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DOSSIÊ OPACIDADE (OU VITALIDADE) DAS CLASSES SOCIAIS? A s ciências sociais do trabalho, como gosta de denominar o soci- ólogo espanhol Juan José Castillo, encontraram-se, nas últimas duas décadas, rente à tese da des- onstrução do trabalho, à esaparição do labor, que er-se-ia convertido em um valor em vias de esaparição, tese "com- provada empiricamente" pela redução eurocêntrica trabalhadores de ori- em taylorista-fordista como se o trabalho se umisse exclusivamen- "e a essa forma de ser), onde a crescente redução emprego formal leva- ria finalmente ao fim do trabalbo. O mundo cami- nhava, enfim, para o edênico espaço da frui- -o, com os robôs pro- duzindo e os homens e mulheres vivendo as nesses do ócio produ- -;00. Houve até quem dis- e, em meados de 80, sob os auspícios do Clu- de Roma, que no novo século que se avizinha- 'a, (quase) não mais encontraríamos - balhadores .... E eis que começou o novo século e grande parte daquela literatura envelheceu pre- cocemente, com os trabalhadores e as trabalhado- ras do mundo ainda padecendo as atividades e dversidades decorrentes do mundo do trabalho. RICAROO ANTUNES RESUMO o artigo examina o potencial analítico da noção de classes sociais, tendo como referência a reflexão baseadaem algumas obras recentes sobre o tema. No livro republicado de Sedi Hirano sobre castas, estamentos e classes sociais, são destacados elementos teóricos e metodológicos que se sobressaem nas obras de Max Weber e Karl Marx. Este diferen- cia-se de Weber, ao conceber as classes no âmbito do lugar ocupado no mundo da produção, estando o primeiro mais voltado para a posse de bens e oportunidades reguladas pelo mercado. No livro de Klauss Eder é destacado o elemento cultural, capaz de conferir teor analítico às classes sociais permeadas por conflitos e movimentos não-redutíveis ao plano estrutural. O livro de José Alcides Santos analisa a presença das classes na sociedade brasileira, articulando sua reflexão teórica com a construção de uma tipologia baseada em dados empíricos. Os estudos dos autores, por via distintas, comprovam que, ao invés do fim das sociedades de classes, observa-se o aumento de uma comple- xidade que é típica da sociedade contemporânea. ABSTRACT - UBSCURITY (oa VITALlTY) OF THE SOCIAL CLASSES The article examines the analytical potential notion of the social clas- ses, having as reference the reflection based in some recent works about this theme. The republished book of Sedi Hirano emphasizes theoretical and methodological relevant elements of the works realized by Max Weber and Karl Marx. This last author differs from Weber when he concepts the social classes in the sphere of the occupied position in the production world, while the first author is worried with the possession of goods and opportunities regulated by the market. Sedi Hirano's book talks about castes, social groups having their own juridical status and social classes. Klauss Eder in his book emphasizes the cul- tural element, which can atlribute analytical tenor to social classes involved through conflicts and not reducible movements in the structural plan. José Alcides Santos' book analyses the presence of classes in the Brazilian society, articulating this author's theoretical reflection with the construction of a typology based on empiric data. The authors' studies, through distinct views, affirm the increasing of a typical complexity of the contemporaneous society, instead of the end of a society shared in classes. • ProfessorTItulardeSociologia no IFCHIUNICAMP,pesquisador do CNPq, e autor, dentre outros livros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo), Adeus ao Trabalho? (Ed. CortezlEd.Unicamp) e Coordenador da Cole- ção Mundo do Trabalho (Boitempo Editorial). Algo assemelhado vem ocorrendo com as classes sociais. Numa época em que tantos afirmaram a perda da validade analítica da noção de classes sociais, apregoaram a sua opa- cidade, propugnaram a perda de sua vitalidade para compreensão da textura social do capita- lismo tardio, três publi- cações recentes são um bom exemplo, tanto das limitações e equívocos daquelas formulações, como da força e atuali- dade categorial das clas- ses para se pensar a o mundo contemporâneo. Quando tantos também defendiam a perda do potencial ana- lítico da noção de clas- se, outros reiteram (ou ajudam a compreen- der) a contempora- neidade, a efetividade e a concretude das elas- ses sociais. Comecemos pelo ensaio Castas, estamentos e classes sociais. de Sedi Hirano, agora republicado em edição intei- ramente revisada. 1 Escrito nos inícios de 70, como Di erta- ção de Mestrado, Hirano concebeu um livro ao mesmo tempo introdutório e didático, sério e meticuloso, percorrendo comparativamente as ANTUNES, RICARDD: OPACIDADE (ou VITALIDADE) DAS CLASSES SOCIAIS? P. 73 A Ti 73

