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Orfeu e Orfeu: a música nas favelas de Marcel Camus e de Cacá Diegues Orfeu e Orfeu: a música nas favelas de Marcel Camus e de Cacá Diegues Guilherme Maia  Compositor, Doutor em Comunicação(UFBA), Mestre em Musicologia (UNIRIO) e Professor do Centro Universitário Jorge Amado.  Artigo originalmente publicado na revista ArtCultura (Revista do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia V.7 N.10 Jan.-Jun. 2005. ISSN 15168603)   Resumo:  Sob a batuta do mercado, a música de um filme pode se tornar um objeto transparente revelador do que existe por trás das câmeras. Quando estratégias promocionais articuladas com a indústria fonográfica se fazem imprimir por demais na película e a parte musical da trilha sonora de um filme é construída com um olho posto no faturamento que a música pode gerar depois, 1 / 47

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Orfeu e Orfeu: a música nas favelas de Marcel Camus e de Cacá Diegues

Orfeu e Orfeu: a música nas favelas de Marcel Camus e deCacá DieguesGuilherme Maia 

Compositor, Doutor em Comunicação(UFBA), Mestre emMusicologia (UNIRIO) e Professor do Centro UniversitárioJorge Amado.

 

Artigo originalmente publicado na revista ArtCultura (Revista doInstituto de História da Universidade Federal de Uberlândia V.7N.10 Jan.-Jun. 2005. ISSN 15168603)

 

 Resumo:

 

Sob a batuta do mercado, a música de um filme pode se tornarum objeto transparente revelador do que existe por trás dascâmeras. Quando estratégias promocionais articuladas com aindústria fonográfica se fazem imprimir por demais na películae a parte musical da trilha sonora de um filme é construída comum olho posto no faturamento que a música pode gerar depois,

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o resultado pode ser um abalo no programa poético do diretor ena coerência da narrativa fílmica. Neste ensaio crítico que fazuma comparação entre os programas musicais de Orfeu docarnaval (Marcel Camus, 1958) e de Orfeu (Cacá Diegues,1999), é possível observar transformações da imagem sonora“real” da favela carioca na sua transposição para o mundoficcional. Mais que tributária de demandas de ordemdramatúrgica, essa espécie de “distorção” da imagem sonora édecorrente de forças em ação no campo sociocultural e dasestratégias de difusão do filme no mercado.

 

 

 Palavras-chave: música no cinema; crítica cinematográfica;cinema e mídia

 

  Abstract::Under market command, the music of a film mayturn out to be a transparent and revealing object of what thereis behind the cameras. When promotional strategies, inagreement with the phonographic industry, become too incisivein film poiesis, the consequence may result in ashock in the director´s poetic program and in the coherence of

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the film narrative. This critical essay compares the musicalprograms of Orfeu do carnaval (Marcel Camus, 1958) andOrfeu (Cacá Diegues, 1999) observing transformations of the“real” sound image of the carioca slum in its transposition to thefictional world. This kind of sound image “distortion” is a resultof forces in action in the social-cultural field and of the diffusionstrategies in film marketing rather than tributary of the demandin dramatic order.  Key-words: film music; filmcriticism; movie and media   

 

Neste trabalho, são examinadas as estratégias poéticas postasem ação por dois diretores de cinema na elaboração da músicados filmes Orfeu do carnaval (1958), uma produção francesadirigida por Marcel Camus com trilha sonora de Tom Jobim eLuís Bonfá, e Orfeu (1999), de Cacá Diegues, com direçãomusical assinada por Caetano Veloso, no que diz respeito aouso da música como um agente da representação audiovisualde um determinado ambiente sócio-histórico-cultural. Comoserá possível constatar no curso desta narrativa, tanto Camusquanto Diegues parecem ter, de certa forma, uma escuta"estrangeira" das favelas cariocas. A hipótese a ser aquitrabalhada é que a mutação da imagem sonora “real”, na suatransposição para o mundo ficcional, mais que tributária de

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demandas de ordem dramatúrgica, é decorrente de forças emação no campo sociocultural e das estratégias de difusão dofilme no mercado.

 

O morro bossa-nova de Marcel Camus 

 

Quase que totalmente extraída da peça de Vinícius de Moraes,a música de Orfeu do carnaval aciona três elementos básicos:canções (“A felicidade” e “O nosso amor”, de Tom Jobim eVinícius de Moraes, e “Manhã de carnaval” de Luís Bonfá eAntônio Maria), músicas instrumentais (“Frevo”, de Tom Jobim,e “Samba de Orfeu”, de Luís Bonfá) e batucada (ensaios eapresentação da escola de samba, paisagem sonora da favelae música extradiegética). A batucada, é claro, operabasicamente como um espelho do real. Nas músicasinstrumentais, principalmente em “Samba de Orfeu”, entretanto,é possível perceber tintas “eruditas” na paisagem sonora, poiso violão de Bonfá denuncia uma excelência técnica que remete

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a estudos sistemáticos do violão chamado clássico, práticapouco compartilhada até hoje por habitantes das favelascariocas. É curioso, inclusive, quando vemos, na cena final, umgaroto de aproximadamente dez anos tocar o violão tosco evelho de Orfeu, enquanto ouvimos uma interpretação de ummúsico maduro em um instrumento de ótima sonoridade. Já“Frevo”, música executada também no plano diegético por umapequena banda militar, embora o gênero não fosse dominantecomo as famosas marchinhas da época, é uma manifestaçãopertinente no carnaval carioca dos 50.

 

É, mais precisamente, nas canções do filme que pode serobservado com maior clareza a interferência de forças docampo sociocultural na representação. Tomemos comoexemplo a canção “O nosso amor”, que é o samba-enredo daescola de samba liderada pelo protagonista Orfeu. Comapenas 32 compassos (na forma aab, sendo a = 8+8 e b = 16)e com pouquíssimos versos, “O nosso amor” pouco se parececom sambas-enredo compostos para as escolas do Rio deJaneiro no final dos anos 50, que, como sabemos, faziam usode formas mais extensas. A letra de “O nosso amor” diz:

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 O nosso amor vai ser assimEu pra você, você pramim.Tristeza, eu não quero nunca mais,Vou fazer vocêfelizVou querer viver em paz

 

            As breves palavras da canção não fazem mais do quedeclarar, de modo anônimo, um amor mútuo que reflete obinômio Orfeu/Eurídice, e não pode ser qualificada como umaletra característica dos sambas-enredo do período. SegundoCharles Perrone [1] , no princípio dos anos 30 as nascentesescolas de samba utilizavam canções mais simples nosdesfiles, mas já no final da década, com a organização e aoficialização do carnaval no Rio de Janeiro, os sambas dasescolas passaram a ser estruturados em torno de temasescolhidos. As músicas utilizadas nos desfiles, especialmente apartir do “Estado Novo” (1937-1945), eram formas maiores,mais complexas e com textos sempre baseados em aspectosda história brasileira, do folclore ou da cultura popular. “Onosso amor” soa mais como um samba de bloco do que comoum samba-enredo temático do final dos anos 50.

