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ÔNUS DA PROVA E SUA MODIFICAÇÃO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Sérgio Cruz Arenhart Procurador da República. Ex-juiz Federal Mestre e Doutor em Direito pela UFPR.. Professor da UFPR e da UTP. 1. Considerações iniciais Ninguém tem dúvida de que o processo civil moderno deve atualizar-se para fazer frente às necessidades do direito material e da nova dinâmica da sociedade contemporânea. Tampouco se duvida de que esta mudança não pode depender apenas de alterações legislativas, pois estas, muitas vezes, demoram a ocorrer. Impõe-se, então, buscar aprimorar o processo também com a evolução na interpretação judicial, com o manejo mais ajustado das técnicas processuais postas à disposição do juiz e com o preenchimento das lacunas legais, sob o vento das garantias constitucionais. A regra do ônus da prova insere-se hoje nesta perspectiva: constitui ela um dos pontos em que se debruça a doutrina para imprimir necessárias alterações no sistema processual, tornando-o mais próximo à realidade do direito material. A adequada manipulação desta regra – e a extração de seu inteiro potencial – representa necessária tarefa para a consecução de um processo efetivo, capaz de traduzir as peculiaridades de cada direito, garantindo, assim,

Onus Da Prova e Sua Modificacao No Dpc

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Artigo sobre o ônus da prova e a sua modificação do CPC.

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Antes de concluir o tema da prova em relao tutela inibitria, cumpre analisar, ainda que brevemente, a questo da modificao do nus da prova, como critrio vlido de lidar com a questo probatria em aes inibitrias

nus da Prova e sua Modificao no Processo Civil Brasileiro

Srgio Cruz Arenhart

Procurador da Repblica. Ex-juiz Federal

Mestre e Doutor em Direito pela UFPR..

Professor da UFPR e da UTP.

1. Consideraes iniciais

Ningum tem dvida de que o processo civil moderno deve atualizar-se para fazer frente s necessidades do direito material e da nova dinmica da sociedade contempornea. Tampouco se duvida de que esta mudana no pode depender apenas de alteraes legislativas, pois estas, muitas vezes, demoram a ocorrer. Impe-se, ento, buscar aprimorar o processo tambm com a evoluo na interpretao judicial, com o manejo mais ajustado das tcnicas processuais postas disposio do juiz e com o preenchimento das lacunas legais, sob o vento das garantias constitucionais.

A regra do nus da prova insere-se hoje nesta perspectiva: constitui ela um dos pontos em que se debrua a doutrina para imprimir necessrias alteraes no sistema processual, tornando-o mais prximo realidade do direito material. A adequada manipulao desta regra e a extrao de seu inteiro potencial representa necessria tarefa para a consecuo de um processo efetivo, capaz de traduzir as peculiaridades de cada direito, garantindo, assim, eficazmente, o princpio do acesso justia. De fato, o nus da prova importa em relevante aspecto a ser disciplinado minuciosamente, quando se est diante de fatos cuja prova complexa ou revela certa particularidade. Com efeito, atribuir-se a prova de certa alegao de fato a uma parte ou a outra (rectius, atribuir-se o nus da no-prova a uma parte ou a outra) pode determinar o sucesso ou o fracasso da demanda, j que no raro esta prova altamente complicada, muito dispendiosa ou mesmo impossvel. Como cedio, o nus da prova importa em relevante aspecto a ser disciplinado minuciosamente, quando se est diante de fatos cuja prova complexa ou revela certa particularidade. No h dvida de que, muitas vezes, o grande complicador do processo a prova: seja por seu custo, seja pela dificuldade (ou mesmo impossibilidade) em obt-la, a atribuio da carga da prova de certo fato (ou de sua falta) a uma das partes pode, sem dvida, resultar em importante privilgio ou em grave fardo a esta.

Exemplo dessa importncia revela-se na dimenso das relaes de consumo. A autorizao legal para que o juiz modifique este nus em certas circunstncias, assim como a imputao prvia do nus (em relao a certos fatos) ao fornecedor, simplifica sobremaneira a situao processual do consumidor, facilita a tutela de seus interesses e constitui, por vezes, a nica forma de permitir que o consumidor apresente sua demanda em juzo.

O significado da manipulao do nus da prova naquele microssistema pode indicar seu relevo para outras situaes. Com efeito, outros tipos de interesses, com muita freqncia, ocasionam dificuldades na sua proteo, dificuldades estas muitas vezes relacionadas com a dificuldade na demonstrao do interesse do direito no processo. Eis, ento, a justificativa deste breve trabalho: buscar apreciar como se comporta a regra do nus da prova, apreciando as condies que autorizariam a sua modificao, j que esta possibilidade para alm dos campos do direito do consumidor pode importar significativa condio para a tutela de legtimos interesses.

2. A Regra sobre o nus da Prova

Parece desnecessrio dizer que a regra do nus da prova, preconizada (em linhas gerais) no art. 333, do Cdigo de Processo Civil, assenta-se em premissa objetiva, repartindo esse nus da seguinte forma: cumpre ao autor o nus da prova em relao aos fatos constitutivos de seu direito e ao ru o nus semelhante em relao aos fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor.

Antes de tratar da aplicao da regra em comento no regime do Cdigo de Defesa do Consumidor, convm apontar a maneira como esta regra vem sendo interpretada pela doutrina. Desnecessrio dizer que ao contrrio do que se pode pensar o direito brasileiro no impe o nus da prova quele que alega o fato. Independentemente de quem afirma o fato no processo, como visto acima, o nus probatrio a seu respeito distribudo segundo regras objetivas e fixas, de modo que se atribui ao autor esse nus em relao aos fatos constitutivos de seu direito e ao ru o nus referente prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor (CPC, art. 333). Deste modo, ainda que tenha o ru afirmado, em sua contestao, um fato constitutivo do direito do autor (como existente ou no), ou mesmo que tenha o autor apontado, em sua petio inicial, fato extintivo de seu direito (tambm como existente ou no), tais circunstncias no tm o efeito de alterar o onus probandi, incidindo, ainda assim, a regra objetiva nesse caso.

Por bvio, a grande questo que encerra esta forma de distribuio do nus da prova se liga exata caracterizao dos fatos que devem ser caracterizados como constitutivos do direito do autor e aqueles outros a serem tidos como extintivos, modificativos ou impeditivos daquele. O tema demanda estudo aprofundado, que no tem espao neste contexto. Todavia, pode-se dizer, de modo singelo, que a determinao desta qualidade da afirmao do fato se d com base na apreciao da norma a incidir no caso concreto. Assim, sero constitutivos os fatos que compem o substrato ftico da norma que gera o efeito pretendido pelo autor; a seu turno, sero modificativos, extintivos ou impeditivos os fatos que integram as normas modificativas, extintivas ou impeditivas, capazes de eliminar o efeito jurdico buscado pelo demandante.

Outro ponto que merece ser esclarecido liga-se natureza das regras que fixam a distribuio do nus probatrio entre as partes. Discute-se se corresponde esta disciplina a uma regra de procedimento indicando quem deve provar o que, no processo ou uma regra de julgamento designando como o magistrado deve julgar diante da falta de prova sobre certo ponto controvertido do processo. Embora conduzam a conseqncias similares, cada qual destas orientaes defende distinta opinio em relao funo e ocasio em que esta regra tem aplicao.

Para a primeira teoria (a que v na regra sobre nus da prova uma regra de procedimento), a disciplina em questo tem por finalidade reger a conduta das partes no processo, distribuindo entre elas o papel de trazer as provas para o processo. Assim, tocaria ao autor produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito e ao ru produzir a prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor. Se a regra em comento corresponde a uma normatizao de procedimento (das partes), ento indica a quem cabe a prova de que fato no processo. Sua funo, pois, de disciplinar quem tem a imposio de trazer a prova sobre certo fato ao processo e convencer o magistrado sobre a existncia (ou inexistncia) da alegao formulada sobre o ponto controvertido; evidentemente, em sendo isto verdade, a regra incide na fase inicial do processo, j que as partes devem saber, de antemo, quais provas devem trazer ao processo para que sua tese seja acolhida pelo magistrado. Se esta viso mais correta, ento as regras que distribuem o nus da prova destinam-se diretamente s partes, para comunicar-lhes como devem agir para ter sucesso no acolhimento de suas verses pelo juiz.

Para a outra viso existente a respeito do assunto, as regras de repartio de nus da prova so regras que se prestam no a determinar a conduta das partes mas a influir na forma do julgamento do juiz, caracterizando-se, pois, como regras de julgamento. Por outras palavras, a funo destas regras indicar s partes qual prova devem elas produzir, mas sim informar ao magistrado como deve ele julgar quando verifica no processo a ausncia de prova sobre certa afirmao de fato.

Esta viso se sustenta na premissa de que as partes tm direito prova e, conseqentemente, dever de produzir prova de modo que no se pode transmudar este direito em nus. Por outro lado, esta orientao no deixa de lado a constatao de que as partes tm, sempre, interesse em produzir provas, seja em relao aos fatos dos quais diretamente lhes resulta benefcio, seja no concernente inexistncia dos fatos que podem prejudicar-lhes (a chamada contra-prova). Mais que isso, esta concepo no se esquece de que, segundo a legislao atual, nem s as partes produzem prova no processo semelhante papel tambm desempenhado pelos terceiros, pelo Ministrio Pblico, quando atua como custos legis, e tambm pelo magistrado, que tem ativa e predominante funo na colheita de prova, como prev o art. 130, do cdigo.

Diante de todo este quadro, considera esta teoria que todos estes agentes partes, terceiros, Ministrio Pblico e tambm o juiz buscaro trazer provas para o processo, que objetivem o convencimento do magistrado a respeito dos fatos que interessam ao deslinde do litgio. Se, porm, concluda toda a instruo do processo, perceber o magistrado que certa afirmao de fato deduzida no est provada nos autos, nem por isso poder negar-se a julgar a causa. Ter de decidir a controvrsia, imputando o nus da ausncia de prova sobre aquela afirmao de fato a alguma das partes; para saber a quem este prejuzo deve ser atribudo que o juiz se valer das regras de distribuio do nus da prova. Na lio de CAPPELLETTI, le regole in tema di onus probandi hanno carattere rigorosamente sussidiario: esse, diversamente dalle regole sullonere di alegazione, non corrispondono ad un potere monopolistico di prova della parte onerata, e pertanto sono tali, che vengono in considerazione soltanto nella ipotesi di mancanza di prove, hanno insomma il fine ed effetto di render possibile al giudice di giudicare anche nelleventualit di mancanza di prove.

