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E-LOCUÇÃO | REVISTA CIENTÍFICA DA FAEX Edição 03 – Ano 2 – 2013 161 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 5ª Ed., 9ª reimpressão 2006. PAULO RICARDO BONFIM * Autor de diversos artigos e livros versando sobre aspectos diversos da cultura brasileira, Renato Ortiz é um dos intelectuais, no campo das ciências sociais, que dedicou especial atenção à noção de “cultura”, compreendendo-a em relação dinâmica à dimensão política inerente às relações sociais. Graduado em Antropologia e Sociologia, pela Universidade de Paris VIII, obteve seu doutoramento na mesma área pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Lecionou na Universidade de Louvain, na Universidade Federal de Minas Gerais e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; atualmente é docente no Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas. Em Cultura brasileira e identidade nacional, estudo que ora resenhamos, Renato Ortiz analisa como e por quê os intelectuais brasileiros, em períodos distintos, enfrentaram o desafio de definir a especificidade do brasileiro enquanto nação, anunciando e também fixando, por assim dizer, um caráter ontológico à identidade brasileira. Como observou, logo na introdução, essa é uma questão que permanece perene entre os intelectuais brasileiros e que, ainda hoje, mobiliza esforços no sentido de decifrá-la. A obra está organizada em uma breve introdução seguida de seis seções, onde Ortiz desenvolve, com singular maestria, uma análise acerca das tentativas, por parte de diversos intelectuais, de estabelecer o sentido da cultura popular e da identidade brasileira, desde meados do século XIX. Partindo de uma matriz teórica antropológica, Ortiz combina de forma engenhosa os conceitos de sincretismo, memória coletiva, mito, símbolo e totalidade para, num segundo momento, relacioná-los aos conceitos de Estado, ideologia e hegemonia, freqüentes no discurso sociológico. Embora não se preocupe em estabelecer uma periodização rígida, desenvolve sua análise numa perspectiva diacrônica, abordando de meados do século dezenove até a década de 1970, avaliando as especificidades de cada discurso em relação à * Cientista Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em História, Sociedade e Cultura pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é mestrando em Educação, na linha de pesquisa em História, Historiografia e Ideias Educacionais, junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco.

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E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 161 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. So Paulo: Brasiliense, 5 Ed., 9 reimpresso 2006. PAULO RICARDO BONFIM Autordediversosartigoselivrosversandosobreaspectosdiversosdacultura brasileira,RenatoOrtizumdosintelectuais,nocampodascinciassociais,quededicou especialatenonoodecultura,compreendendo-aemrelaodinmicadimenso polticainerentesrelaessociais.GraduadoemAntropologiaeSociologia,pela Universidade de Paris VIII, obteve seu doutoramento na mesma rea pela cole des Hautes tudesenSciencesSociales.LecionounaUniversidadedeLouvain,naUniversidade FederaldeMinasGeraisenoProgramadePs-GraduaoemCinciasSociais,da PontifciaUniversidadeCatlicadeSoPaulo;atualmentedocentenoDepartamentode Sociologia da Universidade Estadual de Campinas.EmCulturabrasileiraeidentidadenacional,estudoqueoraresenhamos,Renato Ortiz analisa como e por qu os intelectuais brasileiros, em perodos distintos, enfrentaram odesafiodedefiniraespecificidadedobrasileiroenquantonao,anunciandoetambm fixando,porassimdizer,umcarterontolgicoidentidadebrasileira.Comoobservou, logonaintroduo,essaumaquestoquepermanecepereneentreosintelectuais brasileiros e que, ainda hoje, mobiliza esforos no sentido de decifr-la.A obra est organizada em uma breve introduo seguida de seis sees, onde Ortiz desenvolve, com singular maestria, uma anlise acerca das tentativas, por parte de diversos intelectuais,deestabelecerosentidodaculturapopularedaidentidadebrasileira,desde meados do sculo