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DOSSIÊ

OPACIDADE (OU VITALIDADE) DAS CLASSES SOCIAIS?

As ciências sociais dotrabalho, como gostade denominar o soci-

ólogo espanhol Juan JoséCastillo, encontraram-se,nas últimas duas décadas,rente à tese da des-onstrução do trabalho, àesaparição do labor, queer-se-ia convertido emum valor em vias deesaparição, tese "com-

provada empiricamente"pela redução eurocêntrica

trabalhadores de ori-em taylorista-fordistacomo se o trabalho se

umisse exclusivamen-"e a essa forma de ser),onde a crescente redução

emprego formal leva-ria finalmente ao fim dotrabalbo. O mundo cami-nhava, enfim, para oedênico espaço da frui--o, com os robôs pro-

duzindo e os homens emulheres vivendo as

nesses do ócio produ--;00. Houve até quem dis-

e, em meados de 80,sob os auspícios do Clu-

de Roma, que no novo século que se avizinha-'a, (quase) não mais encontraríamos- balhadores .... E eis que começou o novo séculoe grande parte daquela literatura envelheceu pre-cocemente, com os trabalhadores e as trabalhado-ras do mundo ainda padecendo as atividades edversidades decorrentes do mundo do trabalho.

RICAROO ANTUNES

RESUMO

o artigo examina o potencial analítico da noção de classes sociais, tendocomo referência a reflexão baseada em algumas obras recentes sobre otema. No livro republicado de Sedi Hirano sobre castas, estamentos eclasses sociais, são destacados elementos teóricos e metodológicosque se sobressaem nas obras de Max Weber e Karl Marx. Este diferen-cia-se de Weber, ao conceber as classes no âmbito do lugar ocupadono mundo da produção, estando o primeiro mais voltado para a possede bens e oportunidades reguladas pelo mercado. No livro de KlaussEder é destacado o elemento cultural, capaz de conferir teor analíticoàs classes sociais permeadas por conflitos e movimentos não-redutíveisao plano estrutural. O livro de José Alcides Santos analisa a presençadas classes na sociedade brasileira, articulando sua reflexão teóricacom a construção de uma tipologia baseada em dados empíricos. Osestudos dos autores, por via distintas, comprovam que, ao invés dofim das sociedades de classes, observa-se o aumento de uma comple-xidade que é típica da sociedade contemporânea.

ABSTRACT - UBSCURITY (oa VITALlTY) OF THE SOCIAL CLASSES

The article examines the analytical potential notion of the social clas-ses, having as reference the reflection based in some recent works aboutthis theme. The republished book of Sedi Hirano emphasizes theoreticaland methodological relevant elements of the works realized by MaxWeber and Karl Marx. This last author differs from Weber when heconcepts the social classes in the sphere of the occupied position inthe production world, while the first author is worried with thepossession of goods and opportunities regulated by the market. SediHirano's book talks about castes, social groups having their own juridicalstatus and social classes. Klauss Eder in his book emphasizes the cul-tural element, which can atlribute analytical tenor to social classesinvolved through conflicts and not reducible movements in the structuralplan. José Alcides Santos' book analyses the presence of classes in theBrazilian society, articulating this author's theoretical reflection with theconstruction of a typology based on empiric data. The authors' studies,through distinct views, affirm the increasing of a typical complexity ofthe contemporaneous society, instead of the end of a society shared inclasses.

