Origem Do Concreto

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    Revista Tecnolgica, v. 17, p. 19-28, 2008.

    Sobre as origens e desenvolvimento do concreto

    About the origins and development of reinforced concrete

    Joo Dirceu Nogueira de Carvalho

    Prof. Dr. Departamento de Engenharia Civil Universidade Estadual de Maring. E-mail: [email protected]

    RESUMO

    O concreto atualmente o material de construo mais utilizado no mundo, em funo de diversos fatores,dentre eles, o principal, sua facilidade de conformao. Neste texto apresenta-se uma contextualizao histricade seu desenvolvimento, desde sua origem na Antiguidade como argamassa de assentamento de alvenarias, atsua sistematizao e formalizao como objeto de estudos e pesquisas, no final do sculo XIX.

    Palavras-chave: Concreto. Histria do concreto.

    ABSTRACT

    Concrete is nowadays the most used building material in the world. It is due to a lot of reasons, specially by itsfacility of casting and molding. This paper aims at presenting an introduction about the historicalcontextualization and the development of reinforced concrete throught the years. The origins of reinforcedconcrete since the ancient times until the systematization and formalization of this material as subject ofresearch are also discussed.

    Keywords: Concrete. Concrete history.

    A PR-HISTRIA DO CONCRETO

    O concreto armado como o conhecemos um material novo. At o final do sculo XIX ossistemas construtivos usuais eram as estruturas em madeira e em alvenaria. Como a madeira,embora abundante na poca, apresentasse os problemas de durabilidade e combusto (muitascidades sofreram sinistros de grandes propores) a alvenaria de pedras ou de tijolos foi o sistemaestrutural empregado nas obras mais importantes.

    De uma maneira geral, a alvenaria pode ser definida como um sistema construtivo queconsiste na moldagem de unidades (pedras, tijolos ou blocos) unidas por um ligante (a argamassa).A alvenaria de pedras, sem dvida, um dos mais antigos sistemas construtivos utilizados pelohomem. Historicamente, o tijolo foi um produto de substituio, utilizado primeiramente em regiesonde havia escassez da pedra natural e da madeira.

    Os locais e pocas em que ocorreram essas descobertas so imprecisos, mas, h evidenciasde que tenha sido na mesopotmia1. Pfeifer et al. (2001) relata a descoberta de tijolos de barromodelados manualmente na regio do rio Nilo datados de 14.000 a.C., e de tijolos queimadosdatados de aproximadamente 5000 a.C.

    Desde as primeiras experincias com a alvenaria de pedras, essas civilizaes buscaram ummaterial que unisse de forma coesa essas pedras. Inicialmente usaram a argamassa de barro (osassrios e babilnios usaram a argila como material ligante) e posteriormente, uma argamassa maisresistente e durvel, a argamassa de cal.

    nesse contexto que se inicia a histria da cal, do cimento e do concreto: comoaglomerantes para argamassas de alvenarias. Guimares (1997) afirma que existem vrios indciosde que o homem conheceu a cal provavelmente nos primrdios da Idade da Pedra (perodoPaleoltico). Malinowski (apud GUIMARES, 1997) refere-se a misturas de cal e pozolanas

    1Regio entre os rios Tigre e Eufrates (atual Iraque). Os Sumrios so considerados como a primeira civilizao a ocuparessa regio, seguidos pelos Amoritas, pelos Assrios e pelos Caldeus.

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    encontradas em stios arqueolgicos neolticos (8 mil a 10 mil anos a.C.). A mais antiga aplicaoda cal como aglomerante foi encontrada na Srvia, ex-Iugoslvia, nas runas de uma casa datada de5600 a.C., com o piso feito de uma cal vermelha, areia, e pedregulho, mas o produto comea a

    aparecer com freqncia nas construes a partir da civilizao egpcia. O material de vedao daPirmide de Quops (Khufu) (2.700 a.C.) demonstrou que os egpcios tinham experincia nautilizao da argamassa de cal. Na pirmide do fara egpcio Tutancmon (1.450 a.C.), h umaporta construda com enormes pedras rebocadas com argamassa, e na antecmara havia umrecipiente com argamassa utilizada para rebocar a porta. Podemos ento considerar que o cimento,como o conhecemos hoje, tm sua origem em 2500 a.C., com essa argamassa egpcia constitudapor uma mistura de gesso calcinado.

    Esse conhecimento difundiu-se pelos povos do Oriente e posteriormente pelo Mediterrneo,Grcia e Roma. No Palcio de Knossos (2.000 a.C.), em Creta, foram encontrados locais revestidoscom duas camadas de argamassa com cal e fibras de cabelo, utilizadas como telas para afrescos.Uma extensa muralha foi construda em torno de Jeric (1000 a.C.), a 23 km de Jerusalm, paraproteo da cidade. Em O Nome da Rosa, Umberto Eco, cita uma ampola com amostra de

    argamassa usada na construo da muralha entre as relquias e tesouros guardados na abadia(GUIMARES, 1997).No sc. III a.C. a regio do Mediterrneo era dominada por duas cidades-estado, Roma na

    Europa e Cartago na frica. Aps mais de um sculo de guerras (guerras pnicas, 264-146 a.C.)Roma conquistou Cartago dominando toda a regio do Mediterrneo e da pennsula Ibrica. Assimos romanos criaram um Imprio que se estendia do Tamisa at o Nilo, transformando oMediterrneo em um grande lago romano, o Mare Nostrum.