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            Já as canções “A felicidade” e “Manhã de carnaval”,como é de conhecimento geral, estão mais próximas da futurabossa nova — e, portanto, dos bares e apartamentos da ZonaSul carioca onde o gênero floresceu — do que de uma práticamusical emergente das favelas dos 50, conforme comentaPerrone:

 

 “Manhã de carnaval” pode ser pensada como umsamba-canção, uma variação sentimental e lírica do samba,em transição rumo ao estilo bossa-nova, que estava emergindono Brasil no final dos anos 50. (...) O veículo primário deinovação estilística é a canção-tema “A felicidade”, com suasofisticação melódica e harmônica, interpretação vocalrelativamente contida e ataques sutis do violão. (...) BossaNova, como os estudiosos têm enfatizado repetidamente, nãosurgiu no universo quase exclusivamente afro-brasileiro dafavela retratada no filme, mas sim no ambiente euro-brasileirode alguns bairros da orla da zona sul do Rio, que não temnenhum papel no filme. 

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É fácil inferir, no entanto, que as canções de Orfeu do carnavalnão foram convocadas para a trilha sonora com a função deoperar no sentido da representação realista e precisa de umdeterminado mundo. “Manhã de carnaval”, por exemplo, temimportante função narrativa. Na manhã do dia do desfile, Orfeué visto pelo espectador em casa, sentado em sua camatocando violão e cantando a canção como se tivesse sidorecém-composta. Aos poucos Orfeu percebe que está sendoobservado por alguém. Levanta-se, vai ao quintal e vê Eurídice,que, encantada com o que estava ouvindo, foi ao quintal desua casa para descobrir quem estava cantando. A mútuaatração entre os dois protagonistas é explicitada pela primeiravez na narrativa fílmica. A seqüência confirma o talento docompositor Orfeu. O espectador “vê” a musicalidade dopersonagem em ação, no ato de criação, e exercendo seupoder de encantamento.

 

A função da música aqui, portanto, é, em primeiro lugar, aprópria representação do mito de Orfeu, que, como sabemos,pode ser considerado um símbolo primário, dentro da história e

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da tradição ocidental, que simboliza o poder de encantamentodos sons musicais. Orfeu é um shaman, um mágico, mas,acima de tudo, um músico excepcional que canta e toca lira detal maneira que pode alterar o curso da natureza.Simultaneamente, a letra da canção opera claramente naprogressão dramática da trama dos protagonistas Orfeu eEurídice, como uma antecipação poética do caso de amorentre eles — que terá início naquela nascente “manhã decarnaval” —, e como um prenúncio sutil do final trágico dahistória nos versos depois desse dia feliz/ não sei se outro diahaverá.

 

Já a canção “A felicidade”, a música de abertura, atuaprincipalmente como uma síntese poética da essênciadramática da história triste que o espectador está prestes aassistir. Tristeza não tem fim, felicidade sim é um verso que,cantado com sua melodia lenta, notas longas e com amarcante seção introdutória em tom menor, permiteassociações imediatas com o destino trágico dos protagonistas.Em resumo, as canções de Orfeu do carnaval são fios dotecido dramático do filme, mas inserem elementos musicais“estranhos” na paisagem sonora onde vivem os personagens.

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Algumas questões interessantes emergem desta constatação.Uma vez que fica muito claro que são as letras das canções, enão os aspectos exclusivamente musicais, que estão eminteração direta com a narrativa, é justificável supor que Camuspoderia ter optado por utilizar sambas mais “autênticos” comum resultado semelhante. Por que não o fez? Ora,simplesmente porque o diretor francês transpôs para a telamúsicas que, por conta de forças em movimento no campo daprodução cultural carioca dos anos 50, já estavam presentesna peça Orfeu da Conceição, na qual o filme foi baseado. Se épossível percebermos um “ouvido estrangeiro” nas cançõesque brotam do morro carioca de Camus, isso não pode seratribuído ao diretor francês, mas sim aos brasileiros Vinícius deMoraes, Tom Jobim e Luís Bonfá, que assinam a música dapeça em questão. A música do morro de Orfeu do carnaval édeterminada pela fidelidade de Camus ao musical de Viníciusde Moraes e, portanto, sofre a influência dos saberes musicaisde um poeta-diplomata e de dois compositores com formaçãono campo da música de concerto e do jazz, ou seja, depessoas com acesso a bens culturais de difusão restrita naépoca e até hoje.

 

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 É fundamental observar aqui que, no Rio de Janeiro do finaldos anos 50, compositores de samba que habitavam os morroscariocas não estavam ainda investidos do capital simbólico quelhes foi conferido mais tarde pela classe média universitária,especialmente pelos Centros de Cultura Popular da UNE.Assim, seria muito difícil que fossem convidados a compor parauma peça de caráter "culto" como Orfeu da Conceição. Daí queVinícius, o autor da peça, opta por compositores que ocupavamposição semelhante à sua própria no campo sociocultural, esua escolha se faz refletir na paisagem sonora do morroficcional de Orfeu da Conceição, de Orfeu do carnaval e, comoadiante veremos, também na de Carlos Diegues.

 

É importante assinalar, entretanto, que a favela de Camus éum lugar fictício construído assumidamente nos moldes docinema clássico. Orfeu do carnaval foi um enorme sucesso debilheteria, conquistou dois dos mais cobiçados prêmios docinema mundial: o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1959,e a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1959. Além disso,as músicas da trilha sonora causaram um significativo impactono mercado exterior e agiram de modo significativo noprocesso de exportação da futura bossa nova.

