. Assim, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) assumiu o compromisso com a CAPES (Termo de Adesão, de 20 de maio de 2009) para oferta de primeira e segunda licenciatura no PARFOR, sendo que a UFAM par-ticipa com 69,05% das vagas destinadas à formação de docentes no Amazonas. Conforme exemplificado na caracterização da região do Alto do Rio Ne-gro-AM, a grande dimensão geográfica e as características peculiaridades do

Page 301: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

301Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

Estado do Amazonas desencadeiam elevado custo de deslocamento, comu-nicação e logística de viagem que, consequentemente, dificultamo gerenci-amento das ofertas de turmas do PARFOR.Assim, consideramos relevante o reconhecimento do “custo amazônico” (ex. MINISTÉRIO DA CULTURA, 2010) pelos órgãos gestores da CAPES em projetos e programas educacionais, asse-gurando dotação específica e diferenciada para os estados da Amazônia Legal. Como alternativa, também sugerimos o uso de tecnologia no processo de ensi-no-aprendizagem (ex. LEPI, 2013; DA SILVA, 2014), pois possibilita a formação e a capacitação do professor independentemente da localidade onde reside. No entanto, essa estratégia metodológica não permite a interação presencial entre o docente e o aluno, apesar das ferramentas tecnológicas oferecerem suporte e re-cursos. O uso de equipamentos também é um fator limitante já que é necessário que o aluno tenha acesso a pelo menos um computador com conexão à internet. Apesar das dificuldades relatadas, o uso de recursos tecnológicos no planeja-mento e na execução das atividades de ensino pode ser testado e, se possível, implementado na capacitação dos professores-cursistas do PARFOR. De modo geral, consideramos necessário reavaliar as estratégias metodológicas utilizadas na formação docente, em especial no PARFOR, tendo como foco a reformulação de conceitos pautados na comunidade escolar. De fato, a educação e a formação docente requerem o desenvolvimento de uma lin-guagem múltipla capaz de abarcar a necessidade acadêmica e social (SOUZA, 2014).Assim, torna-se fundamental que as propostas para a formação de profes-sores sejam contempladas com políticas públicas condizentes com a realidade. Além disso, é fundamental considerar as experiências dos professores-cursistas do PARFOR e, consequentemente, adotar metodologias adequadas que con-tribuam de maneira significativa para a redução do processo de desigualdade e exclusão social e para o aprimoramento da educação básica.

Referências

ANDRADE, R.F.C.;ANDRADE, A. O. Dilemas do acesso e da qualidade do ensi-no: reflexões sobre a política de educação em comunidades ribeirinhas. V Jor-nada Internacional de Políticas Públicas, 2011.BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Seminário de Segurança da Amazônia,Brasília, 2012.CARDOSO, M. A.; JACOMELI, M.R.M. Estado da arte acerca das escolas mul-tisseriadas. Revista HISTEDBR On-line,174-193, 2010.CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO. A Logísti-

Page 302: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

302Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

ca na Amazônia - 12ª RM. Disponível em <www.guiadelogistica.com.br>. Aces-so em 13 jan. 2016.COMANDO DE FRONTEIRA RIO NEGRO E 5º BATALHÃO DE INFANTARIA DE SELVA. Pelotões Especiais de Fronteiras. Disponível em < http://www.cfrn5bis.eb.mil.br/>. Acesso em 13 jan. 2016.DA SILVA, S.L.R. As novas tecnologias e a prática docente no PARFOR. In: PAINI, L.D.; DA COSTA, C. E. M.;VICENTINI, M.R. (Eds.) PARFOR: Integração entre universidade e ensino básico diante dos desafios na formação de professores do Paraná. Maringá: Editora da Universidade Estadual de Maringá, 2014, p.195-212. DE OLIVEIRA, J. S. B.;LUCENA, I. C. R. Alfabetização matemática em classes multisseriadas de escolas ribeirinhas da Amazônia: atuação docente em foco. RevistaBrasileirade EstudosPedagógicos, v. 95, n. 239, 2014.HAGE, S.M. A Realidade das escolas multisseriadas frente às conquistas na Legislação Educacional. Anais da 29ª Reunião Anual da ANPED: Educação, Cultura e Conhecimento na Contemporaneidade: desafios e compromis-sos manifestos. Caxambu, 2006.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Diretoria de Pesquisas - DPE - Coordenação de População e Indicadores Sociais - CO-PIS. Disponível em <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&cod-mun=130380&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas>. Aces-so em 13 jan. 2016.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Quatro picos bra-sileiros têm sua altitude alterada. Disponível em < http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=215>. Acesso em 13 jan. 2016. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍ-SIO TEIXEIRA. Resultados preliminares do Censo Escolar (redes estaduais e municipais), Brasília, 2015.LEPI, K. The 10 biggest educational trends (and what teachers think). Disponível em <http://www.edudemic.com/biggest-educational-trends/>, 2013. MARTIN, F.; MORENO, V. Na Babel brasileira, português é 2ª língua. Disponível em <http://www.cfrn5bis.eb.mil.br/>. Acesso em 13 jan. 2016. MINISTÉRIO DA CULTURA. Resultados da II Conferência Nacional de Cultura. Brasília, 26p., 2010.MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Sinopse Estatística da Educação Básica 2007. Brasília, 18p., 2008.

