21
 OR DENAÇÃO CO NS TITUCIONAL DA CULTURA - TOM BAME NTO E CO MPARATI VISMO: DISPOSIT IVOS TUTELADOR ES NA CARTA M AGNA DE 1988 E NA CO NSTI TUIÇ ÃO DO E STADO DE GO IÁS DE 1989. Clovis Carvalho Britto* * Mestre em S ociologia pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em D ireito Constitucional e Administrativo. Bacharel em Direito e com Formação Específica em Gestão Pública. E-mail: [email protected] Revista da Faculdade de Direito da UFG 295 SUMÁRIO: BRASILEIRO E OS DIREITOS CULTURAIS. 2. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. RESUMO: Abordagem das formas tuteladoras do ambiente cultural segundo metodologia comparativa. Vislumbramento da matéria em termos de experiência concreta, produto das dimensões da experiência jurídica amparada na compreensão dos fenômenos através da construção normativa apresentada na Carta Magna vigente e na Constituição do Estado de Goiás. Estudo do ambiente cultural a partir dos direitos culturais e meios preventivos e repressivos de atuação tutelar. Análise dos dispositivos legais brasileiros atinentes à matéria e demonstração dos direitos e deveres resultantes da tutela. PALAVRAS-CHAVE: Comparativismo – Tombamento – Cultura ABSTRACT: Boarding of the protection forms of the cultural environment according to comparative methodology. Analysis of the subject in terms of concrete experience, product of the dimensions of the legal experience supported in the understanding of the phenomenon through the normative construction presented in the actual Great Letter and the Constitution of the State of Goiás. Study of the cultural environment from the cultural rights as well as repressive and preventives ways of tutor performance. Analysis of the Brazilian legal devices concerned to the subject and demonstration of the resultant rights and duties of the guardianship. KEY-WORDS: Comparative - Register - Culture RESUMO. ABSTRACT. 1. O AMBIENTE CULTURAL

Ordenação Constitucional Da Cultura

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Antropologia

Citation preview

  • ORDENAO CONSTITUCIONAL DA CULTURA - TOMBAMENTO E COMPARATIVISMO: DISPOSITIVOS

    TUTELADORES NA CARTA MAGNA DE 1988 E NA CONSTITUIO DO ESTADO DE GOIS DE 1989.

    Clovis Carvalho Britto*

    * Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Gois, Especialista em Direito Constitucional e Administrativo. Bacharel em Direito e com Formao Especfica em Gesto Pblica. E-mail: [email protected]

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 295

    SUMRIO: BRASILEIRO E OS DIREITOS CULTURAIS. 2. COMPETNCIA L E G I S L AT I VA. C O N S I D E R A E S F I N A I S . R E F E R N C I A S BIBLIOGRFICAS.

    RESUMO: Abordagem das formas tuteladoras do ambiente cultural segundo metodologia comparativa. Vislumbramento da matria em termos de experincia concreta, produto das dimenses da experincia jurdica amparada na compreenso dos fenmenos atravs da construo normativa apresentada na Carta Magna vigente e na Constituio do Estado de Gois. Estudo do ambiente cultural a partir dos direitos culturais e meios preventivos e repressivos de atuao tutelar. Anlise dos dispositivos legais brasileiros atinentes matria e demonstrao dos direitos e deveres resultantes da tutela.

    PALAVRAS-CHAVE: Comparativismo Tombamento Cultura

    ABSTRACT: Boarding of the protection forms of the cultural environment according to comparative methodology. Analysis of the subject in terms of concrete experience, product of the dimensions of the legal experience supported in the understanding of the phenomenon through the normative construction presented in the actual Great Letter and the Constitution of the State of Gois. Study of the cultural environment from the cultural rights as well as repressive and preventives ways of tutor performance. Analysis of the Brazilian legal devices concerned to the subject and demonstration of the resultant rights and duties of the guardianship.

    KEY-WORDS: Comparative - Register - Culture

    RESUMO. ABSTRACT. 1. O AMBIENTE CULTURAL

  • 1. O AMBIENTE CULTURAL BRASILEIRO E OS DIREITOS CULTURAIS

    As polticas ambientais modernas constituem produto das transformaes sociais que vm ocorrendo nos ltimos tempos. Sua aplicao decorre da nova viso de ambiente que, alm dos ecossistemas naturais, compreende as criaes da inteligncia humana responsveis pela constituio do patrimnio cultural. Na verdade, pode-se afirmar que, enquanto o ambiente cultural consiste na interao homem e natureza, o ambiente natural resulta da evoluo das condies naturais independente da ao humana.

    Em tais condies, cabe reconhecer que esse processo exegtico deve ser coerente, visto que no se pode fazer uma interpretao estrita considerando como ambiente apenas as criaes intelectuais, nem com uma amplitude desmedida que absorva todas as aes humanas.

    A criao humana resultado da experincia histrica e da capacidade inventiva o mecanismo que materializa um determinado valor que assume dois pressupostos, o primeiro chamado de 'suporte', e o segundo de 'significado', sendo este expresso particular de um ou mais valores (REALE: 2000, p.200). A partir dessa constatao, observa-se que o bem objeto de proteo assume um valor que lhe atribudo de acordo com sua natureza, diferenciando o ambiente cultural e o ecolgico, o que essencial para a compreenso dos preceitos constitucionais de garantia aos direitos culturais e tutela ao ambiente cultural brasileiro.