    Os romanos antigos eram um povo pragmtico, com uma mentalidade aberta e receptiva.Copiavam e adaptavam s suas necessidades, melhorando seu uso, tudo que consideravam til dospovos conquistados. Como conseqncia dessa mentalidade tem-se como resultado o surgimento deuma poderosa indstria da construo, com legislao especfica para regular alguns aspectos daconstruo e normas de servios obrigatrios de mo de obra (similares s do servio militar). Eles

    estabeleceram tambm regulamentaes especficas para o controle da qualidade dos materiais,podendo-se citar entre elas a obrigatoriedade, a partir do sc. II a.C., do uso de marcas nas unidadesde alvenaria (tijolos e blocos de pedra) que identificassem o fabricante. Conseguiram, dessa forma,unificar as tcnicas construtivas em todo o imprio, porm sempre respeitando as vantagens dossistemas construtivos locais.

    Roma, a capital do Imprio, chegou a ter mais de um milho de habitantes. E existiammuitas outras grandes cidades que funcionavam como cidades de lazer para a elite romana ou comoncleos administrativos nos territrios conquistados e, assim como Roma, necessitavam de umagrande variedade de tipologias e solues construtivas. Essas cidades precisavam de armazns,aquedutos, portos, circos, moradias, templos, termas, pontes, acampamentos militares etc., alm deestradas que as ligassem a Roma.

    Os romanos j usavam a cal como aglomerante desde 600 a.C., mas a grande descoberta

    que alavancou a engenharia romana e possibilitou dotar as cidades dessa infraestrutura um novomaterial de construo: o Opus Caementicium, cujo componente principal era uma cinza pozolnicaque misturada argamassa de cal produzia um material de caractersticas semelhantes ao cimentoatual. Vitruvius2em sua obra De architectura (27 a.C.) descrevia:

    H uma espcie de p que, por sua natureza, possibilita coisas admirveis. Ocorre naregio de Baias ou nos campos das cidades ao redor do monte Vesvio. Misturado cal eao pedrisco, no somente confere firmeza a todo edifcio, como, tambm, ao seconstrurem diques no mar, solidificam embaixo d'gua. Parece que isso acontece pelo fatode haver sob esses montes, terras e inmeras fontes fumegantes que no poderiam existirsem que houvesse nas profundezas gigantescas fornalhas de enxofre, almen ou betume.

    2Marcus Vitruvius Pollio (80-70 aC a 15 aC), arquiteto e engenheiro militar romano, famoso como escritor de livrossobre a arquitetura e engenharia romana. tido como o primeiro engenheiro conhecido do mundo.

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    [...] Logo, quando trs fatores formados identicamente pela violncia do fogo agregam-senuma nica mistura, absorvido o elemento lqido por um deles, aglutinam-se subitamentee, enrijecidos, solidificam-se rapidamente pela umidade, de modo que nem flutuam nempodem ser dissolvidos pela gua. [...] Igualmente, deve ser lembrado que outrora o fogo

    brotava abundantemente sob o Vesvio que vomitava chamas pelos campos dasredondezas. E, por isso mesmo, a rocha esponjosa ou, como chamada, pedra-pomes dePompia parece que tem essa propriedade porque se origina da calcinao de outro tipo derocha, e esse gnero de pedra esponjosa da originrio no ocorre em toda parte, masapenas ao redor do Etna e nas colinas da Msia, denominadas [...] (POLIO, 2002, p.76).

    Essa argamassa com caementum usada para construir o aqueduto Pont du Gard, o Pantheon,grande parte das construes do Frum Romano, o Coliseu, as famosas Termas e Banhos Romanos(as Termas de Diocleciano, a maior de todas, tinha 140000 m2), a Baslica de Constantino, alm devrias estradas, aquedutos e prdios.

    A Pont du Gard (Figura 1) parte de um aqueduto construdo na Frana, no segundo quartodo sculo II, com 49 quilmetros de extenso e um declive total de 17 metros. Com umcomprimento de 275 m e 49 m de altura essa obra foi executada em trs estgios. O inferior com

    142,35 m de comprimento, 6,36 m de espessura e 21,87 m de altura composto por 6 arcos; ointermedirio composto por 11 arcos e possui 242,55 m, 4,56 m de espessura e 19,50 m de altura eo superior com 275 m, 3,06 m de espessura e 7,40 m de altura constitudo por 35 arcos.

    A Baslica de Constantino (de Magncio ou Baslica Nova - 308 - 312 d.C.) foi um dosedifcios mais impressionantes no Frum Romano3. Com uma rea de 10065 m, sua plantaretangular dividia-se em uma nave central, dois corredores laterais e um trio na lateral leste ondeera a entrada original. A Baslica foi destruda por um terremoto em 847 d.C restando do edifciooriginal apenas os trs arcos do corredor Norte (Figura 2) e partes do piso, suficientes para sevisualizar a grandiosidade do edifcio original.

    Figura 1. Aqueduto Pont du GardFonte: AQUEDUCT Pont Du Gard (2008).

    3O Frum Romano era o centro comercial da Roma Imperial. Nessa regio ficavam as principais lojas, praas de mercadoe de reunio, edifcios pblicos, etc.

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    Figura 2: Runas da Baslica de ConstantinoFonte: BASLICA de Constantino (1999).

    O Pantheon (Figura 3) foi construdo em 27 a.C. como um templo para todos os deusesRomanos (pan = todos, theos = deus), o nico edifcio construdo na poca greco-romana queainda, atualmente, se encontra em perfeito estado de conservao. famoso pela sua cpula queest a uma altura igual ao dimetro (43 m) de sua base cilndrica, tornando o espao interiorvirtualmente uma esfera. O interior da cpula apresenta uma srie de alvolos em direo a umculo central em seu topo (8,7 m de dimetro) utilizado como elementos estticos e para reduoda espessura de concreto.