• Professor TItular de Sociologia no IFCHIUNICAMP,pesquisador do CNPq,e autor, dentre outros livros, de OsSentidos do Trabalho (Boitempo),Adeus ao Trabalho? (Ed. CortezlEd.Unicamp) e Coordenador da Cole-ção Mundo do Trabalho (Boitempo Editorial).

Algo assemelhadovem ocorrendo com asclasses sociais. Numaépoca em que tantosafirmaram a perda davalidade analítica danoção de classes sociais,apregoaram a sua opa-cidade, propugnaram aperda de sua vitalidadepara compreensão datextura social do capita-lismo tardio, três publi-cações recentes são umbom exemplo, tanto daslimitações e equívocosdaquelas formulações,como da força e atuali-dade categorial das clas-ses para se pensar a omundo contemporâneo.

Quando tantostambém defendiam aperda do potencial ana-lítico da noção de clas-se, outros reiteram (ouajudam a compreen-der) a contempora-neidade, a efetividadee a concretude das elas-ses sociais.

Comecemos peloensaio Castas, estamentos e classes sociais. deSedi Hirano, agora republicado em edição intei-ramente revisada. 1

Escrito nos inícios de 70, como Di erta-ção de Mestrado, Hirano concebeu um livro aomesmo tempo introdutório e didático, sério emeticuloso, percorrendo comparativamente as

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noções de castas, estamentos e classes no pen-samento dos dois gigantes das ciências sociais,Weber e Marx.

Weber, moldado por uma visão poli-histó-rica ou trans-bistorica, enciclopédica, conden-sada metodologicamente nos tipos ideais, e Marx,ancorado num mergulho histórico, também en-ciclopédico, navegando entre a dialética dauniversalidade, da singularidade e da particu-laridade, buscando sua totalização analítica. Oprimeiro, com sua forte marca epistemologizantee o segundo, Marx, com seu traço oruolôgico,que havia estancado depois de HegeI.

o que se refere às classes sociais, Hiranodemonstra que, enquanto para Marx a chaveanalítica é dada pela produção social, paraWeber ela se encontra na ação social. De modoque as classes podem ser melhor apreendidaspela posição dos indivíduos no mercado e pe-las motivações oriundas da ação e relação soci-ais (Weber) ou pelas determinações particularesdo modo de produção e reprodução da vidasocial (Marx).

Sedi Hirano procura, sempre, em seu texto,apresentar os elementos teóricos e meto-dológicos distintivos entre os dois grandes gi-gantes das ciências sociais. Não busca fazer umamescla eclética, desrespeitando autores tãodíspares. É por isso que ele afirma que "enquantoWeber parte da ordem social para delimitar oconceito de estamento, no que se refere às clas-ses, o ponto de partida básico é a ordem econô-mica. Por outro lado, para Marx, o modo deprodução feudal é que define as relações de tipoestamentaI... E as classes sociais se definem como surgimento do modo de produção capitalistamoderno, do Estado moderno, da propriedadeprivada, da divisão social do trabalho ..."

Se para Weber classe pressupõe: "a) certonúmero de pessoas [que] têm em comum umcomponente causal específico em suas oportu-nidades de vida, e, na medida em que, b) essecomponente é representado exclusivamentepelos interesses econômicos da posse de bens eoportunidades de renda, c) é representada sob

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as condições do mercado de produtos ou domercado de trabalho", a situação de classe, é"determinada pelo volume e tipo de poder (oupela falta deles) de dispor de bens ou habilida-des em benefício da renda de uma determinadaordem econômica. A palavra classe se refere aqualquer grupo de pessoas que se encontremna mesma situação de classe".

O que permite a Sedi Hirano concluir que,para Weber, a estrutura de classes é determina-da pelo mercado e a situação de classe é tam-bém a situação no mercado. Por isso Weberfala em classes proprietárias positivamente pri-vilegiadas (empreendedores ou empresários,dentre outros segmentos sociais) e em classesproprietárias negativamente privilegiadas (tipi-camente trabalhadores, ainda que qualitativa-mente diferenciados) .