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  O morro funk-samba de Cacá Diegues 

 

Segundo Perrone, comparações diretas entre o impacto deOrfeu e de Orfeu do carnaval no exterior devem ser levadas acabo com cautela. Para ele, em termos de trilha sonora erepercussão, condições históricas tornam difícil conceber ofilme de Cacá Diegues como um todo, ou sua trilha sonora emparticular, como capaz de provocar um impacto nas esferasmusicais comparável, mesmo relativamente, ao causado porOrfeu do carnaval:

 

 Na época do lançamento de Orfeu do carnaval, a TV a cores eo formato LP ainda não estavam estabelecidos definitivamente.O presente contexto de globalização de fim-de-século, por suavez, já implica na incorporação e na ultrapassagem de umasérie de tecnologias envolvidas na transmissão de som e

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imagem (cassete, vídeo, CD, internet e outros), na distribuiçãoaltamente acelerada de produtos e na exposição massiva abens culturais tanto do centro para a periferia quanto emsentido contrário. (...) Familiaridade com o samba e a bossanova é um dado nos mercados do mundo industrializado. Poroutro lado, manifestações afro-diaspóricas de música pop têmcrescido de forma significativa no Brasil. O filme Orfeu, deCarlos Diegues, reflete de forma efetiva este aspecto darealidade cultural [2] . 

 

Em Orfeu a história começa num sábado de carnaval. O maisconhecido compositor dos morros do Rio de Janeiro, líder dafavela onde mora e de uma escola de samba fictícia, a Unidosda Carioca, Orfeu trabalha nos últimos preparativos para odesfile de carnaval quando conhece Eurídice, recém-chegada àcidade em busca de uma tia, sua única parenta desde que opai morrera nos garimpos do Acre. Os dois se apaixonamperdidamente, provocando ciúmes nas muitas ex-namoradasde Orfeu. Na noite do grande desfile no Sambódromo,enquanto Orfeu brilha na comissão de frente de sua escola"puxando" mais um samba de sua autoria, Eurídice é vítima deuma bala perdida de Lucinho, amigo de infância de Orfeu echefe do tráfico de drogas naquele morro. Desesperado, Orfeumata Lucinho e anda pela favela carregando em seus braços ocadáver de Eurídice. A dor de Orfeu só faz aumentar os ciúmesde Mira, Carmem e de todas as ex-namoradas do protagonista.

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Orfeu é assassinado por Mira no justo momento em que atelevisão anuncia o tricampeonato da Unidos da Carioca.

 

Quais as estratégias musicais utilizadas pelo diretor brasileiropara ambientar sua história? De acordo com Perrone, Dieguesnão quis usar a trilha de Camus, para deixar claro que seufilme não era um remake de Orfeu do carnaval, mas umaversão atualizada da peça de Vinícius. Porém o diretorbrasileiro não abriu mão de utilizar em seu filme “A felicidade” e“Manhã de carnaval”, duas canções do primeiro filme que maissucesso fizeram no exterior. Em matéria assinada pela críticaSuzana Schild e publicada no dia 12 de agosto de 1998 naAgência NetEstado [3] , Cacá Diegues afirma que fez o seufilme com a intenção de privilegiar a realidade e não a belezaque marcou a versão anterior filmada por Marcel Camus. Defato, o mundo construído pelas músicas de Orfeu reflete, decerta forma, aspectos da realidade cultural das favelas cariocascontemporâneas. A paisagem sonora samba-funk do filme,como já veremos, é um tecido fragmentário que revelaaspectos do hibridismo do "real" contemporâneo dos morros doRio de Janeiro. Muito mais abrangente que o utilizado porCamus, o material musical acionado por Diegues pode serassim descrito:

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a — Três canções originais da peça Orfeu da Conceição,“Manhã de carnaval”, “A felicidade” e “Se todos fossem iguais avocê”, e versões instrumentais de “Valsa de Eurídice” e “Eu emeu amor”, também do repertório da montagem original dapeça, executadas ao violão com caráter virtuosístico.

 

b — Dois sambas "tradicionais": “Cântico à natureza”, deNélson Sargento e Jamelão, e um pequeno trecho do sambado Império Serrano de 1965, “Os cinco bailes na história doRio”, de Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e Bacalhau.

 

c — O samba-enredo composto por Caetano Veloso e Gabriel,O Pensador, “História do carnaval carioca”. É o samba-enredoda Unidos da Carioca, escola liderada por Orfeu.

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d — Uma canção inédita de Caetano Veloso, “Eu sou você”.

 

e — Diferentes registros de gêneros semanticamenteconectados com o universo do hip-hop, que aparecem napaisagem sonora pública, no rádio e nos alto-falantes, nodia-a-dia da favela, enfim, durante toda a narrativa, inclusive nopróprio samba-enredo da escola.

 

f — Batucada diegética nos ensaios e no desfile da escola, eextradiegética em algumas cenas de ação.

 

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g — Pequenas intervenções orquestrais com caráter clássicoromântico, que atuam no plano extradiegético.

 

 

No morro do final dos anos 90 de Orfeu, convivem, portanto,aspectos musicais diversos, como o caráterpré-bossa-novístico das canções da peça de Vinícius deMoraes — e também do filme de Camus —, as batucadasextradiegéticas e as on screen dos ensaios e desfiles, sambasinstrumentais executados ao violão com caráter virtuosístico,um samba-canção e um samba-enredo tradicionais, osamba-enredo “funk” da Unidos da Carioca, além de váriasinterferências de versões locais de gêneros afins ao movimentohip-hop. Em essência, é um morro bossa-nova, samba e funk,onde não têm existência, por exemplo, a chamada cançãoromântica, o pop, o samba contemporâneo de Zeca Pagodinhoe Dudu Nobre e o neopagode dos grupos pejorativamentechamados de "pagode mauricinho", que, embora sejamtambém objetos amplamente compartilhados pelascomunidades das favelas, não fazem parte do mundo queDiegues constrói para que Orfeu e Eurídice cumpram o seutrágico destino. Diegues, de certa forma tão “estrangeiro”quanto Camus, narcotiza, como diria Umberto Eco, grandeparte da paisagem musical da favela carioca.

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O samba-enredo da Unidos da Carioca suscita algumasobservações. Composto por Caetano Veloso e Gabriel, OPensador, compositores sem nenhum antecedente na áreaespecífica do samba-enredo [4] , falta a História do carnavalcarioca um certo “sotaque” que somente um especialista docampo do samba poderia conferir à música. De modosemelhante ao que aconteceu em Orfeu da Conceição,Diegues também busca dentro de uma classe social "outra" osarquitetos da paisagem sonora da favela carioca, e, sem deforma alguma menosprezar as competências específicas doscompositores em questão, o samba-enredo da Unidos daCarioca tem um certo sabor "estranho" que, ao menos para osouvidos deste narrador, soou parecido, mas em nenhummomento crível como um samba dos desfiles cariocas. Por queesse diretor optou por convidar Caetano e Gabriel para comporo samba-enredo da escola, e não um especialista? Um passarde olhos sobre os programas musicais de Cacá Diegues aolongo de sua carreira e de algumas tendências dominantes namúsica do cinema brasileiro aponta possíveis respostas a essaquestão.