    Nessa linha de raciocnio, o ambiente cultural se encaixa:

    no campo dos objetos culturais mundanais, como vida humana objetivada num pedao de natureza fsica, seja como bens culturais de natureza material ou imaterial, como forma de expresso, modos de criar, fazer e viver, ou como criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas, ou como obras, documentos, edificaes, conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico e arqueolgico, seja objetos de cultura popular, indgena, afro-brasileira ou erudita (SILVA, 2001, p. 29).

    Desse modo, ao estabelecer uma anlise semitica dos objetos culturais, ou seja, na percepo de que cultura constitui a cincia da interpretao de significaes em que o Direito est inserido, percebe-se que existem dois sistemas de compreenso dos signos: um constitudo pelas normas jurdicas atravs de um conjunto de valores representativos dos

    Revista da Faculdade de Direito da UFG296

  • direitos culturais, na igualdade e garantia de acesso cultura e tutela diversidade cultural; e outro, que se estabelece em virtude da expresso da matria normatizada atravs do patrimnio cultural e sua interao na sociedade. Tanto os valores canalizados para a construo da norma, quanto os determinados finalidade a que esta se refere, constituem formas de materializao da cultura.

    Relevante, pois, observar que cultura, numa viso antropolgica, toda obra humana representativa ou no de significaes, o modo de ver o mundo, as apreciaes de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais (LARAIA, 1986, p.70). Todavia, a Constituio Federal a ampara no sentido sistematizado de obra humana repositrio da identidade, ao e memria dos diversos grupos constituidores da sociedade brasileira. Necessita-se, porm, de um estudo da dimenso valorativa onde o objeto adquire simbologia ao relacionar-se quela referncia constitucionalmente instituda.

    Nesses termos se apresenta, no referido texto, conforme as disposies do artigo 215:

    Art. 215. O Estado garantir a todos o pleno exerccio dos direitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes culturais. 1. O Estado proteger as manifestaes das culturas populares, indgenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatrio nacional.

    Para a garantia e estabelecimento dos direitos culturais no rol dos direitos fundamentais, cumpre-se analisar seu significado e contedo, e numa abordagem semitica delinear que estes se apresentam como ordenao jurdica onde dois aspectos devem ser observados: o direito cultural estabelecido como norma agendi ao definir que o Poder Pblico tutelar a cultura garantindo sua difuso e acesso; e o direito cultural como facultas agendi decorrente da faculdade de agir em face dessa garantia.

    Essa ordenao jurdica representa as normas constitucionais e ordinrias que em conjunto, constituem o direito objetivo da cultura, que em diversas situaes, dispem aos interessados uma faculdade de agir visando a satisfao de determinado bem da vida. Assim, os direitos culturais se inserem na categoria dos direitos fundamentais, dispondo a seu titular faculdade de reivindicar seu exerccio e ao Estado o dever de tutel-lo promovendo o acesso popular e fornecendo meios de sua difuso. Para tal incurso, necessrio que os direitos estejam inseridos na Constituio ou

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 297

  • sejam abraados pelos princpios que congregam os direitos fundamentais. Conforme Cunha Filho,

    Se assim puderem ser caracterizados, recebero o tratamento de fundamentais do que decorre: 1) proteo especial quanto supresso do ordenamento; 2) aplicabilidade imediata do ponto de vista de eficcia jurdica, bem como proteo contra a doutrina que advoga a existncia de normas fundamentais programticas, na seara dos direitos fundamentais (CUNHA FILHO, 2000, p. 41).

    Tais faculdades abrangem os diversos meios em que a cultura se

    apresenta e interage no ambiente, definindo os direitos de criao, expresso e acesso s suas fontes; de difuso e proteo das manifestaes populares nsitas no processo civilizatrio nacional; e no direito e dever do Estado de formar o patrimnio cultural brasileiro tutelando os bens culturais na constituio de regime jurdico especial como propriedade de interesse pblico.

    Em tais condies, o legislador, na denominao Patrimnio Cultural Brasileiro, que abrange o patrimnio cultural nacional, estadual e municipal e as manifestaes humanas que mediante projeo valorativa determinam a memria coletiva e a identidade social atravs dos bens histricos, artsticos, arqueolgicos, paleontolgicos, etnogrficos, folclricos e paisagsticos, reconheceu nos termos do artigo 216 da Constituio Federal que:

    Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expresso;II os modos de criar, fazer e viver;III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas;IV as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais;V os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.

    Revista da Faculdade de Direito da UFG298

  • Desse modo, inovaes foram trazidas com a adoo de modernos conceitos caracterizadores da abrangncia do bem cultural, que diferentes das demais Constituies brasileiras e estrangeiras, conseguiram de forma minuciosa absorver as dimenses da experincia jurdica, circunscrevendo no aparelho normativo valores e polticas culturais, na promoo de uma viso integral ao instituir a proteo dos bens representativos do pluralismo tnico formador da sociedade brasileira.

    Portanto, ao incluir os bens tangveis e intangveis, individualizados ou em conjunto, referenciais da identidade, ao e memria nacional, o Direito consagra o pluralismo cultural, reconhecendo que os bens merecedores de tutela devem compreender todo um conjunto de referncias o que propicia uma atuao diversificada, superando o entendimento anterior de que o patrimnio nacional o constitudo apenas por representaes simblicas da dominao civil, militar e eclesistica das elites.