    O cimento foi fundamental para a obteno de um material impermevel, estanque,resistente e de fcil conformao que foi muito usado pelos romanos na construo de seusaquedutos, seus banhos e termas, suas estradas, enfim, em suas obras pblicas. Em alguns casos, ocimento foi usado simplesmente como aglomerante para argamassas estanques, impermeveis e, em

    outros casos para a obteno materiais resistentes (o concreto), como o caso dos alvolos dacpula do Pantheon.

    No auge do Imprio Romano existiam cerca de 85.000 km de estradas 4, das quais a ViaApia, com 660 km de extenso a mais conhecida. Sua construo foi iniciada em 312 a. C. e foifeita com uma camada (base) de pedras compactadas, uma camada de cascalhos misturados com calhidratada, outra camada de cascalho e areia grosseira, misturados com cal e cimento e, sobre essaargamassa, uma capa ou camada de rolamento (com altura variando entre 90 e 150 cm), conformeFigura 4. Em vrios trechos da Via Apia foi usado o caementum romano (pedra spera, dura), umcimento pozolnico5que proporcionava materiais mais resistentes e com maior resistncia ao dagua. s pedras ligadas por esse caementum os romanos deram o nome de concretus ou concretum(composto, solidificado, compacto) que foi o concreto romano.

    4A largura de uma estrada comum variava entre 2,5 e 4,0 m (em alguns trechos a via pia chega a ter dez metros delargura) e a espessura do revestimento ficava entre 1 e 1,5m, com camadas superpostas de pedra. Empregavam pedraslargas e chatas na camada inferior e outras cada vez menores nas camadas subseqentes, unidas por argamassa. Aps 2000anos, muitos trechos das estradas romanas continuam transitveis.http://www.cepa.if.usp.br/energia/energia1999/Grupo4A/rodovias.htm.5A Pozzolana um material com grandes concentraes de slica e alumnio sem propriedades aglomerantes, pormquando modo (pulverizado) e hidratado reage com o hidrxido de clcio (da argamassa de cal) para formar um compostocom propriedades cimentcias.

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    Figura 3:Planta esquemtica e detalhes do Pantheon RomanoFonte: PANTHEON..., [2006, 2008a, 2008b].

    Figura 4: Esquema das camadas das estradas romanas e a Via ApiaFonte: VIA APIA (1978, 2007).

    Evidentemente esse concreto desenvolvido pelos romanos pouco tem a ver com osconcretos atuais (simples ou armado). Sua grande utilizao foi como argamassa de assentamentonas alvenarias de pedras, porm, em alguns casos como nas estradas e em algumas obras decoberturas essas pedras eram muito pequenas (assim como a brita atual) tornando essa misturamuito semelhante argamassa de concreto atual.

    O desenvolvimento tecnolgico do concreto durante o Imprio Romano foi notvel.Desenvolveram o concreto com o uso de agregados leves como o usado na cobertura do Pantheon, eo concreto reforado com barras metlicas6. Os romanos usaram esse cimento na construo de suaspontes, estradas, docas, drenos pluviais e aquedutos; edificaram aquedutos que levavam gua limpa

    at as cidades e tambm desenvolveram complexos sistemas de esgoto para dar vazo guaservida e aos dejetos das casas.Mas esse conhecimento romano ficou esquecido durante a Idade Mdia e somente foi

    resgatado em meados do sculo XVIII.

    O CIMENTO MODERNO

    Em 1758 o engenheiro ingls John Smeaton, investigando materiais aglomerantes para a

    6Esse concreto armado romano apresentou muitos problemas de fissurao, pois usaram barras de bronze, ou seja,materiais com propriedades trmicas muito diferentes.

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    construo de um farol prximo a Plymouth, concluiu que o cimento hidrulico obtido de umamistura de calcrio e argilas era muito superior ao calcrio puro.

    Figura 5:Eng. John Smeaton

    Em 1791, o engenheiro James Parker descobriu um cimento (patenteado em 1796 com onome de Cimento Romano) que teve uma grande aceitao por suas excelentes qualidades.Expirada a patente (na poca vlida por 14 anos) qumicos e engenheiros chegaram concluso deque com a mistura de pedras calcrias com aproximadamente um tero de argila e uma pequenaquantidade de xido de ferro, se conseguia um cimento similar ao cimento de Parker.

    Louis Vicat (1786 - 1861) engenheiro francs formado pela cole Polytechnique (1804) epela cole des Ponts et Chausses (1806) considerado o inventor do cimento artificial. Vicatpublicou, em 1817, o trabalho Recherches exprimentales sur les chaux de construction, les btonset les mortiers ordinaires no qual apresentava resultados de uma pesquisa em que obtinha umcimento com a queima de uma mistura de calcrio e argila.

    Figura 6: Eng. Louis Vicat

    Em 1818 a Academia das Cincias de Paris aprovou sua descoberta e o autorizou a aplic-la

    na construo da ponte de Souillac (Figura 7). O cimento inventado por Vicat se tornou muitopopular, mas foi substitudo pelo cimento Portland, inventado e patenteado por Aspdin.

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    Figura 7. Pont de Souillac - 1812 a 1824 por Louis VicatFonte: STRUCTURAE (2008).