A funo da regra do nus da prova, pois, no seria a de disciplinar a conduta das partes, mas sim a de orientar o julgamento do magistrado. Sempre que o juiz, ao ser instado a decidir a controvrsia, no se sinta seguro em relao aos fatos (no vendo mais qualquer possibilidade de buscar prova a seu respeito), mantendo ainda assim o dever de julgar, dever decidir segundo os critrios atribudos pela regra de nus da prova. Assim, entender que o fato no existe em prejuzo do autor, se se tratar de fato constitutivo do direito deste; prejudicar, todavia, ao ru, quando a falta de prova se der sobre fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do demandante.

Parece que esta ltima opinio a que melhor se harmoniza com a orientao do Cdigo de Processo Civil atual. Em razo dos preceitos que orientam o sistema probatrio da legislao atual, enxergar nesta regra uma direo ao julgamento do magistrado. Afinal, no importa a origem da prova, a regra do nus da prova no probe a utilizao de uma prova oriunda por algum que no tenha o nus em seu aporte ao processo. Para o processo, importa apenas que a prova de certa afirmao de fato esteja ou presente; sua origem completamente irrelevante. Neste sentido, a regra do nus da prova visa a regular no os deveres das partes (ao menos de forma direta), indicando quem deve provar o que no processo, mas antes a forma como o magistrado deve julgar a causa diante da ausncia de prova de certa afirmao de fato. A regra, portanto, no incide no incio do processo, de forma a apresentar s partes como devem comportar-se, seno ao seu final, quando do julgamento da causa ou, excepcionalmente, em outro momento processual, por ocasio da anlise de alguma liminar requerida quando exauridas as formas de tentar obter a prova de todos os fatos relevantes ao processo. A regra de nus da prova, enfim, determinao voltada ao juiz, para apontar-lhe como deve julgar a causa e como deve considerar as afirmaes de fato diante da impossibilidade concreta de produzir-se prova sobre determinada alegao de fato.

Isto, todavia, no invalida a outra teoria a propsito da funo da regra do nus da prova. Na realidade, as duas teorias no so excludentes, mas complementares, representando apenas duas faces de um mesmo fenmeno. Se verdade que esta regra se dirige ao juiz, possvel tambm dizer que, indiretamente, ela se destina s partes. Afinal, ciente a parte de que a ausncia de prova sobre certa afirmao de fato poder vir em seu prejuzo, ter ela motivao suficiente para empenhar-se em produzir prova sobre aquele fato, de forma a evitar a supervenincia do gravame, caso os demais sujeitos do processo no tragam a prova ao processo. Alis, nesta linha de pensamento, seria mesmo correto concluir que quanto mais o processo se aproxima do princpio dispositivo (em que o juiz deve julgar estritamente secundum allegata et probata partium) tanto mais estas duas teorias se convertem em duas faces de uma mesma moeda; apenas quando o processo oferece maiores concesses para o princpio inquisitrio surge o interesse na contraposio das idias. Desta feita, se a regra tem em mira, primariamente, a figura do juiz, no se pode negar que ela exerce, de forma reflexa, influncia sobre a conduta das partes, j que o prejuzo da ausncia de prova de certas afirmaes de fato sempre recair sobre uma ou outra destas. Por este motivo, ainda que a incidncia desta regra apenas se opere ao final do processo, quando do julgamento da causa, conveniente ainda que no seja imperativo que o magistrado assinale s partes, com antecedncia, qualquer deciso sua a respeito de eventual modificao dos critrios de imputao deste nus, a fim de que as partes possam saber, ex ante, sobre quais afirmaes de fato devem empenhar-se em produzir prova.

Sublinhe-se que este aviso anterior (sobre a modificao do regime do nus da prova) conveniente, mas no obrigatrio para o juiz. Isto porque no se pode falar em leso ampla defesa e ao contraditrio em razo da modificao dos critrios do nus da prova, sendo a regra, naturalmente, destinada a incidir quando do julgamento da causa. No h leso a tais garantias constitucionais simplesmente pelo fato de que as partes no tm disponibilidade sobre as provas que detm e que so de interesse do processo; dever das partes apresentar todas as provas que possuem e que possam ter alguma importncia para o processo, como claramente decorre do dever de veracidade, estampado no art. 14, inc. I, do Cdigo de Processo Civil (e como ainda seria possvel extrair da interpretao a contrario sensu do art. 14, inc. IV, do mesmo diploma). No h, por isso mesmo, que se falar em surpresa da parte, diante da inverso do nus da prova em seu prejuzo; se ela no produziu a prova que poderia fazer, faltou ela com dever processual, no podendo esta omisso ser invocada em seu benefcio.

Calcado nestas premissas, possvel dizer que, se a regra do nus da prova dirige-se o magistrado, esclarecendo-lhe a forma de proceder diante da ausncia de prova, a manipulao desta regra pode, em no raras circunstncias determinar alteraes radicais na situao favorvel ou desfavorvel da parte diante do tema da prova. Com efeito, lidando com o regime do nus da prova, imputando-o por vezes a uma parte ou a outra, o ordenamento processual acaba por facilitar ou dificultar a posio da parte no processo, pois atribui a esta maior ou menor prejuzo pela ausncia de prova (ou, especialmente, de prova concludente e absoluta) das afirmaes de fato no processo.

Concluindo esta parte inicial, cumpre lembrar que a regra em comento no tem carter cogente. Ao contrrio, possui ela natureza dispositiva, de modo a permitir alterao de regime. Esta alterao, a propsito, pode decorrer da vontade das partes, mas tambm se subordina a inmeras outras formas. Mais que isso, a modificao da distribuio desta carga pode operar-se por determinao legal (como, alis, bvio), bem como por determinao judicial.

3. A Modificao do nus da Prova

Vrias circunstncias podem determinar a modificao do regime do nus da prova, exposta na forma do art. 333, do CPC. As condies para tanto so da mais diversa natureza, sendo que a classificao adiante exposta representa to-s tentativa de agrup-las em categorias mais ou menos homogneas, a fim de permitir tratamento mais didtico da questo.

Segundo estas condies, pode-se conceber quatro formas de modificao do regime do nus da prova: a convencional, a legal, a judicial e a necessria. Esta ltima, na verdade, poderia ser melhor colocada como subespcie da anterior (judicial), mas sua alocao em separado responde a particulares requisitos de sua incidncia e fonte constitucional de sua admisso.

Outro reparo que merece ser desde logo apontado diz com o termo inverso, geralmente empregado para tratar do tema aqui apreciado. Na realidade, no existe caso de inverso prpria do regime do nus da prova, j que esta deveria consistir em imputar ao ru o nus da prova dos fatos constitutivos do direito do autor e ao autor a carga da prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos de seu prprio direito. Ora, nenhuma hiptese existente no direito brasileiro contempla semelhante previso, de modo que no se deve falar, ao menos propriamente, em inverso do nus da prova. O que existe, sempre, uma modificao no regime tradicional do nus da prova, de forma a imputar a (falta de) prova de determinados fatos de maneira diferente daquela realizada pela regra do art. 333, do CPC. As situaes estudadas, portanto, limitar-se-o a distribuir, de forma diversa do regime padro, o nus da prova entre os sujeitos do processo, pelas vrias circunstncias que sero, a partir de aqui, examinadas.

3.1. A Modificao Convencional

A primeira forma de modificao do nus da prova a convencional. Esta, como se tem por evidente, a que resulta de conveno entre as partes. Como visto anteriormente, a regra do art. 333, do CPC, de cunho dispositivo, podendo ser livremente alterada (dentro de certos limites) pelas partes. Esta concluso ressai evidente da interpretao a contrario sensu do pargrafo nico do art. 333, em questo. Como esclarece este dispositivo, nula a conveno que distribui de maneira diversa o nus da prova quando: I recair sobre direito indisponvel da parte; II tornar excessivamente difcil a uma parte o exerccio do direito.

Ora, se apenas em tais casos proibida a conveno que distribua de forma diversa o nus da prova entre as partes, em todas as demais situaes esta conveno admitida. Trata-se, portanto, de verdadeiro negcio jurdico processual, admitido desde que satisfeitos os requisitos para a validade de qualquer negcio jurdico (agentes capazes, objeto lcito e forma admitida em lei).

Assim, desde que os sujeitos (partes) sejam capazes capacidade de ser parte e capacidade de estar em juzo e desde que intervenham neste acordo todas as partes que sero atingidas pela distribuio distinta do nus da prova, vivel realizar-se esta modificao. Sublinhe-se, todavia, que este acordo poder, eventualmente, ser invocado para afastar os efeitos da possvel sentena desfavorvel por terceiros prejudicados, ainda que intervenientes no processo, quando, por sua incidncia, a defesa dos interesses destes terceiros puder vir a ser afetada. Em tais casos, demonstrando a ocorrncia do prejuzo em decorrncia desta modificao convencional do nus da prova, o terceiro poder afastar o efeito de interveno (art. 55, inc. I, do Cdigo de Processo Civil), exigindo reapreciao judicial de suas alegaes.

Quanto licitude do objeto para este negcio processual tem-se que qualquer causa, ressalvadas as hipteses apresentadas no pargrafo do art. 333, autoriza a elaborao deste acordo. Tambm no permitem a elaborao desta modificao as relaes de consumo, sempre que esta inverso venha em prejuzo do consumidor (art. 51, inc. VI, do Cdigo de Defesa do Consumidor). Outrossim, no admitem modificao do nus da prova as situaes em que normas ditadas no interesse pblico (e, portanto, de carter cogente) atribuem o nus de certa prova a algum. Como se est, aqui, diante de regra de contedo impositivo (inafastvel pela vontade das partes), obviamente no ter cabimento a modificao convencional do nus da prova nestes casos. Desse modo, sempre que, por exemplo, existir regra que fixe presuno legal relativa em relao a determinado fato, sendo esta regra caracterizada como de ordem pblica, no ser admissvel a alterao de seu contedo, atravs da manipulao convencional do nus da prova.

Em relao, finalmente, forma da modificao convencional, a lei no impe modo pr-determinado. Admite-se, pois, que esta modificao seja veiculada por qualquer forma. Poder esta conveno ser realizada dentro do processo ou fora dele; poder ela constar de contrato, como clusula especfica (a fim de prevenir futura demanda, ou facilitar a condio de uma das partes nesta), ou poder ser objeto de pacto especfico; poder versar sobre vrias afirmaes de fato ou apenas sobre algum dos pontos do processo. No h, enfim, limite formal para esta conveno.