    Aprofundando reflexes sobre o artigo citado, deve-se admitir que foge tcnica usual e constitui um marco histrico na evoluo dos aspectos constitucionais da preservao cultural. Todavia, observa-se um aspecto passvel de crtica concernente ao disposto no inciso V quando faz integrar ao patrimnio cultural os stios de valor ecolgico. Parte dos doutrinadores apresentam-se imparciais omitindo tal questionamento ou afirmam que a redao do referido inciso est adequada a construo da noo de ambiente cultural. Outros entendem que ao fazer essa incluso, atravs da referncia aos stios de valor ecolgico, o legislador reafirmou a tipologia tradicional, visto que o conceito de cultura remete ao objeto resultante da ao humana e que por essa razo, no deveria ser includo nesta definio.

    Cabe demonstrar tambm que a experincia normativa, instrumento responsvel pela tutela e garantia dos direitos culturais, tem apresentado e obtido importantes conquistas na valorizao e no respeito identidade das etnias que outrora no eram consideradas parte integrante do ambiente cultural e que constituem a memria e identidade nacional, o que pode ser vislumbrado nas seguintes disposies do artigo estatudo pela Constituio do Estado de Gois de 1989:

    Art. 163 (...) 1. . As tradies, usos e costumes dos grupos indgenas do Estado integram o patrimnio cultural e ambiental goiano e recebero proteo que ser estendida ao controle das atividades econmicas que, mesmo fora das reas indgenas, prejudiquem o ecossistema ou a sobrevivncia fsica e cultural dos indgenas.

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 299

  • Tal disposio reafirma os preceitos estabelecidos no texto constitucional brasileiro e busca o estabelecimento de uma poltica cultural democrtica onde o ambiente, reconhecida a pluralidade dos grupos humanos, assim como a experincia jurdica em suas dimenses, constitua uma viso integral e interdependente que respeite a diversidade cultural e propicie a efetivao dos princpios de justia.

    No obstante, os direitos culturais devem ser construdos coletivamente, num processo de conscientizao em que

    preciso haver uma educao para a cidadania. A violncia perpassa o cotidiano das pessoas de inmeros segmentos, em especial da populao mais carente: mulheres, presos, negros, crianas e idosos. H um sofrimento que tem lugar no mbito privado e no vem a pblico, a no ser que essas pessoas tomem conscincia de seus direitos como cidados e se organizem para lutar por eles. preciso criar espaos para reivindicar os direitos, mas preciso tambm estender o conhecimento a todos, para que saibam da possibilidade de reivindicar (COVRE, 1993, p. 66).

    Nesse aspecto, o artigo 225, 1., VI da Constituio Federal de 1988, ao dispor que compete ao Poder Pblico promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para a preservao ambiental demonstra, inegavelmente, a estreita relao entre a tutela ao ambiente cultural e a prtica da cidadania, onde os direitos culturais se apresentam como forma de expresso do princpio da igualdade.

    1.1 Meios Preventivos de Atuao Tutelar

    Os bens culturais fazem parte dos chamados interesses difusos e seus instrumentos acauteladores encontram-se dispostos na Constituio e no ordenamento infraconstitucional. Ao estabelecer tais instrumentos, o legislador previu a existncia de uma tutela com carter preventivo ao ambiente cultural. Nesse aspecto, constituem parte dos chamados direitos fundamentais que acentuam o princpio da igualdade e so de eficcia e aplicabilidade imediata.

    Segundo Canotilho, os direitos fundamentais cumprem,

    a funo de direitos de defesa dos cidados sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurdico-objectivo, normas de competncia negativa para os

    Revista da Faculdade de Direito da UFG300

  • poderes pblicos, proibindo fundamentalmente as ingerncias destes na esfera jurdica individual; (2) implicam, num plano jurdico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omisses dos poderes pblicos, de forma a evitar agresses lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). (Apud MORAES: 2002, p. 58)

    Da mesma forma, os meios de atuao tutelar constituem instrumentos de promoo e proteo do ambiente cultural e no constituem monoplio da Administrao Pblica, facultando tambm aos Poderes Legislativo e Judicirio competncia para definirem tal matria, o que remete ao entendimento de que as formas indicativas do valor cultural de um determinado bem podem ser de ordem administrativa, legislativa e judicial.

    A promoo por ato administrativo a mais comum e est prevista no artigo 216, 1., da Constituio Federal, ao prescrever que o Poder Pblico, com a colaborao da comunidade, promover e proteger o patrimnio cultural brasileiro, por meio de inventrio, registros, vigilncia, tombamento e desapropriao, e de outras formas de acautelamento e preservao.

    Notadamente, enquanto alguns desses meios se destinam promoo, construo oficial do patrimnio atravs da incurso jurdica de determinado bem no rol dos representativos da memria dos grupos formadores da sociedade brasileira, tais como o inventrio, os registros, a desapropriao, o tombamento etc.; outros constituem formas de proteo do patrimnio constitudo, como a fiscalizao, a restaurao e as restries imodificabilidade, por exemplo. Alm disso, conforme Marlusse Pestana Daher (2002), as formas de proteo na medida que impedem legalmente a destruio dos bens culturais, preservam no s a memria coletiva, mas todos os esforos e recursos j investidos para a sua construo.

    O tombamento, por ser um procedimento abrangente que consegue se apresentar como forma de promoo e proteo, constitui principal instituto de tutela ao ambiente cultural e representao das dimenses da experincia jurdica, visto que demonstra de forma clara uma viso integral do Direito a partir das correlaes fato, valor e norma.