XIX. Partindo de uma matriz terica antropolgica, Ortiz combina de forma engenhosa os conceitosdesincretismo,memriacoletiva,mito,smboloe totalidadepara, numsegundo momento,relacion-losaosconceitosdeEstado,ideologiaehegemonia,freqentesno discursosociolgico.Emboranosepreocupeemestabelecerumaperiodizaorgida, desenvolvesuaanlisenumaperspectivadiacrnica,abordandodemeadosdosculo dezenove at a dcada de 1970, avaliando as especificidades de cada discurso em relao CientistaSocialpelaPontifciaUniversidadeCatlicadeCampinaseespecialistaemHistria, SociedadeeCulturapelaPontifciaUniversidadeCatlicadeSoPaulo.Atualmentemestrandoem Educao, na linha de pesquisa em Histria, Historiografia e Ideias Educacionais, junto ao Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Educao da Universidade So Francisco. E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 162 conjuntura scio-poltica interna e externa. De forma objetiva, investiga os significados da noo de cultura brasileira e identidade nacional. Comoformadecompreenderasvicissitudesquecercamosdebatesacercada cultura brasileira no perodo proposto, Renato Ortiz sublinha, de incio, o carter inautntico danoodeculturabrasileiraumavezque,comoconstruosimblicaperpassadapor relaesdepoder,nohcomopostularumaidentidadeautnticacomoexpresso ontolgicadaculturabrasileira.Antes,umapluralidadedediscursoselaboradospor diferentesgrupossociais,emmomentoshistricosdistintos,apartirdemltiplas manifestaesculturais.Portanto,todatentativadefixarumapretensanoocultura nacional encerra, sempre, uma dimenso poltica. Posto dessa forma, no h veracidade ou falsidadeaseremaferidas,jqueosprprioscritriosdeaferiovariam,tambm,de acordo com a viso de mundo e os interesses daqueles que os verificam em cada tempo. Decorredessaabordagemapercepodeumahistriadaidentidadeedacultura brasileiracomonarrativasreveladasemsuasdimensessimblicasepolticas,portanto, histricas,correspondendoaosinteressesdosdiferentesgrupossociaiseemsuasrelaes comoEstado.Sinteticamente,a"culturaeaidentidadebrasileirasoconsideradase investigadasemsuahistoricidade,casocontrriocorre-seoriscodeabord-las anacronicamente, portanto, tornando-as ininteligveis. Umavezdelineadooescopodoestudo,Ortizanalisaocarterracistadas interpretaesacercadoserbrasileirolegadaspelosprecursoresdasCinciasSociaisno Brasil,apartirdemeadosdosculoXIX.analisadaarelaoentreaquestoracialea identidadequeresultaramnasprimeirastentativas desepensaraculturabrasileiraemsua especificidade. Nesse sentido, intelectuais como Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha so paradigmticos no perodo em que escrevem. Ortizressalta,talcomoRomerojhaviafeito,aimportnciaquetiveramsobrea produotericabrasileiraopositivismodeComteeodarwinismosocialdeSpencer. Ambos, considerados sob o aspecto evolucionista que encerravam, estabeleceram um falso axiomadequeassociedadesmaissimplesevoluemnaturalmenteparaasformasmais complexas,identificadasdiretamentecomacivilizaoeuropia.Tratava-se,ento,de descobrircientificamente,comoconvinhapoca,asleisnaturaisqueregiamesse processo evolutivo.Evidentemente,essasteoriasforneceramoarcabouocientficoquelegitimoua condio de colonizador do europeu frente s sociedades conquistadas. Essa curiosa histria E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 163 naturaldahumanidadenosimpe,deimediato,acondiodeinferioridadeecoloca,aos intelectuais brasileiros do dezenove, o desafio de explicar as causas do atraso brasileiro.SegundoOrtiz,emboraoevolucionismofornecesseamatrizinterpretativada histriadassociedadeshumanas,eraprecisodarcontadapeculiaridadedasociedade brasileiraeexplicarohiatoentreateoriaearealidadesocial.Comochavesdeleitura,as noes de meio e raa so tomadas como capazes de explicar a nossa especificidade social. NosestudosdeEuclidesdaCunha,SlvioRomeroeNinaRodriguesosocial aparece, distintamente em cada autor, em relao de dependncia ao ambiente, explicando, emparte,nossapeculiaridadeemrelaoaoseuropeuscolonizadores.Asobrasdesses autores retratam muito bem a aderncia do argumento do meio influenciando o social. Anooderaacentralnaanlisedessestrsautoreseconcorrejuntocoma