    Em 1824 Joseph Aspdin solicitou e obteve a Patente para um aperfeioamento no mtodode produzir a pedra artificial. Aspdin deu-lhe o nome de Cimento Portland por sua semelhana, coma famosa pedra calcria branco-prateada que se extraa h mais de trs sculos de algumas pedreirasexistentes na pequena pennsula de Portland no Condado de Dorset. Com a patente, associou-secom William Beverly e montaram em 1828 uma fbrica em Wakefield, prxima de Leeds, a Aspdin& Beverly Patent Portland Cement Manufacturers.

    Figura 8: Joseph Aspdin

    O sucesso imediato do cimento Portland produzido por Aspdin deveu-se em grande parte aum acidente ocorrido em uma obra importante e complexa. Em 1825 o engenheiro francs MarcIsambard Brunel, iniciou a construo de um tnel sob o rio Tamisa (Figura 9), em Londres, com406 m de comprimento. Esse foi o primeiro tnel construdo sob um rio navegvel e o primeiro a

    usar paredes com revestimento de proteo (patente de Brunel). Durante a construo houve umacidente quando parte do teto desabou, matando trabalhadores e inundando o tnel. Aps adrenagem do tnel, Brunel substituiu o cimento romano que estava usando pelo cimento Portlandproduzido por Aspdin para refazer a parte danificada e vedar a entrada de gua, conseguindoconcluir a obra com sucesso em 1843. Na poca foi saudado como a oitava maravilha do mundo eencontra-se em uso at hoje (BRUNEL ..., 2007).

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    Figura 9.Tnel sob o rio Tamisa: imagens da poca e atualFonte: BRUNEL..., ( 2007).

    Em 1843, Grisell e Peto, empreiteiros ingleses, fizeram as primeiras anlises comparativasentre o cimento Portland e o Romano e ficou demonstrada a superioridade do primeiro. Em 1850

    oito fbricas o produziam na Inglaterra, porm a variao na qualidade do produto trouxe dvidasquanto sua eficcia. Nos anos subseqentes vrias fbricas comearam a produzir o cimentoPortland em pequenas quantidades na Inglaterra e em 1850, na Frana, a Dupont e Demarlecomeou a operar uma fbrica com uma produo verdadeiramente significativa. Nesse mesmo anode 1850, a empresa de Vicat fundou outra fbrica em Grenoble, Frana, onde se usou pela primeiravez a tecnologia por via seca em fornos cclicos verticais e em 1855, Hermann Bleibtreu montou aprimeira fbrica de cimento na Alemanha. Assim o cimento Portland comeou a se popularizar e aexpandir-se pelos pases europeus (TORAYA, 1999).

    No Brasil, a fabricao do cimento Portland foi iniciada em 1888, quando o comendadorAntnio Proost Rodovalho instalou uma usina em Sorocaba-SP, operando de forma intermitente at1907 e extinguindo-se definitivamente em 1918. Posteriormente, vrias iniciativas espordicas defabricao de cimento foram desenvolvidas. Em Cachoeiro do Itapemirim, o governo do Esprito

    Santo fundou, em 1912, uma fbrica que funcionou at 1924, sendo ento paralisada, voltando afuncionar em 1936, aps modernizao. Em 1924 a Companhia Brasileira de Cimento Portlandinstalou uma fbrica em Perus, SP, cuja construo pode ser considerada como o marco daimplantao da indstria brasileira de cimento (BATTAGIN, 2009).

    A DESCOBERTA DO CONCRETO ARMADO

    Com a redescoberta do cimento em 1758 por John Smeaton e sua industrializao iniciadapor James Parker em 1791, com o cimento romano e Joseph Aspdin, em 1828, com o cimentoPortland, o produto estava disposio dos engenheiros e vinha sendo usado em argamassas e peasde concreto simples, como utilizado por Marc I. Brunel em 1825 na construo de um tnel sob orio Tamisa, em Londres.

    O ano de 1849 considerado como a data do descobrimento do concreto armado. Joseph-Louis Lambot (1814-1887) um agricultor francs que construa tanques de cimento reforado comferros, construiu um barco usando o mesmo sistema e o testou em lagoas de sua propriedadeagrcola. Esse barco foi patenteado em 1855 e, no mesmo ano, foi apresentado na Feira Mundial deParis (o prottipo original preservado no Museu de Brignoles, Frana Figura 10). Observa-se,porm, que o tipo de concreto usado nesse barco, no incio do sculo 20 passou a ser denominadoferro-cimento ou cimento armado, que no Brasil conhecemos como argamassa armada.

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    Figura 10. Joseph-Louis Lambot e o prottipo original de seu barco.Fonte: LAMBOT (2008).

    O barco de cimento armado apresentado por Lambot na Feira Mundial de Paris no causouo impacto esperado, mas chamou a ateno de Joseph Monier, um rico comerciante de plantasornamentais, que vislumbrou a possibilidade de substituir seus vasos de madeira ou cermica, queapodreciam ou quebravam com muita facilidade, por vasos feitos com aquele novo material, maisresistente e durvel. Com o sucesso obtido iniciou a produo de vrios artefatos e estruturas deconcreto armado, registrando varias patentes de cimento armados com ferro: de vasos de cimentopara horticultura e jardinagem (1867), de tubos e tanques (1868), de painis decorativos parafachadas de edifcios (1869), de reservatrio de 130 m3 (1872), de construo de pontes (Figura 11)e passarelas (1873 e 1875) e de vigas de concreto armado (1878).

    A ponte de Souillac feita por Vicat entre 1812 e 1824, assim como muitas outras do mesmotipo feitas antes da ponte de Monier, como se pode observar na Figura 7, foram pontes em arcos

    sucessivos usando a pedra artificial, ou seja, o concreto simples trabalhando compresso. A pontede Monier apresentada na Figura 11 a primeira ponte em concreto armado, ou seja, o concretotrabalhando compresso e a armadura trao.

