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Órgão de Expressão Oficial da APED Volume 10, Número 1, 2002 PERMANYER PORTUGAL ISSN - 0872 - 4814

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Órgão de Expressão Oficial da APED

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PERMANYER PORTUGAL

ISSN - 0872 - 4814

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DOR ®

Órgão de expressão oficial daASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA O ESTUDO DA DOR (APED)

Volume 10, Número 1, 2002 ISSN: 0872-4814

Volume monotemático

DOR E PSIQUIATRIAEditor convidado: Dr. Arantes Gonçalves

DirectorJosé Manuel Castro Lopes

Director ExecutivoJosé Manuel Caseiro

Acessora de DirecçãoAna Regalado

Conselho CientíficoAntónio CoimbraAntónio PalhaAquiles GonçaloArmando Brito e SáCardoso da SilvaDaniel Serrão(Pe) Feytor PintoGonçalves FerreiraHelder CameloJoão DuarteJorge TavaresJosé Luis PortelaJosé Manuel Castro LopesMaia MiguelMartins da CunhaNestor RodriguesRobert MartinsWalter OswaldZeferino Bastos

SumárioEditorialA Especialidade de Medicina da Dor 3José Manuel CaseiroMensagem do Presidente da APED 4José Manuel Castro LopesAspectos Psicológicos da Dor Crónica 5Arantes GonçalvesIntervenção Psicológica: Possibilidadesde Colaboração entre Distintos CamposCientíficos na Dor Crónica 10Vera Araújo-Soares, Teresa McIntyre,Margarida FigueiredoUm Olhar (breve) Sobre a Dor Mental 20Adelino Vale FerreiraDor e Patologia Psiquiátrica 25Arantes GonçalvesDor Crónica: Uso de Técnicas deRelaxamento no seu Controle 30Fátima Magalhães, Sónia RamosParece que engoli a gripe 34Tiago GamaDouleur et Psichosomatique 36Sylvie Cady

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1. A Revista “DOR” considerará, para publicação,trabalhos científicos relacionados com a dor emqualquer das suas vertentes, aguda ou crónica e,de uma forma geral, com todos os assuntos queinteressem à dor ou que com ela se relacionem,como o seu estudo, o seu tratamento ou a simplesreflexão sobre a sua problemática. A Revista“DOR” deseja ser o órgão de expressão de todosos profissionais interessados no tema da dor.

2. Os trabalhos deverão ser enviados em diskete3.5“ 2HD (1.4 Mb) ou zip 100 Mb, para a seguintemorada:

Permanyer PortugalAv. Duque d’Avila, 92, 7º Esq.1050-084 Lisboa

ou, em alternativa, por e-mail: [email protected]

3. A Revista “DOR” incluirá, para além de artigosde autores convidados e sempre que o seu espaçoo permitir, as seguientes secções: ORIGINAIS -Trabalhos potencialmente de investigação básicaou clínica, bem como outros aportes originaissobre etiologia, fisiopatologia, epidemiologia,diagnóstico e tratamento da dor; NOTAS CLÍNICAS -Descrição de casos clínicos importantes; ARTIGOSDE OPINIÃO - assuntos que interessem à dor e suaorganização, ensino, difusão ou estratégias de pla-neamento; CARTAS AO DIRECTOR - inserção de

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

objecções ou comentários referentes a artigos pu-blicados na Revista “DOR”, bem como observa-ções ou experiências que possam facilmente serresumidas; a Revista “DOR” incluirá outras sec-ções, como: editorial, boletim informativo aos só-cios (sempre que se justificar) e ainda a reprodu-ção de conferências, protocolos e novidadesterapêuticas que o Conselho Editorial entenda me-recedores de publicação.

4. Os textos deverão ser escritos configurandoas páginas para A4, numerando-as no topo su-perior direito, utilizando letra Times tamanho 12com espaços de 1.5 e incluindo as respectivasfiguras e gráficos, devidamente legendadas, notexto ou em separado, mencionando o local dasua inclusão.

5. Os trabalhos deverão mencionar o título, nomee apelido dos autores e um endereço. Deverãoainda incluir um resumo em português e inglês emencionar as palavras-chaves.

6. Todos os artigos deverão incluir a bibliografiarelacionada como os trabalhos citados e a respec-tiva chamada no local correspondente do texto.

7. A decisão de publicação é da exclusiva respon-sabilidade do Conselho Editorial, sendo levada emconsideração a qualidade do trabalho e a oportu-nidade da sua publicação.

© 2002 Permanyer PortugalAv. Duque d’Ávila, 92 - 7º E1050-084 LisboaTel.: 21 315 60 81 Fax: 21 330 42 96

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ISSN: 0872-4814Dep. Legal: B-17364/2000

Reservados todos os direitos.Sem prévio consentimento da editora, não poderá reproduzir-se, nem armazenar-se num suporterecuperável ou transmissível, nenhuma parte desta publicação, seja de forma electrónica, mecâ-nica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método. Todos os comentários e opiniõespublicados nesta revista são da responsabilidade exclusiva dos seus autores.

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G. Miranda: Meet the experts: Revisión: la termografía infrarroja en los síndromes de dolor

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EditorialA Especialidade de Medicina da Dor

José Manuel Caseiro

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Foi René Leriche, um neurocirurgião que todosolham como o verdadeiro pai da moderna Terapêuticada Dor que, em 1937, pela primeira vez, reconheceuser a Dor “muito mais uma doença do que um sinto-ma”.

No pós-guerra, em meados do século XX, JohnBonica, anestesiologista, fazendo a ponte entre o sin-toma e a doença, não só recuperou aquela verdadecomo lhe acrescentou a ideia de se tratar de umacomplexa experiência humana, enfatizando os aspec-tos psicológicos e introduzindo o pioneiro modelo deabordagem multidisciplinar.

E se esta multidisciplinaridade foi o terreno – econtinuará a ser por muitos mais anos – de todo odesenvolvimento das Unidades de Dor, ela despertoutambém, junto de algumas especialidades médicas,como a anestesiologia, a neurologia, a neurocirurgia, apsicologia, a medicina física e outras, o interesse poreste campo da medicina, tendo todas elas estado nabase da prática clínica, da investigação, da educaçãoe do desenvolvimento organizacional da Terapêuticada Dor.

O enorme contributo que este envolvimento deu aodesenvolvimento dos modelos de abordagem da Doraté aos nossos dias, veio no entanto gerar um emba-raçante sentimento de propriedade do conhecimentona àrea da Dor, conduzindo a um clima de luta pelasua inclusão no seio das referidas especialidades.

Com que direito? Será a Dor pertença dos aneste-sistas, dos neurologistas, dos neurocirurgiões ou deoutra qualquer especialidade? Porquê, com que direitoe com que fundamento?

Citando Philipp Lippe, Executive Medical Director daAmerican Academy of Pain Medicine e Executive Vice-President do American Board of Pain Medicine, “se écerto que o conhecimento da Dor, encerra hoje, na suaorigem, contributos de diversas especialidades, tam-bém não é menos verdade que enquanto especialida-de ela tem uma alma, uma essência, que é única edistinta de todas as outras especialidades. O todo éaqui maior que a soma das partes”.

O que se passa é que hoje todos reconhecem anecessidade da Dor se começar a aprender nas Facul-

dades e haver capacidade de treino na vida clínicapara se poderem formar peritos na sua abordagem. Énecessário haver quem investigue, quem ensine equem trate.

E é aqui que, verdadeiramente, nasce a problemá-tica da Medicina da Dor enquanto especialidade, sen-do o momento crucial: qualquer erro cometido hoje,determinará um caminho errado e sem destino.

Se aceitarmos todos, humildemente, que a Dor nãopertence especificamente a nenhuma especialidadedas já existentes, mas constitui, isso sim, uma área decompetência com capacidade para um desenvolvi-mento próprio, gerando condições únicas para o ensi-no, a investigação e o treino, poderemos assumirdesde já a necessidade de ela se tornar uma especi-alidade e trabalharmos na concepção de um caminhofirme e seguro, embora sereno e sem disputas depaternidade, para atingirmos aquele desiderato.

O percurso não será fácil, mas determinando metase etapas como a definição e a criação de uma compe-tência, programas curriculares realistas e o obrigatóriodesenvolvimento de mais Unidades de Dor, podere-mos, dentro de alguns anos contar com um conjuntode clínicos possuidores da dita competência e apetre-chados para organizar, em definitivo, a especialidadede Medicina da Dor.

Fica óbvio que o que estou aqui a defender implicaa decisão inabalável de não caminhar para aquilo queconsidero o mais perigoso dos caminhos: a subespe-cialidade.

Esse seria o terreno adequado para as hostilidades,para a defesa da Dor como propriedade de algumasespecialidades e para as tentativas de projectos deliderança de um processo que deverá ter em todos osinteressados colaboradores empenhados, independen-temente da área de conhecimento de onde prove-nham.

Em 2002, há ainda quem tenha dificuldade emaceitar e assumir as posturas de Leriche e Bonica,mas também não falta quem não desista de continuara batalhar pelo prosseguimento firme de uma estraté-gia que conduza à especialidade da Medicina da Dor.

Voltarei a este tema.

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Mensagem do Presidente da APED

José Manuel Castro Lopes

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Por iniciativa do Director Geral e Alto Comissário daSaúde, Prof. Pereira Miguel, foi criada muito recente-mente uma Comissão de Acompanhamento do PlanoNacional de Luta Contra a Dor. Esta comissão, quefuncionará na dependência directa do Alto Comissárioda Saúde, será coordenada pelo Presidente da Asso-ciação Portuguesa para o Estudo da Dor, e integrará oDirector do Instituto de Qualidade em Saúde, os Presi-dentes das cinco Administrações Regionais de Saúdedo continente, um representante de cada um dosgovernos regionais das Regiões Autónomas da Madei-ra e Açores, e quatro representantes de serviços daDirecção Geral de Saúde.

Com um mandato de dois anos, as funções princi-pais da comissão serão a promoção, monitorização eavaliação do desenvolvimento e operacionalização doPlano Nacional de Luta Contra a Dor, bem como acriação de suportes técnicos necessários à introduçãode boas práticas profissionais na área da Dor.

Apesar do período de indefinição política que atra-vessamos actualmente, e sabendo que, mesmo emcondições ideais, a criação de uma comissão porvezes não significa mais do que conjugar um grupo depessoas eivadas das melhores intenções mas limita-das nas suas competências, creio que foi dado umsinal muito positivo do empenho das entidades gover-namentais em atingir os objectivos delineados no Pla-no Nacional de Luta Contra a Dor. O renovado envol-vimento da APED fará com que, independentementedo governo que se venha a formar após as eleições de17 de Março, haja uma voz empenhada em não permi-tir que caia no esquecimento o resultado de um traba-lho técnico e político muito árduo, cuja implementaçãoé inquestionavelmente fundamental para uma melhoriasignificativa da assistência médica no âmbito da Dorno nosso País.

Por outro lado, o Presidente da European Federationof IASP Chapters (EFIC), Prof. David Niv, lançou recen-temente a discussão sobre a eventual criação a nívelEuropeu, de um grau de diferenciação médica emMedicina da Dor. Trata-se de um assunto polémico ede difícil concretização dadas as diferenças existentes

entre os vários países Europeus. Questões como ascondições de acesso ao programa de formação, ocurrículo teórico mínimo, o tipo e duração do treinoclínico, a entidade concessora do grau e o tipo degrau a conceder, estão longe de ser consensuais emvários países, pelo que uma harmonização europeia,se bem que desejável, não será seguramente atingidanum curto espaço de tempo.

Em Portugal, a APED relançou esta discussão du-rante a sessão de comemoração do 3º Dia Nacional deLuta Contra a Dor, em 14 de Junho de 2001 emEspinho, num debate que contou com a presença derepresentantes da APED, da Ordem dos Médicos, edas Sociedades Portuguesas de Anestesiologia, Medi-cina Física e de Reabilitação, Neurologia e Reumatolo-gia. Já em Janeiro deste ano, tive oportunidade departicipar numa mesa sobre o mesmo assunto, durantea sessão de abertura das Jornadas de Dor do HospitalGarcia de Orta. Das discussões havidas nessas oca-siões, e de conversas mais informais que tenho tidocom vários colegas, ressaltam, na minha opinião, doisaspectos fundamentais: por um lado, parece ser quaseconsensual a necessidade da criação de uma gradua-ção em Medicina da Dor ou Algologia no nosso País;por outro lado, não há consenso quanto ao tipo degrau a criar, havendo opiniões divergentes entre asvárias sociedades científicas e no próprio seio daAPED (a este propósito, ver o editorial do Dr. JoséManuel Caseiro). Nesse sentido, a Direcção da APEDdecidiu solicitar a convocação de uma AssembleiaGeral da APED para discutir especificamente esteassunto, e votar aquela que passará a ser a posiçãooficial da APED. Esperando que este número da revis-ta seja entregue em tempo útil, aqui deixo o meu apeloa todos os sócios da APED para que participemactivamente na discussão e votação que terá lugar nodia 16 de Março às 14.30 horas na biblioteca doServiço de Anestesiologia do Hospital Universitário deCoimbra. Em qualquer organização democrática, aopinião da maioria prevalece, embora com todo orespeito, sobre a opinião das minorias. Para que a suaopinião conte, compareça!

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A. Gonçalves: Aspectos Psicológicos da Dor Crónica

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A dor é uma experiência universal. Segundo a defi-nição da International Association for the Study of Pain,a dor é uma experiência sensorial e emocional desa-gradável, associada com actual ou potencial lesão, oudescrita em termos de tal lesão. Neste aspecto, éfundamental encarar a dor como experiência sensoriale emocional e não exclusivamente sensorial nocicepti-va. Por outro lado, afirma-se que a dor é experiênciadesagradável e, como tal, é sempre subjectiva e de-pendente do estado biopsicológico e social do indiví-duo. Assim, o estado actual da arte de abordar e tratara dor reside na capacidade de avaliar a dor biopsicos-social.

Para tal, temos de compreender a complexidade aque nos referimos quando usamos um termo tão sim-ples como dor.

A palavra dor deriva do termo latino poena, quesignificava punição. Ao longo dos tempos, a dor temsido alvo de conceitos e teorias diversos. Inicialmenteconsiderada o oposto de prazer, o coração era o seucentro, e o sangue, a sua vida de comunicação. Maistarde, o cérebro tornou-se o seu centro, e a transmis-são feita por tubos neurais, desde a pele até aocérebro. Mais recentemente, assistiu-se à introduçãoda teoria do portão de controlo, à aceitação da influên-cia dos factores psicológicos e à percepção de que ador é o resultado de um processo biopsicológico muitocomplexo.

Em termos genéricos, a dor deriva de uma cadeiade acontecimentos, regra geral, iniciada por um estí-mulo nociceptivo que é alvo de actividade mental deprospecção, discriminação e eleição, resultando numapercepção primária predominantemente sensorial (co-nhecimento sensorial), revelada pelas característicasdo local, da intensidade da dor, e que funciona comoum componente mais passivo, de captação sensorial eimediato da percepção. É necessário salientar que, aocérebro, chegam uma infinidade de informações inter-nas e externas, e que este tem a capacidade dedetectar as alterações, sensoriais por exemplo, e inter-vir sobre elas.

Segue-se um segundo componente da percepçãoda dor (percepção secundária), mais activo, cognitivoe emocional que, inserido no todo, contexto biopsico-lógico e social da pessoa, resulta na elaboração daexperiência da dor por parte do sujeito.

Aspectos Psicológicos da Dor Crónica

A. Gonçalves

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Médico especialista em Psiquiatriapela Ordem dos MédicosDirector da CLINIPSIQUEClínica de Dor do Porto

A sensação é apenas um dos elementos estruturaisda percepção da dor que se encontra intimamenteassociado ao componente nociceptivo da experiênciada dor. Para termos conhecimento da dor, temos de tersensação, sensação esta que é produto de um estímu-lo físico ou psíquico que activa receptores que trans-mitem a informação codificada até ao sistema nervosocentral. Porém, para termos a experiência de dor, énecessário algo mais. O homem tem de estar consci-ente, pois se estiver inconsciente, por exemplo atravésda anestesia geral, não sentirá a dor, apesar doscircuitos nociceptivos estarem íntegros. Se a experiên-cia de dor apenas surge a quem está consciente,então teremos de aceitar que a experiência de dor nãoestá isolada, mas sim interdependente, de toda aactividade cerebral e mental. Assim, talvez possamoscompreender por que inúmeras situações com activi-dade psíquica própria, como o desporto, a guerra oupráticas religiosas, podem igualmente alterar qualitati-va e quantitativamente a experiência de dor. Conse-quentemente, a experiência de dor é individual, temcontinuidade entre o presente e o passado, não éestática, tem intencionalidade e constitui-se na nossaactividade mental (Fig. 1).

Embora a dor esteja geralmente associada a umalesão bem identificada, por exemplo, a fractura de umosso, é importante referir que dor não é lesão, repor-tando-nos, mais uma vez, à definição da IASP em quea dor pode ser descrita em termos de potencial lesão.O paciente pode descrevê-la como uma fisgada, quei-madura, pancada, peso, entre outros termos que sãoresultado de elaboração cognitiva para descrição dequalidades da dor.

Vejamos, por exemplo, a dor do amputado. Esta élocalizada e descrita em termos dessa lesão e refe-rida a uma parte do corpo que é virtual, o que revelaque a experiência da dor ocorre no cérebro. Noutroexemplo, concretamente na distrofia simpática refle-xa, pensamos que os mecanismos centrais cerebraispsicofisiológicos têm importância determinante nocomeço e evolução dessa entidade, só que a partedo corpo está presente e é o alvo observável daforte actividade neurofisiológica desencadeada poruma agressão física, regra geral mínima. Outra situ-ação ocorre na anestesia histérica, em que há au-sência de sensibilidade aos estímulos dolorosos comintegridade neurofisiológica e em que a região in-sensível não segue os dermatomos sensitivos, massim o autoconceito topográfico do doente, onde océrebro, mais uma vez, produz a experiência emque, provavelmente, mecanismos psicobiológicosafectivos intervêm.

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Portanto, na primeira etapa da experiência da dorexiste uma alteração do estado fisiológico que excita emodifica a matriz fisiológica previamente existente,sendo que o organismo responde a essa alteraçãotanto mais rápido e automático, quanto mais intenso,súbito e conhecido como ameaça (a memória percep-tual pode não ser consciente e determina respostasautomáticas) é o estímulo, pelo que menor será aparticipação da segunda etapa, muito mais complexada experiência de dor, em que a sensação é interpre-tada no contexto global psicológico dinâmico e cir-cunstancial do indivíduo, adquirindo um significadomais complexo e integrando-se na representação dedor.

Este segundo componente é também afectivo, espe-cífico e não reactivo (o sentir). É a experiência emoci-onal da dor que ocorre na sequência de um conjuntode sentimentos, isto é, a lesão desperta no indivíduosentimentos sensoriais intimamente ligados ao corpo,à sensação de que “algo está a acontecer” e senti-mentos vitais de mal-estar desagradável. E tambémum sentimento anímico intimamente associado ao sig-nificado, constituindo-se uma memória de dor afectiva.Por exemplo, do acontecimento que provoca a lesão aque a pessoa reage com emoção ou emoções (medo,surpresa, expectativa, aceitação, raiva) que produz(em) uma resposta fisiológica por activação neurove-getativa idêntica ao stress, de intensidade muito vari-ável, ocorrendo paralelamente uma resposta psicológi-

Figura 1.

DOR

ESTÍMULO

SINAL

SENSAÇÃO

PERCEPÇÃO PRIMÁRIA(imediata)

RESPOSTA (automática e simples)

PersonalidadeInformaçãoAprendizagemAntecedentes

MotivaçõesCogniçõesEmoções

PERCEPÇÃO SECUNDÁRIA(diferida)

INTERPRETAÇÃO

SIGNIFICADOContexto

socio-ambiental

RESPOSTA (elaborada e complexa)

Terapêuticas Intervenções

CONSEQUÊNCIAS

Positivas Negativas

EVOLUÇÃO CLÍNICA

ca, com expressão e comportamentos da dor (vocali-zação, postura, alteração da actividade).

A emoção mais frequentemente associada à dor é omedo. O medo está associado com a ameaça à integri-dade biológica, ao bem estar, podendo desencadear umestado de ansiedade e de pânico idênticos a alguns dosdoentes que sofrem de enxaqueca que, na eminência deuma crise, desenvolvem uma ansiedade antecipatória epânico, o que por sua vez influencia a evolução daprópria crise ou gera um estado de hiper-vigilância etensão emocional permanente, que poderá ter comoconsequência, comportamental por exemplo, o abuso demedicação através de toma antecipada da mesma.

Há portanto um componente afectivo específico eintrínseco à própria dor e distinto da reacção afectivaque se pode seguir à experiência da dor e respectivasconsequências.

O significado da dor é subjectivo, dependendo doresultado da avaliação cognitiva que o indivíduo emcausa faz do acontecimento como um todo, o queconstitui um factor importante a determinar o compor-tamento da pessoa com dor.

A dor tem um significado simples, objectivo e ime-diato quando a experimentamos através de uma pan-cada, mas pode ser muito complexo e distante dalesão física que provocou a dor, quando se sofre ainfluência de factores afectivos e motivacionais, sendopor isso diferente o acontecimento em si, a lesãoquando existe e a descrição da experiência da dor.

A resposta à dor é cruzada, isto é, o trauma físicodesencadeia um estado fisiológico, e o significado dador uma resposta psicológica mas que interagem reci-procamente. Assim, as informações processadas apartir da lesão e do significado não estão separadas.

O aspecto motivacional intrínseco à dor insere-senas representações cognitivas ou simbólicas de con-sequências positivas ou negativas antecipadas ou pre-vistas e afectos conscientes ou inconscientes, o quejuntamente com os outros comportamentos psicológi-cos modela a experiência de dor e comportamentos.

É importante referir que não é por acaso que ospacientes depressivos sem dor proveniente de estímu-lo físico referem o seu estado como dor angustiosa, eque, em circunstâncias de tragédia, as pessoas invo-cam um sentimento de dor simultaneamente vital eanímico, mas sim porque a dor está também ligada aum componente cognitivo comum que é o sofrimento,bem como a outros estados psicológicos negativos.

As respostas emocionais e comportamentos de dorpodem estar presentes sem estímulo nociceptivo, mas apartir de evocação da representação de dor voluntáriaou involuntária, por vezes distante do estímulo sensorial,uma vez que a representação da dor, não sendo está-tica, pode modificar-se. Por exemplo, as respostas dedor podem mudar de intensidade consoante a repre-sentação de ameaça constitui maior ou menor risco vitalpara o indivíduo, sendo esta avaliação subjectiva.