Poder-se-ia cogitar, eventualmente, de requisito formal especfico para a conveno sobre nus da prova naqueles casos em que a lei material exige certa forma para atos jurdicos (a exemplo dos arts. 108, 1.369, 1.653, 1.793 e 2.015 do Cdigo Civil atual). Em tais casos, seria possvel pensar que, como a lei exige a escritura pblica para a validade do negcio jurdico a respeito de tais matrias, a mesma forma seria exigvel para a conveno a respeito do nus da prova. No parece, todavia, adequada esta concluso.

Na realidade, a conveno que aqui se estabelece sobre a prova de afirmao de fatos. No h qualquer disposio a respeito dos direitos envolvidos (para cuja disposio se exige a forma especfica). No tem, portanto, cabimento estender o requisito de validade dos negcios jurdicos a respeito de tais direitos para abranger tambm o negcio jurdico processual, incidente sobre a prova de afirmao em relao queles atos. H, portanto, liberdade de forma sempre no que diz respeito a esta conveno.

A nica ressalva que se admite diz respeito a eventuais exigncias, feitas pelo direito material, em relao a clusulas como a aqui examinada. Exemplificativamente, tem-se a regra do art. 424, do novo Cdigo Civil, que determina que em contratos de adeso, tratando ou no de relao de consumo, so nulas as clusulas que estipulem a renncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negcio. Pode suceder que a clusula que modifique o regime do nus da prova conflite com o comando acima exposto. Nestes casos, obviamente, no ser ela admissvel.

Pontes de Miranda, argumentando sobre este preceito, considera que os prprios contratantes podem estabelecer que somente alienar algum bem mvel ou semovente, se a prova do depsito em pagamento foi em determinado banco, ou que s recebe cheque visado. Na verdade, parece no ser disso que o dispositivo trata. Todavia, a fixao de certo meio especfico de prova para a demonstrao de determinado fato em juzo como cogitado pelo autor, deve, realmente, ser admitida, ainda que sob fundamento distinto: no tem ela por base o pargrafo nico do art. 333 em comento, mas sim a apreciao dos requisitos formais do negcio jurdico celebrado entre as partes (a respeito do direito material).

3.2. A Modificao LegalA modificao legal decorre, como o prprio nome indica, de expressa determinao inserida em texto legislativo. Neste caso, a lei claramente estabelece outro regime (distinto do critrio apresentado pelo art. 333, do Cdigo de Processo Civil) de atribuio do nus da prova, de forma a facilitar a situao processual de alguma das partes no processo. Tal o caso da previso contida no Cdigo do Consumidor (art. 6o, inc. VIII), em que expressamente se contempla a inverso do nus da prova em benefcio do consumidor, como tcnica de facilitao da defesa de seus direitos. Da mesma forma, apresenta-se esta figura na idia que subsidia as presunes legais (especificamente as relativas). A previso de uma presuno legal relativa nada mais faz do que colocar alguma das partes em situao de privilgio, atribuindo ao seu adversrio a demonstrao de que o fato presumido no se operou.

3.2.1. O Regime do nus da Prova no Cdigo de Defesa do Consumidor

a) Observaes gerais

O Cdigo de Defesa do Consumidor aplica amplamente a tcnica de manipular o regime do nus da prova. Em vrios preceitos se encontra alterao em relao ao regime padro (estabelecido pelo Cdigo de Processo Civil), o que se explica em razo da peculiaridade das relaes sujeitas a este estatuto. A ateno deste trabalho se focar apenas em razo da limitao imposta por estas curtas linhas na regra do art. 6o, inc. VIII, desta lei, por se tratar do preceito geral de modificao do regime do nus da prova e por ser aquele que mais dificuldade tem apresentado atuao prtica.

Como cedio, de acordo com este preceito, autoriza-se ao magistrado a inverso do nus da prova sempre que presente ou a hipossuficincia do consumidor, ou a verossimilhana de sua alegao. Nestes casos, poder o magistrado atribuir ao fornecedor a prova de fatos que, normalmente, estariam na incumbncia do consumidor ou, na outra viso do assunto, impor quele o nus da no-prova de certos fatos cuja falta normalmente redundaria em prejuzo ao consumidor.

No se trata, frise-se desde logo, ao contrrio do que parece exsurgir da redao explcita do dispositivo mencionado, caso de inverso do nus da prova. A inverso conduziria a que se imputasse ao ru a prova do fato constitutivo do direito do autor (em verdade da ausncia deste), e ainda ao autor a prova da ausncia de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos da pretenso por ele mesmo deduzida. Obviamente, no isto o que ocorre. Em verdade, o que a legislao autoriza a distribuio diferenciada do nus da prova, de modo a facilitar a defesa do consumidor em juzo, atribuindo ao fornecedor o nus da prova de fatos que, normalmente, no lhe competiriam.

A regra em comento tem incidncia, porque rege o julgamento da causa e no o procedimento das partes, e como, alis, j parece estar claro da exposio antes realizada, apenas por ocasio da prolao da sentena ou, excepcionalmente, quando da avaliao de alguma tutela liminar (cautelar ou antecipatria) cabvel. De fato, somente nesta ocasio, em que o magistrado solicitado a decidir a controvrsia (provisria ou definitivamente), dever ele avaliar a prova presente nos autos e impor o nus da falta de prova relevante para o processo a alguma das partes. O tema j foi versado anteriormente, razo pela qual, diante da falta de ulteriores particularidades, dispensa maiores comentrios.

Note-se ainda e parece que isto fundamental que a modificao do nus da prova, como afirmado pelo Cdigo de Defesa do Consumidor nada mais que um reflexo do princpio fundamental deduzido no seu art. 6o, VIII. Ou seja, a garantia expressa no preceito em exame no , verdadeiramente, a modificao do nus da prova, mas sim a facilitao da defesa dos interesses do consumidor em juzo, sendo a tcnica da modificao do onus probandi apenas uma forma de atingir este objetivo.

Assim, tudo aquilo que se for especular a respeito da aplicao desta regra deve considerar essa premissa maior a facilitao da defesa do consumidor sendo invivel extrair da norma qualquer coisa que afronte essa finalidade. Por outro lado, sendo essa a garantia, nem sempre ser suficiente a modificao do nus da prova, podendo o magistrado buscar outras solues para facilitar a defesa dos interesses do consumidor em juzo. Parece que este dado deve ser sempre considerado quando se examina o preceito em questo: a sua finalidade de simplificar a condio do consumidor em juzo, sendo que desta premissa deve decorrer qualquer interpretao que se extraia da regra.

Por outro lado, e aqui se est diante de imposio constitucional, esta facilitao da defesa dos interesses do consumidor em juzo no pode dar-se em detrimento da possibilidade de defesa do fornecedor. Vale dizer que esta facilitao, imposta pela lei, jamais poder importar em sacrifcio ao direito de defesa da outra parte. Sempre, assim, que esta facilitao (inclusive pela tcnica da modificao do nus da prova) importar em tolhimento concreto do direito da outra parte em apresentar suas razes, a aplicao do comando em questo no pode ser admitido, pois viola regra maior, inscrita no texto constitucional.

Alis, por esta especfica razo, que normalmente a modificao do nus da prova no se d em relao ao elemento dano da responsabilidade civil, limitando-se ao nexo causal e, eventualmente, culpa (sendo, porm, que tambm a estes dois elementos o raciocnio a seguir pode ser aplicado). Ora, sabido que o fornecedor no tem ao menos normalmente condio de provar a inexistncia de dano sofrida pelo consumidor, mesmo porque no se prova a inexistncia de um fato. Impor, assim, esta prova ao fornecedor (com base no art. 6o, inc. VIII, em questo, ainda que presentes os pressupostos nos limites do que se ver adiante) inviabilizar a defesa de seus interesses, agindo de forma manifestamente inconstitucional. Haver, portanto, sempre, de buscar um equilbrio entre estes dois princpios, j que no se pode admitir que o acolhimento de um obscurea o outro.

b) As hipteses de modificao do nus da prova no regime das relaes de consumo

Conforme explicita o art. 6o, inc. VIII, do CDC, confere-se, como direito fundamental ao consumidor, a facilitao da defesa de seus direitos, inclusive com a inverso do nus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critrio do juiz, for verossmil a alegao ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinrias de experincia.

Haver, portanto, duas hipteses em que esta inverso ser admissvel: quando houver verossimilhana da alegao do consumidor ou quando for ele hipossuficiente. Note-se que o preceito legal prev situaes distintas, no se podendo aceitar a orientao que v a necessidade da conjugao de ambos os requisitos para a modificao em questo. De fato, h quem sustente que ser sempre necessrio que surja a verossimilhana da alegao do consumidor e a sua hipossuficincia (aliada quela). A tese no pode ser admitida, j que o texto legal claro em exigir apenas uma das situaes descritas sendo invivel, at mesmo para atender ao esprito do preceito, exigir-se a conjugao de ambos os requisitos. Por outro lado, como se ver a seguir, apenas uma das hipteses descritas corresponde, efetivamente, a situao em que haver modificao do critrio do nus da prova.

Examinando os casos em que se admite a modificao em questo, observa-se que a primeira situao admitida pela lei diz respeito verossimilhana da alegao do consumidor. Precisamente aqui reside a hiptese que no corresponde, verdadeiramente, a caso de modificao do nus da prova.

Por esta hiptese, eventualmente, pode suceder que, ao final do processo, quando da ocasio propcia para o julgamento do processo, apesar da prova produzida pelas partes, no tenha o magistrado chegado a convico de certeza em relao s afirmaes das partes (convico de certeza). Diante desta incerteza, o caminho natural seria o de aplicar a regra do nus da prova, imputando o prejuzo decorrente da incerteza a uma das partes do processo (segundo o tipo de fato ainda tido como obscuro, como visto anteriormente). No obstante isso, pode-se ter que o magistrado, ainda que no esteja seguro (certo) a respeito dos fatos, considere provvel que, diante das provas dos autos, a verso apresentada pelo consumidor seja verdadeira (ainda, repita-se, que no se tenha, nos autos, provas conclusivas neste sentido). Trata-se, pois, de situao em que est presente a plausibilidade de que as afirmaes do consumidor sejam procedentes, ainda que no exista prova definitiva e inequvoca que possa subsidiar esta concluso. Neste caso, impedido que est o juiz de decidir-se pela ausncia de clareza dos fatos (non liquet), dever ele julgar a causa, em definitivo, calcado exclusivamente em juzo de probabilidade, modificando o nus da prova em benefcio do consumidor que apresenta a plausibilidade do fato, em detrimento do fornecedor, que no foi capaz de abalar tal concluso, demonstrando ser improvvel a ocorrncia dos fatos afirmados. Assim, em se tratando de relao de consumo, est o juiz autorizado a julgar a causa definitivamente fundado em simples juzo de aparncia, desde que esta aparncia beneficie o consumidor. Ante a impossibilidade de formar juzo concludente de certeza, poder a sentena da causa estar lastreada em probabilidade, desde que esta venha em benefcio do consumidor, e considerando que o fornecedor no tenha conseguido demonstrar que a tese por aquele apresentada improvvel.