    A grande importncia de Monier foi entender as caractersticas, as vantagens edesvantagens dos materiais para combin-los adequadamente, aproveitando as melhorescaractersticas de cada material. Monier percebeu que o concreto era facilmente obtido e moldado, etinha considervel resistncia compresso e ao esmagamento, porm apresentava deficincias emrelao ao cisalhamento e trao; por outro lado o ao era extremamente resistente trao e erafacilmente encontrado em formas simples como barras longas. Dessa forma, a grande colaboraode Monier ao concreto armado foi, mesmo que de forma emprica e intuitiva, dispor as armadurascorretamente de forma que seus elementos de concreto armado tivessem resistncia compresso, trao e ao cisalhamento.

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    Figura 11.(a) Joseph Monier (1823 1906) e (b) primeira ponte em concreto armado por Monier, em 1875Fonte: Walter (apud APPLETON, 2005).

    Em 1886 o engenheiro alemo Gustav Adolf Wayss (1851-1917) comprou as patentes de

    Monier para desenvolv-las. Ele conduziu suas pesquisas em sua empresa, a Wayss & Freytag eposteriormente, projetou e executou a construo de vrios edifcios na Alemanha, ustria e naFrana, promovendo e difundindo o uso do concreto armado como material de construo.

    Louis Vicat, citado anteriormente como o inventor do cimento, com sua formao emengenharia e sua afinidade com a cincia e a pesquisa, teve grande participao no desenvolvimentodo concreto armado. At sua morte em 1861 foi o responsvel pela execuo de vrias pontes ecanais em concreto e pelo desenvolvimento de vrias pesquisas relativas ao cimento, s argamassase ao concreto. Em 1856 publicou o livro Trait pratique et thorique de la composition des mortiers,ciments et gangues pouzzolanes et de leur emploi dans toutes sortes de travaux, suivi des moyensd'en apprcier la dure dans les constructions la mer e em 1857, Recherches sur les causesphysiques de la destruction des composs hydrauliques par l'eau de mer.

    A importncia de Louis Vicat pode ser vista atravs de um artigo de Felis Uhagon (1854)

    publicado na Revista de Obras Pblicas

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    em 1854 onde o autor relata os problemas encontrados emobras de alvenaria e de concreto em contato com a gua do mar, apresentando as consideraes eanlises feitas por Vicat, consultor e colaborador de suas pesquisas.

    Estas escepciones, despojando el anlisis qumico de toda autoridad para fallar con certezaacerca del valor de tal cual puzolana, hacen indispensable un llamamiento laesperiencia, y esta circunstancia es tanto mas sensible, cuanto que la esperiencia haceesperar a menudo sus decisiones por mucho tiempo. Si la causa que destruye es sencilla ybien conocida en el dia, la que conserva es por el contrario, complexa; y hasta que losagentes ausiliares que vienen en su ayuda sean definidos con toda propiedad, el problemade apreciacion esacta del valor de un compuesto hidrulico para el agua de marindependientemente de, una larga observacion, queda sin solucion (VICAT apudUHAGON, 1854, p. 63).

    O artigo de Uhagon (1854) evidencia que foram necessrias a deteriorao e o colapso demuitas estruturas em concreto para que se percebesse a agressividade de alguns sais e minerais e,atingir o estgio atual de padronizao relativo agressividade do meio ambiente e durabilidade.

    El mar obra sobre los morteros hidrulicos dinmica y qumicamente, distincion que eradesconocida hasta 1845. Anteriormente su accion se consideraba limitada la queproducen la fuerza de las olas y la rapidez de las corrientes. Aun cuando se examine esteelemento poderoso de destruccion esclusivamente bajo este punto de vista, se comprenderfcilmente que todo compuesto hidrulico recibir con el tiempo la huella de que no sehalla esento el mas duro granito. La conservacion mas constante, asidua y escrupulosa,

    7A Revista de Obras Pblicasfoi criada em 1853 (e ainda existente) como uma publicao da Escuela de Ingenieros de

    Caminos de Madrid sob a responsabilidade de seu corpo docente e com a contribuio de renomados engenheirosespanhis da poca.

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    constituye la verdadera garantia de duracion para las construcciones espuestas estacausa de deterioro? Cmo, de otro modo, pudiramos lisonjearnos de oponer losembates del mar obras indestructibles, sino luchando diariamente contra los estragos de tantemible elemento?

    La accion del agua de mar sobre algunos morteros hidrulicos, es ademas diferente de ladel agua dulce, contrariamente lo que se creia hasta hace pocos aos, y de ello es unaprueba la recomendacin que se hacia de usar del agua salada para las mezclas de lasconstrucciones espuestas al mar, como medio mas ventajoso (UHAGON, 1854, p. 63).

    O desenvolvimento do concreto deve-se, sem dvida, sua facilidade de conformao. Empouco tempo verificou-se que o novo material apresentava boa resistncia compresso, pormbaixa resistncia trao, o que motivou a adio de ao argamassa de concreto, originando oconcreto armado.

    Essa facilidade de se trabalhar com esse novo material e sua facilidade de conformaopropiciou que muitas pessoas, alheias ao meio tcnico, se interessassem por ele, desenvolvessemprottipos e os patenteassem, como foi o caso de Lambot, um agricultor, e Monier, um jardineiro. Eexistiram muitos outros casos espalhados pela Europa que, com a implantao das usinas decimento e sua oferta ao mercado, comearam a desenvolver e patentear elementos de concretoarmado, como o caso de Thaddeus Hyatt (1816-1901), tambm considerado um dos pioneiros doconcreto armado.

