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Os caminhos do púlpito

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Preparo, chamado, vocação e opção profissional, são elementos que se misturam e se chocam na formação dos pastores brasileiros.

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SUMÁRIO

6 PRIMEIRAS PALAVRAS

7 CARTAS E MENSAGENS

8 CH INFORMA

12 MENTE E CORAÇÃO

14 RELIGIÃO Judaísmo messiânico funde valores do

Cristianismo com tradições judaicas

18 SOLIDARIEDADE Coral formado por crianças

atendidas por missão humanitária em Uganda emociona brasileiros

20 CAPA Preparo acadêmico, chamado divino,

vocação pessoal e opção profissional são elementos que se misturam – e, por vezes, se chocam – na formação dos pastores brasileiros

26 ESPECIAL Futuro de L’Abri, a casa de Francis

Schaeffer, é tão controvertido quanto o legado de seu fundador

32 PAVAZINE

34 ESPIRITUALIDADE Eduardo Rosa Pedreira

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Perguntas sobre CH

TEOLOGIAN.T. Wright

MISSÕESHá dez anos, a missionária brasileira Ana

Maria Sarkar presta assistência espiritual e material a carentes de Calcutá, na Índia

INTERNACIONALMuçulmanos convertidos ao Evangelho no

Egito lutam por sua cidadania

MINISTÉRIOIgreja do Evangelho Pleno,

liderada pelo sul-coreano David Yonggi Cho, completa meio século

CH DIGITAL

CINE CULT

LIDERANÇADallas Willard

SONS DO CORAÇÃO

ENTREVISTAMovimento gospel está mudando o modo de se

viver a fé evangélica, diz pesquisadora

LIVROS E RESENHAS

OS OUTROS SEIS DIAS

ÚLTIMAS PALAVRAS

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Revista Cristianismo HojeA verdade com conteúdo evangélico

www.cristianismohoje.com.br

Quem somosCristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo

informar, encorajar, unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do

Evangelho a todos os seus leitores

A revista tem uma parceria com o grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo,

com 11 revistas e 29 sites de conteúdo

Conselho EditorialCarlo Carrenho, Carlos Buczynski, Eleny

Vassão, Eude Martins da Silva, Marcelo Augusto Souto, Mário Ikeda, Mark Carpenter, Nelson Bomilcar, Richard Werner, Ronaldo Lidório,

Volney Faustini e William Douglas

EditorMarcos Simas

Diretor de redação e jornalista responsável Carlos Fernandes – MTb 17336

Jornalistas desta edição Molly Worthen,

Samuel Averbug, Timothy C. Morgan, Treici Schwengber e Valter Gonçalves Jr

ColunistasCarlo Carrenho, Luciano Vergara, Nataniel Gomes, Nelson Bomilcar,

Rubinho Pirola, Sérgio Pavarini e Whaner Endo

TradutoraKaren Bomilcar

RevisoraAlzeli Simas

Colaboradores desta ediçãoDallas Willard, Eduardo Rosa Pedreira,

N.T. Wright

Projeto gráficooliverartelucas

[email protected]

Assinaturas0800 644 4010

[email protected] postal 2351 Brasília, DF

CEP 70842-970

Informações e permissões para republicação de artigos

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DistribuiçãoMR Werner Distribuidora de livros Ltda.CLN 201 - Bloco C Subsolo - Asa Norte

Brasília - DF - CEP 70832-530 CNPJ 06.013.240/0001-07 – IE 07.450.716/001-45

Impressão Gráfica Ediouro

Tiragem - 20.000 exemplares

Endereço editorialCaixa Postal 107.006

Niterói - RJ - CEP 24360-970

Cristianismo Hoje é uma publicação da Msimas Editora Ltda.

CNPJ 02.120.865/0001-17

ISSN 1982-3614

PRIMEIRAS PALAVRAS

Uma só fé, muitos caminhos

“Tu me amas? Apascenta minhas ovelhas.” A célebre conversa entre Jesus Cristo e Simão Pedro, há dois mil anos, é considerada uma espécie de “marco zero” do ministério pastoral. A partir dali, uma quantidade ini-maginável de pessoas, em todas as eras, têm se dedicado ao santo ofício de pastorear almas. Pois agora, e aqui mesmo no Brasil, este ministério funda-mental para a subsistência da Igreja tem passado por uma transformação. Se, até bem pouco tempo, o chamado espiritual era considerado suficiente para o exercício da função, ultimamente tem havido uma valorização do preparo teológico. Entre os dois caminhos, que não são opostos – e que devem, sobretudo, se completar –, a questão da vocação passa por uma re-leitura. E aquela condição fundamental, sintetizada na pergunta do Mestre ao seu discípulo à beira da praia, permanece ecoando como um desafio àqueles que ocupam o púlpito.

A reportagem de capa deste número de CRISTIANISMO HOJE trata dessa questão. A presente edição, aliás, dedica bastante espaço à discussão de temas como chamada pessoal e os rumos da fé. Uma delas é a entrevis-ta com a professora Magali Cunha, que acaba de lançar um livro sobre o movimento gospel brasileiro. À luz da sociologia e das ciências do com-portamento, ela constrói uma tese segundo a qual o modo de ser evangéli-co está mudando nos dias de hoje. A modernidade também tem colocado em xeque as novas gerações de crentes – tanto, que um dos redutos mais influentes do pensamento protestante contemporâneo também enfrenta profundas transformações. L’Abri, a casa de onde Francis Schaeffer in-fluenciou tanto a Igreja no século 20, hoje abriga um público bem diferen-te, mais preocupado com a espiritualidade individual. É o que você vai ler na matéria especial L’Abri não é mais o mesmo.

Este espaço é pequeno para falar de todo o conteúdo da quarta edição de CRISTIANISMO HOJE. Melhor, então, convidá-lo a virar logo a pági-na. Boa leitura!

Marcos SimasEditor

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CRISTIANISMO HOJE | 7

HumorRubinho Pirola

Cartas e mensagens

Quero parabenizá-los pela edição da revista CRISTIANISMO HOJE. O trabalho está excelente com a combina-ção entre artigos de autores nacionais e estrangeiros. Fico sempre preocupado com a idéia míope de que temos que ter uma teologia “brasileira”. A teolo-gia domesticada nunca será uma teolo-gia verdadeira, bíblica. Além do mais, a Igreja não é primeiramente brasileira, mas acima de tudo – e principalmente – universal. Aprendemos com todos nossos irmãos – brasileiros, japone-ses, chineses, ingleses, americanos etc. Na segunda edição, gostei em especial da entrevista com Os Guinness. Que Deus os abençoe neste ministério.

Edmilson Bezerra, editor da Shedd Publicações

São Paulo (SP)

Parabéns a vocês da revista CRIS-TIANISMO HOJE! Sou pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil e, certo dia, encontrei um envelope com a re-vista em cima da minha mesa. Ao ler o conteúdo, fiquei muito feliz em sa-ber que estava chegando ao público brasileiro uma publicação de que há anos ouvira falar (a versão america-na), sempre com muita credibilidade e respeito. Continuem assim, amados

irmãos. Espero que Deus derrame sobre vocês todas as bênçãos neces-sárias para que esta revista influencie o cenário evangélico brasileiro para o bem, pois estamos precisando disso.

Douglas Leite VillalbaNioaque (MS)

Gostei da reportagem Cabo-de-guerra no Congresso [edição 3]. É ne-cessário que o povo de Deus saiba o que está acontecendo contra nossa fé.

Bruno RamosVia internet

Agradecemos pelo envio da se-gunda edição da revista CRISTIA-NISMO HOJE. A relevância dos assuntos abordados constitui um di-ferencial no meio evangélico. Agra-decemos também pela entrevista com o nosso presidente José Miran-da Filho [edição 2] e informamos que houve um erro na citação do nome da nossa entidade, que na revista foi mencionada como Aliança Bíblica Universitária (ABU). O uso corre-to da sigla e nome é Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB).

Giovanna Amaral, assessora de Comunicação da ABUB

Via internet

Acho a coluna CH Digital muito proveitosa para os projetos que te-nho desenvolvido. Creio que a mo-derna tecnologia nos permite ser-mos mais do que uma carta aberta e lida; viramos um out-door. Com estas ferramentas, criei um blog para expressar minhas idéias, o que me foi proibido durante os muitos anos que permaneci numa igreja em que era absolutamente proibido ter algum pensamento que fosse di-ferente do líder principal.

Clarissa Lima PaesVia internet

Gostei bastante dos artigos e reportagens de CRISTIANISMO HOJE. Louvo ao Senhor por mais um veículo de informação no meio evangélico.

Pastor José Patrício de LimaCaruaru (PE)

Por necessidade de clareza e em função do espaço disponível, CRISTIANISMO HOJE reserva-se o direito de editar as cartas que recebe, adaptando sua linguagem ou suprimindo texto

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8 | CRISTIANISMO HOJE

CH INFORMA

Intercessão pelos que sofremCampanha mundial de oração pela Igreja Perseguida acontece em 18 de maio

Para quem vive em uma nação onde há plena liberdade de culto, como o Brasil, a realidade da per-seguição religiosa passa quase des-percebida. Contudo, é bom saber que precisamente no mesmo ins-tante em que se lê esta nota, algum cristão está sendo privado de seus direitos mais básicos pelo único fato de professar a Jesus como seu Salvador. Pois é para que a Igreja se lembre daqueles que sofrem por sua fé que a Missão Portas Abertas instituiu o Domingo da Igreja Per-seguida (DIP), uma oportunidade para unir cristãos de todo o mundo em torno do tema.

A data, que varia de ano para

ano, é marcada para o domingo seguinte ao de Pentecostes. Este critério foi adotado porque, no re-lato bíblico em Atos 4, o início das perseguições aos cristãos aconte-ce logo após a descida do Espírito Santo, com a prisão de Pedro e João – o que teria sido a “fundação” da Igreja Perseguida. Em 2008, o DIP acontece no dia 18 de maio, e a Missão Portas Abertas está cadas-trando igrejas que queiram parti-cipar da campanha através do site http://www.portasabertas.org.br/DIP/domingo.asp. Quem prefe-rir, pode fazer contato pelo telefo-ne (11) 5181-3330 ou pelo e-mail [email protected].

Fé esquisita em Duas caras

A novela Duas caras, da Rede Globo, tem conseguido uma rara unanimidade para obras do gê-nero – unir os evangélicos. Mas o que desperta a atenção dos crentes para o folhetim de Agnaldo Silva é a atuação dos “irmãozinhos” em cena. O chamado núcleo religio-so da trama inclui figuras diver-sas, que vão do bem comportado Ezequiel (Flávio Bauraqui), à des-trambelhada Edivânia (Susana Ri-beiro), que não pára de aprontar. E o pior é que a personagem age “em nome de Jesus”. Em capítulo exibi-do no mês de março, Edivânia co-mandou uma turba que cometeu uma série de atrocidades contra o homossexual Bernardinho (Thia-go Mendonça), a ex-viciada Dália (Leona Cavalli) e o garçom Heral-do, interpretado por Alexandre Slaviero, que vivem um triângulo amoroso. Disposta a expulsar os demônios do trio, a heroína che-gou a agredir Dália, grávida de um dos parceiros.

Estereótipos de crentes não são novidade nas produções tele-visivas. Quem não se lembra, por exemplo, do bizarro Dom Mariel, tipo de pastor picareta interpreta-do por Edson Celulari na minis-série Decadência, exibida há 12 anos? Mas as loucuras de Edivânia têm levado muitos evangélicos à indignação. O serviço de atendi-mento ao telespectador da Globo tem registrado uma enxurrada de protestos e diversas campanhas de repúdio têm sido promovidas por pastores e leigos, que inclusive propõem um boicote à emissora e aos produtos comercializados por seus anunciantes.

Cristãos paquistaneses velam mortos em massacre religioso: Igreja perseguida é alvo de campanha de intercessão

Arquivo

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CRISTIANISMO HOJE | 9

Missionários na mira

O governo brasileiro está investi-gando diversas entidades missioná-rias suspeitas de destruir culturas indígenas. Elas estão entre as vinte e cinco organizações não-governa-mentais (ONGs) monitoradas pelo governo por aproximadamente seis meses em 2007. A maioria dos gru-pos foi acusada de roubar proprie-dade intelectual das florestas brasi-leiras, repassando conhecimentos locais sobre plantas e animais para a indústria farmacêutica. Mas as missões cristãs estão na mira devi-do a uma suposta interferência na cultura e no modo de vida de tribos indígenas isoladas, o que é proibi-do pela atual legislação que rege o tema. A questão voltou ao foco em 2005, quando a agência Jovens com uma Missão (Jocum) resgatou duas crianças condenadas à morte por sua tribo, os suruwahá, por apresen-tarem deficiências congênitas. A en-tidade chegou a ser processada pelo Ministério Público Federal por vio-lar as práticas tribais, que incluem o infanticídio (o assunto foi tema de reportagem na primeira edição de CRISTIANISMO HOJE).

Bráulia Ribeiro, missionária li-gada à Jocum, se diz surpresa com as críticas e acusações recentes do governo, que envolvem até o Ser-viço Nacional de Inteligência. “O trabalho missionário entre o povo indígena é a razão pela qual mui-tas tribos estão vivas hoje em dia”, afirma. Outra instituição sob in-vestigação, o Grupo Conservador da Amazônia, diz que as acusações “não têm qualquer base”. Já o presi-dente da Missão Latino-americana, Jack Voelkel, lembra que a moderna missiologia não impõe aos povos

indígenas nenhuma forma de viver. Segundo ele, os grupos indígenas geralmente buscam contatos com os missionários, que são conheci-dos por trazer comida, medicação e educação a vilarejos isolados, su-prindo muitas vezes as deficiências de órgãos oficiais como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fun-dação Nacional de Saúde (Funasa). (Com reportagem de Paul Asay, de Christianity Today)

Novos tempos, novos pecados

Ira, gula, luxúria, preguiça, ava-reza, soberba e vaidade. A lista dos sete pecados considerados capitais pela Igreja Católica Apostólica Ro-mana, tão conhecida ao longo dos séculos, acaba de ser ampliada. Em março, o Vaticano divulgou o acrés-cimo de novos pecados no rol das faltas graves, pela qual o fiel precisa pedir perdão antes de morrer. Em tempos pós-modernos e globaliza-dos, o uso de drogas, a manipulação genética e as agressões ao meio am-biente passaram a ser considerados

delitos capazes de levar a alma do impenitente ao inferno.

“Antes, o pecado tinha dimen-são individual; hoje, tem impacto social. A atenção ao pecado agora é mais urgente devido aos reflexos maiores e mais destruidores que pode ter”, explicou o monsenhor Gianfranco Girotti, segundo ho-mem na hierarquia da Santa Sé, ao L’Osservatere Romano, o jornal ofi-cial do Vaticano. A iniciativa reflete a preocupação da Igreja Católica com a bioética, tema constante nos pronunciamentos do papa Bento XVI. “Há áreas onde devemos de-nunciar, sem qualquer espécie de dúvida, algumas violações dos di-reitos fundamentais do ser huma-no, notadamente experiências de manipulação genética, cujo resul-tado é difícil de prever e controlar”, disse Girotti.

O religioso classificou também as injustiças sociais como grandes ofensas a Deus e ao próximo: “A de-sigualdade social, onde os ricos se tornam cada vez mais ricos e os po-bres cada vez mais pobres, alimenta insuportável injustiça social”.

O Vaticano, sede da Igreja Católica: lista de pecados capitais sofreu “modernização”

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10 | CRISTIANISMO HOJE

A Bíblia diz que muito pode, por sua eficácia, a súplica de um justo. Que dizer, então, de 1 milhão de crentes orando e jejuando durante 40 dias? Pois o grandioso projeto de fé já está em andamento desde o dia 30 de março, envolvendo evan-gélicos de todas as denominações em todo o país. A iniciativa é do pastor Edison Queiroz da Igreja Batista de Santo André, SP: “Você, sua igreja e ministério devem par-ticipar deste movimento de Deus para transformação da nossa na-ção”, diz o pastor. O objetivo é fazer com que cada evangélico assuma o compromisso de ganhar ao menos uma pessoa para Cristo até o ano de 2010, quando será realizado o próximo Censo do IBGE. A cam-panha vai até 9 de maio, e quem quiser participar pode obter mais informações pelo site http://www.jejum40dias.com.br.

Igreja no topoA Igreja é a instituição em quem

os brasileiros mais confiam, segun-do pesquisa do Instituto CNT/Sen-sus. Nada menos que 40% das pes-soas entrevistadas colocaram-na no topo de uma lista que inclui as For-ças Armadas (16,5% das menções), os meios de comunicação 12,7% e a Justiça, com 11,3%. Na lanterna, aparece o Congresso Nacional, no qual apenas 0,5% dos brasileiros admitem confiar. Na mesma pes-quisa, perguntou-se quais os valores que os entrevistados consideravam mais importantes de ser transmiti-dos aos filhos. Em primeiro lugar

aparece a religião, com 25% das respostas. (Fonte: Extra Online)

Religiosidade em altaA religiosidade continua em alta

no Brasil. De acordo com uma ampla pesquisa realizada pela Fundação Ber-telsmann, da Alemanha, em 21 países, o país aparece como o segundo lugar, já que 71% dos brasileiros entrevista-dos se disseram “altamente religiosos”, daqueles que freqüentam cultos regu-larmente – número inferior apenas aos dos 76% dos guatemaltecos que se incluem nesta categoria. Logo atrás surgem a Indonésia e o Marrocos, am-bos de maioria muçulmana, com por-centagens pouco abaixo da brasileira. O número sobe muito quando se per-gunta apenas se a pessoa é “religiosa”: aí, 96% dos brasileiros disseram “sim”. Os Estados Unidos ficaram em quinto no ranking, com 89% de pessoas reli-giosas e 62% de “fervorosos”. Nações da Europa ocidental, como França e Grã-Bretanha, apresentaram o menor percentual de pessoas religiosas. A pesquisa, intitulada Monitor Religio-so, fez cem perguntas a cada entrevis-tado sobre vários aspectos da religio-sidade e é uma das maiores do mundo sobre o assunto. (Fonte: BBC Brasil)

Moisés dopado? Por essa, ninguém esperava – mui-

to menos os judeus, para quem Moi-sés é mais do que um herói bíblico. O homem que recebeu de Deus as Tábu-as da Lei e guiou o povo de Israel em direção à Terra Prometida poderia es-tar... dopado? Pois Benny Shanon, es-pecialista em psicologia cognitiva da Universidade Hebraica de Jerusalém, arrisca que sim. De acordo com ele, até mesmo a redação dos Dez Man-damentos poderia ser conseqüência

de uma experiência com substâncias psicotrópicas no alto do Sinai. Sha-non sugere que o patriarca pode ter experimentado a ayahuasca, presen-te em alguns vegetais e que no Brasil é a base do famigerado chá do Santo Daime. Embora tudo seja mero pal-pite sem qualquer base histórica ou científica, Benny Shanon foi defe-nestrado por autoridades religiosas judaicas e já é até considerado blas-femo. (Fonte: BBC Brasil)

Santo mercadoO Brasil continua na liderança do

mercado mundial de produção de bíblias. Segundo a Câmara Brasleira do Livro (CBL), em 2007 as editoras nacionais imprimiram nada menos que 8,6 milhões de exemplares com-pletos da Bíblia Sagrada, contendo o Antigo e o Novo Testamento, com versões cada vez mais segmentadas. As bíblias de estudo e as temáticas são as grandes responsáveis pelo aquecimento das vendas, resultando num faturamento de R$ 95 milhões para as publicadoras. Ainda de acor-do com o levantamento da CBL, as editoras de orientação evangélica são responsáveis por 57% desse merca-do. (Fonte: Gospelmais)

NotasClamor de 1 milhão

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12 | CRISTIANISMO HOJE

Mente e coração

CRIANÇASO QUE fAzEmOs com nossas crianças – e o que fazemos a elas – é uma indicação fiel e preocupante sobre o que pensamos sobre o mundo, sobre Deus e sobre nós mesmos. Para muitos adultos, crianças são apenas um incômodo. Mas a questão é que elas são um incômodo (quando são) porque são significativas. Elas perturbam nosso organizado mundo adulto, pois são pessoas de verdade.

N.T. Wright, em Matthew for Everyone: Part Two

(Mateus para todos: parte dois)

As úNICAs OBsERVAçõEs válidas são aquelas da infância. Não sabemos que observamos, mas vemos tudo. Nossas mentes estão relativamente em branco; nossas memórias não estão cheias de nomes. As impressões que formamos em nossos primeiros doze anos de vida são enormes, vívidas e significativas; chegam carregadas de significado, não da forma como a experiência vem mais para frente.

John Updike, em entrevista a Philip Yancey

para o Image Journal

CRIANçAs NãO sãO livros para colorir. Você não tem a oportunidade de pintá-las com suas cores favoritas.