    Nesse sentido, importante observao deve ser apresentada ao analisar as polticas preservacionistas, porque embora o tombamento represente inestimvel fonte de acautelamento do bem cultural, no constitui a nica (como era previsto no regime constitucional anterior) visto que no basta apenas a proteo formal, deve-se zelar tambm pela vitalidade do objeto da tutela empregando atos destinados sua

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 301

  • preservao, valorizao e revitalizao. Com efeito, necessrio superar o senso comum ao conceber tais

    mecanismos de proteo vital do bem devido existir uma tendncia a consider-los como sinnimos, sem preocupao tcnica. Nessa linha de raciocnio, o Programa de Preservao e Revitalizao do Patrimnio Ambiental Urbano do Governo do Estado de So Paulo apresenta esclarecedoras definies:

    Por 'preservar' entende-se impedir a indiscriminada destruio de elementos componentes do patrimnio cultural e especialmente patrimnio ambiental urbano, onde a ao destruidora mais intensa, e nos casos em que a mesma no seja imprescindvel para o desenvolvimento urbano, em funo da existncia de solues alternativas. Por 'valorizar' entende-se substituir a imagem de desprestgio, obsoletismo, decadncia, atraso ou inutilidade que freqentemente associada a certos componentes do patrimnio cultural, mormente do patrimnio ambiental urbano, por outra que reflita com mais propriedade a dimenso social, cultural, histrica, esttica, tcnica, afetiva ou a forma de que se revestem. Por 'revitalizar', finalmente, entende-se incentivar a atribuio de novos usos e funes a certos elementos do patrimnio cultural, especialmente do patrimnio ambiental urbano, tornando-os compatveis com as necessidades da sociedade contempornea e apresentando-os como alternativa para a constante demanda de novas edificaes, reas pblicas, elementos paisagsticos, equipamentos urbanos, estimulando-se a permanncia dos moradores originais. (SILVA: 2001, p. 150)

    Aliado a estes conceitos, observa-se que a determinao do pargrafo nico do artigo 216 da Carta Magna constitui forma exemplificativa, pois como o prprio texto dispe, existem outras formas de acautelamento e preservao. Nesses termos, os Museus, Associaes Culturais e Universidades, por exemplo, tambm se inserem nesse conceito por serem espaos destinados conservao e disseminao da herana cultural de determinada sociedade. A propsito, no s a estas instituies, mas ao Poder Pblico compete desenvolver meios de proteo, e neste aspecto o legislador foi taxativo ao definir a colaborao da comunidade nesse processo.

    Atravs de lei especfica o Poder Legislativo tambm poder tutelar

    Revista da Faculdade de Direito da UFG302

  • o ambiente cultural desde que as limitaes jurdicas do bem a ser protegido se apresentem definidas. Essa tutela, apesar de pouco utilizada, j suscita relevantes divergncias doutrinrias. Na explicao de Milar, no caso de Municpios que no disponham de rgo de preservao local, esta poder ser a nica soluo vivel (MILAR: 2000, p. 192). Jos Eduardo Ramos Rodrigues, porm, afirma existirem srias desvantagens ao vislumbrar que neste caso os critrios do tombamento podero ser exclusivamente polticos, alm do processo legislativo lento e da possibilidade de veto por parte do Poder Executivo (Apud MILAR, 2000, p.192).

    Um exemplo bastante esclarecedor a Lei n. 3.924, de 26.07.1961, ao estabelecer um regime jurdico especfico no qual o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) deve cadastrar e fiscalizar os stios arqueolgicos e suas escavaes.

    Muitas vezes torna-se necessrio um regime como esse, diverso do tombamento, visto que h casos em que a fruio cultural se apresenta de outra forma. Assim, enquanto o tombamento pretende em tese que o bem no sofra modificao, h certos casos em que o bem necessita ser desmontado cientificamente (os stios arqueolgicos, por exemplo) (Cf. MILAR: 2000).

    Outra forma da incluso de bens no patrimnio cultural a facultada por meio de deciso judicial conforme disponibiliza a Lei n. 7.347/85 atravs do mecanismo da ao civil pblica referendada por um provimento judicial.

    Conforme afirma Jos dos Santos Carvalho Filho, pode ocorrer que a falta de proteo de tais bens decorra exatamente da omisso do Poder Pblico, ou seja, do ato de tombamento, de forma que, na ocorrncia de tal fato, atravs da ao pblica que os legitimados buscaro a necessria tutela jurisdicional (Apud MILAR: 2000, p. 193).

    1.2 Meios Repressivos de Atuao Tutelar

    Assim como o legislador estabeleceu uma tutela preventiva, visando prevenir os bens objeto da tutela, definiu tambm meios repressivos com o intuito de reparar os danos e ameaas a eles direcionados.

    Os meios repressivos de proteo ao patrimnio cultural apresentam-se em resposta s agresses e consistem em instrumentos de natureza administrativa e judicial. Nesse sentido, o artigo 216, 4., da Constituio Federal de 1988, define que os danos e ameaas ao patrimnio cultural sero punidos, na forma da lei.

    Os instrumentos administrativos de represso aos atos danosos ou atentatrios ao ambiente cultural consistem em multa, destruio de obra,

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 303

  • remoo de objetos, apreenso e perda da obra, ressarcimento do dano, embargos e interdio. Tais mecanismos tambm podem ser estabelecidos por via da lei em mbito estadual e municipal por meio de sanes administrativas.