Para Marx, entretanto, a conceitualizaçãode classe remete essencialmente à posição (ob-jetiva e subjetiva) que os indivíduos ocupamno mundo da produção social. Por isso os pro-letários, "a sua condição de vida, o trabalho, ecom este todas as condições de existência dasociedade atual, convertem-se para eles emalgo fortuito, no qual cada proletário de per sinão tinha o menor controle, e sobretudo, ne-nhuma organização social podia lhe dar talcontrole. A contradição entre a personalidadedo proletário individual e sua condição de vida,tal como lhe é imposta, isto é, o trabalho, re-vela-se ante si mesmo, sobretudo porque já sevê sacrificado a partir de sua infância, por nãoter a menor possibilidade de chegar a obter,dentro de sua classe, as condições que o colo-quem em outra situação".

A partir destas formulações onto-metodo-lógicas de fundo, Sedi Hirano desenha os con-tornos das formulações de Weber e Marx,especialmente sobre as classes sociais. Se paraa teoria do conhecimento weberiana (confor-me sugere Merleau-Ponty), "a verdade sempredeixa uma margem de sombras", talvez pudés-semos dizer que para Marx é imperiosodescortinar as sombras para se chegar à uerda-

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de. E isso vale, também, para a compreensãos classes sociais na sociedade moderna. Para

tanto, vale acrescentar, o estudo do jovem Marxé também imprescindível.

O livro de Sedi Hirano, introdutório e di-dático, de grande utilidade para se iniciar acompreensão deste complexo, é uma laboriosaconstrução ao estudo do estamento e da classe

o mundo moderno, conforme a apresentaçãoe Florestan Fernandes.

O denso texto de Klaus Eder, A Nova Polí-.ica de Classes' mergulha diretamente no deba-.e atual sobre a extinção ou validade conceitual

classes e o faz através da seguinte afirmação-eórica: a cultura é o elo perdido entre classe e

ção coletiva. Seu ponto de partida é o de que aclasse é um aspecto estrutural da realidade social

te não pode ser descartado; sua hipótese cen--=-aI é que a noção de classe, "despida de suasconotações tradicionalistas, de suas formas con-

o agentes de manifestação histórica", é uma de-rminação estrutural de oportunidades de vida

categorias de indivíduos, "uma estrutura quetribui oportunidades de agir e delimita espa-

de ação", sendo o elemento cultural o elo_ paz de conferir contemporaneidade analítica- classes sociais.

Modelado pela idéia da sociedade pôs-in-istrial, Eder entra em cheio no debate, semixar sempre de ser claro e freqüentemente

-lido (ainda que enormemente polêmico) emdesenhos e contornos: seu interesse maior

stá em averiguar as novas configurações dosvimentos sociais, e em que medida eles ex-

re sam as novas conformações da sociedade_ classes.

Dialogando com vastíssima bibliografiaronte mporâriea , e em particular, com os

stitucionalistas, faz sua démarcbe. "O argu-ento histórico da institucionalização pode serrdadeiro, mas isso não quer dizer que tenha-

que aceitar o argumento estrutural. Poder que o conflito de classe industrial não

_ mine mais os conflitos de classe. Temos queeitar a idéia de que esse tipo de conflito está

perdendo importância, mas vamos argumentarcontra a idéia de que o conflito de classes estádesaparecendo com o fim de sua primeiracorporificação, ou seja, o conflito de classesorganizado em torno da contradição entre ca-pital e trabalho".

Sua propositura o leva, então, a afirmarque a atualidade do conflito de classes émetamorfoseada num antagonismo fluído queperpassa a totalidade da vida social. Em suaspalavras: "O conflito de classes expandiu-setambém no tempo tornando-se permanente.A realidade social criada por essa permanên-cia é um sistema de classificação que radicalizaas premissas individualistas do sistema moder-no de classificação. Esse sistema, que compa-ra indivíduos e que conta o capital (econômicoe cultural) que possui, resulta na estrutura declasses altamente individualizada da socieda-de moderna".