 

  A tradição cancionista do cinema brasileiro 

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Os dois únicos textos de natureza histórico-crítica de razoávelfôlego sobre a música no cinema brasileiro até hoje publicados,o verbete trilha sonora, da Enciclopédia do cinema brasileiro, eo capítulo Trilha no Brasil, do recém-lançado livro A música nocinema, assinados, respectivamente, pelos críticos epesquisadores Lécio Augusto Ramos e João Máximo,contribuem sobremaneira para a reflexão sobre os agentes da“distorção” da paisagem sonora de Orfeu.

 

Como bem sabemos, a canção, mais especificamente oprestígio e o sucesso dos “cantores do rádio”, exerceu  umaação fundamental nos grandes sucessos cinematográficos daCinédia — os musicarnavalescos — e da Atlântida — aschanchadas, filmes em que “um fio de história” servia deelemento de ligação entre sucessivos "números musicais” nosquais cantores de sucesso do rádio interpretavam canções decarnaval [5] .

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Embora com uma proposta estética e ideológicadiametralmente oposta às das companhias cinematográficascitadas, o Cinema Novo, a julgar pelo que diz Ramos, flagrandoa falta de relação entre as vanguardas musicais ecinematográficas dos anos 60, fez, ou tentou fazer, um usomuito semelhante na canção popular:

 

 

Deve-se ressaltar que a vanguarda musical que eclodiu nosanos 60, e que revelou compositores como Ricardo Tacuchian,Willy Corrêa de Oliveira, Edino Krieger, Marlos Nobre, EstherScliar, Rogério Duprat e outros, foi de certa forma ignoradapelo Cinema Novo. (...) Não é difícil entender o motivo dessaincompatibilidade, já que o Cinema Novo havia assumido umcompromisso com a música popular, na esperança de atingiras massas. [6]

 

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Temos aqui, portanto, um contexto diferente, canções denatureza diferente (lá marchinhas, sambas e a cançãoromântica, aqui a canção de protesto, a bossa nova, a músicanordestina, por exemplo), mas um objetivo comum: aumentar onúmero potencial de espectadores. Como um canto da sereia,a canção é utilizada, nos dois casos, como ferramenta desedução do espectador, seja como um convite para a diversãoou para discussões sobre estética, política e sociedade.

 

É possível, então, flagrar na filmografia cinema-novista apresença constante de nomes de cancionistas comoMariozinho Rocha, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo, Zé Kéti,Caetano Veloso, Edu Lobo, Gilberto Gil, Geraldo Vandré,Carlos Imperial, Dori Caymmi, Erasmo Carlos, Ary Barroso,Chico Buarque, Jards Macalé e José Rodrix, entre outros.Ainda segundo Ramos, nos anos 70 e 80 nosso cinemamanteve a opção sistemática pelos programas baseados nacanção popular:

 

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 Nos anos 70 (...) vários compositores populares continuaram aser convidados para compor trilhas para o cinema. Em algunscasos, apesar do talento do compositor, o resultado alcançadoé pouco satisfatório. (...) A década de 80 foi caracterizada pelosurgimento de uma nova geração de compositores. A maiorparte deles militava na música popular brasileira. [7]  A simplesanálise das fichas técnicas do mais novo ciclo do nossocinema, a chamada Retomada, aponta de modo veementepara a canção popular como um elemento quase onipresentena nossa cinematografia. Veja esta canção, de Carlos Diegues,lançado em 1994, que já traz na área semântica de seu títulouma espécie de metonímia do campo da trilha sonora dosfilmes brasileiros hoje, tem canções assinadas por Gilberto Gil,Chico Buarque, Caetano Veloso e Jorge Benjor.

 A canção “Vapor barato”, de Jards Macalé e Wally Salomão,embala os créditos finais de Terra estrangeira (1994), deWalter Sales. Em O quatrilho (1994), de Fábio Barreto,ouvimos as canções “Mérica, Mérica, Mérica” e “A voz amada”,interpretadas por Caetano Veloso. Menino maluquinho(Helvécio Ratton, 1994), tem canções assinadas einterpretadas por Milton Nascimento. O samba-canção “Precisome encontrar”, de Candeia, interpretado por Cartola, o reggae“Mama África”, de Chico César, e a canção romântica “É Deuspor nós”, interpretada pela dupla Zezé di Camargo e Luciano,fazem parte da trilha sonora de Central do Brasil (Walter Sales,1998). O filme Dois Córregos (Carlos Reichenbach, 1999) tema música assinada pelo compositor Ivan Lins.

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No princípio dos anos 2000, estratégias de construção demúsica para cinema baseadas em coletâneas de cançõespodem ser também flagradas em filmes como Cidade de Deus(Fernando Meirelles, 2002), Bicho de sete cabeças (LaísBodanzki, 2000), Os normais (José Alvarenga Júnior, 2003),Deus é brasileiro (Carlos Diegues, 2003), Lisbela e oPrisioneiro (Guel Arraes, 2003), Carandiru (Hector Babenco,2002), Bossa Nova (Bruno Barreto, 2000), Eu, tu, eles(Andrucha Waddington, 2000), Copacabana (Carla Camuratti,2001), Caramuru, a invenção do Brasil (Guel Arraes, 2001),Domésticas, o filme (Nando Olival e Fernando Meirelles, 2001),O invasor (Beto Brandt, 2001), A partilha (Daniel Filho, 2001),Avassaladoras (Mara Mourão, 2002), entre muitos outros.

 

Canções populares, sabemo-lo todos, fazem parte do materialmusical do cinema desde a própria gênese do filme sonoro,uma vez que no filme The jazz singer (Alan Crosland, 1927),considerado um marco inicial do cinema com imagem e som, éum cantor de canções, interpretado por Al Johnson, opersonagem central da trama. Marcas indeléveis, músicas

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como “Lili Marlene”, “As times goes by”, “Unchained melodie”,“Luzes da ribalta” e tantas outras, prolongam-se por uma vidainteira na memória do espectador como uma senha de acessoa imagens e afetos. Com presença expressiva nascinematografias americana, francesa, italiana, alemã, e mesmona inglesa, a menos “cancionista” de todas, segundo o críticoJoão Máximo [8] , canções populares são, sem dúvida, umrecurso poético consagrado no mundo inteiro.