Khaled Hosseini, em O caçador de pipas

QUãO INfELIz é a criança que nunca tem a oportunidade de suspirar por alguma coisa, sonhar com uma recompensa de dia e fazer planos para ela à noite, talvez até ficar desesperada ao ponto de trabalhar por ela.

James Dobson, em Lar, doce lar

DEVERIA NOTAR-sE QUE crianças nas brincadeiras não estão apenas brincando; seus jogos deveriam ser vistos como sua mais séria atividade mental.

michel de montaigne, em Essays (Ensaios)

CONTEmPLAmOs O fUTURO através das janelas de nossas crianças; a forma como os moldamos molda o futuro. E eles serão moldados pelo mundo, se não por nós. Cada pequena face tem a mesma questão, que não é respondida pelos livros de auto-ajuda e programas da televisão: quem sou eu e porque estou aqui?

sallie Tisdale, Graça – em “In God is Love: Essays

from Portland Magazine (Em Deus está o amor: Ensaios da

revista Portland)

QUANDO TEmOs fILHOs, sabemos que eles precisarão de nós e talvez nos amem, mas não temos idéia de quão difícil será. Também não entendemos, quando estamos grávidas, o quão profundo é ter uma história compartilhada com uma criança – compartilhar com ela o sangue, os genes e até o humor. Significa que estamos realmente aqui, na Terra, por um tempo, como os egípcios e suas pirâmides, mas com crianças é um experimento: você espera e vê o que elas irão se tornar. Com pessoas, isso quase sempre significa uma bagunça.

Anne Lamott, em Grace (Eventually): Thoughts on

Faith (Graça [Eventualmente]: Pensamentos sobre a fé)

sE [ALGUém] DEsEJA que alguém se torne um modelo de apurada moralidade, é necessário habituá-lo aos bons costumes desde tenra idade; a quem deve fazer grandes progressos no estudo da sabedoria, importa abrir-lhe os sentidos para todas as coisas, nos primeiros anos, enquanto seu ardor é vivo, o engenho rápido e a memória tenaz.

João Amós Comenius, em Didática Magna

As CRIANçAs QUE crescem ouvindo mensagens depreciativas acreditam que as merecem. Elas aprendem a carregá-las culpando-se pela crítica, pelo abandono e pelo desapreço que recebem.

H. Norman Wright e Gary Oliver,

em Criando filhos emocionalmente saudáveis

QUANDO UmA CRIANçA se comporta de maneira desrespeitosa e prejudicial, consigo mesma ou com outra pessoa, seu propósito oculto é geralmente o de verificar a estabilidade dos limites.

James Dobson, em Como lidar com a

teimosia de seu filho

Div

ulga

ção

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14 | CRISTIANISMO HOJE

Culto em comunidade judaico-messiânica: judeus convertidos e gentios compartilham a fé em Cristo e o respeito às tradições

RELIGIÃO

Sam

uel A

verb

ugSamuel Averbug

Duplamente eleitosMovimento judaico-messiânico anuncia Jesus como Salvador aos filhos de Abraão

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EEles receberam pela fé a salvação em Jesus, mas diferente-mente da maioria dos crentes, não se consideram conver-tidos, e sim, “completados”. Sua herança religiosa remonta ao início dos tempos bíblicos, mas eles não vivem aferrados às tradições rituais de seus antepassados. E, mesmo que seu povo não considere Cristo como o Salvador, eles têm o cora-ção aberto para o Filho de Deus. São os judeus messiânicos, pessoas que não deixaram de ser o que são por acreditarem que Jesus Cristo – ele mesmo, o rabi da Galiléia, que viveu, pregou, morreu e ressuscitou na Judéia conforme narram os evangelhos – é mesmo o Messias prometido nas Sagra-das Escrituras. Embora ainda não sejam muito numerosos (segundo as próprias estatísticas, eles seriam pelo menos 150 mil em todo o mundo, sendo dois mil deles no Bra-sil), os judeus messiânicos constituem um grupo influente e que chama a atenção pela maneira como vivem a própria fé. Pode-se dizer que eles são duplamente eleitos: pertencem à nação escolhida por Deus para firmar sua aliança com a humanidade e tornaram-se também filhos do Senhor por intermédio de Yeshua – Jesus, em hebraico.

Cercada por muita curiosidade, a fé dos judeus messiâ-nicos chama a atenção dos outros crentes. A começar por certas particularidades. Embora mantenham comunhão com os irmãos de outras denominações, a maioria deles prefere congregar em comunidades bem singulares, onde paramentos e adereços como o talit, espécie de xale usado pelos homens, e a menorá – aquele típico candelabro de sete braços – podem ser vistos durante os cultos. “Acontece que as peculiaridades de nossa tradição não podem ser ex-pressas plenamente nas igrejas evangélicas convencionais”, explica o mineiro Marcelo Guimarães, dirigente da congre-gação Har Tzion (Ensinando de Sião), fundada há dez anos em Belo Horizonte (MG). Rabino ordenado pelo Institu-to Bíblico Netivyah, de Jerusalém, e autor de livros sobre restauração da Igreja do primeiro século, Guimarães lidera uma comunidade com cerca de 600 membros, aí incluídos judeus “completos”, marranos – descendentes de judeus convertidos à força na Inquisição – e uma maioria de não-judeus.

O ministério Ensinando de Sião, que acaba de inaugurar um Centro Avançado de Teologia, fundou ou ajudou a criar sete congregações judaico-messiânicas em vários estados brasileiros. Guimarães lembra que os preceitos e ordenan-ças da Torá, conjunto de livros que compõem o Pentateuco e contêm a lei ditada por Deus a Moisés, não foram aboli-das por Cristo. “Hoje em dia, muito se prega sobre a graça e pouco sobre a obediência aos mandamentos”, argumenta o religioso. Marcelo Guimarães diz que nunca houve tan-tos judeus messiânicos como hoje. Segundo ele, enquanto

no Brasil o apoio das igrejas evangélicas é dividido – algu-mas têm resistências, outras não – na Europa e nos EUA, o movimento judaico-messiânico é bem respeitado e recebe grande apoio.

Numa congregação judaico-messiânica, como as várias que existem no Brasil, ensina-se os dois testamentos, cele-bram-se festas judaicas e os cultos, ou celebrações, incluem cânticos em hebraico e em português. É o caso da Beit Sar Shalom (Casa do Príncipe da Paz, em São Paulo), a mais an-tiga do gênero no Brasil, fundada há 39 anos por Emanuel Woods (ver quadro na pág. 17). O rabino Daniel Woods e a missionária Delores Woods, da Baptist Mid-Mission, deram continuidade ao trabalho do pai. Delores atua em São Paulo, no ministério messiânico desta entidade que tem hoje mais de mil missionários em 50 países. O rabino Daniel revisou a segunda edição do Novo Testamento Judaico, lançada em janeiro de 2008, bem como do Comentário Judaico do Novo Testamento, de David Stern. Um aliado dos judeus messiâ-nicos e dos gentios crentes, esta edição do Novo Testamen-to visa resgatar a judaicidade do texto bíblico, perdida com tantas traduções dirigidas a não-judeus.

Para ele, o grande desafio do movimento é fazer com que os judeus crentes assumam a fé: “Existem muitos ju-deus que conhecem Yeshua e freqüentam igrejas ou con-gregações longe do bairro em que moram, para passarem despercebidos pelas famílias. Até tentam abrir um diálogo, mas têm medo de serem vistos numa congregação messi-ânica como a Beit Sar Shalom”, diz ele. Esse tipo de temor tem motivo. Famílias judaicas tradicionais não aceitam en-volvimento com cristãos. Muitos jovens que se casam com gentios – ou não-judeus – são até deserdados. No caso de uma conversão a Cristo, então, a crise é ainda maior. Na concepção do judaísmo tradicional, o Messias (Mashiach) não é Jesus, mas sim um libertador que ainda estaria por vir, com a missão de reconstruir a nação da Israel e trazer a paz.

Arquivo pessoal

Joseph Danon foi um dos criadores da

Igreja Evangélica Beit Lehen, no Rio

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16 | CRISTIANISMO HOJE

Assim, o judaísmo messiâ-nico seria apenas um artí-ficio religioso que disfarça as doutrinas cristãs para torná-las mais facilmente assimilável pelos judeus. A

reação judaica ao movimento se faz mais forte no Estado de Israel, que não reconhece os messiânicos como judeus.

“Eis o vosso Deus” – Segundo seus adeptos, o judaísmo messiânico é um movimento que remonta aos primórdios da Igreja Cristã. Ele foi iniciado pelos apóstolos e pela co-munidade de judeus seguidores de Jesus. Eram os nazare-nos, também conhecidos como “os do Caminho”. Nazare-no significa “renovo”, a haste que se desenvolve na base de certas plantas e que, separadas, podem propagar a espécie – numa referência a Cristo e a seus seguidores, conforme o texto de Jeremias 23.5: “Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um renovo justo; e rei que é, reinará e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra”. Dentre outros grupos de seguidores de Jesus que defen-diam o judaísmo estavam os ebionitas, também conheci-dos, no Novo Testamento, como “os da circuncisão”.

Devido ao sucesso da pregação do apóstlo Paulo, que levou o Evangelho aos gentios, os ebionitas entraram em decadência. Contemporaneamente, o judaísmo messiâni-co renasceu em 1885, quando a primeira congregação do gênero surgiu na Moldávia. Em 1911, o termo “hebreu-cristão” apareceu num debate e, na década seguinte, em ar-tigos do jornal da Hebrew-Christian International Aliance, cujo príncipio básico era a conversão de judeus ao Cris-tianismo. Nos anos 1970, surgiram nos Estados Unidos a Messianic Jewish American Alliance e a Union of the Mes-sianic Jewish Congregations. Destes movimentos messiâ-nicos, o mais conhecido é o mi-nistério Jews for Jesus (Judeus por Jesus), fundado em 1973 pelo pastor batista americano Moishe Rosen, e que chegou ao Brasil em 2002.

O pastor Sergio Danon é diretor-executivo da filial bra-sileira de Judeus por Jesus, localizada em São Paulo. En-tre 2001 a 2006, a campanha evangelística Eis o vosso Deus alcançou 1,7 mil judeus em 55 cidades do mundo. Além disso, mais de 40 mil filhos de Abraão

mostraram interesse em conhecer mais sobre Jesus. Atuan-do em diversas frentes na América Latina, Judeus por Jesus realizou campanhas em São Paulo e no Rio – a última delas durante os Jogos Pan-americanos de 2007. Os resultados por aqui foram 15 judeus que se decidiram por Jesus. Da-non, um judeu messiânico militante, não tem a preocupa-ção de ser apreciado por quem quer se seja: “Não estamos aqui para fazer marketing, mas unicamente para anunciar o Evangelho de Cristo. Algumas pessoas podem confundir ousadia com agressividade e veracidade com rispidez, mas só nos empenhamos em diálogo com aqueles que queiram falar conosco. A nossa metodologia é moldada segundo os primeiros judeus por Jesus, mencionados no livro de Atos dos Apóstolos. Se somos criticados por isso, estamos em muito boa companhia”, justifica.

A família de Sergio é profundamente envolvida com o evangelismo entre judeus. Seu pai, Joseph, era já um cristão quando conheceu o pastor Leonard Meznar, que mantinha o programa de TV Poço de Jacó. Ali, Meznar pregava es-pecificamente para sua gente: “Amigo israelita, não tenha dúvida de que Jesus é o nosso Messias”, dizia no ar. Juntos, eles começaram a promover reuniões de estudo da Palavra de Deus, atraindo outros judeus – inclusive o próprio Ser-gio, que entregou sua vida a Cristo e foi batizado. A partir daqueles encontros, surgiu, em 1990, a Igreja Evangélica Beit Lehem (Casa do Pão), no Rio.

Busca pessoal – Chegar aos pés de Cristo, para muitos ju-deus, é o fim de uma longa busca pessoal. O conhecimen-to das Escrituras – ou, mais especificamente, da “segunda parte”, ou Novo Testamento, ignorado pelo judaísmo –, foi o caminho para que a professora Ester Roisenberg se convertesse. “Prefiro dizer que fui completada”, emenda, com bom humor. Gaúcha, ela se casou com um não-

A professora Ester Roisenberg: “O judeu não se converte,

ele se completa”

Sergio Danon, dirgente da entidade Judeus por Jesus, é um evangelista militante

Arquivo pessoal

Page 19: Os caminhos do púlpito

CRISTIANISMO HOJE | 17

Aos nove anos de idade, Emanuel Woods morava em Nova Iorque (EUA) e foi xingado de “judeu sujo”. “Você matou Jesus!”, gritaram-lhe na rua. Em casa, perguntou quem era Cristo e levou um tapa da mãe. Na época, por volta de 1925, suas irmãs freqüentavam escondidas a casa de rabinos crentes. Cinco anos após iniciar uma dura jor-nada para “resgatá-las”, Woods soube que elas iriam se ba-tizar segundo o rito cristão. Ameaçou então comparecer para afogá-las durante a imersão. Como a cerimônia foi antecipada, ele teve que aceitar a conversão das irmãs, mas não desistiu de provar-lhes que o objetivo daqueles rabinos era enganar os judeus e roubar o dinheiro do povo. Foi a uma igreja ouvir a tal pregação cristã e ali sentiu Deus falando por intermédio do pastor. Surpreendentemente, passou a crer em Jesus.

No seminário, repleto de judeus messiânicos, conhe-ceu aquela que seria sua mulher, também judia. Em 1947, percebeu uma vocação para alcançar judeus refugiados da Segunda Guerra Mundial. Apoiado por duas organizações missionárias voltadas para o segmento, o casal chegou a São Paulo em março de 1951. Ali, instalou-se numa casa alugada e passou a abrigar judeus imigrantes que vinham arruinados da Europa para começar nova vida. Com o tempo, aque-le trabalho de ação social cresceu a ponto de formar uma comunidade. Influenciados pelas ações e pela pregação de Emanuel Woods, muitos daqueles judeus abraçaram a fé cristã. Em 1968, surgia a Beit Sar Shalom (Casa do príncipe da Paz), a mais antiga congregação judaico-messiânica do Brasil ainda em funcionamento. Com a morte de Woods, em 1995, seu filho Daniel Woods, hoje rabino, assumiu a direção do ministério.

O pioneirismo de Emanuel Woods

judeu e foi viver no Rio de Janeiro. Então, encontrou pessoas que co-meçaram a lhe falar do Evangelho. “Descobrir que a história continu-ava no Novo Testamento foi algo novo para mim, pois sequer sabia

que Jesus era mesmo judeu”, diz. “Eu não queria ‘trair’ meu povo e meus ancestrais, mas precisava ter minha própria busca. Um dia, tomei uma decisão. Tudo ficou muito claro e fez sentido para mim”, lembra.

Membro de uma igreja presbiteriana na Região Me-tropolitana do Rio, Ester faz questão de praticar a fé em Jesus sem abrir mão de suas origens. Ela procura passar a cultura e as tradições israelitas para suas três filhas – na Páscoa, por exemplo, ela celebra a cerimônia à moda ju-daica, mas sempre lembrando que o verdadeiro Cordeiro de Deus é Jesus. “Para mim, é importante dar valor a estas festas, pois o próprio Senhor, sendo judeu, as celebrou”, destaca.

O comerciante Zenon Roizen, de 67 anos, membro da Igreja Missionária Evangélica Maranata, gosta de di-zer que foi circuncidado duas vezes. “A primeira foi na carne, aos oito dias de nascido, conforme a tradição; a segunda, espiritual, quando fiz minha aliança com Cris-to”. Quando jovem, na sinagoga, ele sentia-se insatisfeito e sequer entendia o significado das rezas. “Eu sentia um vazio na alma, diferentemente de meus parentes”, conta. Em 1985, sob orientação de Leonard Meznar, passou a aprender a Bíblia, em especial as profecias messiânicas, o que foi determinante para sua conversão: “Conheci algo que não me foi ensinado nas sinagogas”, diz. Zenon afirma que é impossível examinar o Antigo Testamento e não enxergar ali a pessoa de Jesus. “Eu descobri que o Messias e Filho de Deus não veio para os religiosos, mas para pecadores como eu.” Por isso mesmo, considera-se um privilegiado:

Zenon já esteve em Israel, onde tem alguns primos que vivem em um kibutz – espécie de comunidade autônoma onde todos os membros trabalham a serviço do grupo, modelo que conheceu seu apogeu nos anos 1970 e ainda é largamente difundido no país. Embora tenha adorado a viagem pelo seu caráter histórico, religioso e cultural, Ze-non não é romântico quando analisa a situação espiritual do povo de Israel. “Quando comecei a analisar o Antigo Testamento, vi que os judeus não eram puros e sem peca-dos. Infelizmente, não querem conhecer a verdadeira Pa-lavra de Deus. O capítulo 53 de Isaías, por exemplo, não é lido nas sinagogas”, diz, referindo-se ao texto em que o profeta fala sobre a obra salvadora de Jesus.

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Emanuel Woods, com a mulher, foi um dos responsáveis pela

chegada do movimento judaico-messiânico ao Brasil

O comerciante Zenon Roizen: “Conheci algo que não é ensinado nas sinagogas”

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18 | CRISTIANISMO HOJE

SOLIDARIEDADE

Encanto de UgandaCrianças ligadas ao Ministério Watoto visitam o Brasil e dão show de fé e simpatia

O Coral Watoto: atividade musical é parte importante da formação das crianças atendidas pelo ministériodi

vulg

ação

Page 21: Os caminhos do púlpito

A pequena Emily Esther: “Quando

crescer, quero ajudar outras

crianças”

CRISTIANISMO HOJE | 19

UUganda, na região central da África, é uma daquelas na-ções que só entram no noticiário internacional pela porta dos fundos. Extremamente pobre, a pequena República, com 25 milhões de habitantes, já sofreu com guerras, massacres étnicos e governos totalitários – o mais san-grento deles comandado pelo ditador Idi Amin Dada, responsável pela morte de 300 mil ugandenses nos anos 1970. Atualmente, o maior drama do país é a Aids, que se alastra sem controle pelo chamado Continente Negro. A face mais cruel da epidemia pode ser vista no rosto das crianças órfãs que vagam pelo país: nada menos que 12% da população infantil de Uganda vive sem pai nem mãe. Cerca de 1,7 mil delas, contudo, estão experimentando na prática as promessas bíblicas acerca da providência di-vina. Elas são atendidas pela missão Watoto Child Care Ministries, um ministério evangélico voltado para a in-fância. A organização tem representado a diferença entre a vida e a morte para crianças como a pequena Emily Es-ther Tusiime, de nove anos (ver quadro).

Em março, o Coral Watoto, mantido pela entidade, percorreu diversas cidades brasileiras. Vestidos com tra-jes típicos, sorridentes e esbanjando alegria, os cantores mirins têm em comum o passado de sofrimento que ficou para trás. Desde 1994, o grupo excursiona pelo mundo, mas esta foi sua primeira vez no Brasil. Acompanhado por uma equipe reduzida de adultos, as apresentações de Watoto são uma mistura de ritmos africanos, música contemporânea e dança – além, claro, de uma poderosa demonstração de fé. Atualmente, são cinco as equipes em atividade. Cada criança participa de apenas uma viagem, que pode durar até seis meses. É uma oportunidade úni-ca para meninos e meninas que, de outra forma, jamais sairiam das regiões onde nasceram. Além da experiência

musical, há ainda o enriquecimento cultural que é ofere-cido aos participantes dos corais.

O Ministério Watoto surgiu em 1988, fruto da inicia-tiva do casal de missionários americanos Gary e Marilyn Skinner. Após violenta guerra civil em Uganda, eles senti-ram o chamado para implantar uma igreja em Kampala, a capital do país. A idéia era melhorar as condições de vida da população local através do Evangelho e da ação social. Eugene Stutzman, um dos líderes da entidade, acompa-nhou a visita ao Brasil. Segundo ele, a atuação de Wato-to junto às crianças ugandenses tem tido muito sucesso: “Num país de maioria muçulmana, mas cuja intolerân-cia religiosa não é das piores, há uma convivência estável e até respeitosa”, diz. Isso contribuiu, segundo ele, para obter o apoio das autoridades para os projetos realizados pelo ministério – os principais deles voltados ao cuidado e suporte para crianças vitimadas pela guerra, pobreza e ignorância.

mães substitutas – Eugene explica que a principal estra-tégia é levantar a geração seguinte de Uganda. Isso se ini-cia colocando crianças sem pais junto a famílias substitu-tas, onde recebem cuidado emocional, físico, educacional e espiritual. As vilas Watoto possuem lares, escolas, áreas de lazer e esportes e uma infra-estrutura que o governo não pode oferecer. As mães substitutas são escolhidas após um longo processo de seleção e cada criança é aco-lhida por uma dessas mulheres. Ali, elas têm à disposição atividades artísticas – canto e dança, principalmente –, estudos bíblicos e educação escolar.