    A multa objetiva evitar que os danos e ameaas sejam contnuos e alm de seu carter punitivo, consiste na tutela ao patrimnio atravs da converso das rendas arrecadadas em benefcio dos bens culturais.

    Nesse aspecto os artigos 13, 1., 17, 19, 20 e 22, 2., do Decreto-Lei n. 25/37, estabeleceram sanes pecunirias nos casos de: omisso do registro da coisa tombada em transferncia da propriedade no prazo de 30 dias (multa de 10% do valor do bem); demolio, destruio, mutilao ou quando forem efetuadas intervenes sem a prvia autorizao do rgo competente (50% do valor do dano); negligncia perante a conservao e reparao do bem (o dobro do valor avaliado dos danos); criao de embaraos inspeo (multa no valor de R$ 100,00 (cem reais) elevada ao dobro caso ocorra reincidncia); e violao do direito de preferncia do Poder Pblico no caso de alienao onerosa do bem (20% do valor avaliado). Nos casos de pichao, grafite ou qualquer outro modo de macular o bem, conforme o estabelecido no pargrafo nico do artigo 52 do Decreto 3.179/99, a multa aplicada ser de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

    A destruio da obra poder ser promovida, observando os princpios constitucionais e procedimentos especficos, no caso de construo sem prvia autorizao do IPHAN, na vizinhana de coisa tombada, que impea ou reduza a sua visibilidade. J a remoo de objeto se dar na hiptese de colocao de anncios, cartazes ou similares, na vizinhana ou na coisa tombada, que interfiram em sua apreciao.

    Alm desses instrumentos, podero ser apreendidas a requerimento do titular, as obras literrias, artsticas ou de cunho cientfico, reproduzidas sem autorizao. Nesse aspecto, de acordo com os artigos 102 e 103 da Lei 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais), quem fizer a edio de obras fraudulentas dever devolver ao titular os exemplares e restituir o preo dos que tiver vendido, alm de incorrer em multa e nas sanes de ordem civil e penal.

    Mecanismos utilizados com muita freqncia so o embargo e a interdio. Esses so regidos pela Lei 6.513/77, que dispe em seu artigo 24, II e III, que o bem do patrimnio cultural e histrico que estiver abrangido em rea especial ou local de interesse turstico caso tenha sido lesado ou possa s-lo atravs de atividades, deve ser protegido pela interdio. Caso sejam realizadas obras no autorizadas ou que estejam se realizando de modo contrrio autorizao, essas obras podero ser embargadas.

    Revista da Faculdade de Direito da UFG304

  • Desenvolvendo tal entendimento Machado afirma que se na vizinhana do bem tombado pode-se embargar obra irregular, com muito mais razo se proteger o prprio bem tombado atravs de embargo da obra destruidora, demolidora ou mutiladora (MACHADO: 2000, p. 846). Importante observar que o desrespeito a embargo constitui crime de desobedincia conforme o artigo 330 do Cdigo Penal.

    Outros mecanismos para garantir a tutela ao patrimnio cultural so os processuais. Os instrumentos processuais consistem na ao popular, ao civil pblica e ao penal pblica.

    A ao popular est instituda no artigo 5., LXXIII, da Constituio, que dispe ser qualquer cidado parte legtima para prop-la, nos casos em que vise a anular ato lesivo ao patrimnio cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia. A Lei 4.717/65 que regula tal instrumento define ser patrimnio pblico, para seus fins, os bens e direitos de valor econmico, artstico, esttico, histrico ou turstico.

    Como se v, de acordo com o artigo 14, 4., da referida Lei, qualquer pessoa no gozo dos seus direitos polticos poder pleitear, por meio de ao popular, sentena que declare nulos os atos lesivos ao patrimnio cultural e a condenao dos responsveis ao pagamento de perdas e danos ou restituio de bens ou valores.

    A ao civil pblica consta no texto constitucional no artigo 129, III, ao disp-la entre as funes institucionais do Ministrio Pblico objetivando a proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos. Em sentido idntico o Estado tem legitimidade para promov-la nos termos do artigo 5., da Lei 7.347/85. A referida Lei disciplina e a regula em seu artigo 1., III, quando refere-se a aes de responsabilidade por danos patrimoniais e morais causados a bens de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico, bem como a qualquer outro interesse difuso e coletivo.

    Conforme afirma Milar (2000), ao contrrio da ao popular, que se volta contra o ato administrativo lesivo ao patrimnio pblico, a ao civil pblica se dirige no s contra o Estado, mas tambm em face dos particulares que causem dano aos referidos bens ou valores. Alm disso, assevera que o regime jurdico da responsabilidade civil por danos ao patrimnio cultural pauta-se pela teoria da responsabilidade objetiva, em que a simples lesividade suficiente para a provocao judicial de acordo com os artigos 14, 1. da Lei 6.938/81 e 225, 3. da Constituio Federal de 1988.

    Aliada a ao popular e a ao civil pblica, os delitos contra o patrimnio cultural podem ser reprimidos mediante ao penal pblica

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 305

  • incondicionada, conforme consta no artigo 26 da Lei 9.605/98. Nesses termos, estabelece tutela ao promover em suas disposies sanes como as do artigo 62:

    Art. 62 - Destruir, inutilizar ou deteriorar;I bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou deciso judicial.II arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalao cientfica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou deciso judicial.Pena: recluso de um a trs anos, e multa.Pargrafo nico: Se o crime for culposo, a pena de seis meses a um ano de deteno, sem prejuzo de multa.