noodemeioparaumaexplicaodaespecificidadedenossaidentidadenacional.O argumentodaraanosremetesespeculaesdeautoresestrangeiros,desdemeadosdo dezenove, acerca das qualidades negativas de nossa composio racial, como no caso de GobineaueAgassiz.OromantismodeGonalvesDiaseJosdeAlencar,porsuavez, desconsideravaonegrocomopartedacomposiosocialeelegiaondionaverso estereotipada, apartadadesuascaractersticasprpriascomoelementocapaz,narelao com o branco, de traduzir a especificidade do nacional. Todavia,aaboliodoregimeescravocrataimpeonegrocomosujeitoaser considerado na trama social, ainda que socialmente em desvantagem. Para Silvio Romero e NinaRodrigues,comoobservaOrtiz,onegropassavaadesempenharumpapelmais importante que o ndio na composio social. A questo da mestiagem pauta as discusses sobreocarternacionalqueserealizamnomitodanaocomofusodastrsraas fundamentaiseamalgamadas:obranco,onegroeondio.Issonoimplicaconsider-las emtermosdeigualdade;nafusodasraas,aoelementobrancosoatribudasas caractersticasevalorescapazesdeconduziranaocivilizao,desdequeaclimatados aos trpicos pela experincia da mestiagem. Noentanto,asteoriasraciolgicasdapocacaracterizamomestiocomo essencialmente fraco, pois trazia, na experincia da mestiagem, os elementos biolgicos de raasdesiguais,conferindo-lheumanaturezainferiorexpressanaapatiaenas debilidades morais e intelectuais. Nessa perspectiva, as polticas de imigrao, alm de seu significadoeconmico,apresentam-secomoumaalternativaparaobranqueamentoda populao, acelerando, portanto, o caminho at o ideal nacional. E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 164 RenatoOrtizpontuaanlisesdissidentescomoadeManuelBonfim. Contemporneosabordagensdiscutidaseocupando-seigualmentedaquestonacional brasileira,no obstante escrevessedeParis,Bonfimdistanciava-sepelotratamentoterico que dispensava questo. Embora tambm tenha sido influenciado pelo legado de Darwin, ComteeSpencer,desenvolveuumaabordagemdiversadasteoriasbrasileiras,poisno passavapelasnoesdemeionemderaa.Tambmsedistinguiapeloenquadramento proposto:pensararealidadelatino-americana,revelandoumaperspectivainternacionalista que considerava as especificidades das relaes entre naes hegemnicas e dependentes, o que era indito nas discusses brasileiras.Fortementeinspiradopelopositivismo,aindaquenumainterpretaoumtanto particulardeste,Bonfimtomaosocialporanlogoaobiolgicodepreendendoumanoo deimperialismotraduzidaemtermosdeparasitismosocial.Nessarelaoentreparasitae parasitado,ambosdecaem.Todavia,diferentementedostericosdasraas,consideravaa mestiagemcomoumfenmenorenovadornacomposionacionalmedidaque amenizaria os elementos negativos herdados dos colonizadores. Caminha, nesse sentido, em direoopostaaGobineau,denunciandoocarterideolgicodedominaosubjacente teoria da desigualdade das raas. Opondo-setesedacpiaouimitao,parasereferiradesodeteorias estrangeirasporintelectuaisbrasileiros,Ortizargumenta,divergindodeRobertoSchwarz, que, antes de um consumo irrefletido ou passivo, a intelectualidade procedia escolha dos referenciastericos,comosquaispassavaainterpretararealidadebrasileira,apartirde demandasinternas.Sustentandoessalinhadeargumentao,oautordestacaque,nofinal dosculodezenove,odiscursodaraacomeaadarlugaraodecultura.Autorescomo GobineaueAgassizperderamgradativamenteimportnciafrenteaostrabalhosdeBoas, Denicker, Durkheim e Mauss, embora neste momento as teorias raciolgicas ainda fossem hegemnicasentreosintelectuaisbrasileiros,sendopossvelperceberressonnciasem plena dcada de 1920, como ilustra os trabalhos de Oliveira Viana. Essedescompassoresultadeumaimportao,dentreasteoriasdisponveis, daquelasquemaisseadequavamsdemandasinternas.Nessesentido,significativo percebercomoSilvioRomeroseleciona,deformainstrumental,aspectosconvenientesna teoriadeLePlaypararefletirarealidadebrasileira;domesmo modoprocedeEuclidesda Cunha em relao Hegel. E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 165 OrtizanalisaessaapropriaotericaentreprecursoresdasCinciasSociaisno Brasilatravsdoconceitodesincretismo,talcomodefinidoporRogerBastide.Assim comoamemriacoletivasistema-partidaorientaeordenaaescolhadosobjetos