A dor pode ser persistente, não porque o estímulonociceptivo se mantenha, mas porque o significado ea emoção contidos na experiência da dor mantêm vivae constante a própria dor. Por exemplo, quando àlesão e experiência se associaram a uma alteraçãointensa do afecto provocado por outro acontecimento

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externo ou interno, que não o nociceptivo. Deste modo,estímulos nociceptivos mínimos podem desencadearum comportamento prolongado da dor.

A percepção da dor tem sempre, no seu processo,a influência da memória, motivações, cognições eemoções, não sendo de todo linear, ou seja, não tendorelação directa com o estímulo ou mesmo com asensação que a provocou. Por isso, as respostaspodem ser muito diferentes de pessoa para pessoa ena mesma pessoa, dependendo do estado biopsicos-social.

A possibilidade de experimentarmos dor é prioritáriana presença de outros estímulos, embora dependaigualmente do estado afectivo e motivacional e daatitude de quem a experimenta. Assim, por exemplo,em estado de êxtase religioso pode haver analgesiacom integridade de todo o sistema nervoso em presen-ça de estímulos nociceptivos.

Nós reagimos quando imaginamos ou estamos empresença de situações de dor, como se estivéssemosa sofrer a acção de um estímulo nociceptivo, nomea-damente em situações de grande sugestionabilidade,acompanhadas da produção de dor ou manifestaçõesde dor na ausência de estímulo.

É muito importante integrar toda esta complexidadeda experiência da dor na, não menos complicada, redede actividade neurofisiológica que a suporta e compre-ender que a decomposição da experiência da dor éfeita apenas para facilitar o seu estudo e explanação.

De uma forma muito simplificada, poderemos afirmarque existe um sistema de dor constituído pelas viasascendentes aferentes, que transmitem a informaçãodos vários nociceptores periféricos até ao sistema ner-voso central (e não um centro de dor), e pelas viasdescendentes eferentes que modulam a dor. Pensamosque este esquema é, ainda assim, simples para suportede tão grande diversidade de experiências de dor epatologias. Existirão vários níveis de interacção facilita-dora (exacerbação de dor) ou inibidora (adaptação ador) entre o estímulo, a percepção e a resposta, desdea periferia até ao sistema nervoso central. Outros meca-nismos fisiológicos e analgesia endógena integram emodulam a dor em simultâneo com elementos psicoló-gicos conscientes e inconscientes, experiências, memó-ria e a expressão da dor. Nesse sentido, a investigaçãotem sugerido o envolvimento do tálamo, sistema límbi-co, áreas corticais e subcorticais cerebrais na percep-ção da dor e os sistemas neurotransmissores cerebrais.Pensamos que o sistema fisiológico de dor não estáisolado nem é estático e sofre influências de outrasinformações internas e externas que modificam o pró-prio sistema de dor ainda por determinar.

Várias dificuldades se colocam na avaliação de umpaciente com dor. A primeira é o facto de a dor sersubjectiva e, como tal, nós apenas podermos inferir ouavaliar indirectamente a dor. Frequentemente, quandoobservamos uma lesão, é possível inferir a presençada dor, embora, caso não exista lesão, não se possaexcluir a existência de dor, uma vez que toda a queixade dor é real seja qual for a sua causa. A simulação éúnica excepção. No entanto é importante avaliar apresença maior ou menor da dor mental ou dor somá-tica ou vice-versa, pois as intervenções e resultados

são diferentes. É também frequente pensar-se que,sempre que a causa objectiva da dor é tratada, estadesaparece. Porém, tal não é verdade porque, porvezes, a dor persiste muito para além do tratamento dadoença e por múltiplos factores.

A segunda é que dependemos da comunicaçãoverbal e não verbal do paciente, sendo assim o uso deoutras actividades mental e comportamental que cons-titui a versão e reacção do paciente, com toda acomplexidade subjacente que estas pressupõem. Aexuberante manifestação da dor pode não ter relaçãodirecta com a lesão que a causa, embora tal nãosignifique que a dor seja provocada por um problemaemocional. As queixas de dor são influenciadas porestados psicológicos e motivacionais do indivíduo,mas também por factores internos bem mais comple-xos que, por ultrapassarem a consciência do próprio,não são comunicados ou são mesmo negados. Emdeterminados estados psicológicos, como por exem-plo tristeza, incerteza ou ansiedade, e por exemplo napresença de ganhos secundários, as queixas de doraumentam. Portanto, não há sempre relação directaentre a gravidade da lesão e a intensidade da dor.

As emoções podem interferir na dor de vários modos;estas podem ser: causa determinante da dor, um esta-do prévio e concomitante, um factor posterior da manu-tenção da dor ou um factor de exacerbação da dor.

A realidade fundamental a ter em conta é que osfactores psicológicos da dor estão presentes desde oseu início, sendo os factores psicológicos que vãodeterminar a evolução adaptada ou inadaptada à dor,caso esteja associada a uma doença crónica ou, naausência desta, a evolução crónica da dor. De facto,podemos questionar por que é que, geralmente, estescasos são apenas avaliados psicologicamente por ex-clusão de presença de patologia orgânica e apósinúmeras terapias sem sucesso? Por que é que estesfactores psicológicos são entendidos sempre conse-quência de dor crónica ou pertença de um casopsiquiátrico? É nossa convicção que os factores deordem psíquica estão presentes no início do quadro dedor e intensificam-se e complicam-se, acompanhandoa evolução para a cronicidade. Deste modo, é impor-tante salientar a extrema relevância da avaliação mul-tidisciplinar simultânea somática e psicológica para aprevenção da cronicidade da dor.

Foi revisto de uma forma sucinta e geral alguns dosaspectos conceptuais da dor, fundamentais para oconceito multidimensional da dor, passando a seguir auma abordagem da dor crónica, para compreender eavaliar o paciente com dor numa perspectiva actual e,simultaneamente, multidisciplinar.

A diferenciação entre dor aguda e dor crónica ultra-passa o factor temporal.

Geralmente, a dor aguda constitui um sinal biológi-co útil, motivando a pessoa a procurar ajuda. A doraguda está frequentemente associada a uma lesãoou patologia bem identificadas e compreensíveis parao doente e clínico, tendo tratamentos prioritários ebem definidos. Se, por um lado, as suas característi-cas descritivas e o comportamento do doente estãode acordo com a lesão que as provoca, por outro, asnecessidades e atitudes do paciente estão em sinto-

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nia com os objectivos do tratamento, havendo assimuma elevada probabilidade de sucesso no tratamentoou intervenção.

A dor crónica, por sua vez, é frequentemente persis-tente, prolongando-se no tempo e, apesar de constan-tes avaliações, não tem uma explicação satisfatóriapara o clínico e para o doente. As intervenções tera-pêuticas múltiplas são frequentes e mal sucedidas.Esta dor está associada a estados emocionais defrustração, desmoralização, desespero, sofrimento, in-sónia, irritabilidade, a inactividade prolongada, a de-pendência, a alteração de relacionamentos interpesso-ais, familiares ou sociais, a modificação do estilo devida e também ao envolvimento de múltiplos factorespsicológicos e sociais que interagem, contribuindopara cronicidade.

É necessário distinguir respectivamente os quadrosde dor crónica com patologia somática crónica e oscasos de dor crónica sem patologia somática que ajustifique. No primeiro caso, o problema que se colocareside em avaliar se o processo de adaptação está aser bem ou mal sucedido, isto é, se outras complica-ções e factores atrasam ou interrompem essa evolu-ção; no segundo caso, estamos perante uma verdadei-ra síndroma de dor crónica.

Claro que esta divisão é simplista e, na prática, tudoé mais difícil e os quadros clínicos não se apresentamdefinidos temporalmente nem na dualidade apresenta-da. Cada caso é único e, além do mais, os clínicos nãoprevêem quais os que vão evoluir para a cronicidadecom as consequentes intervenções, contribuintes elaspróprias, por vezes, para essa cronicidade.

Assim, verificamos que, para a sua compreensão,são importantes outras vertentes psicológicas e con-ceitos cognitivos e comportamentais na análise da dor.

Do ponto de vista psicodinâmico, a dor ou a inadap-tação à dor resultam de conflitos que lhes estão subja-centes. O doente mantém a dor e hipervaloriza-a, masesta é apenas e frequentemente o sintoma visível deuma necessidade reprimida ou sofrimento psíquico. Ador pode servir como mecanismo de defesa para evitarque o doente tome consciência de um conflito, consti-tuindo deste modo um benefício primário, ou veículopara a obtenção de ganhos ou mudanças no relaciona-mento com outros (benefício secundário). Nalgumasrelações familiares fortemente solícitas, a dor pode cons-tituir um benefício terciário. A dor pode não ter umapatologia somática demonstrável, mas pode ter umestímulo mental simbólico ou funcional. Determinadosacontecimentos na vida dos pacientes originam senti-mentos de perda ou culpa que persistem durante anos,podendo encontrar expressão através da dor. Por outrolado, em casos de grande complexidade, a dor é, porvezes, usada na relação médico/doente numa repetiçãoneurótica ou transferencial de outra relação.

Os traços psicológicos, como a dependência, des-confiança, passividade, manipulação, ansiedade, po-dem igualmente predispor e contribuir para a inadap-tação ou manutenção da dor, já que esta pode resultardesse factor psicológico latente, potenciador de umaavaliação especial e da resposta do doente à dor econdições envolventes, resposta esta que seria dife-rente se esses traços não estivessem presentes.

Os factores psicodinâmicos estão, de facto, nitida-mente implicados nalguns casos de dor, mas os as-pectos cognitivos e comportamentais estão presentesde imediato, em todos os casos, sendo que a avalia-ção cognitiva e comportamental assume uma grandeimportância na dor.

O doente tem comportamentos em resposta à pre-sença de dor, isto é, senta-se ou deita-se, fica inactivoou passivo, chora ou queixa-se de dor, comportamen-tos estes que são perfeitamente observáveis pelosconviventes mais próximos. Estas reagem a estes com-portamentos, executando os serviços ou tarefas quecompetiam ao doente, prestando-lhe mais atenções eapoio (reforço positivo); quando o doente começa arealizar essas mesmas tarefas, ninguém repara ou écriticado (reforço por punição do comportamento sa-dio). Estes episódios repetitivos levam a que as res-postas à dor sejam reforçadas. Segundo a teoria docondicionamento operante, se os comportamentos sãopositivamente reforçados, a probabilidade de estesacontecerem aumenta, mas se, pelo contrário, estessão seguidos de estímulos aversivos, diminuem. Por-tanto, os comportamentos de dor e as respostas àpresença de estímulos nociceptivos, como a inactivi-dade, podem ser reforçados. De igual forma, os com-portamentos de actividade são, por vezes, extintospelo estímulo aversivo e punição que a dor constitui aoexacerbarem os estímulos nociceptivos, pela mobiliza-ção. Os comportamentos operantes da dor têm porfinalidade objectiva a diminuição da dor, como a inac-tividade ou a toma de medicação. Estes comporta-mentos e respostas podem ser totalmente adaptados,mas também podem ser o início da aprendizagem derespostas mal-adaptadas, isto é, com a continuaçãodo reforço positivo, estas respostas passam a adquirirpadrões de comportamentos operantes da dor, ouseja, o doente exibe as mesmas respostas, o mesmocomportamento de dor, mesmo na ausência de estímu-lo nociceptivo. Estas respostas são muito frequentesnos doentes com síndroma de dor crónica e estespadrões de comportamento autónomos da presençade estímulo nociceptivo muito difíceis de extinguir, jáque passam a ser controlados e seleccionados pelasrespostas externas ao doente no seu ambiente familiare social, que é também frequentemente modificado eestabelecido. Os profissionais na área da dor têm,nestes casos, uma tarefa difícil e por vezes não com-preendida pelos seus pares que, inadvertidamente,continuam a reforçar positivamente esses comporta-mentos.

Um outro aspecto comportamental dos doentes comdor crónica é determinado pelo medo antecipado desentir dor, que condiciona comportamentos de evita-mento da mesma. A dor é um sinal de perigo ou alarmepara o indivíduo, estabelecendo-se assim o medo facea determinadas actividades, actividades estas que pas-sam a ser evitadas na ausência de dor, existindo igual-mente determinados estímulos que, pela co-ocorrênciafrequente associada à dor, deixam de ser neutros eprovocam a mesma resposta na ausência de dor (con-dicionamento clássico). Se o medo evoluir patologica-mente, o doente passa a evitar actividades mínimas ououtras sem relação com a dor, iniciando-se um círculo

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vicioso de dor. A antecipação da dor desperta a ansi-edade com resposta psicofisiológica, desencadeia ten-são psíquica e física e aumenta a susceptibilidade desentir dor. A esta situação, o doente responde cominactividade, ficando aliviado. Só que este círculo vai-seapertando, caracterizado por um crescente evitamentoe modificação do estilo de vida do doente. Se a dordesencadear uma ansiedade cada vez maior no doen-te, este estado e os mecanismos de tensão tornam-sepermanentes, pelo que a dor é contínua. Esta ansieda-de pode resultar da própria condição de dor ou aindade outros acontecimentos stressantes, ambientais ourelacionais (familiares, sociais).

No entanto, a dor crónica tem ainda outros aspectospsicológicos subjectivos que fazem parte da experiên-cia da dor e interagem e modulam reciprocamentecom as respostas comportamentais que são as cogni-ções, como, por exemplo, o conceito de que a dor éum sinal de aviso, e as emoções como a ansiedade eo medo.

De uma forma simplificada, podemos exemplificarque a dor é interpretada como uma situação perigosa(cognição), acompanhada por ansiedade (emoção),desejo de alívio (motivação) e procura de ajuda (ac-ção-comportamento).

A cronicidade da dor depende da interacção entrea cronicidade da doença e a resposta do paciente aessa cronicidade.

Cada doente tem os seus padrões de pensar, sentire agir, que utiliza na avaliação e resolução dos acon-tecimentos da sua vida, sendo que a dor crónica podeconstituir um desses acontecimentos.

A persistência da dor no paciente pode despertarcognições irracionais e disfuncionais. O paciente comdor crónica centraliza todos os pensamentos na dor ouaspectos relacionados. As cognições negativas, emconjunto com outros aspectos psicofisiológicos, po-dem determinar a persistência da dor, mas são maispreditivas de depressão que a intensidade da dor.

O paciente pensa, por exemplo, “nunca mais voumelhorar...”, “ninguém quer saber do meu caso...”,“ainda não encontrei a medicação certa...”, “eu nãoposso fazer nada...”, “tenho alguma doença muito másem solução...”, “se dói é porque há alguma doença”.Estas são crenças e atribuições comuns negativas,que surgem automaticamente e que têm grande inter-ferência nas emoções que determinam, nos comporta-mentos e nas alterações psicofisiológicas.

Encontramos, com frequência, a fixação em cogni-ções que revelam o sofrimento, afirmação da presençade uma doença, ambiguidade, preocupação somática,generalização, catastrofização, desmoralização, culpa-bilidade, hostilidade, depressão ou reivindicação decompensação.

Dado que os doentes são processadores activos eselectivos de informação, é de extrema importânciasabermos o que pensam sobre todos os aspectosrelacionados com a dor, sejam passados ou actuais, equal o significado que atribuem à dor, as consequên-cias antecipadas da dor, aos tratamentos e as suasexpectativas pessoais. Estes aspectos são subjectivose deles resultam as estratégias de adaptação à dor, asrespostas às intervenções e tratamentos de dor.

Para as pessoas em geral, a dor crónica é umaexperiência desconhecida e, por isso, facilmente seestabelecem falsos conceitos, afastados da realidade,como, por exemplo, a convicção que a dor deve desa-parecer totalmente e posteriormente iniciar a actividade,quando sabemos que a actividade é o caminho para aredução de dor, ou ainda pensar que as melhorasdependem apenas do tratamento e não do próprio,assumindo o doente um papel passivo e ficando àespera que o melhorem. Os pacientes com dor crónicaassumem pensamentos, sentimentos e comportamentosbaseados nas experiências de dor aguda, o que con-duz à inadaptação, maior sofrimento, desmoralização,devido ao desfasamento entre duas realidades e comcaracterísticas diferentes. A crença de que há sempreuma causa evidente, cura e que os médicos resolvemtudo coloca os pacientes em maior risco de iatrogeniza-ção, através da procura sem limites de processos decura, repetindo a procura de soluções imediatas queem consequência agravam o quadro de dor crónica. Osclínicos são colocados perante a reapresentação agudado quadro de dor crónica e idealizados, o que dificultaa atitude, mas a única correcta que será a de informare confrontar o paciente da cronicidade da dor e proporou orientar para avaliação psiquiátrica ou psicológicana área da dor e ouvir a opinião destes últimos. Destemodo, as cognições em relação à dor, doença e trata-mento são muito importantes para a promoção de umaadaptação e colaboração em estratégias activas detratamento de dor crónica. Todos estes factores psico-lógicos são importantes e nenhum é exclusivo. Umfactor importante no paciente com dor é a sua motiva-ção. Observa-se nalguns casos que o doente não coo-pera, resiste, em que nada resulta, que tem motivaçõesnão conscientes diferentes da orientação terapêutica aseguir, como exemplos a retaliação dos clínicos porraiva mascarada, ou evitar o confronto com outra dor,frequentemente a mental, ainda mais intensa e difícil deenfrentar. Estas outras motivações só se modificam commudanças cognitivas e emocionais, o que na sua au-sência impedem o objectivo terapêutico, pois este nãoé comum ao clínico e paciente.

O doente tem de possuir informação adequadasobre a sua doença e mudar as suas cognições paraque possa adequar-se à realidade, ter maior autocon-trole, abandonando as cognições disfuncionais e aaquisição de sentimentos de auto-eficácia. Para tal éfundamental que a comunicação exista entre os váriostécnicos que intervêm no paciente.

A dor crónica e o seu tratamento é um processodinâmico e em mudança que coloca um grande desa-fio, um longo tempo de intervenção aos técnicos atéao equilíbrio do paciente-dor, não é um estado fixo,imutável e de resignação.

A avaliação e tratamento dos pacientes com dorresulta melhor, sobretudo na dor crónica de modo mul-tidisciplinar. Esta só pode ser efectuada por uma equipaalargada, passando pela formação sobre os componen-tes psicológicos da dor e pela reconceptualização deque a dor é muito mais do que um sintoma clínico. Nador crónica o doente faz parte integrante dessa equipae a sua pessoa nas dimensões biológicas, psicológicase sociais é o foco da avaliação e intervenção.

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V. Araújo-Soares1, T. McIntyre1, M. Figueiredo2

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ResumoNo texto que de seguida se apresenta serão inicialmente referidos alguns dos marcoshistóricos relacionados com a intervenção psicológica na dor crónica. Seguidamenteproceder-se-à à descrição e revisão de algumas das intervenções efectuadas em pacien-tes que apresentam diferentes tipos de diagnóstico com o sintoma de dor crónica.Inicialmente, serão referidas as intervenções nas quais a localização e a etiologia da dornão são especificadas. Num segundo foco, examinaremos o caso da dor lombar, referindoestudos que especificam o lugar da dor mas não a sua etiologia; aqui apresentaremos umestudo português. De seguida, vamos considerar as intervenções realizadas no caso de“dor ideopática”, na qual a etiologia se presume ser psicológica. Por último, vamosabordar, brevemente, a intervenção farmacológica uma vez que esta poderá actuar deuma forma sinergética com as diversas intervenções psicológicas. Será debatida aimportância do trabalho em equipas multidisciplinares em Unidades de Dor.

Palavras chave: Intervenção e dor crónica. Psicossocial. Multidisciplinar.

SummaryIn the following article the authors will present some of the historical marks related with thepsychological intervention in chronic pain patients. Next they proceed to the descriptionand critical revision of some of the implemented interventions with patients that presentdifferent aetiologies for their chronic pain. Initially, the interventions presented don’t refer aspecific pain location, but then a focus will be made on the specific case of chronic lumbarpain (one of the most presented in literature); at this point a Portuguese study with patientswith chronic lumbar pain will be presented and is implications discussed. Then the authorswill consider some of the interventions implemented in cases described as “idiopathicpain”. Finally, some considerations are made regarding pharmacological interventions andthe way it can be associated with a psychological intervention as a form of increasingthe therapeutical effects. Concluding the authors will reflect upon the data favouring theimportance of a multidisciplinary team work in Chronic Pain Units.

Key words: Intervention and chronic pain. Psychosocial. Multidisciplinary.

1Departamento de Psicologia da Universidade do Minho2Departamento de Psiquiatria do Hospital de S. Marcos

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A recente história da intervenção psicológica na dornão é desconhecida. Podemos dizer que terá começa-do informalmente há alguns séculos atrás quando oscurandeiros, longe das modernas técnicas farmacoló-gicas, utilizavam técnicas baseadas em princípios dadistracção e mesmo formas rudimentares de analgesiahipnótica. Outro marco nesta história pode ser coloca-do em 1930, desde esta data que a ciência comporta-mental se aliou à prática clínica com o objectivo decombinar um conjunto de técnicas para o alívio econfronto da dor. O trabalho de investigadores comoJacobson (1939 em Horn e Munafò, 1997) demonstra-ram a eficácia do relaxamento muscular progressivoem múltiplos quadros, incluindo aqueles que envolvema presença de dor. Em 1960 Miller, et al. demonstraramque a função do Sistema Nervoso Autónomo poderáser modificada através do condicionamento operante,e assim lançaram as bases para o biofeedback (Horne Munafò, 1997). Fordyce (1976) ao propor e demons-trar o papel do condicionamento operante no fenóme-no da dor crónica veio trazer um novo tijolo para aconstrução do edifício da intervenção psicológica nador. A teoria do Gate Control proposta por Melzack eWall (1982) demonstrou, claramente, a necessidade deintegrar factores neurofisiológicos e psicológicos paraa obtenção de uma melhor compreensão do fenómenoda percepção da dor. Os modelos de intervençãopropostos por autores como Turk, et al. (1983) basea-dos em modelos cognitivo-comportamentais abrirammais uma porta para a intervenção psicológica nestecampo.

Os primeiros sucessos da intervenção psicológicasurgiram da impossibilidade, sentida por alguns médi-cos, em tratar determinados pacientes com condiçõesde dor crónica. Estes pacientes eram enviados aopsicólogo como último recurso; o facto de não teremconseguido fazer nada por aquele paciente fazia-oscrer numa dor idiopática com causa psicogénica. Asarmas inicialmente possuídas pela psicologia para in-tervir nestes casos eram eminentemente comporta-mentais. Actualmente reconhece-se que uma condiçãode dor, seja de origem orgânica ou não, pode seralterada através da utilização de intervenções psicoló-gicas. Deste modo, os métodos de intervenção etratamento da dor têm evoluído para a inclusão deprocedimentos psicológicos, adicionando este vastoconjunto de novas formas de intervir com outras for-mas médicas de intervenção (Horn e Munafò, 1997).