Esta hiptese de modificao do regime do nus da prova, em verdade, consiste na aplicao direta do princpio da preponderncia, concebido pelo direito escandinavo e de utilizao corrente na doutrina alem. Por este princpio, a modificao do nus da prova no se d exclusivamente quando se altera a regra que imputa este nus ao autor (quanto ao fato constitutivo de seu direito) ou ao ru (quanto aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor); ao contrrio, a presena de alguma prova mnima j capaz de alterar este regime do nus probatrio, de forma a imp-lo sobre a parte adversria, liberando a parte a quem beneficia este mnimo probatrio at que a preponderncia da prova esteja ao lado da parte contrria (verossimilhana preponderante).

A situao em questo, portanto, trata em verdade da aplicao do princpio da verossimilhana preponderante, impondo ao magistrado que diante deste caso, e apenas quando isso beneficiar o consumidor possa o juiz afastar a regra do nus da prova (que impe critrios objetivos para a imputao deste nus), atribuindo o prejuzo da dvida judicial parte que tem sua tese improvvel, a fim de proteger a tese provvel.

Como dito, no h propriamente aqui aplicao de qualquer tcnica de modificao do nus da prova. Se a regra do nus da prova uma regra que se destina ao juiz para dizer a ele como julgar em caso em que no atinja juzo conclusivo (convico de certeza) a respeito de como as coisas aconteceram, claro que em havendo verossimilhana (que beneficia a alegao do consumidor) a soluo j est feita pelo prprio caso concreto. O juiz, crendo que o consumidor tem razo, deve considerar o fato em favor do consumidor, j que sua dvida embora existente tende contra o outro plo do processo. Sequer haveria sentido, a propsito, em sustentar que, neste caso (estando o magistrado mais propenso a considerar existente o fato de interesse do consumidor, embora no esteja certo a este respeito) desconsidere toda esta convico (apenas porque no de certeza) para privilegiar o fornecedor. No h qualquer racionalidade que explique a tutela do interesse improvvel, com o sacrifcio do interesse provvel, somente por conta da preservao de um princpio que se presta, apenas, como orientao ltima deciso judicial.

De toda sorte, e deixada de lado a forma como deve ser encarada esta hiptese, a verossimilhana em questo deve ser apurada, dentro do Cdigo do Consumidor, segundo os critrios ditados pelas mximas da experincia. Estas mximas so juzos hipotticos, a priori em relao ao fato ocorrido, baseadas na normalidade, na experincia em relao a certo estado de coisas. Haver, assim, uma alegao verossmil pelo consumidor nos moldes exigidos pelo CDC, sempre que este fizer uma afirmao que, segundo as regras da experincia comum ou cientfica, possa ela ser plausvel ao magistrado. A presena desta plausibilidade justifica que a situao do consumidor deva ser privilegiada em detrimento da posio do fornecedor. No se justifica, como dito anteriormente, impor ao magistrado que decida a favor da tese que lhe parea improvvel (sacrificando o direito que se lhe apresenta provvel) apenas para fazer prevalecer regra de carter nitidamente subsidirio.

A previso em questo, na realidade, tem por objetivo simplesmente dizer que o magistrado no tem a obrigao de julgar, sempre, fundado em certeza a respeito dos fatos da causa. Eventualmente, quando a natureza do direito (ou as circunstncias da causa) no permitir a elucidao dos fatos, estar o juiz em razo da norma em comento autorizado a julgar apenas com base em aparncia (em verossimilhana), sem que possa o magistrado exigir do consumidor a demonstrao exaustiva (com carga de certeza) a respeito da existncia do direito (ou melhor, dos fatos) por ele afirmado.

A segunda hiptese em que se admite a modificao (e aqui se est, efetivamente, diante de caso de modificao da regra em questo) do nus da prova a da hipossuficincia do consumidor. Embora a questo tenha hoje menor importncia (dado que a opinio majoritria j se fixa em determinado sentido), discutiu-se muito no passado a respeito da caracterizao desta hipossuficincia. Alguns autores, com o surgimento do Cdigo de Defesa do Consumidor, entendiam que a hipossuficincia de que ali se falava era econmica, ou seja, pautada segundo critrios de predominncia econmica do fornecedor em relao ao consumidor. O raciocnio indicava que, porque o consumidor poderia ser, economicamente, menos forte que o fornecedor, nestes casos seria admissvel que esta inferioridade fosse compensada por um privilgio processual. Assim, a hipossuficincia a que alude o cdigo ocorreria sempre que o consumidor estivesse em desvantagem econmica em relao ao fornecedor o que justificaria tratamento diferenciado no processo, com a modificao do nus da prova em benefcio do consumidor. A modificao do nus da prova, ento, visaria a reequilibrar a situao de desequilbrio apresentada pelas partes no processo.

Fundada, alis, nessa noo a propsito do critrio, parte importante da doutrina (acompanhada por diversas decises judiciais) admitiram embora hoje a questo se tenha pacificado em sentido contrrio a inverso no do nus da prova, mas sim da despesa da prova tcnica. A base deste pensamento sustenta-se exatamente no pressuposto de que, diante de hipossuficincia econmica, o grande problema existente diz respeito capacidade da parte em enfrentar as despesas processuais; tratando-se a despesa da prova tcnica um dos custos mais vultosos do processo, impor o nus de arcar com este valor ao fornecedor (e no ao consumidor, ainda que este requeira a prova pericial) poderia, por si, resolver o problema da parte. Obviamente, a soluo alvitrada anteriormente no era adequada a atender aos objetivos pretendidos. A uma, porque, embora o custo da prova pericial seja, muitas vezes, caro, no esta a nica despesa significativa realizada pela parte que, ademais, dispe da Lei de Assistncia Judiciria Gratuita (Lei n. 1.060/50) para tratar desta situao de carncia de recursos para fazer frente demanda. A duas, porque a modificao do nus da despesa da prova sem a conseqente modificao do nus da prova no tem qualquer repercusso benfica ao consumidor. De fato, considerando que o no pagamento das despesas com a prova pericial implica a no realizao da prova, se no h modificao do nus da prova, o fato (que deveria ser provado e que, no caso, interessa ao consumidor) permanece inexistente; e, aplicando a este fato inexistente o regime normal de nus da prova (que, ento, no foi modificado) o prejuzo da no-prova incidir sobre o consumidor. V-se, ento, que a medida no soluciona, de modo algum, o problema do consumidor, ao menos da forma como , comumente, aplicada.

Isto no significa dizer que a imposio do custo da prova pericial ao fornecedor seja invivel. Com efeito, parece que a medida em comento til e deve ser aplicada pelo Judicirio, como a seguir se ver. Apenas vale sublinhar que a imposio ao fornecedor do dever (e no mais nus) de adimplir com os custos da prova tcnica no tem qualquer relao com o tema da modificao do nus da prova.

De fato, parece que sempre vivel que o juiz imponha ao fornecedor desconsiderando a regra do art. 33, do Cdigo de Processo Civil o dever de pagar as despesas com a prova pericial. Esta deciso haver de considerar (e o ponto foi sublinhado no incio deste trabalho) justamente o princpio acolhido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, que busca facilitar a defesa do consumidor em juzo (art. 6o, inc. VIII, em sua parte inicial). Ora, se este o princpio e se esta facilitao pode ser apresentada, diante do caso concreto, simplesmente com a atribuio do dever de pagar as despesas da prova pericial ao fornecedor esta medida ser apta (e suficiente, sendo ento desnecessrio modificar-se o nus da prova) a satisfazer a inteno da lei. No caso, a questo se reflete exclusivamente na alterao do regime das despesas processuais, sem qualquer envolvimento com o tema do nus da prova.

De todo modo, diante deste caso, logicamente no se cogita de dispensar a prova se no pago o seu valor. Ao contrrio, tratando-se de imposio de dever, tocar ao magistrado tomar providncias especialmente aquelas indicadas pelos arts. 14, pargrafo nico, 17, 461 e 461-A para obter a satisfao de sua ordem dirigida ao fornecedor. Ou seja, havendo esta imposio do dever de antecipar as despesas com a prova tcnica, dever o magistrado assegurar-se de que o fornecedor cumprir a determinao judicial, sob pena de incidir nas conseqncias (civis, criminais e processuais) adequadas. A prova pericial, de toda sorte, dever ser realizada j que no houve modificao do nus da prova sem prejuzo de considerar o magistrado que a conduta renitente do fornecedor (em no antecipar o valor das despesas) possa importar em argumento de prova em seu desfavor (podendo-se aplicar, analogicamente, espcie, a previso do art. 232, do Cdigo Civil de 2002).

A maioria dos autores da atualidade, que tentam encontrar a adequada definio da hipossuficincia considerada pelo CDC, conclui que esta exigncia refere-se chamada hipossuficincia tcnica. O termo significaria que, em certas ocasies, o consumidor no teria acesso s mesmas informaes que o fornecedor tem, o que coloca aquele em situao de desvantagem em relao a este. Realmente, cumpre considerar que o fornecedor, no raro, por conhecer a forma como foi realizado o servio ou elaborado o produto, por entender melhor o funcionamento do produto ou as complexidades da prestao do servio, est em melhores condies de verificar em que ponto pode ter ocorrido o problema narrado pelo consumidor. Haver, nestas situaes, evidente favorecimento condio do fornecedor que, por dominar a forma da prestao do servio ou do produto, encontra-se em vantagem (sob o ponto de vista probatrio) em relao ao consumidor. Esta vantagem, por seu turno, muitas vezes, pode dificultar sobremodo (quando no inviabilizar) a proteo do consumidor, j que este pode no ter condies de demonstrar a validade de sua tese justamente por no dispor daqueles dados, que esto no domnio do fornecedor.