Outro projeto de Watoto são centros de reabilitação e reintegração familiar instalados no distrito de Gulu, no norte do país, bastante afetado pelos recentes conflitos. Cerca de 3 mil crianças da região foram seqüestradas e incorporadas à força no Exército. As que sobreviveram foram abandonadas à própria sorte, sem família e sem infância. A maior parte das crianças assistidas pelo mi-nistério está na faixa entre oito e 12 anos de idade – mas há também os 80 bebês do núcleo Baby Watoto, que recebe não apenas órfãos como também os que foram abandonados. Caso de Jamalia Talemererwa Serunkuma, encontrado em 2003 dentro de uma latrina com apenas cinco anos de idade. Fora deixado lá pelo próprio pai, para morrer. A identidade da mãe nunca foi revelada, de forma que é difícil saber detalhes de sua curta e dura existência. Conduzido à Vila das Crianças de Suubi, onde vive sob os cuidados da mãe substituta, Robinah Naulya, hoje ele tem dez anos e é uma criança normal, que gosta de ir à escola e não dispensa um brinquedo.

Carlos Fernandes

Novo rumo Emily Esther Tusiime perdeu os pais, Justine e

Levi, para a Aids em 2005, ficando sozinha com mais quatro irmãos. Levada para o Centro de Saúde de Rwashameire, distrito de Ntungamo, seu futuro parecia selado quando a irmã mais velha, que ainda sustentava a família na lavoura, também morreu. Sem rumo, Emily pediu ajuda a um pastor da Igreja Pentecostal de Mbarara. Foi então encaminhada para a Vila das Crianças de Suubi, mantida pelo Ministério Watoto. Hoje, aos nove anos de idade, já tem consciência do que quer: “Quando crescer, vou ajudar outras crian-ças a terem um futuro como o meu.”

Page 22: Os caminhos do púlpito

20 | CRISTIANISMO HOJE

Dois mil anos depois, chamado de Cristo a Simão Pedro permanece como elemento básico da vocação pastoral

“Apascenta minhas ovelhas”

CAPA

EValter Gonçalves Jr

Estima-se que cerca de 90 mil pessoas, no Brasil, exercem a função de pastor evangélico. Segundo dados da Funda-ção Getúlio Vargas, um número quase cinco vezes maior do que o de padres, que, em 2006, chegavam a 18.685, de acordo com o Centro de Estatísticas Religiosas e Investi-gações Sociais, ligado à Igreja Católica. E se é difícil dizer com precisão quantos pastores há no país – a quantidade pode ser bem maior, já que a informalidade é regra e no-vas congregações surgem da noite para o dia –, também não é tão simples definir exatamente como é o seu traba-lho. O que para alguns é uma profissão como qualquer outra, com salários e metas a alcançar, para outros é o mais importante chamado divino, a que nada pode se comparar. Pelo país, pastores-animadores, pastores-em-presários e pastores-CEOs dividem espaço com ministros à moda antiga, que investem o tempo em ensinar, ouvir e aconselhar o rebanho de Deus. Entre doutores e leigos, ricos e pobres, seu modo de atuar é tão variado quanto sua formação.

Não por acaso, cursos de teologia proliferam no Bra-sil com tanta velocidade quanto as novas igrejas. Desde 1999, o Ministério da Educação (MEC) passou a reco-nhecer os seminários de teologia como cursos de nível superior, com as exigências comuns a qualquer outro tipo de faculdade. Dados do Instituto Nacional de Educação Pública (Inep) mostram que, entre seminários católicos e evangélicos, há 82 instituições reconhecidas – o que não

desmerece as demais. Vários dos melhores seminários evangélicos do país não foram atrás do reconhecimento do MEC e seguem com seus antigos currículos. Muitas delas são ligadas à Associação Evangélica de Ensino Teo-lógico na América Latina (Aetal), com sede em São Paulo, que congrega 120 estabelecimentos brasileiros reconheci-dos por sua excelência. Para ser filiado, o seminário tem que ter sua “declaração de fé” aceita e ainda precisa passar pelo crivo do Conselho Consultivo da Aetal. O objetivo, de acordo com o estatuto da associação, é “fortalecer a formação de líderes para a América Latina”.

“A procura por formação teológica tem sido imensa. O pentecostalismo clássico se abriu muito para o estu-do teológico, até para ter uma identidade de maior se-riedade”, explica Fernando Bortolleto, diretor-executivo da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (Aste) e professor do seminário da Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo. Com 47 anos de existência, a Aste tem 40 instituições filiadas, todas bem conceitua-das. A busca por profissionalização e de melhor preparo favorece o crescimento do interesse por teologia, afirma Bortolleto. Ele deplora, porém, a idéia de que a vida dos pastores seja fácil e com muito dinheiro. “A imprensa não coloca nas manchetes o que é mais normal, e sim o que causa estranheza”, declara, observando, no entanto, que há jovens que pensam na função pastoral como alterna-tiva diante de fracassos profissionais: “Há muito bacharel

Page 23: Os caminhos do púlpito

CRISTIANISMO HOJE | 21

Para o professor Fernando Bortoletto, a procura por

formação teológica tem aumentado no Brasil

em teologia sem qualidades mínimas para ser pastor”, diz, sublinhando a grande diferença entre estudar, mesmo em um bom seminário, e ser ordenado para o ministério.

Para Bortolleto, formação acadêmica é fundamental para o bom desempenho de um pastor evangélico, ainda que possuir um diploma não significa que se esteja pre-parado para exercer a função. “Ver o trabalho ministe-rial como profissão tem um lado positivo: o pastor deve ter seus direitos resguardados, pois é um trabalhador que precisa sustentar sua família. Mas formalizar a profissão, como outra qualquer, seria complicado”, avalia. No Brasil, a Justiça do Trabalho também tem entendido desta maneira. São comuns casos de pastores que processam igrejas com intuito de receber indenizações de cunho trabalhista. Os juízes, entretanto, têm negado esses pedidos e as decisões já geraram jurisprudência: “É inadmissível, em Direito, conceituar como de emprego a relação entre o pastor e sua igreja” (Arnaldo Sussekind e Délio Maranhão, in Pareceres sobre Direito do Trabalho e Previdência Social, LTr, p. 43). “O vínculo que une o pastor à sua igreja é de natureza re-ligiosa e vocacional, relacionado à resposta a uma chama-da interior e não ao intuito de percepção de remuneração terrena”, diz, em 2003, relatório do ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho.

Caminho rápido – Se as melhores universidades inves-tem no ensino a distância, pela internet, não poderia ser

diferente com os cursos de teologia brasileiros. As ofer-tas são muitas, e para todos os gostos. “A paz do Senhor Jesus”, diz amavelmente a consultora de vendas Yakyma Matos, de 22 anos. Ela fala de Ituiutaba (MG), e atende os interessados em obter um diploma de bacharelado, mes-trado ou doutorado em teologia pagando até R$ 2 mil por um curso à distância. “O diploma pode chegar em três meses, desde que esteja tudo pago”, informa. Basta o alu-no enviar ao Seminário Brasileiro de Teologia respostas para as perguntas que vêm com as apostilas, preparadas por Omar Silva da Costa. Apresentado como pastor e rei-tor, ele ostenta um currículo quilométrico, publicado no site. A reportagem o procurou, mas foi encaminhada a Marcos Marques Muniz, também pastor e relações públi-cas da instituição, que foi mais longe: “Somos o primei-ro seminário no Brasil e no mundo a ordenar pastores”,

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22 | CRISTIANISMO HOJE

CAPA

anuncia – e eles fazem isso também à distância. Pagando 1,2 mil reais por cinco apostilas e mandando de volta o questionário respondido, em três meses qualquer pessoa pode ter um “Diploma de Ordenação Pastoral”.

De acordo com Muniz, em 18 anos de existência, o Se-minário Brasileiro de Teologia já conta 34 mil alunos no Brasil e no exterior. Com desenvoltura, o pastor também diz que o título de “Doutor” é bíblico – “a pessoa estuda a profundeza de Deus” – e também pode chegar após um único trimestre. “Qualquer um no Brasil que tiver gosto por igrejas evangélicas pode alugar um salão e duzentas cadeiras, pendurar na porta uma placa e ser pastor da

própria congregação, como garante a Constituição”, jus-tifica. Pois para maior espanto daqueles que defendem o preparo formal de obreiros cristãos, dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional podem facilitar ainda mais o acesso de qualquer um ao título de teólogo (ver quadro).

O pastor Cyro Mello, secretário-adjunto da Conven-ção Geral das Assembléias de Deus do Brasil (CGADB), declara que a denominação estuda as medidas judiciais cabíveis contra o Seminário Brasileiro de Teologia. É que outro site do grupo, onde se vê a foto de Omar Silva da Costa, usa o nome “Convenção Geral das Igrejas da As-sembléia de Deus do Brasil” – uma sutil diferença. Ele diz que as Assembléias de Deus não costumam fazer nenhum caso com grupos que usam o nome da denominação sem pertencer a uma das convenções, a não ser em situações mais sérias. “Pessoas incautas, humildes, acabam se con-fundindo”, aponta Cyro, explicando que os pastores das Assembléias de Deus estudam pelo menos quatro anos e depois são avaliados pela denominação, para só então serem ordenados.

Pilar da Reforma – “Há um seminário em cada esqui-na. Pode-se comprar diplomas”, protesta o pastor Ro-berto Schuler. Filho de suíço com brasileira, 48 anos de idade, ele tem mestrado, doutorado e atuou como pastor da Igreja Batista na Basiléia e da Igreja Reformada, em Zurique. Agora, Schuler foi convidado pela Convenção Batista Brasileira para assumir a reitoria do Seminário Batista do Norte do Brasil (SBNB), em Recife (PE), uma instituição centenária. Ele evita criticar o ministério de leigos. “Não tenho nada contra o sacerdócio universal de todos os crentes, que é pilar da Reforma Protestante”, declara. “Numa localidade onde não haja ninguém com preparo formal, não sou contra uma pessoa leiga dirigir o trabalho, com amor e sacrifício pessoal”. O problema começa, avalia ele, quando a motivação é outra. “Pesso-as exploram comunidades inteiras, com cultos que giram

Se boa parte das denominações brasileiras têm incentivado seus pastores a buscar formação teológica, outro segmento evangélico parece trilhar caminho oposto. Dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional pretendem conferir o título de teólogo a quem simplesmente exerça algum cargo de liderança eclesiástica – aí incluídos os líderes de pequenas congregações independentes, missionários autônomos e até simples dirigentes de culto. Uma das propostas é do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. No entender do parlamentar, qualquer pessoa que exerça há mais de cinco anos a atividade de teólogo, mesmo sem qualquer formação, deve receber o título.

Já o projeto do ex-deputado peemedebista Victorio Galli, que é pastor da Assembléia de Deus no Mato Grosso, visa a considerar como teólogo desde quem administra comunidades religiosas até aqueles que simplesmente pratiquem a “vida contemplativa e me-ditativa” e realizem obras sociais de caráter cristão. Tais iniciativas, se transformadas em lei, permitiria que mais de um milhão de pes-soas fossem consideradas teólogos, mesmo sem qualquer estudo na área. Hoje, na maioria dos seminários brasileiros, a colação de grau em teologia exige pelo menos quatro anos de estudo em nível universitário. (Com reportagem de O Estado de São Paulo)

Há quatro décadas pregando a Palavra, Eduardo Emerich diz que o

chamado nasceu e cresceu com ele

Processos que facilitam obtenção de título de teólogo tramitam no Congresso Nacional

Vale-tudoDivulgação

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CRISTIANISMO HOJE | 23

CAPA

em torno da arrecadação. O ministério pastoral tem caí-do em descrédito, com muitos escândalos, devido a essa falsa teologia da prosperidade, que não é nem digna de ser chamada de teologia”, lamenta. “Na Suíça, um dos pa-íses da Reforma, ser pastor é coisa de um prestígio social tremendo. Os ministros têm curso reconhecido na uni-versidade, conhecem grego, hebraico, latim.”.

“Estudei sete anos e meio, fiz um dos seminários mais exigentes e sei que muita coisa ainda falta”, reconhece, por sua vez, Alceu Lourenço de Souza Jr., de 36 anos, que tirou a maior nota no exame nacional de avaliação que a Igreja Presbiteriana do Brasil faz entre todos os semi-nários da denominação. Casado e com três filhos, Alceu, que era garçom, se candidatou e esperou dois anos para ser indicado pela sua congregação para começar a estudar no Seminário Teológico Presbiteriano, em São Paulo. E rebate a idéia de que tornar-se pastor é mera opção pro-fissional ou uma chance para ter tranqüilidade financeira. “Senti um peso de responsabilidade pela igreja. Em nossa denominação o pastor não é dono da igreja nem do cofre, e costuma ter a remuneração média dos membros”, expli-ca. Quanto aos pastores leigos, Alceu é taxativo: “Se Deus

já está usando quem não tem instrução, creio que esse irmão deva buscar o máximo de formação que puder. Por que repetir erros por falta de conhecimento?”, conclui.

“A Bíblia diz que Paulo fazia tendas e que Neemias construiu os muros da cidade de Jerusalém. Pois eu sou pedreiro e pastor”, diz José Antonio Fernandes Espinela, de 51 anos, pastor da Assembléia de Deus Ministério Gló-ria, na favela da Lagartixa, em Costa Barros, subúrbio do Rio de Janeiro. Nascido e criado no Evangelho, Fernan-des, como é conhecido, estudou até a 5ª série do ensino fundamental e parou aos 17 anos, para trabalhar. Fez um curso de teologia básica em uma Assembléia de Deus e depois ordenado por um pastor pentecostal. “Sou respei-tado na comunidade, mesmo entre os traficantes”, conta Fernandes, acrescentando que seu ministério tem levado muitos bandidos a Cristo. A igreja funciona em sua pró-pria casa e reúne 40 pessoas. Seu trabalho pastoral? Evan-gelizar, orar e visitar as pessoas que sofrem. “O povo é po-bre e não pode ajudar muito, então também faço trabalho de pedreiro. Algumas pessoas sentem no coração e dão ofertas, que são bem-vindas. Não peço nada, mas vivo da fé”, resume o pregador, que é casado e tem dois filhos.

Page 26: Os caminhos do púlpito

24 | CRISTIANISMO HOJE

CAPA

Em Ourinhos, cidade do interior paulista, o pas-tor presbiteriano Eduardo Emerich, no melhor estilo calvinista, afirma que seu ministério estava decidido “desde o ventre” de sua mãe. Para ele, o pastorado não se trata mesmo de profissão. “O chamado nasceu e cresceu comigo. Ministério é vocação. Eu me dispus a exercê-lo e nunca dependi financeiramente da igreja”, ressalta, explicando que há 39 anos divide o tempo en-tre a congregação, que nunca passou de 150 membros, e o magistério, de onde tira seu sustento. “São quatro horas diárias para a igreja e quatro para a escola. For-mei várias gerações de bons cristãos e bons cidadãos”, sublinha Emerich. Ao contrário do que muita gente pensa, ele afirma que ser pastor não dá lucro. “É como jogador de futebol; uns três ou quatro fazem sucesso e o resto apenas vive de modo satisfatório”, compara.

“Vasos de barro” – Para David Kornfield, fundador do Ministério de Apoio a Pastores e Igrejas (Mapi), as maiores dificuldades do ministério pastoral hoje são se-minaristas sem claro sentido de vocação, as famílias dis-funcionais dos futuros líderes e a ausência de mentoria espiritual. Ou, como prefere dizer, a falta de “pastoreio de pastores”, o que, acredita, poderia resgatar o sentido da vocação bíblica. Americano radicado em São Paulo e com doutorado em educação, Kornfield dá valor aos pe-quenos grupos, que buscam praticar o discipulado cris-tão e dividem suas experiências – o que chama de “pas-toreio mútuo”, ao estilo da Igreja primitiva. Ele acredita que a tendência, em geral, é as igrejas darem cobertura

Informalidade é a regraO ofício de pastor evangélico é reconhecido na Classificação

Brasileira de Profissões, que o agrupa na categoria de “minis-tros de culto, missionários e teólogos”. Mas não é uma ativida-de regulamentada e não existem normas para exercê-la no país. Cada denominação ou grupo religioso usa as próprias regras, o que inclui a forma de remuneração – e a maioria dos pastores e igrejas prefere assim. Afinal, é bom manter uma distância segura entre Estado e religião. Uma associação denominada Conselho Federal de Teólogos, criada há pouco tempo, tem, no entanto, reivindicado a regulamentação da profissão.

Segundo a assessoria de imprensa do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), ministros religiosos contribuem, em sua maioria, como profissionais autônomos, mas o órgão não sabe informar o número de pastores segurados ou quanto é a contribuição média dessa categoria. A ausência de regulamen-tação é a razão do Ministério do Trabalho também não saber informar o número exato de profissionais do gênero.

Ricardo Barbosa, da Igreja Presbiteriana: “A vocação mantém

os olhos e a mente voltados para a cruz

de Cristo”

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aos pastores leigos e gradativamente ajudá-los com mais conhecimento bíblico, maturidade e firmeza emocional e espiritual. “As denominações tradicionais estão se abrin-do para esta realidade e têm que se abrir mais, se não qui-serem ser deixadas para trás”, comenta.

“A vocação leva as pessoas a manter os olhos e a mente voltados para Deus e para a cruz de Jesus Cristo”, sinteti-za o pastor Ricardo Barbosa de Sousa, 52 anos, 25 deles à frente da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília (DF). Ele dá aula de teologia pastoral no Seminário Pres-biteriano de Brasília e ministra cursos no Seminário Te-ológico Servos de Cristo, de São Paulo. Barbosa lembra que o ministro tem a missão de viver como vaso de barro que leva o tesouro da Palavra de Deus, como descreveu o apóstolo Paulo: “Ele não tem poder nem sobre o serviço nem sobre o povo. Nenhum deles é seu”, continua. “O im-portante é o tesouro, a Palavra, mas muitos supervalori-zam o barro, que só é valioso se permanece barro”.

Ele aponta para armadilhas no caminho dos pastores. “Duas palavras são muito usadas pelo diabo: a primeira é ‘leigo’, e 99% da igreja é qualificada nessa nomenclatura que a afasta de seu chamado. A outra palavra perversa é ‘profissional’, cujo foco é produtividade, renda, com-petência, ganho. Essa despersonalização leva o pastor a virar um executivo, um gerente religioso”, avalia. Para ele, a qualificação é pouco determinada em termos acadêmi-cos. “Há o aspecto afetivo: ‘Pedro, tu me amas?’, pergunta Jesus. E o que fez de Pedro alguém preparado para apas-centar as ovelhas de Deus foi a intensidade de seu afeto para com o Senhor. O mais simples dos pastores, ao res-ponder ‘tu sabes que te amo’, fará o melhor”, sentencia. (Colaborou Treici Schwengber)

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CRISTIANISMO HOJE | 25www.editorafi el.com.brEditora Fiel

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26 | CRISTIANISMO HOJE

ESPECIAL

Molly Worthen

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L’Abri não é mais o mesmoCelebrizada por sua importância para o protestantismo contemporâneo, a

casa de Francis Schaeffer mudou e tem à sua frente novos desafios

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Sala de aula em L’Abri, com os Alpes suíços refletidos na janela: recanto

idílico fundado por Francis Schaeffer há meio século ainda atrai muita gente,

mas interesses hoje são outros

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EA localização não poderia ser mais privilegiada. Incrus-tada nos Alpes suíços, L’Abri oferece aos seus estudantes e freqüentadores uma visão deslumbrante de montanhas cobertas de neve, vales salpicados de verde e céu de um azul profundo. Para se chegar lá, é preciso atravessar uma estrada que serpenteia desde a cidade de Aigle, um trajeto daqueles de embrulhar o estômago. O isolamento, pro-posital, é um convite à reflexão. Com três andares cons-truídos em madeira de pinho escura, o chalé principal ostenta flores nas janelas e uma deliciosa combinação de móveis rústicos, tapetes, lareiras e salas aconchegantes. Quem não esteve fora do mundo evangélico nos últimos 50 anos sabe que aquele espaço idílico é muito mais do que um centro de estudos cristãos. A casa onde Francis Schaeffer viveu e trabalhou testemunhou o florescimento de uma das mais interessantes experiências do protestan-tismo contemporâneo. Hoje, contudo, seu público é bem diferente dos filósofos céticos e dos jovens idealistas que freqüentaram o lugar enquanto Schaeffer viveu. Reflexos da Igreja Evangélica do século 21, os novos alunos de L’Abri sobem os Alpes em busca de significado para suas vidas. Quem chega lá se depara com o que L’Abri se tor-nou: uma comunidade ambivalente a respeito do legado de Schaeffer, cansada e adoentada com a cultura evangé-lica fundamentalista.

Meio século após a criação de L’Abri e mais de 24 anos depois da morte de seu fundador, os estudantes trazem questionamentos bem diferentes das primeiras gerações de hóspedes da casa – e olham com desaprovação a fé po-litizada que os escritos de Schaeffer ajudaram a criar. A jornada espiritual sempre foi prioridade para aqueles que chegam à L’Abri, nome cujo significado (“O Abrigo”) já diz tudo. A rotina diária mudou pouco durante os anos, uma combinação de interação comunitária e estudos privados estipulada para facilitar o crescimento pessoal. Tarefas ocupam metade do dia e os estudantes passam a outra metade lendo, assistindo aulas, participando de de-bates e ouvindo palestras gravadas na Farel House, o cha-lé utilizado como a capela de L’Abri e que hospeda uma biblioteca.