De seguida vamos fazer uma breve revisão acercados estudos controlados efectuados nesta área, quercom doentes de dor relacionada com a presença dealgum tipo de condição física quer com doentes queapresentam dores não relacionadas com qualquer tipode patologia orgânica conhecida. Estes estudos vãoser avaliados tendo em conta os critérios apresenta-dos pela American Psychological Association – Divisi-on of Clinical Psychology – Task Force Report onPromotion and Dissemination of Psychological Proce-dures (Chambless, et al., 1995) – para tratamentosempiricamente validados. De acordo com o relatórioefectuado por esta equipa de trabalho, os critériospara intervenções bem estabelecidas incluem umademonstração de eficácia através de pelo menos dois

estudos clínicos de diferentes investigadores com pré-e pós-teste e dois tipos de grupos – experimental econtrolo – nos quais a condição a comparar seja umplacebo apropriado ou um tratamento alternativo. Osestudos devem ser conduzidos com um manual detratamento e as características da amostra devem serbem especificadas. O tratamento é considerado pro-vavelmente eficaz nos casos onde só existe um estudocom as mesmas características do anterior ou doisbons estudos existem, mas possuem dificuldades.Estas podem referir-se à heterogeneidade da amostraou ao facto de as comparações da intervenção seremefectuadas em relação a uma lista de espera e não aum tratamento alternativo. Os tratamentos que não sãopelo menos provavelmente eficazes são consideradosterapias experimentais.

Dada a diversidade das etiologias da dor – artrite,lombalgias, cancro (Wilson e Gil, 1996) –, uma dasdificuldades encontradas na planificação de um pro-grama de intervenção consiste nas diversas tipologiasde dor existentes: dor aguda ou dor crónica, que podeser causada por uma patologia identificável ou sempossibilidade de identificação da sua origem biológi-ca, podendo ser benigna ou maligna. De facto, osintoma “dor” é algo que está associado a um vastoespectro de diferentes síndromas, doenças, traumasou patologias (quer físicas quer psicológicas) (Turk eRudy, 1992). Apesar de toda esta complexidade, ospacientes com dor crónica são muitas vezes tratadoscomo um grupo homogéneo que se descreve comoapresentando o “síndroma de dor crónica” (Blak, 1975).Assim sendo, para estes pacientes é prescrito o mes-mo tipo de intervenção, seja esta psicofarmacológica,psicológica ou alguma forma de integração dos doistipos de tratamento.

Na literatura podemos encontrar diversos sistemasde classificação de dor crónica, que variam no graude especificidade. Os autores da Gate Control The-ory, Melzach e Wall (1982), consideram que a dorpode ser inserida em três categorias diferentes: a)dor na qual a causa é aparente, mas o tratamento éinadequado (p. ex. osteoartrite, artrite reumatóide);b)dor sem causa conhecida, mas cujo tratamento éadequado (p. ex. nevralgia do trigémio), e c) dor naqual a causa é desconhecida e o tratamento inade-quado (p. ex. dores lombares, fibromialgia, cefaleias,etc.). Outros autores, como Turk, et al. (1983), catego-rizam a dor em quatro subdivisões: a) dor aguda (doraquando do nascimento de um filho); b) dor crónicaperiódica (p. ex. enxaquecas, anemia falciforme); c)dor crónica benigna e intratável (p. ex. dor crónicalombar), e d) dor crónica progressiva (p. ex. dorprovocada por uma condição de cancro, artrite reu-matóide ou osteoartrite). Alguns investigadores estãoa tentar estudar que tipos de intervenção são maiseficazes com categorias de dor diferentes (Mersky,1986; Sanders e Brena, 1993; Turk e Rudy, 1992). Noentanto, a resposta diferencial ao tratamento aindanão foi avaliada em estudos controlados (Wilson e Gil,1996). Os diferentes protocolos que têm sido utiliza-dos incluem vários tipos de medidas psicológicas,comportamentais e de funcionamento geral, bemcomo medidas físicas. Contudo, ainda estamos longe

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de saber qual o tipo de intervenção mais adequado,uma vez que as intervenções têm sido realizadas comgrupos de dor bastante heterogéneos.

A maior certeza que podemos ter no campo da dorcrónica é da sua complexidade, definida pela combi-nação de mecanismos periféricos, centrais e psicológi-cos (Melzach e Wall, 1982). Um paciente que vive comdor crónica não só experiencia a sensação de dor,mas também vive com alterações significativas no seudia a dia, tais como limitação da sua actividade, humoransioso ou depressivo, pouca energia, distúrbios desono, problemas familiares, bem como isolamento so-cial (Keefe, Gil e Rose, 1986). Em casos extremos, ospacientes podem estar de tal forma absorvidos naprocura constante de alívio para as suas dores quepercorrem variados especialistas e vão a múltiplasconsultas de urgência, esperando que face a novasavaliações se encontrem novas formas de intervenção.Desta forma, muitas vezes são submetidos a interven-ções cirúrgicas desnecessárias ou tornam-se depen-dentes de analgésicos.

Vamos agora rever algumas das intervenções efec-tuadas em pacientes que apresentam diferentes tiposde diagnóstico com o sintoma de dor crónica. Inicial-mente, serão referidas as intervenções nas quais alocalização e a etiologia da dor não são especificadas.Num segundo foco, examinaremos o caso da dorlombar, referindo estudos que especificam o lugar dador mas não a sua etiologia, aqui apresentaremos umestudo português. De seguida, vamos considerar asintervenções realizadas no caso de “dor idiopática” naqual a etiologia; se presume ser psicológica. Por últi-mo, vamos abordar, brevemente, a intervenção farma-cológica uma vez que esta poderá actuar de umaforma sinergética com as diversas intervenções psico-lógicas.

Dor crónica heterogéneaMuitos estudos examinaram a eficácia de determi-

nadas intervenções psicológicas, tais como a terapiacognitiva-comportamental, terapia comportamental-operante e hipnose em casos de dor crónica heterogé-nea. Nestes estudos foram agrupados pacientes comuma grande variedade de queixas (dor nas costas,nas articulações, na face, com artrite, etc.). Muitoscompararam intervenções cognitivo-comportamentaiscom grupos de controlo – lista de espera. Por exem-plo, Philips (1987), utilizando uma amostra de doentesem ambulatório, os quais submeteu a uma intervençãocognitivo-comportamental, comparou os resultadoscom um grupo de controlo (lista de espera). O trata-mento cognitivo-comportamental possuía nove sessõesque envolviam treino de relaxamento, estabelecimentode objectivos, redução da medicação, treino de estra-tégias de coping, aumento gradual da actividade elidar com emoções como a ansiedade e a depressão.O estudo revelou melhoras clínicas significativas em83% dos participantes. Mais especificamente, os paci-entes demonstraram uma diminuição significativa nadimensão afectiva da dor, na depressão e nos compor-tamentos de evitamento. Num estudo semelhante, Pu-der (1988) avaliou a eficácia de um programa de

intervenção cognitivo-comportamental similar com dezsessões. Nestas, enfatizava-se o coping com a dor, otreino de técnicas específicas para o controlo da dor ea modificação de pensamentos que exacerbam a dor.Os pacientes, com idades entre os 27 e os 80 anos,foram aleatoriamente designados para o grupo experi-mental e para o grupo de controlo (lista de espera). Ospacientes no grupo experimental conseguiam lidarmais eficazmente com a dor, relatavam uma menorinterferência desta na sua vida quotidiana, bem comouma diminuição no consumo de medicação.

Numa tentativa de examinar a eficácia diferencialde vários tipos de técnicas, autores como Linton eGotestam (1984) compararam o treino de relaxamen-to, relaxamento mais condicionamento operante euma condição de controlo (lista de espera). O grupoque foi submetido ao treino de relaxamento recebeua intervenção em ambulatório, enquanto o gruposubmetido ao treino de relaxamento conjuntamentecom o condicionamento operante recebeu a inter-venção diariamente. O condicionamento operanteenvolvia o encorajamento de um tipo de medicaçãocontingente ao tempo e não à dor, um aumento daactividade física, uma minimização dos comporta-mentos de doente e um aumento de comportamen-tos de saúde. Os resultados indicaram que os paci-entes do grupo de intervenção melhoraramsignificativamente em relação ao grupo de pessoasque estavam na lista de espera. Estas mudançasobservaram-se em relação à redução da medicação,medidas de actividade física e de depressão. Quan-to à eficácia diferencial dos dois tipos de interven-ção, verificou-se que os pacientes que receberam aintervenção constituída por treino de relaxamento econdicionamento operante mais facilmente reduziama toma de medicação do que os pacientes queapenas foram submetidos ao treino de relaxamento.Os resultados sugerem que o treino de relaxamentoera suficiente para reduzir os níveis de dor, maspara aumentar os níveis de actividade e reduzir amedicação um programa de intervenção com condi-cionamento operante é mais vantajoso. Uma dascríticas que não podemos deixar de fazer a esteestudo é a de que as condições de administraçãodo tratamento nos dois grupos de intervenção nãoeram homogéneas, no primeiro grupo de intervençãocom um componente de relaxamento em ambulatórionuma base semanal, ao passo que no segundogrupo a intervenção foi realizada diariamente. Aconstatação destas diferenças faz com que os resul-tados devam ser encarados com grande cautela,considerando-se crucial a realização de uma inves-tigação que responda a esta crítica numa tentativade ultrapassar as limitações deste estudo.

Outras investigações, com grupos de pacientesapresentando dor heterogénea, examinaram o im-pacto de uma intervenção cognitivo-comportamentalem contextos multidisciplinares. Num estudo planea-do de modo a que se pudesse avaliar a diferençaentre uma intervenção em ambulatório e internamen-to, Peters e Large (1990) seleccionaram aleatoria-mente os pacientes de modo a que pertencessem auma de três condições: a) programa de intervenção

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multidisciplinar com a duração de 4 semanas paradoentes internados; b) programa de intervenção mul-tidisciplinar de 9 semanas para pacientes em ambu-latório e c) grupo de controlo. O primeiro programade intervenção possuía uma orientação cognitivo-comportamental e incluía treino de relaxamento, re-estruturação cognitiva, distracção, aumento do exer-cício físico, terapia individual, gestão da medicaçãoe reforço de comportamentos saudáveis. O progra-ma de intervenção com doentes de ambulatório foidescrito como educacional, apesar de terem sidodebatidos conselhos para o aumento da actividadefísica, o estabelecimento de objectivos, gestão damedicação e do stress e treino de relaxamento. Osresultados indicaram que os pacientes que partici-param quer num quer noutro grupo de intervençãoapresentavam níveis mais elevados de bem-estarpsicológico, menos comportamentos de dor, menoslimitações relacionadas com a saúde e menor inten-sidade de dor depois da realização de exercíciofísico, quando comparados com o grupo de contro-lo. Uma das críticas que pode ser efectuada a esteestudo reside no facto de as condições aparente-mente não estarem bem controladas, de modo quenão sabemos a que se devem na realidade osefeitos dos resultados encontrados.

Em geral, as investigações acima apresentadassugerem que as intervenções com orientação cogni-tivo-comportamental são mais benéficas do que con-dições de controlo (lista de espera). As provas obti-das da avaliação destes estudos indicam ainda queuma intervenção multidisciplinar e mais compreensi-va a nível da dor poderá levar à obtenção de melho-res resultados. Contudo, este grupo de estudos apre-senta algumas limitações como o facto de nãodescrever adequadamente as suas amostras, verifi-cando-se que estas são bastante heterogéneas, nãoexistindo um controlo das condições de administra-ção da intervenção, o que limita a possibilidade degeneralização dos resultados obtidos e dificulta asua interpretação.

Lombalgia crónicaOs estudos com pacientes de dor crónica lombar

representam uma tentativa de delimitar o problema emtermos da localização e especificação da dor sentida.No entanto, estes estudos são similares aos referidosanteriormente, uma vez que também estes não defi-nem a etiologia fisiológica da dor crónica. Usualmentea dor lombar pode apresentar uma grande variedadede etiologias: patologia discal, osteoartrite, osteo-porose, traumática, tensão muscular/espasmos. Contu-do, estas causas são agrupadas conjuntamente etratadas nas mesmas análises.

Autores como Altmaier, Lehmann, Russel, Weinsteine Kao (1992) seleccionaram aleatoriamente 45 paci-entes com dor crónica lombar. A investigação efectu-ada por estes autores possuía duas condições: pro-grama de reabilitação standard que funcionava emregime de internamento e no qual participaram 45sujeitos; e outro grupo de sujeitos foi submetido aoprograma de intervenção standard acrescido de uma

intervenção psicológica. O programa standard con-sistia em educação acerca da medicação, recondici-onamento físico, envolvimento familiar e apoio. Ocomponente psicológico consistia no treino de relaxa-mento e de estratégias de coping, com reforçoscontingentes à execução de exercícios físicos. Osresultados não revelaram qualquer diferença signifi-cativa entre os dois tipos de intervenção. De facto, osdois programas eram muito similares, uma vez que oprograma de reabilitação já incluía algumas caracte-rísticas psicológicas. Parece ter sido esta semelhan-ça a responsável pela ausência de diferenças entreestas duas condições.

Num outro estudo efectuado com os mesmos ob-jectivos, Nicholas, Wilson e Goyen (1992) distribuí-ram aleatoriamente 20 pacientes por duas condi-ções: cinco sessões de terapia comportamental ecognitiva com um componente educacional no quala inactividade, a depressão e a toma de medicaçãonuma base horária era discutida (C-C), acrescendo-se ainda uma dimensão de fisioterapia. Havia aindaum componente de intervenção psicológica com trei-no de relaxamento, reestruturação cognitiva e au-mento gradual da actividade física. A segunda con-dição possuía um igual número de sessões nãodirectivas acrescida de fisioterapia. Contrastandocom os resultados de Altmaier, et al. (1992), osresultados deste estudo revelaram que, apesar denão se observarem diferenças na intensidade da dorentre as duas condições, os pacientes que fizeramparte do primeiro grupo melhoraram significativa-mente em medidas de limitação funcional (cotadaspor outros significativos), no uso de estratégias decoping activas e da medicação, bem como a nívelde crenças de auto-eficácia. Em relação às condi-ções experimentais deste estudo, verifica-se queestas parecem estar mais eficazmente controladasdo que as anteriores, o que nos permite olhar paraestes resultados de uma forma mais segura.

Outros autores como Turner, Clancy, McQuade eCardenas (1990) também revelaram maiores benefíci-os da inclusão de intervenções psicológicas conjun-tamente com a prática de exercício para o tratamentoda dor crónica lombar. Neste estudo, 96 pacientescom dor crónica lombar foram aleatoriamente distri-buídos por quatro grupos distintos: a) terapia compor-tamental mais exercício; b) apenas terapia comporta-mental; c) apenas exercício, e d) um grupo decontrolo que permanecia em lista de espera. Osgrupos de terapia comportamental incluíam os paci-entes e os seus cônjuges. A duração foi de duashoras por semana em 8 semanas, sendo a interven-ção focada em estratégias de comunicação de modoa que os comportamentos de saúde fossem reforça-dos em detrimento da apresentação de comporta-mentos de doente e de dor. Os resultados indicaramque, apesar de se terem observado resultados posi-tivos em todos os grupos de intervenção, os pacien-tes que participaram na primeira condição (terapiacomportamental mais exercício) apresentavam melho-res resultados na cotação da intensidade da dor querpelo próprio quer pelo cônjuge, bem como decrésci-mos a nível da incapacidade física e psicológica,

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quando comparados com o grupo de controlo. Nesteestudo, a introdução do cônjuge no processo deintervenção apresenta-se como uma nova contribui-ção, sendo algo que merece uma avaliação cuidada,em especial se não esquecermos o facto de oscomportamentos de dor se encontrarem submetidosàs mesmas leis de aprendizagem.

Outro objectivo dos estudos que se focam na inter-venção com pacientes que apresentam lombalgiascrónicas nas costas tem sido o de contrastar a eficá-cia relativa de diferentes tipos de intervenção psico-lógica. Um exemplo disto é o estudo realizado porTurner e Clancy (1988). Estes autores reuniram umaamostra de 81 pacientes e distribuíndo-os aleatoria-mente por três condições em regime de ambulatório:a) intervenção comportamental-operante (8 sessões),similar à anteriormente referida; b) intervenção cogni-tivo-comportamental (com treino de relaxamento, ima-ginação guiada e capacidade imagética, identifica-ção de emoções negativas associadas a distorçõescognitivas e restruturação cognitiva), e c) grupo decontrolo (lista de espera). Os resultados obtidos de-monstraram que os pacientes no primeiro grupo me-lhoraram comparativamente aos outros dois gruposem relação às classificações pessoais e do cônjugequanto ao funcionamento físico, comportamental epsicológico. Não se verificaram diferenças em rela-ção ao nível da intensidade da dor. Depois de umfollow-up de doze meses, os efeitos das duas inter-venções eram do mesmo tipo.

Noutro estudo efectuado por Nicholas, Wilson eGoyen (1991), distribuíram-se 55 pacientes com lom-balgia crónica por 6 condições experimentais deforma a avaliar a eficácia da terapia cognitivo-com-portamental e o condicionamento operante com esem treino de relaxamento num contexto de interna-mento e de ambulatório. Havia duas condições decontrolo – sessões não directivas e de fisioterapia ouapenas fisioterapia. O grupo de terapia cognitivo-comportamental incluía um componente educacional,no qual a inactividade, a depressão e a toma demedicação num intervalo de tempo pré-estabelecidoeram temáticas abordadas, possuindo também umcomponente de intervenção psicológica com treinode relaxamento, reestruturação cognitiva e aumentogradual da actividade física. Quanto ao grupo deterapia por condicionamento operante, este focava-sena actividade física reduzida associada à dor crónicae nas consequências deste tipo de actividade, entreas quais se pode contar uma diminuição da forçamuscular. Os objectivos estabelecidos consistiam naredução da medicação, passando os sujeitos a inge-ri-la nas horas recomendadas, e no aumento dasactividades sociais e laborais de uma forma gradual.Todos os pacientes foram submetidos a fisioterapia ea um programa de exercício. A análise dos resultadosrevelou que a intervenção combinada de terapia psi-cológica associada a fisioterapia apresentava melho-res resultados do que as duas condições de controloem medidas como: a intensidade da dor, o auto-relatode limitações funcionais, bem como as cogniçõesdisfuncionais relacionadas com a dor. Os pacientesque receberam uma intervenção baseada no paradig-

ma do condicionamento operante (com e sem relaxa-mento) demonstraram maiores ganhos em medidasde auto-relato de limitação funcional e uso de medi-cação do que os pacientes que participaram nasoutras condições. Este estudo revela-se bastante im-portante e inovador, uma vez que compara tratamen-tos psicológicos com tratamentos não psicológicos,incluindo dois grupos de controlo de modo a controlaros efeitos que possam estar associados ao contactocom o terapeuta.

Num estudo realizado por Slater, Doctor, Pruitt eAtkinson (1997) foi avaliada a eficácia clínica deuma intervenção comportamental em 34 doentescom dor crónica lombar. A avaliação foi efectuadautilizando uma estratégia empírica de modo a quan-tificar a mudança individual de cada paciente. Dos34 doentes, 17 foram submetidos à intervenção com-portamental e outros 17 passaram apenas pela inter-venção médica usual, tendo sido submetidos aomesmo tipo de medidas no tempo com o propósitode se poder realizar uma comparação descritiva. Daintervenção comportamental constavam os seguin-tes componentes: i) educação acerca da dor lombare sua função; ii) aumentos sistemáticos a nível daactividade física (p. ex. caminhar e aumentar a forçamuscular); iii) planeamento e comprometimento comdeterminadas actividades; iv) reforço contingentepara a melhoria da funcionalidade e actividade e onão reforço de comportamentos relacionados com opapel de doente, e v) treino de resolução de proble-mas e de auto-ajuda. Outros componentes de trata-mento eram considerados em casos especiais, comoa redução sistemática de medicamentos em casosde abuso (este módulo não era utilizado em todos oscasos, mas apenas quando se constatavam proble-mas a este nível). O tratamento providenciado tinhaa duração de uma hora por semana de sessõesindividuais durante aproximadamente oito semanas,com avaliações follow-up de três e seis meses. Aintervenção médica habitual era providenciada deacordo com a prática do ortopedista e podia incluircirurgia ou não, dependendo das necessidades indi-viduais de cada paciente. Os cuidados médicospodiam incluir testes de diagnóstico, medicação (ti-picamente sem esteróides e com agentes anti-infla-matórios), por vezes procedimentos minimamenteinvasivos (tais como injecções de esteróides), reco-mendações de actividade (p. ex. tal como o descan-so na cama, um regresso gradual ao trabalho, exer-cícios de flexão e extensão, modificação dasimediações do lar) e consulta com psiquiatria, tera-pia física e/ou serviços médicos. O tipo de interven-ção médica reflectia um vasto conjunto de práticasmédicas correntes para o tratamento de pessoascom dor crónica lombar, constituindo-se como otratamento usual recebido numa clínica ortopédica.Foi utilizado o modelo de Jacobson e Truax (1991)para detectar as diferenças clinicamente significati-vas nos pacientes que receberam tratamento médi-co ou comportamental. As alterações do momentodo pré- para o pós-teste foram avaliadas de duasformas: avaliaram-se as alterações significativas numintervalo de confiança de 95%, bem como as mu-

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danças clínicas significativas a nível da depressão,da limitação e da dor. Os resultados providenciaramprovas da eficácia da intervenção comportamental,que produziu resultados positivos clinicamente signi-ficativos no grupo. Utilizando os critérios de Jacob-son e Truax, verificou-se que 47% dos pacientesexibiam alterações significativas, ao passo que 41%apresentavam resultados positivos clinicamente sig-nificativos pelo menos numa das três medidas utili-zadas no momento de pós-intervenção, apresentan-do resultados similares aos da população normal.