sincretizados, a ideologia produzida pelos intelectuais comanda a escolha de teorias, dentre as disponveis, bem como a seleo, no interior delas, dos elementos pertinentes questo nacional e construo de uma nacionalidade como meta. Enquanto as teorias raciais encontravam espao no projeto poltico do Imprio e da RepblicaVelha,apartirde1930,nostrilhosdastransformaesemcurso,asteorias culturalistas assumem um carter privilegiado no debate sobre a identidade brasileira; neste sentido, o pensamento de Gilberto Freyre paradigmtico no interior destes debates. Comojindicamos,aaboliodotrabalhoescravofoideterminanteparaa reavaliaodasteoriasdamestiagem,comainclusodonegronaspreocupaes nacionais.AviradadosculopassandodaMonarquiaparaaRepblica,daeconomia escravocrataparaacapitalista(emdesenvolvimento),dasteoriasraciolgicasparao culturalismoproduziuascondiesmateriaisparaoqueRobertodaMattachamoude fabuladastrsraas.ParaOrtiz,aepopiadastrsraasqueseamalgamamemsolo tropical,postoagoraemtermosculturais,portantoliberadadasambigidadesdasteorias raciais, consegue se refletir nas relaes cotidianas, ritualizando-se.Gilberto Freyre representava a continuidade, ainda que qualitativamente distinta, de umatradioqueremontaaSilvioRomero.Decertaforma,Freyre,quetevecontatonos EstadosUnidoscomasteoriasdeBoas,atualizaumapreocupaocomaidentidade nacional,comoexperinciadamestiagem,atravsdoculturalismo;CasaGrandee Senzala,SobradoseMucambossoexpressesdessamestiagem,ouseja,docarter brasileiro.Noqueoautorignoredetodooconflito,masenfatizaarelaointensa, materialesimblicaqueharmonizouostermossocialmentedesiguaispelaexperinciada mestiagem.DaascrticasdachamadaEscolaPaulistadeSociologia,nafigura proeminentedeFlorestanFernandes,ideiadedemocraciaracialqueescamoteiaa perenidade dos preconceitos raciais e tnicos no pas. Nocontextodasmudanasps-1930,osintelectuaisdoInstitutoSuperiorde EstudosBrasileiros(ISEB)1distanciam-sedosdiscursosanteriores,reelaborando,na 1 O Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi criado em 1955, vinculado ao Ministrio de Educao e Cultura,mascomautonomiaadministrativaeliberdadedepesquisa;umrgodefomentopesquisa, ao estudo e divulgao das cincias sociais. E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 166 dcadade1950,oconceitodeculturanumaperspectivadiferentedaantropologia culturalista: a definem numa abordagem sociolgica e filosfica, inspirados em Mannheim eHegel.Acultura,nessecrculo,pensadacomoumaobjetivaodoespritohumano, sobretudo um vir a ser; uma histria que est por se fazer, como projeto social. Segundo Ortiz, o ISEB forja uma matriz de pensamento que baliza as discusses sobre a cultura no Brasil at a dcada de 1990, quando foi publicada a primeira edio do presente estudo.destaca ainflunciadoISEBsobredoismovimentosemespecial:oMovimento deCulturaPopular,emRecife,cujorepresentantemaisdestacadofoiPauloFreire;eo Centro Popular de Cultura da Unio Nacional dos Estudantes (CPC/UNE), que contou com Carlos EstevamMartinscomoseudiretoreprincipal terico.Asinfluncias dosisebianos disseminaram-seentreaesquerdamarxistaeopensamentosocialcatlico;penetraram, ainda, no teatro, nos textos de Guarnieri e Boal, e no cinema, atravs de Paulo Emlio Salles Gomes e Glauber Rocha. Fundamentadanadialticadoviraser,opensamentoisebianocentrou-senos conceitosdealienao,colonialismoesituaocolonial;nestestermososintelectuaisdo ISEB conceberam a discusso sobre cultura brasileira. Por analogia economia, discutia-se o consumo de produtos culturais estadunidenses, revelando os contornos de uma dominao cultural na forma de imperialismo. Naanlisedops-1964,OrtizdestacaaimportnciadoEstadocomoumdos elementosdinmicosedefinidoresdaproblemticacultural,apresentando-secomoagente privilegiadodedifusocultural,evidentementedentrodoslimitesdoqueconvinhaao Regime Militar. Recuperando estudos do socilogo Octvio Ianni, Ortiz ressalta que o planejamento daspolticasgovernamentaisextrapolavaocampodoeconmicoedoadministrativo, estendendo-seaocultural,talvezpelapercepodocrescimentodomercadodebens culturais, a partir da dcada de 1970. As novas tecnologias de