Ex-alunos de décadas passadas que visitam o local percebem a mudança. “As pessoas que estão aqui agora são mais superficiais” diz Kyle McCormick, que esteve lá pela primeira vez em 1982. Os monitores e funcionários, muitos dos quais estão ali desde os tempos em que Schae-ffer, visto como uma espécie de guru, sentava-se naquelas poltronas rodeado de discípulos, concordam que a ênfase mudou para assuntos mais pessoais. Nos encontros que realizam para instruir os estudantes, eles encontram di-

ficuldade em trazer os jovens para fora de suas próprias mentes – o que, nestes tempos de individualismo espiri-tual, parece cada vez mais difícil.

“Espiritualidade pessoal” – Os estudantes se apertam sentados no chão com as pernas cruzadas e dividem his-tórias sobre seus romances passados, paqueras e relacio-namentos que não deram certo. Essa atmosfera de festa do pijama geralmente acaba após um mês do começo do semestre, quando o pessoal se equilibra e começa a con-frontar as reais razões de deixar de lado a segurança da família, a escola e o trabalho para passar uma temporada em L’Abri. Então, os alunos hóspedes começam a ques-tionar sua fé – ou a falta dela – por meios bem diferentes da apologética de Francis Schaeffer. Os poucos que leram qualquer um de seus livros o consideram obsoleto. A fi-losofia moderna, alvo de muitos escritos de Schaeffer, e o existencialismo parecem ultrapassados. “Agora a questão é: existe alguma verdade?” indaga o canadense Thomas Rauchenstein.

A crítica pós-moderna à verdade é mais um fator no pensamento dos estudantes. Chris Martin, de 23 anos, ouviu falar de L’Abri quando estava em seu primeiro ano na Universidade da Carolina do Sul. Seu perfil é seme-lhante ao de milhões de outros jovens americanos – de família evangélica, Chris sentia-se paralisado pelas ex-pectativas depositadas nele enquanto estava em casa. Seu papel como líder no ministério estudantil não deixava tempo livre para que ele compreendesse suas próprias dúvidas espirituais. Quando chegou a L’Abri no ano pas-sado, na última primavera, recebeu a indicação para ler o livro O Deus que se revela, uma das mais celebradas obras de Schaeffer, escrita em 1972. Não ficou impressionado: “Schaeffer fez muitas afirmações, mas não tinha base para muitas”, critica. “Ele era muito didático”.

Acontece que nem Chris nem a maioria dos estudan-tes da nova geração de L’Abri sabem exatamente o que querem obter da experiência de passar pelo menos seis meses nos Alpes suíços. Encontrar alguma autenticidade parece-lhes mais importante do que vencer debates com intelectuais seculares ou fazer digressões acerca do traba-lho de grandes pensadores cristãos. Apesar de a maioria se apegar firmemente aos valores sociais conservadores, eles se entristecem com aqueles que assumem que sua fé é ligada a uma posição política prescrita. “Não quero ser rotulada de garota branca americana que vota no Bush”, resume outra estudante da última temporada de L’Abri, Amélia Hendrix, filha de pastor. Paradoxalmente, uma das maiores críticas que se faz hoje ao legado de Francis

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ESPECIAL

Schaeffer é à suposta instrumentalização teórica que ele teria fornecido à direita religiosa americana. Coisa que muitos questionam.

Contracultura – Pouco tempo após a chegada de Francis e Edith Schaeffer à Suíça, em 1948, como missionários enviados pela Junta das Igrejas Presbiterianas Bíblicas dos Estados Unidos, sua filha mais velha, Priscilla, trouxe para casa amigos universitários que queriam conversar com seu pai sobre religião. A hospitalidade de Edith e a dispo-sição de Francis em responder questões que muitos cris-tãos evitam logo se espalhariam. O número de visitantes cresceu em proporções geométricas. Assim nasceu L’Abri, em 1955, um tempo em que a fé cristã experimentava cer-ta estagnação – mas a casa dos Schaeffer cumpriria um papel importante na mudança daquele quadro. Entre a criação do espaço e o início dos anos 1970, o ministério atraiu jovens europeus, estudantes de filosofia moderna e existencialismo, bem como mochileiros americanos de passagem pela Europa.

“Naquela época, você encontrava um temperamento de contracultura ali”, define Ronald Wells, professor emé-rito de Calvin College, que visitou L’Abri no fim dos anos 1960 por três vezes. Schaeffer acreditava que um verda-

visitantes, digamos, mais profanos. Timothy Leary, ícone da contracultura e divulgador dos supostos benefícios es-pirituais do LSD, visitou a comunidade duas vezes.

Só que a atmosfera de L’Abri mudou enquanto a popu-laridade de Schaeffer crescia entre os evangélicos ameri-canos. Em 1965, Harold O. J. Brown, naquela época pastor na Park Street Church em Boston, convidou-o para uma série de palestras no Wheaton College. As conferências foram totalmente diferentes de tudo o que a audiência havia ouvido antes. Usando seu famoso diagrama para traçar o declínio do Ocidente, Schaeffer citou pensadores diversos, como Leonardo da Vinci e Karl Barth, em uma narrativa confiante de que procurava demolir a filosofia secular moderna e promover o Cristianismo. “Ele falava sobre cineastas como Fellini e Bergman numa época em que Wheaton pedia que seus estudantes não assistissem filmes”, destaca Greg Laughery, atual diretor do L’Abri.

A fama de Schaeffer crescia. Ele passava cada vez mais tempo proferindo palestras na América, emplacando seus livros nas listas dos mais vendidos e, quando podia retor-nar à Suíça, passava tempo entretendo uma multidão de peregrinos. Nessa fase, envolveu-se numa grande frente “pró-vida” e contra a prática do aborto, então legalizado nos EUA, e de combate ao homossexualismo – temas que logo foram encampados por grupos conservadores como a Maioria Moral de Jerry Falwell, processo que Schaeffer definiu como “co-beligerância”.

Guinada conservadora – Na metade da década de 1970, a dinâmica de L’Abri já havia mudado radicalmente. “Es-tudantes argumentavam muito com ele nos primeiros dias”, lembra John Sandri. Ele casou-se com Priscilla após ter sido convidado por um amigo em comum para visi-tar os Schaeffer. “Mas depois, você fazia uma pergunta e recebia um monólogo de quarenta minutos. Não era mais possível argumentar”. Os antigos seguidores se dis-tanciaram dele durante os últimos anos de sua carreira, justamente o tempo onde ele demandava fervorosamente sua lealdade.

O processo de afastamento acirrou-se quando Schae-ffer começou a fazer conexões com políticos conserva-dores. Em 1974, seu filho Frank o persuadiu a colaborar com uma série de documentários. Após o grande sucesso do filme Como devemos viver então?, de 1977, Schaeffer continuou com seu padrão de aparar as arestas dos eru-ditos e dar novo formato à história para apoiar seus pró-prios argumentos. No início de 1980, ele contratou John Whitehead, fundador do Instituto Cristão Rutherford, para pesquisar um livro sobre a base cristã da América. O

John Sandri admite que a dinâmica da instituição mudou radicalmente: “Contudo, continuaremos a existir enquanto a Igreja colocar à margem tantos jovens”

deiro espírito cristão exigia que ele e Edith recebessem em sua casa jovens que tentavam enquadrar a Bíblia com Sartre e Kierkgaard, e admitia que poderia aprender com eles. A coisa cresceu tanto que chamou a atenção de outros

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resultado foi historicamente dúbio, mas muito influente, sob o título Manifesto cristão.

Lançado em 1981, apenas três anos antes de sua morte, o trabalho foi decisivo para consolidar a idéia de que o pensa-dor progressista, festejado por suas idéias arrojadas acerca da fé cristã, dera uma guinada. Schaeffer foi ultrajado pelos historiadores evangélicos que recusaram apoio à afirmação do livro de que os “pais fundadores” agiram explicitamente com motivações cristãs. Àquela altura, o célebre pensador se tornara um paladino da chamada moral e bons costu-mes. Os colaboradores mais próximos preocuparam-se com o rumo político que seu líder tomara. “Conversei com Schaeffer sobre seu apoio à guerra da Maioria Moral. Na minha perspectiva, aquilo foi um erro”, lembra Laughery. Já o genro John Sandri, que ainda mora com a mulher em L’Abri, cansou-se de discussões como a da inerrância bíbli-ca, tema que apaixonou Schaeffer por tantos anos. “Não sou a favor da inerrância, mas também não sou a favor da ‘errância’. Ambas estão erradas. O homem os torna pontos de vista opostos, mas a agenda moderna apóia ambas.”

Legado incerto – Tal visão não-ortodoxa é uma imagem do que L’Abri se tornou. Hoje, parece não haver mais utilidade para a pressuposta apologética de Schaeffer, a do “Cristianismo ou nada”. Colabora para o questio-namento de seu legado o livro Crazy for God (“Louco por Deus: Como eu cresci como um dos eleitos, ajudei a fundar a direita religiosa e vivi para retirar tudo – ou quase tudo – que disse”), escrito por ninguém menos que filho e braço direito de Schaeffer, Frank, e lançado ano passado. Como o título sugere, a obra provocou um verdadeiro terremoto no legado de Francis Schaeffer. No melhor estilo mea culpa, Frank renega uma série de postulados espirituais pelos quais se bateu anos a fio e faz uma dura crítica ao movimento político que, na sua opinião, o pai ajudou a criar.

“Como análise geral, o livro pode ser visto como uma crítica ao estilo de vida evangélico, já que Frank assume ao final como deixou a religião dos pais e vive uma espé-cie de espiritualidade ortodoxa em que percebe Deus nos fatos da vida, nos erros e acertos, sem qualquer tipo de

Nova geração: quem chega hoje ao célebre recanto dá mais importância aos temas individuais que ao debate filosófico

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ESPECIAL

dogmatismo”, observa o pastor batista Guilherme de Car-valho, mestre em Teologia e em Ciências da Religião. Ele firmou parceria para implantar o L’Abri no Brasil, projeto que já está em andamento (ver quadro). Guilherme con-sidera um grande erro descartar as idéias de Schaeffer in toto, como se elas de fato fossem a origem de seu apoio ao fundamentalismo americano. Quanto ao conteúdo do

L’Abri no Brasil

Fruto de uma parceria com o Conselho Diretor da L’Abri Fellowship International, o projeto do lançar no Bra-

sil uma filial da entidade já está em andamento. O repre-sentante no Brasil é o pastor e professor Guilherme de Carvalho, que passou uma temporada de treinamento na Europa, onde conheceu não apenas o L’Abri suíço, como os da Inglaterra e da Holanda. “A partir daí, recebemos a incumbência de iniciar um centro de referência destinado a promover cursos, mentoria para estudantes e profissionais e aconselhamento, além de organizar retiros e conferên-cias”, descreve Guilherme.

O projeto está sendo desenvolvido em Belo Horizonte (MG). “Estamos constituindo a nossa estrutura; não temos ainda um lugar para centralizar as nossas atividades. Mas todos os L’Abris começaram assim”, explica, acrescentan-do que, tão logo haja condições de adquirir uma proprie-dade, será montado um centro residencial que possa rece-ber pessoas por longos períodos. “L’Abri Brasil será, como todos as outras unidades ligadas à instituição, estritamente interdenominacional, aberto a cristãos de todas as confissões e também a pessoas que não praticam nenhuma religião”, explica o pastor.

livro de Frank, o pastor critica seu estilo sensacionalista. “O excesso de denúncias de faltas de pessoas próximas, sobretudo dos pais, desloca o eixo do livro e fortalece o estigma de que o filho sempre gravitou em torno da obra de Schaeffer.”

“Schaeffer foi um homem que viveu à frente de seu tempo. Sua análise crítica da cultura e da sociedade da sua época continua relevante e atual”, defende o professor Augustus Nicodemus Lopes, pastor e chanceler do Insti-tuto Presbiteriano Mackenzie, de São Paulo. Segundo ele, o mérito de Schaeffer foi ter percebido como poucos os efeitos a longo prazo, no Cristianismo e na sociedade glo-bal, da pós-modernidade, que começou a se manifestar em seus dias. “Os temas aos quais Schaeffer se dedicou e sobre os quais escreveu são os mesmos que estamos dis-cutindo hoje, como ecologia, ética na tecnologia, globa-lização, pluralismo e relativismo. Todos que buscam hoje uma análise social e cultural crítica consistente, justa e inteligente, do ponto de vista evangélico, encontram nas obras de Schaeffer um apoio inestimável”, avalia.

O pastor Caio Fábio D’Araújo Filho, dirigente da Co-munidade Caminho da Graça, reconhece que foi bastante influenciado por Schaeffer no início de sua formação. “Li seu livro A morte da razão, que trata da queda do homem e suas conseqüências universais, em 1975. Na época, o tema estava muito presente e relacionado a questões fi-losóficas básicas.” O pastor ressalta ainda a influência de Schaeffer no Congresso Mundial de Evangelização, reali-zado em Lausanne, ali mesmo na Suíça, em 1974 – evento que lançou as bases do evangelicalismo, cuja ênfase prin-cipal é a missão integral da Igreja. Embora considere que o movimento de L’Abri tenha sido o “salvador dos filhos dos crentes americanos ricos em crise”, Caio acha injusto atribuir a Schaeffer um papel decisivo na formação da di-reita cristã dos EUA. “O que ele deu àquele segmento foi um emblema novo: era o Schaeffer dos hippies que pas-sou a falar contra a eutanásia e outros temas da direita na América; e que propunha piquetes e barricadas na frente das clínicas de aborto”, sustenta.

Para os poucos que chegam a L’Abri hoje, contudo, a comunidade ainda conserva algo de sua aura marginal – ou, ao menos, trata-se de uma etapa importante na busca pessoal por algo que quase nenhum dos estudantes sabe exatamente o que é. “L’Abri continuará a existir enquan-

to a Igreja Evangélica colocar à margem tantos jovens”, sintetiza John Sandri. “Noventa por cento dos que vêm aqui dizem: ‘Eu creio nas coisas certas, mas minha fé não é real’”. (Tradução: Karen Bomilcar; redação e adap-

tação: Carlos Fernandes)

Grupo de trabalho prepara instalação de L’Abri no Brasil

Legado de Francis Schaeffer (1912-1984) tem sido questionado devido à sua suposta ligação com a direita

evangélica americana

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PAVAZINE# | Sérgio Pavarini

Rebeldes sem calça

“O mover de Deus está aqui. Nada pode impedir você de sentir o fluir e o derramar da unção. Olhe para o irmão do seu lado e diga: ‘Resisti ao frio e ele fugirá de vós’.”

Participar dos cultos em determina-das igrejas é um programa que exige alto grau de paciência e resignação, qualquer que seja a estação do ano. Raras comuni-dades mantêm-se imunes aos maneiris-mos e frivolidades do dialeto gospel no “momento da adoração”. Outro expe-diente infalível para provocar bocejos é o recorrente saudosismo dos “bons tem-pos” da música cristã. Em todos os luga-res, há tiozinhos de barriga protuberante repetindo que “naquela época o louvor era genuíno, sem a superficialidade de hoje”. Zzzzzz...

O que existe no hiato entre o discurso seboso que enaltece a década de 1970 e essa geração que introduziu mantras e lamúrias no louvor? O expediente de en-contrar culpados para eximir nossa pró-pria culpa é de pouca valia na hora da reflexão. Se os heróis do Cazuza morre-ram de overdose, ainda mais complicada é a situação de quem encontra escassos referenciais para pautar seus sonhos.

Ignorados ou tratados como imbecis pelo meio editorial, os jovens encontra-ram na internet alguns expedientes para suprir essa orfandade. Na declinante indústria fonográfica gospel, poucos so-brevivem aos 15 minutos de fama pre-conizados por Andy Warhol. Mesmo assim, a aspiração ao estrelato consome a energia e o tempo de milhares de “le-vitas” – claro que devidamente camufla-da sob o discurso de “Deus me chamou para evangelizar através da música”. Infelizmente, poucos são vocacionados para interagir nas universidades e nos pólos culturais.

Em consonância com a poesia de

Pressionados pela concorrência do vestibular e pela conquista ainda mais difícil de uma vaga no mercado de tra-balho, muitos sucumbem à indolência macunaímica. Os males do sedentaris-mo são bem conhecidos. Desnudar a juventude evangélica de hoje revela as nádegas flácidas de uma geração que parece ter saído do nada e caminhar para o lugar comum. Blaise Pascal fala-va em duas alternativas: desistência por meio da covardia ou o escape, por inter-médio do orgulho. Será que não há luz divina no fim desse túnel? “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradi-ção genética”, dizia o Che Guevara. Será que depois das gerações hippie e Coca-Cola teremos a geração H2OH, cujo conflito de identidade a confina em uma zona indefinida entre ser água ou refrigerante?

O conselho de Nelson Rodrigues é bem conhecido: “Jovens, envelheçam”. Minha recomendação é assaz diferente: rebelem-se. É hora de assestar contra a mediocridade reinante no meio do rebanho, contra a lassidão intelectual, contra as cassandras transmissoras do germe da culpa, contra o abuso de líde-res tiranos, contra a indigência artística e até contra minhas diatribes. Dono de lentes argutas e dramáticas para ob-servar o mundo, Caio Fernando Abreu registrou um laivo de esperança que, a despeito de tudo e de todos, joga para escanteio minha angustiante sensação de impotência. “Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.”

Sérgio Pavarini é jornalista, marqueteiro e editor da

newsletter semanal Pavazine. Blog: pavablog.blogspot.com

E-mail: [email protected]

“O que existe no hiato entre o

discurso seboso que enaltece a década de 1970 e essa geração

que introduziu mantras e lamúrias

no louvor?”

Gilberto Gil, a alma de boa parte dos que pululam nos palcos musicais eclesi-ásticos “cheira a talco”. Necessário lem-brar o outro adágio que apregoa não ser nada confiável o bumbum dos bebês. A alternância de odores sinaliza que é hora de trocar as fraldas e fazer a devi-da assepsia. Líderes de todo o país so-frem nas mãos do que convencionou-se chamar de “sensibilidade dos músicos”, eufemismo para escamotear a constante contrariedade a qualquer tipo de inge-rência. Se um número especial da galera é cancelado, imediatamente o grupo é banhado pela “unção do beicinho”. Fral-das cheias de novo!

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AA primeira vez que ouvi o pastor e conferencista Bill Hybels foi em um programa de rádio, cerca de dez anos atrás. Era uma mensagem dirigida à sua igreja sobre a importância da solitude, do silêncio e de outras discipli-nas espirituais para a espiritualidade dos nossos dias. Os anos se passaram e o ouvi novamente – desta vez, em uma conferência para plantadores de igrejas. Era um auditório com quase duas mil pessoas, muitas das quais sonhando iniciar uma nova comunidade cristã. Quan-

do Hybels foi anunciado e se dirigiu ao púlpito, toda a multidão ficou de pé para aplaudi-lo. Aquela reação de respeito era a visível demonstração da enorme influên-cia do seu ministério, na medida em que representa uma inspiração consciente para as novas igrejas e um modelo de “sucesso” inconsciente para as igrejas já estabelecidas. Afinal de contas, do ponto de vista dos recursos huma-nos e financeiros que foram atraídos pela igreja sob sua liderança – e que estão à disposição do seu ministério –,

Formação espiritual: a explosão necessária

ESPIRITUALIDADE | Eduardo Roda Pedreira

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“Hoje, não sabemos como formar espiritualmente as pessoas”

CRISTIANISMO HOJE | 35

Bill Hybels não experimentou os resultados tão sonha-dos por muitos?

É exatamente neste ponto que reside a vital importância de suas recentes declarações feitas na famosa conferência de liderança realizada anualmente na Willow Creek, igreja da qual é pastor, retransmitida para várias partes do mundo. As conclusões a que chegou após uma pesquisa feita no âmbito do seu ministério local e em outras igrejas ligadas à sua rede ministerial, sobre o crescimento e maturidade espiritual das pessoas que afluíam atraídas pelos excelentes programas ofe-recidos, o levaram a fazer as seguintes afirmações, conforme reportagem publicada aqui mesmo, na segunda edição de CRISTIANISMO HOJE: “Algumas das coisas em que inves-timos milhões de dólares, pensando que auxiliariam as pes-soas a crescer e se desenvolver espiritualmente, não estavam ajudando tanto”. Segundo Hybles, os estudos mostraram que outros aspectos mais convencionais da vida cristã – e que não requerem tantos recursos financeiros e humanos – são justamente “as coisas pelas quais as pessoas estão claman-do”. E confessa, de forma literal e taxativa: “Nós cometemos um erro. O que deveríamos ter dito e ensinado às pessoas quando elas atravessaram a linha da fé e se tornaram cristãs é que devem tomar responsabilidade para se nutrirem. Nós deveríamos ter cuidado das pessoas, ensinado-as a ler suas Bíblias entre os cultos, bem como a praticar suas disciplinas espirituais mais agressivamente, de forma individual”.