Um estudo conduzido por Stategier, et al. (1997)utilizou vários instrumentos de avaliação. O primeirofoi a parte I do Inventário Multidimensional da Dor deWest Haven-Yale (IMD; Kerns, Turk e Rudy, 1985),que mede o funcionamento psicossocial confrontan-do várias dimensões: a) percepção da gravidade dador; b) interferência da dor na vida; c) controlopercebido sobre a vida; d) distress afectivo, e e)apoio percebido dos outros. Outros instrumentosutilizados foram o Inventário da Depressão de Beck(versão curta com 13 itens, Beck e Beck, 1972 emStategier, et al.,1997), uma escala de suporte social(Social Provisions Scale, SPS; Russel e Cutrona,1984 em Stategier, et al., 1997), a escala Pain RatingIndex do Questionário da dor de McGill (Turk,1988),os coeficientes do α de Cronbach vão de 0,83 a0,91 (Altmaier, et al., 1993; Turk, Rudy, e Salovey,1985) e a escala Low Back Pain Rating Scale (Leh-mann, Brand, e Gorman, 1983, em Wilson e Gil,1996), que avalia o funcionamento do paciente emtermos de critérios físicos, percepção do paciente edos médicos. Nesta intervenção, 21 pacientes rece-beram um programa de reabilitação tradicional deterapia física e educação. Este programa consistiaem sessões de terapia física duas vezes por dia,bem como sessões diárias de treino aeróbico. Asaulas diárias de educação ensinavam mecanismosde controlo da dor e providenciavam apoio por partede um grupo. Vinte e quatro pacientes receberamesta intervenção tradicional acrescida de outro tipode intervenção cognitivo-comportamental que abar-cava vários componentes tais como: a) planeamentodiário de exercício; b) treino de relaxamento; c)treino de biofeedback, e d) treino de estratégias decoping cognitivo-comportamentais. Dos 45 pacien-tes, 14 foram classificados como disfuncionais, 12como tendo dificuldades interpessoais e 14 comoindivíduos que possuíam estratégias de coping“adaptativas/minimizadoras”. Quanto aos resultadosobtidos, estes indicaram que os melhores resultadosapareceram a nível dos pacientes classificados como“disfuncionais”, o que veio replicar os resultadosanteriormente obtidos num estudo realizado porRudy, et al. (1995). Talvez estes resultados estejamrelacionados com o facto de os sujeitos classifica-dos como “disfuncionais” possuírem “muito por ondemelhorar”. As diferenças entre os grupos eram maisaparentes nas medidas físicas: os pacientes “disfun-cionais” melhoraram mais do que os “interpessoal-mente desajustados”, quer nas percepções da gra-vidade da dor quer no funcionamento físico. O grupode pacientes classificados como “disfuncionais”

melhorou ainda mais do que os “adaptativos/minimi-zadores” na escala que avaliava o controlo sobre avida, o que significa que para os pacientes disfunci-onais a intervenção foi associada a aumentos signi-ficativos nesta dimensão. Quanto aos pacientes clas-sificados como “interpessoalmente desajustados”,estes parecem não ter sido ajudados com a inter-venção, no que diz respeito à gravidade da dor e amelhoras no nível de funcionamento físico. No queconcerne aos indivíduos “adaptativos/minimizado-res”, verificou-se que estes apresentaram piores re-sultados na escala de controlo sobre a vida do queos outros dois grupos. Em contraste com os resulta-dos anteriores, talvez este grupo tenha melhoradoem menor escala, pois à partida já se encontravaposicionado mais favoravelmente.

Em Portugal desenvolveu-se um manual de inter-venção psicológico e multimodal na dor crónicalombar (McIntyre, Araújo-Soares e Brown, 1999 emSoares, 1999), finda a fase de construção, que tevecomo contributos todas as citadas anteriormente,procedeu-se à sua aplicação, com vista à avaliaçãoda sua eficácia. Assim, o programa foi implementa-do junto a pessoas com dor crónica lombar. Para talforam contactados os serviços de Ortopedia, Medi-cina Física e Reabilitação e Consulta de Dor de doisHospitais Distritais. A investigação realizada apre-sentou cariz quase-experimental, tendo participado,voluntariamente, 33 sujeitos no grupo experimental e36 no grupo de controlo, com idades compreendi-das entre os 18 e os 72 anos de idade. Análisesiniciais a estes dois grupos revelaram (apesar des-tes não terem sido seleccionados aleatoriamente)semelhanças na maioria das variáveis estudadas nomomento de pré-teste. Os sujeitos do grupo experi-mental foram submetidos ao programa de interven-ção psicológica e à intervenção standard dos servi-ços de ortopedia, medicina física de reabilitação edor. O tipo de intervenção médica reflectia um vastoconjunto de práticas médicas correntes para o trata-mento de pessoas com dor crónica lombar. O grupode controlo em lista de espera foi sujeito, apenas,aos serviços habituais (standard). Assim, o estudoconsistiu em provar a eficácia deste programa, bemcomo os efeitos sinergéticos da conjugação destecom a intervenção médica standard, tendo-se reali-zado medidas pré- e pós-intervenção. Os instrumen-tos utilizados na investigação destinavam-se a ava-liar os resultados do programa de intervenção emvariáveis como a intensidade, frequência e qualida-de da dor, a interferência da dor no quotidiano, osestilos de coping, o locus de controlo, as experiên-cias subjectivas de sofrimento, a depressão, bemcomo a morbilidade física e psicológica. Três hipóte-ses foram testadas. A hipótese 1 previa diferençassignificativas pré-pós, para o GE, nas variáveis estu-dadas indicando uma diminuição nas medidas dedor, um aumento nas estratégias de coping e umadiminuição no uso da medicação. A hipótese 2 pre-via diferenças significativas entre o GE e o GC nomomento de pós-intervenção, com melhores medi-das para o GE quanto às medidas da experiência dador ao coping e uso de medicação. A hipótese 3

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previa que sujeitos clinicamente deprimidos obtives-sem menores benefícios do programa de interven-ção do que os sujeitos não deprimidos. Dos resulta-dos obtidos no pós-teste, salienta-se a confirmaçãodas hipóteses principais do estudo, com melhoresresultados para o grupo experimental. Observaram-se diminuições na frequência e intensidade da dor,nos níveis de morbilidade física e psicológica, desofrimento e depressão, com claros aumentos emtermos das estratégias de coping utilizadas. Os re-sultados dos testes de hipóteses e das análisesefectuadas confirmaram um conjunto de dados daliteratura que indicam a força sinergética deste tipode intervenção, conjugada com a médica, no trata-mento de pacientes com dor crónica. Estes dadosapontam para a necessidade urgente de integrarabordagens multidisciplinares e biopsicossociais notratamento da dor crónica, especialmente no contex-to hospitalar (Araújo-Soares e McIntyre, 2000).

Este conjunto de estudos apresenta evidências em-píricas de que uma intervenção cognitivo-comporta-mental é eficaz para pacientes com lombalgia cróni-ca, diminuindo os comportamentos de dor, mas não asensibilidade a esta. Os estudos em pacientes comdor crónica nas costas geralmente englobam amos-tras mais homogéneas (pelo menos a nível da locali-zação física da dor) e incluem comparações face aum placebo apropriado ou face a condições apropri-adas de controlo. Em muitos destes estudos sãoutilizados manuais de intervenção (Wilson e Gil, 1996;Araújo-Soares e McIntyre, 2001), o que é uma carac-terística positiva a notar, uma vez que diminui apossibilidade de variáveis parasitas e mediadorasinterferirem nos resultados obtidos. No entanto, asamostras possuem uma dimensão reduzida, o queimplica a necessidade de replicação. Em geral, veri-fica-se que as intervenções de carácter multimodalsão mais eficazes do que os programas que se focamapenas num ou dois componentes. Também se veri-fica que o adicionar de um componente psicológico àterapia tradicional (p. ex. cognitivo-comportamental)apresenta um efeito complementar e sinergético emtodas estas intervenções.

Síndromas de dor idiopática

Um conjunto de intervenções psicológicas têm-sefocado nos síndromas de dor idiopática. Neste tipode síndroma não existe uma causa física determina-da ou então a dor relatada é excessiva face àsprovas físicas encontradas (Edelson e Fitzpatrick,1989; Pilowsky e Barrows, 1990. Em: Wilson e Gil,1996). Num estudo efectuado por Edelson e Fitzpa-trick em 1989, tentou comparar-se terapia cognitivo-comportamental individual, hipnose e treino do focoatencional. Os resultados indicaram que os pacien-tes que receberam a intervenção cognitivo-compor-tamental começaram a passar mais tempo de pé,quando comparados com os outros dois grupos. Ospacientes que receberam terapia cognitivo-compor-tamental ou hipnose apresentavam níveis mais bai-xos de intensidade da dor do que o grupo decontrolo (Wilson e Gil, 1996).

Todas as investigações referidas até aqui indicamque as intervenções psicológicas que incluem treinode relaxamento, reestruturação cognitiva, estratégiasde distracção, aumento de actividades capazes deproduzir sentimentos de prazer de uma forma gradual,que contrabalancem momentos de actividade commomentos de descanso, a capacidade de estabelecerobjectivos pessoais, bem como o reforço de comporta-mentos de saúde são geralmente eficazes em indivídu-os que apresentam dor crónica. Muitos destes estudosderam uma resposta eficaz aos critérios referidos an-teriormente como essenciais para se poder considerarum estudo como válido (Keefe, et al., 1986). De facto,estas intervenções deram origem a importantes resul-tados: aumento dos níveis de actividade, diminuiçãodo uso de medicação e diminuição nos níveis de dorrelatados. Além disso, o seguimento destes sujeitosrevelou a manutenção dos ganhos por 6 a 18 meses(Wilson e Gil, 1996).

Notavelmente, os estudos referidos possuem boasmedidas e quatro dos estudos, apesar dos ganhosobtidos, não apresentaram uma diminuição significati-va nos níveis relatados de dor (Altmaier, et al., 1992;Nicholas, et al., 1992; Puder, 1988; Turner e Clancy,1988). Estas descobertas são consistentes com osestudos de Fordyce, Roberts e Sternbach (1985 emWilson e Gil, 1996), que revelam que a intervençãopsicológica não se destina a tratar a dor crónica perse, mas, sim, a intervir nos comportamentos de dor,embora seja raro que nestas intervenções os terapeu-tas também tenham como objectivo a redução damedicação. Apesar destes resultados serem favorá-veis a uma intervenção psicológica, a maioria delesapresenta algumas limitações metodológicas. Muitosdeles apenas incluíam um grupo de controlo em listade espera, não possuindo outros grupos que nospudessem dar resposta acerca do efeito do contactocom o terapeuta ou de outros parâmetros potencial-mente importantes. Em termos dos estudos de segui-mento (follow-up), verifica-se que na sua maior parteapenas 50 a 60% dos sujeitos que participaram nasintervenções fizeram parte deste seguimento. Existeainda uma heterogeneidade considerável em termosindividuais em factores como o tipo de dor crónica.Factores como o ambiente familiar, estratégias cogniti-vas de coping e cognições disfuncionais interferem naresposta às intervenções efectuadas e, apesar demuitos estudos terem avaliado estas variáveis, a mai-oria destes não analisou o impacto destes factores notratamento. Outras limitações residem no facto de de-terminadas variáveis não serem avaliadas, como asmedidas demográficas e as de funcionamento globaldurante a pré-intervenção.

Em suma, a literatura abordada sugere que o paci-ente que recebe tratamento psicológico, incluindo te-rapia cognitiva e comportamental e/ou terapia compor-tamental operante de modo a conseguir lidar com ador crónica (não provocada por doença biológica),apresenta melhores resultados nas medidas de co-ping, intensidade da dor, nível de actividade e compor-tamentos de dor. O efeito da intervenção psicológicano uso da medicação encontra-se menos esclarecido.Contudo, muitas questões permanecem por responder,

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como o impacto de uma etiologia específica nos resul-tados da intervenção. A interferência da constituiçãopsicológica do sujeito nos resultados da intervençãotambém necessita de posterior investigação. Relacio-nada com esta questão surge outra (Wilson e Gil,1996): Quais os tratamentos mais adequados face adeterminado tipo de dificuldades avaliadas nos casosde dor crónica?

Intervenções farmacológicasExistem, primariamente, duas abordagens de inter-

venção farmacológica na dor crónica: medicação nar-cótica e medicação psicotrópica (Walsh, 1991). Dentrodos narcóticos, temos os opiáceos de longa duração.No entanto, muitos autores se referem ao potencialaditivo deste tipo de medicação, fixando-se muitosprogramas de intervenção multidisciplinar na reduçãodo uso deste tipo de medicação.

As investigações efectuadas nesta área revelam quea toma da medicação apresenta maiores benefíciosquando ocorre em intervalos de tempo fixos do quequando é tomada face ao aparecimento da dor emSOS. Num estudo levado a cabo por Berntzen eGotestam (1987), no sentido de verificar este facto,distribuíram-se aleatoriamente os pacientes por duascondições durante uma semana: a) toma de medica-ção face ao aparecimento da dor e b) toma da medi-cação em intervalos de tempo fixos. Os resultadosindicaram que os pacientes que recebiam os analgé-sicos em intervalos fixos apresentavam cotações dedor mais baixas e níveis mais elevados de humor, doque os pacientes que recebiam a medicação face aoaparecimento da dor. Os dois tipos de formas de tomara medicação não apresentaram resultados diferenciaisquanto à actividade física desenvolvida pelos sujeitos.Assim, parece poder concluir-se que o modo de tomara medicação pode influenciar a intensidade da dorrelatada, o estado de humor, parecendo não apresen-tar qualquer tipo de interferência em vários tipos demedidas de actividade física.

Quanto à medicação psicotrópica, podemos referir,particularmente, os antidepressivos, que parecem darcada vez mais provas do seu efeito analgésico na dorcrónica. Ao examinar os efeitos analgésicos dos anti-depressivos, especialmente daqueles que inibem arecaptação da serotonina (Gourlay, et al., 1986), inves-tigadores como Goodkin, Gullion e Agras (1990) distri-buíram aleatoriamente 42 pacientes com lombalgiaspor duas condições: 6 semanas de toma de um inibi-dor da recaptação da serotonina ou um placebo. Esteestudo é único, pois apenas incluíu pacientes comalterações orgânicas documentadas na área lombar esacra. Os resultados indicaram a ausência de efeitosdo tratamento em relação ao placebo para medidascomo: a intensidade da dor; a depressão; o funciona-mento psicológico ou físico; o comportamento de dorobservado; e a actividade física. Contudo, por outrolado, num estudo “duplo cego” de 4 semanas, compa-rou-se o efeito de dois antidepressivos tricíclicos: adoxepina e a desipramina. Neste estudo, ambos osantidepressivos levaram a uma diminuição da dor(Ward, 1986).

Outros estudos têm sido efectuados. Num utilizou-seum inibidor da recaptação da noradrenalina (maproti-lina) a par com inibidores da recaptação da serotonina(clomipramina), aplicando-se esta substância a paci-entes com dor idiopática (Eberhard, et al., 1988). Osresultados revelaram que os pacientes que receberammaprotilina apresentavam níveis de intensidade da dore de desconforto mais reduzidos no pós-teste, verifi-cando-se que os pacientes que receberam a interven-ção com clomipramina apresentavam uma reduçãosignificativa a nível da tristeza, desconforto corporal,tensão interna, dificuldades de concentração, pertur-bações de memória e dor (medida através de umaescala visual analógica), concluindo-se que a clomi-pramina parece ter levado a níveis de dor mais baixos.

Os estudos realizados nesta área do conhecimentoparecem revelar que a toma de medicação a intervalosfixos parece ser a mais adequada. A eficácia a longoprazo deste tipo de intervenção (psicotrópicos) não éclara, uma vez que apenas num dos estudos realiza-dos se procedeu a uma avaliação de follow-up (Ral-phs, et al., 1994). Quanto aos antidepressivos, pareceque estes apresentam alguma eficácia na intervençãoa este nível, revelando modestos efeitos quanto àredução da dor. Mais uma vez, somente um estudoprocedeu a um follow-up e, desta forma, os efeitos alongo prazo continuam incertos.

Um dos pontos fortes destes estudos farmacológi-cos reside no facto de serem constituídos por amos-tras específicas com uma descrição detalhada do tipode etiologia relacionada com a condição de dor cróni-ca, ao contrário de muitos estudos psicológicos reali-zados neste domínio. Outro ponto positivo é o facto deterem sido estabelecidos protocolos, o que permiteuma replicação fiel dos estudos a qualquer momento,por qualquer equipa de investigação. Contudo, e ape-sar destes pontos fortes, constatam-se várias limita-ções, como o facto de muitos destes estudos possuí-rem amostras reduzidas, o que limita a possibilidadede fazer generalizações. Existe ainda uma grandevariabilidade na resposta ao tratamento, o que podedever-se a diferenças interpessoais que os estudosefectuados nesta área não se têm preocupado emavaliar (Wilson e Gil, 1996).

Tendo em conta todas estas limitações, e sem es-quecer os seus pontos de maior consistência, podedizer-se que a intervenção farmacológica parece serresponsável por melhorias modestas na cotação daintensidade da dor por parte dos pacientes com dorcrónica.

Conclusão/discussãoA intervenção psicológica foca-se principalmente no

exame do impacto de intervenções cognitivo-compor-tamentais no relato e resposta face à dor. As interven-ções incluem o treino em estratégias de coping com ador tais como: estratégias de relaxamento e distrac-ção, aumentar as actividades sociais e físicas agradá-veis, reestruturação cognitiva, estabelecimento de ob-jectivos e resolução de problemas (Sanders, 1996;Bradley, 1996). Reconhecendo-se a natureza multidis-ciplinar da experiência de dor, muitos dos estudos

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psicológicos incluem medidas de avaliação que inves-tigam a percepção da dor, as respostas fisiológicas, ofuncionamento comportamental e o ajustamento famili-ar e social. Geralmente, a investigação revela que asintervenções psicológicas são eficazes ao longo deuma vasta gama de medidas, sendo os benefíciosmantidos pelo menos até um ano após a intervenção.

No futuro, serão necessários estudos que contras-tem as intervenções farmacológicas com as interven-ções psicológicas, avaliando ainda os efeitos sinergé-ticos de uma abordagem combinada. Uma perguntaque ainda continua por responder é a forma como asintervenções cognitivo-comportamentais levam aosganhos positivos observados. Relacionados com aquestão do mecanismo de acção estão os factoresque poderão ser considerados como preditores daresposta ao tratamento. Aqui podem estar incluídasvariáveis demográficas, de apoio social e de estilos decoping que podem interferir na resposta à intervenção.É ainda importante estudar os efeitos da adesão aotratamento. Autores como Lutz, Silbert e Olshan (1983)encontraram 52% de adesão face à terapia física eocupacional contra apenas 25% face a exercícios derelaxamento. É ainda importante estabelecer uma con-cordância quanto a medidas de significância clínica eainda avaliar os custos da intervenção.

Quanto à metodologia, é importante definir muitobem as amostras, além de que se devem usar proto-colos de intervenção detalhadamente descritos emmanuais de intervenção, de modo a aumentar a valida-de interna, podendo, desta forma, incrementar-se areplicação do estudo. Os terapeutas deveriam sertreinados antes de implementarem um programa deintervenção nesta área, avaliando-se também a com-petência do terapeuta.

Os resultados obtidos nestes estudos podem serusados para educar os responsáveis pela política desaúde acerca da natureza multidimensional da dorcrónica. A verdade é que não existem respostas sim-ples para este complexo fenómeno, contudo, se abor-dagens psicológicas e farmacológicas apresentammenos efeitos separadamente, unidas poderão ser devalor inestimável.

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Um Olhar (breve) Sobre a Dor Mental

A. Vale Ferreira

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ResumoEste artigo pretende dar conta (de uma forma sucinta) da evolução do conceito de dormental, numa perspectiva psicodinâmica, desde Freud até autores mais actuais. Preten-de ainda realçar a sua importância no funcionamento mental dos seres humanos e anecessidade de a “olharmos” como diferente de conceitos como a angústia, a culpa, oluto, o desprazer, o sofrimento, etc., com os quais aparece várias vezes confundida ouentão, diluída nos quadros psicopatológicos mais clássicos. Embora o conceito de dormental esteja longe de estar acabado, parece estar ligado à angústia de separação, àconsciência de si e do outro, à sensação de existir separadamente, de emergir nummundo vivo e parecendo exprimir uma sensação catastrófica de descontinuidade do Eu.Portanto, ligada ao medo de morrer, ao sentimento de fracasso de continuar a ser, a umaqueda no abismo.

Palavras chave: Dor mental. Perspectiva psicodinâmica. Angústia de separação. Psico-terapia.

SummaryThis article intends to give account (in a brief way) of the mental pain concept evolution,in a psychodynamic perspective, from Freud to recent authors. Also intends to enhanceits importance in the human beings mental activity and the need “to look” at, distinctivelyfrom concepts like the anguish, the blame, the mourning, the displeasure, the suffering,etc., that several times appears confused or then, diluted in the “pictures” of the classicpsychopathology. Although the concept of mental pain be far away from being ended, itseems to be linked to the separation anguish, to the conscience of himself and the other,to the sensation of existing separately, to emerge in an alive world and seeming toexpress a catastrophic sensation of discontinuity of the self. Therefore, linked to the fearof dying, to the feeling of failure in continuing to be, to the fall in the abyss.

Key words: Mental pain. Psychodynamic perspective. Separation anguish. Psychoterapy.

Psicólogo clínico - Psicoterapeuta de inspiração psicodinâ-micaMembro da equipa multidisciplinar -CLINIPSIQUE - Clínica de Dor do PortoDirector do Centro de Informação e Acolhimento Norte(CIAC), do Serviço de Prevenção e Tratamentoda Toxicodependência (SPTT) - Direcção Regional Norte,do Ministério da Saúde

“Existem pessoas que são tão intolerantes à dor ou à frustração (ou em quem a dorou a frustração é tão intolerável) que sentem a dor mas não a sofrem e assim não

se pode dizer que a descobrem... o paciente que não for capaz desofrer dor falha em ‘sofrer’ prazer” (Bion).

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Quando o Dr. Arantes Gonçalves me desafioupara escrever umas linhas sobre dor mental, confes-so que fiquei um pouco apreensivo em relação àforma como iria explicitar o conceito de “dor men-tal”, ainda longe de estar acabado. Também estoumais habituado a “vivê-la” ao lado dos meus pacien-tes e menos a tentar conceptualizá-la (tive que mesocorrer dos meus mestres!). Quando olhamos a dorpsíquica (e o sofrimento) e tocamos a sua complexi-dade, confrontamo-nos com uma das vivências men-tais mais difíceis de lidar e compreender ao longodo percurso terapêutico e, porque não, ao longo detodo o ciclo vital.

Freud já olhou para a dor psíquica, considerando-a um fenómeno semelhante à dor física e situando-a, de maneira ambígua, entre o corpo e a psique.Define a dor como a consequência de uma fissurana couraça protectora, o resultado traumático daruptura das defesas. Também considera que a dorpsíquica é uma reacção à perda do “objecto” erelaciona-a com a angústia, considerando “a dispo-sição para a angústia” a última linha de defesa, deprotecção.

Pegando como ponto de partida a relação do recémnascido com a sua mãe, Freud tenta desenvolver ahipótese duma angústia pura (automática) que corres-ponderá miticamente ao traumatismo do nascimento eque seria, com efeito, anobjectal: uma situação ondeangústia e dor aparecem simultaneamente, confundi-das, e que corresponderão ao momento onde, con-frontado com a ausência da mãe, o recém nascidoestá agora na impossibilidade de decidir se esta au-sência é temporária ou definitiva.

Mas, na realidade, esta confusão entre angústia edor reflecte menos a relação do recém nascido como “objecto” do que uma indecisão teórica freudiana.Como refere Geberovich (1984), incertitude da teoriaque se origina na não distinção entre objecto denecessidade e objecto de pulsão, e que pode estarsobreposta pela proposição seguinte: A dor corres-ponderá à ausência do objecto de necessidade, ob-jecto ausente mas ainda não constituído como perdi-do, enquanto que a angústia (sinal) decorrerá daausência do objecto de amor, já constituído comoperdido. A dor é a reacção própria à perda doobjecto, a angústia a reacção ao perigo que compor-ta essa perda.