comunicao, o crescimento da classe mdia e o milagre econmico, de 1969 a 1973, favoreceram o desenvolvimento deummercadocultural,comumasurpreendenteexpansodaproduo,distribuioe consumo de bens culturais. OconceitodeIntegraoNacional,elaboradonocontextodeumaideologiade SeguranaNacional,concebeuaculturanumaperspectivafuncional,durkheimiana,como E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 167 cimentoculturaldasolidariedadeorgnicadanao.Assim,oEstadoseempenhano desenvolvimento da cultural de massa com estmulo participao do capital privado, nos limites do controle estatal. Cabia ao governo dar as diretrizes e prover as facilidades.Durantetodooregimemilitaraculturafoialvodeintensanormatizao,coma criao de rgos governamentais e planos estratgicos para desenvolvimento cultural, nos limitesdaSeguranaNacional.Deincio,recorreu-seaosintelectuaistradicionais disponveis,recrutadosnosInstitutosHistricosGeogrficosenasAcademiasdeLetras, para a elaborao das diretrizes do Plano Nacional de Cultura. A noo de mestiagem mais umavezentraemcena,conferindosignificadoespecficosideiasdedemocraciae liberdadequeparadoxalmenteosmilitaresinsistiamembradarpossibilitandoa superaodoconflitoatravsdanoodeumapretensaculturanacional,isentade contradiesabsolutas,resultadodaaculturaoharmnicadosuniversossimblicos sincretizados ao longo da historia nacional. Naconcepodessesintelectuais,identificadoscomaperspectivatradicional,a culturabrasileirafoiconsideradaemtermosdepatrimnionacional,queprecisavaser conservado e protegido das tendncias de descaracterizao pelo avano tcnico.Contudo, diante da ampliao do mercado de bens culturais, o Estado volta-se para outrotipodeintelectualdisponvel:osadministradores,capazesdeelaborarum planejamentoculturalestratgicoemsintoniacomosrumosdodesenvolvimento tecnolgico. Atuando em rgos como INC, DAC, Secretaria de Assuntos Culturais, SEAC, EmbrafilmeFunarte,essenovosintelectuaisinseriramaculturanumaperspectivade mercado. Nas novas diretrizes essa influncia estava bem clara: nfase na difuso dos bens culturais, dinamizando a produo, a distribuio e o consumo. Ortizconcluiseuestudoassentandoaideiadeumaculturapopularcomo pluralidadedemanifestaesfolclricasquenopartilham,absolutamente,umtrao comum,nemseinseremnumsistemanico,deformacoerente;elaheterogneae fragmentada,sendomaisadequadopens-lanoplural,comoculturaspopulares.Isto porquecorrespondemdiversidadedegrupossociais,portadoresdememrias diferenciadas. Recuperando o conceito de memria coletiva, essas manifestaes folclricas ssemantmcomomemriasmedidaqueseritualizamemumgruposocialqueas comportam.Portanto,amemriacoletivarelaciona-sevivnciadegrupossociais; diferentemente,amemrianacionalnocorrespondediretamenteaumgrupoquea E-LOCUO | REVISTA CIENTFICA DA FAEX Edio 03 Ano 2 2013 168 ritualizaenquantotal,poissesituaemoutronvel:ohistrico,oideolgico,portanto,o virtual. Enquanto a memria coletiva se relaciona a grupos sociais restritos, a ideologia se lanasobreoconjuntodasociedade,poissepretendeuniversal.Visandoatotalidade,a ideologiasedefinecomoumaconcepodemundo,orgnica,agindocomouma cimentao da diferenciao social. SegundoOrtiz,amemrianacionaleaidentidadebrasileirasoconstrues simblicas que dissolvem a heterogeneidade das culturas populares na homogeneizao da narrativaideolgica.Assim,oEstadoatotalidadequetranscendeeorganizaarealidade concreta,delimitandooscontornosdaidentidadenacional.Assim,nosetratadeindagar sobreaveracidade,ouno,deumasupostaidentidadebrasileira,masindagar-sesobre quaisvaloreseinteressesestoorientandoestaconstruosimblica;quaisgrupose propsitos esto presentes em sua elaborao. Enquantoconstruosimblica,aidentidadenacionalprodutodeuma interpretao, onde a relao com o Estado pode ser direta, como no caso dos isebianos que visavam um projeto de transformao social, ou indireta, como no caso de Gilberto Freyre queexprimiaafinidadescomummodelodeEstadoqueseesgotouhistoricamente.Esses intrpretes do Brasil atuaram como mediadores simblicos, organizando, convenincia de seusvaloreseinteressesdegrupo,oparticularfragmentadonumsistemacoerentequese prope universal, estendendo-se a todos.