Page 303: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

303Realidade e desafios para a formação de professores na região do alto Rio Negro - Amazonas - Thaís Billabalba Carvalho - Ivan de Jesus Ferreira - Sidney Netto - Francisco Adilson dos Santos Hara.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portaria Normativa n0 09, de 30 de junho de 2009. Institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica no âmbito do Ministério da Educação. Brasília, 2p., 2009.MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Relatório Técnico 20: Perfil da Mineração do Nióbio. Brasília, 1-49. 2010.NASCIMENTO, M.L.;SÁ, A.J. 5º pelotão especial de fronteira: territorialidades e temporalidades na “Cabeça do Cachorro-AM. Revista UFPE, 34-54, 2008.PINHONI, M. Cidade mais desigual do Brasil vive completamente isolada. Dis-ponível em <http://exame.abril.com.br>, 2014.PINTO, L. F.. Três reflexões sobre segurança nacional na Amazônia. Estudos Avançados, v.16, n.46, 2002.SECRETARIA DO ESTADO DE CULTURA, SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA. Disponível em < http://www.bv.am.gov.br/portal/>. Acesso em 13 jan. 2016. SILVEIRA, K.A.;ENUMO, S.R.F.;BATISTA, E.P. Indicadores de estresse e es-tratégias de enfrentamento em professores de ensino multisseriado. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacio-nal, v. 18, n. 3, 2014.SOUZA, E.B. Ensino na Fronteira. Revista Escola Pública. Disponível em <http://revistaescolapublica.com.br/textos/36/ensino-na-fronteira-304589-1.asp>, 2013. SOUZA, M.I.P.O. A formação de professores no PARFOR: construindo conceitos e revendo paradigmas. In: PAINI, L. D.; DA COSTA, C. E. M.; VICENTINI, M. R. (Eds.) PARFOR: Integração entre universidade e ensino básico diante dos desafios na formação de professores do Paraná. Maringá: Editora da Univer-sidade Estadual de Maringá, 2014, p.79-93.

Page 304: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

SABERES E FAZERES DE UM GRUPO DE ALUNOS DE PEDA-GOGIA/ PARFOR: RELATOS DE DIFERENTES TRAJETÓRIAS

SOBRE A ESCRITA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PEDAGOGO

Cileide Teixeira da Silva Polli1Rejane Christine de Barros Palma2

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo. A metodologia adotada consistiu de pesquisa bibliográfica sobre produção da escrita e formação docente, e pesquisa docu-mental, uma vez que foram analisados os registros escritos de sete estudantes do curso de Pedagogia/Parfor, turma 7000, da UEL. Foi realizada ainda uma pesquisa de campo, composta por três questões fechadas sobre o perfil dos entrevistados e cinco questões abertas sobre o processo de produção escrita re-querida pela disciplina de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa do curso de Pedagogia/Parfor. Os resultados permitem concluir que a escrita se afigura como um processo essencial na formação docente e, sobretudo, na formação de pedagogos, vem ser esta uma área do conhecimento em que a habilidade de escrever reveste-se de maior importância. Assim, quanto mais o professor tiver domínio sobre linguagem e escrita, maiores chances ele terá de ensinar o aluno, a partir do entendimento de que a língua oral e a escrita constituem o ponto cen-tral do processo ensino e aprendizagem. Da mesma forma, a pesquisa realizada permitiu refletir sobre a importância desta forma de registro como avaliação no âmbito do ensino superior.

Palavras-chave: Formação docente. Pedagogo. Prática de escrita.

1 Graduada em Pedagogia/PARFOR e Matemática pela Universidade Estadual de Londrina. Docente da rede municipal de educação de Londrina e da rede estadual de ensino do estado do Paraná. [email protected]

2 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina e professora do Curso de Ped-agogia /PARFOR/UEL. [email protected]

Page 305: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

305Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

Introdução

A formação docente vem sendo um tema recorrente nas últimas décadas, ensejando uma série de reflexões sobre a necessidade de redimensionamento das ações docentes no âmbito do ensino superior. Especificamente no que se refere ao curso de Pedagogia, persiste a necessidade de imprimir novos contor-nos à formação dos profissionais que irão atuar diretamente junto a professores, acompanhando de perto o processo ensino aprendizagem. A partir destes pressupostos iniciais, a intencionalidade deste artigo deriva da vivência de formação da escrita ocorrida referente à disciplina de Metodologia da Língua Portuguesa do curso de Pedagogia no Programa de Formação (Par-for), ofertado pelo governo federal e vinculado à Universidade Estadual de Lon-drina (UEL). Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho consiste em analisar as diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo. Para cumprir este intento, busca-se apresentar os resultados de ação do-cente voltada à formação de pedagogos durante o curso PARFOR, a partir de registros escritos das aulas da disciplina de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. A disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa pressupõe um trabalho na área de leitura, interpretação, gramática, oralidade e escrita. Para cada uma destas categorias, a proposta é que a disciplina vivencie estas áreas durante a realização da mesma. Desta forma, para o trabalho com a área de escrita, os alunos foram desafiados a escrever sobre as aulas, mencionando os conteúdos trabalhados, os objetivos a serem alcançadas, mas, de forma prioritária, as aprendizagens individuais construídas em cada aula. Cabe informar que as aulas da disciplina foram realizadas em 12 encon-tros de 4 horas cada, perfazendo um total de 48 horas presenciais, estando matriculados onze alunos. Assim, o universo da pesquisa foi de 11 alunos, e, destes, apenas 7 participaram, o que corresponde a 63,6% do total da amostra.Na análise realizada, buscou-se identificar os saberes e fazeres do grupo que compõe a amostra da pesquisa, a partir dos suportes teóricos que embasam este artigo. Parte-se do pressuposto de que a estratégia metodológica de registro diário das atividades de formação representa uma oportunidade de compartilhar os saberes durante o curso de formação, em especial durante as aulas da disci-plina em questão. Assim, os participantes poderiam tecer novos olhares para seu

Page 306: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

306Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

processo de construção do conhecimento, atribuindo significados, revelando a si mesmos na medida em que se permitem socializar suas práticas e experiências do cotidiano escolar.

Formação docente

Sabe-se que são muitos os elementos que o processo formativo de pedagogos. Dentre eles, a prática da escrita afigura-se um componente im-prescindível, dada a multiplicidade de tarefas escritas que se impõem a este profissional como o organizador do trabalho pedagógico na escola. Assim, a elaboração de projetos, a composição de relatórios e documentos diversos, a realimentação da proposta pedagógica da instituição, o acompanhamento de avaliações e do planejamento do professor são exemplos de ações que deman-dam do pedagogo o domínio da escrita. Mais que atender aos padrões da língua culta, este domínio se insere na qualidade dos textos produzidos pelo pedagogo, em conformidade com os au-tores que sustentam os referenciais teóricos sobre educação e, acima de tudo, atendendo as especificidades da comunidade a qual se integra a instituição de ensino. A formação docente deve ser compreendida a partir do reconhecimento dos professores como sujeitos do saber. Calcada neste enfoque reflexivo, en-tende-se que a formação docente deve englobar diferentes aspectos, dentre os quais se situa o curso do qual trata este artigo, e a disciplina de metodologia que deu origem à análise aqui realizada. É importante ponderar acerca da identidade profissional do professor, para a qual convergem aspectos pessoais e acadêmicos, além das vivências experienciadas durante os diferentes momentos de sua formação. Uma identidade profissional constrói-se, segundo Pimenta (2002, p.19):

[ ... ] pelo significado que cada professor, enquanto ator e outro, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas an-gústias e seus anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor.