A inteno do preceito em exame , segundo esta tica, atender, justamente, a estas situaes. Havendo esta manifesta vantagem (em termos de prova) do fornecedor em detrimento do consumidor, justifica-se que se atribua quele o nus da prova, em relao ausncia de qualquer defeito no produto ou no servio. Se o fornecedor tem maior facilidade em produzir a prova desta ausncia tendo, ademais, assumido o risco da fabricao do produto ou da prestao do servio razovel atribuir-se a ele a imposio de produzir a prova ou, ao menos, arcar com a dvida judicial (resultante do no esclarecimento) a respeito do assunto.

Segundo esta viso da hipossuficincia, sua funo seria a de permitir a distribuio dinmica do nus da prova, imputando-o a quem tem maior facilidade na produo da prova. Se esta parte que tem acesso privilegiado prova do fato (de sua existncia ou no) no elimina a dvida judicial a respeito do tema, justo que se lhe impute o prejuzo decorrente da no-prova.

Seja como for, no obstante toda a discusso travada a respeito da espcie de hipossuficincia que autoriza a aplicao do dispositivo (se tcnica ou econmica) o fato que talvez a melhor interpretao a ser dada ao requisito seguindo-se, nesse passo a lio de Watanabe e Ceclia Matos seja a mais ampla, que abranja as duas vises a propsito do tema. O princpio, afinal, a facilitao da defesa do consumidor em juzo e neste contexto, quando o consumidor estiver em grau de fragilidade, quer econmica, quer tcnica, quer de qualquer outra natureza, no af de facilitar a sua defesa no processo restabelecendo a igualdade substancial quebrada pela desigualdade concreta e especfica do caso entre consumidor e fornecedor justifica-se a modificao do regime do nus da prova. Desta feita, sempre que o magistrado considerar presente alguma disparidade entre a situao do consumidor e do fornecedor (desfavorvel ao primeiro), de qualquer espcie que seja, dever aplicar a regra em exame, a fim de restabelecer a igualdade substancial entre as partes, que desejvel no processo.

c) Momento da modificao do nus da provaRelativamente ocasio em que deve o magistrado modificar a regra do nus probatrio, discute, ainda hoje, intensamente a doutrina. H quem pense que a determinao desta inverso deva dar-se anteriormente concluso da instruo da causa, normalmente na audincia preliminar (ao mesmo tempo em que o magistrado decide que provas admitir art. 331, 2o). Outros pensam que somente na sentena deve o juiz aplicar o comando do art. 6o, inc. VIII, do Cdigo de Defesa do Consumidor, modificando o nus da prova.

Sustentando a primeira orientao, pondera Carlos Roberto Barbosa Moreira: em que instante deve o juiz determinar a inverso do nus da prova? No, certamente, no de sentenciar, pois a j no mais haveria oportunidade de o fornecedor produzir outras provas: se a este, em decorrncia da inverso, se transferiu o nus de demonstrar fatos ento, o rgo judicial h de lhe conceder a chance efetiva de desincumbir-se do encargo, que antes inexistia. Por isso, ao juiz no se permite inverter o nus da prova, para beneficiar o consumidor, seno em etapa do procedimento que ainda comporte a produo de provas. O correto ser que o juiz ordene tal inverso antes do incio da fase instrutria, fixando, precisamente, os fatos que o fornecedor dever provar.

J no sentido de que a modificao do nus probatrio deve ocorrer na sentena, tem-se, dentre outros, a orientao de Nelson Nery Jr. Para este, as regras sobre a distribuio do nus da prova so regras de juzo, de sorte que caber ao juiz, quando do julgamento da causa, agir de acordo com o procedimento autorizador do art. 6o,VIII. Elas orientam o magistrado quando h um non liquet em matria de fato. Caso haja nos autos prova dos fatos constitutivos do direito do autor, normalmente o juiz dever julgar a demanda a favor deste. Quando esses fatos no estiverem provados, cumprir ao juiz verificar se o consumidor hipossuficiente ou se suas alegaes fticas so verossmeis. Em caso afirmativo, dever verificar se o fornecedor fez a prova que elide os fatos constitutivos do direito do consumidor. Na ausncia desta prova (non liquet), julgar a favor do consumidor.

Em verdade, como se pode observar das duas opinies transcritas, toda a polmica orbita na compreenso que se tem da funo da regra sobre o nus da prova. Para quem v neste comando uma regra de procedimento dirigida s partes para informar seu procedimento em matria de prova soa absurda a idia de que a modificao do nus possa dar-se em sentena. J para aqueles que compreendem esta regra como preceito de julgamento que informa ao magistrado como deve julgar em caso de dvida a nica concluso natural aquela que entende que a aplicao da modificao deve ser feita na sentena.

Diante do que restou dito inicialmente, parece mais adequado entender que o sistema processual brasileiro v na regra sobre o nus da prova uma regra de julgamento, de modo que a modificao do onus probandi realmente s pode dar-se por ocasio da prolao de decises judiciais. De fato, se certo que a regra em questo informa ao magistrado como deve decidir em caso de dvida, somente na oportunidade em que proferir deciso proceder ele a avaliao de seu convencimento. Somente a poder ele verificar encontrar-se em dvida em relao a certo fato, de modo que, apenas nesta oportunidade, haver espao para aplicar a regra do nus da prova, modificada ou no por critrios particulares, como aquele previsto no art. 6o, inc. VIII, do Cdigo de Defesa do Consumidor.

A dificuldade na aceitao dessa opinio por parte do restante da doutrina decorre, como se v da passagem descrita acima, no incio deste tpico, da suposio de que a defesa do fornecedor pode ser surpreendida com o anncio, apenas em sentena, da modificao do onus probandi. O receio, porm, se assenta em premissas falsas, de modo que no justifica, realmente, a adoo de posio diversa.

Com efeito, aqueles que acreditam que a modificao em sentena do nus probatrio importaria em violao da garantia de defesa do fornecedor por ser este surpreendido com uma alterao subseqente das regras do jogo no notam que o interesse em produzir prova no tem qualquer relao direta com a regra do nus da prova. Como lembra Carnelutti, enquanto o interesse em afirmar o fato unilateral, porque cada parte s tem interesse em afirmar os fatos que do causa ao atendimento sua posio processual (pretenso ou exceo), el inters em cuanto a la prueba es bilateral, ya que una vez afirmado un hecho, cada una de las partes tiene inters en proporcionar la prueba acerca del mismo: una tiene inters en probar su existencia y la otra su inexistencia. La experiencia del proceso muestra ejemplos de este doble inters en anttesis, en el concurso de la prueba y de la contraprueba. De fato, se o autor tem interesse na prova da existncia do fato constitutivo de seu direito, o ru tem o mesmo interesse na prova da inexistncia deste fato.

No h, portanto, surpresa a ser alegada pelo fornecedor sob a suposio de que no lhe fora oferecida oportunidade para produzir prova a respeito do fato. A oportunidade existiu, tinha ele interesse nesta prova, mas preferiu, ainda assim, deixar de produzi-la. Considerando ainda que a modificao do nus da prova uma possibilidade nas relaes de consumo, de se ter que o fornecedor sabia (anteriormente) que esta sua inao poderia, no futuro, comprometer a defesa de sua tese. No h, portanto, que se pensar em surpresa, ou em prejuzo ao fornecedor.

Note-se que a aplicao da presuno decorrente do nus da prova (modificado ou no) nem sempre se dar exclusivamente na sentena. Em verdade, sempre que o magistrado for instado a proferir deciso a respeito do mrito da causa, poder ele, em havendo dvida insupervel, recorrer diretriz posta na regra do nus da prova (seja em sua verso normal, seja com as alteraes aqui examinadas). Assim, tambm quando o magistrado houver de examinar pedido de antecipao de tutela ou, ainda, de medida cautelar (embora o mrito desta no se confunda com o da ao principal) poder pautar-se nos critrios a respeito do nus da prova para formar sua deciso. Tambm nestes casos, portanto, poder o magistrado, em havendo dvida invencvel (que no possa ser superada com o recurso, usado como regra em tais situaes, da verossimilhana preponderante) recorrer aos critrios do nus da prova (modificado ou no pelos critrios do Cdigo de Defesa do Consumidor) para sustentar sua deciso.

3.2.2. As Presunes Judiciais relativas

Como dito anteriormente, outra tcnica de modificao legal do nus da prova consiste nas chamadas presunes legais relativas. Estas, como se sabe, fixam previamente uma verdade a respeito de certo fato, que deve ser aceita pelo julgador salvo se existir prova em contrrio. Estas regras funcionam, ento, como uma orientao ao julgador para que, estando em dvida a respeito da existncia ou no de certo fato, conclua sempre diante da falta de prova suficiente a seu respeito no sentido indicado pelo legislador na norma que estabelece a presuno.

Assim, as presunes se colocam no lugar da regra do art. 333, do Cdigo de Processo Civil, como guia para o magistrado que est em dvida a respeito de determinado fato. Ao invs de aplicar ele a diretriz da distribuio do nus da prova (art. 333, do Cdigo de Processo Civil), utilizar ele do preceito que especifica a presuno.

Nesse sentido, as regras que estabelecem presuno legal relativa no assim as absolutas, j que nestas a existncia de prova em contrrio totalmente irrelevante para a fixao da verdade a respeito do fato - podem importar em verdadeira modificao do regime padro do nus da prova. Eventualmente, claro, as presunes harmonizam-se exatamente com as diretrizes do nus da prova estabelecidas regularmente. Todavia, quando assim no acontecer, configuraro elas a regra suplementar a ser aplicada pelo magistrado no lugar do comando expresso pelo art. 333, do Cdigo de Processo Civil que guiar a deciso judicial no caso de dvida a respeito de certo fato.

As presunes relativas, ento, derrogam o regime do onus probandi, impondo outra distribuio deste nus entre as partes do processo. A ausncia de prova em relao a determinado fato, que prejudicaria originalmente uma das partes do processo, poder em virtude da existncia da presuno, vir a ser tomada em prejuzo de seu adversrio.

3.3. A Modificao Judicial

Denomina-se judicial a modificao operada por interveno direta da atividade jurisdicional. Aqui, a tnica que causa a distinta aplicao da regra do art. 333, do Cdigo de Processo Civil, est na manipulao pelo juiz dos elementos sua disposio.