    Assim, no s os bens tombados por ato administrativo, mas tambm os decorrentes de lei ou sentena, so objetos de proteo. Outra inovao desta Lei, disposta em seu artigo 63 a cominao de pena de recluso e multa queles que alterarem o aspecto ou a estrutura da edificao ou local especialmente protegido.

    2. COMPETNCIA LEGISLATIVA

    A Constituio Federal de 1988 outorgou Unio competncia executiva e legislativa, visto que a tutela ao ambiente evoca atos concretos para a consecuo de seus fins. A competncia executiva comum est disciplinada nos artigos 23, III, IV e V, 25 1., e 30, IX, e a legislativa concorrente est pautada nas disposies dos artigos 24, I, VII, VIII, IX, 1., 2. e 3. e 30, II ambos em consonncia com a norma do artigo 215 do referido ordenamento.

    Verificam-se tais atribuies nos dispositivos supramencionados:

    Art. 30 Compete aos Municpios:(...)Art. 23 competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios:(...)III proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico, artstico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais e os stios arqueolgicos;IV impedir a evaso, a destruio e a descaracterizao de obras de arte e de outros bens de valor histrico, artstico ou cultural;V proporcionar os meios de acesso cultura,

    Revista da Faculdade de Direito da UFG306

  • educao e cincia;Art. 24 Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:I direito tributrio, financeiro, penitencirio, econmico e urbanstico;(...)VII proteo ao patrimnio histrico, cultural, artstico, turstico e paisagstico; VIII responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico;(...)IX educao, cultura, ensino e desporto;(...) 1. - No mbito da legislao concorrente, a competncia da Unio limitar-se- a estabelecer normas gerais. 2. - A competncia da Unio para legislar sobre normas gerais no exclui a competncia suplementar dos Estados. 3. - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercero a competncia legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

    Art. 25 Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituies e leis que adotarem, observados os princpios desta Constituio. 1. - So reservados aos Estados as competncias que no lhes sejam vedadas por esta Constituio.II suplementar a legislao federal e a estadual no que couber(...)IX promover a proteo do patrimnio histrico cultural local, observada a legislao e a ao fiscalizadora federal e estadual.

    Observa-se que o constituinte definiu competncia ao Poder Pblico no que concerne ao processo de elaborao de leis e viabilizao e execuo das mesmas. Entende-se que compete Unio estabelecer normas gerais sobre urbanismo, meio ambiente, responsabilidade por danos ao patrimnio e tutela ao ambiente cultural, cabendo ao legislador federal fornecer os parmetros e desenvolver institutos jurdicos a serem adotados pela Federao (Cf. PIRES: 1994).

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 307

  • Com efeito, enseja notar que a competncia para a execuo do tombamento, por meio de rgo indicado no ordenamento jurdico, deferida Unio em todo territrio nacional e aos Estados, Distrito Federal e Municpios em seus limites; e para elaborao de leis observa-se competncia concorrente com exceo aos Municpios que neste caso detm competncia local e suplementar.

    Logo, existe uma graduao de interesses a ser analisada, pois no necessrio haver concomitncia de tombamento, sobre o mesmo bem, nas trs esferas. Sustenta esse entendimento Mukai (Apud TELLES: 1992) ao afirmar que, se o bem contiver apenas um valor estadual ou municipal, no poder a Unio tomb-lo por falta dos pressupostos constitucionais, o que demonstra que a competncia concorrente est subordinada s disposies estabelecidas na Carta Magna e o que se percebe na Constituio Estadual de 1989.

    A Constituio do Estado de Gois de 1989 dispe como competncia do Estado, sem prejuzo de outras competncias que exera isoladamente ou em comum com a Unio ou com os Municpios, legislar, concorrentemente com a Unio, sobre direito urbanstico, proteo ao patrimnio histrico e de bens e direitos de valor artstico, esttico, cultural, turstico e responsabilidade por dano aos mesmos (art. 4., 'a' e 'g'), alm de competir em comum com a Unio e os Municpios, sobre a proteo de documentos, obras, monumentos e bens de valor cultural, impedindo sua evaso, destruio e descaracterizao, proporcionando meios de acesso cultura e de proteo ao meio ambiente (art. 6., III, IV e V).

    Tambm em seo prpria, dispe no artigo 143 que o Estado e os Municpios promovero e incentivaro o turismo como fator de desenvolvimento scio-econmico, cuidando especialmente da proteo ao patrimnio ambiental e da responsabilidade por dano ao meio ambiente e aos bens culturais. Mostra enfim que, o patrimnio cultural goiano constitudo dos bens de natureza material e imaterial, e que dever do Estado de Gois e da sociedade promover, garantir e proteger toda manifestao cultural, assegurando plena liberdade de criao e expresso, incentivando e valorizando a produo e a difuso cultural por meio do tombamento e outras formas de acautelamento e preservao (arts. 163 e 164).

    Alm das disposies normativas j apresentadas, os Municpios, conforme observado, podem legislar sobre a preservao do ambiente cultural local e sobre tombamento desde que em consonncia com a legislao federal e estadual, suplementando-as.