No Brasil, a formação de professores para a Educação Infantil e as séries iniciais do ensino fundamental passa a ser o curso de Pedagogia. Os conteúdos básicos do curso foram definidos tendo como objetivo constituir uma base con-

Page 307: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

307Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

sistente para a profissionalização docente, com vistas à diversificação exigida pelas diferentes demandas sociais da contemporaneidade (SCHEIBE, 2003). No entanto, Leite (2008, p.17) adverte que é imprescindível que tais cur-sos de formação sejam organizados “[...] de forma a possibilitar aos docentes, antes de tudo, superar o modelo de racionalidade técnica para lhes assegurar a base reflexiva na sua formação e atuação profissional”. Uma vez apresentados os pressupostos iniciais sobre a formação docen-te, na sequência discorre-se sobre a prática da escrita como componente central na aquisição dos conteúdos essenciais para a vida humana e em especial, para atuação em sala de aula.

Prática da escrita na escola e na vida

Para Leite (2010), para inserir um sujeito no mundo da leitura e da es-crita é importante compreender dois movimentos distintos e simultâneos a al-fabetização e o letramento. Alfabetizar implica a apropriação da escrita como sistema convencional, alfabético e ortográfico, enquanto o letramento consiste em desenvolver habilidades sociais de leitura e escrita. Para Soares (2007), o efetivo uso da escrita garante ao aprendente uma condição diferenciada na sua relação com o mundo, condição esta não conquistada por aquele que só domina o código. Nestas preleções, conjuga-se a ideia de interação verbal proposta por Bakhtin (2004, p. 113):

Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma im-portância muito grande. Na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro.

Um projeto educativo consistente deve almejar a alfabetização plena de cidadãos “[...] com domínio da tecnologia da escrita e com níveis de letramento que lhes permitam constituir-se como cidadãos críticos e conscientes, por meio da inserção nas diversas práticas sociais de leitura e escrita”. (LEITE, 2010, p. 33). Tendo em vista esta demanda educativa, os Parâmetros Curriculares Na-cionais reiteram que um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício

Page 308: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

308Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

da cidadania, como direito inalienável de todos (BRASIL, 1997, p. 23).

A importância da escrita na formação do pedagogo

Em primeiro plano, entende-se que o verdadeiro conhecimento somente se concretiza quando é partilhado. Assim, a escrita assume uma dimensão es-pecífica, sobretudo na formação do pedagogo, profissional cuja atuação se in-sere nos diferentes espaços da escola e trava constantes diálogos com todos os agentes sociais envolvidos na comunidade escolar. Parte-se da premissa de que a aprendizagem resulta de um processo no qual as interações são elementos primordiais. Isto porque, na concepção de Leal (2009, p. 11) “Aprende quem conta, quem escuta, quem escreve, quem lê. Aprende todos os que sabem o valor de restituir, ao outro, um saber que não resulta de pertencimentos ou apropriações, mas de envolvimento”. Já para Almeida (2009, p. 102):

A escola é um espaço de formação em que a circulação da es-crita é experiência intensamente vivenciada por seus sujeitos, embora nem sempre acompanhada por aspectos qualificadores de sua produção. Ao mesmo tempo, a escrita é experiência in-cômoda para alunos e professores é comum, quando instados a escrever, que manifestem resistência ou desconforto. Por que isso ocorre? Parece evidente que não seja pela falta de conhe-cimento sobre o como escrever, pois, se trata de atividade cor-riqueira no cotidiano escolar, e isso confirma que escrever não se refere apenas aos atos motores de traças letras e palavras e ao conhecimento léxico gramatical da língua.

Com base na assertiva de Almeida, de que a escrita se revela incômoda para muitas pessoas, denota-se que na formação do pedagogo tal fato tam-bém se confirma, conforme resultados que serão apresentados em tópico sub-sequente. Porém, é necessário ultrapassar esta condição, posto que a prática docente demanda habilidades nesta esfera do conhecimento, Cañete (2010, p. 33) consideram que para o professor a possibilidade de registrar suas práticas, por meio de um diário de bordo possibilita analis-ar, organizar, avaliar e reavaliar suas práticas. Assim, trata-se de um processo de construção bastante pessoal, em que se deve registrar aquilo que consid-erou mais relevante permitindo-lhe apropriar-se de seu fazer, instaurando uma possibilidade de reflexão sobre o que se está realizando e sobre o que deve ainda ser realizado.

Page 309: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

309Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

Prado e Fernandes (2009, p.38) refletem que:

A autoria na escrita está relacionada às escolhas feitas pelo au-tor em relação à formação como responde a seus interlocutores: o enunciado é resposta, como afirma Bakhtin (2003 a) e rela-ciona-se ao contexto de produção em que é produzido, do qual fazem parte os destinatários do texto. Nas obras não é somente a assinatura que as tornam próprias ao auto; o movimento de, na contra palavra, tornar próprias palavras alheias ao responder aos seus interlocutores é o que constitui a autoria e o autor.

Neste ponto, considera-se a importância da intervenção docente, na construção do processo de aprendizagem, uma vez que, conforme Freire (1983, p. 72), “alfabetizar tem objetivo tríade: tematizar o mundo, dialogar sobre o mun-do e transformar o mundo”.