Nesse sentido, tambm produz reflexo sobre o regime normal do nus da prova a chamada presuno judicial (praesumptiones hominis). Semelhante presuno legal, aqui tambm se tem a inferncia do acontecimento de um fato, sem que haja prova real de que ele tenha ocorrido. Essencialmente, porm, a distino entre as duas formas de presuno est em que, na legal, a concluso da existncia do fato decorre de atividade do legislador, enquanto na judicial, o magistrado quem conclui pela ocorrncia do fato probando.

Realmente, as presunes judiciais (prova indiciria) partem do conhecimento de certos fatos para que possam ser concludos outros, aos quais, normalmente, aqueles primeiros esto associados. Ou seja, partindo-se da convico de ocorrncia de um certo fato (indcio), pode o juiz, por raciocnio lgico, inferir a existncia de outro fato (objeto a ser provado), j que, comumente, um decorre do outro ou devem, ambos, acontecer simultaneamente.

Evidentemente, no exame da prova indiciria h concreta e relevante aplicao das mximas da experincia (comum e tcnica), j que com base nesta experincia (quod plerumque accidit) que se autoriza a concluso de que, pela ocorrncia de um fato se pode deduzir a existncia de outro.

Recorrendo s palavras de PROTO PISANI, estas provas indicirias consistem no raciocnio pelo juiz, uma vez adquirido atravs de fontes materiais de prova (ou mesmo atravs do notrio ou em seqncia da no contestao) o conhecimento de um fato secundrio, dirigido a deduzir deste a existncia ou no do fato principal ignorado.

O conhecimento do fato probando resulta de uma inferncia lgica, formulada pelo magistrado a quem submetida a causa, a partir do conhecimento de outro fato que se prova nos autos e ao qual, normalmente, a ocorrncia daquele primeiro est ligada. H, ento, um fato secundrio (externo causa de pedir, no pertencente ao material ftico da demanda) provado e, por sua ocorrncia, se extrai a conseqente existncia (ou inexistncia) do fato primrio (pertencente causa de pedir e cuja afirmao efetivamente consubstancia objeto de prova), em cuja prova se tinha, efetivamente, interesse. Este juzo possvel diante de um critrio racional indutivo de normalidade ou de probabilidade lgica da coexistncia de ambos os fatos, norteado por critrios da experincia comum ou tcnica. Ou seja, tem-se, no cerne da figura, uma idia de silogismo: ocorrendo o fato A, sempre (ou, ao menos, normalmente) deve ocorrer o fato B; verificada a ocorrncia do fato A, ento tambm ocorreu o fato B. Ou, com maior apurao, na explicao de COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, existe um fato F, conhecido pelo juiz, que pode ser tido como premissa de uma inferncia I, fundada sob um critrio C (solidamente constitudo por mximas da experincia: [...]), a qual consente a atribui um grau G de correo assero pela qual o fato a prova FP verdadeiro ou falso.

Como fica claro da anlise dos esquemas apresentados, a adequao ou no da inferncia lgica est calcada na maior ou menor preciso das premissas utilizadas para subsidiar a concluso, ou seja, no grau de certeza que se tem da efetiva ocorrncia do fato secundrio e no grau de vinculao que existe entre a verificao deste e a conseqente e necessria existncia do fato primrio (ou, utilizando o esquema de COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, na consistncia do critrio C e, por via lgica, do grau G). , ento, a convico que se tenha na inexorabilidade da procedncia da ilao formulada que repousa o grau de credibilidade da presuno judicial.

Elemento indissocivel da idia desta presuno (judicial) a noo de indcio. Como visto, o princpio do raciocnio presuntivo calca-se na verificao concreta de outro fato (do qual se extrair a ocorrncia do fato principal). Este fato secundrio, cuja verificao possvel pelos meios probatrios normais, que se chama de indcio.

Finalmente, releva ponderar que o valor e a fora desta ilao assenta-se na capacidade que esta tenha de satisfazer os seus aspectos intensivo e extensivo. Pelo segundo critrio (extensivo), imprescindvel que a presuno seja apta a demonstrar a totalidade do fato probando (daquele fato principal, que se pretende provar). E, para satisfazer ao outro critrio (intensivo), depende o indcio da demonstrao de que daquele fato (indicirio) no pode decorrer outro fato que no seja aquele que se deseja provar. Sucede, ento, que a demonstrao, pela parte contrria, de que o indcio no cobre a totalidade do fato probando ou ainda de que daquele fato secundrio podem advir outros fatos que no apenas o fato principal, elemento suficiente para abalar a credibilidade da presuno formada e quanto mais forte se torna esta demonstrao, menos razovel se apresenta a presuno. Prosseguindo ainda neste raciocnio, possvel concluir que, por outro lado, os indcios podem somar-se quando todos convergem para a mesma concluso para reafirmar a adequao da ilao formulada.

Feitas estas consideraes a respeito da prova indiciria, cumpre examinar em que termos interfere ela na distribuio do nus da prova. certo que no se deve afirmar, com rigor cientfico, que as presunes judiciais alteram o nus da prova, pois no h qualquer imputao distinta deste nus entre as partes, em razo das provas indicirias.

Com efeito, a presuno judicial no se aplica da mesma forma que a diretriz do nus da prova, mas sua funo tambm atuar nas situaes de dvida do magistrado. De fato, no havendo para o juiz prova a respeito de fatos relevantes para o processo e vedando-se-lhe a recusa do julgamento diante da falta de clareza dos fatos (non liquet) dever ele servir-se de instrumentos que subsidiem sua deciso. A regra do nus da prova ser, sempre, a ltima a ser aplicada diante deste caso, devendo ser precedida de juzos calcados em verossimilhana preponderante, resultantes da prova indiciria.

Realmente, as presunes judiciais incapazes de gerar convico de certeza autorizam o magistrado a julgar com base em mera probabilidade. Estando ele em dvida a respeito de certo fato, e sendo invivel obter prova direta a respeito deste (capaz de gerar, eventualmente, convico de certeza), poder ele decidir em estado de dvida, pendendo sua deciso a favor de quem apresentou a afirmao mais provvel segundo os critrios dos indcios apresentados.

A prova indiciria, enfim, implica tcnica de facilitao da prova, simplificando a condio da parte (a quem o indcio beneficia) no processo.

De toda sorte, em virtude da existncia de prova indiciria, atribui-se parte contrria a demonstrao de que o liame lgico que liga ambos os fatos (o indcio e o fato probando) no suficientemente forte a ponto de fazer o magistrado considerar este ltimo como existente. Atribui-se, tambm, a prova da eventual inexistncia do fato probando, excluindo totalmente o nexo entre o indcio e aquele outro fato.

Nesse sentido e sem desconsiderar a observao acima feita pode-se concluir que, por meio das presunes judiciais, o sistema positivo opera deslocamento do regime normal de atribuio do nus da prova, j que permite a algum, mediante mera demonstrao de probabilidade da ocorrncia de um fato (pela comprovao da existncia de outro que quele se liga por vnculo lgico), liberar-se da carga da prova do fato, atribuindo ao adversrio a demonstrao de que o fato probando no ocorreu ou, pelo menos, de que a probabilidade de que ele no tenha ocorrido seja mais forte do que a possibilidade resultante do raciocnio de inferncia formado inicialmente.

3.4. A Modificao Necessria

Esta ltima modalidade de modificao do regime do nus da prova, em verdade, constitui uma derivao da figura anteriormente examinada (modificao judicial). Tambm aqui a modificao se opera pela atividade do juiz. Ao contrrio, porm, do que restou visto no item anterior, aqui existe verdadeiramente modificao do regime do onus probandi, imputando o magistrado o prejuzo da dvida a parte diversa daquela apontada pela regra do art. 333, do Cdigo de Processo Civil.

Assenta-se esta figura na interpretao constitucional do texto processual. Como bvio, o art. 333, do diploma processual, norma infraconstitucional que, portanto, deve conjugar-se ao texto da Lei Maior. Poder suceder, eventualmente, que a aplicao desavisada do art. 333 em questo venha a impossibilitar, ou, eventualmente, a dificultar sobremodo, a proteo de certo direito em juzo.

Imagine-se, por exemplo, situaes em que a parte autora no tem qualquer condio de trazer a juzo a prova do fato constitutivo de seu direito. Considerando que a falta de prova desta circunstncia implica, inexoravelmente, a rejeio de sua demanda, no h dvida de que, neste caso, a regra do nus da prova funciona como impeditivo para a proteo judicial do interesse invocado. Haver, ento, choque evidente entre o art. 333 em comento e o preceito contido no art. 5o, inc. XXXV, da Constituio Federal, na medida em que a existncia, no ordenamento jurdico infraconstitucional, daquela regra importa em excluso (indireta, mas existente, j que de nada adiante alegar a violao se no h forma de prov-la) da apreciao pelo Judicirio de leso ou ameaa a leso a direito.

Precisamente a reside esta ltima tcnica de modificao do nus da prova. No choque entre a previso processual e a garantia fundamental constitucional, por lgica deve esta prevalecer, afastando a aplicao do regime tradicional do nus da prova, previsto no art. 333, do cdigo processual. Impe-se, assim, uma interpretao conforme do texto apresentado pela legislao processual, a fim de que ele somente seja aplicado quando sua incidncia no vier a impedir (ou a dificultar excessivamente) a proteo de interesses. Desta forma, quando surgir, pela incidncia do art. 333, do Cdigo de Processo Civil, a impossibilidade de proteo de certo tipo de interesse porque invivel a produo da prova por parte de quem deveria traz-la (nus subjetivo) ou deveria suportar o prejuzo pela sua falta (nus objetivo) no poder ser esta regra aplicada, ficando ao talante do magistrado encontrar a distribuio do onus probandi segundo critrios que permitam a plena realizao da garantia constitucional.

Fundamentalmente, em duas situaes sente-se presente esta circunstncia, ao menos em grande parte dos casos: para as aes negativas (fundadas na inexistncia de certo fato) e para as aes voltadas para o futuro (ou seja, para a tutela inibitria).