Considerada a influência do ministério de Bill Hybels – hoje, ele é espelho para muitos outros líderes –, estas de-clarações não poderiam passar despercebidas. Ao contrário, devem ser tomadas e unidas a outras vozes que já vinham denunciando o fato de que a igreja deixou de ser uma co-munidade de discípulos e se tornou um encontro de con-sumidores sem compromisso com qualquer transformação pessoal. Neste cenário, compreende-se então a urgente ne-cessidade de colocarmos como eixo central de nossa ecle-siologia, missão e espiritualidade o chamado de Jesus na Grande Comissão à formação espiritual. O velho “Ide e fazei discípulos” raramente praticado, é a ênfase da qual nunca deveríamos ter nos afastado. É acerca disso mesmo que Dallas Willard, em seu livro O espírito das disciplinas, nos adverte: “O fato é que nossas igrejas e denominações não

têm perseguido construir planos intencionais, bem feitos, para discipular seus membros. Você não encontrará nenhu-ma liderança largamente influente da igreja que tenha um plano – não um vago desejo ou sonho, mas um plano – para implementar todas as fases da Grande Comissão”. É a esta ausência que Willard chama de “a grande omissão”.

Dado nosso afastamento do chamado primordial, hoje não sabemos como formar espiritualmente as pessoas. Não temos pais, mestres, mentores espirituais ou discípulos ha-bilitados para executar esta tarefa. É claro que isso se expli-ca pelo círculo vicioso que temos colocado em ação, dentro do qual, líderes despreparados e sem interesse na formação espiritual de seus seguidores alimentam uma geração de consumidores. Nossa espiritualidade está diante de uma encruzilhada: ou continuamos no caminho do impacto ou retornamos à explosão iniciada por Jesus. Para impactar o público, precisamos apenas de líderes carismáticos ca-pazes de gerir grandes projetos que atraem pela qualidade dos programas oferecidos; já para causar a explosão que o Evangelho propõe, é necessário que tenhamos homens e mulheres crescidos e maduros espiritualmente, que te-nham iniciado a interminável, porém fascinante, jornada da formação espiritual.

Para esta explosão acontecer na vida cotidiana da nossa igreja, basta que cada um de nós tenha coragem de viver a velha lição que já sabemos de cor: “Ide, portanto, fazei dis-cípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado.”

Eduardo Rosa Pedreira é pastor da Comunidade Presbiteriana da Barra da Tijuca e Presidente do Renovare

Brasil. [email protected] – www.renovare.org.br

ESPIRITUALIDADE | Eduardo Roda Pedreira

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O céu não é a questão

36 | CRISTIANISMO HOJE

NNão há acordo na Igreja hoje em dia sobre o que acontece com as pessoas quando morrem, embora o Novo Testamento seja claro sobre o assunto. Paulo fala da “redenção do nosso corpo” em Romanos 8.23. Não há espaço para dúvidas sobre o que ele quer di-zer: ao povo de Deus é prometido um novo tipo de existência corporal, a completude e redenção da nos-sa vida corporal presente. O resto dos primeiros es-critos cristãos, onde este assunto é abordado, estão em completa sintonia com isto.

O quadro tradicional de pessoas que vão para o céu ou para o inferno como uma jornada pós-morte, com um estágio de duração, representa uma séria distor-ção e diminuição da esperança cristã. A ressurreição do corpo não é nada diferente desta esperança – é o elemento que dá forma e significado ao resto da his-tória dos últimos propósitos de Deus. Se resumida, como muitos têm feito, ou até deixada de lado, como outros fizeram explicitamente, perde-se esta visão extra, uma espécie de “peça central” da fé, que a faz funcionar. Quando falamos com precisão bíblica so-bre a ressurreição, descobrimos uma base excelente para um trabalho cristão criativo e vivo no mundo presente, e não, como alguns supõem, mero escape ou devoção sacrificial.

TEOLOGIA | N.T. Wright

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CRISTIANISMO HOJE | 37

Enquanto o paganismo greco-romano e o judaís-mo possuíam uma grande variedade de crenças sobre vida após a morte, os primeiros cristãos, a começar por Paulo, eram memoravelmente unânimes acerca do tema. Quando Paulo fala, em Filipenses 3, sobre a “cidadania dos céus”, o apóstolo não quer dizer que vamos nos aposentar na eternidade após terminar nosso trabalho aqui. Ele diz na linha seguinte que Jesus virá dos céus para transformar nossos corpos humilhados do presente em um corpo glorioso como o seu. O Senhor fará isto através do seu poder, já que tudo está sob o seu domínio. Esta declaração contém, em suma, mais ou menos o que Paulo pensa sobre o assunto. Jesus ressurreto é tanto o modelo para o cor-po futuro dos cristãos como a forma pela qual este corpo chegará.

O corpo ressurreto de Jesus, que para nós é qua-se inimaginável neste momento em toda a sua glória e poder, será o modelo para o nosso próprio corpo. Mas a passagem mais clara e forte é a de Romanos 8.9-11. Se o Espírito de Deus habita em alguém, en-tão aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos

dará vida a seu corpo mortal. Outros escritores do Novo Testamento apóiam essa idéia. A primeira carta de João declara que, quando Jesus aparecer, seus ser-vos se tornarão como ele, pois o verão como é. Cristo reafirma a ampla expectativa dos judeus sobre a res-surreição no último dia e anuncia que a hora já havia chegado: “Eu lhes afirmo que está chegando a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e aqueles que a ouvirem, viverão”. De outra feita, garante: “Não fiquem admirados com isso, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão – os que fize-ram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados”.

É claro que haverá uma futura completude envol-vendo a última ressurreição. A compreensão teológi-ca em Lucas não deixa dúvidas, sobretudo no que se refere à passagem do ladrão da cruz – aquele que ou-viu do Salvador as seguintes palavras: “Hoje, estarás comigo no paraíso”. Lucas deve ter compreendido tal afirmação como uma referência a estar na eternidade. Com Jesus, a esperança futura chega ao presente. Para

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TEOLOGIA

38 | CRISTIANISMO HOJE

N. T. Wright é bispo de Durham para a Igreja da Inglaterra. Extraído de seu último livro Surprised by

Hope (Surpreendido pela esperança)

aqueles que morrerem na fé, antes do acordar final, a promessa central é estar com Jesus de uma vez. “Meu desejo é partir e estar com Cristo, o que é muito me-lhor”, disse Paulo.

Aqui precisamos discutir o que Jesus quer dizer quando declara que “há muitas moradas” na casa de seu Pai. Tal descrição tem sido muito utilizada, não só no contexto de perdas para dizer que os mortos (ou pelo menos os cristãos que partem) simplesmente irão para o céu permanentemente, ao invés de serem ressuscitados subsequentemente para uma nova vida corpórea. Mas a palavra “moradas” – monai –, é regu-larmente usada no grego antigo não para designar um lugar de descanso final, mas para um local temporá-rio, em uma jornada que levará a outro lugar no final. Isto se encaixa às palavras de Jesus para o criminoso na cruz: “Hoje você estará comigo no paraíso”. Apesar de uma longa tradição de erros na leitura, “paraíso”, aqui, não significa o destino final, mas um jardim,

uma terra de descanso e tranqüilidade, onde os mor-tos encontram refrigério enquanto esperam pelo fim do novo dia.

A questão principal da frase está no aparente con-traste entre o pedido do criminoso e a resposta de Jesus: “Lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”, o que significaria que isso seria num tempo distante no futuro. Contudo, a resposta de Jesus traz a esperança futura para o presente, significando que com a sua morte, o Reino de Deus é chegado, apesar de não parecer nada com aquilo que as pessoas imagi-navam. Tal certeza é sintetizada na sua célebre frase: “Hoje você estará comigo no paraíso”.

A ressurreição então aparecerá com o significado da palavra no mundo antigo, quando não era uma forma de falar sobre a vida depois da morte. Era uma forma de referir-se sobre uma nova vida do corpo após quaisquer estados de existência as pessoas en-trariam com a morte. Era, em outras palavras, a vida após a vida após a morte. O que dizer então sobre pas-sagens como I Pedro 1, que fala sobre a salvação que está “guardada nos céus”, para que no presente creia que receberá “a salvação de suas almas”? O Cristia-nismo ocidental nos dirige em uma direção equivoca-da. A maioria dos Cristãos hoje, ao ler uma passagem como esta, assume que o significado seja que o céu é aonde você vai para receber esta salvação, ou até, que a salvação consiste em “ir para o céu quando você morre”.

A forma como agora compreendemos a linguagem no mundo ocidental é completamente diferente do que Jesus e seus ouvintes compreendiam e significa-vam. Para começar, o céu é na realidade uma forma reverente de falar sobre Deus, portanto as “riquezas do céu” significam simplesmente “as riquezas da pre-sença de Deus”. Mas, por derivação deste primeiro significado, o céu é o lugar onde os propósitos de Deus para o futuro estão armazenados. Não significa o local onde eles devem ficar e, portanto, você deve ir até lá para aproveitá-los. É onde estão guardados até o dia em que se tornarão realidade na terra. A heran-ça futura de Deus, o novo mundo incorruptível e os novos corpos que habitarão o mundo novo, já estão guardados, esperando por nós, para que apareçam no novo céu e nova terra.

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MISSÕES

SShunii é uma divindade do mal. Todos os sábados, os devotos devem lhe depositar oferendas, quase sempre na forma de alimentos como frutas, verduras e arroz. Essa é a única maneira de aplacá-lo e assim evitar suas ações maléficas. Não é difícil encontrar Shunii – sua figura grotesca, pintada de azul, ornamenta pequenos altares instalados em esquinas, ruas e praças na Índia, tanto nas grandes cidades como nos pequenos vilarejos. Famílias inteiras saem em procissão até os nichos com imagens de Shunii, que são fabricadas e distribuídas aos borbo-tões pelo país. Às vezes, é preciso recorrer aos serviços de

Em nome de Jesus,

entre milhões de deuses

Há dez anos, a missionária brasileira Ana Maria Sarkar

atua para salvar corpos e almas na Índia

um guru, que recebe donativos para oficiar cerimônias em homenagem à entidade. Feito o culto, as pessoas po-dem voltar sossegadas às suas casas, pois consideram-se a salvo dos infortúnios que podem ser provocados pela ira do deus mau. Pelo menos, até a semana seguinte, quando será preciso repetir o rito.

Assim como Shunii, dezenas de milhões de divindades são veneradas na Índia, uma nação com 1,1 bilhão de ha-bitantes. Cerca de oitenta por cento dessa imensa popula-ção declara-se seguidora do hinduísmo – muito mais que um sistema religioso, trata-se de um conjunto de crenças,

Terra de milhões de deuses, a Índia é uma nação de intensa diversidade étnica e religiosa

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Atividades culturais e recreativas envolvem as crianças atendidas pela missão

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arquivo pessoal

tradições e superstições tão diversificado como o povo indiano. Lá, convivem centenas de etnias e fala-se nada menos que duas mil línguas e dialetos. A presença cristã, minoritária, desperta sentimentos que vão desde a into-lerância ao ódio puro e simples, expresso em atentados religiosos que vêm aumentando no país. Embora prati-que um regime democrático e disponha de tecnologias avançadas, a Índia é uma nação que se rege por tradições ancestrais inalteradas em pleno século 21. A sociedade é dividida nas chamadas castas, sendo a maior delas a dos párias, reunindo indivíduos que vivem na pobreza abso-luta e sequer devem ser tocados. Acredita-se na lei do car-ma, segundo a qual os sofrimentos são resultado de maus atos praticados em vidas anteriores. Por isso, os hindus devem conformar-se com seu destino, pois seria impossí-vel mudá-lo, e aguardar melhor sorte num ciclo sucessivo de reencarnações.

Pois foi diante deste quadro de obscurantismo espiritual que a missionária brasileira Ana Maria Miranda Sarkar se deparou quando chegou pela primeira vez à Índia, em 1996. “Aquele era um mundo novo e assustador para mim. Fi-quei perplexa com o semblante das pessoas, que pareciam acuadas”, lembra a carioca de 43 anos, que lidera o mi-nistério Harvest Today (Colheita Hoje), uma organização não-governamental de orientação evangélica instalada em Dakshin Barasat, a 50 quilômetros de Calcutá – cida-de indiana com mais de 16 milhões de habitantes e todas as mazelas de um mega-aglomerado urbano de Terceiro Mundo. Harvest Today é a concretização de um sonho missionário de Ana Maria e hoje atende mais de 300 fa-mílias carentes, prestando assistência na área educacional e de saúde (ver quadro na pág. 42).

Criada no Evangelho, Ana Maria teve trajetória seme-lhante à de boa parte dos adolescentes e jovens crentes. “Eu vivia mais pela fé de meus pais”, lembra. Até que, aos 19 anos, o encontro genuíno com Cristo acabou mudan-do o rumo de sua vida. Após um período de intensas ati-vidades na igreja que freqüentava, Ana sentiu um chama-do missionário. “A princípio, acreditei que deveria seguir para a França”, conta. A fim de se preparar devidamente para a obra, ela fez cursos na área de missiologia, estudou idiomas e especializou-se em enfermagem. Mas seu cam-po não seria a iluminada Europa, e sim, uma das regiões mais pobres do mundo. “Certa vez, folheando uma revis-ta, vi uma foto chocante. Mostrava uma criança indiana miserável, chorando ao lado do cadáver da mãe.” A par-tir dali, ela começou a buscar a orientação do Senhor e orar pela Índia. “Deus revelou que me daria aquela nação como herança”, frisa a missionária.

“Escravidão ao diabo” – Depois de um período no Reino Unido, afiando o inglês, Ana foi “espiar a terra”. Passou três meses na Índia, fazendo contatos com cristãos locais e estudando a melhor maneira de iniciar um trabalho so-cial e evangelístico no país. A questão legal foi uma pri-meira barreira. Embora tenha se apresentado como pro-fissional de saúde disposta a auxiliar a população local, só mesmo um milagre, no entender dela, tornou possível a obtenção de um visto para cinco anos. “Isso é muito raro de acontecer”, diz. Ligada à Igreja Presbiteriana Betâ-nia, de Niterói (RJ), ela foi enviada definitivamente como obreira comissionada e instalou-se em um apartamen-tinho alugado em Calcutá. “Eu não conhecia ninguém ali e não falava nada em bengali. Caminhava pelas ruas, contemplando a dura vida que as pessoas levavam. Era de apertar o coração.” Sem saber exatamente o que fazer, começou a pedir a Deus que enviasse pessoas até ela. A súplica foi atendida na pessoa de Manju, uma adolescente que veio em busca de trabalho. Manju, paupérrima, vivia numa aldeia próxima. “Ela acabou ficando. Fazia peque-nos serviços domésticos, comia comigo e me observava atentamente”, conta Ana.

A garota acabou se tornando o primeiro fruto do trabalho da missionária. “Em pouco tempo, ela apren-deu um pouco de inglês a partir das nossas conversas e de alguns dicionários de bengali que eu tinha. Um dia, comprei uma Bíblia em sua língua e dei a ela.” Ana Maria explica que o processo de evangelização de um indiano é longo e trabalhoso. “Não é nada fácil para uma pessoa

Carlos Fernandes

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A missionária Ana Maria: “Há muita escravidão espiritual”

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que pratica o panteísmo aceitar que deve adorar um só Deus”, explica. “É preciso conquistar sua confiança e desenvolver uma amizade.” Pois foi com esta fórmula que Ana levou Manju à con-versão a Cristo. Logo depois, surgiu um rapaz interessado em aprender

inglês. Percebendo a oportunidade, a missionária abriu um curso que atraiu outros jovens. “Um belo dia, quatro meninas maltrapilhas bateram à porta mendigando co-mida. O estado delas era deplorável, tive que controlar a ânsia de vômito”, admite. Mesmo contando apenas com a bolsa mensal de US$ 1 mil fornecida por sua igreja e ofertas eventuais, Ana Maria comprou-lhes roupas, um kit básico de higiene e comida.

Em pouco tempo, o apartamento já abrigava o curso de inglês, uma escolinha bíblica para crianças e uma im-provisada clínica. Cada vez mais pessoas apareciam em busca de ajuda material – mas uma outra clientela cha-mou a atenção de Ana Maria: a de mulheres desesperadas com a própria realidade. “As meninas, principalmente, sofrem muito na sociedade indiana. A cultura local pri-vilegia a figura masculina. As mães que têm filhas são discriminadas; afinal, meninas são um peso para suas famílias, que precisam pagar dotes aos futuros maridos.” A obreira brasileira conviveu com crianças abandonadas,

mulheres violentadas e esposas espancadas pelos próprios companheiros. “Ao contrário do que muitos ocidentais imaginam, os indianos não vivem naquela aura de espi-ritualidade exótica. O que existe é escravidão ao diabo, mesmo. O número de suicídios é enorme, assim como o de mortos pela fome e por doenças. O cheiro de corpos cremados é horrível”, afirma.

Passo de fé – Quando começou a visitar as famílias de “suas meninas”, como faz questão de dizer, Ana conheceu a aldeia de Dakshin Barasat, que se tornou uma espécie de cabeça de ponte de seu ministério. Ali, em meio à ca-rência generalizada, ela encontrou espaço para montar uma clínica e uma escola. Os habitantes, muitos dos quais jamais haviam tomado um antibiótico, aglomeravam-se à porta. “Havia muito o que fazer. Eu dava vitaminas, fazia pequenos curativos, ensinava hábitos de higiene.” Um médico local, também cristão, foi contratado para os atendimentos mais complexos. Centenas de pessoas apa-reciam a cada dia. “Eu as atendia e orava por todos em nome de Jesus. Logo, a casa ficou conhecida como ‘hos-pital de Jesus’”. Àquela altura, uma equipe de obreiros lo-cais, frutos da missão, já colaborava com o serviço. Surgiu uma igreja. “Descobrimos estabelecimentos que vendiam comida e remédios mais baratos. Aquecemos até a econo-mia local”, brinca.

Mas além de abrir corações para a Palavra de Deus, o ministério também era um risco para Ana. Grupos de religiosos radicais, tanto hindus como muçulmanos, in-satisfeitos com o florescimento do trabalho cristão, pas-saram a intimidar a missionária. Um dia, no trajeto entre

A missão Harvest Today (Colheita Hoje) é um comple-xo de ação social e evangelística instalado na periferia de Calcutá, na Índia. Além de Escola Maranata de ensino fun-damental – onde 300 alunos de tempo integral recebem três refeições diárias –, a entidade mantém uma clínica que atende cerca de 250 famílias da região. Há ainda cursos de inglês para crianças e jovens, núcleo de atividades comu-nitárias e uma igreja, a Casa Betânia. A missão abriga tam-bém cerca de 30 meninas e adolescentes rejeitadas pelas famílias. Atualmente, a missão conta com 26 obreiros de tempo integral e também com voluntários indianos e es-trangeiros.

Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho da missio-nária Ana Maria Miranda Sarkar e de Harvest Today pode fazer contato pelo e-mail [email protected] ou com a coordenadora no Brasil, Ormi Sardenberg, pelo e-mail [email protected]

Classes de alfabetização são uma das prioridades de Harvest Today

Fé em ação

Carlos Fernandes

arquivo pessoal

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Calcutá e a aldeia, Ana Maria foi jogada do trem. “Só não fiquei paraplégica por milagre, pois fraturei várias vérte-bras”, conta. Sem ninguém para socorrê-la – o hinduísmo inspira nas pessoas um fatalismo que beira a indiferença –, ela se deslocou sozinha até o hospital mais próximo, muitos quilômetros e estações depois. Com a saúde e o ânimo abalados, ela confessa que pensou em desistir. “Os medos que me assaltaram na minha chegada à Índia vol-taram com mais força. Mas sentia o Senhor confirmando meu ministério naquele lugar”, lembra, emocionada.

De volta ao Brasil para um período de recuperação, Ana Maria foi informada de que sua igreja não a man-teria mais. “Meu pastor, temendo por minha vida, disse que eu não voltaria sob sua responsabilidade.” O jeito foi tomar uma atitude de fé e retornar mesmo sem garantia de sustento, já que as ofertas que apareciam não seriam suficientes para manter tudo funcionando. Mas a provi-dência divina veio na forma da solidariedade de um alto funcionário do governo indiano, já aposentado, que co-nheceu o trabalho da brasileira e ofereceu-lhe apoio para institucionalizar o ministério. “Até então, funcionávamos em uma base improvisada. A legalização nos capacitou a fazer convênios com outras entidades.” O retorno à ter-ra que passou a amar também teve outras surpresas para Ana. Um cristão que a conhecera havia mais de três anos

a pediu em casamento. “Relutei um pouco”, conta, meio encabulada, “mas percebi naquilo a vontade do Senhor para minha vida.” A união com Malay Sarkar proporcio-nou a Ana a cidadania indiana e a garantia da permanên-cia no país. “Antes, era preciso sair e retornar para reno-var o visto, um processo cansativo e dispendioso. Agora, isso acabou”, comemora.