Metodologia

A metodologia adotada consistiu de pesquisa bibliográfica sobre pro-dução da escrita e formação docente. Em segundo plano, consta de pesquisa documental, uma vez que foram analisados os registros escritos de sete estu-dantes do curso de Pedagogia/Parfor, turma 7000, da UEL. O objetivo de tais registros era promover a avaliação por meio do acompanhamento sistemático do progresso de cada estudante. Assim, após cada aula, deveriam ser relatadas as impressões sobre os conteúdos trabalhados e sua relação com o cotidiano es-colar. Foi realizada ainda uma pesquisa de campo, composta por três questões fechadas sobre o perfil dos entrevistados e cinco questões abertas sobre o pro-cesso de produção escrita requerida pela disciplina de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa do curso de Pedagogia/Parfor. O trabalho constou de uma abordagem qualitativa, a qual, para Richardson (2007, p. 90), “pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentados pelos en-trevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”.

Resultados da pesquisa realizada

Conforme mencionado, a pesquisa realizada junto a concluintes do cur-so de Pedagogia do PARFOR/UEL visou identificar aspectos relacionados ao

Page 310: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

310Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

processo de produção escrita em atendimento ao cumprimento dos requisitos da disciplina de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa. Optou-se, neste tópico, por analisar em conjunto os dois momentos da pesquisa. Assim, na se-quência são apresentados os dados relativos à formação e atuação profissional das entrevistadas, todas do sexo feminino, bem como são trazidas as impressões colhidas por meio da pesquisa documental decorrente da análise que continham os registros referentes as reflexões dos alunos sobre os conteúdos aprendidos em sala de aula e as vivências profissionais a prática pedagógica realizada pelo aluno. Ao todo foram doze encontros da disciplina e era necessário o registro escrito de cada uma delas, com uma reflexão final. Foram requisitados, junto à professora da disciplina, os cadernos de avaliação, os quais, após consulta prévia aos alunos que participaram da pesquisa, foram lidos e analisados, tendo disso selecionados trechos que expressassem a posição das participantes da pesquisa quanto ao tema deste estudo. As respostas não foram transcritas em sua totalidade, dada a restrição do número de laudas deste artigo. A primeira atividade contou da elaboração de um texto sobre as memórias pessoais sobre o ensino de Língua Portuguesa. Para fins didáticos, as professo-ras que integram a amostra deste artigo serão nominadas pela letra A seguida de numerais de 1 a 7. Todas atuam no magistério, pois este é um requisito básica para ingresso no PARFOR e algumas possuem, além do curso de Pedagogia em fase final de conclusão, outros cursos superiores. A-1 possui graduação em Serviço Social e MBA em gerência de cidades. Atuou por um curto espaço de tempo como professora e hoje gerencia o setor de transporte escolar da secretaria de educação. Apresenta uma visão diferenciada de educação, pois, apesar de ter cursado Pedagogia, era formada em Serviço Social e escreveu, logo nas primeiras páginas de seu caderno, que ser profes-sora era seu sonho desde criança, mas quando ingressou na prefeitura e atuou como educadora infantil, vivenciou situações que a fizeram buscar uma nova profissão, passando em outros programas da prefeitura, o Bolsa Família e pos-teriormente no setor de transporte escolar, onde permanece até os dias atuais. Almeja prestar concurso para o INSS. E refere que “A escolha pelo curso de Pedagogia se deu pelo fato exclusivo de ganhos. Isso não quer dizer que não gosto, que não tenho enriquecido meus conhecimentos, porém não é mais o que quero para o profissional”, A-2 possui graduação em Geografia e especialização na mesma área. Atuou por 14 anos no ensino Fundamental I e por 11 anos na Educação Infantil, estando há quatro anos fora de sala de aula por problemas de saúde. Sobre

Page 311: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

311Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

suas impressões do curso, foram extraídos os seguintes trechos:

Tenho me encantado e aprendido muito com o curso de Pedagogia. Posso pensar e repensar minhas práticas diárias. Me oferece também a oportunidade de poder colaborar com as professoras em sala de aula no que diz respeito à teoria para se trabalhar na educação em geral. Mesmo sabendo do descrédito da educação em nosso país, do professor não ser muito valori-zado, creio que vale a pena lutarmos por nossos ideais, por dias melhores.

3, professora que atua há 17 anos na EI, relatou que:

Quando iniciei meu trabalho na creche não tinha formação pedagógica nenhuma, mas com o passar do tempo fui adquir-indo prática ao realizar o curso de magistério é que fui adquir-indo conhecimento teórico, aprendendo práticas diferenciadas, comecei a participar de formação continuada que a secretaria de educação oferece, desta forma, meu saber fazer foi melhorando a cada dia, fui adquirindo novas experiências. Hoje tenho um novo olhar para com as crianças, meu ensino aprendizado tem outra qualidade vejo-os como sujeitos ativos, pensantes, um ser social. Hoje eu sei que o professor não é só transmissor de conhecimento e sim mediador e facilitador para que as crianças se tornem indivíduos críticos na sociedade.

A-4, professora com 41 de experiência no magistério, tendo trabalhado por 25 anos na zona rural, prestou novo concurso e assumiu um padrão em outro município. Relatou que “Sou professora desde 1974 e pude ver as mudanças pelas quais passou a educação, e contribuíram para eu ser a professora que sou [...]errando, acertando, mas socializando e se inteirando como aprendiz de novos saberes”. Na conclusão de seu caderno, A-4 assim se posiciona:

Com certeza levaremos para a nossa sala de aula esse apren-dizado, E também não vamos ficar presos aos conceitos pré-es-tabelecidos que tínhamos anterior a essa vivência, é necessário que continuemos na busca de novos conhecimentos que opor-tunizam o exercício da nossa prática mais consciente mais dinâmica e verdadeira aprendizagem com significado para o aluno e sua vida na sociedade.

A-5 atua há 30 anos no magistério, sendo 18 no Ensino Fundamental I e 12 na Educação Infantil. Apresenta, no texto inicial de seu caderno, um relato amplo, claro e preciso das mudanças percebidas em sua trajetória profissional, incluindo as dificuldades referentes à estrutura física das escolas destinadas à

Page 312: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

312Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

Educação Infantil, as desvalorizações dos profissionais que atuam no magistério, até mesmo pelos próprios colegas de trabalho e professores.