Em relao a estas espcies de demandas, no difcil imaginar que o tema da prova (e, especificamente, a possibilidade de o autor produzir prova do fato constitutivo de seu direito) seja o principal obstculo proteo do interesse deduzido em juzo. Imagine-se, por exemplo, que aquele que afirma leso futura, a ser praticada por algum, muitas vezes no tem como demonstrar a presena de concreta ameaa a seu direito, porque, talvez, a ameaa do ru no se exterioriza em atos materiais ou, ao menos, no deixa vestgios no mundo concreto (capazes de constituir prova). Ainda assim, pode ser que a ameaa exista de fato, no resultando de mera conjectura do interessado. Certamente, deixar sem proteo este interesse (que ser violado, s vezes sem possibilidade de restituio ao estado anterior) desobedecer ao comando constitucional da inafastabilidade da jurisdio. Ser, ento, vivel afastar a incidncia da regra do nus da prova, permitindo ao juiz que distribua este nus segundo as peculiaridades do caso concreto, ainda que sem observar as diretrizes do art. 333, em anlise.Deveras, quando se trata de tutela preventiva, possvel imaginar que a modificao do regime padro de distribuio do onus probandi seja a nica forma possvel de permitir a tutela sobre certos tipos de interesses. Assim como acontece com a prova de afirmaes de fatos negativos, em tais casos em que a prova do fato futuro afirmado praticamente impossvel poderia o magistrado, desde que fosse possvel a contra-prova (ou seja, que este fato futuro no acontecer), modificar o regime do nus da prova, imputando parte contrria (r na ao inibitria) o nus da (no-)demonstrao da inexistncia de qualquer ameaa de leso a interesse. Desta forma, a alterao do regime do nus da prova serviria como maneira alternativa de disciplinar a prova da ameaa de leso, que requisito indispensvel para a tutela inibitria. Quando no houver outra forma de demonstrar a existncia da ameaa (ainda que segundo a idia de verossimilhana preponderante), satisfazendo a dvida do juiz, poder ele modificar o regime do nus da prova, liberando o autor da prova impossvel do fato futuro (probabilidade de leso) e imputando este nus ao ru (a prova da ausncia de qualquer ameaa).

Claro est que esta modificao do regime do nus da prova mesmo porque no tem autorizao expressa de lei depende da concorrncia de dois fatores: a) a impossibilidade concreta ou a dificuldade intransponvel de o interessado produzir a prova sobre o fato futuro temido; b) a real possibilidade, vislumbrada pelo magistrado por evidncias especficas do caso real, de que a parte contrria tenha condies de produzir provas capazes de demonstrar a inocorrncia da futura violao do direito. Ausente o primeiro requisito, no h o respaldo constitucional para afastar a incidncia do art. 333, do cdigo processual, sobre o caso concreto. Por outro lado, faltando o segundo pressuposto, estar-se- violando as garantias do contraditrio e da ampla defesa (art. 5o, inc. LV, da Constituio Federal), no havendo, ao menos em princpio, fundamento para que em tais casos, para a preservao da garantia do acesso ao Judicirio, se viole outra garantia de igual hierarquia, salvo em se recorrendo ao princpio da proporcionalidade. Deveras, excepcionalmente, poder surgir conflito efetivo entre a garantia da inafastabilidade (do autor) e o preceito do devido processo legal (para o ru) no tratamento do tema em questo. Nestes casos, a nica soluo vivel ser recorrer ao princpio da proporcionalidade (e seus sub-princpios), a fim de, ponderadas as garantias, avaliar qual deve prevalecer no caso concreto. Apenas nesse caso pode justificar-se o afastamento dos dois requisitos acima indicados, para fazer preponderar a garantia da inafastabilidade.

O mesmo se deve dizer em relao s aes negativas. Tambm aqui ser justificvel afastar os parmetros traados pelo art. 333, do Cdigo de Processo Civil, sempre que se apresentem os dois pressupostos anteriormente apontados: a inviabilidade de o autor demonstrar a inexistncia do fato objeto de sua pretenso e a possibilidade concreta de o ru comprovar a sua existncia. Nesse campo, com efeito, nem sempre haver a presena destes requisitos, de modo que no toda ao negativa que autoriza o afastamento da regra geral sobre o nus da prova.

Note-se, nesse passo, que j houve na histria do direito processual quem defendesse a idia de que toda ao negativa importaria em modificao do regime do nus da prova (negativa non sunt probanda), com supedneo no direito romano. Tambm j se defendeu que estas aes jamais admitiriam qualquer ressalva em relao ao regime tradicional de atribuio do nus da prova, sob o pressuposto de que qualquer fato negativo implica uma afirmao de fato existente inverso. O tema, portanto, controvertido, e merece ponderao mais cuidadosa.

De todo modo, vale sublinhar que, sempre que a prova necessria para o autor (para a propositura de sua ao negativa) no esteja em sua posse, mas possa seguramente ser obtida junto ao ru ou a terceiro, no ter cabimento recorrer figura da modificao do nus da prova. Para estes casos, a legislao processual tem instrumentos especficos (Cdigo de Processo Civil, arts. 355 e ss.), de modo a dispensar a necessidade de recorrer ao afastamento constitucional da previso do art. 333, do Cdigo de Processo Civil.

A par dessa situao, importa tambm dizer que, normalmente, o regime do nus da prova nas aes negativas no difere em nada do regime tradicional, estabelecido pelo Cdigo de Processo Civil.

De fato, em regra, aquele que pretende a declarao da inexistncia de uma relao jurdica sustenta sua pretenso em um de dois elementos: a) ou sustenta esta inexistncia na existncia de um fato extintivo, modificativo ou impeditivo daquele, de modo que a relao havia existido anteriormente, mas foi extinta, modificada ou impedida (sendo esta a declarao que se objetiva); b) ou se afirma a inexistncia daquela relao, sustentando a existncia de elemento incompatvel com aquela (como no caso em que se afirma a impossibilidade de ocorrncia de um acidente de veculo, porque a pessoa estava com seu automvel em outra cidade).

Em ambos os casos acima descritos, a ao negativa tem por pressuposto a existncia de fatos (ou de fatos impeditivos, extintivos ou modificativos, ou ainda de fatos incompatveis com aqueles que se quer negar). Nas duas situaes, por bvio, no h espao para a modificao do regime do nus da prova, competindo ao autor o nus da prova dos fatos constitutivos de seu direito, ou seja, dos fatos extintivos, modificativos e impeditivos, ou dos fatos incompatveis com a existncia da relao jurdica que se quer ver reconhecida como no ocorrida.

Todavia, pode-se imaginar situaes em que o autor se limita a negar a existncia de um fato, sem ter condies de, a seu respeito, afirmar a existncia de fatos incompatveis ou de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos. Imagine-se, por exemplo, a situao daquele que recebe duplicata para pagar, sem que saiba a origem do ttulo ou tenha conhecimento do negcio jurdico base; pense-se tambm (embora o caso tenha disciplina especfica por conta da incidncia das regras referentes s relaes de consumo, dispensando a soluo aqui preconizada) nos casos freqentes em que algum v lanada em sua conta telefnica ligao de alto valor que no realizou, ou tem em sua fatura de carto de crdito lanada despesa que desconhece. Nestes casos, muitas vezes, o interessado estar na condio limiar de limitar-se a negar a ocorrncia destes eventos, sem poder, porm, justapor a estes fatos modificativos, extintivos ou impeditivos, ou ainda fatos incompatveis.

Para estas situaes extremas que a soluo da modificao necessria do regime do nus da prova com fundamento na Constituio da Repblica pode ser aplicada. Desde que satisfeitos os pressupostos apontados anteriormente (impossibilidade da prova pelo autor e possibilidade concreta pelo ru), dever o magistrado afastar a incidncia da regra do art. 333, do Cdigo de Processo Civil, distribuindo o nus da prova, no caso, entre as partes, segundo as particularidades do caso concreto, e conforme esta maior facilidade na apresentao da prova.

Logicamente, em todos os casos em que se possa recorrer a esta chamada modificao necessria do nus da prova, parece ser relevante que o magistrado comunique, com antecedncia, s partes desta sua deciso. Especialmente por se tratar da aplicao direta de garantias constitucionais, parece ser importante que as partes tenham prvia cincia a respeito do afastamento da regra processual (art. 333, do Cdigo de Processo Civil), at para que possam insurgir-se contra esta deliberao. Assim, ainda que se trate essencialmente de regra de julgamento, esta modificao do regime de distribuio do nus probatrio deve ser previamente advertido aos sujeitos do processo.

4. ConclusoComo cedio, a disciplina adotada pelo Cdigo de Processo Civil brasileiro em relao ao nus da prova rgida, pautada em critrios estabelecidos de forma apriorstica. Isto dificulta a adequao do regime da prova realidade do caso concreto, j que o processo no tem, ento, condies de responder s necessidades da situao especfica carente de proteo.

A soluo aqui preconizada especialmente na ltima tcnica explorada de modificao do nus da prova (modificao denominada de necessria) busca aproximar o regime do direito brasileiro chamada carga dinmica da prova, amplamente utilizada no direito norte-americano, permitindo que o magistrado imponha o nus da prova parte que teria maior facilidade em produzi-la. Esta tcnica, ao que parece, permite ao processo responder melhor s peculiaridades do caso especfico, atendendo melhor aos objetivos da jurisdio.

Apenas para ilustrar esta distribuio dinmica do nus probatrio, que no se pauta por critrios pr-fixados, mas examina o caso concreto, vale lembrar que o direito norte-americano possui interessantes tendncias a este respeito. Assim, entende-se por atribuir o nus da prova parte que pretende alterar o status quo (v.g., alterao da perda econmica para o ru); entende-se tambm que aquele que alega um fato no usual deve provar sua ocorrncia; da mesma forma, atribui-se o nus da prova parte que detm certo conhecimento peculiar a respeito dos fatos da causa.

Estes exemplos permitem enxergar a maior argcia desta tcnica de distribuio do nus probatrio. De fato, ningum melhor que o magistrado para saber quem tem melhores condies de produzir certa prova e, portanto, quem deve ser prejudicado pela dvida judicial. A determinao anterior da distribuio destas cargas no d conta da riqueza da realidade, permitindo, com maior facilidade, o cometimento de injustias na aplicao desavisada da conseqncia na desateno do nus da prova. J a distribuio dinmica deste nus, a par de dispensar toda a digresso aqui feita, amolda o processo mais perfeitamente realidade a ser examinada, permitindo resultados mais adequados e aperfeioando o processo.