Esta hipótese intermediária pode, por si só, fazer-nos compreender como Freud trata a questão e dis-tingue dor e angústia. O jogo de presença/ausênciaque acompanha o movimento de separação entre amãe e o recém nascido permite, diz Freud, que estesinta, em relação à sua ausência repetida, “qualquercoisa como a nostalgia sem desespero”. E ele conti-nua, “a situação na qual ele experimenta a ausênciada mãe estando mal compreendida (a criança ignorase esta ausência é temporária ou definitiva) não épara ele uma situação de perigo, mas uma situaçãotraumática, se nesse momento ele sente uma neces-sidade que a mãe deverá satisfazer”. As situações desatisfação repetidas criaram este objecto (na realida-de ele ainda não está criado), a mãe que no caso danecessidade (ainda não é um objecto de amor) é

objecto de um investimento intenso que poderemosapelidar de “nostálgico”. É neste novo estado decoisas que temos de relacionar, para a compreender,a situação de dor. Assim, a dor corresponde aoinvestimento “nostálgico” de um objecto de necessi-dade ausente, mas não nomeável porque ele aindanão está constituído como perdido, surgindo a ruptu-ra das defesas.

É no registo da metapsicologia que se tem deentender aqui a dor, como efeito do traumatismo deuma ausência (falta) sobre o plano da necessidade –a dor substitui-se à angústia automática – e a angús-tia como o sinal de alarme, consequência do perigoda perda de um objecto de amor já constituído.

Freud também faz a distinção entre desprazer e dor.A dor é uma experiência de ruptura, a sensação tema primazia sobre a representação. O desprazer é oinvestimento numa recordação, é o inverso, a repre-sentação tem a primazia sobre a sensação.

Mesmo que desprazer e dor sejam os dois provoca-dos por um acréscimo de “quantidades” no aparelhopsíquico, a dor possui uma qualidade especial que semanifesta paralelamente ao desprazer. Se a experiên-cia traumática é fonte de dor, o desprazer, que é defacto comparável mas não igual à dor, será desenca-deado pela reprodução na memória do objecto causa-dor de dor. A distinção entre desprazer e dor está nabase da divisão de territórios entre os reinos do prin-cípio do prazer e do Nirvana.

Grinberg também faz referência à conexão entre dorfísica e dor psíquica. Ele pensa que, se a dor apareceem qualquer situação de luto devido à perda doobjecto, deve-se a que esta produz uma experiênciaque, na fantasia inconsciente, implica um ataque con-tra o Eu (em particular contra o eu corporal, quereproduz a situação traumática do nascimento); esteataque produz dor física que, por sua vez, é incorpo-rada como dor psíquica.

Joffe Y Sandler assinalam um aspecto adicional dador psíquica ligada à perda do objecto. Eles conside-ram que a dor psíquica é uma discrepância entre oestado real de si mesmo por um lado, e um estadoideal de bem estar por outro. Quando se perde umobjecto amado, não só temos a perda do objecto, mastambém a perda do aspecto complementar do objectoem si mesmo e do estado de bem-estar afectivo queestá intimamente ligado a ele.

Winnicott fez referência a este tipo de experiênciaemocional na terapia da seguinte maneira: Na práticapsicanalítica, as mudanças positivas que se produzemnesta área podem ser muito profundas. Elas não de-pendem do trabalho interpretativo. Dependem do factodo terapeuta lograr sobreviver aos ataques, o queinclui a ideia de ausência.

Pontalis também considera que a dor psíquicaestá associada à perda do objecto. A dor provemdo facto de que o objecto foi perdido de maneirairremediável mas mantém-se eternamente: “quandoexiste dor é o objecto ausente, perdido, o que estápresente; é o objecto real, presente, o que estáausente”.

Como refere Betty Joseph (1988), alguns doentesdescrevem-nos um certo tipo de dor que é, do ponto

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de vista deles, indefinível. A qualidade ou natureza dador não parece compreensível para eles e frequente-mente sentem que não conseguem transmitir a expe-riência ao terapeuta. Pode parecer quase física ouser relacionada com uma sensação de perda, masnão é algo que se definiria como depressão; podeconter sentimentos de ansiedade, mas não ser vistaapenas como uma sensação de ansiedade. Este fe-nómeno, aparentemente indefinível, é um tipo demovimento e um tipo de dor que parecem ser expe-rienciados em períodos de transição entre sentir a dore sofrê-la – uma situação limítrofe. É um tipo de dorque emerge quando há um importante impacto noequilíbrio mantido pela personalidade – um movimen-to e alteração no estado da mente. Frequentemente ésentida como quase física, apesar do doente saberclaramente que não está a descrever uma condiçãofísica, mas reconhecidamente mental. Ela é experi-mentada como no limite entre o mental e o físico.Penso que estamos a falar de dor mental (ou psíqui-ca, se preferirem).

A dor mental não é nem bem ansiedade, nem bemdepressão. É uma expressão de sofrimento psíquico,mais do que angústia. Está ligada a uma maior cons-ciência do Eu (Self) e da realidade interna de outraspessoas, assim como se associa com uma sensaçãode existir separadamente.

Sentimentos suicidas são muito marcantes em doen-tes emergindo destes estados de evitamento pois avida em si mesma é o que pretendem evitar, já que avida, viver, relacionar-se é exactamente o que incitador e toda uma gama de sentimentos até agora evita-dos. A destruição do Self e da mente que experimenta,é muito mais atraente.

A dor mental não é sentida como culpa em relaçãoa impulsos, nem se refere a cuidados com outrosobjectos, ou à perda de um objecto. Não possui essaclareza. A natureza da dor é mais desconhecida,mais crua, mais associada com o emergir num mundovivo. A experiência de dor não é ainda uma “dor nocoração”, embora frequentemente referida ao cora-ção. Contém, no entanto, os primórdios da capacida-de para senti-la.

Este tipo de dor tem uma qualidade de incompre-ensibilidade para o doente e para o terapeuta.Parece ser uma dor ligada a pessoas e à vida,relacionada com o nascimento, o desenvolvimento,o crescimento.

Ela é mencionada com alguma frequência, sobre-tudo em doentes que sofrem de perturbações men-tais primitivas. Esta dor parece exprimir uma sensa-ção catastrófica de descontinuidade do Eu, de umaqueda no abismo em direcção ao vazio, ao nada, aosem sentido, como se de repente deixassem de terchão. É vivida como um súbito e inesperado con-fronto com a realidade, o ser separado, arrancado enão ter qualquer fonte interna de segurança. Repre-senta a fronteira entre o viver e o morrer psiquica-mente, o derradeiro estado traumático de desorgani-zação, terror, caos, aleatoriedade e entropia, estandoportanto ligada ao medo de morrer, aos sentimentosde fracasso de continuar a ser e de perder o contro-le (é como se já não se pudesse voltar atrás). Esta

sensação de rasgão, como uma espécie de disjun-ção traumática, é por vezes tão vivida, tão profunda-mente sentida que se confunde com a dor de umaferida física. É como se estes pacientes tivessemsentido fisicamente o brusco arrancar de um cordãoumbilical.

Com efeito e como refere Jean Bégoin (1989),nalguns casos o Eu não parece estar capaz de porem acção o sinal de angustia, do perigo, que a suaorganização defensiva habitual lhe permite desen-cadear, visto que o perigo é mais maciço, ele ésobretudo da ordem do terror, com o seu carácterparalizante e menos do medo. Não se trata mais deum medo vivido no seio da vida psíquica mas deum perigo ameaçando a existência da própria vidapsíquica, um perigo de morte psíquica. Este perigomantém-se ligado à angustia de separação, mas deuma intensidade particular e provocando, em vezde uma organização defensiva, uma sideração detodas as defesas psíquicas salvo, eventualmente, orecurso a um retraimento de toda a relação objec-tal. A defesa utilizada, pelo menos em certos ca-sos, pode então ser uma defesa do tipo autístico,como mostra nestas situações a natureza catastró-fica da angústia de separação que desperta imedi-atamente o terror.

A modalidade depressiva que acompanha a existên-cia de um núcleo de terror ameaçando a própria vidapsíquica é o desespero: o sujeito tem o sentimento denão poder sobreviver em lugar de viver. No Traité duDésespoir, Kierkegaard refere que “o desespero é adoença mortal” no sentido em que a tortura é de nãopoder morrer, de querer, de viver, de sentir e nãoencontrar as condições de ambiente mínimas indis-pensáveis ao seu desenvolvimento (novamente Kierke-gaard, “O desesperado é um doente da morte... Amorte não é aqui o termo do mal, ela é um fiminterminável”).

A clínica revela muitas vezes que estas experiên-cias são repetições de um anterior estado arcaicode depressão primária devido à perda do objectoprimário (mãe incapaz de absorver e apaziguar omedo de morrer do seu filho, e este, incapaz deconferir sentido aos dados sensoriais das suas ex-periências emocionais), resultando numa falha bási-ca no processo, referido por M. Mahler, de separa-ção/individuação, expressa por uma graveansiedade de separação não acompanhada por umasuficiente individuação. O sofrimento psíquico maisprofundo parece ser aquele de não ter podido en-contrar, nos primórdios da vida psíquica, as condi-ções suficientemente boas para que a vida psíquicase pudesse desenvolver de uma forma mais autóno-ma, mais livre.

Uma intensa angústia ao estranho, ao desconheci-do, ao novo, cobrindo a ansiedade de separação(muito frequente quando se dão lacunas na terapia, ouquando se aproxima o seu fim), é um sinal da possibi-lidade da experiência de dor mental. Os pacientescom perturbações emocionais primitivas apresentamuma hipersensibilidade generalizada e específica facea praticamente todas as experiências emocionais, istoporque o seu equipamento mental básico de ordena-

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ção e processamento usado na “digestão” mental dassuas experiências está, em maior ou menor grau,danificado.

Parecem existir duas condições prévias nos doen-tes que experimentam esta forma de dor. Uma delasconsiste num mito pessoal sobre o desastre psíquicofinal, que parece assentar numa confiança precárianos recursos internos, muitas vezes expresso porafirmações do género “eu não vou aguentar”, “nãosou capaz”, “não vale a pena”, “vou enlouquecer”,“vou morrer”, “não tenho cura”, etc. A outra resulta dosentimento de ter perdido o direito à própria vida, nãoa merecer e, por consequência, a recusa da suaprópria integridade pessoal, da consciência de si, dasua identidade, muitas vezes revelado por expres-sões que demonstram um sentimento de se ter sidoliminarmente “amaldiçoado” ou pelo seu “pecado ori-ginal” (um deficit: não ser suficientemente competen-te para ter o amor do outro), ou pela sua vividamalvadez, ou pelos seus sentimentos de cobardiaexistencial.

Na área da saúde mental a disfunção que encon-tramos como predominante é resultado de um círculovicioso. O conhecimento do novo (nunca vivido, nun-ca sentido), ocorrência inevitável no ciclo vital, geraum nível de experiência emocional que ultrapassa acapacidade do sujeito (ou porque não tem uma capa-cidade adequada, ou porque a carga é excessiva),provocando uma dor mental insuportável que é resol-vida através de ataques fantasiados do próprio sujei-to à sua capacidade de sentir, de pensar (simbolizar),de descriminar e de agir. Quando uma dor não ésofrida, não pode ser pensada. A dor só pode sereliminada atacando-se a estrutura da mente. Essesataques, uma espécie de “autotomia” do pensamen-to, proporcionam um alívio imediato do sofrimentomental provocado por esta dor, mas condena o “au-totomizado” a um estado de imobilização que funcio-na como uma prisão, impedindo a sua evolução, oseu crescimento emocional. Os mecanismos de defe-sa visam negar esta vulnerabilidade, os sentimentosde culpa e responsabilidade pela própria vida, aconsciência, o confronto com a realidade da separa-ção, da individuação (“como um novo nascimento”),sobretudo porque a dor é inevitável!... Ao repudiar ador, corta também a possibilidade da gratificação eassim destrói a consciência da vida.

A disfunção é o resultado da desproporção entrea capacidade de conhecer-se e o impacto querecebe a personalidade com esse conhecimento donovo, ou o retorno do conhecimento antigo que foraanteriormente reprimido e/ou projectado. Ao tentarfugir da dor mental pelo ataque à própria capacida-de mental (sentir-se, pensar-se, sonhar-se, descri-minar-se, agir) o paciente diminui a sua capacidadee fica prisioneiro da sua solução – o sintoma (em-bora este movimento seja uma tentativa de adapta-ção, não equivale a um sucesso adaptativo massim, a um insucesso). Agora é preciso organizarexplicações racionais para a sua disfunção. Essasfantasias são em geral do tipo persecutório e nelasa ideia de cura está relacionada com duas alterna-tivas. Apoderar-se do que lhe falta através de fan-

tasias de ataque ao terapeuta ou a evasão daprisão que construíu para si mesmo através dadestruição dos seus perseguidores que são, emúltima instância, partes da sua própria personalida-de. A disfunção básica resulta desses ataques queo indivíduo faz a si mesmo. Vários são os factoresque podem despoletar a desproporção entre a ca-pacidade mental e a experiência emocional, mas oresultado é sempre o mesmo – a tolerância e acapacidade da pessoa são vencidas e surge aimpotência, a dor, o desespero. Só um milagre apode salvar. Deixado entregue a si mesmo, o indi-víduo, como todos os seres vivos, procura evadir-se, mesmo à custa de um processo de “autotomia”.O que é “autotomizada”, destruída, é a própriacapacidade de ter consciência daquilo que provo-ca a dor insuportável. Essa capacidade (função dopensamento) destruída para aliviar a dor é a mes-ma capacidade indispensável para construir umasaída, pelo que tem que ser reparada, através datransformação do terror em compreensão. Se a dormental pode ser sofrida, pode ser pensada. Masesta transformação não deve ser devolvida à pres-sa pois é necessário avaliar a capacidade do doen-te para suportar o possível, devendo a quantidadeser mínima. Blaya-Perez sugere, a propósito, quealgo que se aproxima de um princípio seria sempredevolver um pouco mais do que a pessoa desejareceber, provocando um certo grau de sofrimentoinevitável no crescimento, mas evitando as grandesporções que não só não são assimiladas comoestimulam uma inapetência não desejada. A funçãoda terapia é, portanto, permitir que o Eu diminua osseus sistemas de controle omnipotentes para quepossa restaurar-se a capacidade de sentir dor sema ameaça de aniquilação. O progresso no processode reintegração ocorre mediante o encontro com ador mental. A dor que no mapa da psique seencontra nas fronteiras e na união de corpo epsique, de vida e morte (Pontalis, 1981). “O doenteque agora começa a ter a possibilidade de sofrerdor estará também apto a sofrer prazer” (Bion).

A impotência anda sempre de mãos dadas coma omnipotência, como protecção mágica que écapaz, na fantasia, de operar milagres que elimi-nam o sofrimento com a mesma rapidez que oilusionista faz desaparecer um objecto. A relaçãoimpotência-omnipotência (ou entre as faces do amoe do escravo, que existem simultaneamente emcada um de nós), expressa a intolerância humana,em geral, ao sofrimento mental, sobretudo a dorque decorre da tomada de consciência da realida-de própria (interna) e da do outro (externa), ouseja, a dor mental.

Embora a nossa reflexão se faça muito a partirdas pessoas doentes que precisam e pedem osnossos cuidados, qualquer pessoa experimenta, alongo do seu ciclo vital, situações difíceis, geradorasde dor mental. Temos todos, no fundo de nós, umnúcleo de desespero secreto que escondemos cui-dadosamente em nós mesmos mas que é susceptí-vel de surgir em certas circunstâncias difíceis danossa vida.

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Dor e Patologia Psiquiátrica

A. Gonçalves

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Médico especialista em Psiquiatria pelaOrdem dos MédicosDirector da CLINIPSIQUEClínica de Dor do Porto

A actividade do psiquiatra numa unidade de trata-mento de dor permite observar os pacientes com pato-logia psiquiátrica de outro ângulo, o somático, e ainteracção entre o biológico, o psicológico e o social,bem como preencher uma imperiosidade clinica funda-mental na dor, que é o diagnóstico psiquiátrico positivo,e não apenas por exclusão de causa orgânica e proce-der à orientação terapêutica mais adequada.

Apesar da dor ser muito frequente no paciente comdoença psiquiátrica, raramente é a queixa fundamentalapresentada na consulta de psiquiatria. Na experiên-cia na Unidade de Tratamento de Dor do HospitalGeral de Santo António, desde há cerca de 8 anos,temos verificado o inverso, isto é, que neste contexto,os doentes com patologia psiquiátrica apresentamcomo primeira queixa a dor. Observamos também queo doente com patologia psiquiátrica comunica com osoutros e o clínico através da dor.

O doente assume cognições e comportamentos ob-serváveis num doente com patologia somática e ossintomas psicológicos são desvalorizados ou confundi-dos pelo clínico, como reacção à dor, perpetuando-seo quadro de dor crónica com agravamento de incapa-cidade, iatrogenização, que vai impossibilitar o suces-so de uma intervenção multidisciplinar na dor. Assim,frequentemente, os pacientes com dor e psicopatolo-gia não são identificados, não são adequadamentetratados e são tardiamente referenciados.

Em estudo realizado na nossa unidade, verificamosque a morbilidade psiquiátrica é de 55%, sendo signi-ficativamente superior ao valor encontrado na popula-ção geral e na clínica geral com a mesma metodolo-gia. Também verificamos que as perturbaçõesafectivas, depressão e distimia contribuam para 55%dos diagnósticos psiquiátricos. Na maioria dos casos,trata-se de comorbilidade psiquiátrica e patologia or-gânica, sendo difícil discernir nitidamente, em muitoscasos de dor, se a etiopatogenia primária é psíquicaou somática.

A dor determina uma reacção psicológica global dapessoa que interage com a experiência psicológicaintrínseca à própria dor. Esta reacção pode estar total-mente congruente com a patologia clínica, promoven-do uma adaptação ou, pelo contrário, incongruente,agravando e dificultando a abordagem e tratamento doquadro clínico. Esta última situação pode evoluir parauma síndroma de dor crónica.

Não podemos dicotomizar a dor crónica e, porisso, esta não deve ser sempre considerada comouma perturbação de adaptação ou reacção a umacondição física ou, numa posição mais extrema, umaperturbação psiquiátrica. Na nossa experiência, omodelo biopsicossocial é o que melhor se aplica àcomplexidade dos múltiplos factores presentes nodoente com dor.

Os pacientes, em termos de características gerais,podem ser distribuídos em quatro grupos.

Podemos referir que temos um grupo de doentespsicologicamente saudáveis e que, ao enfrentaremuma patologia física com dor prolongada ou crónica,podem evoluir apresentando temporariamente altera-ção do seu estado psicológico devido ao estado dadoença, a interrupção do trabalho, a prejuízos funcio-nais, em que a ansiedade, a hipocondria ou a depres-são, podem necessitar de intervenção psicológica atempo de evitar a paragem do processo de adaptaçãoequilibrado. Estes doentes, em geral, compreendem oseu estado, aceitam a intervenção e colaboram, nosentido da melhor adaptação, aceitando as perdas, asmodificações da sua vida e procuram as melhoressoluções para a redução do seu prejuízo funcional emelhor estado de saúde.

Temos, depois, um outro grupo de pessoas em quea dor sendo de etiologia somática está associada afactores psíquicos internos como a angustia de sepa-ração, raiva, frustração, medo do sofrimento, ou stres-santes de ordem externa, como dificuldades conjugaisou a perda de uma pessoa significativa, anteriores ousimultâneos à dor, que manifestam reacções psicológi-cas inadaptadas face à dificuldade de resolução ouincapacidade de os ultrapassar podendo, também,exibir transtorno do humor ou de comportamentos,inadaptação à dor, e que necessitam de intervençãopsicoterapêutica. Neste grupo, os comportamentos dedoença e de dor são exacerbados face à patologia emcausa, com fixação aos sintomas, e a dor tem umpapel funcional ou simbólico. Apresentam baixa moti-vação para o tratamento ou para a actividade, poden-do evoluir, se persistente, para a insuficiência de fun-cionamento psicológico e social, desvio psicopáticoda personalidade ou a estabelecer-se um quadro psi-copatológico. A evolução crónica de dor pode distan-ciar-se da origem somática e pode apresentar-se comono terceiro grupo.

Temos um terceiro grupo de pessoas, cuja condiçãopsicológica prévia ao aparecimento de dor é, já de si,psicopatológica, podendo, no entanto, até esse mo-mento, não ter tido qualquer tipo de manifestaçãorelevante ou ter antecedentes psicopatológicos distan-

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tes do quadro de dor e que são, em geral, negados,excluídos ou minimizados pelo próprio doente na suahistória pessoal.

Nestes, a interacção com a dor é, por vezes, o factormínimo para a exacerbação de um neuroticismo jáexistente ou constitui a ocasião para a expressão deuma neurose latente. A dor é em geral produto dapsicopatologia em causa ou da acção de factorespsíquicos e somáticos, sendo em geral a doença somá-tica se existir mínima. A persistência das exacerbadasqueixas de dor e a sua manifestação verbal e compor-tamental exuberante é a evidência da psicopatologiaem causa. São frequentes repetidos exames subsidiári-os, múltiplas consultas, abuso de medicação, grandeinactividade e incapacidade, e a vida do pacientecentrada na dor. Este grupo é de grande risco para acronicidade de dor, maior prejuízo funcional psicossoci-al, maior inadaptação e perturbação afectiva, assimcomo menor controlo da sua condição e insucessoterapêutico. É também o grupo de doentes em que anegação dos factores psicológicos é mais evidente e,por isso, mecanismo de defesa e sintoma.

Por último, temos as pessoas com diagnóstico pas-sado ou actual de perturbação psiquiátrica, até emtratamento psiquiátrico e que padecem de um quadrosomático simultâneo de dor, em que a dor e a psico-patologia se mantêm aparentemente separadas ouapenas se queixam de dor se esta for especificamentequestionada. São os casos de doenças psiquiátricasendógenas em que a inter-relação entre a psicopatolo-gia e a dor se dá fundamentalmente ao nível dapercepção de dor e do limiar de dor. A dor comomanifestação de doença somática pode frequente-mente ser irrelevante face a gravidade da lesão. Ououtras perturbações mentais em que os doentes semantêm fiéis ao seu trajecto de doença psíquica eque, embora tenham frequentemente dores, não fazemdestas a sua principal queixa. Os sintomas psicopato-lógicos são prevalecentes ou associados com a dor enão reactivos.

É importante salientar o caso da simulação de dorem separado, já que este faz parte de uma farsa combenefícios dissimulados, em que a pessoa está cons-cientemente a enganar o médico com o objectivo dealcançar um benefício objectivo, portanto não é umaperturbação mental.