A trajetória de fé de Ana Maria a tornou conhecida e requisitada. Ela já esteve nos Estados Unidos, na Europa e até no Japão falando de seu trabalho. Em todas as oca-siões – como na temporada que passou no Brasil, entre dezembro de 2007 e março deste ano, visitando a família e percorrendo igrejas de vários estados –, fala da urgên-cia do trabalho missionário entre povos não-alcançados e busca patrocinadores para Harvest Today. Pelo sistema da missão, é possível sustentar uma criança, dando-lhe edu-cação, moradia e alimentação, com cerca de R$ 30 men-sais. “Aqui, pode ser pouco, mas na realidade da Índia, é muito”, revela. Mais que auxílio, os assistidos pela missão ganham uma esperança. Para gente como a jovem Manju e milhares de outros indianos para quem o ministério de Ana representou a diferença entre a vida e a morte, Shunii e os milhões de deuses do panteão hindu não represen-tam mais uma ameaça – pois eles, agora, podem descan-sar à sombra do Onipotente.

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INTERNACIONAL

Timothy C. Morganar

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A cidade do Cairo, uma metrópole do mundo árabe: Egito tem presenciado

intenso trânsito religioso de muçulmanos para o Cristianismo

Crise de identidade

Há nove anos atrás, Mohammed Hegazy, então com 16 anos, desistiu dos estudos em uma escola Islâmica após de-cidir que não queria ser um pregador muçulmano. Trans-feriu-se para outra escola, sem saber que estava se juntan-do a uma classe que incluía sete estudantes cristãos. Aquela mudança, em 1999, e a conversão de Hegazy ao cristianis-mo, um processo que se desenrolou nos anos seguintes e

(First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)

deve-se ao testemunho daqueles seus colegas, deram início a uma série de eventos que terminaram na Suprema Corte Civil do Cairo, a capital egípcia. Em janeiro passado, o juiz Muhammad Husseini recusou-se a dar a Hegazy uma nova carteira de identidade que o registraria como cristão. “Seu coração pode acreditar no que quiser, mas no papel ele não pode converter-se”, sentenciou o magistrado. Hegazy não

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O pastor Menes Noor é um dos principais líderes cristãos egípcios

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estimativas. “É um iceberg. Se você ouve falar sobre mil, então devem ser 100 mil abaixo da superfície”, especula.

sonhos e visões – Sameh mostra que as raízes deste ressur-gimento evangelístico são o resultado de um avivamento eclesiástico ocorrido nos anos 1970. Ele conta que Menes Abdul Noor, então pastor da Kasr El Dobara, e o pregador ortodoxo Zakarias Botross estavam entre os poucos líderes cristãos no Egito dispostos a assumir o risco de batizar mu-çulmanos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. As tensões dentro da Igreja Ortodoxa chegaram ao ápice em 1978, quando o papa Shenouda III suspendeu Zakarias do ministério. Autoridades egípcias o prenderam duas vezes por falsificar identidades. Em 1989, o líder deixou o país e desde sua aposentadoria, em 2003, apresenta o influen-te programa Truth talk (“Conversa sobre a Verdade”) no canal cristão via satélite Al Hayat. Já Menes também en-frentou anos de oposição. “Fui ameaçado, pensei que eu iria morrer. Mas tudo bem”, lembra. Na época, ele ficou mais perturbado com as ameaças que recebeu de que iriam queimar sua igreja, aberta no coração do Cairo por pres-biterianos em 1950, sob permissão do então rei Farouk – que depois arrependeu-se de haver concedido autorização para o templo cristão funcionar. “Mesmo que destruíssem a construção, nós a reconstruiríamos e não deixaríamos de evangelizar o povo”, conta, ciente de que protagonizou uma história de fé.

Hoje, Kasr El Dobara não é mais o único bastião do Evangelho nas terras egípcias. “Acho que os ortodoxos es-

foi o único egípcio convertido a Cristo a levar sua ques-tão de identidade para o Judiciário. Em outro caso, um juiz permitiu que cristãos convertidos ao Islamismo por divór-cio ou emprego pudessem se reconverter ao Cristianismo. Mas as novas cédulas de identidade de doze pessoas nesta situação incluem palavras potencialmente estigmatizantes. O documento traz a seguinte frase: “Cristão, que previa-mente proclamou o Islamismo como sua religião”.

Em um terceiro caso, um responsável administrativo da Corte ordenou que o governo deveria omitir nas identida-des qualquer designação religiosa dos seguidores de Baha’i, uma minoria religiosa marginalizada. No Egito, a carteira de identidade de uma pessoa é seu passaporte para a cida-dania, sem a qual não é possível exercer os mais elementa-res direitos. O documento é necessário, por exemplo, para alugar um apartamento, conseguir um emprego, matricu-lar-se na escola, votar, viajar para outros países e receber serviços do governo. Estes cartões registram não só infor-mações básicas como nome, filiação e data de nascimento, mas também residência legal e confissão religiosa. As úni-cas opções religiosas são o Islamismo, evidentemente ma-joritário numa nação árabe, o Cristianismo e o Judaísmo.

Os três casos ganharam enorme atenção na mídia por-que o Egito está criando uma nova base de dados para os cartões de identidade de seus cidadãos. Também foram publicados novos procedimentos sobre punições para apostasia em uma nação que já tem um pobre histórico de direitos humanos e é considerada pela Missão Portas Aber-tas, entidade evangélica que defende a liberdade religiosa, como um dos 20 países onde o Cristianismo mais sofre restrições. Na Igreja At Kasr El Do-bara, considerada uma das maiores e mais in-fluentes congregações evangélicas do Oriente Médio, o pastor sênior Sameh Maurice vê como uma vitória espiritual toda esta recen-te cobertura da mídia. “São tempos melhores para a liberdade de expressão”, disse o religio-so a Christianity Today. “O fato de Hegazy ter ido à Corte para fazer tal pedido é algo novo, que nunca aconteceu nos últimos 1.400 anos”, comemora. Sameh acredita que um terremoto religioso está balançando o Oriente Médio, le-vando muitos fiéis do Islamismo à conversão a Jesus. “Durante anos, centenas converteram-se da fé muçulmana ao Cristianismo. E isso, se-cretamente. Agora, convertidos escrevem suas histórias, estão em salas de bate-papo virtual. É uma voz que tem sido ouvida pela primeira vez.” Para o pastor, os números vão além das

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Fiéis muçulmanos em mesquita: fé no Islã é passada de pai para filho

Arquivo

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tão batizando mais do que os evangélicos. Dez vezes, cem vezes mais do que nós”, reconhece o pastor Sameh. Em um culto dominical recente, ele compartilhou com sua con-gregação o conselho que ele dá “aos amigos que não são cristãos” quando estes lhe questionam. “Eu digo a eles que peçam a Deus que lhes mostre a verdade. Não conheço ninguém que tenha dito isso a Deus e não tenha conheci-do a Cristo depois”, diz, convicto. Este tipo de abordagem ainda está fora da zona de conforto de muitos evangélicos egípcios.

“Eles me aconselham a não fazer isso todo o tempo”, continua Sameh. O pastor conta relatos de muitos muçul-manos que dizem terem sido visitados por Jesus. “O mé-todo mais efetivo para a conversão de muçulmanos são as visões e os sonhos. É o trabalho do Espírito Santo, e não o trabalho dos homens, da igreja ou da organização.” Esta abordagem também proporciona aos pastores da Kasr El Dobara sua primeira linha de defesa contra as acusações de proselitismo. Uma vez, autoridades questionaram Me-nes sobre o batismo de uma mulher que o procurou após ter uma visão de Jesus atravessando as portas de sua casa no Kuwait. “É um problema da polícia local”, respondeu a eles. “Eles não cuidaram da porta e da janela”, brinca. Sameh também identifica o exorcismo, particularmente por pregadores ortodoxos, como motivo de abertura sig-nificativa para a abordagem. “Muçulmanos sabem que se você quer se livrar de um demônio, deve ir à igreja. Muitos deles, após serem libertos, são batizados”.

“firme em Jesus” – Na verdade, o maior desafio vem

depois que um fiel deixa Alá para seguir a Jesus. Pratica-mente todas as igrejas no Egito e em outros lugares do mundo islâmico conhecem a dificuldade de se integrar ex-muçulmanos à vida de uma comunidade cristã – al-guns líderes eclesiásticos até questionam se isso é verda-deiramente possível. No distrito de Al Maadi, ao sul do Cairo, Paul-Gordon Chandler serve na Igreja Anglicana St.John Baptist. Criado como filho de missionários no Senegal, na África, cresceu vendo seus pais trabalharem para trazer muçulmanos a Cristo. Viu também estes con-

vertidos serem expulsos de suas famílias – e, raramen-te, serem aceitos em sua totalidade pelas igrejas locais. Começou a questionar se, por acaso, seria possível para alguém seguir os ensinamentos da Bíblia e continuar mu-çulmano.

Há alguns anos, Chandler descobriu o trabalho do es-critor Mazhar Mallouhi. Depois disso, publicou recente-mente o livro Pilgrims of Christ on the Muslim Road (Pe-regrinos de Cristo na estrada muçulmana), que conta a história de vida de Mallouhi. Há muito tempo associado com evangélicos no Oriente Médio, Mallouhi se descreve como um seguidor de Jesus dentro do Islã. A missão a que se impôs é apresentar as Escrituras Sagradas de uma forma que os muçulmanos a compreendam. Um de seus livros,The Fugitive (O fugitivo), conta a história do filho pródigo em um contexto moderno dentro do Islamismo.

Chandler entende sua missão através de dois pontos: aprender da espiritualidade Islâmica e ajudar seus fiéis a compreender a verdadeira imagem de Cristo. “Estou me-nos interessado no diálogo entre as religiões, mas muito apaixonado pelas amizades entre as diferentes crenças”, sintetiza. Para o escritor, a verdade é o principal. “Amo a citação de Santo Ambrósio de Milão: ‘Não importa de onde vem toda a verdade, pois vem do Espírito de Deus. O desafio é construir a verdade no outro”.

Até em Kasr El Dobara, onde a igreja tem uma apa-rência tradicional e recebe os novos convertidos, Menes geralmente os encoraja a manter sua nova fé em segredo. “Uma razão é o fato de que sua nova vida em Cristo tem efeitos sobre suas famílias”, ele diz. “Quando uma família descobre que um de seus membros tornou-se cristão, eles não têm muito do que falar contra o Cristianismo. Em segundo lugar, eles terão tempo de firmar-se na fé. Antes de criar qualquer problema, terão uma base firme”.

Para gente como Mohammed Hegazy e sua mulher, Zeinab – também convertida do Islamismo –, estes deba-tes sobre conversão são temas acadêmicos. Sua situação chega a ser esdrúxula. A não ser que o casal receba seus cartões de identidade como cristãos, o governo irá con-siderar sua filha recém-nascida como uma muçulmana. Hegazy já recebeu inúmeras ameaças de morte – incluin-do uma feita pelo próprio pai, um maometano devoto. Os dois vivem escondidos. “Manter-me fiel é a minha obri-gação para comigo, para com minha família e todos os muçulmanos que se converteram ao Cristianismo; enfim, para todos os cristãos.” Hegazy irá apelar na Corte e, caso seja necessário, começar um novo processo. “Coloco mi-nha fé em Deus”, resigna-se. (Timothy C. Morgan é editor da Christianity Today)

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MINISTÉRIO

Cerca de 800 mil membros, mais de 500 pastores e nada menos que oito cultos por domingo, traduzidos para oito idiomas e veiculados ao vivo pela internet. Os números gran-diosos são a principal característica da Yoido Full Gospel Church (Igreja do Evangelho Pleno de Yoido), na Coréia do Sul. Agora em maio, a megacongregação completa 50 anos e consolida o modelo de células, que ajudou a disseminar como uma das soluções para o cristianismo contemporâneo. Não poderia mesmo ser diferente – com um rebanho tão grande, só mesmo em pequenos grupos é possível manter um mínimo de acompanhamento a seus fiéis. Reconhecida pelo Guinness Book como a maior igreja evangélica do plane-ta, a Yoido Full Gospel está na base de um dos movimentos mais expressivos do protestantismo contemporâneo.

A história da igreja se mistura com a de seu fundador, o célebre pastor David Yonggi Cho. Ministro ligado à Assem-bléia de Deus, ele criou um método de oração influenciado pela filosofia budista e técnicas de yoga, que se constitui numa espécie de pensamento positivo espiritual. Partindo do princípio de que o cristão tem a capacidade de trazer tudo à existência pela fé, Cho escreveu o best-seller A quarta di-mensão, livro que provocou uma revolução na vida de mi-lhões de pessoas ao redor do mundo – e também bastante controvérsia. Polêmica, aliás, é o que não falta na trajetória do líder sul-coreano. Há cerca de 15 anos, ele causou estra-nheza ao revelar que estava trocando seu nome de batismo, Paul, por David. Tal mudança aconteceu devido a uma visão em que, após ter se encontrado com sua falecida mulher e figuras bíblicas como Abraão e Davi, Cho teria sido instruído

pelo próprio Deus a mudar de nome, numa espécie de “res-surreição” pessoal.

Pequenos grupos – Inaugurada em maio de 1958, a Igreja do Evangelho Pleno funcionou inicialmente numa tenda. Mais tarde transformado em templo, o espaço tem capaci-dade para abrigar 25 mil pessoas. Desde seus primórdios, a igreja incentiva a formação de pequenos grupos, que se reú-nem na própria casa dos crentes. O sistema já alcança 1 mi-lhão de pessoas e está na base do crescimento exponencial da comunidade, que começou no início dos anos 1960, período em que a revolução industrial coreana originou uma nova ordem social baseada no fenômeno da urbanização.

“O modelo criado por Cho é simples, baseado em subdi-visão de tarefas”, explica o pastor Robert Lay, presidente do Ministério Igreja em Células, sediado no Paraná. Em março, a entidade reuniu cerca de 1,2 mil pastores no 7º Congresso Anual de Igrejas em Células, na cidade de Águas de Lindóia (SP). “Basicamente, é um sistema de cuidado e administração de tarefas”, descreve Lay. Ligado à Igreja Evangélica Irmãos Menonitas, ele diz que o movimento de células está mais adiantado no Oriente, embora a segunda maior igreja do gê-nero no mundo é a Elim, de El Salvador, com mais de 120 mil membros, que se divide em 7,8 mil grupos. “As células nos levam de volta à Igreja do Novo Testamento”, continua o pastor. “Neste modelo, coabitam ao mesmo tempo noção da grande congregação, que se reúne nos templos aos domin-gos, e a pequenina comunidade nos lares. Tanto uma quanto a outra são a mesma Igreja do Senhor.” (Samuel Averbug)

Igreja do Evangelho Pleno da Coréia do Sul completa 50 anos de um crescimento consolidado através dos pequenos grupos

Gigantismo descentralizado

O pastor Cho diante da congregação: Igreja do Evangelho Pleno tem crescimento baseado nas células

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CH DIGITAL | Whaner Endo

NMuitas imagens, uma Palavra

“O vídeo na internet permite assistir

e transmitir conteúdos com

muita qualidade”

Nos últimos anos, a grande rede tem alterado a forma de a Igreja atuar nesse mundo multimidiático. Vários re-cursos oferecidos pela internet têm sido utilizados para que o “Ide” de Jesus seja cumprido, como as redes so-ciais e o marketing viral ou de guerrilha, já abordados neste espaço. Desta vez, vamos tratar de uma ferramen-ta mais prática e que tem sido utilizada em larga escala pela Igreja real na seara virtual: o vídeo na internet.

Com a redução do custo das conexões em alta ve-locidade, já é possível assistir e transmitir vídeos com muita qualidade. Pregações, apre-sentações e shows são alguns dos conteúdos (não muito criativos, é claro) que são criados pelos “pro-dutores gospel”. Existem dois tipos de vídeos que podem ser assistidos ou enviados: os pré-gravados e os ao vivo. É claro que o equipamento de captura – a webcam ou celular – é importante, assim como a taxa de compressão e a resolução do vídeo. Mas para que o material seja real-mente relevante, sempre se deve ter em mente a teoria das funções sociais da mídia, desenvolvida por Charles Wright, em 1974. Sua tese afirma que todo meio de mas-sa deve desempenhar algumas funções sociais:

Vigilância – Fornecer informações para ajudar as pessoas em sua vigilância do meio ambiente (jornais, revistas, programas de TV e, no nosso caso, igrejas, co-munidades, etc);

Interpretação – Ajudar o processo de compreensão das informações recebidas, tranformando-as em conhe-cimento;

Transmissão de valores/Socialização – Mesmo como entretenimento, deve-se sempre procurar conteúdos que ajudem a transmissão de valores para as próximas gerações, permitindo, assim, a boa convivência uns com os outros.

Quanto à qualidade na forma, algumas dicas: em primeiro lugar, deve-se utilizar bons equipamentos. Já existem câmeras e celulares com boa resolução. A Qui-ckCam Pro 9000 da Logitec é um exemplo de ótima we-bcam. É preciso atenção especial também à inclusão de legendas, créditos e textos de introdução. Eles podem ser conseguidos facilmente através do Windows Movie Maker, programa gratuito que vem com o Windows XP.

Hoje já existem vários sites para hospedar seus víde-os: Youtube, YahooVídeo, GoogleVídeo e até o GodTube, voltado para o público cristão. Deles, o YouTube permite uma maior visibilidade. Além disso, sempre busque no-vas tecnologias e ferramentas. O Asterpix, por exemplo é uma ferramenta de publicação de vídeos que permite a inclusão de notas e links nas imagens. A tecnologia, batizada de hipervídeo, auxilia o usuário a obter mais informações sobre aquilo que está assistindo.

Uma forma de utilização de vídeo na internet que ainda não está muito disseminada é a transmissão ao vivo de vídeos. Basta uma câmera ligada ao com-putador e uma conexão rápida e pronto!, qualquer um pode come-çar a sua TV ao vivo pela inter-net. Até a transmissão de cultos e eventos através dessa tecnologia já é bem acessível. O ustream.tv é um site que permite a transmissão ao vivo, com interação através de chat. Diferente de programas como

Skype e Messenger, no Ustream você cria uma sala de vídeo onde qualquer pessoa pode entrar, sentar no seu sofá e assistir à sua transmissão interativa.

No mais, vale o ditado: uma imagem realmente vale mais que mil palavras – ainda mais se o seu conteúdo estiver baseado na Palavra de Deus.

www.asterpix.com Aprenda a utilizar a tecnologia de hipervídeo

www.ustream.tv Crie suas próprias salas de vídeo-conferência.

http://www2.metodista.br/unesco/agora/index.htm – Conteúdo gerado a partir do Seminário Wacc/Unesco/Metodista de Mídia Cidadã. Não deixe de ler a declara-

ção de princípios Carta de São Bernardo

Whaner Endo é publisher da W4 Editora e diretor executivo da Associação de Editores Cristãos. Contato:

[email protected]

Veja mais

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CINECULT | Nataniel Gomes

PPríncipe Caspian é o segundo filme da sé-rie cinematográfica As Crônicas de Nárnia, que estréia nos Estados Unidos em 16 de maio e a previsão é de que saia por aqui no dia 23, segundo as últimas informações. Depois do sucesso de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, agora é a vez do segundo livro da saga de C. S. Lewis, publicado em 1951. Aliás, o livro chegou a ser publicado no Brasil pela Ediouro nos anos 80, com o título O Príncipe na Ilha Mágica, com tra-dução de ninguém menos que o famoso cronista Paulo Mendes Campos.

A história traz os mesmos protagonis-tas da primeira aventura: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia, só que mais de mil anos depois – isso na contagem de Nárnia, o equivalente a apenas um ano no nosso mundo. Neste período, em que os quatro irmãos Pevensie estiveram fora de Nárnia, ela foi invadida pelos terríveis telmarinos. Diante de ameaça, as criaturas fantásticas e falantes tiveram que se esconder, mas o príncipe Caspian, herdeiro do trono, sonha em reviver a Antiga Nár-nia. Para isso, invoca os reis do passado através da trompa

mágica de Susana, que ela deixou antes de voltar para nosso mundo. Os tais telma-rinos são, na verdade, piratas do mundo dos mortais que se perderam em uma ilha e foram abduzidos para Nárnia através de uma caverna.

Clive Staples Lewis (1898-1963), ou simplesmente C. S. Lewis, é considerado um dos maiores críticos literários, escrito-res de obras de ficção e teólogo do século 20. Muitos consideram que as figuras mi-tológicas utilizadas em seus livros seriam extraídas do paganismo, e portanto, in-compatíveis com a fé cristã. Só que, assim como Cervantes, Lewis usa o sonho e a fala de animais para expressar suas idéias.