No h, por outro lado, que se temer o excessivo poder dado ao juiz por conta desta carga dinmica. Com efeito, no se deve pretender limitar o poder do juiz, mas sim control-lo, e isso no pode ser feito mediante uma previso legal da conduta judicial, como se a lei pudesse dizer o que o juiz deve fazer para prestar a adequada tutela jurisdicional diante de todas as situaes concretas. Como as situaes de direito material so vrias, deve-se procurar a justia do caso concreto, o que repele as teses de eu a lei poderia controlar o poder do juiz. Esse controle, atualmente, somente pode ser obtido mediante a imposio de uma rgida justificativa racional das decises, que podem ser auxiliadas por regras como as da proporcionalidade e suas sub-regras.

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A respeito, v. ARENHART, Srgio Cruz. Perfis da tutela inibitria coletiva. So Paulo: RT, 2003, p. 226/230.

Fala-se, tambm, no direito europeu, em nus objetivo e nus subjetivo da prova, para indicar, respectivamente, a incidncia desta regra como proposio de julgamento e de procedimento (v., a respeito, ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. E. Krotoschin. Buenos Aires: EJEA, 1956, p. 15/16).

Entendendo desta forma, v. CHIOVENDA, Giuseppe. Princpios de derecho procesal civil. tomo II. Trad. Jos Casis y Santal. Madrid: Reus, 1925, p. 249/252; DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de direito processual civil. Vol. III. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 71; LOPES, Joo Batista. A prova no direito processual civil brasileiro. So Paulo: RT, 1999, p. 36 e ss..

Cf. ARENHART, Srgio Cruz. Perfis..., ob. cit., p. 279/280.

O que, alis, confirmado dentre tantas regras, pelas contidas nos arts. 339, 340 e 341, do Cdigo de Processo Civil, sem que se possa olvidar o dever, imposto pelo cdigo, a todos os que participam do processo de expor os fatos em juzo conforme a verdade (art. 14, inc. I), de onde facilmente se extrai este dever probatrio de forma ampla.

V., a respeito, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Poderes instrutrios do juiz. So Paulo: RT, 1991, p. 66 e ss.; BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. Sobre a participao do juiz no processo civil. Participao e processo. So Paulo: RT, 1998, p. 389/390.

O direito romano admitia que o juiz pudesse recusar-se a julgar em casos que considerava que a prova das alegaes no estava clara. No estando convencido sobre a realidade dos fatos, podia simplesmente jurar sibi non liquere, retratando que em seu ver, as coisas no estavam claras, o que exoneraria o juiz de julgar a causa, impondo ao pretor nomear outro iudex para atuar no lugar do primeiro (a respeito, v. KARAM, Munir. nus da prova: noes fundamentais. Revista de processo. N. 17. So Paulo: RT, jan-mar/1980, p. 51).

Adotando esta viso, v. CARNELUTTI, Francesco. La prova civile. 2a ed., Roma: Ateneo, 1947, p. 30; Id. Sistema de derecho procesal civil. vol. II. Trad. Niceto Alcal-Zamora y Castillo e Santiago Sents Melendo. Buenos Aires: Uteha, 1944, p. 94 e ss.; COMOGLIO, Luigi Paolo. FERRI, Corrado. TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 2a ed., Bologna: il Mulino, 1995, p. 626; MONTESANO, Luigi. ARIETA, Giovanni. Diritto processuale civile. Vol. II. 2a ed., Torino: Giappichelli, 1997, p. 90; LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. Vol. II. 4a ed., Milano: Giuffr, 1984, p. 89; MARQUES, Jos Frederico. Instituies de direito processual civil. Vol. III. 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 295/296; MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios ao cdigo de processo civil. Vol. V, tomo I. So Paulo: RT, 2005, p. 383 e ss. (embora, aqui, o tema venha a ser abordado de forma mais ampla, com implicaes diversas); VARELA, Antunes. BEZERRA, J. Miguel. NORA, Sampaio e. Manual de processo civil. 2a ed., Coimbra: Coimbra, 1985, p. 445 e ss.; BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. Julgamento e nus da prova, in Temas de direito processual. 2a Srie. 2a ed., So Paulo: Saraiva, 1988, passim.

CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della parte nel sistema delloralit. Parte prima. Milano: Giuffr, 1962, p. 392.

Nesse mesmo sentido, esclarece ROSENBERG que la esencia y el valor de las normas sobre la carga de la prueba consisten en esta instruccin dada al juez acerca del contenido de la sentencia que debe pronunciar, en un caso en que no puede comprobarse la verdad de una afirmacin de hecho importante (ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba, ob. cit., p. 2).

Assim, tambm, manifesta-se ROSENBERG, dizendo que debe decidirse sobre la carga de la prueba slo al final del proceso, regularmente despus de examinadas las circunstancias de hecho no discutidas, y despus de la recepcin de la prueba (ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba, ob. cit., p. 3). No mesmo sentido, v. BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. Julgamento e nus da prova, ob. cit., p. 76.

Conforme leciona Egas Moniz de Arago, se prevalecessem os critrios vlidos para a pesquisa cientfica, o magistrado no poderia julgar enquanto pairasse a menor dvida a respeito da verdade dos fatos, isso, porm, conduziria ao famoso non liquet, isto , o julgador se negaria a sentenciar por no se sentir habilitado, dada a ausncia de prova; no entanto, como a sentena ter de ser pronunciada mesmo que as provas no o convenam, necessrio que algum critrio o oriente neste momento. O melhor, sem dvida, o que a lei adota em decorrncia da aplicao da teoria do nus da prova: autoriza o magistrado a julgar em desfavor daquele a quem incumbia produzir a prova necessria a convenc-lo e ou no o fez ou, embora fazendo-o, f-lo insuficientemente e por isso no logrou o resultado pretendido (formar o convencimento do julgador) (MONIZ DE ARAGO, Egas Dirceu. Exegese do cdigo de processo civil. Vol. IV, tomo I. Rio de Janeiro: Aide, p. 86).

O direito norte-americano emprega os termos nus da produo da prova (burden of production) e nus da persuaso (burden of persuasion) para expressar as duas facetas do nus da prova (v., entre outros, a respeito do assunto, JAMES JR., Fleming. HAZARD JR., Geoffrey C. LEUBSDORF, John. Civil procedure. 4 ed., Boston: Little, Brown and Co. 1992, p. 337).

O tema ser mais demoradamente abordado adiante.

A respeito de uma classificao destas formas de modificao do regime do nus da prova, v. ARENHART, Srgio Cruz. Perfis..., p. 283/285.

Nelson Nery Jr. aponta exemplos desta situao em relao ao direito do consumidor. Segundo ele, os arts. 12, 3, e 14, 3, do CDC determinam que, para haver excluso da responsabilidade de o fornecedor indenizar o dano decorrente do fato do produto ou servio (acidentes de consumo), preciso que ele comprove a existncia e verificao das causas excludentes adotadas pela lei. Da mesma forma, o art. 38 do Cdigo diz competir o nus da prova da veracidade da informao ou comunicao publicitria a quem as patrocina. Nesses casos, como o nus da prova est atribudo ao fornecedor por normas de ordem pblica (art. 1, CDC), estas no podem ser derrogadas por conveno das partes (GRINOVER, Ada Pellegrini, et alli. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor. 6 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1999, p. 506).

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentrios ao cdigo de processo civil. Tomo IV. 3a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 274.

V., nesse sentido, DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de direito processual civil. Vol. III. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 77/78 e 125.

Cite-se, como exemplo de modificao, que no ser abordada neste estudo, a regra do art. 38, desta mesma lei (o nus da prova da veracidade e correo da informao ou comunicao publicitria cabe a quem as patrocina).

Manifestando-se em outro sentido, entendendo que a inverso deve ocorrer por deciso prpria, anterior sentena (at o saneamento da causa), v. ALMEIDA, Joo Batista de. A proteo jurdica do consumidor. So Paulo: Saraiva, 1993, p. 80; MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. A defesa do consumidor em juzo in Revista de direito do consumidor. Vol. 5. So Paulo: RT, jan/mar 1993, p. 197/198; NOGUEIRA, Tnia Lis Tizzoni. Direitos bsicos do consumidor: a facilitao da defesa dos consumidores e a inverso do nus da prova in Direito do consumidor. Vol. 10. So Paulo: RT, abr/jun 1994, p. 59; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual. Vol. 2. So Paulo: RT, 2000, p. 187, nota 36.

Sempre baseado na premissa de que no serve de nada a possibilidade de alegar algo no processo que no se possa concretamente provar.

Conforme atesta CECLIA MATOS, havendo dvida e constatando que as afirmaes do consumidor so verossmeis e que o fornecedor no fez prova que as contrariasse ou as provas produzidas no ilidiram a presuno, o juiz avaliar o grau de probabilidade dos fatos verossmeis no provados, podendo onerar o fornecedor por sua omisso ou desinteresse em realizar a prova (MATOS, Ceclia. O nus da prova no cdigo de defesa do consumidor, Direito do consumidor. Vol. 11. So Paulo: RT, jul-set/1994, p. 167).

Veja-se, a respeito, WALTER, Gehrard. Libre apreciacin de la prueba. Bogot: Temis, 1985, p. 159/165.

V., a respeito, ARENHART, Srgio Cruz. Perfis..., ob. cit., p. 287/288. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., vol. 5, tomo I, ob. cit., p. 403.

Note-se, a propsito, que a verossimilhana de que aqui se trata no tem qualquer relao com a verossimilhana exigida para a antecipao de tutela (art. 273, do Cdigo de Processo Civil). V., a respeito, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., ob. cit., p. 427.

Conforme sustentado em outro lugar, as regras de experincia comum decorrem de generalizaes formadas no seio da sociedade, as quais podem ter base em crenas religiosas, regras de moral ou mesmo em leis naturais, lgicas ou cientficas (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., ob. cit., p. 458). Por uma crtica ao uso das mximas de experincia e mecanismos de controle de seu uso, v. TARUFFO, Michele. Senso comum, experincia e cincia no raciocnio do juiz. Trad. Cndido Dinamarco. Curitiba: IBEJ, 2001, esp. p. 26 e ss.

Para uma anlise mais criteriosa do tema, v. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., ob. cit., p. 427/428.

V. a respeito, defendendo a noo tcnica de hipossuficincia, Kazuo Watanabe in GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, ob. cit., p. 713/714 (embora adotasse ele, em edies anteriores da mesma obra, outro entendimento a respeito do assunto); MATOS, Ceclia. O nus da prova no cdigo de defesa do consumidor, ob. cit., p. 166; NOGUEIRA, Tnia Lis Tizzoni. Direitos bsicos do consumidor: a facilitao da defesa dos consumidores e a inverso do nus da prova, ob. cit., p. 57. J defendendo a noo eco