 

No cinema contemporâneo, muitos autores, como Almodóvar,Tarantino, e Scorcese, apenas a título de exemplo, fazem dacanção popular uma das mais profundamente inscritas marcasde autoria. Não há filmes de Almodóvar sem canções, mas ascanções eleitas pelo diretor fazem parte de um conjunto muitobem delineado — canções hiper-sentimentais, principalmentede origem afro-latinas — e dialogam, “plantadas” na diegese(personagens cantores, trama centrada em uma determinadacanção), de modo engenhoso com a trama e dão suporte àshipérboles melodramáticas do diretor, contribuindo para traçaros contornos estéticos de sua filmografia. O mesmo se dá, porexemplo, com o diretor Quentin Tarantino, que “diegetiza” assuas referências ao pop/rock americano (Cães de aluguel,1992, e Pulp fiction, 1994) e à black music (Jackie Brown,1997), ancorando-as nos rádios dos automóveis.

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 João Máximo, no entanto, ressalta o papel da canção nonosso cinema como uma espécie de “cicatriz” de distinção,uma marca negativa: É mesmo intensa, quase indispensável, apresença de canções em trilhas sonoras brasileiras, dizMáximo, acrescentando que canções raramente contribuemcom a funcionalidade, raramente têm a eficácia da música defundo. Para Máximo, programas baseados em coletâneas decanções são dominantes no cinema nacional em conseqüênciada falta de experiência do músico e falta de conceito dorealizador. Ele ressalta que é bastante irregular, difícil deentender e por vezes caótica a relação dos principais diretoresbrasileiros com a música [9] .

 

Não podemos concordar com Máximo, é evidente, quando elediz que algo chamado música de fundo, referindo-se, é claro, àmúsica extradiegética, tem, essencialmente, uma eficáciafuncional maior do que a canção. Máximo, aliás, que é umcrítico e não um teórico, não se preocupa em nos dar provasde seu argumento. Basta, entretanto, pensar em cenas como afamosa “seqüência Danny Boy” do filme Ajuste final (Coen,1990), em que ouvimos uma canção folclórica irlandesa,interpretada com tintas operísticas, acompanhando a ação deum velho gangster de origem irlandesa metralhandofuriosamente matadores de uma facção rival [10] , ou na

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Orfeu e Orfeu: a música nas favelas de Marcel Camus e de Cacá Diegues

engenhosa imbricação de música e narrativa em E aí, meuirmão, cadê você? (idem, 2000) e em Mulheres à beira de umataque de nervos (Pedro Almodóvar, 1988), ou ainda no usoirônico da canção em cenas de violência em Laranja mecânica(Stanley Kubrick, 1971) e Cães de aluguel (Quentin Tarantino,1992), para compreendermos que o problema dafuncionalidade, como diz Máximo, não está, de modo algum, nacanção em si, mas no uso que se faz dela.

 

Da mesma forma, só é possível aceitar a afirmação de quefalta experiência aos músicos e concepção aos diretores comoa opinião pessoal de Máximo, que, embora ofereça ao leitoralguns exemplos importantes em que o programa musical deum filme nacional é elaborado com base em alguns critériosdiscutíveis [11] , não apresenta um corpo teórico e empíricocapaz de sustentar sua afirmação. A julgar, porém, pelo quepode ser observado em Orfeu, na obra de Cacá Diegues comoum todo e no cinema brasileiro de um modo geral, existem, defato, fortes indícios de que o uso sistemático de programasmusicais baseados em “coletâneas de canções” é dominanteem nosso cinema e de que isso ocorre por conta de estratégiasvoltadas para o sucesso comercial dos filmes. Em umdepoimento a João Máximo, o compositor David Tygel, o maisatuante compositor de música para cinema no Brasil nos anos

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80 e 90, faz uma declaração que deixa poucas dúvidas: nuncadefendi o uso ostensivo de canções. Os produtores, sim,querem isso, convencidos de que uma canção realmente podeajudar a vender seu produto [12] .

 

  O emprego da canção como estratégia de mercado 

 

É, sem dúvida, no campo do cinema norte-americano quevamos encontrar a gênese de programas de efeitos baseadosem música exclusivamente instrumental. Como nos conta ahistória do cinema, durante a primeira metade do século XX amúsica do filme americano foi construída sobre as bases damúsica de concerto européia, especialmente sobre o idiomaromântico de Wagner e Richard Strauss, e produzida porcompositores europeus emigrados. Nomes como Max Steiner,Erich W. Korngold, Dimitri Tiomkin, Franz Waxman, BernardHermann e Miklós Rozsa, entre muitos outros, estabeleceramas bases programáticas da música no cinema americano sobrea qual até hoje trabalham compositores como orusso-americano Alex North e os americanos Elmer Bernstein,Jerry Goldsmith e John Williams.

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 A canção, é claro, sempre esteve presente no filme americanonão-musical, mas, de acordo com Máximo, apenaspontualmente, pois a música instrumental extradiegéticabaseada no programa sinfônico romântico foi a matériadominante no cinema americano desde a origem do cinemafilme sonoro. Somente após um episódio protagonizado pelocompositor Dimitri Tiomkin o uso de canções passou a ser umaestratégia recorrente nos não-musicais, empregada com oobjetivo explícito de promover o filme e de ampliar asperspectivas de lucro através da venda de discos. Máximo nosconta que o western High noon (Fred Zinnemann, 1952) foi umenorme fracasso de bilheteria ao ser lançado, com o queTiomkin, autor da música do filme, não se conformou. Teimoso,o compositor convenceu os executivos da Columbia Records agravarem, na voz do cantor Frankie Laine, “Do not forsake, ohmy darling”, uma das canções do filme. A música estourou nasrádios e vendeu milhões de cópias. O filme foi relançado,conquistou a crítica, lotou cinemas, virou um clássico e rendeuOscars de melhor ator para Gary Cooper e de melhor canção emelhor score (partitura orquestral) para Tiomkin.

 

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“A partir daí”, diz Máximo, “canções viraram mania emHollywood. Produtores e diretores passaram a exigir, sempreque possível, que os compositores escrevessem uma queajudasse a puxar o filme, a promovê-lo, mesmo que nadativesse a ver com o enredo”. Para Máximo, essa “maniainfestou o cinema de canções-título gratuitas, pobres eperecíveis”. A partir de High noon, ainda segundo Máximo, opróprio Tiomkin, sempre de olho no Oscar e na parada desucessos, jamais perderia a chance de incluir uma canção emseus filmes, de preferência já durante os créditos iniciais,cantada por uma voz do momento, de modo a conquistar oespectador logo nos primeiros momentos” [13] .