Essa atmosfera de conto de fadas é justamente um dos mé-ritos da obra – em uma carta para uma criança que era sua fã, ele diz que os pequenos têm facilidade para perceber, por exemplo, quem é o leão Aslam: uma figura de Cristo.

Nataniel Gomes é doutor em Lingüística, professor universitário e editor da Thomas Nelson Brasil

Mundo encantado Chega ao Brasil Príncipe Caspian, segundo

longa-metragem da série As Crônicas de Nárnia

Desde o lançamento de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, em 2006, a obra de C. S. Lewis tornou-se mais co-nhecida e prestigiada pelo público brasileiro. Confira um pouco do que há para ver e ler:

filmes – Além dos longas da série atual, a Focus Filme lançou As Crônicas de Nárnia – Edição de colecionador, uma caixa com três DVDs com produções da década de 90 da TV inglesa, contendo, além de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa e Príncipe Caspian/A viagem do Peregri-no da Alvorada e A Cadeira de Prata – cada um com mais de três horas de duração. Já Terra das Sombras, de 1993 (Warner), é um filme ganhador de diversos prêmios, mas ainda inédito em DVD no Brasil, que narra um momento

muito importante da vida de C. S. Lewis. Existe uma outra versão com o mesmo título que é ainda mais fiel àquele momento. Mas o desenho animado O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, de 1979, pode ser encontrado a menos de 10 reais por aí.

Livros – Alma do Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, de Gene Veith (Danprewan); O Imaginário em as Crônicas de Nárnia, de Glauco Barreira Magalhães Filho (Mundo Cristão); Os Bastidores de Nárnia, de Devin Brown (United Press); O Evangelho de Nárnia, organizado por Gabriele Greggersen (Vida Nova). Há ainda os sites www.cslewis.com.br (nacional) e www.cslewis.com (internacional). Já o site www.cslewis.org é da Fundação C. S. Lewis.

L e w i s m a n i a

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LIDERANÇA | Dallas Willard

“Graça contrasta-se com merecimento, mas não com esforço”

Todo pastor, mais cedo ou mais tarde, enfrenta as deman-das contraditórias de ser um profissional e estar no mi-nistério. Isso porque essas duas realidades podem entrar em conflito. Um profissional tem uma agenda a cumprir, credenciais para manter, uma escada profissional a per-correr. Detalhes inadiáveis se sobrepõem à solitude; o tempo necessário à relação com Deus pode ser subtraído por urgências administrativas. A rotina de serviço dá lu-gar a uma postura de gestor. Assim, uma vida de simplici-dade e cuidado de almas é colocada de lado pela ambição e expectativa.

Assim como médicos, advogados e outros profissio-nais hoje em dia, pastores sentem que suas condições de trabalho estão em conflito com o seu chamado. O cres-cimento dessa frustração causa a perda da paz e da ale-gria. Mas, as coisas não precisam ser assim. O próprio Jesus, bem como tantos de seus seguidores ao longo dos tempos, encontraram sua força no servir. O único Deus a quem servimos colocou em nossas mãos as chaves para o Reino, conforme Mateus 16.19. Apesar dos séculos de controvérsias eclesiásticas sobre o significado desta pas-sagem, precisamos entender simplesmente que a nossa confiança em Jesus como o único a quem “foi dada toda a autoridade nos céus e na terra” (Mateus 28.18) nos per-mite ter acesso às riquezas de seu Reino. Isto nos torna

possível realizar nosso trabalho e viver nossas vidas na força, alegria e paz de Cristo.

Possuir as chaves significa primeiramente “aproveitar o acesso”. Imagine um homem que mantém cuidadosamente suas portas fechadas e suas chaves em mãos, mas que nun-ca entrou em sua casa! Ter acesso ao Reino e viver nele é o que importa. Numa tradução livre, outra célebre passagem do evangelho de Mateus pode ser entendida assim: “Bus-que mais do que tudo, agir conforme o Reino de Deus e possuir seu tipo de bondade, e todas as outras coisas que você necessitar lhe serão acrescentadas”. Paulo lembrou aos romanos: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?”.

Mas se a abundância está aqui, suficiente para derrotar as “portas do inferno”, porque não nos aproveitamos dela? Precisamos de uma chave para as chaves. A abundância de Deus não é recebida passivamente e não nos é outorgada por acaso. A abundância de Deus é reivindicada e coloca-da em ação por nossa busca inteligente e ação. Precisamos agir em conjunto ao mover da vida do Reino de Deus que vem através do nosso relacionamento com Jesus.

Não podemos fazer isso, é claro, simplesmente sozinhos. Mas precisamos agir. Graça contrasta-se com merecimen-to, mas não com esforço. Um esforço decisivo, sustentado e bem dirigido é o caminho de acesso às chaves do Reino e a uma vida de força e paz no ministério.

Dallas Willard é professor de filosofia na University of Southern California, em Los Angeles (EUA)

As chaves de Deus

(First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)

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SONS DO CORAÇÃO | Nelson Bomilcar

ECoração de adorador30 anos de louvor e adoração é um presente de Asaph Borba para as novas e as antigas gerações

Em 1974, Asaph Borba começou a sua caminhada com Jesus. Eu o conheci um ano depois, em Porto alegre (RS), quando tocava bateria em Vencedores por Cristo e nos tornamos amigos. Hoje, passadas mais de três décadas, ele e sua mulher, Rosana, mantêm um ministério dos mais relevantes no Bra-sil e no mundo. Por isso mesmo, a che-gada do DVD 30 anos de louvor e ado-ração é um marco e um registro dessa importante caminhada. Asaph cele-bra a Deus junto com outros ícones da música cristã como Adhemar de Campos, Gerson Ortega, Daniel Souza e outros amigos. Representante de uma geração com referenciais de integridade, mentores sérios e profunda visão do Reino de Deus, Asaph Borba construiu um ministério consistente e comprometido com a Palavra e com a obra de Cristo. Pena que parte da nova geração desconhece a história de Asaph e de outros servos fiéis, como Sérgio Pimenta, Guilherme Kerr, Paulo César, Wolô e tantos outros que foram ofuscados pelo “mercado gospel” de poucas virtudes. Asaph é autor de cânticos como Jesus em tua presença, Celebraremos com jú-bilo, O meu louvor é fruto, Minh’alma engrandece ao Senhor e tantos outros que compõem o repertório da adoração e lou-vor na Igreja do Brasil. Contatos: www.asaphborba.com.br

Quatro décadas de qualidade

Há coisa de 40 anos, um grupo real-mente original revolucionou a música cris-tã brasileira com seus arranjos modernos e uma sonoridade tipicamente nacional. Agora, no DVD Sem fronteiras, os Vence-dores por Cristo fazem uma viagem pelo que de melhor o ministério produziu nes-tas quatro décadas de estrada. Atualmente

com uma equipe fixa e trabalho também no Nordeste, os Vencedores produziram uma coletânea que vai agradar em cheio aos fãs de ontem e de hoje. São nada menos que 20 músicas de diferentes autores que marcaram

época nas igrejas, tudo com nova roupagem e gravado com avançados recursos técnicos – de Ralph Carmichael (Nas estrelas e Deus é real) a Jorge Rehder (Rei das nações e Sal-mo 34), passando por Sérgio Pimenta (Pescador e Tudo ou nada), além de Artur Mendes e Edy Chagas (Sinceramente e Cristo, meu Mestre) e a poesia de Guilherme Kerr (Mente e

coração). Só restou uma lacuna histórica na produção: a ausência de uma única música de Aristeu Pires Jr, autor de De vento em popa, considerado um marco na músi-ca cristã nacional. Contatos: www.vpc.com.br; fone (11) 5183-4676.

Sopro da alma

Ester Tsunashima. Quem gosta da boa música instrumental deve guardar bem este nome. Flautista com mais de 20

anos de carreira e com presença garantida em gravações de dezenas de músicos cristãos no Brasil, ela está lançando Brisa, lindíssimo álbum em que interpreta clássicos do cancioneiro evangélico. Ao único (Bené Gomes), Deus, somente Deus (Phill Mchugh) e outras pérolas trazem o frescor do talento de Ester aos ouvidos e à alma. Os arranjos e produção de Brisa são de Cezar Elbert, com inúmeras participações especiais, como a de Daniel Maia, Bidu Novais, Cláudio Rocha e Adriana Oliveira. Quem assina gravação e mixagem é o competente Henrique Soares, e na masterização, Luciano Vassão. Contato: [email protected]

Ondas em harmonia

Ondas eternas é um daqueles CDs para se ouvir em tranqüila apreciação e meditação. Compositor, cantor e exímio guitarrista, Mi-guel Garcia mostra neste trabalho que é pos-sível, sim, sair da mesmice do cenário mu-sical evangélico de hoje. Com bom gosto e virtuosismo, o artista envolve o ouvinte com harmonias quase intrigantes, na companhia de outros grandes profissionais como Edu Martins, Sandro Haick, David Richard e Pepe Cubano, entre outros. Ondas eternas faz a ligação sonora de nossas percepções humanas com o coração de Deus. Gravado em São Paulo, o álbum teve a direção do próprio Miguel e de Fátima Nascimento. Contato: www.miguelgarcia.com.br; (11) 9203-9101.

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Nelson Bomilcar é músico, compositor, produtor, escritor e pastor. Trabalha com o Instituto Ser Adorador (www.seradorador.com.

br) e apresenta o programa de música cristã Sons do coração, pela rádio Transmundial. Toca com a Confraria das Artes pelo Brasil.

E-mail: [email protected]

Com arte e com graça

Os evangélicos ainda não têm muita tradição em outras artes que não a música. Mas o trabalho da Companhia Rhema de Teatro e Dança tem enchido os olhos dos espectadores por onde passa. Com atores, bailarinos e coreógrafos que exercitam a imaginação e as percepções de fé através do seu talento, a Companhia Rhema agora traz m DVD o espetáculo Paredes, gravado no Centro Cultural Oscar Niemeyer,

em Goiânia (GO). Com direção geral de Adriana Pinheiro e Luciana Torres, Paredes tem 14 diferentes coreografias que abordam o auto-conhecimento e a compreensão do mundo e das coisas de Deus – tudo com muita graça, nos dois sentidos. Contato: www.onimusic.com.br; fone (31) 3292-3117

Rock com conteúdo

Novos ventos musicais sopram do Sul do Brasil. Com quatro integrantes – Nico Romano, Juliano Tavares, Otto e Rubem Thiem –, a banda Pescadores tem feito um som da melhor qualidade. E o mais importante é que a sonoridade consistente do rock urbano dos Pesca-dores vem acompanhado por letras de forte conteúdo bíblico e evangelístico. Gravado e mixado lá mesmo em Santa Catarina, o CD Aparências e atitudes mostra que o grupo não está dis-posto a seguir pelo caminho fácil da adoração de merca-do proposto pela indústria fonográfica gospel. Contato: www.bandaelouvor.com.br

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Uma fé em transformaçãoPesquisadora metodista diz que o movimento gospel está

mudando o modo de ser evangélico

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Carlos Fernandes

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Desde que o movimento pentecostal brasileiro tornou-se fenômeno de massa, no último quarto do século 20, espe-cialistas das mais diversas áreas têm se debruçado sobre a Igreja Evangélica com lupas de pesquisador. O espantoso crescimento do segmento, que pulou de um traço esta-tístico para a posição de segundo maior grupo religioso do país, tem sido discutido e explicado de muitas manei-ras – quase todas, diga-se de passagem, incompletas ou mesmo parciais. Por isso, trabalhos como o da professora Magali do Nascimento Cunha ganham relevância. Jorna-lista, doutora em Ciências de Comunicação e mestre em Memória Social e Documento, ela é docente em diversos cursos da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista da Universidade Metodista de São Paulo e atua ainda como palestrante e conferencista. Mas observa o cenário evan-gélico nacional com ainda mais conhecimento de causa, já que é membro da Igreja Metodista do Brasil e do Comi-tê Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Ninguém pense, contudo, que Magali faz algum tipo de concessão ao corporativismo. Ao contrário – a pesquisa-dora não poupa as críticas que julga necessárias à Igreja contemporânea. No seu mais recente livro, A explosão gospel – Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil (Mauad Editora), Magali constrói

uma tese segundo a qual esse movimento chamado gos-pel fundamenta-se não apenas na lógica do mercado, mas também numa série de novos comportamentos e maneiras de enxergar e praticar o Evangelho. “Vivemos o surgimento de uma cultura religiosa nova”, afirma a professora. Segundo ela, a explosão gospel criou tantas demandas que afetou até mesmo a teologia cristã deste século 21. Entender este multifacetado universo de fé e todos os seus desdobramentos talvez seja tarefa para ge-rações. Mas nesta entrevista, Magali Cunha aponta alguns caminhos.

CRIsTIANIsmO HOJE – Como a senhora define a cultura gospel?mAGALI DO NAsCImENTO CUNHA – Vivemos o surgimento de uma cultura religiosa nova, um jeito de ser diferente daquele construído pelos evangélicos brasi-leiros ao longo de sua história. Novos elementos foram adicionados como resposta ao tempo presente, que é for-temente marcado pelas culturas da mídia e do mercado, e pelo crescimento de novos movimentos evangélicos, principalmente o pentecostalismo. O movimento musical chamado gospel resultou deste processo sócio-religioso e abriu caminho para outras expressões. Isso quer dizer

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que testemunhamos uma ampliação, sem precedentes, do mercado religioso e de formas religiosas mercadológicas. Há também uma relativização da negação do mundo, tão cara aos evangélicos brasileiros – o corpo é valorizado, assim como a diversão. Com isso, temos uma nova cul-tura experimentada, um novo modo de ser evangélico: privilégio à expressão musical, envolvimento no mercado e espaço para o lazer e o entretenimento. O termo “gospel” não é abrangente demais para abrigar tantos elementos e manifestações? Na verdade, podemos dizer que as diferenças que existem entre os grupos evangélicos estão bastante “sufocadas” por essa forma cultural. Uso o termo “gospel” para de-finir esse modo de vida porque ele emerge do fenômeno que ganhou corpo nos anos 90 – o movimento musical que detonou um processo e configurou algo muito maior. Surgiu uma forma cultural, um modo de vida gospel. Ele não é uma expressão organizada, delimitada; mas resulta do cruzamento de discursos, atitudes e comportamentos entre si e com a realidade sociopolítica e histórica.

mas existem traços comuns entre todas essas manifestações? Há, principalmente, três elementos. Em primeiro lugar, a busca de modernidade e inserção dos evangélicos na lógica social da tecnologia, da mídia, do mercado e da política. Numa segunda perspectiva, tivemos as transfor-mações na forma de cultuar e na ética de costumes de um significativo número de igrejas. Veja que atualmente não é mais possível identificar o que é um culto batista, ou um culto metodista, ou um culto presbiteriano. Iden-tificamos, em nossas pesquisas, uma só forma de cultuar com as mesmas características. E, em terceiro lugar, um discurso comum que privilegia temas como “vitória” e “poder”, com ênfase no aqui e agora, bem diferente da tra-dição evangélica, cuja pregação privilegiava temas como o céu e a segunda vinda de Cristo como compensação pelos sofrimentos do presente. Essa produção de cultu-ra alcançou uma amplitude que perpassa, senão todas, a grande maioria das igrejas e denominações evangélicas brasileiras.

O louvor tem importância cada vez maior nos cultos. Por que as igrejas têm dado tanto valor à música? Quem é Deus e quem é Jesus na maioria das canções? A maior parte das composições traz imagens da teofania monárquica do Antigo Testamento. Assim, Deus e Jesus são intensamente relacionados a imagens de reinado, ma-

jestade, glória, domínio e poder. Nesta linha, ganha novo sentido a figura dos levitas, que passam a ser destacados e traduzidos na contemporaneidade como “os ministros de louvor”, terminologia assumida nas igrejas. Disso re-sulta também o estabelecimento de uma hierarquia de ministérios. Há maior destaque aos levitas, e isso pode ser observado no lugar que ocupam no culto. Quem toca e canta é considerado ministro; já quem realiza outras ati-vidades de serviço raramente é apresentado e destacado dessa maneira. Essa nova cultura gospel tem espaço para a ética cristã? Vivemos hoje uma forte crise de ética cristã quando pri-vilegiamos um modo de ser baseado no “eu” e na expe-riência. Isso é totalmente incompatível com o Evangelho. E a coisa se agrava quando aprendemos que ser cristão é consumir bens e serviços religiosos e divertir-se não como mera assimilação da cultura do mercado, mas como ex-pressão religiosa. Quer dizer, a cultura gospel permitiu aos evangélicos brasileiros a inserção de elementos profanos na forma de viver sua fé e de relacionar-se com o sagrado. Em seu livro Explosão gospel, a senhora diz que o fenô-meno mercadológico mudou o jeito de ser evangélico no país. Afinal, o que mudou? Mercado religioso não é novidade. A oferta de produtos relacionados à religião e à fé sempre existiu. O que ocorre hoje é que o mundo vive um momento em que o mercado é o centro da vida socioeconômica, determina políticas e relações. E esse momento tem reflexos no cristianismo quando, por exemplo, experimentamos um crescimento sem precedentes do mercado religioso e os cristãos se tor-nam segmento de mercado.

Qual o efeito disso sobre a teologia evangélica? Observamos hoje o surgimento de teologias que resultam deste predomínio da lógica do mercado na cultura dos povos. A teologia da prosperidade, que apregoa o sucesso material, especialmente o financeiro, como resultado da

“O novo modo de ser evangélico caracteriza-se pelo

privilégio à expressão musical, por envolvimento no mercado

e espaço para o lazer e o entretenimento”

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“Vivemos hoje uma forte crise de ética cristã quando

privilegiamos um modo de ser baseado no “eu” e na experiência. Isso é

totalmente incompatível com o Evangelho”

bênção de Deus, é fruto disso. A confissão positi-va, do “eu que tudo pode” – então, a bênção passa a ser resultado do esforço pessoal –, e a noção da guerra espiritual, que combate as forças espiritu-ais malignas que prejudicam o homem, também. Mas não é só isso. Existe a idéia de que, ao comprar um produto de orientação cristã, o crente não está só adquirindo um bem, mas chegando mais perto de Deus. Ou seja, o caráter sagrado atribuído aos produtos cristãos os tornam uma espécie de me-diadores entre Deus e o consumidor. Por isso, as pessoas compram adesivos para que seu carro seja protegido do mal ou adquirem camisetas que vão guardá-las de infortúnios. Isso sem falar em gente que compra um CD daquele cantor “abençoado”, acreditando que ouvir as músicas pode até propor-cionar uma cura. O individualismo é uma marca do cristianismo contemporâneo?Ocorre hoje uma exacerbação desse individualis-mo porque a cultura do mercado que predomina entre os povos bebe dessa fonte, o que se reflete na religiosidade evangélica. Por isso, as canções nunca trouxerem tanto o predomínio do “eu”, do gozo espiritual intimista; ao mesmo tempo, muito pouco ou quase nada se fala do valor do outro, do serviço, da partilha e da mutualidade. O surgimento das chamadas comunidades evangé-licas, cujo apogeu ocorreu nos anos 1980, foi deter-minante para o surgimento da cultura gospel? As igrejas alternativas surgem como uma reação ao protestantismo tradicional e ao seu comporta-mento restritivo. Por isso eram, e ainda são, ma-joritariamente jovens e modernas. Esse fenômeno contribuiu, sim, para a formação da cultura gospel, mas não podemos dizer que é responsável. Foi um elemento a mais. Mas vale dizer que este vanguar-dismo das igrejas alternativas nunca abdicou dos elementos básicos da cultura evangélica no Brasil – apenas deu-lhes nova roupagem.

Hoje, é comum as igrejas copiarem modelos eclesiásticos considerados de sucesso, sobretudo os grandes ministérios liderados por dirigentes carismáticos. Qual o papel da mídia nisso?A cultura da mídia, que é um elemento forte nas sociedades contemporâneas, promove uma padro-

nização de discursos e práticas. Temos um padrão para cantar, para se comportar, para falar de Deus e da Bíblia. Isso porque as grandes igrejas e os gru-pos mais expressivos, com suas respectivas lideran-ças, conseguem espaço na mídia e viram modelos a serem copiados ou adaptados para a realidade de um sem-número de comunidades.