Temos verificado na prática clínica que os pacientesque exageram nas queixas de dor crónica têm deter-minados traços de personalidade, baixa auto-estima,que se sentem rejeitados ou têm uma vida não gratifi-cante, têm autocontrole externo, a presença de confli-tos emocionais, têm dificuldade pré-morbida de adap-tação ou de funcionamento psicossocial, antecedentesde perdas e carência de afecto, são por vezes vítimasde maus tratos físicos ou têm elementos na família comdoenças crónicas ou alcoolismo, por exemplo.

Os diagnósticos psiquiátricos mais comuns são asperturbações afectivas e as perturbações somatofor-mes, e embora menos frequentes também as perturba-ções factícias com sintomas físicos e as perturbaçõesda personalidade.

De facto, as perturbações de personalidade não sãoo diagnóstico frequente no doente com dor crónica,

mas sim a presença de traços de personalidade, comohistéricos, hipocondríacos, masoquistas, obsessivos,narcisistas, borderline, que influenciam a reacção dapessoa na presença de dor, como se esta fosse oaccionar de algo que estava latente, ou que põe adescoberto uma incapacidade de enfrentar uma ame-aça, ou abre uma ferida que não mais cicatriza, reve-lando em todos o uso da dor como uma experiênciapsicológica que se funde com o próprio e o afectopessoal de tal modo que, por exemplo, a sua presençapode constituir um benefício, a sua ausência podeconstituir uma grave ameaça, acontecendo comoexemplo, o doente perante a perspectiva de um trata-mento bem sucedido recusa-o ou os seus resultadossão idiossincráticos. O estado psicológico do doente érevelado pelo corpo, por vezes por incapacidade deexperimentar e expressar emoções ou por negação dequalquer conflito emocional, por vezes de tal modo,como se o doente seleccionasse uma parte de sipróprio ou da sua actividade mental, deixando-se con-duzir num prejuízo catastrófico, por vezes até mutilan-te, mas que mantém a satisfação de necessidadespsicológicas ou o conflito emocional fora do seu alcan-ce. Nestes a expressão da dor no corpo é a projecçãofísica e psíquica da dor mental. Em casos graves a dorsomática é mais suportável que a dor mental, noutrosalivia-a.

Verificamos, por exemplo, que pacientes com difi-culdades relacionais familiares exageram o comporta-mento de dor para as afastar, ou que doentes comsentimentos de grande culpabilidade punem-se atra-vés da dor ou, noutros casos, a raiva contra umaatitude de um membro conjugal é, após o início deuma síndroma dolorosa, canalizada através das persis-tentes queixas, incapacidade e pedidos de ajuda,instrumentalizando a dor, mas mascarando a agres-são. Noutros, as necessidades de dependência fazemcom que usem a dor como autentificação dos seuspedidos de ajuda. Por vezes, o clínico é também parteintegrante dos mecanismos psicológicos usados pelodoente através da frustração, insatisfação, derrota queo doente provoca nele, do insucesso constante dostratamentos, mantendo em simultâneo o doente, assolicitações de ajuda que rejeita para satisfação dasua dependência, ou por falta de confiança, ou porraiva devido a tratamentos e intervenções prévias.

De acordo com alguns traços de personalidade,com proeminência de culpa, antecedentes de sofri-mentos ou intolerância ao sucesso, impulsos agressi-vos não satisfeitos, sentimentos de rejeição ou de mal-amados, foi proposto que estes doentes tinham umapropensão para a dor (pain-prone patients), usando-acomo mecanismo defensivo ou como meio de satisfa-ção das suas necessidades. Por vezes, no seu extre-mo, o sofrimento é aceite como amor, a dor é motivoválido para a obtenção da gratificação de dependên-cia inconsciente.

Na depressão são muito frequentes as queixas dedor. Portanto, dor e depressão estão frequentementeassociadas e influenciam-se reciprocamente. A dorcrónica causa depressão e é também a expressãosomatizada de depressão. Esta associação frequenteentre a experiência de dor e depressão é explicável já

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que, ao nível psicológico e bioquímico, ambas parti-lham de factores comuns. Não há depressão específi-ca de dor o processo é generalizado.

O quadro mais frequentemente associado à dorcrónica é a distimia (neurose depressiva) e a depres-são reactiva e, na depressão endógena, os doentesapresentam menos queixas de dor. A maioria dosdoentes é do sexo feminino e de idade mais elevada.O diagnóstico de depressão estabelece-se de acordocom os critérios estabelecidos, por exemplo, na 10ªClassificação Internacional de Doenças ou IV Manualde Diagnóstico e Estatística das Perturbações MentaisAmericano, mas os doentes com dor apresentam mai-or dificuldade de diagnóstico, já que determinadossintomas como a insónia, isolamento, anorexia, fadiga,por vezes se mesclam com a patologia física associa-da. A dor causada pelo estado depressivo através, porexemplo, de alteração de sistema nervoso autónomo,como no caso da cefaleia ou lombalgia de tensãoestar presente, em geral, desde o seu início antes deoutros sintomas depressivos serem aparentes, podeter início agudo e não insidioso. Por vezes, algumacontecimento psicodinâmico está subjacente à de-pressão e a dor serve para manter o conflito emocionalinacessível ao doente e expressa, através do corpo, aagressividade, a hostilidade e a culpabilidade. Umaspecto importante de diagnóstico da depressão é asua apresentação sem sintomas psicopatológicos evi-dentes, e associada, por vezes, a negação dos mes-mos da parte do doente na avaliação clínica em que adepressão está na sombra da apresentação clinica,predominando os sintomas clínicos físicos ao que,correntemente, se chama “depressão mascarada”.Com isto não se quer dizer que, na ausência depatologia física evidente, o doente tenha depressãomascarada, pois o seu reconhecimento é feito atravésde uma avaliação pericial que põe em evidência odiagnóstico de depressão, caso contrário corre-se orisco de diagnosticar depressão mascarada onde podeexistir outro diagnóstico físico ou psiquiátrico. Na de-pressão o doente não tem apenas insónia, anorexia,anergia, perda da libido, desinteresse, mas tem funda-mentalmente perturbação do humor e alterações cog-nitivas.

Na esquizofrenia, na perturbação delirante paranói-de, na psicose maníaca, o problema maior é a eleva-ção do limiar de sensibilidade à dor e o prejuízo napercepção de dor que faz com que, por exemplo,doentes com esquizofrenia possam ter graves patolo-gias somáticas sem queixas relevantes. A dor não é,em geral, o sintoma de apresentação e outros sinto-mas presentes revelam o diagnóstico psiquiátrico.

Nos quadros de ansiedade generalizada e na detipo pânico, os doentes desenvolvem, por vezes, qua-dros de dor crónica, por exemplo cefaleia, dor precor-dial, quando a ansiedade se complica de humor de-pressivo e hipocondríaco na ausência de tratamentoadequado. O mecanismo mais comum da dor é ahiperactividade do sistema nervoso autónomo e tensãoao nível muscular, assim como a baixa do limiar desensibilidade geral.

As perturbações somatoformes constituem uma en-tidade nosológica que inclui um grupo de perturba-

ções com sintomas físicos para os quais não se con-segue, apesar de investigação adequada, uma expli-cação clínica. Na área da dor, interessa a perturbaçãode somatização e perturbação de conversão, a hipo-condria e a perturbação de dor.

A perturbação de somatização é aqui uma categoriado grupo acima mencionado e não um sintoma oumecanismo de defesa psicológico, é uma perturbaçãocrónica de múltiplos sintomas clínicos sem explicação,geralmente iniciada antes dos 30 anos, mais frequenteem mulheres que o doente se queixa, no caso da dor,de um modo difuso, vago mas dramático e circunstan-cializado, associada a outros sintomas somáticos, fre-quentemente a dor está localizada em várias partes docorpo e, quando o clínico tenta esclarecer os sinto-mas, o doente não os aborda directamente ou mostra-se incomodado com o questionar do clínico. O com-portamento associado a dor pode exagerar-se napresença do clínico. Nestes casos, se um sintomamelhora, outro surge, fazendo múltiplas consultas ex-ternas, exames, medicações ou intervenções cirúrgi-cas, reagindo mal quando são informados que nãoprecisam de tratamento ou não têm nada.

A perturbação de conversão caracteriza-se pelapresença de sintomas conversivos como perdas oualterações do funcionamento corporal, sugerindo umadoença física após um conflito psicológico, uma ne-cessidade psíquica, ou, tem um significado simbólico.Os sintomas predominantes não estão limitados à dor,podendo coexistir, por exemplo, paralisia. A pessoanão tem controlo voluntário dos sintomas. A dor naperturbação de conversão pode ser crónica. Os sinto-mas seguem uma topografia corporal que reflectem osconhecimentos e as expectativas que os doentes têmda doença. Exemplo raro de dor relatado por pacientedo autor em que este padeceu de dores tipo cólicasabdominais baixas intensas e estado de grande ten-são aquando do parto da esposa, que se pode inserirna síndroma de Couvade. Os sintomas conversivospodem ocorrer em pessoas com patologia orgânica,pelo que atenção especial é necessária a este diag-nóstico, porque não é frequente na nossa prática e,por vezes, verifica-se em casos diagnosticados deconversão com a evolução, encontrar-se uma causasomática para as suas queixas. Por outro lado, omecanismo de conversão e de dissociação poderáestar na origem de vários casos de dor crónica deetiopatogenia e fisiopatologia ainda não conhecidas,mas cujas manifestações fundamentais são somáticas.

A perturbação de dor está separada da perturbaçãode conversão, pois o sintoma predominante é a dor eprejudica seriamente a vida do doente ao nível social,ocupacional entre outros. Também tem sido designadapor dor psicogénica, dor idiopática e dor atípica. A dornão é completamente explicada por doença não psi-quiátrica ou nenhuma doença orgânica é encontrada.A dor está causalmente relacionada com significativosfactores psicológicos que tem papel determinante noinício, na gravidade, na exacerbação, ou manutençãoda dor. O sintoma não é intencionalmente produzidocomo na simulação ou na perturbação factícia. Exis-tem três situações clínicas, a primeira em que osfactores psicológicos tem papel fundamental e os es-

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tados físicos têm um papel mínimo no início ou manu-tenção da dor. A segunda em que os factores psicoló-gicos se associam a uma condição clínica física quetem também importância no início, na gravidade, naexacerbação, e na manutenção de dor. Na terceira ador é o esperado numa condição física e os factorespsicológicos tem um papel nulo ou mínimo no inicio oumanutenção da dor, portanto não é perturbação men-tal. O diagnóstico exige uma avaliação cuidadosa eperiodicamente repetida para colocar de lado umabase orgânica importante e tratável. Caso não existaos tratamentos devem ser conservadores isto é, nãoinvasivos. As vantagens de intervenções terapêuticasinvasivas devem ser ponderadas com atenção ao efei-to temporário, a possibilidade de iatrogenia e a relaçãocustos-benefícios-riscos. Os doentes podem expressarum conflito interno simbolizado através da dor. A dortem, para o paciente, benefícios, isto é, por exemplo,mantém o conflito afastado a consciência ou obtém agratificação de uma necessidade de dependência, oulegitima o paciente no papel de doente, obtendo aten-ções e apoios. Alguns pacientes sofrem de alexitimia,portanto têm uma incapacidade de exprimir os senti-mentos e emoções em palavras, sendo o corpo a falarpor eles, isto é, como uma tradução somática. Outrosfactores comportamentais, como o reforço positivo decomportamentos de dor, podem exacerbar a dor atra-vés da obtenção de benefícios pessoais ou nos relaci-onamentos interpessoais, como a estabilização de umafamília. A dor pode estar localizada ou ser múltipla ousaltar de um local para o outro. A dor não tem umterritório anatómico, mas a sua patologia está de acor-do com os conhecimentos do paciente. A dor em geralé, nestes casos, descrita como contínua sem flutua-ções ou influência de factores externos, como ambien-te ou distracção. Na nossa experiência, verificamostambém que a dor pode ser modelada a partir de umconvivente significativo já falecido, num mecanismo deidentificação na evolução patológica do luto. A dorpode ser devida a factor físico e o doente ter umcomponente psicopatológico como depressão previa-mente existente e que se vai exacerbar por vezeslevando ao suicídio. São casos clínicos de dor difíceis detratar e que devem ser inseridos num programa multidis-ciplinar de dor que inclua a vertente psicológica.

A hipocondria, sendo mais frequente como sintomaou traço de personalidade na nossa experiência dedoentes com dor, também pode constituir um diagnós-tico psiquiátrico. Neste último caso, é caracterizadopela interpretação irrealista de sinais físicos ou sensa-ções como anormais, preocupando o doente commedo de ter, ou com a ideia que tem uma doençagrave, preocupação que persiste, apesar da avaliaçãoe asseguramento clínico, causando significativa an-gústia e prejuízo do funcionamento psicossocial. A dorpode fazer parte deste quadro clínico mas, em geral,é acompanhada de outros sintomas, e o doente temmedo de ter uma doença ou insiste que a tem, sendoque o principal problema é excluir uma verdadeirapatologia somática. Este diagnóstico é, na nossa expe-riência, raro em doentes com dor crónica e, comoreferimos, é importante inserir as manifestações hipo-condríacas, nomeadamente noutros diagnósticos,

como depressão, ansiedade, esquizofrenia, perturba-ções da personalidade, ou como contexto do compor-tamento do doente face à situação de doença somáti-ca. Também é importante compreender que o doentehipocondríaco sente os seus sintomas.

Na área das disfunções sexuais, existem duas con-dições que se apresentam com dor, nomeadamente adispareunia e o vaginismo. A dispareunia caracteriza-se pela associação de dor genital no acto sexual, dorque é real e que causa uma ansiedade em relação aoacto, tornando-o indesejável para a mulher, levando aoseu evitamento, condição que, geralmente, é ciclica-mente agravada. O vaginismo consiste na contracçãoinvoluntária do terço anterior da vagina, que interferecom a penetração peniana e a execução do actosexual, podendo a mulher queixar-se de dor em simul-tâneo. Estas condições na mulher causam grandesofrimento, interferência grave no relacionamento,como, por exemplo, em casos de disfunção presentedesde o início da actividade sexual durante anos,observados pelo autor, podendo causar separaçãoconjugal, ou a incapacidade do casal em ter um filho.Estes diagnósticos não são válidos quando existe umaorigem orgânica ou um outro diagnóstico psiquiátricocomo somatização.

Uma grande área da medicina é constituída porsintomas somáticos funcionais em que os factorespsicológicos desempenham um papel importante noinício, no agravamento, na evolução, na predisposiçãopara esses sintomas como, no caso presente, a dor.Esta pode estar inserida numa entidade diagnosticamédica, como a cefaleia de tipo tensão, a enxaqueca,a síndroma do cólon irritável ou a lombalgia, comoexemplos que constituem síndromas funcionais ouquando há alteração orgânica a doença psicossomáti-ca (úlcera duodenal). Este grande grupo constitui oque, correctamente, se designa de perturbações psi-cossomáticas ou, como no DSM-IV, factores psicológi-cos que afectam o estado físico.

Mas, nesta última classificação, incluem-se todas asdoenças físicas que sofram, de alguma forma signifi-cativa, influência de factores psicológicos (sintomasde depressão e ansiedade, traços de personalidade,relacionados com stress, comportamentos maladapta-dos, culturais, religiosos, relacionamentos interpesso-ais), ou até perturbações psiquiátricas, como, porexemplo, a depressão que atrasa a recuperação deenfarte de miocárdio (na CID 10, as categorias e oscritérios de diagnóstico são diferentes). Não pretendeter o sentido restritivo a um grupo de doenças, já quetodas as doenças têm factores psicológicos. Este gru-po continua, em termos de classificação diagnóstica, aser controverso, e os conceitos têm-se modificado deépoca para época.

Nesta categoria, factores psicológicos que afectamo estado físico, insere-se também a neurose de com-pensação ou de renda em que as queixas de dor sãoexageradas e persistentes, mas associadas a factoresde ordem laboral ou acidentes, com lugar a compen-sação financeira. A dor, nestes casos, pode ter umvalor simbólico de factores passados de ordem labo-ral, e a compensação, ainda que insignificante, umprémio ou vitória muito fantasiada.

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Outro diagnóstico psiquiátrico, que mais frequente-mente surge como hipótese de diagnóstico, é a pertur-bação factícia com predominantes sinais e sintomasfísicos. Nesta o doente produz intencionalmente ossinais e sintomas de doença física, cujo único objecti-vo aparente é assumir o papel de doente. O nomeconhecido para esta perturbação é de síndroma deMunchausen, ou outros como doente profissional. Acaracterística essencial do quadro clínico é a capaci-dade do doente apresentar sintomas e sinais de talmodo reais e sugestivos de uma patologia que conse-guem a admissão em hospitais, serviços de urgência,em internamentos e, não menos frequente, para inter-venções cirúrgicas. As dores são um dos sintomasusados para receber atenções dos clínicos, medica-ções e múltiplos exames e intervenções. São, no en-tanto, raros os casos em que o quadro clínico seapresenta bem definido ou apenas com o sintoma dedor e, assim, não é evidente o seu diagnóstico. Muitomais frequente na área de dor é a presença de ante-riores patologias físicas mínimas funcionais que sãoalvo de atenção clínica, desenvolvendo-se o sobrepon-do-se este quadro clínico. Na experiência do autor,estes casos melhoram artificialmente, quase sempretemporariamente, com os internamentos e interven-ções que por vezes cirúrgica para, após se reiniciar omesmo trajecto, com os mesmos sintomas ou outros,com outros clínicos, de tal modo que casos há em que,em 10 anos de trajecto, tenham sido submetidos anúmero idêntico ou superior de intervenções cirúrgi-cas. Se sentem próximo o desmascarar da sua situa-ção, abandonam o tratamento ou, se desafiados nosseus sintomas, provocam-nos em casos extremos comactos mutilantes, traumáticos ou fármacos, agravandoo estado clínico, ameaçam com litigação e colocamem causa a competência clínica. Estes doentes fixam-se não no objectivo de se verem aliviados da sua dor,mas nos meios de diagnóstico e tratamentos, isto é noprocesso de avaliação e tratamento.

Outro aspecto relevante na consulta de dor, dada asubjectividade da experiência de dor, é a simulaçãoque merece atenção clínica, embora não seja umaperturbação psiquiátrica, já que é uma farsa, isto é, odoente voluntariamente e conscientemente falsifica ossintomas e sinais de doença para obter um benefíciocomo um ganho financeiro ou evitar um trabalho.

Também esta situação pode estar presente nasconsultas de dor e que é complicada, sobretudo na

diferenciação com a presença de benefícios inconsci-entes, como na conversão ou na somatização, sendo,por vezes difícil, distingui-las. Os sintomas produzidoscessam, em geral, quando são atingidos os benefícios,ou também quando os riscos de exames, intervençõessão elevados ou quando não estão a ser observados.Algumas características, como as queixas de dor se-rem vagas, mal definidas, incoerentes, má colabora-ção na avaliação, diagnóstico e tratamento, apresenta-ção em contextos de litígio ou de indemnização comsolicitação de parecer, são frequentes, mas não é umasituação fácil de reconhecer, que exige uma avaliaçãocuidada e acompanhamento, até porque outras condi-ções clínicas podem estar associadas. Se existe sus-peita de simulação, é necessário grande cuidado nainformação transmitida, ou na colocação antecipadade hipóteses de diagnóstico e tratamento na falta deevidência clínica.

Com a descrição sumária de algumas entidadespsiquiátricas frequentes na consulta de dor, não ficamesgotadas as possibilidades de diagnóstico pois, porexemplo, outros têm sido verificados, como o alcoolis-mo, a demência, perturbação delirante e perturbaçãode identidade. É importante salientar que, no pacientecom dor crónica, estão frequentemente presentes fac-tores psicológicos ou psicopatológicos que dificultammuito a tarefa do clínico assistente na avaliação e notratamento da dor, importa compreender que o modelobiomédico de doença tem limitações na área da dor eter a noção que é necessário suspeitar e avaliar osfactores psicológicos ou diagnósticos psiquiátricos nodoente com dor, sobretudo quando o doente não temlesão que justifique a dor ou apresenta o comporta-mento anormal de doença ou evolução arrastada dedor após tratamentos adequados. A conclusão de quese trata de um caso psiquiátrico não deve ser porexclusão ou por intuição, mas de acordo com critériosde diagnóstico presentes na observação do doente.Nesta área complexa e difícil, os sinais e sintomas dapresença de factores psicológicos não são óbvios. Daavaliação mais adequada, se necessário por um psi-quiatra familiarizado com a dor crónica, vai dependero trajecto do paciente com dor, quanto a intervençõesmédicas ou cirúrgicas e iatrogenização, adaptação eincapacidade. No entanto, uma equipa multidisciplinarde uma unidade especializada na dor, em que o psiqui-atra é elemento integrante, é a que tem melhores con-dições para avaliar e tratar o doente como um todo.

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Dor Crónica: Uso de Técnicasde Relaxamento no seu Controle

F. Magalhães1, S. Ramos2

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ResumoOs autores fazem uma pequena revisão sobre a dor crónica, as suas repercussões enecessidade de uma abordagem terapêutica multifacetada. Neste contexto descrevemas principais técnicas científicas de relaxamento – relaxamento muscular progressivode Jacobson e treino autogéneo de Schultz. No final são sucintamente revistas outrastécnicas, como a hipnose, a visualização, a acupunctura, o yoga e a meditação.

Palavras chave: Dor crónica. Treino autogéneo. Relaxamento muscular progressivo.Outras formas de relaxamento.

1Assistente hospitalar de Psiquiatria no HospitalMagalhães LemosMembro da CLINIPSIQUEClínica de Dor do Porto2Interna complementar de PsiquiatriaHospital Magalhães Lemos

IntroduçãoDe acordo com a Associação Internacional para o

estudo da dor (IASP) a dor é “uma sensação desagra-dável e uma experiência emocional que se associa apotencial lesão tecidual, ou descrita em termos de tallesão” (IASP, 1986). Esta definição implica que a dor émuito mais que um mero fenómeno sensorial, e chamaa atenção para os aspectos psicológicos da experiên-cia da dor. Estes podem ter um papel major no início,gravidade, exacerbação ou manutenção da dor. As-sim, a dor pode ser inserida, de acordo com o Diag-nostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV), nos diagnósticos “Perturbações Somatoformes”,“Perturbações de dor associada a factores psicológi-cos” ou “Perturbação de dor associada quer a factorespsicológicos quer a condições médicas em geral”.

Cada cultura interpreta, suporta e reage à dor deforma diferente. Estes aspectos assumem particularinteresse quando a dor se torna crónica. A maioria dosautores define dor crónica como uma dor que persistepara além dos seis meses. A nocicepção continuadaou alterações induzidas na nocicepção no sistemanervoso central podem contribuir significativamentepara a persistência da dor. Mais ainda, a maioria dos

investigadores nesta área concordam que factorespsicológicos têm um papel crucial no desenvolvimen-to, perpetuação ou amplificação da dor crónica.