E o que é mais sério, existe uma clara distinção e até mesmo desvalorização os próprios colegas de trabalho e professores que formam professores e que neste caso deveriam orientar en-sinar e valorizar todas as etapas e modalidades educacionais, visto que uma não se sustenta sem que a outra aconteça.

Outra rememoração de A-5 foi a mudança de 1988, no Ciclo Básico de alfabetização, em que o Construtivismo foi implantado sem que fosse dado respaldo teórico-prático para as mudanças. Após o seminário apresentado sobre a obra Didática do português: tijolo por tijolo, de Ana Tereza Naspolini, A-5 relata:

Hoje aprendi em poucas horas o que não aprendi no meu curso d e magistério e nem durante anos de exercício na escola, pois eu sabia que as crianças necessitam de significados para aprender e durante os anos procurei ajuda-las, mas nunca havia aprendi-do a avaliar corretamente a produção e textos das crianças e foi maravilhoso descobrir. Na verdade, a cada encontro desta disci-plina, veio só a acrescentar o meu saber, antes eu tinha pavor do Português e medo de escrever errado, por isso me preocupava tanto em fazer com que as crianças aprendessem com gosto, descobrissem como é bom ler e entender o que está lendo. Pas-sei pelas transformações na educação no final da década de 80 e início da década de 90. Naquela época em nenhum curso de capacitação aprendi como hoje.

A professora lembrou ainda que hoje está estudando muito, pois a tecno-logia está cada dia mais avançada e as crianças mudaram muito, o atual contex-to social é bem diferente de dez, vinte anos atrás. Reforçou que esta mudança é positiva, “pois ser professor e estudar sempre e lembrar que somos formadores de sujeitos autônomos, que reflitam e que um dia irão transformar a sociedade”. A-6 possui uma vasta trajetória acadêmica e profissional, pois graduou-se em Matemática e possui cinco especializações na área de educação, além de ter participado do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do estado do Paraná. Atua há 24 anos no Ensino Fundamental I e II e no Ensino Médio e atualmente é coordenadora na rede municipal de ensino. É oportuno destacar a contribuição desta integrante da pesquisa quando afirma que:

Algumas coisas que foram apresentadas nós já fazemos na escola, não conhecemos os seus fundamentos e a repetimos porque alguém nos ensinou desta maneira. Não havia visto ain-da que podemos fazer explorações para que os alunos apren-dam a ler e compreender o que estão lendo. Minhas explorações

Page 313: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

313Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

em sala de aula sempre renderam a ser mais para verificar o que estava explícito no texto, vendo esse material percebi que posso fazer de outras formas e que parece ser bem mais interessante, pretendo experimentar. A cada aula percebo que tenho muito a aprender para ser uma boa professora e poder ajudar meus colegas de trabalho e meus alunos.

A-7 afirmou que sempre gostou de estudar, terminou o Ensino Médio, fez o Curso Normal a Distância (CND), e, por falta de condições para fazer uma faculdade, optou pelo curso de Técnico de Enfermagem, com duração de dois anos. Terminou e guardou o diploma, pois percebeu que não era o que queria, aí ingressou no Parfor.

Especificamente no que se refere ao ensino aprendizagem e avaliação da linguagem, com esta aula aprendi a olhar o saber do aluno com outros olhos, aprendi que toda criança tem o seu tempo e que ele tem o seu momento natural de desenvolvimen-to, é uma aprender constante. O educador precisa “saber ler” (avaliar) os textos dos alunos com práticas pedagógicas que levem o aluno a se desenvolver cada vez mais, ultrapassando seus próprios limites.

Na sequência, são apresentados e analisados os resultados obtidos pela aplicação do instrumento de coleta de dados, referente às questões 4 a 8. Na quarta questão do instrumento de coleta de dados, foi indagado se as estudantes tiveram dificuldade no processo de escrita que constituiu a avaliação da disci-plina de Metodologia de Língua Portuguesa. Quatro pessoas disseram que sim, enquanto igual número de estudantes disse não ter encontrado dificuldades:

A-5- Sim. Descrever as aulas não foi difícil, mas na hora de pro-duzir um texto com introdução desenvolvimento e conclusão já foi mais difícil, principalmente por que eu tive uma formação bem medíocre. Não aprendemos a analisar textos fazendo a devida reflexão, a fazer um bom resumo ou resenha. Era tudo decora-do, assim se você atingisse cinquenta por cento das provas pas-sava de ano. No curso de Magistério não mudou muito, para se ter uma ideia minhas aulas de Didática foram durante dois anos confeccionar um caderno de datas comemorativas. E quando iniciei na profissão de professora, durante seis anos trabalhei no pré, onde se trabalhava traçado das letras do alfabeto, traçado dos números, massinha e pintura com tinta ou lápis de cor em desenhos já prontos. Sempre seguindo as orientações da super-visora, muitas vezes sem questionar nada. Minhas experiências só mudaram a partir do início da década de noventa quando iniciei o trabalho com o primeiro ano do Ensino Fundamental I. Aí sim comecei a estudar sobre como dar aulas e atingir o obje-tivo de alfabetizar. Mas só aprendi como deve escrever, mesmo

Page 314: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

314Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

assim, ainda estou aprendendo, foi no curso de graduação.A-6- Para mim o ato de escrever sempre foi um sofrimento. Tenho dificuldades em organizar as ideias, sempre acho que não está bom e me preocupo demais com a forma em está o texto se é realmente aquilo que deveria ser escrito, se é aquilo que o professor quer ler. Preocupo-me com concordância verbal e nominal, tenho dificuldades para colocar aquilo que realmente é pedido para fazer. Às vezes a minha ansiedade é tão grande que chego até passar mal se tenho que fazer avaliações disser-tativas, fico nervosa me dá sudorese, entre outros.A-7- Sim. Não gosto muito de escrever e muitas vezes tinha que ficar lendo os textos para poder escrever algo na aula e ler tam-bém não é muito prazeroso para mim, ainda mais com tantos trabalhos para fazer tempo curto para dar conta das atividades do Parfor, da casa e do trabalho.