    Hyatt foi um prspero industrial de Nova Iorque que enriqueceu antes dos 40 anos de idadecom o invento de um ladrilho de piso translcido. Foi advogado, comerciante, industrial, poltico(presidente do Comit Nacional do Kansas) e diplomata (cnsul americano em La Rochelle, Frana,de 1861 a 1865).

    Aps o trmino de suas atividades diplomticas em 1865, passou a viver nos EstadosUnidos e na Europa. Estava na Inglaterra quando se interessou pelos negcios do cimento,tornando-se um dos pioneiros nessa atividade. Realizando uma srie de experimentos, obteve em1877 a patente para um sistema de execuo de vigas de concreto armado que previa os efeitos detrao e cisalhamento. Em 1874 construiu em Londres aquela que considerada a primeira casa de

    concreto (THADEUS..., 2008).No incio houve muitos curiosos experimentando esse novo material, como agricultores,

    jardineiros, advogados, comerciantes, industriais, os quais, sem dvida, foram pioneiros quecontriburam efetivamente para que se difundisse o concreto e suas potencialidades como materialde construo. Mas tambm houve os tcnicos, afinal, no se pode esquecer das contribuiesfundamentais de Smeaton, Vicat e Parker (engenheiros) e de Aspdin (construtor e qumico amador).

    O concreto armado, como material compsito que , requeria uma utilizao mais racional,fundamentada em estudos tericos e experimentais, o que era inovador para a poca. Comoexemplo pode-se citar o estudo realizado em 1843 pelos empreiteiros Grisell & Peto, parademonstrar a superioridade o cimento Portland sobre o Romano.

    Franois Coignet (1814 1888) foi um dos pioneiros mais importantes para odesenvolvimento do concreto armado. Engenheiro qumico e descendente de uma famlia francesa

    de engenheiros, em 1851 construiu em Paris, juntamente com seus irmos Louis e StphaneCoignet, sua segunda fabrica usando um concreto clinker que ele patenteou em 1854 (em 1853construiu uma casa de concreto em Saint-Denis, Paris, para mostrar que esse novo material poderiaser usado como um substituto para a pedra natural). Em seguida passou a se dedicar ao estudo doconcreto para a construo de edifcios em Paris, executando uma srie de grandes obras emconcreto armado, entre elas, a Maison de Garde au de Bois Vincennes, o quebra-mar de Saint-Jean-de-Luz (1857-93), a igreja em Le Vsinet (1862-5), perto de Paris, construda juntamente com oarquiteto Louis-Charles Boileau, e o aqueduto do Vanne (1867-74), com 136 km e com algunsarcos de 40 m de altura.

    Coignet usou um tipo de concreto similar ao dos antigos romanos, com areia, cal, cimento,gua e armadura. Seu trabalho tambm ganhou fama fora da Frana e, em 1860 um grupo de

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    americanos aprendeu suas tcnicas e levou suas patentes para os Estados Unidos onde foi criada aCoignet Agglomerate Company of the United States (em 1872 esse complexo industrial ocupavauma rea pouco superior a 20000 m2).

    Um artigo da Revista de Obras Pblicas do ano de 1858 mostra a importncia de Coignet,as expectativas em relao a esse novo material e o desconhecimento dos tcnicos sobre o assunto.Nesse artigo o Eng. Constantino Saez y Montoya, professor do Instituto Industrial, escolhido paraimplantar em Madri uma usina de concreto usando o sistema Coignet fala sobre o novo material ejustifica e expe as vantagens desse empreendimento. Inicialmente, na admisso do artigo, oseditores informam que o objeto a fabricao da pedra artificial e que "[] no teniendo aunconocimiento de este material no podemos manifestar nada sobre l por ahora, pero si los resultadosson cuales se prometen tendremos una satisfaccion en consignarlos y dar cuenta nuestros lectoresde las ventajas de su empleo en las diferentes obras.

    Saez y Montoya inicia sua exposio citando como principais caractersticas desse novomaterial, a economia, a resistncia, a durabilidade, e a diversidade de aplicaes.

    [] la piedra artificial ferruginosa llenan como hemos visto, una de las principalescondiciones deseables y que puede calificarse de absoluta, que es la de la duracion; hemosvisto tambien que posee respecto otros materiales condiciones de economia y ventajasque no dejan ninguna duda en cuanto la conveniencia de su aplicacin. [] losmateriales que se emplean hoy dia, adems de su escasez y mala calidad son costosos,efecto de la misma escasez, cuya circunstancia por s sola es un inconveniente para latendencia que se observa construir; lo cual si se aaden las dificultades y el tiempoindispensable que se emplea con el mtodo actual, ser un motivo mas de retraimientopara los capitalistas. [...] La piedra artificial ferruginosa corresponde por su composicion todas las condiciones de dureza, resistencia y economia con una superioridad respecto los dems materiales empleados hasta aqui, que la esperiencia solo demostrar. Empleadasegun mi opinion en sillares de poca altura, y en la forma que se quiera, producir en lasconstrucciones una economia que en Madrid no ser menos del 40 por 100. Adems lafacilidad de ensayar su resistencia en todos sentidos antes de colocarla, es una garantia deque el material corresponde bajo esta relacion las mayores exigencias; los ensayos que he

    hecho con un sillar fabricado hace seis meses ha dado por resultado una resistenciaabsoluta de 4,53 kilgramos por centmetro cuadrado, resistencia que aumentar medidaque trascurra mas tiempo. El sistema adoptado por la empresa posee las ventajas deprestarse mas fcilmente la construccion que el ladrillo, ser conocido de nuestrosalbailes y producir gran economia en la mano de obra. [...] se presta la construccion delos edificios bajo todas las formas y condiciones, los pisos, techos etc., y por supropiedad hidrulica, los revestimientos y construcciones completamente hidrulicas.[...] est por su economia al alcance de todas las fortunas y por la elegancia que permitedar las construcciones y su decoracion, satisface las mas caprichosas exigencias dellujo (SAEZ Y MONTOYA, 1858, p. 271).