As dores que nunca desaparecem completamenteapós uma doença ou lesão tecidual (p. ex. após umacirurgia ou acidente), as cefaleias de tensão e outrasque aparecem sem explicação aparente e que persis-tem ou recorrem, por exemplo nas doenças ditasfuncionais, são extremamente resistentes ao tratamen-to medicamentoso e geralmente provocam prolongadosofrimento e disfuncionamento em várias áreas (famili-ar, social, laboral). Quando as dores teimam em persis-tir indefinidamente, a natureza das sensações por elasprovocadas modifica-se com o decorrer do tempo e odoente desanima, deprime e pode tornar-se hipocon-dríaco.

Frequentemente, ao mesmo tempo que o médicosente que não consegue resolver a situação eficaz-mente, o rol de queixas ou a intensidade da doraumenta e o doente vai solicitando cada vez maisajuda. Por vezes, e no limite, a relação médico-doentedeteriora-se devido a frustração bilateral da não reso-lução da situação. As abordagens por equipas multi-disciplinares, que incluem psiquiatras, psicólogos, fisi-atras, enfermeiros e assistentes sociais conseguem,geralmente, ajudar com mais sucesso estes doentes.Existem múltiplas formas de controle ou alívio da dorpropriamente dita. Podemos referir o uso de anti-inflamatórios não esteróides, corticoesteróides, anal-gésicos e opiáceos, todos eles tão usados (e porvezes abusados) na prática clínica diária. A fisioterapia(incluindo aplicação de calor local, estimulação eléctri-

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ca e massagem) bem como a neurocirurgia (parainterrupção dos circuitos de transmissão da dor) tam-bém estão, por vezes, indicados. As cognições eatitudes em relação à dor crónica devem ser compre-endidas como uma interacção complexa de factorespsicológicos, fisiológicos e sociológicos e a sua abor-dagem poderá fazer parte do tratamento, nomeada-mente em psicoterapias individuais ou grupais. O rela-xamento tem nesta abordagem do paciente com dorcrónica um papel fulcral sendo, por isso, objecto danossa reflexão. Actualmente existem múltiplas técni-cas. Todas elas se baseiam numa subtil tomada deconsciência do corpo, bastante próxima da que sepratica no yoga. Tal concentração no físico e fisiológi-co desencadeia uma desconexão do psíquico, acal-mando-o. A maioria dos métodos deriva dos 2 pionei-ros: o Treino Autogéneo de Schultz e o RelaxamentoProgressivo de Edmund Jacobson.

Treino autogéneo de SchultzJohannes Heinrich Schultz, nascido em 1884, neu-

ropsiquiatra alemão e professor de Neurologia emBerlim, foi simpatizante e divulgador da psicanálise ehipnose na Alemanha, no princípio do século XX,altura em que estas técnicas estavam muito em vogapara tratamento de doenças psíquicas, especialmen-te das neuroses. Dado não concordar com a relaçãodependência entre o hipnotizador e o hipnotizado,tenta criar um método em que o estado de hipnose seatinja através de uma acção voluntária e pessoal.Oskar Vogt (1870-1939) tinha observado que doentes,após terem sido várias vezes hipnotizados, consegui-am, por si próprios, atingir aquele estado, apresen-tando por isso um notável estado de calma (auto-hipnose). Verificou também que existiam momentosde sensações de calor e peso. Schultz, inspiradonestas observações arquitectou o contrário: desen-volver aquelas sensações – peso e calor – paraconseguir a desconexão mental quase automática. Opeso seria a expressão da descontracção muscular eo calor a expressão da vasodilatação dos vasosperiféricos. Assim nasceu o que denominou de TreinoAutogéneo ou Auto-relaxamento Concentrativo, técni-ca que descreveu pela primeira vez, em livro, em1932. Definiu-a como “um sistema de exercícios fisi-ológicos e racionais, cuidadosamente estudados eexecutados para provocar uma comutação (relaxa-mento - ansiedade - tensão - equilíbrio homeostático),que por analogia com os antigos trabalhos sobrehipnose, permite todas as realizações próprias dosestados autenticamente sugestivos”. O Treino Autogé-neo pratica-se deitado ou sentado em posição decocheiro, num ambiente calmo, em semi-obscuridadee com roupa leve. Com ordens simples tenta-se con-seguir sensações de peso numa área do corpo egradualmente no corpo todo. Passa-se depois paraas sensações de calor nas mesmas áreas e gradual-mente vivência da sensação dos batimentos cardía-cos e numa fase seguinte da vivência da respiração.Procura-se de seguida sentir sensações de calor noabdómen e frescura na fronte. Existe também um

nível superior de treino com varias etapas: reversãodos globos oculares para cima e visualização de umacor uniforme qualquer; visualização imaginativa e cer-tas cores escolhidas e sugeridas pelo terapeuta; visu-alização interna de objectos concretos; visualizaçãode objectos abstractos; vivência de sentimentos; visu-alização de uma pessoa determinada; “perguntas aoinconsciente” e “respostas simbólicas do inconscien-te”. Estas fases já se aproximam da psicanálise. Asfrases chave são ordens simples como o meu braçoestá pesado... quente .... sinto-me completamentecalmo.

Esta técnica encontra-se, actualmente, divulgadaem todo o mundo. A sua aprendizagem é longa eexige uma enorme disciplina mas depois de apreendi-da pode ser usada com facilidade, em qualquer locale circunstância e o relaxamento ser atingido muitorapidamente.

Relaxamento progressivo de EdmundJacobson

Edmund Jacobson, fisiologista americano, profes-sor universitário na Universidade de Harvard descre-veu pela primeira vez o seu método, em livro, em1938. Recusando qualquer fundamento baseado nahipnose, sugestão ou auto-sugestão, postulou queexiste uma relação entre o vivido emocionalmente e ograu de tensão muscular. Esta reflecte-se a nívelmental e vice-versa. Jacobson preconiza que não épossível uma descontracção psíquica sem relaxa-mento físico.

Nesta técnica existe uma aprendizagem de descon-tracção muscular progressiva, músculo a músculo,através da tomada de consciência do seu estado(contraído, descontraído). Depois passa-se para o re-laxamento diferencial, isto é, aprende-se a contrairapenas os músculos necessários para determinadomovimento, descontraindo todos os outros. Ao mesmotempo que se vai aprendendo a localizar as tensões ea elimina-las, detectam-se os pensamentos e emoçõesassociados. Atingem-se rapidamente as “tensões”mentais desfazendo as tensões musculares a elasrelacionadas.

Os doentes são instruídos a deitarem-se em col-chões ou a sentarem-se em cadeiras confortáveis. Osolhos devem ser fechados e o instrutor deve falar emtom calmo mas firme dando instruções claras. Ospacientes devem controlar a respiração e concentra-rem-se no relaxamento durante cada expiração. Cadagrupo muscular é considerado separadamente e opaciente deve concentrar-se nessa zona do seu cor-po até estar consciente de que está a ficar descon-traída. Com frequência o paciente é instruído nosentido de contrair cada grupo muscular antes de odescontrair. Isso aumenta a consciencialização dessegrupo muscular e permite ao paciente aperceber-semelhor da diferença entre o estado tenso e relaxado.À medida que cada grupo muscular é descontraído,é acompanhado pela repetição mental da instrução“relaxa”, sincronizada com uma respiração lenta econtrolada. Esta rotina poderá ao princípio demorar

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cerca de meia hora, mas com a continuação ospacientes aprendem a relaxar mais rápida e eficaz-mente. Se a dor é sentida durante a contracção, essadeve ser feita de forma mais suave. Revê-se ummúsculo em cada sessão, até se atingir a totalidadedo corpo. Esta técnica de relaxamento pode serpraticada pelo paciente em várias situações diáriasde forma a diminuir a tensão a elas associada. Exis-tem múltiplas variantes desta técnica. Entre nós éfrequente associar uma segunda parte ao relaxamen-to físico. Consiste em associar uma fase em que seimagina uma imagem de paz, isto é, uma imagemneutra e pacificante (p. ex. imaginar-se numa praiatranquila) – ver visualização.

Este método é extremamente demorado – a apren-dizagem pode demorar mais de um ano – e exigegrande disciplina e empenho para uma total tomadade consciência das sensações corporais e seu contro-le. Todavia completado o treino é muito eficaz e podeser realizado em quaisquer local e posição.

O Biofeedback. Através do uso de aparelhos demedida é possível quantificar o ritmo cardíaco, opulso, a temperatura corporal, a tensão muscular, ea diferença de potenciais eléctricos entre a palma eo dorso da mão e até as ondas cerebrais. Se umpaciente está a aprender relaxamento poderá pron-tamente saber a sua evolução na aprendizagem, termaior conhecimento e controle de si. Tem sido usa-do, entre outros, em doentes cardíacos, hipertensose com dor crónica na enxaqueca. Usa-se frequente-mente associado ao relaxamento de Jacobson.

Métodos próximos das técnicas derelaxamento

As técnicas referenciadas até agora fundamentam-se em investigações científicas e encontram base eexplicação nos conhecimentos das ciências. Existemmuitas outras formas de relaxamento: umas variantesdas referidas, outras tradicionais, outras combinaçõesdas duas anteriores. Algumas das mais significativassão a Hipnose, a Acupunctura, a Yoga, a Visualizaçãoe a Meditação.

A Hipnose pode alterar o componente afectivo daexperiência da dor sendo uma ajuda útil para reforçaras manipulações cognitivas e comportamentais.Quando a dor crónica tem uma etiologia orgânicaevidente, tal como neoplasias, a hipnose é dirigida àredução da dor, embora se deva ter em conta outrosfactores com importância nas experiências do paci-ente. Aqui, a hipnose pode contribuir eficazmentepara ajudar o paciente a lidar com os sintomas.Contudo, na dor crónica em que não existem evidên-cias de lesão física, a hipnose tem menos probabili-dades de êxito na redução da dor. A hipnose, nocontrolo da dor, pode ser usada com três objectivos:para sugestão directa de redução da dor, para altera-ção da experiência da dor ou para afastar a atençãoda dor.

A Acupunctura tem sido utilizada desde há longotempo pelas comunidades do Oriente; no entanto, ointeresse da população ocidental por esta técnica só

foi despertado por volta de 1970, quando cientistaschineses demonstraram a sua aplicabilidade em cirur-gias como forma de controlar a dor. A acupunctura temtido resultados promissores no tratamento de algunsestados de dor crónica tais como: dor lombar, cefalei-as e dor abdominal. No entanto, apesar desta técnicaser bastante eficaz no alívio dos sintomas a curtoprazo, a sua eficácia a longo prazo não está aindacomprovada.

A Yoga, remontando pelo menos ao século III a.C.e tendo fins religiosos, é muitas vezes usada, noOcidente, como uma espécie de ginástica. Permitetambém uma tomada de consciência do corpo, espe-cialmente a “hatha yoga”, a mais divulgada entre nós.Combina exercícios respiratórios com a manutençãode determinadas posturas. Cada uma destas terá umefeito específico sobre determinada parte do corpoou órgão.

A Visualização ou Imaginário ou Simbolis-mo Controlado das imagens tem por objectivodirigir a atenção para o mundo interior. O pacientedeve ficar numa posição confortável, a voz do tera-peuta deve ser clara, mas suave e relaxada. Após umperíodo inicial de concentração no relaxamento físico,com referência especial ao controlo da respiração eao relaxamento durante a expiração, o paciente éencorajado a imaginar uma cena agradável. Estacena deve ser descrita pormenorizadamente paraencorajar a imaginação do paciente a desenvolvê-lae criar assim uma realidade pessoal. Os aspectospositivos da cena são utilizados para reforçar o rela-xamento através do processo mental, em vez defísico. O paciente pode ser sucessivamente conduzi-do de uma imagem para outra, cada uma com a suasensação física relaxante. Esta técnica já tem sidousada em doentes com doenças psicossomáticas, epara alívio da dor nomeadamente em doentes onco-lógicos.

A Meditação, tão antiga quanto a humanidade,presente em cultos de inúmeras religiões, é utilizadanos nossos dias também como método de relaxamentocontra o stress e como forma de procurar um equilíbriomental perdido com o ritmo da vida moderna. Essen-cialmente e de forma muito sucinta consiste em volta-se para dentro, abstraindo-se do mundo exterior, adop-tando para isso uma determinada posição e fixa-se aatenção num som, numa imagem, na respiração ou naconsciência do próprio corpo.

Comentários finaisA dor crónica é muitas vezes um sintoma menos-

prezado que os clínicos têm, por vezes, dificuldadeem lidar. A abordagem mais eficaz é a multicêntrica,atendendo não apenas ao factor causal da doençamas ao doente enquanto pessoa. Os tratamentos são,regra geral, muito prolongados e fazem uso de técni-cas, não comummente usadas na prática médica.Está demonstrado que muitas destas técnicas incluin-do os relaxamentos, são eficazes e ajudam conside-ravelmente estes doentes na melhoria da sua qualida-de de vida.

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T. Gama

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ResumoO autor procura abordar a questão da dor mental sofrida pela criança, a sua avaliação,diagnóstico e “tratamento”, através da sua experiência como psicólogo clínico membrode uma clínica da dor.Para as diferentes fases, refere os processos inerentes.

Palavras chave: Dor mental. Criança. Avaliação psicológica. Processo psicoterapêutico.Somatização.

Psicólogo clínicoMembro da CLINIPSIQUEClínica de Dor do Porto

A dor é um fenómeno que está presente durantetoda a vida. Esta vivência de difícil explicação, por seralgo muito pessoal, terá origem em causas físicas e/ouemocionais, não sendo muito clara esta dicotomia.

É como psicólogo clínico e membro de uma equipamultidisciplinar de uma clínica da dor que nos propo-mos abordar este fenómeno na área em que trabalha-mos, o sofrimento psíquico ou dor mental na infância,a dor infligida pelos desencontros e desarmonia inter-nos e o processo terapêutico a si associado.

Não colocando de lado a existência de uma dor decausas físicas, centrar-nos-emos na dor que encontraa sua génese em situações afectivas, também elasdifíceis de expressar e quantificar, ainda mais quandotemos como comunicador uma criança, que tem comoforma de expressão privilegiada a linguagem não ver-bal, os actos e as omissões.

Freud, ao abordar a questão da libido e da sexua-lidade infantil, apresenta-nos a importância da relaçãomãe-bebé e a relevância desta para o equilíbrio psico-lógico da criança.

Apesar da ênfase dada à díade mãe/filho, esta não éa única que se não fôr funcional será causadora desofrimento. Assim, para além de um desinvestimento narelação precoce e no bebé, também, a disfuncionalida-de do casal parental ou da família – suporte preliminarda constituição da personalidade da criança – deve sertido em conta, bem como as vivências ao longo dodesenvolvimento, de que são exemplo, traumatismos,abusos abandonos e frustrações.

Este sofrimento pode ser comunicado das maisdiversas formas. A criança pode refugiar-se no seumundo de fantasia ou pode não apresentar qualquer

capacidade de aceder ao simbólico, não sendo porisso capaz de brincar, pode afastar-se dos colegas,amigos e familiares, apresentar mau desempenho es-colar, bloqueios, problemas de alimentação, quadrosdepressivos e tristeza ou sintomatologia recorrente,com dores de barriga ou de “cabeça”, enureses eencopreses, otites, amigdalites, eczemas, entre outros.

Quanto mais nova é a criança mais o seu sofrimentoé expresso através do corpo. A parte física queixa-see dá voz ao sofrimento psicológico que fica silenciado,e entramos então no mundo da somatização e dapsicossomática onde as questões orgânicas e psicoló-gicas ou emocionais caminham lado-a-lado.

São estas crianças que nos aparecem na clínica.A primeira dificuldade com que nos deparamos pren-

de-se com o diagnosticar do processo doloroso, umavez que temos perante nós uma entidade que está emcrescimento, cuja dinâmica coloca em questão os dog-mas do normal e do patológico, pois, por vezes, aquiloque à primeira vista parece ser um sinal de alarme, e édisso que se trata a dor, depois de uma observaçãomais cuidada poderá ou acaba por revelar-se como umelemento constituinte do edifício do crescimento.

Algumas destas dúvidas vão-se desvanecendo du-rante o processo de avaliação.

No decorrer desta fase e depois de recolhermos opedido dos pais e da criança procuramos conhecermelhor a dor do nosso interlocutor, estabelecendo umcontacto empático com ele de forma a aceder ao seusofrimento. Analisamos assim a sua personalidadetendo em conta a sua história individual, bem como adinâmica familiar. Os elementos anamnésicos sãofundamentais, tal como o contacto com os pais eoutras figuras significativas. A avaliação propriamentedita, que consiste na observação psicológica da cri-ança, assim como na aplicação de meios de avalia-ção psicológica e cognitiva (testes projectivos e quan-tificativos), deve ser realizada no mais curto espaço

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de tempo, pois estamos a dar início a uma relaçãoque poderá vir a não ser continuada – quando não háindicação para psicoterapia, ou havendo, os pais nãoa aceitam – o que poderá vir a transformar-se numoutro elemento causador de angústia, por um investi-mento ao qual não se vai dar continuidade, o quepoderá ser acusador de sentimentos de abandono.

O processo de avaliação é concluído com uma entre-vista de devolução, na qual estão presentes os pais ea criança. Nesta sessão, depois de se preceder àreformulação do pedido, procuramos conter as angús-tias apresentadas através da comunicação do psicodi-agnóstico, em que procuramos relacionar os processospsicológicos associados à formação do sintoma, porintermédio da nossa compreensão da situação clínica.

Se a criança tem indicação para psicoterapia, nessamesma sessão, falamos das regras inerentes a estetrabalho de cariz mais profundo e, portanto, prolonga-do no tempo. As regras/setting cujo rigor procura amanutenção de um elemento permanente, - a relaçãoterapêutica – na multiplicidade de variações diáriascom que nos deparamos, têm como objecto principalo paciente. Assim é explicado que a criança usufruiráde um espaço só seu, onde poderá abordar todas assuas angústias. É-lhe, também, dito que terá uma horasó sua que não será ocupada por mais ninguém e queserá detentora de material só seu, isto porque a crian-ça que temos perante nós é única e as suas necessi-dades não são as dos outros.

O nosso trabalho cinge-se à criança e, por isso,também lhe é referido aos pais que aquilo que sepassa no seu espaço não poderá ser comentado pornós cá fora, nem mesmo com os pais, mas que se elao pretender o poderá fazer, nós é que não.

Será que os pais vão ser marginalizados desteprocesso? Claro que não, aos pais é-lhes oferecido umoutro espaço, com um outro técnico, onde poderãoexpôr as suas angústias, quer em relação ao filho,quer a eles próprios, dado que neste processo tam-bém os pais se encontram em sofrimento. Como enti-dades de maior referência para os filhos, têm que serincluídos no tratamento desde o primeiro momento, esão eles que vêm procurar ajuda, até ser dada alta.São figuras importantes para os filhos, os quais sentemo apoio e investimento dos pais ao mesmo tempo queestes têm as suas partes mais infantis serenadasporque também eles são ouvidos e tidos em conta.

A presença das figuras parentais reveste-se de gran-de importância também porque, depois de uma faseinicial da terapia em que se trabalha a confiança notécnico, a criança começa a trazer o seu quotidianopara as sessões e juntamente, as questões causado-ras de sofrimento. A dor torna-se muito mais presente,porque é pensada, envolvida num processo de cresci-mento. Nesta altura, as partes mais primitivas e doen-tes da criança procurarão boicotar o processo tera-pêutico, e esta, numa atitude de fuga à dor, poderádizer que quer abandonar o tratamento. Para além deum apelo nosso às suas partes mais maduras, étambém necessário explicar isto aos pais e conseguiruma aliança com as suas partes mais adultas para quenão condescendam ao pedido dos filhos.

O processo psicoterapêutico decorre à velocidadedo material que a criança traz. Durante as sessões, eporque a expressão verbal não será o modo de comu-nicação ideal da criança, temos uma ludoteca ao seudispôr para que esta, por intermédio do jogo, váexteriorizando as suas angústias. A actividade lúdicatambém permite que a criança contacte com os ele-mentos que lhe causam maior sofrimento de umaforma mais tolerável.

Como receptores do sofrimento da criança, procura-mos descodificá-lo e depois elaborá-lo, devolvendo-oao paciente em doses adequadas para que este o várecebendo, conseguindo, assim, lidar com ele. O sofri-mento começa a ser pensado e, portanto, elaborado,ou seja, a dor para além de ser sentida passa, tam-bém, a ser sofrida. A dor física desaparecerá, numideal teórico, e o crescimento surge.

Por vezes, a sintomatologia desaparece quase queimediatamente e a tendência será a de pedir o termi-nus do tratamento. Contudo, o facto da expressãofísica da dor ter desaparecido não significa que acausa da dor mental foi pensada ou elaborada, peloque o tratamento se mantém, sob pena desta voltar aaparecer mais tarde com uma expressão mais grave.

Quando o paciente está capaz de lidar com a suador e de a pensar, é chegado o momento da altaclínica, altura em que surge uma “dor” distinta, advin-da do sofrimento causado pela constatação que setorna necessária a separação do técnico.

Talvez por isso, o Miguel, nome fictício, dissesse,numa sessão em que trabalhávamos a sua alta, “Pare-ce que engoli a gripe”.

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S. Cady

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RésuméA partir de deux expériences cliniques choisies dans deux cadres psychopathologiquesdifférents, le fonctionnement adaptatif (dépourvu de potentialité imaginative et représenta-tive) et le fonctionnement psychonévrotique (riche sur le plan de l’imaginaire) va être abordéle problème de la douleur. Il s’agit de deux patients qui ont bénéficié d’une relaxationpsychosomatique. Dans la première observation, une problématique oedipienne se traduitpar une tension corporelle et un phénomène douloureux. Dans la deuxième observation, lareprésentation de l’impasse de vie permet celle de la tension et de la douleur.

SumárioA partir de duas experiências clínicas escolhidas de dois quadros clínicos psicopatoló-gicos diferentes, o funcionamento adaptativo (desprovido de potencialidade imaginativae representativa) e o funcionamento psiconeurótico (rico do ponto de vista do imaginá-rio) será abordado o problema da dor. Trata-se de dois doentes que beneficiaram comum relaxamento psicossomático. Na primeira observação, uma problemática edipianatraduz-se por uma tensão corporal e um fenómeno doloroso. Na segunda observação,a representação do impasse de vida permite a da tensão e a da dor.

AbstractsFrom two clinical studies chosen from two different psychopathological clinical settings, theadaptive functioning (without imaginative and representative potentials) and the psycho-neurotic functioning (rich from the imaginary point of view), the problem of pain will beapproached. It consists of two patients who profited from a psychosomatic relaxation. In thefirst case, an oedipian setting takes the form of body tension and of a painful phenomenon.In the second case, life impasse representation allows one of tension and of pain.