    2.1 Tombamento

    Revista da Faculdade de Direito da UFG308

  • Os vocbulos tombamento, tombo, tombar, ligam-se ao mesmo corpo semntico significando registro, inventrio e arrolamento, o que em Portugal refere ao registro, arquivo e catalogao de documentos pblicos ou histricos no atual Arquivo Nacional Portugus, designado Torre do Tombo. Pontes de Miranda, demonstrando etimologicamente o termo, afirma:

    Tombar (do latim tumulus, elevao da terra, donde tombo tmoro, talvez por haver marcos com alteamentos dos limites das terras) tem o significado de lanar em livro de tombo, e nada tem com tombar (do velho alto alemo tomn, provavelmente formado no espanhol, passando ao portugus e ao ingls). O tombamento apenas, hoje, a inscrio no livro do tombo, tal como acontecia com os bens da Coroa. (Apud PIRES, 1994: p.75)

    Nesse sentido, tombamento o reconhecimento do valor cultural de determinado bem pelos rgos competentes traduzido na inscrio em livro especial designado Livro do Tombo. A legislao federal atinente matria o Decreto-Lei n. 25/37 e a Lei 3.924/61, que dispem a inscrio do bem em quatro categorias: Livro Arqueolgico, Etnogrfico e Paisagstico; Livro Histrico; Livro das Belas Artes (referente arte erudita); e Livro das Artes Aplicadas. Tais inscries tambm podero ser feitas em mbito estadual e municipal acarretando as conseqncias jurdicas previstas em lei.

    Conforme o Departamento do Patrimnio Histrico do Municpio de So Paulo, tombamento o ato administrativo realizado pelo Poder Pblico objetivando preservar, atravs da aplicao de legislao especfica, bens de valor histrico, cultural, arquitetnico, ambiental e de valor afetivo para a populao, impedindo que venham a ser destrudos ou descaracterizados (Cf. DAHER: 2002).

    Segundo Jos Afonso da Silva,

    o ato do Poder Pblico que, reconhecendo o valor cultural de um bem, mediante inscrio no livro prprio, subordina-o a um regime jurdico especial que lhe impe vnculos de destinao, de imodificabilidade e de relativa inalienabilidade (SILVA, 2001, p.159).

    Tombamento a declarao pelo Poder Pblico do valor histrico,

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 309

  • artstico, paisagstico, turstico, cultural cientfico de coisas ou locais de acordo com a inscrio em livro prprio (MEIRELLES, 1998, p. 543). O referido autor afirma no ser o tombamento instrumento para proteo da fauna e flora, argumentando que estas esto sujeitas a um regime legal estabelecido pelo Cdigo Florestal (Lei 4.771/65), o Cdigo de Caa (Lei 5.197/67) e pelo Cdigo de Pesca (Decreto-Lei 221/67).

    O tombamento consiste no conjunto legal de restries parciais que o Poder Pblico faz a bem particular, mvel ou imvel, por motivo de interesse pblico mencionado em lei (Apud SILVA: 2001, p.159). Para Di Pietro, a modalidade de interveno do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteo do patrimnio histrico e artstico nacional, assim considerado pela legislao ordinria (DI PIETRO: 2001, p. 131). Todavia, observa-se que no s bens particulares podero ser tombados, podendo incluir nessa definio os bens pblicos, ensejando tombamento de ofcio.

    A classificao do tombamento utilizada pela doutrina majoritria a que o define em modalidades segundo a eficcia; a constituio ou procedimento; e aos destinatrios.

    Quanto eficcia o tombamento poder ser provisrio ou definitivo. Tombamento provisrio o decretado logo no incio do processo e s possvel nos casos de constituio por lei especfica ou pela via judicial, gerando efeitos imediatos equiparando-se ao definitivo, mas diferenciando desta outra modalidade por se eximir do direito de preferncia e do registro em cartrio imobilirio. J o tombamento definitivo poder ser constitudo pela forma administrativa (iniciado com a notificao); legislativa (no incio da vigncia da lei); e jurisdicional (quando a inscrio estiver protegida pela coisa julgada). Assim, provisrio quando o processo j estiver iniciado pela notificao e definitivo quando estiver concludo com a insero do bem no respectivo livro.

    Quanto instituio ou procedimento o tombamento poder ocorrer de ofcio (incide sobre bens pblicos e se efetua por determinao do rgo competente) ou incidir sobre bens de particulares, se subdividindo em tombamento voluntrio (mediante pedido do proprietrio) ou compulsrio (caracterizado pela iniciativa do Poder Pblico quando houver recusa do proprietrio em relao inscrio do bem).

    Quanto aos destinatrios o tombamento poder ser individual (um bem determinado) e geral (atingindo uma totalidade de bens como uma cidade, por exemplo).

    Nesse contexto, percebe-se a importncia de uma anlise do tombamento, devido sua importncia e constante apresentao nos diversos ramos do direito:

    Revista da Faculdade de Direito da UFG310

  • bem verdade, todavia que o tema, em razo de sua relevncia, vem ocupando intensamente a reflexo dos juristas. De qualquer forma, no obstante possa ser visualizado no contexto dos diversos ramos do direito, tanto na doutrina, como na jurisprudncia, ainda assim, sfaras as fontes onde captar, com abundncia, os subsdios para o melhor desenvolvimento do tema. Sua importncia, na atualidade, enorme, exigindo a ateno dos estudiosos do direito (TELLES: 1992, p. 16).

    Contudo, ao instituir uma anlise desse instituto de promoo e proteo ao ambiente cultural, deve-se nortear segundo as dimenses axiolgicas, normativas e fticas da experincia jurdica.