 

            Segundo o compositor Elmer Bernstein [14] , esseepisódio marca o início do fim da era da música de concertoromântica sinfônica no cinema. De fato, como bem nos mostraRussel Lack, em movimento sincrônico com a expansão daindústria audiovisual (TV e indústria fonográfica) e a ampladifusão do rock, nos 50, e da música chamada pop nos anos60, o cinema da segunda metade do século passado viu-setomado por canções populares que tinham como objetivoprimário não o exercício de função dramatúrgica, mas a tarefade promover o filme e de gerar lucros para a indústriafonográfica. Para Lack, a exigência, por parte dos produtores,

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de uma canção de sucesso agiu negativamente sobre aautonomia da narrativa cinematográfica, que até então fazia umuso exclusivamente funcional da música, ou seja, a música eracomposta, gravada e editada sob a batuta da dramaturgia.Ainda segundo Lack, construir a parte musical da trilha sonorade um filme, com um olho posto nos ingressos que a músicapode arrecadar depois, tem como resultado, de um modo geral,um abalo na coerência da narrativa fílmica[15].

 

Falando da influência dos telefilmes sobre o cinema, Lack nosoferece como exemplo os momentos musicais da sérietelevisiva norte-americana Miami vice, do final dos anos 80: asintervenções musicais fazem pouco ou nada para fazeravançar a narrativa, não alimentam nossa compreensão dospersonagens nem nos ajudam a nos impulsionar na narração.Citando John Fiske, Lack diz que essas seqüênciasdigressoras, comuns aos muitos filmes cancionistas, fazemcom que sejam acionados, na instância da recepção, ou seja,na mente do espectador, interpretantes conectados com suaexperiência cultural da iconografia da música pop, ao invés decom a história que está sendo contada pelo filme. A julgar,portanto, pelo que diz Fisk, gozando da concordância de Lack,

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quando ouvimos em um filme a voz e a entoação familiar deum determinado cantor pop na trilha sonora, os verbetes danossa enciclopédia — mais uma vez recorrendo à terminologiade Eco — que fazem referência a esse cantor são acionados e,de certa forma, fazemos uma transição momentânea do mundoficcional para o nosso mundo particular [16] .

 

 As seqüências digressoras em Orfeu: a batuta (ou a mãovisível) do mercado na “realidade” musical de Cacá Diegues 

 

Para João Máximo, Cacá Diegues é o exemplo perfeito datradição cancionista dos filmes nacionais” [17] . A rigor, nãoexistem filmes de Diegues sem canções, assim com em todosos seus filmes estão presentes a voz e muitas vezes a imagemde um cantor/compositor consagrado no mercado fonográficoDiferentemente de outros cancionistas como Almodóvar, queconstrói o seu mundo musical com canções antigas muitasvezes levadas à trilha sonora em sua versão original, ou deTarantino, que também utiliza a música como marca de gêneroe/ou como uma espécie de contraponto, à la Eisenstein, dahiper-violência visual de determinadas seqüências, no Orfeu deCarlos Diegues a música é uma coletânea de muitos estilos e

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gêneros musicais sem conexões importantes entre si que nospermitam percebê-la como um corpo estético e, dentro doprograma audiovisual, é um agente de baixa potência narrativa[18]centrado na abertura de janelas para que o astro pop ToniGarrido realize performances, como será visto mais adiante.

 

Vimos, nos exemplos citados em filmes de Almodóvar,Tarantino e Joel Coen, flagrantes de jogos audiovisuais comnítidas intenções estéticas e dramáticas. Embora não sejapossível desconsiderar o potencial de sucesso das cançõesdos filmes referidos, podemos afirmar que existem programasestéticos e dramáticos e que estes são dominantes em relaçãoàquilo que poderíamos chamar de programa mercadológico, ouseja, a inclusão da canção como uma estratégia promocionaldo filme.

 

Em Ajuste final, a canção principal do filme é uma canção

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folclórica irlandesa, com letra e autoria fixada na segundadécada do século XIX, interpretada com tintas operísticas,produto, evidentemente, com poucas possibilidades desucesso massivo. De modo semelhante, nos filmes deAlmodóvar, predominam músicas antigas, boleros e rancheras,ferramentas de construção das referências ao melodrama edas hipérboles sentimentais que se tornaram marcas dedistinção do diretor. Em sua causa, salvo raras exceções,Almodóvar convoca não cantores do momento, mas a voz deartistas já falecidos ou esquecidos pela mídia espanhola. EmTarantino, o rock/country/soul dos anos 70 compõe um corpohomogêneo dentro de cada filme, que brota dos rádios dosautomóveis e de outros dispositivos diegéticos, operando comouma âncora, um dado do mundo “real” e, ao mesmo tempo,banalizando a hiperviolência das imagens. Nos três casos éevidente o predomínio de programas musicais dramáticos eestéticos sobre estratégias promocionais centradas na canção.

 

Será que é possível dizer o mesmo de Orfeu? Não podemos, éverdade, dizer que não exista um programa dramático namúsica do filme, mas as marcas deixadas na película peloprograma mercadológico são bem mais evidentes do que emTarantino, Almodóvar e Joel Coen. Cacá Diegues, como jávimos, utiliza o padrão “coletânea de canções”, interpretadas

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por artistas que ocupam posição de destaque no campo damúsica popular massiva contemporânea. Esta estratégia é adominante nas telenovelas, com explícitas intençõescomerciais, e em filmes produzidos pela Globo Filmes(Caramuru, A invenção do Brasil, A partilha e Lisbela e oprisioneiro, por exemplo). A mesma estratégia pode serobservada em todos os outros filmes do diretor, sem exceção,o que levou o crítico João Máximo a considerá-lo o maiscancionista dos diretores de cinema brasileiros. O programamusical de Diegues em Orfeu, portanto, pode ser consideradoum tributário das práticas hollywoodianas pós-High noom etambém das estratégias da Cinédia e da Atlântida, fortementeapoiadas no sucesso dos cantores do rádio.

 

Impossível também deixar de notar que a escolha doprotagonista do filme privilegiou a competência musical emdetrimento da competência dramática. Embora não sejaintenção deste trabalho fazer um julgamento crítico daperformance dramática de Toni, a falta ou a pouca experiênciaprévia do líder do grupo Cidade Negra no campo do cinema oudo teatro é indício suficiente de que ele foi convocado para ofilme pela sua competência como cantor e pelo seu valor demercado.   