De modo culturalista, menos que radicadana estruturação produtiva da ordem societal, oconflito de classes estaria acompanhado por prá-ticas que geram a ordem simbólica que o legiti-ma, sendo que os símbolos dos que estão no topoda pirâmide social são os que clamam pela vali-dade universal. Menos que conceitualizar as clas-ses como entidade concreta, o autor, amparadoem ampla literatura e especialmente emBourdieu, vai conferir às classes um estatuto ló-gico. Opção teórica que, para retomar o debateanteriormente indicado, o aproxima muito maisde Weber do que de Marx.

Ao analisar os movimentos sociais, o au-tor os "classifica" (aliás, a necessidade da "clas-sificação" é um recurso metodológico recorrentedo autor) em pelo menos dois tipos: os movi-mentos políticos (o dos jovens, o feminista, osanti-industrialistas) e os culturais (os movimen-tos antiburocráticos, relativos ao ambiente, mo-radia ou psiquiatria e, em menor medida, omovimento estudantil). O autor detecta, então,que o centro dos conflitos de classe e dos movi-mentos sociais, cuja identidade tem um fortecomponente cultural, deve superar a temática da

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exploração do trabalho para migrar para o pro-blema da exploração da natureza.

Isso o leva a polemizar diretamente comMarx, que teria "naturalizado" a relação homem!natureza. Aqui, entretanto, é preciso fazer umanota crítica: ao usar somente comentadores(como Schmidt, Cohen, Habermas, Elster),desconsiderando os Grundrisse ou qualqueroutro texto da safra direta de Marx, que não écitado sequer uma vez no item intitulado O Con-ceito de Natureza em Marx, Eder é pouco con-vincente. Um breve volteio, passando por RobertKurz, Altvater, Enrique Dussel e István Mészáros,além de uma releitura não tradicional de Marx,o ajudaria - e muito - a fazer uma leitura criati-va e não tão reducionista da questão ambientalem Marx.

Nos dez capítulos que compreendem esselivro, os últimos são destinados ao esboço deuma jenomenologia dos movimentos sociais e auma ênfase na centralidade e na tese do radica-lismo das classes médias nesta nova contextua-lidade. O interessados nas classes médiasencontrarão um esboço teórico dos contornosdesse radicalismo, dados pela "emergência dacontracultura e das formas alternativas do mun-do-da-vida e de associação". Nesse novo cam-po, os movimentos sociais encontram seus nexos"identitários" em seus valores culturais, que trans-cendem, segundo o autor, "o campo das rela-ções industria/trabalho. Equivoco que Habermas,com sua tese sobre a pacificação das lutassociais, também cometeu.

É exatamente por estes limites que o au-tor, ao criticar os fundamentos metodológicosindividualistas da pesquisa sobre os movimen-tos sociais, reafirma o critério da validade dasclasses, mas não mostra sua vitalidadeconceitual e analítica em toda a plenitude. Mas,é preciso dizer, o autor realiza uma reflexãoque, em seu conjunto, é relevante e necessá-ria para todos os que recusam a tese da perdade validade categoria I para as classes sociais.Num livro cuja edição é particularmente bemcuidada e bem realizada.

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Por fim, uma nota sobre as classes sociaisno Brasil. E o faremos através do livro Estruturade Posições de Classe no Brasil, de José AlcidesFigueiredo Santos.> que faz um mapeamentobastante abrangente da conformação das clas-ses sociais em nosso país, a partir dos dados daPNAD, de 1996, tendo como referência a análi-se neomarxista de Erik Olin Wright.

A justificativa para essa opção teórica éindicada pelo autor: enquanto o "enfoqueweberiano se assenta em um nexo causal entrea condição de classe e as chances de vida, queopera essencialmente através das trocas de mer-cado c...) a perspectiva marxista defendida porWright vai além dessa conexão, acrescenta deforma privilegiada a esfera da produção e, alémdisso, considera a interação entre a produção eo mercado, o que lhe permite pensar o conflitona distribuição, na produção e na articulaçãoentre ambos ...O conceito de classe baseado ex-plicitamente na exploração, ao contrário da no-ção weberiana de chances da vida, pretenderelacionar o bem-estar material de um gruposocial à sua capacidade de se apropriar dos fru-tos do trabalho de outro grupo social".