    Assim como Coignet muitos outros tcnicos participaram e contriburam decisivamentepara o desenvolvimento do concreto armado. Na mesma poca que o advogado Thaddeus Hyattconstruiu sua casa em concreto, William E. Ward, um engenheiro mecnico tambm americano,

    construiu o primeiro edifcio em concreto armado, no estado de Nova Iorque (1871 1875). Emrealidade foi uma residncia para sua famlia (Figura 12), com trs pavimentos e uma grande torrecom quatro a cinco pavimentos. Essa casa ficou famosa por Ward ter feito o projeto, administrado aconstruo e documentando varias pesquisas, inclusive de provas de carga. Em 1883 apresentou otrabalho Concreto em combinao com ferro como material de construo American Society ofMechanical Engineers (SHAEFFER, 1992).

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    Figura 12. Wards castle (1871/75)Fonte:.WARDS castle (2009).

    Franois Hennbique (1842 - 1921) foi um engenheiro francs que se notabilizou naexperimentao das formas de reforar o concreto com ferragens. Na Exposio de Paris de 1867,Hennebique viu os tubos e tanques construdos de concreto reforado com malha de arame deJoseph Monier, e iniciou experimentos para aplicar este novo material na construo de edifcios,montando sua prpria empresa em 1867. Em 1879 desenvolveu lajes de piso de concreto armado e,em 1892 patenteou um sistema de edificao completo. Em 1898 terminou a construo de ummoinho de farinha em Swansea, sendo essa obra o primeiro edifcio de mltiplos pavimentos emconcreto armado na Inglaterra.

    Em 1886 Koenen escreve a primeira publicao sobre o clculo de concreto armado naAlemanha e em 1897, Rabut, na Frana, ministra a primeira disciplina de concreto armado, nacole National des Ponts et Chausses em Paris.

    Ao final do sculo XIX o concreto alcana grande aceitao tanto no mercado consumidorquanto no meio tcnico, em detrimento da alvenaria e do ao. Na dcada de 1850 foram inventadosos elevadores de edifcios possibilitando a construo dos grandes prdios. Em 1885, em Chicago,foi construdo o Home Insurance Building, um edifcio de 10 pavimentos (adicionados dois novospavimentos em 1890), primeiro edifcio alto suportado por uma estrutura em ao. Em 1889, tambmem Chicago, foi construdo o Monadnock Building (1889/91) com 16 pavimentos e 65 metros dealtura, um marco na histria da alvenaria, mas seu projeto e execuo delinearam os limites para aconstruo em alvenaria, pois suas paredes externas ao nvel do solo tinham 1,80 metros deespessura. O Monadnock Building foi construdo em duas etapas, sendo a metade norte construdaem alvenaria e a metade sul, dois anos aps, em estruturas de ao, evidenciando para osincorporadores o ganho na rea til e a reduo de peso do edifcio com a estrutura em ao. MasChicago ainda tinha lembranas muito vivas do grande incndio de 1871 que a devastou, e as

    estruturas metlicas alem das limitaes quando forma e quanto ao custo, entravam em colapsosob a ao do fogo.Em 1898 um artigo publicado na Revista de Obras Pblicas (BIBLIOGRAFIA..., 1898),

    relaciona 96 trabalhos cientficos sobre concreto e argamassas de cimento, produzidos entre 1850 e1898, envolvendo aproximadamente 40 autores. O desenvolvimento desses estudos e pesquisaslevou ao aprimoramento contnuo desse material e construo de estruturas em concreto, maisleves, esbeltas, resistentes e mais bem compreendidas tecnicamente, tornando esse material o maisutilizado nas estruturas em todo o mundo.

    Muitos foram os pioneiros no estudo desse novo material, o concreto armado, mas, semdvida, um de seus mais importantes pesquisadores foi o engenheiro alemo Emil Mrsch.Formado em engenharia civil pela Universidade de Stuttgart em 1894, iniciou sua vida profissionalcomo superintendente do Ministerial Department for Highways & Waterways e, em seguida, no

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    setor de pontes da Wrttemberg State Railways. Contratado pela companhia Wayss & Freytag,desenvolveu os estudos de Koenen e embasou seus resultados em ensaios laboratoriais. No incio de1901 publicou a primeira edio de seu livro Der Betoneisenbau: Seine Anwendung und Theorie

    que teve numerosas reimpresses sob o ttulo de Der Eisenbeton: Seine Theorie und Anwendung.Esse livro estabeleceu as bases cientficas do concreto armado e suas teorias tornaram-sereferncia na rea por mais de meio sculo. Em 1904, Mrsch tornou-se professor da Universidadede Zurique, retornando aps quatro anos diretoria da Wayss & Freytag. Em 1916 tornou-seprofessor da Universidade de Stuttgart (teoria de estruturas,, construes em concreto armado epontes em arco de alvenaria) onde permaneceu at sua morte em 1950. Entre as numerosashonrarias recebidas esto a de scio honorrio do Concrete Institute (hoje Institution of structuralEngineers) em 1913 e a de honorary doctorates das Universidades de Stuttgart em 1912 e deZurique em 1929 (KURRER, 2008. p.751-2).