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Outro indício importante que o texto fílmico nos oferece é aopção por Caetano Veloso e Gabriel, O Pensador paraassinarem a composição do samba-enredo, em prejuízo de umespecialista no gênero. Levando em conta que é impossíveldesconsiderar o enorme capital simbólico que o nome deCaetano Veloso [19] agrega a qualquer filme, é justo inferir queo diretor considerou mais importante o valor de mercado deCaetano do que o seu valor como um compositor desamba-enredo. O fato de Diegues ter convidado Gabriel, OPensador, um rapper oriundo da alta classe média carioca, um“alemão” na favela, para compor a seção funk dosamba-enredo, nos mostra que, embora tenha declarado“privilegiar a realidade e não a beleza que marcou o filme deCamus”, Diegues não se preocupou com a “realidade” no quediz respeito ao samba-enredo da Unidos da Carioca.

 

Faz-se imprescindível esclarecer que o ponto de vista adotadoneste artigo é o de que um filme de ficção não tem a priorinenhum compromisso com o “mundo real”. Como bemsabemos, se uma representação “realista” de mundo foi um

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pilar estético e ideológico do cinema-verdade e doneo-realismo italiano, por outro lado, as vanguardas francesasdos anos 20, o surrealismo de Buñuel e o expressionismoalemão deixaram como um importante legado a certeza de quenenhum filme tem, por obrigação, a tarefa de representar arealidade tal como a percebemos, como pode ser observado,no plano da encenação, em dois exemplos polares na linha dotempo: os cenários nada reais de O Gabinete do doutorCaligari (Robert Wiene, 1919) e a cenografia esquemática deDogville (Lars Von Trier, 2003).

 

 Este estudo, portanto, não pretende, de modo algum, afirmaringenuamente que a música de um determinado filme tem queser um duplo da música que habita a paisagem sonora domundo “real”. O que se pretende mostrar aqui é que, no casode Orfeu, a intenção explicitamente declarada pelo diretor deprivilegiar a realidade nem sempre inscreve marcas profundasna música do filme e que, em alguns momentos, o mundodeclaradamente ficcional de Camus é mais “real” do que omundo “realista” de Cacá Diegues, como pode ser observadona comparação entre as duas cenas a seguir.

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 Em uma cena de Orfeu do carnaval, já descrita anteriormente,foi possível observar como a música exerce uma funçãonarrativa, no sentido de fazer a história andar, e, ao mesmotempo, estabelece o nível narrativo lírico, por meio da letra dacanção. Orfeu está na cama tocando violão e cantando “Manhãde carnaval” de modo bastante intimista e até mesmohesitante, dando a impressão de que está compondo. É pormeio da música, ou seja, por causa da beleza do que estáouvindo que Eurídice vai ao quintal e descobre que Orfeu, comquem havia tido um breve encontro no dia anterior, é seuvizinho.

 

Além da função narrativa, a música opera também narepresentação do mito de Orfeu, que simboliza o poder deencantamento dos sons musicais. Em um terceiro nível, quepodemos chamar de lírico, a letra da canção atua como umaantecipação poética do caso de amor entre o casal e dodesfecho trágico da trama. Escrito em planos médios econjuntos, com poucos cortes, o texto visual nos mostra ummundo coerente onde pessoas agem “naturalmente”. A música

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é posta em ação em uma performance caseira, intimista, semmaiores preocupações com o acabamento musical. Orfeu, naverdade, toca um violão despretensioso, com acordes tangidosnos primeiros tempos dos compassos, e canta como que parasi mesmo como, muitas vezes, fazem os compositores de ummodo geral.

 

Já em Orfeu, conforme pode ser observado em cenas de certaforma equivalentes à comentada no parágrafo anterior, épossível flagrar momentos em que o tecido dramático seesgarça para que uma performance musical aconteça, ou seja,exatamente aquilo que Lack chama de seqüências digressoras.A título de exemplo, tomemos a canção "Eu sou você", deautoria de Caetano Veloso, que é cantada também peloprotagonista na noite que antecede o dia em que Orfeu eEurídice vão morrer.

 

De modo resumido, a seqüência, em montagem paralela, é

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composta de: a) primeiros e primeiríssimos planos de Orfeucantando e tocando acompanhado por samplers de cordasdisparadas pelo seu laptop (os planos da performance de Orfeusão dominantes na seqüência); b) primeiros planos de Eurídicena janela com expressão apaixonada (depois dos planos deOrfeu, são os de Eurídice que ocupam maior espaço naseqüência); c) travellings aéreos sobre a favela; d) planosconjuntos e americanos de Mira manifestando verbalmenteraiva por ter sido desprezada por Orfeu; e) planos americanose conjuntos de Lucinho, o líder do tráfico na favela, pedindo aMira, com gestos, que faça silêncio porque ele quer ouvir amúsica; f) detalhe das mãos da mãe de Orfeu, que joga búziose manifesta preocupação com a recente paixão de Orfeu; g)após primeiros planos de Orfeu cantando os versos finais, acena conclui com uma imagem do sol nascendo por trás domorro Pão de Açúcar, o mais famoso cartão-postal do. Rio deJaneiro.

 

            Durante toda a seqüência nenhuma informaçãoimportante é passada para o espectador, que, a essa altura dofilme, já bem sabe que Orfeu e Eurídice estão apaixonados,que Mira está furiosa com o ex-namorado e que a mãe deOrfeu está preocupada com a nova paixão do filho. Vemos, éverdade, o poder de encantamento de Orfeu em ação: todos os

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personagens em cena estão, de alguma forma, mobilizadospelo canto do protagonista. Ao contrário, entretanto, do queacontece no filme de Camus, no qual o espectador assiste auma performance intimista e despretensiosa de um ator quecanta, nessa cena de Orfeu vemos uma performanceprofissional e espetacularizada de um astro pop dirigida, demodo claro, à platéia da sala de cinema. Se em Camus é amúsica cantada por Orfeu que atrai Eurídice para o quintal,criando a situação dramática na qual o espectador é informadoda atração que os unirá, em Diegues o motor narrativo fica emponto-morto para que Toni Garrido realize, mostrado emprimeiros planos, uma performance “videoclipesca” que temseu ponto final no signo de Rio de Janeiro mais explorado pelocomércio turístico no Brasil e no exterior: o Pão de Açúcar.

 

Além disso, a exemplo do que acontece com o samba-enredoda Unidos da Carioca, a griffe Caetano Veloso também seimpõe de modo evidente. Orfeu é apresentado pela narrativacomo o sambista de maior destaque no mundo do sambacarioca, ou seja, um compositor-cantor equivalente, nomomento, a Zeca Pagodinho ou Dudu Nobre, por exemplo. Emum ponto anterior da narrativa, sua mãe se refere àquelamúsica como um samba novo que o filho está fazendo. Acanção que "audiovemos", no entanto, é totalmente

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impertinente no repertório dos dois sambistas citados, oumesmo, de uma maneira mais geral, no samba que éproduzido nos morros, na Zona Norte e nos subúrbios cariocas.Com acompanhamento de forte acento joão-gilbertiano, amelodia e a letra de "Eu sou você" [20] estão impregnadas doestilo de samba de seu compositor, Caetano Veloso, e geramconexões imediatas com o modo de fazer do ex-tropicalistabaiano.