É possível perceber, pelas respostas transcritas, que os professores, integrantes da turma de Pedagogia do Parfor, revelaram dificuldades com a pro-dução escrita, em grande parte por deficiências em sua formação inicial, Isto se confirma no relato de A-5 quando descreve sua experiência no curso de Magistério. Da mesma forma, deve-se destacar a parte do relato de A-6, que sinaliza o desconforto físico que a mesma sente ao ser solicitada a escrever durante uma avaliação formal. A análise do caderno desta mesma integrante da pesquisa revela a superação desta dificuldade, embora a atividade tenha sido refeita, comprovando a preocupação com a escrita, expressa em sua fala,

Pereira e Cañete (2009, p. 17-18) explanam que:

Compreendemos a escrita como constitutiva do e de sua identi-dade. Assim, pensar a escrita de professores na perspectiva de sua formação é pensar nas alternativas de constituição desse sujeito, como também nas alternativas de constituição de sua docência. Escrever é um ato que requer do indivíduo um olhar in-trospectivo, um voltar-se para dentro de si. Escrever sobre suas práticas pedagógicas solicita do professor um movimento de re-torno, de resgate da memória, de ver novamente o que foi real-izado, como foi realizado, os resultados advindos de sua ação.

Ainda, é possível conceber a formação como algo que não se completa antes da mudança, mas sim durante. Nesta direção, os relatos das integrantes do curso de Pedagogia/Parfor permitem concluir que o mesmo contribuiu signi-ficativamente, no sentido de instrumentalizar as professoras cursistas para esse processo, que é contínuo. Da mesma forma, revelou sua importância ao instigar as professoras a pensarem e falarem sobre seus percursos próprios, principal-mente por meio das memórias.

Page 315: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

315Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

A questão 5, dirigida apenas aos respondentes que não tiveram dificul-dades no processo de escrita, visou investigar os fatores que facilitaram este percurso de produção. Foram obtidas as seguintes respostas:

A-1- Na organização das ideias, anotações feitas durante as aulas.A-2- Apesar de certa dificuldade na organização e sequência creio que o que me facilita na escrita é o gosto pela Disciplina de Língua Portuguesa.A-3- Neste trabalho pude escrever livremente, expor meus pensamentos e aprendizagem sem me preocupar se estava cor-reto ou não.A-4- Acredito que seja (repito) pelas leituras que abasteci antes mesmos antes da graduação. Sempre realizei a leitura prazer, também, com pretexto aguçado pela curiosidade em descobrir novos horizontes e conhecer o mundo nas páginas de um livro, uma revista, etc.

Deve-se ponderar que esta estratégia de leitura colaborativa ou compartil-hada precisa ganhar mais espaço na escola, com o intuito de criar nos alunos um modelo e promover a troca de ideias sobre o que foi lido. Falar sobre o que leu ou ouviu ajuda atribuir mais compreensão ao texto. Para Almeida (2009, p. 122)

O fato de a escrita permitir maior tomada de consciência sobre a prática encaminhou as professoras à possibilidade de maior percepção das dificuldades e avanços individuais, conquistas, reações e comportamentos dos alunos. Dessa forma, orienta-vam seus esforços para o acompanhamento mais sistemático das aprendizagens e desempenhos. Desenvolveram uma atitude de maior e mais constante atenção à aula, analisavam e avalia-vam sua atenção na relação com o desenvolvimento dos alunos, com a percepção de si próprias e de seu papel nessa relação.

Nesse exercício, evidenciou-se o papel da escrita em permitir-lhes a reestruturação de seus conhecimentos, atuando, portanto, na produção subjeti-va. As futuras pedagogas reelaboraram conhecimentos, sentimentos, crenças e valores, marcados pelas experiências que vivenciavam e nas quais se produziam como pessoas e profissionais. Na questão 6 do instrumento de coleta de dados, foram solicitadas as impressões acerca da atividade de registro escrito e se este acrescentou na for-mação das futuras pedagogas.

A-1- Sim. Quanto mais exerço a escrita, percebo que meus pensamentos, meus conhecimentos se expandem, assim como o vocabulário e exposição oral melhoram.A-2 - Sim. Contribuiu para a busca e aprendizagem e a inferên-

Page 316: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

316Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

cia em relação aos diferentes recursos. A-3 - Sim. Esta atividade me deu a oportunidade de desco-brir que sou capaz de escrever, pois tenho muito receio quan-do tenho que fazer atividade dissertativa.A-4 - Sim. Embora tenha participado em diferentes momentos da linguagem escrita como forma de comunicação, essa atividade proporcionou um grande prazer porque pude conceituar pautada nas teorias estudadas, o meu pensamento e minhas ideias so-bre as nossas linguagens cotidianas, entre eles, a escrita.A-5 -Tudo é um aprendizado. Acrescentou sim, pois se hoje eu trabalhasse nas séries iniciais teria uma nova postura. Se sem saber eu já fazia um bom trabalho imagina agora.A-6 - Escrever apesar de ser sofrido para mim, cada etapa me faz escrever um pouco mais, ou melhor, perder um pouco dessa insegurança que sinto com a escrita. Apesar da proposta feita pela professora que deveríamos fazer os registros daquilo que estava sendo dado em sala de aula, mas teríamos que ao final da cada aula fazer um relato do ficou entendido por nós, ou seja, uma espécie de conclusão esse tipo de atividade que temos que escrever o que entendemos, tirar as ideias do autor, as prin-cipais ideias de um texto, fazer conclusões, fazer resenhas e resumo, para mim esses tipos de atividades causam incômodo, pois mesmo sabendo o conteúdo dado não conseguia articular as ideias com a escrita e sempre achava que a minha escrita não estava boa. A-7- Sim, acrescentou, acho que depois da experiência com a Professora Rejane e a professora Martha passei a organizar melhor minha escrita.