    Figura 13: Emil Mrsch (18721950)

    Seu modelo de trelia (trelia clssica de Mrsch) ainda utilizado para a compreenso efundamentao do comportamento de vigas de concreto armado submetidas flexo e toro, sendoconsiderado um mtodo prtico e confivel para a analise, dimensionamento e detalhamento deelementos de concreto armado. Esse mtodo previsto pelas principais normas de projeto deestruturas de concreto do mundo (MC CEB-FIP de 1990, Eurocode 2 de 1992, DIN 1045-1 de2003, ACI 318-02) e pela NBR 6118 (2003), que em seu item 22 o denomina como modelos biela-tirante e recomenda o seu uso na anlise e dimensionamento de elementos especiais.

    Construdo em 1902/03 o Ingalls Building (Figura 14) reconhecido como o primeiroedifcio comercial de grande altura, em concreto armado no mundo; recorde mantido at 1923, coma construo do Medical Arts Building em Dallas, Texas, com 85,6 m de altura. poca de suaconstruo, seus dezesseis pavimentos, totalizando 64 m de altura (210 ps), geraram polemica faceaos comentrios de que o edifcio poderia no resistir s aes do vento e retrao do concreto.Em 1975 foi declarado patrimnio histrico nacional, estando em uso at hoje.

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    Figura 14. Ingalls Building: primeiro edifcio comercial em concreto armadoFonte: INGALLS ..., (2008).

    CONSIDERAES FINAIS

    A primeira referncia sobre concreto no Brasil de 1904. Antonio de Paula Freitas,professor da Escola Politcnica do Rio de Janeiro publica um trabalho no qual cita a execuo deseis prdios projetados e um reservatrio de gua em Petrpolis, no Rio de Janeiro (MARCOLIN,2006).

    Neste texto, tratamos da origem do concreto e de seu desenvolvimento inicial, anteriores,portanto, ao incio do sculo XX, razo pela qual no abordamos a trajetria das pesquisas e daaplicao do concreto no Brasil, as quais so apresentadas e discutidas, com bastante propriedade,pelos eminentes professores engenheiros Augusto Carlos de Vasconcelos8 e Milton Vargas9.

    Vrias outras obras10abordam o assunto tratado neste texto e, por no terem sido usadas deforma especfica, no constam das referncias bibliogrficas, porem, pela qualidade e importnciadas mesmas, sem dvida, embasaram o conhecimento bsico sobre o tema aqui discutido.

    8Vasconcelos, A. C. O Concreto no Brasil: Recordes - Realizaes - Histria. So Paulo: Pini, 1992.Vasconcelos, A. C. e Carrieri Jr, R. A Escola Brasileira do Concreto. Axis Mundi, SP. 2005.9 Vargas, M. (org.). Histria da Tcnica e da Tecnologia no Brasil. So Paulo: Ed. UNESP, Centro de EducaoTecnolgica Paula Souza, 1994.

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    Atualmente a indstria do cimento esta instalada em quase todos os pases do mundo, comuma produo da ordem de 2.542 milhes de toneladas anuais, considerados dados de 2006. AChina o maior produtor e consumidor mundial de cimento com uma produo de

    aproximadamente 1.220,8 milhes de toneladas em 2006 (48,0%). Os Estados Unidos apesar de sero terceiro maior produtor de cimento do mundo, importa quase 30% de seu consumo, tornando-os omaior importador mundial de cimento (CIMENTO MUNDO, 2009).

    Em 2006 o Brasil ocupou a dcima posio com uma produo em torno de 42,4 milhesde toneladas (1,7%), e as vendas acumuladas nos ltimos doze meses (jun/08 a mai/09) atingiram51,1 milhes de toneladas, apresentando incremento de 8,3% sobre o perodo anterior, de junho de2007 a maio de 2008 (CIMENTO, 2009).

    Quadro 1: Maiores Produtores de Cimento(em milhes de toneladas / ano de 2006)

    1 China 1.220,8 48,0%2 ndia 161,7 6,4%3 EUA 99,5 3,9%

    4 Japo 73,2 2,9%5 Espanha 54,0 2,1%6 Rssia 53,9 2,1%7 Coria Sul 51,4 2,0%8 Itlia 49,0 1,9%9 Turquia 47,9 1,9%

    10 Brasil 42,4 1,7%11 Tailndia 41,3 1,6%12 Mxico 38,6 1,5%

    Total Mundial 2.542 100,00%Fonte: (CIMENTO MUNDO, 2009)

    As maiores companhias produtoras de cimento so a Lafarge (Frana), com umacapacidade instalada de 144 milhes de toneladas, a Holcim (Sua) com 95 milhes de toneladas ea Cemex (Mxico) com 77 milhes de toneladas (CIMENTO, 2009). A Votorantim, maior indstriabrasileira de cimento, ocupa a stima posio com uma capacidade instalada de 28 milhes detoneladas.

    No Brasil 14 grandes grupos operam cerca de 62 unidades industriais para a produo decimento, porm, esta produo extremamente concentrada. A Votorantim responde poraproximadamente 40% da produo nacional e os dois outros maiores grupos, o Joo Santos(cimento Nassau) e o CIMPOR, respondem por cerca de 20% da produo brasileira (TEIXEIRA,2005).

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