Directeur adjoint du Centre Internationalde Psychosomatique

1.Pour ce qui est de l’histoire de ce jeune patient

prénommé Adrien (10 ans), on remarque d’embléesa créativité dans le dessin comme dans la musique.Il recherche sans cesse la compagnie des femmes,ce qui lui rappelle bien sûr l’étroite relation maternel-le. Dès l’âge de trois ans, une histoire oedipienne setrouve liée au dos à partir de son apprentissage dela langue maternelle : l’espagnol. Ne la parlant pasavec son père (français), Adrien a de ce fait

l’impression de l’apprendre “ derrière son dos ”, ledos du père qui est aussi le sien propre, ce quirenforce d’une part ses rapports oedipiens avec samère et qui le place, d’autre part, très vite, dans unesymbolique du dos. Tout en expliquant ses difficultésparentales, il se plaint de sa douleur dorsale, et il estvrai qu’il est tendu.

Parallèlement, des difficultés importantes dans larelation avec son père conduisent l’enfant à perdre saconfiance en lui. Devant ce père impatient et agressif,qui règle toute situation de jalousie de manière radicaleet punitive, Adrien n’ose s’opposer ouvertement. Peu àpeu, il se sent coupé du monde masculin des adultes,ce qui le rapproche davantage de la relation maternel-le, donc davantage du conflit avec le père.

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A l’école, Adrien tente de se réaliser. Il veut être leleader, mais il est incapable d’affronter une rivalité, dese défendre quand les grands l’embêtent. Comme ill’explique lui-même, “ il prend tout sur son dos et se faitmal ”. Il montre là encore le sens symbolique de ladouleur sur cette partie de son corps. Et Adriend’imaginer un “ dos armure ” pour se défendre. Dèslors, sa personnalité est marquée par l’imaginaire. Ildevient fréquemment absent dans la relation et seréfugie dans le rêve dès qu’il se sent mal à l’aise ; danscet espace imaginaire il dit être tendu et souffrir parfoisdu dos. Ici un phénomène de tension corporelle et dedouleur intermittente lié au conflit oedipien apparaît,comme si le conflit trouvait une issue dans une forma-tion symptomatique relevant de la conversion hystéri-que où l’agressivité oedipienne se retourne contre lesujet lui-même, ce qui du même coup, assouvit unsentiment de culpabilité. Un rêve répétitif en éclaire ladynamique.

En effet, Adrien cherche à dépasser son père pourbriller auprès de sa mère mais en vain. Pour sevenger, il attaque son père dans le dos. Or, quelquetemps après, à la suite d’un accident grave du père,l’enfant commence à sentir des douleurs persistantesau dos. Mais comme la douleur et la tension sontrésistantes à la médication, l’enfant est orienté vers untraitement de relaxation psychosomatique. Pendantcette période, le même rêve d’attaque paternelle revientsur le mode des rêves traumatiques. Dans la psycho-thérapie, en l’espace de quelques mois, Adrien, re-nouant avec le passé, reprend le thème principal deson rêve : l’attaque du dos paternel. Cela lui faitaussitôt ressentir une douleur qui est liée à la tensionprovoquée par la culpabilité oedipienne. De lui-mêmeil affirme que la douleur et la culpabilité se renforcentmutuellement. La culpabilité renvoie à l’accident dupère, que le rêve reprend dans le contexte de rivalitéavec le père. La relaxation, en établissant un lienentre le somatique et le psychique, lui permet cetteanalyse.

Plus tard, au cours de la relaxation, il voit son dosnoir parce qu’il se sent coupable d’une dispute avecson père. La séance de relaxation terminée, Adrien serelève avec sa douleur au dos. Pour lui, alors que latension corporelle du buste est identique devant etderrière, la douleur, elle, n’apparaît qu’au dos.L’interprétation qui instaure un lien entre l’imaginaire etle problème du dos, permet au mal d’évoluer. Autourdu conflit avec le père, la fonction de l’imaginaire estdevenue dominante, aussi toute médication, suscepti-ble d’enrayer ses souffrances, n’a pas trouvé d’impact.De l’avis du patient l’imaginaire est lié à cette souffran-ce : “ plus je m’imagine coupable, plus le dos estdouloureux ” explique-t-il.

L’intervention thérapeutique lui permet de compren-dre qu’il existe une relation entre le physique et letraumatisme de l’accident paternel. L’interprétation quiprend en charge les données du psychique et dusomatique, permet le relâchement musculaire et faitainsi disparaître toute douleur.

L’état douloureux apparaît donc ici étroitement lié àla tension corporelle d’une part, au conflit oedipien,d’autre part.

2.Pour la deuxième observation (un cancer du colon),

la problématique psychosomatique se joue autourd’une expérience sans issue. Cette impasse est déter-minée par l’absence de douleur liée à l’organe atteint.Toute une histoire de ce conflit insoluble tourne autourde l’évolution d’une personnalité allergique vers uncadre de la pathologie de l’adaptation.

A 60 ans, Mme. D. prend sa retraite à la campagne,alors qu’elle habitait avec son mari à Paris. Ils travaillaientensemble dans une affaire d’immobilier qu’ils avaient,dit-elle, créée tous les deux il y a trente ans, sur uneidée du mari. J’apprendrai beaucoup plus tard quec’est la mère de Mme. D. qui, en fait, est créatrice decette activité professionnelle. Toute une assimilationpère-mère est le fait de cet oubli ; elle doit être compri-se comme un point important de la personnalité deMme. D.1. Autour de cette situation de retraite brutale,un cancer se déclare.

En fait, la problématique de Mme. D. s’inscrit très tôtdans sa vie autour d’une dépendance à la mère,caractéristique du fonctionnement de la personnalitéallergique.

Déjà, à trois mois, on remarque une pousséed’eczéma et une allergie au lait maternel qui durera 4mois. À l’adolescence (16 ans), on retrouve différentespoussées d’eczéma et d’asthme. A 20 ans, une fatigueapparaît, qui durera deux ans. En fait, elle a choisi, surle plan des études, une orientation en dehors de ladynamique familiale : sa mère voulait qu’elle se réalisedans une carrière littéraire, mais Mme. D. choisit unecarrière scientifique.

Une somatisation se précise : une cataracte de l’œildroit. Cet incident somatique lui fait arrêter ses étudeset entreprendre, à cette époque, une première psycho-thérapie où elle se rend compte qu’elle est aux prisesavec un fonctionnement dépressif qui n’est pas visible.Elle ne rêve plus, elle pense que la difficulté de vie quis’est présentée à ce moment, consiste dans ce choixd’activité professionnelle, qui coïncide avec la perte desa mère. Or, j’apprendrai plus tard que c’est à cettemême période que le père meurt.

Elle parle de cette psychothérapie comme d’unéchec (la mort du père n’y a pas été révélée). Au coursde cette période, la mère prend la décision de récupé-rer sa fille sous sa coupe et de l’installer dans soncabinet immobilier. Ce qui, d’après la patiente, lui a faitplus de bien que la psychothérapie.

Effectivement, dans cette réorganisation d’une rela-tion de double, qui renvoie à l’allergie, elle n’est plusdéprimée, elle récupère son activité de rêve.

On assiste alors à une accalmie somatique pendant7 ans, jusqu’au jour où elle connaît son futur mari. Audépart, lorsqu’elle noue cette première relation amou-reuse, la relation à trois2 (fiancé-mère-Mme. D.) créedes rhinites et des eczémes, en alternance. Puis celadisparaît au fur et à mesure qu’elle projette sur sonfiancé la même image que celle de sa mère. Elle dit,

1 La problématique de Mme. D. s’inscrit initialement dansune assimilation (père = mari) ce qui renvoi au fonction-nement allergique.

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elle-même, qu’elle le pousse à fonctionner dans unerelation qui reproduit le modèle maternel. Par exemple,elle lui demande d’inscrire périodiquement toutes sesactivités : “ elle n’a plus qu’à gérer ”3. Le mari, pour semarier, doit s’installer dans le cabinet immobilier.

Par la suite, il n’existe pas de souvenir de somatisa-tion jusqu’à la mort de sa mère, qui va se traduire pard’importantes crises d’asthme, nécessitant différenteshospitalisations et qui sera suivi de ce que Mme. D.appelle sa première somatisation4 : des crises de gout-te. Elle est âgée de 35 ans. Autour de ces crises, elledit qu’elle se sent vide, qu’elle se trouve aux prisesavec des difficultés de rêve et d’identité. On est con-fronté ici à une dépression qui n’est pas ressentie.

Elle récupère son identité et sa potentialité de sesouvenir de ses rêves grâce au projet induit par le mari(qui reprend en cela le fonctionnement maternel)d’acheter cette maison de rêve, dans le même lieu oùla mère avait récupéré la dépression de sa fille lorsde la mort du père. Ce lien maternel est maternant etpermet la récupération du vide dépressif et le retour del’activité onirique : la maison est une manière de rem-placer sa mère.

Pour la séparation avec le mari, autour de sa mise àla retraite, elle décrit un même sentiment de vide, unmême problème d’identité, qu’elle qualifiera plus tardde dépersonnalisation. Pour lors, elle se sent mal dansson corps, une très grande tension apparaît, “ commelorsqu’elle avait de l’allergie ” dit-elle. Sa maison nepeut plus contenir l’image de sa mère, une courtephase de cauchemars s’ensuit, suivie par l’absence dusouvenir du rêve. “ Petit à petit ”, dit Mme. D.,“ l’imaginaire se vide de sa vie ”, et le cancer apparaîtparallèlement. En fait, la séparation du couple estbrutale, la mise à la retraite de notre patiente est laconséquence de la crise immobilière. A la campagne,Mme. D. est très isolée, puisque l’éloignement de cettemaison ne permet pas à son mari de venir voir safemme régulièrement. Il n’est présent auprès d’elle,que quelques jours par mois. Une tension corporelleest précisée par son médecin, d’où la demande denotre patiente d’une relaxation psychosomatique. Ellen’est pas de ce fait, une demande personnelle.

L’apparition du cancer est liée au refoulement de lafonction de l’imaginaire avec absence de souvenir desrêves. En ce qui concerne dans un premier temps,l’opération et la chimiothérapie, aucune douleur, aucu-ne dépression n’est ressentie. Elle va de pair avec lerefoulement de l’affect et de l’imaginaire. La patiente sevit comme coupée d’une partie d’elle-même.

Le transfertPeu importe la situation relationnelle, pour cette

première partie de la relaxation, elle se fait en position

couchée, parce que c’est la première prononcée. Parcontre, il faut la dépendance dans la consigne pour serassurer. Malgré tout puisqu’elle réalise seule l’exerciceproposé, sa position de sujet est respectée.

Le transfert reprend les difficultés de la psychothé-rapie précédente, lorsqu’elle avait 20 ans. C’est pour-quoi elle parle d’emblée de ses échecs, elle les lie à ladifférenciation. Ainsi, elle a arrêté ses études pour faireplaisir à sa mère. Car cette matière scientifique, qu’ellepréférait, était considérée comme anti-féminine parcette dernière. Les matières littéraires correspondentaux études que la mère préférait; pour Mme. D.,l’explication du terme “ anti-féminine ” correspond àune identité choisie à l’encontre de sa mère. Tout cecia échoué, tout comme la première psychothérapie.

Pourquoi cet échec ?Actuellement, elle ne peut rien en dire. Plus tard, à

partir de mouvements qui facilitent le retour au passé,Mme. D. revient sur ce sujet. Le choix de ses études l’aconfrontée à la différence, une position toujours difficilepour elle. Elle découvre la mort du père au milieu decette difficulté : c’est aussi une situation de différencia-tion.

Comment s’est traduit tout ceci ?“ Ces deux difficultés furent insurmontables ”, rétor-

que Mme. D. “ J’en ai fait une cataracte de l’œil droit.Puis j’ai fait une psychothérapie, car je me sentais malcorporellement. J’ai choisi un psychothérapeute hom-me vraisemblablement pour qu’il remplace mon père.Malheureusement, j’étais confrontée à la différence enpermanence. J’étais mal à l’aise, coupée en deux, parsa présence. Je n’ai jamais parlé de deuil ”.

Je lui montre qu’une même situation autour de quit-ter est vécue initialement avec la thérapeute dans letransfert, avec le rythme des séances et le passage duface à face lorsqu’elle parle, à la situation allongée dela relaxation. C’est pourquoi elle s’exprime sur l’échec.

Elle découvre par la suite que pour elle, seules lesrelations qui peuvent se rattacher à sa mère, sontconstructives d’une identité. Heureusement, depuisquelque temps, Mme. D. a pu m’assimiler à cettedernière : elle a repéré que nous utilisions des tournu-res de phrases similaires, et ceci, pour elle, fut un trèsgrand soulagement.

Nous nous situons ici autour de la problématique d’unfonctionnement de la personnalité allergique. Seule, larelation en tant que référence à l’image maternelle,peut renvoyer une identité au sujet. C’est ce que Mme.D. retrouve dans cette situation transférentielle. Autourde cette récupération de l’affect, une douleur audos apparaît épisodiquement. Elle n’est pas com-prise sur le plan médical, elle est résistante à lamédication.

Dans cette deuxième partie de la psychothérapie, leproblème de l’impasse, ou situation conflictuelle sansissue, va pouvoir être relevé plus précisément.

Des mouvements de relaxation en position face àface pendant une période, puis allongée5, l’aident danscette évolution.

Dans un premier temps, la position face à face estchoisie par la patiente. Elle permet à Mme. D. de serendre compte d’une perte de son double avec laséparation de son mari lors de sa retraite. Ceci permet

2 La relation à trois, facteur déclenchant de la somatisationallergique.3 Gérer est un terme qui revient souvent dans le langagedu thérapeute.4 Première somatisation correspond à l’importance de larelation maternelle.

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une représentation de l’impasse : elle renvoie au deuilmaternel et à la perte du mari.

En relaxation, elle voit en rêve son mari et sa mère,à côté d’elle. Ce sont deux personnes semblables. Parla suite, toujours en relaxation, elle voit en rêve troismasques : deux masques identiques la représententainsi que son mari. Ils s’encastrent l’un dans l’autre, unautre masque qui représente la mère, les recouvre. Ellecompare leur agencement spatial aux poupées russes.Elle relie ce rêve au fait que l’image maternelle luidonne son identité et qu’elle n’a pas su faire le deuil desa mère. Ceci lui permet de comprendre pourquoi laretraite ne pouvait qu’être envisagée dans “ sa maisonde rêve ”, puisqu’elle est liée à la relation maternelle.Elle voulait même y monter une affaire en rapport avecles plantes, une passion de sa mère. Des problèmesfinanciers l’en ont empêchée. Si elle avait pu investirdans une affaire de ce genre, elle aurait évité cettetension corporelle et la maladie, elle aurait en faitadouci “ la mort de son mari ” (un lapsus pour départ)6

en retrouvant ce projet. Puisqu’il correspond au rêvede sa mère : elle aurait gardé quelque chose de larelation maternelle en elle. La non réalisation de ceplan, la confronte à un double deuil (mère-mari), et“ elle s’est vidée ” (vidé est un terme qui exprime unproblème d’identité et de dépression).

Dynamisé par la relaxation, maintenant en situationallongée (qui confronte à l’impasse autour de quitter),l’onirique se mobilise par des rêves autour de cethème. Avec cet abord de l’impasse de la perte,une période de douleur au dos permanenteapparaît.

Jouer sa mère dans le transfert va permettre à Mme.D. d’aborder l’impasse affective. C’est ce qui se créemaintenant, dans cet espace de psychodrame où elleprend un rôle maternel, donnant à la thérapeute lesenseignements appris de sa mère, sur les plantes.C’est une manière nouvelle, car active, de rentrer enrelation. Elle est accompagnée en relaxation d’unemême dynamique, avec un travail personnel sur le plande l’affect corporel avec le ressenti du corps.

Cette évolution est amenée à la campagne, ce qui ladynamise. Elle recherche des personnes qui peuventfonctionner en tant qu’images maternelles, car ellessont capables de la documenter sur les plantes. Elle sesent mieux. Elle rêve par intermittence. Mais ce sontdes cauchemars, les mêmes qu’avant de se couper deson imaginaire en perdant son mari, mais aussi lesmêmes qu’à la mort de sa mère, explique-t-elle. Dansce rêve “ deux personnages sont coupés en deux, leurimage se défait, ils tombent dans le vide ”. Le terme“ vide ” correspondait précédemment à un problèmed’identité et de dépression.

Autour de ce récit, qui répercute l’impasse, elle estagitée par la douleur et manipule ses boutons avecvéhémence. Consécutivement, elle aborde l’histoirede son cancer. Elle prend conscience du rôle du retour deson mari sur Paris en l’associant à la maladie. Elle

repère l’apparition d’une même situation de douleur etde dépersonnalisation lorsque elle était en crise aller-gique, un autre conflit sans issue. Ici, avec la con-frontation à l’impasse, la douleur devientplus forte.

Une difficulté apparaît maintenant, elle se traduit parun retour au refoulement de l’affect et de l’imaginaireavec absence de douleur. En effet, les efforts de Mme.D. pour restituer son environnement dans un circuitmaternel, semblent échouer. Elle ne se sent pas aiméepar les gens du pays. Malgré ses tentatives, elle estmise à l’écart. Ceci a une répercussion sur la maladiequi s’aggrave. De ce fait, elle doit revenir à Paris, etreste hospitalisée. Elle demande conseil pour se fairesoigner, comme elle l’aurait fait avec sa mère. Lathérapeute joue le jeu de l’aide régressive. Ceci luipermet de rêver de sa mère : elle a une ressemblanceavec la thérapeute. Or, avec cette récupération del’impasse affective maternelle, la douleur, qui avaitpour un temps disparu, réapparaît, elle correspond àune possibilité d’être en contact avec ce qui a étérefoulé : l’affect porté par l’imaginaire qui renvoie à laperte du mari. Mme. D. hésite sur les bienfaits del’activité onirique qu’elle relie au processus de douleur.

Le dépassement de l’impasse : l’évolution du pro-cessus douloureux.

A partir de l’hospitalisation et aux vues du dernierrêve, elle décide de venir tous les quinze jours, et resteà Paris, deux semaines par mois. C’est la première foisqu’elle fait preuve de décision.

Là, l’imaginaire se réinstalle lorsque la patiente estsur Paris ; il demeure absent lorsqu’elle est à la maisonde campagne où elle n’a pas de relation et demeure dece fait dans l’impasse affective, sans existence person-nelle par l’imaginaire et sans douleur.

En décidant de revoir son mari sur Paris, elle abordele problème ancien de la différence, elle s’aide en celad’exercices de relaxation autour de ce thème. Ellecomprend son malaise lors de la décision de sa retraitecar cela la différencie de son mari. Fuir à la campagne,compenser la problématique de quitter en retrouvantcette maison qui recouvre sa mère (le projet de laconstruction étant induit par le mari), fut sa manière àelle de s’en sortir. Or elle ne s’est pas vue confrontéeà une situation de différenciation ingérable : à un terri-ble deuil.

Elle décide de rester plus longtemps sur Paris, de serapprocher de son mari. Cela lui permet d’évoluer versun fonctionnement plus onirique, en récupérant quel-ques rêves oedipiens. Dans cet espace lié au retour durefoulé, un fonctionnement onirique plus intense appa-raît, la symptomatologie régresse, mais la douleur estplus intense et le sujet plus tendu.

La douleur est mieux supportée car elle peut êtreassociée au processus de peur de la perte de larelation. L’interprétation de la situation oedipienne vapermettre d’ouvrir le chemin de l’identification. Avec la

5 Qui répercutent la problématique de quitter et fonctionnenten cela, en tant qu’équivalent d’interprétation.

6 Notons ici que la formulation du lapsus (mort du mari)correspond à une levée du refoulement de la fonction del’imaginaire, permettant le retour d’un équivalent de rêve liéau langage.

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distance que procure le mouvement identificatoire, lepassé lié à l’impasse, va se retrouver plus entièrementreprésenté par Mme. D. Il lui apparaît évident que ledeuil maternel n’était qu’une façade qui cachait le deuildu père. Le deuil du mari avec le départ à la retraite dela patient reprend cette dynamique.

Autour de la compréhension de la situation d’impasse,un rythme harmonieux de ces séjours sur Paris, se meten place : lorsqu’elle en a envie, c’est à dire lorsqu’ellese sent prête à se séparer, elle va à la campagne.L’onirique se stabilise complètement, la symptomatolo-gie se dynamise vers la guérison. Parallèlement à laguérison, la douleur disparaît, le sujet se détend har-monieusement.

ThéorisationAvant la retraite, l’organisation de la personnalité de

Mme. D. dépendait de ce fonctionnement de la person-nalité dans l’allergie. On y retrouve toute la problémati-que du double, qui renvoie une identité au sujet. Toutesituation de différenciation fait fonction d’impasse, carelle est liée à une expérience de dépersonnalisation.

Dans la psychothérapie la différenciation est liée à laperte affective. La douleur apparaît en tant que traduc-tion de l’impasse affective autour de la perte, elle estliée au retour de ce qui a été refoulé. En ce sens elleest soutendue par la représentativité imaginaire. Ledépassement de l’impasse permet la récupération duprocessus douloureux.

Un élément essentiel est donc à retenir dans cefonctionnement de la douleur. C’est son rapport auprocessus d’impasse.

En définitive, sans oublier le phénomène de rythmecorporel (tension - détente) qui est un soubassementtonique porté par la douleur, la représentativité imagi-naire semble être l’ancrage de la potentialité doulou-reuse.

Dans la première observation Adrien traduit par ladouleur et la tension sa confrontation à la culpabilitéoedipienne. Elle commence par être momentanée pourperdurer lorsque l’imaginaire oedipien autour du pèrese trouve confronté au traumatisme lié à l’accident. Laproblématique oedipienne s’en trouve aggravée, cecise traduit par une tension corporelle et un phénomènedouloureux.

Dans la deuxième observation, Mme. D. vit initiale-ment avec une tension corporelle permanente dont ellen’a pas conscience et qui ne permet pas l’accès auprocessus douloureux. Avec le refoulement permanentde l’affect et de l’imaginaire, elle vit comme coupéed’une partie d’elle-même. Elle n’a plus de ressenticorporel de la tension ni de douleur. La représentationde l’impasse liée au retour du refoulé permet celui dela tension et de la douleur. Sa résolution en régularisantla rythmique corporelle (contraction - détente) règle leproblème douloureux.

BibliographieLatéralité et image du corps chez l’enfant. Paris: Bayard 1988.Le corps, le mouvement et la parole. Paris: Bayard 1992.Les métamorphoses du corps. Paris: L’Harmattan 1996.Psychothérapie de relaxation. Paris: Dunod 1999.L’allergie chez l’enfant (à paraître chez Dunod).