Conforme se percebe, todas as participantes da pesquisa declararam que a atividade em análise contribuiu para sua formação, o que leva a considerar pertinente a afirmação de Lacerda (2009, p. 132), quando postula que “Tenho defendido e antes de mim tantos outros, que professoras escrevam sobre aquilo que lhes toca, e que sua escrita seja legitimada enquanto possibilidade de com-preensão acerca do cotidiano escolar [...]” Almeida (2009, p. 14) também postula que “[...] escrever é também mostrar-se, expor-se, apresentar-se fisicamente na materialidade das formas que letras e espaços vazios ocupam. É fazer-se presente no meio das palavras, de maneira invisível, no corpo delas”. Na sétima questão, foram buscadas outras impressões sobre o processo de escrita, vinculadas ao ensino de Língua Portuguesa na escola. Três das par-ticipantes da pesquisa não responderam,

A-2- Esse processo nos faz refletir sobre os conteúdos aprendi-dos, a atenção e o opinar sobre cada assunto trabalhado.A-4 - Foi uma descoberta sobre a minha própria competência e

Page 317: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

317Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

habilidade para a escrita [...] Descobri que nossa língua pátria é mais que os sinais, os nossos símbolos e ícones. Ela é a nossa alma e o nosso símbolo maior de representarmos, de expressar-mos quem somos...A-5- A metodologia utilizada em sala da graduação é excelente, o problema é que os profissionais saem do curso e depara com um ensino público tão antigo como o de quarenta anos atrás, um ensino sistematizado, as escolas se mantém na mesmice do passado, nem percebem que o mundo mudou muito e que nossos alunos estão muito mais ativos, ou melhor, dinâmicos. E o mais importante, que o ensino tem que ter significado. Aí sim a criança aprende. A criança depois de alfabetizada ou em processo de alfabetização pode e vai render muito mais com as novas metodologias propostas no curso de graduação. [...] As-sim as crianças aprenderão com mais propriedade e não terão as dificuldades que tivemos.A-6: Escrever é preciso eu sei disso, a atividade proposta nos deu oportunidade de exercer o ato da escrita, como a co-brança não foi severa em cima das regras da língua portuguesa, pudemos escrever mais livremente e isso me trouxe um pou-co mais de tranquilidade. Porém não fico totalmente à vontade quando tenho que fazer atividade que exijam a escrita. Este tipo de atividade me causa pânico, sudorese e uma sensação de im-potência de incapacidade. E essa minha reação a situação me causa muita frustração, me baixa a autoestima, me dá uma sen-sação de incapacidade e esse sentimento me frustram demais. Quero escrever bonito e sem medo. Esse ainda é o meu maior desafio. Sinto que quando conseguir ultrapassar essa barreira, vou deslanchar mais na minha vida acadêmica, vou escrever artigos; esse é um dos meus maiores sonhos acadêmicos.A-7- Fazer atividades de escrita nas aulas é sempre muito do-loroso, porém aprendemos a escrever um pouco melhor e isso com certeza irá refletir em nosso fazer com os nossos alunos.

Prado e Soligo (2007) entendem a escrita como prática que exige es-forço pessoal e implica o sujeito na atividade. Esta prática demanda escolhas distintas e deve conduzir a compreensões e expressões mais profundas sobre a realidade. Os autores consideram o princípio da interação verbal como móvel de escrita, ou seja, a escrita pressupõe um leitor mobilizador por um propósito de quem escreve. No entanto, a prática da escrita nem sempre é assimilada por professores como tarefa fácil ou simples, conforme reitera A-6, ao assumir sua sensação de frustração e mesmo de pânico ao ter que escrever e seu sonho de superar tais barreiras. A este respeito, Almeida (2009, p. 109) ainda coloca que:

A escrita sobre a prática pedagógica requer dedicação de tempo e esforço, trata-se de uma escrita difícil. Supõe a retomada da prática,

Page 318: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

318Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

de seus objetivos e desenvolvimento, o resgate das interações com os alunos, para identificação de suas compreensões e necessidades, para reorientação da ação. Por isso somente foi realizada a partir da percepção pelas alfabetizadoras dos benefícios que podiam trazer à melhoria de seu trabalho.

Na última questão dirigida aos alunos concluintes do curso de Pedagogia, foi so-licitado que informassem se esse processo de escrita possibilitou a reflexão so-bre a prática. Todos foram unânimes em afirmar que sim, e acrescentaram que:

A-1 - Sim, pelo enriquecimento do conhecimento, da fala e es-crita.A-2 - Sim. Alertou-me muito para a importância de ir ao “além texto”, a leitura dos vários gêneros, a importância da escrita e da leitura nos diferentes povos.A-3 - Sim, me fez refletir s obre minha prática pedagógica como educadora e a partir desse novo aprendizado colocar em prática utilizando de novas estratégias para melhor aproveitamento dos meus alunos.A-4 Com certeza! Serviu como parâmetro para a minha ação na prática, ampliar o universo de comunicação e entendimento com os meus alunos. [...] Estou colhendo resultados diferentes, porque posso agora, exercitar a prática diferente.A-5- Há anos venho fazendo reflexões, mas o que me faltava era a teoria, o entender do processo ensino e aprendizagem, o desenvolvimento cognitivo da criança. E essa base adquiri no curso de graduação.A-6- Sim. Cada vez que me encontro nesse tipo de processo penso que preciso escrever melhor para poder ensinar melhor os meus alunos. [...] Achei que aprenderia a escrever no curso de Pedagogia, que aprenderia a fazer projetos, brincar com as palavras, mas percebi que a escrita é muito pessoal, para mim acho que é um dom, alguns tem mais habilidades com a escrita outros menos e é esse o meu caso, me dou melhor com os cál-culos. Mas quero escrever melhor, quero escrever textos sem me preocupar em como estou escrevendo, sem ter medo.A-7- Como faço a Hora do conto no CEMEI (contar histórias para as crianças) esse tipo de atividade me fez aprender a escrever um pouco com mais clareza e isso me ajudou no meu trabalho, principalmente em como fazer apresentações, pois os seminári-os nos ajudam a pensar em como o outro está recebendo/enten-dendo as informações que a gente esta passando.