    CONSIDERAES FINAIS

    O estudo referente tutela do ambiente cultural e ao instituto do tombamento somente adquire integralidade se vislumbrado em termos de experincia concreta, produto das dimenses da experincia jurdica, onde os planos do dever-ser, constitudo pelas demonstraes valorativas; do ser, na construo ftica; e da cultura, referentes ordenao das condutas visando interagir meios e fins, relacionam-se numa interpenetrao possibilitadora da compreenso dos fenmenos jurdicos. Dessa forma, a conduta normatizada a concretizao social e histrica em virtude de fatos representativos de valores e o mtodo comparativo assume importante referencial.

    O reconhecimento da experincia jurdica a partir da comparao entre as Constituies Federal e Estadual constitui mecanismo de conexo entre a realidade e o ideal de justia, o que faculta o reconhecimento dos bens e a eficcia da poltica de proteo e promoo cultural. Observa-se a instituio dos direitos culturais na categoria dos direitos fundamentais, dispondo ao titular a faculdade de reivindicar seu exerccio e ao Estado o dever de tutel-lo. No mesmo sentido convm definir que o peso maior dispensado nas analises Constituio Federal foi desenvolvido em virtude dos escassos registros e artigos sobre a temtica nas Constituies Estaduais e tambm pelas disposies estaduais conterem, na maioria dos casos, elementos repetitivos dos dispostos na Carta Magna.

    Implica ressaltar as inovaes constitucionais consolidadas com a adoo de modernos conceitos caracterizadores do bem cultural na promoo de uma viso integral ao tutelar os bens representativos do pluralismo tnico formadores da sociedade brasileira e o estabelecimento de

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 311

  • meios preventivos e repressivos de atuao tutelar. Dessa forma, o tombamento consegue abranger as formas de

    proteo e promoo, constituindo principal instituto de tutela ao ambiente cultural e representao das dimenses da experincia jurdica visto que, demonstra de forma clara uma viso integral do Direito a partir da correlao fato, valor e norma. Nesse sentido, pode ser realizado atravs das formas administrativa, legislativa e judicial, constituindo dever do Poder Publico com a colaborao da sociedade, na proteo formal e na busca pela vitalidade do objeto e, apesar de apresentar inestimvel forma de acautelamento, no constitui a nica, devendo ser aliado a outras formas de preservao.

    Deve-se observar na materializao da relao ser/dever-ser em conduta positivada a compreenso do regime jurdico, da competncia legislativa e da sistemtica dos processos de tombamento. Na dimenso normativa percebe-se que a critica que se pode fazer ao instituto refere-se mais a incorreta aplicao do que a insuficincia de leis, e que o tombamento possui carter dplice em que o incio do processo ato vinculado, e o momento para tombar e a inscrio do bem de acordo com o reconhecimento do valor que ele representa constitui ato discricionrio.

    Conforme Mirkine-Guetzvitch (1957) o estudo do direito comparado deve, portanto, aliar a observao das prticas constitucionais s teorias jurdicas e polticas, vislumbrando um conhecimento mais depurado da histria. Assim observa-se que a coletividade e o Estado devem compartilhar com a misso poltico-revolucionria da cultura nas reas de educao e preservao e na busca de um equilbrio entre a interveno estatal e a livre expresso. Essa interveno necessria devido a cultura ser um repositrio de valores representativos da identidade nacional e constituir um mecanismo de transformao social.

    Conclui-se que h uma veemente necessidade de promover uma interpretao da cultura sob a tica comparativista do Direito, na materializao normativa de fatos segundo valores, e que o incentivo educao patrimonial e compreenso dos direitos culturais constitui testemunho da cidadania.

    Revista da Faculdade de Direito da UFG312

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BRASIL, Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organizao do texto: Antnio Luiz de Toledo Pinto, Mrcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2001.

    COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que cidadania. 2. ed. So Paulo: Brasiliense, 1993. (Primeiros passos)

    CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Direitos culturais como direitos fundamentais no ordenamento jurdico brasileiro. Braslia: Braslia Jurdica, 2000.

    DAHER, Marlusse Pestana. Tombamento. Brasil, 2001. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2002.

    DI PIETRO, Maria Slvia Zanella. Direito Administrativo. So Paulo: Atlas, 2001.

    GOIS. Assemblia Legislativa. Constituio do Estado de Gois. Goinia: R & F Editora, 2002.

    LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropolgico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.

    MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 8. ed. So Paulo: Malheiros, 2000.

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 1998.

    MILAR, Edis. Direito do ambiente. So Paulo: RT, 2000.

    MIRKINE-GUETZVITCH, Boris. Evoluo constitucional europia. Traduo de Marina de G. Bezerra. Rio de Janeiro: Konfino, 1957.

    MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2002.

    Revista da Faculdade de Direito da UFG 313

  • PIRES, Maria Coeli Simes. Da proteo ao patrimnio cultural. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

    REALE, Miguel. Filosofia do direito. So Paulo: Saraiva, 2000.

    SILVA, Jos Afonso da. Ordenao constitucional da cultura. So Paulo: Malheiros, 2001.

    TELLES, Antnio A. Queiroz. Tombamento e seu regime jurdico. So Paulo: RT, 1992.

    Revista da Faculdade de Direito da UFG314

    2007 2972007 2982007 2992007 3002007 3012007 3022007 3032007 3042007 3052007 3062007 3072007 3082007 3092007 3102007 3112007 3122007 3132007 3142007 3152007 316