Qual a crítica que a senhora faz ao uso que os evangélicos têm feito da mídia no Brasil?A mídia evangélica é extremamente comercial. Ela reproduz a lógica da mídia secular e não faz di-ferença no meio. É diferente de mídias cristãs de outros países, que produzem documentários, lide-ram campanhas de cunho social, exibem mensa-gens bastante criativas relacionadas ao calendário cristão. Ainda não assisti a nenhuma programação desta natureza em nosso país. O programa mais

criativo que assisti nos últimos tempos saiu do ar – era o 25ª hora, da Igreja Universal, que debatia temas da conjuntura com especialistas e pessoas cristãs que os relacionavam ao desafio do Evange-lho. Os poucos programas de debates nas rádios ou TVs evangélicas de hoje são apenas doutrinadores do grupo que os lidera. O debate já tem conclusão antes de terminar. O tom evangelístico, de buscar a adesão de novos fiéis à proposta evangélica, é coisa do passado na mídia. Os programas não são mais dirigidos aos não-cristãos, mas sim a quem é cren-te, ligado a qualquer igreja, para receber doutrina-ção que corresponde ao discurso da cultura gospel e as ofertas dos produtos de quem lidera aquele veículo. A divulgação dos locais de reuniões pú-blicas dos grupos condutores da programação é apenas um apêndice à veiculação massiva de con-teúdo musical, já que o mercado fonográfico do

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“A mídia evangélica brasileira é extremamente comercial. Ela reproduz a lógica da mídia secular e

não faz diferença no meio”

segmento é uma força. Os demais aspectos da programa-ção – debates, sessões de oração, estudos e sermões – não têm aquele cunho proselitista clássico, mas é carregado de ênfase doutrinária para conquistar novos espectadores e consumidores para os produtos oferecidos.

A Renovação Carismática Católica assemelha-se ao pentecostalismo pela espontaneidade litúrgica e na ênfase nos dons do Espírito santo; contudo, é um mo-vimento bastante conservador, por exemplo, na devo-ção a maria. A senhora acredita que os pontos de iden-tificação entre os dois grupos podem chegar ao ponto de superação das diferenças teológicas? Ainda não tenho elementos para falar sobre este fenôme-no de maneira mais sistemática, mas esta é uma realida-de. O fato é que a Igreja Católica Romana têm perdido membros durante as últimas décadas para o pentecos-talismo, assim como as igrejas evangélicas históricas. A Renovação Carismática Católica tem buscado práticas de inspiração pentecostal para preservar sua membre-sia, atrair de volta os fiéis perdidos e conquistar outros. Marcelo Rossi e os outros padres cantores, assim como a Rede Canção Nova, são fruto desta conjuntura. A liturgia é chave deste processo. Não é possível ainda fazer previ-sões, mas uma intuição me leva a dizer que não podemos esperar a superação das diferenças. Ao contrário, deve haver um reforço da competição, pois membresia e nú-meros são chaves motivadoras de tal processo. O tom da visita de Bento XVI ao Brasil em 2007 deixou isso claro. A flutuação de membros é fenômeno comum nas igre-jas evangélicas deste início de século, ao contrário da valorização do pertencimento que se observava até bem pouco tempo. Quais os motivos que levam a esta infidelidade denominacional? Vários sociólogos da religião têm estudado este fenôme-no e o denominado “trânsito religioso”. Eles indicam que é fruto deste fluxo de modernidade que experimentamos na contemporaneidade – o individualismo, a busca ex-trema da satisfação pessoal imediata, a valorização do descartável. As pessoas transitam por igrejas em busca da satisfação pessoal imediata. Descartam experiências em busca de outras mais intensas e interessantes, e o des-compromisso dá o tom deste processo. A senhora é membro da Igreja metodista, denomina-ção fortemente envolvida com o diálogo ecumênico. No Brasil, o ecumenismo é veementemente rechaçado por igrejas de linha pentecostal. Esta rejeição deve ser

atribuída ao desconhecimento acerca do movimento ecumênico ou trata-se mesmo de preconceito?Um dos mais fortes impedimentos para o ecumenismo é a indiferença ecumênica. Há, sim, o anti-ecumenismo, a manifestação contrária de gente que é contra e diz por quê. Mas o que é maior não é a oposição declarada, e sim a indiferença à necessidade da busca de unidade entre os cristãos. Podemos chamar isso de “convivência tranqüi-la” com as divisões. Entre as razões da rejeição ao ecume-nismo, podemos fazer uma pequena lista. Existem, claro, as divergências teológico-doutrinárias que as igrejas en-frentam. Muita gente não sabe o que é ecumenismo, não conhece a sua história – preferem dizer que é “coisa da Igreja Católica”. Há ainda o preconceito, o exclusivismo religioso, o medo do diferente e a crise de identidade. Mas, se sabemos quem somos, temos certeza dos nossos valores e do que dá sentido à nossa fé, como podemos ter medo de sermos influenciados? Então, vou aprender e reter o que é bom.

Qual é a viabilidade do diálogo ecumênico em um universo religioso tão multifacetado como o brasileiro? O diálogo ecumênico é algo de Deus. Pluralismo reli-gioso sempre existiu e vai continuar existindo. Enquan-to as religiões, principalmente as igrejas, não dialoga-rem e superarem suas divergências, o mundo não vai crer, como disse Jesus. Isso não quer dizer deixar de ser quem é e assumir outro jeito de ser. Diversidade é coisa boa. Deus permite isso porque quer que seja assim. A questão é sabermos lidar com isso e aprendermos. Pre-cisamos que as igrejas dialoguem e cooperem entre si, a partir do que têm em comum, neste mundo tão dividido por natureza. As igrejas não podem ser mais uma fonte de divisão para este mundo esfacelado. O mundo não vai crer enquanto o crescimento evangélico for baseado em competição e divergências.

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LIVROS E RESENHAS | Luciano Vergara

Cuidando da herançaQuando filhos bons fazem escolhas ruinsElyse Fitzpatrick e Jim Newheiser224 páginasCPAD, 2007

Em uma família cristã, é comum os filhos se tornarem alvos da projeção da espiritualidade dos pais. Como en-

carar, então, situações em que eles assumem posições próprias e passam a determinar o que querem? Qual é a atitude certa a tomar ao experimenta-rem aquilo que pais de hábitos conservadores mantêm fora do seu alcance, por considerarem impróprio e prejudicial às suas crenças? Jim Newheiser, um dos autores de Quando filhos bons fazem escolhas ruins, e sua esposa, Caroline, de-cidiram encarar as próprias dores e abrir o verbo com outros pais e mães angustiados. Para que o livro se concretizasse, um time de conselheiros reuniu talentos e experiências, focalizando alguns desafios que uma família cristã pode ter de en-frentar – coisas como a rebeldia dos filhos, dúvi-das quanto à fé ou a maneira correta de enfrentar deficiências mentais e psicológicas. Apropriado para estudos com casais maduros, o livro também serve como manual de auto-ajuda.

Inspirações do púlpitoMensagens selecionadasHernandes Dias Lopes327 páginasHagnos, 2007

Um ministério que se destaca pela importância dada à pregação. É algo que se pode dizer de Hernandes Dias

Lopes, autor de Mensagens selecionadas, desde 1985 uma referência evangélica em Vitória (ES). Muitos crentes de passagem pela capital capixada têm ido à sua igreja para ouvi-lo. Mas prova de que esse minis-tério não está restrito a uma localidade é que o livro, editado por um selo da relevância da Hagnos, com-

plementa o acervo já disponível nos mais variados formatos, desde o boletim da igreja até CDs, DVDs e arquivos de MP3, em livrarias e na internet. Mes-mo esboços convencionais, quando possuem conte-údo bíblico e equilibrado, geram mensagens edifi-cantes, seja em que tempo for e sem a necessidade de artifícios mirabolantes – pois a graça, quando se encontram a natureza adequada do tema, a passagem bíblica apropriada e a necessidade humana em sua es-pecificidade, flui salvadora no coração.

Fé com razãoGuia para a pesquisa de campo – Produzir e analisar dados etnográficosStéphane Beaud e Florence Weber235 páginasVozes, 2007

Da origem clássica da socio-logia, com Montesquieu (entre os séculos 17 e 18), ao positivis-ta Auguste Comte (século 19), galgando a etapa de sistema-

tização de Marx, Vilfredo Pareto, Émile Durkheim e Weber (séculos 19 e 20), o saber sociológico tem evoluído muito em suas abordagens. Exemplo disso é a imprensa, atualmente um “termô-metro” indispensável para pessoas e instituições. Uma de suas ferramentas básicas, a entrevista, é fonte pri-mária para depoimentos etnográficos que, às vezes, al-cançam enorme repercussão. Para especialistas, o atual estágio científico – em áreas como a antropologia, a psicologia social, a filosofia social e a economia – não admite meras conjecturas para se chegar a conclusões sociológicas. E o Guia de Beaud e Weber mostra que a etnografia dos trabalhos de campo vem se afirmando entre antropólogos e sociólogos, apesar da resistência de quem acha que o método contamina a isenção dos etnólogos.

Discussões de peritos à parte, o conhecimento an-tropológico colhido diretamente entre os grupos hu-manos interessa ao crescente número de acadêmicos vinculados a igrejas cristãs. Entender o comportamen-to social, mapear culturas e ter noção dos modelos grupais vigentes é uma etapa fundamental do trabalho de pastores, líderes e educadores cristãos.

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Com firmeza e amorA missão cristã no mundoJohn Stott168 páginasCandeia/Arte Editorial, 2007

Poucos souberam empreender um debate igualmente firme e amoroso en-tre os pontos de vista liberal e evangé-lico (ou evangelical) como John Stott. Hoje aposentado de algumas funções, o teólogo britânico deu voz e tinta em defesa do Evangelho bíblico e integral.

Stott, por anos expositor na All Saints Church, de Lon-dres, confronta a unilateralidade – tanto a de liberais, no campo social e político, quanto a dos evangelistas aliena-dos das vicissitudes temporais do mundo moderno.

Há na Bíblia um chamado missionário aos cristãos para se vincularem ao projeto de salvação integral con-duzido por Deus séculos a fio. Por isso, este livro tenta, a partir da Palavra, definir missão, evangelização, diálogo, salvação e conversão em função de sua origem divina e espiritual, e não apenas em termos históricos e seculares. A palestra ainda inspira compromisso com a ética social e a evangelização, mais de 30 anos após ser proferida por Stott no Congresso Mundial de Evangelização, em Lau-sanne, na Suíça, em 1974.

O valor da singeleza

A arte de ser feliz sem sair do lugarMaurice Fullard Smith111 páginasThomas Nelson Brasil, 2007

Quem não teve ainda um mo-mento em que é preferível parar, sem agenda nem intenção defini-da, e apenas sentir o instante? Os capítulos deste livro sugerem algo assim – ficar descontraído, ouvin-

do o som dos pensamentos. Mas quem pensa que isso é utopia ignora um princípio presente em toda a Criação. A mais vigorosa espinha dorsal requer vértebras alinhadas

Luciano Vergara é jornalista, professor do Seminário Teológico Betel, no Rio de Janeiro, e pastor metodista.

e firmes, tendo entre elas um tecido sensível e delicado, que as protege e ajuda a cumprir a sua função. Também, toda estrutura, por mais rígida que seja, precisa admitir a flexibilidade do balanço, a fim de evitar desabar sob as inexoráveis forças da natureza. Palavras são como as mãos, que tanto podem quebrar o barro quanto modelar a argila, dependendo da força que se lhes imprima. Por isso, leve como a fumaça exalada pela xícara de chá, ser feliz sem sair do lugar é como vencer sem fazer guerra. Um livro artisticamente concebido, de texto suave e ilus-trado com bom gosto pode ser o presente certo quando queremos que alguém se sinta especial.

Caminho das pedras

A igreja cidadãBattista Soares256 páginasArte Editorial, 2007

Os contrastes que an-tagonizam enormes con-tingentes de população humana ainda desafiam o Evangelho. Diante da desigualdade, a prega-

ção às vezes parece inócua e sem sentido. Como dar relevância social a uma mensagem es-piritual? Battista Soares acredita na capacidade de a Igre-ja de Cristo empreender ações transformadoras em seu próprio contexto missionário. Para o autor de A igreja ci-dadã, que traz na bagagem experiência em gestão pública e desenvolvimento sustentável, a igreja é simultaneamen-te comunidade e ação. Pensando assim, Soares propõe o norteamento de estratégias e ensina a planejar projetos de impacto social aliados à pregação e à vida comunitária. Como toda ênfase, a visão do autor deve ser percebida em sua essência. Somente assim, os projetos manterão o propósito pretendido por seus responsáveis, sem ficarem reféns do método ou “engessados” pela abordagem social – situação em que, às vezes, mais “enxugam gelo” do que resgatam almas.

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62 | CRISTIANISMO HOJE

OS OUTROS SEIS DIAS | Carlo Carrenho

V“Lembremo-nos de que

existem inúmeras formas de testemunhar. Falar é

apenas uma delas”

– Veja todas estas estrelas. Sem dúvida, uma das grandes criações de Deus.– Então você acha que um ser de algum tipo fez tudo isso?– Você não?– Você está me perguntando se eu acredito que se olhar para o céu e prometer alguma coisa, o figurão fará tudo isso desaparecer? Não.– Então 95% das pessoas na Terra estão enganadas?– Se a vida me ensinou algo é que 95% das pessoas estão sempre erradas.– Isto é o que chamamos de fé.– Tenho inveja das pessoas que têm fé. Eu apenas não consigo que minha cabeça aceite isso.– Talvez sua cabeça seja o empecilho, Edward.– Carter, nós tivemos centenas destas discussões. E elas sempre acabam no mesmo beco sem saída. Existe uma dimensão “contos de fada” ou não?– Então, no que você acredita?– Eu evito todas as crenças.– Não houve Big Bang? O surgimento do Universo por acaso?– Nós vivemos, morremos e a estrada continua.– E se você estiver errado, Edward?– Eu adoraria estar errado. Se eu estiver errado, eu saio ganhando.

Este diálogo é um trecho do filme Antes de partir, de Rob Reiner, com dois de meus atores favoritos: Morgan Freeman e Jack Nicholson. Freeman interpreta Carter, personagem cristão, fiel à esposa e apaixonado pelas es-trelas e por Deus. Nicholson faz o papel de Edward, um milionário incorrigível, arrogante, mulherengo e, como ficou claro no diálogo, absolutamente ateu. E ambos são amigos. Íntimos.

O filme é ótimo, mas foi a amizade entre Carter e Edward que me chamou a atenção. O ateísmo de Edward não impediu que Carter fosse seu amigo e curtisse louca-mente o tempo que puderam passar juntos. E, ainda as-sim, o testemunho de Carter foi exemplar, como mostra o diálogo citado e outros momentos do filme.

Infelizmente, há poucas pessoas como Carter no meio cristão. Poucos evangélicos estão dispostos a ter uma amizade autêntica com quem não compartilha sua fé com pessoas que seguem outros credos. Isso é no mínimo es-

tranho, uma vez que devemos ser o sal da terra e fomos mandados pelo próprio Jesus para ir por todo o mundo. Ora, se não nos relacionamos com o mundo, não estamos nele, e portanto, não cumprimos o mandamento de Jesus. Pior – ao nos relacionarmos apenas entre nós mesmos, cristãos, acabamos por ampliar o “gueto gospel”, criando o efeito Tostines da intolerância: tornamo-nos cada vez mais intolerantes aos não-evangélicos que, por sua vez, desenvolvem pre-conceitos contra os crentes, os quais acabam se isolan-do ainda mais e tornando-se mais intolerantes.

Esta questão do “gueto gospel” é o que mais me inco-moda na cultura evangélica contemporânea. Tive o privilégio de crescer na igreja e freqüentar uma escola judaica, o que me obri-gou desde cedo a ser tolerante e simpático às minorias – mesmo porque eu era uma minoria cristã dentro de uma minoria judia. Acho que esta educação bi-religiosa influenciou muito a diversidade de amigos que tenho: evangélicos, católicos, espíritas, ateus, judeus, vascaínos, flamenguistas e mesmo homossexuais.

Tais amizades permitem que eu testemunhe o amor de Cristo continuamente. Mas veja bem, não vale ser ami-go apenas para testemunhar. Você deve ser amigo sem nenhum interesse além do carinho mútuo e de um bom relacionamento pessoal. É o testemunho contínuo que deve naturalmente criar amizades com as mais diversas pessoas – e essas amizades não devem existir apenas para criar oportunidades utilitaristas de evangelização. Lem-bremo-nos que Jesus nunca aceitou o gueto, mas vivia conversando com samaritanos, fariseus e prostitutas. E lembremo-nos também de que existem inúmeras formas de testemunhar. Falar é apenas uma delas.

Carlo Carrenho tem um ótimo amigo cineasta, esloveno e ateu; um grande colega de trabalho

matemático e católico; um padrinho de casamento rabino e judeu; e um colega de profissão espírita

chamado José

Amigos, amigos, religiões à parte

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Há mais coisas entre o Céu e o Inferno do que supõe nossa vã fi losofi a.

Dois livros que trazem visões sobre o Paraíso e o Inferno, retratados por autores que voltaram da morte para mostrar aos outros a realidade dos dois lugares que mais temos curiosidade de saber como são.

Don Piper e Bill Wiese passaram por experiências incomuns e retornaram para relatar o que viram. Estes dois livros contam suas histórias.

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CRISTIANISMO HOJE | 63

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64 | CRISTIANISMO HOJE

De joelhos, ninguém tropeça

“Quando relatos de crescimento se transformam em modelos a serem

seguidos, o risco se torna iminente”

E

ÚLTIMAS PALAVRAS

Ziel Machado

Era sábado, de manhã ainda bem cedo. Eu chegava para um evento de jovens numa igreja na periferia do Rio de Janeiro. Ao entrar, encontrei um pequeno grupo reunido em oração. Para minha surpresa, além das senhoras, havia jovens ali. Um deles, que liderava a reunião, convidou a todos para se ajoe-lhar e orar, e o fez com a seguinte afirmação: “Quem anda de joelhos não tropeça!”

Um grupo de anônimos, reunidos bem cedo em oração, numa igreja de periferia. Isso não se torna notícia, nem engros-sa estatísticas do nosso controvertido crescimento evangélico. Gente assim também não é levada em conta na abundante lite-ratura destinada a promover os vários métodos de crescimento de igreja. Afinal, são anônimos! No entanto, é por meio de mi-lhões de anônimos que o Evangelho é proclamado e promove superação de todo tipo de barreiras, permitindo a formação de novas co-munidades de fé.

Lucas narra, no livro de Atos, a ação de anônimos no processo de avanço da missão cristã. No relato do surgimento da igreja em Antioquia (Atos 11.19-30), ele descreve como “alguns de Chi-pre e de Cirene começaram a pregar”. Eles ainda não eram, sequer, chama-dos de cristãos – mas, motivados pela perseguição após a morte de Estêvão, saíram anunciando o Evangelho. Como resultado, nasceu uma igreja multiétnica. Nada de espetacular é mencionado; o relato apenas menciona alguns evangelistas anônimos, motivados por algo que havia surgido para destruir a fé, mas que terminou por promovê-la.

O fato de ter sido uma ação anônima não a fez menor, des-provida de valor. Lucas fez questão de registrar a obra destes anônimos e ainda relata a atitude de Barnabé ao visitar esta igreja, quando enviado pelos irmãos de Jerusalém. Barnabé não chegou sugerindo aos crentes de Antioquia que era portador do “Modelo de Jerusalém”, a solução para o crescimento da Igreja. O texto nos diz que Barnabé reconheceu que a mão de Deus estava com eles e os animou a prosseguir. Esta é a questão fun-damental: antes de comparar Antioquia com Jerusalém (se é

que ele o fez), Barnabé testemunhou os sinais da mão de Deus naquela comunidade.

O crescimento numérico da Igreja Evangélica brasileira é um fato. Neste contexto, têm surgido muitos modelos com uma variedade de respostas ao que se supõe serem as perguntas vi-tais. No entanto, o problema está no fato de que, para muitos, a primeira pergunta tem sido negligenciada: “Quais são os sinais da presença de Deus nesta comunidade?”. Contudo, o ponto de partida tem sido a comparação, e não o reconhecimento da ação de Deus, em cada comunidade local. Os testemunhos de crescimento são inspirativos e devem despertar alegria em nos-so coração; mas, quando relatos se transformam em modelos a serem seguidos, o risco se torna iminente.

Fico pensando naquele pastor que, diariamente acompanha os membros de sua comunidade, visita lares e hospitais e, semana após sema-na, abre a Palavra de Deus e a expõe com a convicção de que o Senhor fala ao povo. Durante anos, ele aprendeu a reconhecer a mão de Deus sobre a igreja que conduz. Imagine como se sente este obreiro ao ser induzido a, de uma hora para outra, transformar o testemunho de determinadas igre-jas em modelo para sua comunidade. Agora, não se trata de reconhecer a

mão de Deus, mas sim, de comparar dinâmicas organizativas e funcionais.

Não sou contra os livros, encontros e ministérios que promo-vem determinadas experiências de crescimento, até o momento em que transformam relatos em modelos. A questão fundamen-tal não é a comparação de uma igreja a outra, mas sim o reconhe-cimento da ação divina em cada comunidade que se reúne em nome do Senhor. Se este crescimento evangélico é real, para além da dimensão numérica, então o responsável por ele é o próprio Deus. Neste caso, vale a pena seguir a orientação daquele crente anônimo: “De joelhos, irmãos; assim, ninguém tropeça.”

Ziel Machado é historiador, pastor, e secretário regional para a América Latina da Comunidade

Internacional dos Estudantes Evangélicos.

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