As reflexões trazidas pelas estudantes vão ao encontro do que afirma Almeida (2009, p. 126), quando pontifica que: “Ao estabelecerem diálogo con-sigo próprias, na escrita, remeteram-se suas referências e àquelas postas em interação na proposta de formação”. Assim, as diferentes etapas de realização da pesquisa que deu origem a

Page 319: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

319Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

este artigo permitiram comprovar que a escrita afigura-se como um processo es-sencial na formação docente e, sobretudo, na formação de pedagogos, visto ser esta uma área do conhecimento em que a habilidade de escrever reveste-se de maior importância. Assim, quanto mais o professor tiver domínio sobre linguagem e escrita, maiores chances ele terá de ensinar o aluno, a partir do entendimento de que a língua oral e a escrita constituem o âmago do ensino e aprendizagem.

Considerações finais

Este artigo, cujo objetivo foi de analisar as diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo, permitiu tecer algumas reflexões sobre esta temática, diante da importância que a escrita assume na vida huma-na, na escola e na sociedade. Assim, amparada na intencionalidade de apresentar os resultados de ação docente voltada à formação de pedagogos durante o curso PARFOR, a partir de registros escritos das aulas da disciplina de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, a pesquisa que embasa a produção deste texto propiciou condições de reafirmar a necessidade de se desenvolver, no âmbito da formação inicial e continuada, estratégias que permitam ao professor refletir sobre sua prática e redimensionar seu fazer docente. Esta pesquisa mostra uma relevância especial quando se percebe que o curso de Pedagogia/Parfor se destina a professores que já atuam no magistério, com formação apenas em nível médio ou em outra área do conhecimento. As-sim, mescla-se a formação inicial à continuada. Os resultados da pesquisa documental, quando foram analisados os registros escritos de sete estudantes, possibilitaram ampliar a compreensão so-bre a produção escrita como momento singular de todo processo de aprendiza-gem. Os estudantes, concluintes do curso de Pedagogia, foram incentivados a escrever sobre a experiência vivenciada, registrando, a partir de cada um dos doze encontros da disciplina de Metodologia de Língua Portuguesa, suas ações, percepções sobre os temas trabalhados, reflexões sobre sua prática e sobre as discussões realizadas nos encontros. Desta forma, o conhecimento foi narrado, analisado, confrontado com as vivências pessoais de cada integrante do grupo que consiste a amostra desta pesquisa. É possível reafirmar, diante dos resultados obtidos nas diferentes etapas que consistiram esta pesquisa, que escrever requer habilidades específicas e por este motivo, os professores em formação devem encarar a escrita como um desafio que pode abrir janelas de oportunidades não apenas para seu cresci-

Page 320: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

320Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

mento intelectual, mas para a elaboração de novos fazeres docentes. Não restam dúvidas de que a formação de professores constitui um pro-cesso contínuo, e a proposta de avaliação que sustenta esta análise revela-se uma alternativa válida para intensificar esta prática como pressuposto para a superação de métodos de formação que nem sempre priorizam a manifestação escrita como meio privilegiado de construção do conhecimento. Nas respostas encontradas, foi possível vislumbrar a escrita como um instru-mento de crescimento e aprimoramento das habilidades pessoais, acadêmicas e profissionais das integrantes da pesquisa e, acima de tudo, representa um desafio presente a muitos, por vezes sendo encaradas como um desafio a ser transposto na superação das dificuldades encontradas. Assim, é possível afirmar, sem incorrer em erro, que não é a prática que atua na formação, mas a reflexão sobre a prática. Nesta direção, o presente artigo representa um passo decisivo no fortalecimento desta formação docente, na medida em que suscitou importantes reflexões sobre as possibilidades de estimular a aprendizagem, por meio da produção escrita sobre as experiências vivenciadas

Referências

ALMEIDA, Benedita de. Escrita de professores: caminhos mediadores para a transformação de concepções e práticas docentes. In: LACERDA, Mitsi Pinheiro de. (org.) A escrita inscrita na formação docente. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009, p. 99-129.BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997.CÃNETE, Lígia Sipoli Carneiro. O diário de bordo como instrumento de re-flexão crítica do professor. Dissertação. (Mestrado em Educação) Belo Hori-zonte, UFMG, 2010. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.LACERDA, Mitsi Pinheiro de. Saberes em cotidiano escolar nas escritas de quem ensina a escrever. In: _____. A escrita inscrita na formação docente. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009, p.131-152.LEAL, Bernardina. Escrever é inscrever-se. In: LACERDA, Mitsi Pinheiro de. (org.) A escrita inscrita na formação docente. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009, p. 11 – 16.LEITE, Sérgio Antonio da Silva et al. Alfabetização e letramento: pontos e con-trapontos (org.). São Paulo: Summus, 2010.

Page 321: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

321Saberes e fazeres de um grupo de alunos de Pedagogia/Parfor: Relatos de diferentes trajetórias sobre a escrita na formação do professor pedagogo - Cileide Teixeira da Silva Polli - Rejane Christine de Barros

LEITE, Yoshie Ussami Ferrari. Formação de professores: caminhos e des-caminhos da prática. Brasília: Líber Livro, 2008.PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G; GHEDIN, E. (org.). Professor reflexivo no Brasil – gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005. p. 17-52PRADO, Guilherme do Val Toledo; FERNANDES, Carla Helena. Saberes do-centes tecidos na escrita: pontos do fazer constituídos na autoria e na inter-locução. In: LACERDA, Mitsi Pinheiro de. (org.) A escrita inscrita na formação docente. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009,PRADO, Guilherme do Val Toledo; SOLIGO, Rosaura (Org.). Porque escrever é fazer histórias: revelações, subversões e superações. Campinas: Alínes, 2007.RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007.SCHEIBE, Leda. Formação de professores e pedagogos na perspectiva da LDB. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003.SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

Page 322: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

322

Page 323: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 323

Page 324: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

324

Page 325: OLHARES PROFESSORES SOBRE - uel.br · O conhecimento do cotidiano escolar e ... quanto às repercussões dessa formação no contexto escolar e na ... a organização da prática

Olhares sobre a formação de professores: relatos, reflexões e proposições

A escolha de repertório musical nas aulas de canto coral da segunda licenciatura. - Heloiza Branco 325