 

            A entrada da canção "Manhã de carnaval" no Orfeu deCacá Diegues também merece atenção. Após matar Lucinho,que havia sido o responsável pela morte de Eurídice, Orfeudesce uma perigosa ribanceira e tenta encontrar o corpo deEurídice na mata que os traficantes usavam para a desova daspessoas por eles assassinadas. Ao encontrar o corpo daamada, Orfeu o carrega em seus braços e, entre ossadas ecorpos em putrefação, canta, parte a capella, parte comacompanhamento de um violão extradiegético, um texto que,como bem sabemos, começa com manhã, tão bonita manhã econclui com tão bonita a manhã desse amor. A música écantada na íntegra enquanto vemos planos de Orfeu paradocom Eurídice nos braços e da chuva na mata.

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Lá, "Manhã de carnaval", enunciada por um Orfeu alegre,prenunciava o romance entre os protagonistas e oferecia umsutil indício de final trágico. Aqui, a narrativa estaciona e amanhã, tão bonita manhã é entoada por um Orfeu que acaboude matar o seu melhor amigo e está com o cadáver de suamulher no colo em um cemitério informal abastecido portraficantes. É difícil perceber na cena qualquer marcaprogramática outra que não a abertura de espaço para umaperformance do líder da banda Cidade Negra. Lembremos aquiRussel Lack, quando ele nos diz que construir a parte musicalda trilha sonora de um filme, com um olho posto nos ingressosque a música pode arrecadar depois, tem como resultado, deum modo geral, um abalo na coerência da narrativa fílmica.

 

            Temos aqui, portanto, cenas que nos mostram comveemência que estratégias de comercialização do filme e desuas canções imprimiram no texto fílmico de Orfeu marcasmuito mais profundas do que o fizeram as intenções "realistas"explicitamente declaradas pelo diretor. De resto, a música queemana da favela de Camus é muito mais crível como um duplo

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do "real" do que a que habita o mundo ficcional construído porDiegues. Nos dois filmes, como foi visto, é clara a influência domeio social dos compositores das canções na paisagemsonora das suas favelas ficcionais, mas é, sem dúvida, no filmede Cacá Diegues que é possível perceber com mais clareza aspegadas deixadas pela mão visível do mercado.

 

 

 

[1]

PERRONE, Charles. Myth, melopeia, and mimesis: BlackOrpheus, Orfeu, and internationalization in Brazilian popularmusic. In: DUNN, Christopher e PERRONE, Charles (orgs.).Brazilian popular music and globalization. Gainesville:University Press of Florida, 2001.

[2]

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Idem, ibidem, p. 64.

[3]

Disponível em http://www.estado.com.br/edicao/pano/98/08/11/ca2933.html . Acesso em 12 ago. 1998.

[4]

Caetano Veloso chegou a gravar um samba-enredo, mas,como é de conhecimento geral, nunca compôs, ao menosoficialmente, nada no gênero.

[5]

RAMOS, Lécio e HEFFNER, Hernani. Cinédia. In: RAMOS,Fernão Miranda e MIRANDA, Luiz Felipe, (orgs). Enciclopédiado cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000, p. 130-132.

[6]

RAMOS, Lécio. Trilha sonora. In: RAMOS, Fernão e MIRANDA,Luiz Felipe (orgs.) op. cit., p. 549.

[7]

Idem, ibidem.

[8]

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MÁXIMO, João. A música no cinema. Rio de Janeiro: Rocco,2004, p. 210.

[9]

Idem, ibidem, p. 135 e 142.

[10]

O jogo audiovisual é notável: a) o discurso formal e dinâmicoda música está minuciosamente conectado com a progressãodramática e com o ritmo da edição; b) o caráter “épico” e“bravo” da voz masculina grave está conectado com coragemde um homem que, sozinho, metralha implacavelmentedezenas de inimigos bem armados, disparando o que seja,talvez, a maior quantidade de tiros da história do cinema.Devemos considerar também a conexão “música irlandesa”com o “orgulho” e a “bravura” do homem irlandês; c) a letra dacanção — que tem como narrador um pai que se despede deum filho que vai partir dizendo-lhe que provavelmente estarámorto quando o rapaz regressar, mas que se encontrarão nofuturo no chão do lugar onde ambos nasceram e foram criados— aciona interpretantes como família, amor de pai para filho etradição, valores morais que se opõem de modo radical ao queestamos vendo, mas ao mesmo tempo nos coloca na posiçãode cúmplices do personagem, ao lado daquele homem queainda há pouco estava deitado em sua cama tomando uísqueirlandês e ouvindo com saudade “aquela velha canção” dapátria distante; d) o caráter operístico da interpretação estásemanticamente com a classe social do personagem, um

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homem rico que mora em uma mansão e fuma bons charutos,vestido com um fino robe de chambre.

[11]

Ver exemplos em MÁXIMO, João, op. cit., p. 141-144.

[12]

In: idem, ibidem, 138.

[13]

Idem, ibidem, p. 61.

[14]

Apud LACK, Russel. La música en el cine. Madrid: Cátedra,1999, p. 266.

[15]

LACK, Russel, op. cit., p. 160.

[16]

Idem, ibidem, p. 284 e 285.

[17]

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MÁXIMO, João, op. cit., p. 143.

[18]

No que diz respeito ao produto audiovisual e não à qualidadeestética da música em si mesma, pois podemos dizer comtranqüilidade que as músicas do filme são belas canções, bemexecutadas e bem produzidas.

[19]

Que já havia sido chamado anteriormente por Diegues tambémem Veja esta canção e Tieta do agreste.

[20]

Mar sob o céu, cidade na luz/ mundo meu, canção que eucompus/ mudou tudo, agora é você/ A minha voz que eraamplidão/ no universo da multidão/ hoje canta só por você/Minha mulher , meu amor, meu lugar/ antes de você chegar/era tudo saudade/ Meu canto mudo no ar/ faz do seu nomehoje o céu da cidade/ Lua no mar, estrelas no chão/ a seuspés, entre as suas mãos/ tudo quer alcançar você/ Levanta osol do meu coração/ já não vivo , nem morro em vão/ sou maiseu porque sou você. 

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