Articulando boa reflexão teórica, com ummergulho no mapa social brasileiro, FigueiredoSantos oferece elementos para se compreender operfil de nossa sociedade de classes, com a clas-se trabalhadora "ampliada" (abarcando os traba-lhadores não qualificados, os trabalhadoresqualificados e os supervisores não qualificados)e a classe média, composta pelos gerentes esupervisores com poder de mando e dominação.

Ao tratar da distribuição das posições declasse no Brasil, o autor elabora a seguinte ti-pologia, a partir das posições de classe existen-tes: a) capitalistas; b) pequenos empregadores;c) auto-empregados; d) gerentes e supervisorescredenciados; e) gerentes e supervisores nãocredenciados; D especialistas; g) trabalhadoresproletarizados; h) empregados domésticos.

Somando-se os trabalhadores proletari-zados (48%) com aqueles auto-empregados(30%), chega-se próximo de 80% da totalidade

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das posições de classe. Os capitalistas totalizam0,5%, os estratos médios (gerentes, supervisorese especialistas) somam pouco mais de 5%. Ospequenos empregadores agrupam 3,5% e osempregados domésticos somam 8,6%.

O leitor encontra um detalhamento exaus-tivo, ao longo do livro, que lhe permite fazerdiversas ilações analíticas, como conferir a áreade sombra entre os estratos altos do proletaria-do e os segmentos inferiores da classe média;os gerentes com função de mando, credenciadose aqueles não credenciados; a classe trabalha-dora "pura", que compreende os assalariadoscom posição subordinada, sem autoridade e qua-lificação (48%, como vimos) e a classe trabalha-dora "ampliada"; os trabalhadores manuais daindústria e dos serviços, que representam 68%da classe trabalhadora "pura"; os trabalhadoresmanuais agrícolas, que totalizam 17,4% do con-junto da classe trabalhadora (em sentido aindarestrito), além do desenho heterogêneo das elas-es proprietárias, dos capitalistas, mais ou me-

nos capitalizados etcEstudo meticuloso, de grande utilidade para

insuficiente mapeamento de nossas classes so-is, Figueiredo Santos mostra, a partir dos da-

da PNAD, que, na América Latina, o traço. tintivo é dado pela ampliação do "setor infor-

mal", pelo crescimento dos pequenos negócios enela feminização do mundo do trabalho.

Com a reestruturação produtiva no Brasilespecialmente a partir de 90, "ocorre uma intensaredução do contingente de operários industriais,com um corte de 38,1% dos empregos formais,entre 1990 e 1997". Como já pudemos dizer emoutros textos, aumenta a heterogeneidade e a frag-mentação da classe trabalhadora; a subcontratação,diz o autor, segmenta ainda mais os trabalhadoresindustriais, entre os "centrais" e os "periféricos". E,se o desemprego foi crescente na indústria, parti-cularmente entre 1985 e 1990 os serviços experi-mentaram um elevado crescimento.

Estes estudos recentemente publicados,independente de seus méritos e limites, algunsaqui apontados, mostram que a textura societalcontemporânea, ao invés de sinalizar para ofim da sociedade de classes, vem se complexi-ficando. O que nos obriga a ir além da suaopacidade, encontrando os nexos básicos e suavigência e atualidade.

Notas

1 Hirano, Sedi, Castas, Estamentos & Classes Sociais(Introdução ao Pensamento Sociológico de Marx eWeber), Campinas: Editora da Unicamp, 2002.

2 Eder, Klaus, A Nova Política de Classes, São Paulo:EDUSC, 2002 .

3 Santos, José Alcides Figueiredo, Estrutura de Posiçõesde Classe no Brasil (Mapeamento, Mudanças e Efeitosna Renda), Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

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